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ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA

"Quando pai é pai, e filho é filho, quando o irmão mais velho desempenha o papel de
irmão mais velho e o mais novo age de acordo com o papel de irmão mais novo,
quando o marido é realmente marido e a esposa é realmente a esposa, então, existe
ordem". (I. Ching )
1. COMPREENDENDO A DEPENDÊNCIA QUÍMICA

PROBLEMA DE SAÚDE ETIOLOGIA


PÚBLICA MULTIFATORIAL

 Políticas Públicas Ineficazes  Personalidade


 Pouco investimento em serviços  Família
e na qualificação profissional  Contexto social

BAIXA ADESÃO AO DOENÇA SOCIAL


TRATAMENTO

Conjunto de fenômenos que envolvem comportamento, cognição e fisiologia


corporal produzido pelo consumo repetido de substâncias psicoativas que, associado
ao forte desejo de usá-las e à dificuldade em controlar sua utilização apesar das
consequências danosas, tornam a droga a grande prioridade na vida do dependente,
em detrimento de outras atividades e compromissos socio-ocupacionais.
DEPENDÊNCIA QUÍMICA – CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS:

Padrão desadaptado de uso de substância, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente


significativo, manifestado por três ou mais dos critérios abaixo, no período de doze meses:

1) Tolerância, definida por:


a) Acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância; e,
b) Necessidade de quantidades sempre maiores da substância para ter o efeito desejado.

2) Abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:


a) Síndrome de abstinência característica para a substância;
b) Consumo da substância ou de outra relacionada a ela para aliviar ou evitar sintomas de falta

3) Esforços malsucedidos para reduzir ou controlar o uso da substância;

4) Grande gasto de tempo para obtenção da substância (ex.: consultas médicas, fazer longos
percursos), e no uso da substância (ex.: fumar em grupo) ou na recuperação dos efeitos;

5) Abandono ou redução de atividades sociais, ocupacionais ou recreativas em função do uso;

6) Dificuldade em interromper o uso da substância, apesar da consciência de problema físico ou


psicológico causado ou agravado por ela.
Aspectos históricos do processo saúde-doença associados à
dependência química
“[...] a doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a
reconhece como tal”. (Foucault)

Consumo de substâncias psicoativas: prática que acompanha a história humana

Relação normal/anormal: construída segundo a realidade social em cada época

Visão Cartesiana Cisão mente/corpo Negligência da dimensão psicossocial do


processo saúde-doença

Drogadicção = transtorno mental


Anulação da subjetividade na
Tratamento = internação psiquiátrica
relação de cuidado

Visão ampliada de Compreensão da complexidade do


saúde – OMS processo saúde-doença
Aspectos históricos do processo saúde-doença associados à dependência química

O que mudou na relação entre o homem e as substâncias psicoativas no mundo


moderno?

O uso de drogas na atualidade deixou de ser um elemento de integração, um fator de


coesão social, emocional e espiritual.

A drogadicção é uma consequência da alienação histórico-social, política e econômica,


que reproduz a dissociação em que vivemos. Ela é um sintoma da crise que
atravessamos, decorrente de fatores inscritos na dimensão individual, familiar e
social”. (Elizângela Pratta, Manoel Antônio dos Santos)
Dependência Química: Fatores de risco Culturais, políticos e
econômicos
Adolescência:
 Questionamento das regras;
Processos naturais
 Necessidade de experimentação;
considerados de risco
 Necessidade de aprovação pelo grupo de pares;
pela cultura
 Inseguranças advindas das transformações do período;
*** Início da afirmação de pensamentos e interesses individuais

Cultura:

1) Mídia: modelagem de valores, pensamentos, comportamentos:


a) Associação da imagem de usuários de drogas ao sucesso e à fama;
b) Comerciais: apelo para beber.

2) Costumes: associação da bebida alcóolica ao sentido de encontro, troca e comemoração;


- Valores: Ser X Ter = tolerância do uso em pessoas “produtivas” (risco);
- Permissividade social;
- Disponibilidade de droga.

3) Aspectos Econômicos e Políticos: Conjunto de fatores de maior complexidade e amplitude:


imbricações do tráfico de drogas em setores legais da sociedade.
Dependência Química: Fatores de risco
FAMILIARES INDIVIDUAIS
Uso de drogas pelos pais; Vulnerabilidade psicofisiológica ao efeito de drogas
Associação com amigos usuários
Encolhimento da família enquanto Personalidade imatura e com traços hedonistas
espaço de formação para a vida Vínculo frágil com a escola e consequente fracasso
escolar
Intromissão/desrespeito à Comprometimento ocupacional
individualidade, autonomia, privacidade
Relacionamento simbiótico x Dificuldade em lidar com rejeição dos pares
relacionamento desagregado (escola, amor, etc)
Estabelecimento da disciplina através de Dificuldade em lidar com figuras de autoridade e
práticas autoritárias com limites
Controle do comportamento através da Tendência a desenvolver depressão e/ou níveis
culpa muito altos de ansiedade
Comportamentos de evitação em Tendência a adotar a fuga, esquiva, mentira e
relação às tomadas de decisões manipulação como estratégias de negociação e
enfrentamento dos problemas
Pobre e inconsistente manejo dos Dificuldade de lidar com a frustração e com a raiva
desafios enfrentados pelo grupo
Dependência Química: Fatores de proteção - Família

1. Laços afetivos e vínculos fortes entre pais e filhos;

2. Sensibilidade e envolvimento com os sentimentos dos filhos (empatia);

3. Monitoramento das atividades e amizades do adolescente;

4. Construção de escalas de valores éticos e estímulo para condutas sociais adequadas;

5. Padrões equilibrados de disciplina;

6. Práticas educativas que associam direitos a responsabilidades;

7. “Alfabetização emocional”;

8. Inclusão dos filhos nas tomadas de decisão do grupo familiar;

9. Alto grau de motivação;

10. Envolvimento em trabalho comunitário e ligação com instituições sociais; e,

11. Associação com amigos não usuários.


Dependência Química: Fatores Individuais de Proteção

1. Auto-imagem positiva;

2. Auto-estima saudável;
Principais focos da terapia com
3. Lócus de controle interno; a pessoa com dependencia
química
4. Diversidade de estratégias de coping;

5. Facilidade para conquistar e manter amigos ;

6. Habilidade para ressignificar positivamente os eventos (resiliência);

7. Flexibilidade para aprender com o erro; e,

8. Permissão interna para identificar e afastar-se de relações e contextos “tóxicos”.

Dependência Química: Fatores Culturais de Proteção


CRAVING E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: CONCEITO, AVALIAÇÃO E TRATAMENTO
Início da
Consumo DIMENSÕES DO CRAVING
abstinência

Desejo de consumo da
sustância e de sentir Após longo tempo Irresistível impulso
seus efeitos sem utilizar a droga. para usar droga

Antecipação do Craving (Fissura):


resultado positivo Desejo intenso por Pensamento
do uso da uma substância obsessivo
substância

Humor Cognição
Alívio dos sintomas de Pensamento
abstinência Alívio de afetos
negativos

É importante definir as situações que estimulam o craving para que sejam melhor planejadas
as estratégias de prevenção de recaída. Técnicas de manejo (TCC): relaxamento, visualização,
cartões motivacionais, substituição de imagens, refocalização com palavra-chave)
TRATAMENTO DA FAMÍLIA DO DEPENDENTE QUÍMICO

Etapas vivenciadas pelas famílias na lida com a dependência química (abordagem sistêmica):

1) Negação:
-Tensão, desentendimento, fuga em relação ao problema;
- Formas alternativas de expressão de temores e angústias sem ligação direta com a
dependência química.

2) Extrema preocupação:
- Fim da possibilidade de negação: tentativas de controle do uso e das suas consequências
físicas, emocionais nos diversos setores;
- Segredo familiar (mentiras e cumplicidades relativas ao uso que reproduzem disfuncionalidade
familiar anterior ao problema).

3) Desorganização:
- Papéis rígidos e previsíveis que atuam como facilitadores;
- Assumem responsabilidades de atos do dependente (círculo vicioso);
- Inversão de papéis e funções (filhos que são pais dos pais).

4) Exaustão emocional:
- Graves distúrbios de comportamento e de saúde em todos os membros. A situação fica
insustentável, levando ao afastamento entre os membros e gerando desestruturação familiar.
TRATAMENTO DA FAMÍLIA DO DEPENDENTE QUÍMICO
* A abordagem familiar é fundamental para a eficácia do tratamento

Modelo Participação da família Tratamento


Doença Familiar É afetada pela Trata a família sem o dependente (Ex.: Nar
(produção científica dependência anon) Co-dependência
limitada)
Comportamental Interações familiares Objetivos: mudança do comportamento do
podem reforçar a adicção cônjuge ou das interações familiares que
como forma de obter estimulam o consumo ou as recaídas;
atenção e cuidado e ao melhoria da comunicação familiar e da
mesmo tempo punir habilidade de resolver problemas e fortale-
cimento de estratégias de enfrentamento
que estimulam a sobriedade.

Cognitivo- A cognição disfuncional Objetivos: reestruturar as cognições


comportamental da família sobre a disfuncionais, ajudando a família a
dependência química desenvolver estratégias para perceber e
reforçam o problema responder as situações de forma funcional.

Sistêmico Adicção é o estabilizador Clarificar o funcionamento familiar e


disfuncional da promover mudanças de padrões e
homeostase familiar interações familiares que causam a adicção
INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS:

Conscientização
Conscientização dos padrões
dos papéis disfuncionais
assumidos

Intervenções Crescimento
diretivas e individual e do
planejadas em grupo
conjunto
CONDIÇÕES ASSOCIADAS À CESSAÇÃO DO USO DE CRACK

 CRACK (1980): neuroestimulante derivado da cocaína que leva a sintomas de euforia, bem-
estar e desejo de repetir o uso, causando efeitos devastadores em todas as dimensões da
vida.
 Os sintomas da intoxicação e da abstinência são difíceis de suportar, e a cessação demanda
muito em termos de estratégias motivacionais e de prevenção da recaída.
 As técnicas para ajudar os adictos ainda trabalham com indicadores de adesão e impacto
baixos, e há poucas desenvolvidos ou adaptados para a realidade dos usuários de crack.
 As estratégias de evitação são as que mais garantem a permanência sem retorno ao
comportamento de consumo, junto com a percepção de consequências negativas do.
Variáveis que aumentam a probabilidade de abstinência do crack:
- Não ter parceiro;
- Ter familiar em tratamento em algum serviço da rede de saúde mental;
- Vivência de luto nos últimos 12 meses;
- Reconhecimento de dificuldades sexuais atribuídas ao crack; e,
- Reconhecimento de comunidades terapêuticas como recurso efetivo
(cuidado mais próximo, atendimentos frequentes e promoção mais intensa da sensação de
proteção em relação à fissura e à possibilidade de reiniciar o consumo).
CONDIÇÕES ASSOCIADAS À CESSAÇÃO DO USO DE CRACK

Variáveis que diminuem a probabilidade de cessação:


- Ter fumado crack com o pai;
- Longa dependência de crack;
- Auto percepção de saúde ruim; e,
- Escore positivo para sintomas depressivos no Inventário de Depressão de Beck (BDI).

REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO USUÁRIO DE DROGAS

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO DEPENDENTE QUÍMICO:


• Irresponsabilidade e delinquência;
• Subjetividade massacrada pelo esteriótipo social de “viciado”;
• Pessoas que escapam do controle das regras legais e morais da sociedade, transformando-se
numa ameaça para o sistema que, para autoproteção, persegue-os e pune
RESULTADO:
• Indisponibilidade para ouvir sobre suas experiências e vivências
• Invisibilização de seu sofrimento e de suas demandas
USO FUNCIONAL E DISFUNCIONAL DE DROGAS NOS CONTEXTOS LABORAIS

“O primeiro fumava maconha na colheita da cana porque ‘ficava com o corpo mais leve, dava
vontade de trabalhar’. O segundo escondia cachaça na sua mochila. ‘Quanto mais eu bebia mais
tinha energia. Eu me sentia forte’. O terceiro ‘ia embora’ com maconha ou crack (...) ‘Quando
usava ninguém me segurava. Cortei vinte e uma toneladas em um dia.’” (trabalhadores do
cultivo da cana)

O consumo de drogas pode ser dividido em dois tipos: (Fontaine 2006)

1. Funcional: a droga é usada como uma “ferramenta” de trabalho, sem acarretar prejuízos
para sua realização

2. Disfuncional: mudança no padrão de consumo em que a droga deixa de ser um meio para se
tornar um fim em si mesma, afetando gravemente o desempenho profissional.

Conclusão: mesmo no uso funcional, a relação do sujeito com sua atividade é basicamente
adaptativa, não podendo, portanto, ser considerada como saudável
PROCESSAMENTO IMPLÍCITO E DEPENDÊNCIA QUÍMICA
• Há mecanismos cognitivos que influenciam o comportamento adicto, alguns são eliciados
automaticamente, potencializando a vulnerabilidade à dependência e recaída ao uso.

• Adictos têm estratégias de tomada de decisão que buscam recompensas imediatas apesar
das consequências negativas no futuro (paradoxo central da adicção)

• Esse paradoxo pode ser explicado pelo duplo-processamento: o comportamento humano é


guiado por dois sistemas semi-independentes de processamento da informação:
Ascendente: de associação rápida, não-intencional, impulsivo e vinculado ao afeto, envolvendo
uma avaliação automática do estímulo em termos de sua relevância motivacional e emocional.
Descendente: é racional-analítico, intencional, incluindo processos controlados relacionados à
tomada de decisão, regulação da emoção e expectativas de resultados.
Fluxo:
1) Produção pela droga de alterações em substratos neurais associados à emoção e à motivação
2) Uso repetido: sistema impulsivo sensível aos efeitos e às pistas relacionadas a ela tornando
automáticas as ações que levam à procura e ao uso impulsivo
3) Integração dos estímulos relacionados a ela (imagens, sons, odores) à memória.
4) Ativação dos esquemas de ação, desencadeando a necessidade de consumir a substância.

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