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ESCOLAS E A PANDEMIA, AÇÕES DE ENFRENTAMENTO DO AFASTAMENTO

EDUCACIONAL:

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE AS ESCOLAS DURANTE O ISOLAMENTO


PROVOCADO PELO CORONAVÍRUS NO PERÍODO DE MARÇO A MAIO 2020, NA
BAIXADA SANTISTA

Roger Marchesini de Quadros Souza1


José Cláudio Diniz Couto2
Luzia Serapicos Martins Diniz Couto3

Resumo:
A transmissão local, endógena, da COVID-19 no Estado de São Paulo obrigou as secretarias de
educação do estado, municípios e as escolas públicas e privadas a adotarem ações de isolamento
social, com consequente suspensão de aulas presenciais, e adoção de modelos diversos de ensino
remoto. Essas medidas, adotadas em regime de emergência e sem o necessário planejamento,
impactaram diretamente o “chão da escola”, o trabalho docente e, consequentemente, a
aprendizagem dos alunos. Neste artigo, apresentamos pesquisa realizada neste momento decisivo,
a partir de acesso a reuniões pedagógicas promovidas por videoconferência e depoimentos colhidos
de alunos e professores também via remota. Trata-se de reflexões iniciais que permitirão, com seu
aprofundamento e novas pesquisas, a generalização pretendida, mas que em certa medida, já
refletem a realidade vivida em diversos sistemas de ensino e regiões como podemos verificar ao
longo do artigo.

Palavras-chave: Ensino Remoto. Pandemia. Educação.

SCHOOLS AND PANDEMIA, ACTIONS TO FACE EDUCATIONAL


WITHDRAWAL: AN INVESTIGATION ABOUT SCHOOLS DURING THE
ISOLATION CAUSED BY THE CORONA VIRUS IN THE PERIOD FROM MARCH
TO MAY 2020 IN THE BAIXADA SANTISTA

Abstract:
A local, endogenous transmission of COVID-19 in the state of São Paulo, forces the state and
municipal education departments and public and private schools to adopt actions of social isolation
and the consequent suspension of in-presence classes and different models of remote education.
These measures, adopted in the emergency regime and without planning, impact directly the
“school base”, the teaching work and, consequently, the students' learning. In this article, we present
a research developed at this decisive moment, from the access to educational meetings promoted
by video conference and testimonies collected from students and teachers also by remote ways.
These recent reflections allow, with their deepening and new researches, the intended
generalization, but that already measures samples to the reality lived in different education systems
and regions, as we can infer throughout this article.

Keywords: Remote Education. Pandemia. Education.

1
Pesquisador Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas Sociais e Políticas em Fracasso Escolar – GEPESP.
2
Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas Sociais e Políticas em Fracasso Escolar – GEPESP.
3
Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Sociais e Políticas em Fracasso Escolar – GEPESP.
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Cadernos CERU, Série 2, Vol. 31, n. 1, jun. 2020

Introdução

O ano de 2020 é atípico, uma vez que mal iniciou o ano letivo e se instalou
mundialmente uma pandemia, em virtude da disseminação mundial do Coronavírus (COVID-
19). No caso do Estado de São Paulo, a partir de março, foram tomadas medidas de isolamento
social e, na área educacional, suspensas as aulas. Portanto, pouco mais de um mês após o início
do ano letivo e compelidos pela pandemia, o governador do estado e diversos prefeitos optaram
por iniciar o isolamento social, impactando especialmente as escolas, em virtude de ser
atividade não considerada essencial e com aglomeração de pessoas em espaços relativamente
pequenos, as salas de aula.
O que nos motivou a realizar a pesquisa que apresentamos neste artigo foi a constatação
de que as facilidades disponíveis na internet podem auxiliar o desenvolvimento de atividades
educacionais, mas, exclusivamente, não garantem o sucesso dessas iniciativas. Fazemos essa
afirmação baseados em uma iniciativa dos autores deste artigo de implantação de um programa
de iniciação científica com alunos do Ensino Médio, no início deste ano, em uma escola pública
que sofreu interrupção em virtude da suspensão das aulas e do isolamento social devido à
COVID-19. Apesar das diversas tentativas dos pesquisadores de contato com os alunos e de
desenvolver estudos com o grupo, o afastamento provocou falta de participação dos alunos na
realização das atividades de pesquisa propostas, o que obrigou a suspensão do programa até o
retorno das atividades presenciais para não comprometer sua realização.
Dessa forma, este estudo procurou recolher informações sobre a realização e impacto
das atividades educacionais escolares durante a suspensão de aulas e o afastamento educacional
causado pela COVID-19 em sete unidades escolares, sendo uma escola municipal de Ensino
Fundamental, duas escolas municipais de Ensino Fundamental e de Educação de Jovens e
Adultos (EJA), duas escolas estaduais, uma escola privada de Ensino Médio e uma faculdade
de Letras pertencente a uma universidade particular, todas as unidades distribuídas em cidades
do litoral paulista.
Nesta investigação, realizada sob condições especiais, não foi possível promover
encontros presenciais com os envolvidos sobre o tema em pauta. Dessa forma, a observação foi
possível com o acesso, como ouvintes, a reuniões virtuais (videoconferências) relativas à
realização dos Horários de Trabalho Pedagógico dos professores, dos quais fomos autorizados
a participar e realizados por videoconferência e os depoimentos colhidos via remota, por
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aplicativos de comunicação remota como e-mail, WhatsApp e o Zoom4. Em qualquer um dos


casos, foram observados os preceitos de ética na pesquisa previstos pela Resolução No 510/16,
do Conselho Nacional de Saúde.
Nessa etapa da investigação, buscamos apresentar em que medida o ensino presencial e
seus agentes se adequam aos meios de comunicação a distância que possibilitaram o estudo
remoto imposto pelo isolamento social decorrente da pandemia provocada pela COVID-19.
Partimos da hipótese de que deficiências na aprendizagem, o abandono e a reprovação,
elementos fundantes no fenômeno do Fracasso Escolar, podem se manifestar com mais
intensidade nesse período de adoção de medidas extraordinárias de ensino remoto.

Metodologia

Como metodologia, optamos por um estudo qualitativo utilizando o método


monográfico, procurando responder à pergunta sobre como as diversas escolas e redes
analisadas estão implantando o ensino remoto com os alunos dos diversos segmentos de ensino.
Segundo Marconi e Lakatos (2003), o método monográfico, que consiste no estudo de aspectos
particulares de um grupo, pode propiciar generalizações para grupos similares, o que as autoras
denominam “totalidade solidária” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p.108).
Nesse método e, em especial, em nossa investigação, buscamos cotejar constantemente
os achados e as referências que adotamos para as análises e discussão posterior dos achados da
pesquisa. Realizamos o preconizado por Demartini (1988) no que se refere às ciências sociais:
(...) o pesquisador está, desde a realização da primeira entrevista, analisando
as informações que lhe chegam e está, até a última entrevista, inovando o seu
referencial teórico e a sua técnica de pesquisa; ele lida, desde o início, com o
geral e com o particular, na medida em que cada história de vida é um todo
que se lhe apresenta. E são estas as razões que tornam este tipo de trabalho
aparentemente tão fácil e, ao mesmo tempo, tão difícil. (DEMARTINI, 1988,
p. 70).
Além dos depoimentos colhidos por escrito, optamos por trabalhar simultaneamente
com o registro oral por considerá-lo elemento importante na conservação e transmissão de
informações sobre a realidade pesquisada, concordando assim, com Pereira de Queiroz (1988)
ao afirmar que:
O relato oral está na base da obtenção de toda sorte de informações e antecede
a outras técnicas de obtenção e conservação do saber; a palavra parece ter sido
senão a primeira, pelo menos uma das mais antigas técnicas utilizadas para
tal. Desenho e escrita lhe sucederam. (PEREIRA DE QUEIROZ, 1988, p. 16).

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Ambos os aplicativos, um de mensagens instantâneas e outro de videoconferência, são disponibilizados na
internet e para utilização na comunicação a distância entre indivíduos ou grupos.
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Para a produção deste artigo, foram incluídas as entrevistas realizadas à distância com
dois diretores de escolas públicas estaduais, dois professores de escola pública municipal, um
aluno universitário e uma aluna do ensino médio. Na impossibilidade de envolver maior número
de pessoas, a observação das reuniões por meio do aplicativo de videoconferência, franqueadas
pelas escolas envolvidas, auxiliou na ampliação da visão dos aspectos envolvidos no presente
trabalho.
Em função do aspecto do isolamento social, optou-se por ouvir pessoas que pudessem
relatar suas experiências em diversas escolas, a metodologia utilizada nos permitiu obter
informações sobre o funcionamento dessas diversas instituições e suas redes por meio dos
relatos colhidos de alunos ou professores.
A seguir apresentaremos os achados da pesquisa, divididos por vinculação
administrativa e por escola, no caso das privadas, e, ao final, realizaremos as considerações
possíveis nessa etapa da pesquisa.

Escolas municipais – aproximações via reuniões pedagógicas a distância e depoimentos


remotos
Estudamos uma escola municipal no Município A e duas no Município B, ambos na
Baixada Santista. Apresentaremos separadamente os municípios, pois as orientações e ações
são muito distintas.
No município A, foi colhido o depoimento a distância, via WhatsApp, com uma
professora que leciona em uma escola que oferece os anos iniciais de Ensino Fundamental e
Educação de Jovens e Adultos (EJA). A seguir, apresentamos a síntese organizada de seu relato,
que é muito sucinto, devido à ausência de iniciativas do município nos meses de março, abril e
maio.
A professora iniciou seu depoimento informando que o ensino remoto será implantado
a partir de 1º de junho, porque os professores estavam de férias até o dia 22 de maio, entre férias
e recesso desde o dia 23 de março, e que os docentes participaram de duas reuniões por
videoconferência, no período de 25 a 29 de maio, às quais não tivemos acesso. O contato dos
professores com os alunos ocorrerá apenas a partir do dia 08 de junho e serão realizados a partir
da montagem de grupos de WhatsApp por classe. No dia 29 de maio, foram distribuídos
materiais de estudo aos alunos do regular, e no dia 01 de junho, distribuíram o material da EJA
nas escolas, A distribuição foi realizada pelos funcionários e coordenadores pedagógicos, e as
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orientações para utilização serão dadas pelo portal da Secretaria da Educação do município. O
primeiro e o segundo bimestres do regular e EJA terminarão em 31 de julho.
No município B, tivemos acesso a duas escolas, uma de Ensino Fundamental e outra de
ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. Observamos que, como nas escolas
estaduais, das quais trataremos mais à frente neste artigo, a partir do anúncio da quarentena
pelo governo do estado, as escolas municipais tiveram praticamente uma semana para encerrar
suas atividades presenciais com alunos, mantendo em trabalho presencial seus funcionários
ligados ao setor da administração.
A prefeitura do referido município, durante todo esse período de suspensão de aulas
presenciais e consequente afastamento dos alunos da escola, procurou atender às necessidades
alimentares dos alunos, oferecendo merenda e cestas básicas, considerando o importante
aspecto da carência material dos alunos. Tais alunos apresentam dificuldades econômicas,
inclusive para terem acesso à internet, e por isso, a Secretaria Municipal de Educação
determinou que fossem entregues nas próprias escolas o material de estudo para que eles
pudessem utilizar em casa independentemente de acesso à internet. Porém, até o fechamento
deste texto, a Secretaria Municipal de Educação ainda não havia dado diretrizes sobre o
recebimento de atividades propostas no material e pelos professores, atribuição de notas e
acompanhamento dos alunos. Inicialmente, a orientação dada, mesmo tendo conhecimento de
que os alunos precisariam do material impresso por não terem acesso aos meios digitais, é a de
que os alunos deveriam enviar por e-mails o que não está se operacionalizando, poucos alunos
têm enviado.
No referente à distribuição do material de estudos, uma das escolas anota o nome do
aluno que foi buscar, já a outra não realiza esse procedimento. Em uma das escolas, a
orientadora, em reunião de HTPC, disse que no retorno os cadernos servirão de base para
verificação do aprendizado, mas, na outra, não foi divulgada nenhuma orientação a esse
respeito.
Outros fatores que causaram estranheza na condução das atividades remotas durante
parte do mês de março e abril, foi a recomendação da prefeitura de não utilização do WhatsApp
como canal de comunicação formal entre professores e alunos do Ensino Fundamental II, haja
vista a popularidade desse recurso e os estudos já realizados, que indicam sua eficiência, como
o de Lima et alii (2016), justificando tal posição em virtude de que o sindicato municipal dos
professores expressou reclamações de professores terem que atuar fora do horário de trabalho.
Também a não implantação imediata de ensino remoto com o uso de dispositivos móveis e
aplicativos já disponíveis e de uso gratuito, disponibilizando aulas remotas, apesar da eficiência
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desse modelo já ter sido demonstrado em diversas pesquisas, como a intitulada Uso de
Dispositivos Móveis para acesso a Experimentos Remotos na Educação Básica, de Silva et alii
(2013).
O impacto dessa decisão fica evidente no primeiro mês de implantação do ensino
remoto, durante as reuniões de HTPC, realizadas a distância com aplicativo de
videoconferência, e das quais pudemos participar. Os dados de recebimento de atividades,
apresentado a partir do censo promovido pela Secretaria de Educação, indicam que o envio da
primeira tarefa pelos alunos totalizou apenas 35%, enquanto uma das escolas apresentou apenas
22% de e-mails recebidos do total esperado, e a outra apresentou apenas 13% da devolução
esperada. Na reunião seguinte, uma semana depois, foi informado que os números de
devoluções aumentaram para 55% em uma das escolas. Porém, esses índices devem ser
relativizados, considerando que não houve anotação dos nomes daqueles que foram
pessoalmente buscar os impressos, e que há dificuldade dos alunos em entregar as atividades
por e-mail. Somando-se a esses elementos, temos o fato de que na segunda reunião alguns
professores presentes afirmaram que nas classes a maior parte dos alunos não tinha entregue a
lição até o momento da reunião.
Em uma das reuniões, a orientadora informou que outra escola do município adotou a
rede WhatsApp por classe e, por isso, foi capaz de apresentar porcentagens maiores de remessas
de e-mails por parte dos alunos. Inclusive, demonstrando que na própria escola, no nível do
Ensino Fundamental I, em que foi autorizada a utilização dos recursos do uso do WhatsApp,
obteve índices de participação dos alunos nas atividades acima de 90% em grande parte das
classes do segmento.
Nas reuniões seguintes, nas duas escolas, os gestores informaram que empreenderam a
denominada busca ativa5 dos alunos, de modo a participarem das atividades, mas se vergam ao
fato de que os alunos e seus pais mudam constantemente o número do celular (compram chips
com novos números telefônicos) e que os alunos preferem ir buscar o material impresso na
escola.
Na escola em que há turmas na modalidade de educação de Jovens e Adultos (EJA), a
maior parte dos alunos não tem participado das atividades e não tem dado retorno das lições.
Nas reuniões das duas escolas, os docentes questionaram se a entrega das atividades
deveria ser avaliada com notas, de forma a incentivar a maior participação dos alunos; em

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Ação que consiste na busca das famílias e dos alunos, por telefone ou outros meios como e-mail e eventualmente
até acionamento do Conselho tutelar.
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ambos os casos, as orientadoras responderam que a entrega das lições garante apenas a presença
e que no retorno às aulas presenciais aqueles que não entregaram terão a oportunidade de fazer
um trabalho de compensação, de modo a recuperar frequência e nota. Com referência aos baixos
níveis de participação dos alunos apontados pelos professores, como, por exemplo, em uma das
escolas em que os professores informaram os baixos números de retorno, indicando que em
diversas classes apenas 10% dos alunos participavam com a entrega das tarefas solicitadas, as
orientadoras responderam, em tom otimista e tranquilizador, que este problema era esperado, e
que a tendência do número de alunos que participa tende a aumentar.
Apenas no final de abril e início de maio é que a Secretaria da Educação instituiu
ferramentas de ensino remoto, depois de um longo período do início do isolamento sem
negociação com os profissionais da rede municipal, A implantação do tipo de ensino conta com
a disponibilização de aulas oficiais no Youtube (site de vídeos da internet), contendo todas as
informações que podem ser acessadas pelos alunos e pais sobre cada uma das atividades de
estudo que são postadas semanalmente. A prefeitura estabeleceu como meta o atingimento de
70% de devolutivas dos alunos com a adoção desse novo sistema. Ainda segundo as
orientadoras educacionais informaram nas reuniões, as escolas passaram a manter contato
direto com os alunos por meio de aplicativos como o Facebook e WhatsApp.
Segundo informações de uma das orientadoras educacionais, seu trabalho com os pais
e alunos ocorre durante todo o período do dia, e por vezes, avança para além do horário de
expediente, envolvendo orientações sobre como podem participar da educação remota e, assim,
remeter as lições exclusivamente por e-mail.
Todos reforçam que a participação da família é imprescindível nesse processo, pois é a
única que está em posição de cobrar a execução e remessa das lições, uma vez que a própria
escola diminuiu ou perdeu o contato com os alunos, e que eles relutam em participar.
Complementarmente, refletiram sobre reclamações dos pais em relação ao imobilismo da
escola que chegam a elas e a própria Secretaria de Educação: citou que os pais reclamam que
neste sistema não sabem se os professores corrigirão as lições que os filhos entregam, e que isto
se constitui em uma atuação inadequada do funcionário público frente à sua responsabilidade e
que os filhos morrem de saudades da escola.
Enquanto isso, segundo reclamação de um dos professores, parece haver um problema
sistêmico no município que é a abertura para a participação do professorado e nesse período
especialmente na estratégia implantada pela prefeitura. Segundo ele, desprezam-se os
problemas estruturais das famílias e não se estabelece o diálogo com os docentes e, como
resultado, colhe-se a participação de apenas 10% em muitas das classes, refletiu o professor,
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que enquanto isso outras instituições que buscaram outras formas de comunicação, liberando
as possibilidades de participação dos professores colhem melhores resultados.
Algumas reuniões de HTPC estão sendo suprimidas, disse o professor; segundo ele, elas
se restringem à produção de reflexões com temas livres ou abertos demais, faltando um
direcionamento mais efetivo. Como é o caso da reflexão sobre a atuação do professor durante
a educação remota, que deveria ser realizada por escrito e enviada à gestão para arquivo, a fim
de comprovar a presença na reunião. Um dos participantes desse encontro escreveu uma longa
reflexão e compartilhou conosco.
A seguir, apresentamos excertos de sua reflexão que julgamos pertinentes à nossa
análise, inicialmente alguns aspectos referentes à importância da figura do docente:
O papel do professor é muito importante, seus ensinamentos podem atravessar
os séculos, erguer potências, modificar estruturas de poder, influenciar nas
crenças;
(...) Alguns professores não se cansam de enfatizar que os estudos são a
garantia de sucesso para os alunos e familiares, e que este motivo deveria ser
o real objetivo do aluno, para que vença na vida.
(...) Sua presença é essencial, cria-se um vínculo de admiração pessoal
acompanhada, obviamente, pela erudição que compõe os fundamentos de sua
disciplina.

No que se refere ao preparo do professor para essa nova realidade e aos impactos na
atividade docente:
Nas condições que envolvem o isolamento social devido à COVID-19,
passamos a trilhar por caminhos desconhecidos, fazemos falta aos alunos e
eles nos fazem falta também. Poderíamos ter um contato maior com eles,
sobretudo, utilizando novos aplicativos, como aulas através do Google
Classroom, e outros, como modo de mantermos um saudável convívio diário
a nós atribuídos pela reponsabilidade de ser professor.
(...) Todas estas facilidades, apresentadas pelas novas tecnologias, parecem
possibilitar o distanciamento do professor de seus alunos aos poucos, e a partir
de agora, mais rapidamente. O professor perderá sua função na educação
formal, sendo esta atribuída em grande proporção pela via da Educação a
Distância.
(...) Acrescentando as crises econômicas que os estados e municípios estão
enfrentando, muito provavelmente um grande contingente do professorado
perderá sua função assim que forem fechadas as vagas com a introdução desse
modelo, que por ora se apresenta como uma panaceia para o atual estado de
coisas relacionado ao isolamento social, mas no futuro, talvez, as novas
gerações se recintam da falta de um professor para acolher e resolver suas
dúvidas e servir como modelo.
Avaliamos esse depoimento bastante significativo por expressar, especialmente, o
estado de espírito do professor que reflete, pelo que pudemos observar, é comum a muitos
docentes nesse período em virtude do clima das reuniões que pudemos acompanhar.
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As escolas privadas, resposta imediata via ensino remoto: entrevista com alunos

Para termos uma interface com o setor privado, realizamos a pesquisa com uma
estudante do Ensino Médio e um aluno de segundo ano de uma faculdade de Letras, ambas
instituições privadas. As entrevistas foram realizadas a distância com utilização do aplicativo
WhatsApp.
A entrevistada, que frequenta o último ano do ensino médio, informou que a escola
respondeu prontamente ao decreto de isolamento social, inaugurando as aulas a distância em
uma plataforma gratuita de reunião denominada Zoom. Inicialmente, a escola, em busca de
tempo hábil para sua adequação, seguiu a dinâmica adotada pelas escolas públicas estaduais,
adiantando as férias dos professores e alunos e voltando às atividades após esse período.
Segundo a aluna, ela continua a acordar cedo para frequentar as aulas on-line e ao vivo,
transmitidas nos horários normais de aula e, devido à exigência da escola, ela e seus colegas
devem manter suas câmeras ativadas de modo que os professores possam controlar sua
participação. Os deveres avançam pelos finais de semana, incluindo a preparação para as
provas. As aulas são ministradas no Zoom, as lições são postadas no aplicativo denominado
Google Classroom, em que há possibilidade de comunicação entre os envolvidos, além do
estímulo da manutenção da comunicação entre os alunos mediante as redes sociais, que são
ligadas de forma concomitantemente com as aulas que ocorrem por meio do computador e nos
celulares. Os alunos interagem e podem tirar dúvidas, além de terem um convívio social, virtual,
apesar do isolamento social. A aluna informa que possui comorbidade e está no grupo de risco,
por isso guarda profundo confinamento e que os momentos de encontro, mesmo virtuais, têm
sido muito positivos para seu estado de ânimo.
Quanto ao aluno do Ensino Superior, ele relata que passou a receber aulas a distância,
também ao vivo, quase que imediatamente. As aulas ocorrem no horário normal, o mesmo
anterior à adoção do ensino remoto, indica que são ministradas por professoras e professores,
muitos deles idosos, e que identifica que muitos deles aos poucos estão se adaptando ao novo
modelo de ensino e buscam conversar com cada aluno e chamá-lo à participação. De acordo
com seu depoimento, as aulas mantiveram a dinâmica de aulas presenciais por parte do
professor, porém, segundo o depoente, há a possibilidade de o aluno deixar seu aparelho ligado
e fazer outras coisas alheias à aula. Os professores propõem tarefas com datas específicas de
entrega, podendo ser adotado o trabalho em grupos, prevendo a participação dos alunos por
meio de suas redes.
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Escolas estaduais: a adoção do modelo de ensino remoto na pandemia

O governo do Estado de São Paulo inaugurou o isolamento social preocupado com os


fatores ligados à saúde pública e, em virtude da expansão dos níveis de contaminação pela
COVID-19 no estado que se tornou o denominado epicentro brasileiro da pandemia, está sendo
acompanhado por diversas prefeituras em suas decisões, especialmente as três abrangidas por
este estudo.
No sistema de ensino público estadual, os professores, gestão e funcionários passaram
a trabalhar em regime remoto (a distância) especialmente os considerados do grupo de risco,
conforme os Decretos Estaduais No 64862/20, 64864/20 e o 64865/20, gradativamente a partir
de 16 março. Nas escolas integrantes do sistema, houve uma semana de preparação antes do
fechamento das escolas, de 16 a 20 de março, na qual os alunos receberam informações e
orientações sobre os motivos do isolamento e sobre as formas de comunicação e atividades
virtuais que viriam a ocorrer, inicialmente a partir dos modelos já existentes ou criados nas
próprias escolas.
Após este período, e com a promulgação dos decretos já apresentados e de
regulamentação complementar, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEDUC)
antecipou recessos e férias. Optou por adotar o ensino remoto logo após esses períodos como
forma de garantir as 800 horas anuais, uma vez que o cronograma de duzentos dias letivos não
seria mais possível alcançar6. No âmbito estadual, a reorganização dos calendários escolares e
a duração do período letivo se deram pela Resolução Seduc, de 18/03/2020, que homologou a
Deliberação CEE 177/2020, que fixa normas quanto à reorganização dos calendários escolares,
à carga horária, à duração dos bimestres e do ano letivo.
Ao longo desse período, a Secretaria de Educação de São Paulo criou o Centro de Mídias
de São Paulo que tem por objetivo:
O Centro de Mídias SP é uma iniciativa da Secretaria da Educação do Estado
de São Paulo para contribuir com a formação dos profissionais da Rede e
ampliar a oferta aos alunos de uma educação mediada por tecnologia, de forma
inovadora, com qualidade e alinhada às demandas do século XXI. Essa
conexão se torna ainda mais necessária no período em que vivemos, com as
aulas presenciais suspensas nas unidades de ensino, e os alunos e professores
necessitando do nosso apoio (Disponível em:
https://centrodemidiasp.educacao.sp.gov.br/. Acesso em: 29 maio 2020).
Simultaneamente, desenvolveu e disponibilizou um aplicativo para celulares que visa
centralizar todas as ações que envolvam a realização de aulas e de atividades denominado

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Conforme o previsto na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Federal No. 9394/96.
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Centro de Mídias de São Paulo (CMSP) e que engloba o Google Classroom7 para os professores
e alunos da rede pública estadual. As aulas transmitidas ao vivo e gravadas são organizadas por
série e disciplina em um horário semanal e transmitidas pelo referido aplicativo e pelas
emissoras educativas do Estado de São Paulo, a TV Educação e a TV UNIVESP.
Durante o período de suspensão de aulas, os alunos vulneráveis passaram a integrar um
programa denominado Merenda em Casa para recebimento de valor correspondente à
complementação alimentar que teriam na escola pública. No início da retomada das aulas em
regime remoto, os alunos receberam material de estudo e para realização de atividades que foi
distribuído nas próprias escolas.
Aos alunos que, por algum motivo, não puderem acessar as videoaulas ou realizar as
atividades durante a suspensão das atividades presenciais, está garantida a realização delas em
regime de reposição ou recuperação, no retorno às aulas presenciais.
A seguir, apresentamos um quadro com a cronologia dos principais eventos nesse
período de suspensão das aulas presenciais e adoção do modelo de ensino remoto:

Quadro 1

Cronologia de eventos na rede estadual de ensino de São Paulo, ano 2020

o Início das aulas presenciais: 03 de fevereiro.


o Semana de suspensão gradual das aulas: 16 a 20 de março.
o Recesso escolar: 23 de março a 3 de abril.
o Férias escolares: 6 a 20 de abril.
o Semana de replanejamento: 22 a 24 de abril.
o Retorno às aulas remotas com transmissão pelo app CMSP e TVs
Educativas do estado: a partir de 27 de abril.
o Semana de Estudos Intensivos: 25 a 29 de maio.
o Final do 1º bimestre: 29 de maio.

Fonte: Elaborado pelos autores.

A pesquisa nas duas escolas públicas do Estado de São Paulo foi realizada com base em
depoimentos à distância, realizados com seus respectivos diretores e que passamos a apresentar
de forma unificada em virtude da coincidência dos depoimentos.
Com relação à implantação do modelo de educação remota, apresentamos a seguir a
síntese do que os dois diretores relataram.

7
Aplicativo do Google para a realização e administração de aulas à distância.
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O Governo Estadual decretou que suas escolas, durante a semana entre 16 e 20 de março,
fossem se adequando e se preparando para fecharem; os alunos deveriam ser atendidos ainda
presencialmente, para que fossem orientados sobre a situação de risco, sobre formas de se
prevenirem e protegerem seus familiares, além disso, esse período serviria ainda para que cada
família pudesse se adaptar para que na semana seguinte tivessem como organizar com quem
ficariam essas crianças.
Nesse período, professores elaboraram atividades com o intuito de manter os alunos em
contato com suas escolas, estudando e reforçando conteúdos já ministrados ou ainda
relacionados ao primeiro bimestre. O fechamento das escolas foi feito de forma gradual. Assim
que os alunos deixaram de frequentar as aulas, as escolas foram fechando ainda nessa primeira
semana.
À medida que os alunos deixavam de frequentar as aulas, os professores e demais
funcionários passaram a trabalhar em um sistema de rodízio e aqueles com mais de sessenta
anos, os portadores de comorbidades, integrantes do grupo de risco, foram dispensados de
atividades presenciais, passando a realizar suas atividades em teletrabalho ou tirando férias e
outros períodos de licença remunerados a que faziam jus.
Nas semanas seguintes, os plantões para atendimento presencial foram reduzidos, sem
atendimento ao público, alguns funcionários do setor administrativo das escolas se revezaram
para recepção de materiais pedagógicos, adaptação das instalações com pequenas reformas e
manutenção, adequação dos sistemas de segurança, entre outros. A equipe escolar começou o
“teletrabalho” para atender às demandas pedagógicas e de documentação administrativa, com
reuniões através da plataforma Zoom, ou por Google Teams e até WhatsApp.
Enquanto isso, os professores tiveram as férias adiantadas e a Secretaria de Educação
foi se adaptando e se reinventando, com a criação do aplicativo Centro de Mídias São Paulo.
Esse aplicativo, quando baixado no celular, não consome os dados de internet dos participantes8
e apresenta aulas que também estão disponíveis pelo canal aberto da TV Educação e UNIVESP.
Com o retorno dos professores e a liderança dos coordenadores pedagógicos e da gestão, foi
realizado um período de replanejamento centralizado pela Secretaria da educação e transmitido
pelo app do Centro de Mídias, pelo Youtube e pelo Ambiente Virtual de Aprendizagem da
Escola de Formação de Professores do Estado de São Paulo (AVA_EFAPE), que se dedica
desde sua criação, em 2009, à formação inicial, continuada e aperfeiçoamento dos quadros

8
Essa medida atende à demanda de que muitos alunos e alguns professores não dispõem de acesso à internet, por
não possuírem recursos para seu pagamento.
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docentes da Secretaria de Educação de São Paulo e pelos canais próprios de cada escola, como
o Zoom ou o Google Teams,9 buscando atender às peculiaridades de cada uma.
Após o replanejamento, houve um processo de entrega dos materiais impressos para os
alunos. As escolas criaram logística para receber os materiais e distribuí-los de forma segura
aos alunos. Os materiais distribuídos englobavam um informe sobre a pandemia, formas de
proteção e como funcionaria o Centro de Mídias, a Avaliação de Acompanhamento Pedagógico
(AAP) e as apostilas chamadas de cadernos dos alunos com o Currículo paulista para o segundo
bimestre. Simultaneamente, iniciaram as aulas transmitidas pela TV, pelo aplicativo CMSP e
as atividades específicas da escola via Google Classroom, Zoom e outros aplicativos.
Ambas as escolas já dispunham de alunos líderes de classe e de grupos de WhatsApp
montados por sala, o que facilita a comunicação entre a escola, professores e alunos. Até a
produção deste artigo, as aulas no Centro de Mídias São Paulo são dadas por professores da
própria rede estadual que se voluntariam para ministrá-las e por alguns docentes ou
personalidades convidadas, como, por exemplo, o comunicador Marcelo Tass e o Professor
Leandro Karnal. Elas são ao vivo ou gravadas em estúdio e, mais recentemente, em algumas
escolas do Estado de São Paulo, inclusive na Baixada Santista.
Em ambas as escolas, os professores realizam plantões de atendimento no WhatsApp
relacionados aos assuntos tratados no Centro de Mídias, acompanhando as aulas do aplicativo
e apresentando nos plantões pequenos vídeos com explicações e se colocando ao vivo nos
grupos para atender os alunos nos seus horários. Os docentes recebem as atividades postadas e
realizadas pelos alunos no Google Classroom. Foi aplicada uma avaliação externa, realizada
bimestralmente pela Secretaria de Educação de São Paulo, em todas as escolas públicas
estaduais, denominada Avaliação de Acompanhamento Pedagógico (AAP), que foi corrigida
pelos professores e que estão sendo utilizadas para replanejar novas ações a serem trabalhadas
no próximo bimestre.
Com relação aos problemas decorrentes da implantação do ensino remoto, os diretores
relataram que muitos alunos e professores fizeram reclamações quanto à falta de uma
organização relacionada ao número de aulas de cada disciplina e os conteúdos trabalhados. Há
ainda reclamações dos alunos que, por diversas situações, não conseguem acessar as aulas e
fazer as atividades, inclusive para o acesso sem uso de dados de internet. Vários alunos não têm
acesso à internet da forma adequada, usam celulares de seus pais, que às vezes não comportam

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Programa de videoconferência da Microsoft adotado pela Secretaria da Educação, pelas Diretorias de Ensino e
por diversas escolas da rede estadual de ensino.
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baixar o aplicativo, não têm créditos, ou o sinal da internet onde moram é fraco ou inexistente.
Alguns alunos, que não dispõem de celular ou de acesso à internet, têm irmãos em idade escolar
e outros familiares que convivem no mesmo domicílio, o que os obriga a “dividirem a televisão”
e gera dificuldade para assistir a essas aulas nos canais educativos indicados da TV aberta.
Outros alunos não têm espaço adequado para estudo onde moram, além daqueles que
desmotivados com toda essa situação, às vezes desempregados e até familiares adoentados, não
querem fazer mais as atividades. Acordam e/ou dormem tarde, não fazem atividades físicas,
alimentam-se mal e decidem fazer atividades menos educativas.
Ainda há relatos de uma quantidade significativa de alunos que apresenta dificuldade
para acesso e manuseio das ferramentas disponibilizadas para o ensino remoto, e que isso tem
ocupado tempo significativo de docentes, coordenadores pedagógicos e alunos líderes de classe
para ajudarem esses alunos com dificuldades.
Entretanto, informam que há uma quantidade significativa de alunos, em torno de 60%,
que consegue acompanhar as aulas, realizar atividades, tirar dúvidas junto aos seus professores
e alunos líderes de classe, assistir a filmes ou realizar atividades lúdicas e culturais indicadas
por seus professores, inclusive com a participação da família.

Algumas considerações

Os elementos coletados na pesquisa apresentada nesse trabalho permitem que façamos


algumas considerações que julgamos iniciais e que precisariam ser aprofundadas em novas
pesquisas, mas que já indicam certo poder de generalização em virtude da sua constância e
coincidência com dados apresentados nos municípios pesquisados e em outros que já são objeto
de outras investigações como, por exemplo, em pesquisa recentemente realizada com 1476
alunos das redes pública e privada da região de Sorocaba, pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFSCar - Campus Sorocaba, que se debruça sobre “... quais são os limites e as
possibilidades que os (as) estudantes da rede de educação básica pública e privada estão
enfrentando no exercício das atividades escolares feito em domicílio?” (PPGED- UFSCAR,
2020, p. 8).
A seguir, apresentamos nossos principais apontamentos com base na análise dos
achados da pesquisa.
Destacamos inicialmente que apesar da onda da COVID-19 ter se iniciado em São Paulo
no mês de fevereiro, quando houve a confirmação do primeiro caso no Brasil, de ter sido
declarada pandemia em 11 de março pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e de ter
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ocorrido a primeira morte no país em 17 de março, no Estado de São Paulo, as secretarias de


educação não conseguiram dar respostas imediatas, haja vista o ineditismo e a excepcionalidade
da situação. No entanto, as escolas privadas, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo,
seguidas pelo município B, conseguiram dar solução em um período de até um mês, buscando
soluções emergenciais para a crise provocada pela pandemia na educação. Já o município A
está ainda em fase de implantação da educação remota. A implantação em grande escala nas
redes públicas não permitiu a adequada preparação que teve que ser acelerada, em virtude da
emergência que se impôs para minimizar possíveis efeitos na aprendizagem dos alunos
decorrentes da suspensão das atividades presenciais.
As instituições privadas, por sua estrutura privilegiada, pelo fato de os alunos disporem
de recursos materiais em maior monta, conseguiram responder mais rapidamente à necessidade
de implantação do ensino remoto em função do isolamento social. No entanto, os professores,
seja da rede privada ou da pública, apresentam dificuldades para lidar com a implantação dessa
modalidade de ensino.
A Secretaria de Educação do município B buscou soluções com base no modelo adotado
pela Secretaria Estadual de Educação, mas devido à diferença das redes e de insumos não
conseguiu implantar a mesma estrutura na internet para suas escolas. E, ainda, esbarrando em
questões locais, teve dificuldades de implantar recursos muito simples como o WhatsApp e a
utilização de aplicativos gratuitos já disponíveis, o que tem impactado o acesso dos alunos às
aulas, ao material e à orientação sobre seu uso e devolução. Também pela ausência de
orientações comuns com relação ao acompanhamento dos alunos nas videoconferências,
evidencia-se que há falta de diretrizes e orientação no que se refere ao controle e
desenvolvimento dos alunos ao longo desse período.
Nas escolas estaduais, pudemos constatar que há diretrizes centralizadas, criou-se um
aparato na internet e nas TVs educativas para garantir o acesso às aulas e conteúdos,
acompanhados de uma dinâmica de unificação, mas contemplando a diversidade das regiões e
unidades escolares para garantir o acompanhamento e atendimento aos alunos e professores, o
que indica uma visão de sistema e das potencialidades e deficiências da rede.
Tanto no município B como na rede estadual, avaliamos que o tempo de reação pode
ser considerado razoável, especialmente na rede pública estadual, em virtude de seu tamanho e
complexidade.
Pudemos constatar, em todas as escolas e redes, que a utilização simultânea de material
impresso, de aplicativos que permitem a realização e transmissão de aulas e orientações ao vivo
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ou gravadas e, adicionalmente, a utilização de outras ferramentas de comunicação torna muito


mais eficientes as ações educativas da escola no ensino remoto.
Ressaltamos que há entre os professores um sentimento de insegurança, provocado de
um lado pela dificuldade que alguns têm em relação ao uso das diversas ferramentas
tecnológicas e, de outro, pelo receio dos rumos futuros da educação com base na implantação
compulsória do ensino remoto, possível redução da oferta de vagas e desvalorização da carreira
docente. Também se manifestou a existência de uma sobrecarga de trabalho em função do
teletrabalho e que essa nova fase exige um aprendizado na administração das relações entre
todos os envolvidos no processo educacional, envolvendo adequação dos professores, gestão,
funcionários, pais e alunos.
Destacamos ainda que a emergência da situação expôs sobremaneira os alunos
vulneráveis ao fenômeno do fracasso escolar, pois esses têm maior dificuldade de acesso ao
material escolar, à TV, à internet e as condições materiais de estudo e alimentação são precárias,
agudizando a vulnerabilidade desses alunos.
Nos discursos dos gestores e professores, pudemos identificar duas posições distintas e
que se manifestam de forma mais explícita: de um lado, certo otimismo com os impactos das
medidas implantadas e, de outro, a preocupação com as dificuldades, os obstáculos e o futuro
da profissão docente frente a adoção dessas medidas. No tocante a essas posições, julgamos
apropriado ponderar sobre a degeneração do trabalho, apontadas por Sennett (2011), ao tratar
da implantação do que denominou o flexitempo, em sua obra “A corrosão do caráter”. Assim,
consideramos podermos estar frente a um fenômeno de degradação educacional mascarado pela
urgência que a realidade impôs e sob o manto do avanço tecnológico e que poderia ser
considerado o novo espírito do mundo, conforme Adorno alertou ao afirmar que “Eu vi o
espírito do mundo, mas não a cavalo: sobre asas e sem cabeça” (ADORNO, 2001, p. 45), ao
refletir sobre o progresso representado pelos mísseis (bombas-robôs) de Hitler.
Todos esses elementos nos levam a considerar que existe possibilidade de que os alunos
envolvidos nesses processos, especialmente os mais vulneráveis, apresentem um desempenho
escolar abaixo do mínimo esperado por não terem acesso às aprendizagens compartilhadas no
ensino remoto ao longo de vários meses. Ainda, quando retornarem ao ensino presencial apesar
da oferta de recuperação/reposição, entendemos que suas reais chances de terem acesso a todos
os conteúdos perdidos serão relativamente pequenas.
Destacamos que, para verificar essas impressões e indícios, serão necessárias novas
pesquisas ao longo dos próximos meses e anos sobre o impacto dessas medidas especialmente
em relação ao trabalho docente e a aprendizagem dos alunos.
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