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O Papel do Estado na Economia e no Desenvolvimento: América Latina, Brasil e o

Novo-Desenvolvimentismo
Autoria: Marta Lucia Azevedo Ferreira

Resumo: Este ensaio teórico propõe a reflexão sobre Estado, instituições e desenvolvimento
no escopo das recentes discussões sobre o processo de globalização. A partir das abordagens
da Economia Política Comparada e das Variedades de Capitalismo (VoC), apresenta-se
inicialmente o debate contemporâneo sobre o papel do Estado na economia e no
desenvolvimento e a seguir suas repercussões na América Latina e no Brasil, sob o novo-
desenvolvimentismo. Como o Estado é o ator-chave no sentido de capacitar, regular e
influenciar o comportamento dos agentes econômicos e da sociedade em geral, conclui-se que
o sucesso desta empreitada depende de sua própria capacidade de renovação.

1. Introdução
As reflexões e debates sobre o papel do Estado na economia e no desenvolvimento
vêm sendo revigorados pelo enfraquecimento da agenda de reformas pró-mercado iniciadas
no final dos anos 70 e pela retomada do Institucionalismo em suas distintas versões (Tapia &
Giesteira, 2010). De fato, em um contexto de crescente dinamismo, incerteza, complexidade,
diversidade e interdependência global, o argumento de validade e eficácia de uma agenda
única de aplicação universal tornou-se frágil.
O Institucionalismo, por sua vez, distingue-se do paradigma intelectual do
individualismo metodológico por privilegiar a compreensão da ação dos indivíduos em suas
manifestações coletivas, constituindo um novo paradigma ou aparato conceitual capaz de
propiciar um entendimento mais amplo e completo dessa realidade multifacetada e de
promover uma intensa renovação nas Ciências Sociais, sobretudo de natureza interdisciplinar.
Neste sentido, a Economia Política Comparada vem buscando, desde o pós-guerra,
explicar as diversas trajetórias de desenvolvimento dos países por meio das instituições. Esta
abordagem vem dialogando com as contribuições mais recentes da abordagem de Variedades
de Capitalismo (VoC), que enfatiza a maneira pela qual as instituições nacionais interagem
para produzir tipos particulares de capitalismo.
Segundo Carvalho (2008), a unificação de mercados alcançada a partir da segunda
metade do século XIX sob o padrão-ouro e a hegemonia britânica foi interrompida no período
entre as duas guerras mundiais e revertida no período do pós-guerra aos anos 70, quando a
tendência se reverteu novamente a favor da integração de mercados, ou seja, da globalização
econômica, com reflexos nas dimensões financeira, comercial e produtiva.
Bresser-Pereira (2009) acrescenta que esse processo veio acompanhado das ideologias
do neoliberalismo e do globalismo, representando a crença na auto-regulação dos mercados e
na irrelevância do papel do Estado. A percepção era de que havia uma trajetória única de
crescimento econômico e de desenvolvimento a ser seguida pelos países com base no modelo
americano.
O fim da Guerra Fria favoreceu a disseminação ao redor do mundo do Consenso de
Washington, que consolidou as recomendações de política macroeconômica que deveriam ser
adotadas pelos países da América Latina que recorressem ao Banco Mundial, ao Fundo
Monetário Internacional e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (Williamson, 1990,
1993).
A abertura comercial e a quebra de barreiras ao investimento estrangeiro direto, a
liberalização financeira, a desregulamentação visando o estímulo à competição e a
privatização de empresas estatais foram acompanhadas por reformas complementares ou de
segunda geração visando o fortalecimento das instituições públicas, jurídicas, financeiras e
educacionais em prol do crescimento voltado para o mercado (Williamson, 2004).
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Esta nova agenda trouxe ao debate o tema da relação entre instituições e
desenvolvimento. É com o objetivo de aumentar a coordenação entre as atividades
econômicas e reduzir o desperdício que as sociedades criam suas regras ou instituições. Estas
tanto restringem como capacitam a ação coletiva, mas nada garante o melhor resultado
possível.
Seja no nível macro do ambiente em que operam, seja no nível micro dos arranjos que
dificultam, impedem, facilitam ou viabilizam as relações sociais e transações de natureza
econômica, “as instituições devem realizar a tarefa de promover a cooperação e reduzir o
conflito em um ambiente de desenvolvimento econômico, que é um ambiente de
transformações e mudanças profundas” (Fiani, 2011, p. 11).
Porém, esta nova agenda acabou por significar a tentativa de adequação dos ambientes
e arranjos institucionais dos países latino-americanos aos existentes nos países desenvolvidos.
Segundo Chang (2004), estes últimos se valeram do pretexto de recomendar políticas e
instituições “boas” unicamente para dificultar ou impedir o processo de emparelhamento ou
catching-up dos primeiros, ou seja, “chutaram a escada”. Os países desenvolvidos não seriam
o que são hoje se tivessem adotado as políticas e instituições que recomendaram às nações em
desenvolvimento, razão pela qual atuaram como “maus samaritanos” (Chang, 2009).
De fato, a aplicação da ortodoxia neoliberal durante os anos 80 e 90 não conduziu os
países da região aos resultados esperados. Ao contrário, eles tiveram grandes dificuldades em
retomar o crescimento econômico de décadas anteriores, buscar o desenvolvimento segundo
parâmetros sustentáveis e galgar inserções competitivas ativas no comércio e na economia
internacional, constituindo exemplos de fracasso quando comparados aos países do leste
asiático, que lograram êxito ao optarem por estratégias e políticas autônomas de crescimento
econômico e desenvolvimento.
Como afirma Evans (2003), a "virada institucional" marcou o surgimento da
"monocultura institucional", baseada na idéia errônea de que instituições anglo-americanas
são replicáveis independentemente do contexto cultural a que se destinam. Diferentemente, o
catching-up de países como Japão, Taiwan, Coréia, Hong-Kong e Cingapura conferiu outro
sentido à "virada institucional”, mostrando a importância do papel ativo do Estado no sentido
de promover adaptações e mudanças institucionais em função de estratégias e políticas
próprias.
Ainda que no contexto de maior interdependência global as margens de manobra do
Estado possam diminuir, o sucesso desses países tornou evidente que existem espaços para a
atuação soberana e a inserção competitiva ativa. Não se trata do “eclipse do Estado” (Evans,
1997), mas da “transformação do Estado” (Weiss, 2003), isto é, da reconfiguração de seu
papel na dinâmica atual do capitalismo. A afirmação de Held (1991, p. 160) é elucidativa: “as
capacidades estatais foram ao mesmo tempo reduzidas e alargadas, permitindo ao Estado o
cumprimento de uma série de funções que já não podem ser mantidas senão em conexão com
relações e processos globais”.
Mais recentemente, países periféricos como Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul vêm despertando grande atenção, não apenas por suas semelhanças em termos de tamanho
de mercado, mas especialmente por sua busca de trajetórias e soluções endógenas para as
questões de natureza política, econômica e social, razão pela qual passaram a ser considerados
países emergentes. O caso da China é emblemático, pois o país vem promovendo alterações
dramáticas e significativas na geopolítica e na ordem econômica mundial ao delinear os
contornos de um capitalismo de feição peculiar.
No século XXI, impõe-se a percepção da globalização como fenômeno
multidimensional, ou seja, que transcende à lógica econômica, sujeitando-se, acima de tudo, à
lógica política (Diniz, 2007). Vale acrescentar seus componentes ideológicos e culturais, que
não podem ser subestimados. Vive-se hoje um novo período histórico pós-Consenso de
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Washington, que é marcado pela controvérsia e conflito de visões acerca dos rumos do
desenvolvimento capitalista. O consenso e a unidade deram lugar ao dissenso e à diversidade.
A autora aponta uma fissura na atual “comunidade epistêmica” (Haas, 1997), ou seja,
na rede transnacional de conexões que permite a difusão de novas idéias, argumentos
técnicos, modelos e valores (Diniz, 2009). Tal fissura é explicada pelos motivos anteriores,
aos quais ela acrescenta a transformação do crash do mercado financeiro americano em 2007
na crise econômica de 2008 que, por gerar simultaneamente ameaças e oportunidades, acentua
a tendência à reflexão crítica e ao acirramento do debate acadêmico (Diniz, 2010). É nesse
contexto que a discussão sobre o papel do Estado na ordem econômica ganha proeminência,
como será apresentado a seguir.

2. O Papel do Estado na Economia e no Desenvolvimento: do Consenso de Washington


às Variedades de Capitalismo
Tradicionalmente, os economistas não dão atenção ao papel do Estado, limitando-se
usualmente às discussões relativas às políticas fiscal e monetária, tal como proposto por
Keynes (1970). O autor promoveu uma revolução no pensamento econômico ao inaugurar a
abordagem macroeconômica baseada na ação complementar do Estado ao mercado com o
objetivo de promover a plena utilização dos recursos produtivos.
Opondo-se ao pensamento liberal clássico e neoclássico e também ao pensamento de
esquerda de origem marxista, Keynes propôs a intervenção do Estado na economia sempre
que necessário, induzindo o comportamento dos agentes econômicos e administrando os
níveis de atividade, mas sem necessariamente ter o controle dos meios de produção. Seu
pensamento influenciou profundamente a ordem econômica internacional do pós-guerra até os
anos 70, período conhecido como idade de ouro do capitalismo.
Porém, quando se trata de transformações estruturais da economia, a intervenção ativa
do Estado por meio de políticas específicas de estímulo à Ciência e Tecnologia (C&T), ao
desenvolvimento industrial, à competição e ao comércio ganha destaque. O desenho destas
políticas é variado, da mesma maneira que os resultados obtidos, que são fruto das interações
do Estado com o mercado e a sociedade.
Evans (1998) ressalta que o enfoque institucional oferece uma perspectiva teórica mais
satisfatória e útil do que os enfoques neo-utilitaristas no que diz respeito à participação do
Estado na economia, embora estes últimos tenham tido o mérito de estimular a reavaliação da
natureza institucional do Estado.
De fato, a teoria de busca de renda (rent-seeking) avançou em relação ao enfoque
neoclássico, que considera o Estado como “caixa preta”. O tema central desta teoria é a busca
de renda por parte dos agentes privados, que demandam do Estado privilégios que os protejam
da competição no mercado. Os funcionários do Estado, por sua vez, têm também o objetivo
de garantir seus interesses pessoais de busca de renda (Krueger, 1974).
O pressuposto é de que Estado funciona como um mercado, uma vez que opera como
mera aglutinação de indivíduos calculistas, sendo incapaz de atuar para o bem coletivo. Em
outras palavras, o Estado é capturado por interesses privados, gerando desperdício de recursos
escassos. Ainda que realista em alguns casos, trata-se de uma visão negativa e reducionista do
Estado.
O Estado não constitui extensão do mercado, mas pré-requisito fundamental à
formação e regulação das relações de mercado. Em contraposição, o que a tradição
comparativa institucional tem a oferecer é a identificação dos papéis que o Estado deve
desempenhar para promover a transformação econômica, além de sugestões quanto às
características institucionais necessárias.
No âmbito das interações Estado-mercado, Johnson (1982), Amsden (1989) e Wade
(1990) constituem importantes referências ao ressaltarem a importância de projetos
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compartilhados. A combinação de planejamento estatal e mecanismos de mercado é destacada
no primeiro caso, a indústria nascente no segundo e as políticas industriais no terceiro. As
contribuições desses autores iluminaram o papel do Estado no processo de catching-up dos
países do leste asiático, inaugurando o paradigma do Estado Desenvolvimentista.
Outras referências nessa discussão são Rodrick (2002, 2004, 2006) e Hausmann e
Rodrik (2003), que vêem na colaboração estratégica Estado-mercado a possibilidade de
remoção de obstáculos à reestruturação econômica. Na mesma direção, Ocampo (2002)
afirma que o equilíbrio entre o interesse público e o mercado é um componente essencial da
construção de instituições. O autor destaca ainda o importância da estabilidade
macroeconômica e das políticas anti-cíclicas, das estratégias de desenvolvimento produtivo e
da melhoria dos vínculos sociais.
Chang (2004) assinala que o problema comum enfrentado pelas economias em
processo de catching-up é que a passagem para atividades de maior valor agregado não ocorre
naturalmente, razão pela qual é condição sine qua non que este processo seja induzido por
políticas industriais, comerciais e tecnológicas ativas. Ele ressalta que embora as instituições
possam ser mais difíceis de mudar do que as políticas, ambas devem estar alinhadas. Ele
propõe ainda uma teoria sobre o Estado Desenvolvimentista, que possui essencialmente dois
papéis: empreendedor e gerenciador de conflitos (Chang, 2003).
No primeiro caso, o Estado deve prover uma visão de futuro e construir novas
instituições, enquanto no segundo, deve ser capaz de gerenciar os conflitos que surgem
durante o processo de mudança estrutural da economia. O empreendedorismo implica em
coordenação da mudança, promoção de visão de futuro para os agentes econômicos e
construção do arcabouço institucional necessário para que a visão se torne realidade. O
gerenciamento de conflitos envolve a habilidade de construção de coalizões, tendo como
horizonte a visão e os objetivos a serem alcançados.
No âmbito das interações Estado-sociedade, a contribuição de Evans (2004) merece
destaque. O autor considera que no mundo contemporâneo a intervenção do Estado na
economia é um fato, razão pela qual a questão a ser investigada não é quanto intervir, mas de
que maneira. Assim, em oposição ao Estado Predador que, às custas da sociedade que dirige,
detém o ritmo de desenvolvimento, o Estado Desenvolvimentista direciona a transformação
industrial e impulsiona o desenvolvimento, mas somente quando existe a combinação entre
uma organização interna autônoma e a incorporação de interesses coletivos por meio de
parceria com a sociedade, ou seja, quando existe autonomia e parceria. A primeira impede a
captura do Estado por interesses privados e a segunda fortalece os projetos de transformação.
Porém, esta estrutura interna do Estado não é condição suficiente para o
desenvolvimento. Ela confere potencial para a intervenção, mas este potencial precisa
traduzir-se em ações. Um aspecto fundamental diz respeito aos padrões de intervenção do
Estado quanto aos papéis que pode desempenhar. O autor identifica quatro papéis básicos:
custódio, demiurgo, parteiro e pastor.
O custódio corresponde aos esforços regulatórios do Estado, o demiurgo corresponde
ao Estado produtor de bens e serviços, enquanto o parteiro e o pastor são identificados com a
parceria entre agências estatais e grupos empresariais privados. Os resultados do
desenvolvimento dependem, tanto do caráter geral das estruturas do Estado, como dos papéis
que ele procura representar. Segundo o autor, a maioria dos países em desenvolvimento como
o Brasil situa-se em uma posição intermediária entre o Estado Predador e o Estado
Desenvolvimentista.
Capobianco, Silva e Nascimento (2011) acrescentam que as relações Estado-sociedade
no país são marcadas pelo hibridismo, uma vez que o patrimonialismo e o clientelismo
herdados dos tempos coloniais aliam-se ao personalismo, ao nepotismo, ao corporativismo, à
corrupção e ao insulamento burocrático do aparelho estatal. Ao referir-se à crise do Estado,
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Costa (2010) aponta a necessidade de mudanças institucionais e organizacionais e de adoção
de novas práticas de gestão pública. Trata-se de reinventar o Estado, ou seja, de promover
uma reforma democrática que é, acima de tudo, uma questão política e não meramente
técnica.
Verifica-se que a decisão de transformar-se em um Estado Desenvolvimentista
autônomo que direciona a transformação industrial e impulsiona o desenvolvimento em
parceria com a sociedade é crucial para o Brasil. Como assinalam Leopoldi, Mancuso e
Iglecias (2010), esta é uma reflexão recente, na medida em que vem acompanhando a
retomada da discussão teórica, a nível internacional, sobre as estratégias nacionais de
desenvolvimento e o novo Estado Desenvolvimentista. Como a divergência de trajetórias
impôs-se sobre a agenda da convergência, surgiram novas contribuições teóricas, como a da
VoC.
Soskice (1999) introduz o conceito de “regimes de produção”, que representam a
organização da produção através dos mercados e demais instituições a eles relacionadas. As
diferenças entre os regimes são apontadas em dois grupos de países, que constituem tipos
distintos de capitalismo: Alemanha, Suécia, Suíça, Japão e Coréia do Sul, consideradas
“economias coordenadas de mercado”; e os países anglo-saxões e a Irlanda, consideradas
“economias liberais de mercado”. Alemanha e Estados Unidos constituem as referências de
cada tipo de capitalismo.
Os países resolvem de maneira distinta seus problemas de coordenação da atividade
econômica. No primeiro caso, esta ocorre eminentemente por meio de relacionamentos
cooperativos e mecanismos que operam fora do ambiente dos mercados, enquanto no segundo
caso, a coordenação é realizada principalmente através da hierarquia interna das empresas e
dos arranjos competitivos de mercado (Hall & Soskice, 2001).
Os autores definem cinco esferas de coordenação cuja articulação define o modo de
operação de cada tipo de capitalismo: relações industriais (sindicatos); educação e
treinamento profissional; governança corporativa; relacionamento interfirmas (clientes,
fornecedores e parceiros); e relações de trabalho (empregados).
Os relacionamentos entre essas esferas têm impactos significativos sobre a
competitividade das empresas e sua capacidade de inovação tecnológica, com reflexos sobre o
padrão de especialização produtiva dos países e sua inserção no comércio internacional. Ao
invés de vantagens comparativas baseadas na dotação de fatores produtivos, emerge o
conceito de “vantagens comparativas institucionais”.
Como afirma Soskice (1999), embora nas “economias coordenadas de mercado” sejam
produzidos produtos relativamente complexos, as inovações em geral são de caráter
incremental, enquanto nas “economias liberais de mercado”, as inovações radicais favorecem
o desenvolvimento de produtos de maior complexidade e a criação de novos setores
industriais.
À idéia de coordenação nas cinco esferas mencionadas acrescenta-se a de
complementaridade. O ator central nessa perspectiva é a empresa e não o Estado, cujas
estratégias variam em razão das complementaridades positivas ou negativas que estabelecem,
conduzindo a resultados econômicos diferenciados entre os países. As instituições são
tomadas como “regras do jogo”, ou seja, como restrições informais e regras formais que
estruturam incentivos no intercâmbio entre os homens, tanto no nível político, como
econômico e social, conforme definido por North (1990, 1991).
Embora constituindo contribuições seminais para a VoC ao buscarem novas relações
entre matriz institucional, inovações tecnológicas, especialização produtiva, comércio
internacional e crescimento econômico, a proposta dos autores passou a sofrer críticas no que
se refere à tipologia binária, à prevalência dos enfoques nos níveis microeconômico e
mesoeconômico e à ausência do papel do Estado.
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A diversidade do capitalismo é ampliada por Amable (2003) e Boyer (2005) que,
seguindo a vertente francesa da teoria da regulação, introduzem novas tipologias. O primeiro
autor apresenta cinco tipos ou modelos de capitalismo: de mercado, social-democrático,
continental-europeu, mediterrâneo e asiático, sendo este último caracterizado pelas interações
Estado-mercado, conforme já mencionado. O segundo autor propõe quatro configurações de
capitalismo: orientado pelo mercado (anglo-saxão), mesocorporativista (Japão e Coréia),
estatista (Europa Ocidental) e social-democrático (Escandinávia).
Hall e Soskice (2003) esclarecem as afirmações feitas em seu trabalho anterior e
reconhecem que o desenvolvimento de modelos mais completos para lidar com a estabilidade
e a mudança institucional devem avançar na direção das complexas interações entre a
economia e a política. A perspectiva da mudança institucional está presente nos trabalhos de
Deeg (2005), Hall e Thelen (2009) e Streeck e Thelen (2009), enquanto Schmidt (2006) parte
de um enfoque macroeconômico e introduz a dimensão política na abordagem da VoC,
acrescentando à tipologia binária inicial uma terceira variante: a das “economias de mercado
influenciadas pelo Estado” (França, Itália, Espanha, Portugal e Grécia).
A contribuição de Schmidt (2006) é um marco significativo. Como assinala a autora, o
Estado intervém nas “economias coordenadas de mercado” para promover e capacitar os
agentes econômicos, enquanto nas “economias liberais de mercado” ele atua como regulador,
limitando-se ao estabelecimento de regras e à resolução de conflitos. Por outro lado, nas
“economias de mercado influenciadas pelo Estado”, ele atua de maneira contingente
influenciando, tanto no sentido de promover e capacitar os agentes, como no sentido de
restringir seu comportamento.
A estreita relação entre instituições econômicas e políticas implica no reconhecimento
de que atores sociais estratégicos devem ser capazes de estabelecer acordos mínimos que
viabilizem o crescimento econômico e o desenvolvimento. Trata-se de ir além da dimensão
econômica, tendo em vista o alcance de melhores condições de vida a nível social e
ambiental.
Como afirmam Jackson e Deeg (2006), apesar de algumas críticas que vem sofrendo, a
abordagem da VoC responde de maneira clara e sistemática às recentes questões e desafios
engendrados pela globalização, constituindo um programa de pesquisa fértil e viável. Como
esta abordagem é predominantemente centrada nos países desenvolvidos, o próximo tópico
encaminha o debate sobre o papel do Estado na ordem econômica da América Latina e do
Brasil.

3. O Papel do Estado na Economia e no Desenvolvimento: América Latina, Brasil e o


Novo-Desenvolvimentismo
Schneider (2008) constitui exceção na literatura da VoC ao levar em conta a América
Latina em sua proposta de quatro tipos ideais de capitalismo: coordenado (Estados Unidos,
Grã-Bretanha, Austrália e Estônia), liberal (Alemanha, Escandinávia, Eslovênia e
possivelmente Coréia), de redes (Japão, Taiwan e possivelmente China) e hierárquico
(América Latina, Sudeste Asiático, Turquia e África do Sul).
Porém, como na proposição dos fundadores desta abordagem, o Estado é um elemento
exógeno, o que compromete a análise do capitalismo latino-americano, conforme destacado
por Boschi (2011). De fato, Schneider (2009) identifica como características-chave do
capitalismo hierárquico da região a complementaridade entre os grupos econômicos e as
empresas multinacionais, a fragmentação das relações de trabalho e a baixa qualificação da
mão-de-obra.
Sheahan (2002) também aborda esta última questão, apontando o crescimento da mão-
de-obra não qualificada em relação às oportunidades de empregos produtivos, além da sua
heterogeneidade e pouca mobilidade. Outras características típicas da região são a baixa
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capacidade de inovação e competição do setor industrial e a dependência da exportação de
produtos primários e do capital externo.
Para ele, existem três problemas que dificultam a capacidade de lidar de maneira
suficiente e adequada com a temática da VoC na América Latina: a ampla gama de
possibilidades decorrente das dramáticas diferenças entre os países; a instabilidade das
estratégias econômicas dos países; e o fato de que os países mudam suas versões de
capitalismo mais frequentemente e mais radicalmente do que os países europeus.
A fraqueza do capitalismo latino-americano é atribuída às condições estruturais dos
países. Ao analisar Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru, o autor considera que
os critérios de diferenciação entre modelos de capitalismo baseiam-se na distinção entre
sistemas passivos (modelos liberais) e sistemas ativos (modelos da social democracia e
corporativista).
No entanto, o autor propõe dois modelos de capitalismo que levam em conta o papel
do Estado: liberal e do Estado promotor de mudanças. O primeiro é caracterizado por três
regimes: tradicional liberal, neoliberal (novo modelo econômico) e misto (liberal com
ativismo seletivo). O segundo também envolve três regimes: ativista desenvolvimentista
(ativismo com foco na industrialização), ativista (ativismo com inclusão relativa) e populista
(populismo econômico).
Ainda segundo o autor, os modelos liberais na América Latina foram predominantes
durante as três primeiras décadas no século XX. Dos anos 30 aos anos 90, os modelos
ativistas tiveram como foco primário a industrialização ou modernização e como foco
secundário a inclusão social. Por outro lado, os modelos populistas se voltaram para as
políticas fiscais e monetárias de curto prazo, favorecendo, em certos casos, a inclusão.
Para Sheahan (2002), a fraqueza das instituições democráticas contribui para a
persistência das condições estruturais adversas dos países, que devem ser capazes de
promover a igualdade de oportunidades de educação, o acesso a habilidades e a mobilidade
econômica e social. Os países precisam também construir forte proteção contra as formas
destrutivas de busca de lucro. Neste sentido, intervenções ativas são essenciais para promover
o bom funcionamento dos mercados e da democracia.
Portanto, o capitalismo na América Latina pode ser trabalhado mais construtivamente
a partir do fortalecimento das instituições democráticas e das escolhas sociais que favorecem
a inclusão, o que se mostrou realidade a partir da virada do milênio. Como afirma Diniz
(2010), em alguns países observou-se a ênfase em ideologias de forte cunho nacionalista.
Em outros, como no Brasil, predominou a preocupação com a elaboração de uma nova agenda
de desenvolvimento, retomando-se o protagonismo do Estado na ordem econômica.
Boschi e Gaitán (2010, p. 93) destacam a centralidade do debate em torno do papel do
Estado especialmente no caso dos países latino-americanos, uma vez que este pode promover
a ruptura das complementaridades negativas derivadas das trajetórias centradas no mercado
que predominaram durante os anos 80 e 90. “A vigência de um novo modelo, assim, vai
depender de alterações no quadro de referência das elites com a formação de coalizões de
apoio a uma plataforma desenvolvimentista pós-neoliberal”. Abre-se, pois, a possibilidade de
um novo ciclo de crescimento e desenvolvimento.
A nova agenda desenvolvimentista tem lugar no momento em que a democracia se
consolida e que governos progressistas assumem o poder. Esta agenda contempla as
preocupações com a manutenção da estabilidade monetária e do crescimento e aquelas
relativas à dimensão social do desenvolvimento. No âmbito das relações Estado-mercado,
destacam-se as parcerias público-privadas, a criação de agências e conselhos consultivos e as
políticas de inovação. No âmbito das relações Estado-sociedade, as políticas sociais de
combate à fome, à pobreza e à desigualdade ganham espaço, pois o desenvolvimento deve
contemplar todas as camadas sociais.
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Por essas razões, a nova agenda deve ter como prioridade a capacitação do aparelho
estatal. Segundo Costa (2010), ela deve incluir propostas de mudanças no sistema político, no
arcabouço institucional e no aparelho estatal orientadas para o desenvolvimento e também
para a democratização, a descentralização, a regionalização e a integração das ações
governamentais. Outros aspectos apontados são a flexibilização, tendo em vista contemplar
novos modelos e instrumentos de gestão e formas de contratação de serviços, e a gestão
pública empreendedora, visando criar modelos mais versáteis e diversificados de capacitação,
além de novos critérios de seleção de candidatos.
Como afirma Evans (2004), a estrutura interna do Estado Desenvolvimentista
assemelha-se à burocracia weberiana, no sentido de ser dotada de mecanismos de
recrutamento seletivo e meritocráticos e de perspectiva de carreira a longo prazo, de modo a
promover o compromisso do corpo funcional e o sentimento de coerência corporativa. É esta
estrutura que impede a captura do Estado por interesses privados, embora não deva
corresponder ao isolamento do Estado, pois neste caso, ele não seria capaz de pôr em prática
seus projetos.
Nos termos da VoC, Boschi e Gaitán (2010) consideram que esta agenda representa um
modelo híbrido de coordenação, tanto pelo Estado, como pelo mercado. Ao analisar a
experiência recente da Argentina, Brasil e Chile, os autores afirmam que a ruptura com os
desequilíbrios estruturais e complementaridades negativas no campo de ação das empresas
coloca os Estados em posição cada vez mais estratégica no que diz respeito à reconfiguração
dos regimes de produção e das possibilidades de crescimento e desenvolvimento.
A recuperação do papel do Estado é promissora no caso do Brasil e do Chile, em
contraste com a Argentina, onde o alcance e profundidade das reformas neoliberais afetaram
de maneira dramática a capacidade de intervenção estatal na economia. Como assinala
Sheahan (2002), enquanto nos anos 90 a Argentina adotou o regime neoliberal, o Brasil e o
Chile adotaram o regime misto, ou seja, liberal com ativismo seletivo.
No Brasil, as profundas mudanças ocorridas no cenário internacional nas duas últimas
décadas do século XX conduziram a um intenso processo de reestruturação financeira,
comercial e produtiva que, no plano político, foi respaldado pela Nova República e pela
adoção da ortodoxia neoliberal. Bazuchi (2011) aponta como efeitos a reconfiguração dos
atores, a recomposição dos interesses e a reorganização das estratégias de representação, que
significaram um novo pacto político.
Magalhães (2006) acrescenta que sob a égide de um novo modelo de desenvolvimento,
o país voltou-se para fora, buscando a “integração competitiva no mercado mundial”. Porém,
como afirma Tauile (2001, p. 235), a “plugagem pura, simples, abrupta e desenfreada” da
economia brasileira à economia mundial não se mostrou uma saída viável para o país, que
acabou por manter baixos índices de crescimento econômico e aumentar seu déficit
tecnológico, educacional e social.
O século XXI teve início com a percepção mais clara dos resultados negativos desse
processo de integração competitiva passiva e da necessidade de criação de um novo quadro
institucional para o país. Em 2002 teve início o governo de Luiz Inácio Lula da Silva que, já
em seu discurso de posse, apontou a urgência de um “projeto nacional de desenvolvimento”
inclusivo suportado por “planejamento estratégico”, o que demonstrou o reconhecimento de
que uma nova “convenção de desenvolvimento” ou transformação estrutural na sociedade
brasileira se fazia necessária (Erber, 2011).
Como destaca o autor, o recuo da “convenção neoliberal”, que já era claro no plano
internacional, tornava-se claro no Brasil. O apelo do presidente a um “pacto social amplo”
mostrou-se consistente com o “presidencialismo de coalizão” que caracteriza o sistema
político brasileiro. Apesar da forte reação liberal à “convenção neo-desenvolvimentista” do

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Governo Lula, há baixa probabilidade de que a “convenção neoliberal” possa retomar sua
posição dominante.
A eleição da presidente Dilma Roussef em 2010 ratifica a aposta do autor, que aponta o
“novo desenvolvimentismo” como convenção alternativa aplicável a países de renda média
como o Brasil. Segundo Bresser-Pereira (2009, p. 52), o fato histórico novo é que a
“estratégia nacional de desenvolvimento” é a instituição-chave neste processo, pois “de
maneira geral, as boas reformas institucionais caminham juntas, de um lado, com mudanças
tecnológicas e econômicas, e de outro, com mudanças culturais e ideológicas.
Ao guiar os principais atores políticos e econômicos, esta estratégia envolve o
incentivo à inovação e à acumulação de capital priorizando, não apenas os interesses do
capital nacional, mas também do conhecimento nacional e da mão de obra nacional.
Configura-se uma estratégia nacional de catching-up. Nas palavras do autor, trata-se de um
“conjunto de instituições que definem as regras do jogo do crescimento econômico”, ou seja,
de uma coalizão política implícita em que as classes sociais, sob a liderança do governo,
suspendem seus conflitos internos e cooperam, quando o problema que enfrentam é a
competição econômica internacional (Bresser-Pereira, 2009, p. 57).
O autor compara o “novo desenvolvimentismo” com o “desenvolvimentismo” dos
anos 50 e com a ortodoxia econômica convencional ou neoclássica e lança uma proposta que
chama de “macroeconomia estruturalista do desenvolvimento”, centrada no financiamento do
desenvolvimento com poupança interna e na gestão da taxa de câmbio, de modo a torná-la
competitiva e dar suporte à exportação de produtos tecnologicamente avançados. Outros
aspectos enfatizados são o equilíbrio do orçamento público por meio de uma política fiscal
rígida e a gestão da taxa de juros, que deve manter-se em patamar moderado (Bresser-Pereira,
2009, 2011; Bresser-Pereira & Gala, 2010).
Na mesma direção, Sicsú, Paula e Michel (2005) exploram as relações entre as esferas
econômico-social, público-privada e nacional-internacional, bem como as linhas mestras da
“estratégia nacional de desenvolvimento” que propõem para o Brasil, à qual também
denominam “novo desenvolvimentismo”, centrada no binômio crescimento sustentado com
eqüidade social, o que significa pleno emprego com equidade social. Para os autores, o Estado
deve ser forte para permitir ao governo a implementação de políticas macroeconômicas
expansionistas ou defensivas e ser capaz de regular a economia. Esta deve ser constituída por
um mercado forte e por um sistema financeiro funcional, isto é, voltado para o financiamento
das atividades produtivas e não especulativas.
Alinhando-se sobretudo às considerações de Chang (2003, 2004) e Evans (2004), os
autores propõem que o Estado brasileiro faça uso de políticas industriais e comerciais
inteligentes e criativas e se torne ao mesmo tempo autônomo e responsável perante a
sociedade que representa. Conforme assinalado por Boschi e Gaitán (2010), Sicsú, Paula e
Michel (2005) preconizam a reconstrução e capacitação do Estado nos planos político,
administrativo e financeiro, de modo a poder fazer uso de incentivos à competitividade
industrial, visando a inserção competitiva ativa do país nos segmentos tecnologicamente
dinâmicos do comércio internacional. Outro destaque é o desenvolvimento do capital humano
por meio da educação pública.
Em trabalho posterior, Sicsú (2008) apresenta as três partes da “estratégia nacional de
desenvolvimento” para o Brasil: a primeira, que representa o objetivo final, corresponde à
visão da sociedade desejada; a segunda envolve a trajetória macroeconômica a ser percorrida
para atingir este objetivo por meio de um Estado ativo; e a terceira diz respeito às políticas
públicas promotoras da justiça social e do desenvolvimento.
O autor enfatiza o papel da mobilização nacional em torno da visão da sociedade
desejada através de um amplo e organizado debate em torno de linhas gerais. As políticas
macroeconômicas devem promover o crescimento econômico e a industrialização
9
tecnologicamente sofisticada, enquanto os sistemas de saúde e educação devem ser gratuitos e
de máxima qualidade para todos os níveis e necessidades.
Em complemento, Magalhães (2008) afirma que o fracasso do modelo brasileiro de
“integração competitiva no mercado mundial” é atribuído à incapacidade do país de penetrar
nos segmentos tecnologicamente dinâmicos deste mercado e aponta a estratégia de
crescimento para dentro e para fora como a mais adequada para o país, na medida em que é
viável politicamente e economicamente.
A transição de um processo de crescimento lento para um processo de catching-up
requer ações do Estado no sentido de promover inovações tecnológicas e institucionais. Como
afirma Ferreira (2010), embora o estabelecimento do sistema de pós-graduação tenha
constituído um dos elementos-chave para os processos de aprendizagem tecnológica ativa e
de inovação e para a consolidação do sistema brasileiro de inovação, o que se verifica é o
papel limitado que a transformação de conhecimentos científicos em inovações tecnológicas
vem desempenhando no país.
Em complemento, Suzigan e Albuquerque (2008) explicam que o protecionismo
exagerado, o domínio de indústrias estratégicas por empresas multinacionais, a
descontinuidade de políticas públicas e as recorrentes crises macroeconômicas acabaram por
determinar no país um padrão tecnológico predominante de baixa demanda sobre o sistema
científico e universitário.
As inovações institucionais, por sua vez, constituem pré-requisitos para o
desenvolvimento e sua dinâmica é essencial, ao lado da capacidade de implementá-las e da
flexibilidade para mudá-las ao longo do tempo. Albuquerque (2009, p. 69) acrescenta que “a
capacidade de coordenação para a criação e a mudança institucional são as variáveis-chave do
processo e componentes decisivos de políticas públicas ajustadas à dinâmica do capitalismo
do século XXI”. A capacidade de coordenação do Estado constitui-se como fator crítico de
sucesso.
De acordo com Chang (2004), um esforço intelectual maior é necessário visando a
melhor compreensão do papel das instituições e das políticas no desenvolvimento. E segundo
Evans (1998), o recuo do neo-utilitarismo permite moldar uma visão mais satisfatória do
papel do Estado no processo de desenvolvimento. Como afirma Boschi (2011), não há uma
modalidade única de Estado capitalista, tampouco um só caminho para o desenvolvimento.
No novo período histórico pós-Consenso de Washington, o diálogo crescente entre as
abordagens da Economia Política Comparada e da VoC é oportuno e necessário.

4. Considerações Finais
Passada a primeira década do século XXI, verifica-se que o debate sobre o processo de
globalização atinge um novo patamar. A pluralidade de visões sobre os rumos do
desenvolvimento capitalista se sobrepõe ao pensamento único neoliberal e o papel do Estado
na ordem econômica ganha novos contornos. Sem dúvida, um momento fértil para novas
reflexões e formulações críticas.
Os Estados se vêem hoje desafiados a construir estratégias de desenvolvimento e
políticas específicas que levem em conta o atendimento das necessidades domésticas e sua
inserção internacional, estimulando o ressurgimento das discussões em torno das teorias do
desenvolvimento. Paralelamente, a vertente do Institucionalismo vem recebendo atenção
crescente e promovendo grande renovação nas Ciências Sociais por meio de contribuições
interdisciplinares como a Economia Política Comparada.
A VoC, por sua vez, vem permitindo a releitura e revitalização daquela à luz dos
eventos que marcaram a trajetória de diversidade da economia mundial no período pós-
Consenso de Washington. Embora focalizando inicialmente empresas, mercados e suas

10
formas de coordenação em detrimento da coordenação pelo Estado, este vem ganhando
espaço nas análises recentes, o que aproxima os dois campos.
O debate em torno do papel do Estado é central no caso dos países latino-americanos,
uma vez que este é capaz de promover a ruptura em relação a trajetórias e
complementaridades negativas e estimular outras novas e positivas rumo ao crescimento
econômico e ao desenvolvimento. A consolidação da democracia, os governos progressistas e
a nova agenda desenvolvimentista vêm ganhando espaço na região.
A percepção de que os Estados podem assumir novos e diferenciados papéis em suas
relações com o mercado e a sociedade é particularmente importante em países de renda média
como o Brasil, que enfrentam o desafio de realizar o catching-up em um cenário político-
econômico de complexidade e interdependência crescentes.
Como Estado, instituições e desenvolvimento encontram-se entrelaçados, a sociedade
brasileira precisa buscar seus próprios caminhos, o que requer a construção de uma visão e de
um projeto nacional de desenvolvimento capaz de direcionar a adoção de uma estratégia
nacional de desenvolvimento e das políticas públicas que a ela darão suporte. As mudanças no
sistema político, no arcabouço institucional e no aparelho estatal devem ser orientadas
também para a democratização, a descentralização, a regionalização, a integração, a
flexibilização e a gestão pública empreendedora.
Tal como proposto pela VoC, o impacto das instituições sobre a eficiência econômica
conduz a duas importantes questões: a relação entre instituições e inovações e a conexão entre
instituições e desenvolvimento. O Estado é o ator-chave no sentido de capacitar, regular e
influenciar o comportamento dos agentes econômicos e da sociedade em geral. Porém, o
sucesso desta empreitada depende de sua própria capacidade de renovação, não apenas no
caso dos países do continente latino-americano, mas sobretudo no caso de países emergentes
como o Brasil.

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