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Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula

ENTRE AS HISTÓRIAS DOS


SISTEMAS DE EQUAÇÕES LINEARES

Elenice de Souza Lodron Zuin1


Célio Moacir dos Santos2

Resumo:
Este minicurso tem como finalidade abordar determinados aspectos dos sistemas de
equações lineares em uma perspectiva da sua história, como um saber que se estabelece
há milhares de anos, e em um cenário didático-pedagógico, no âmbito da História da
Matemática escolar brasileira. Serão evidenciados alguns dados, a partir das correntes
pedagógicas, das normativas da legislação educacional e das concepções de seis autores
de livros didáticos, publicados entre fins do século XIX e a década de 1970,
focalizando-se o Movimento da Matemática Moderna no Brasil. A condução do
minicurso será realizada em uma perspectiva expositiva/dialogada, dividida em dois
momentos, oportunizando aos participantes realizarem uma análise das obras
apresentadas, a partir de determinadas categorias, e compará-las com livros didáticos de
Matemática contemporâneos.

Palavras-chave: História da Matemática; História da Matemática Escolar; Legislação


educacional; Livros Didáticos.

1. Introdução

Os diversos saberes matemáticos têm suas histórias, seus processos evolutivos,


ancorados na colaboração de muitos. Ocorrem idas e vindas, em uma dinâmica que
passa por elaborações, transformações e reelaborações. Nas escolas, é “importante que
se discuta sobre a natureza” da Matemática “e que se identifiquem suas características
principais e seus métodos particulares como base para a reflexão sobre o papel que essa
área desempenha no currículo.” A partir desses pressupostos, entende-se que a
Matemática “caracteriza-se como uma forma de compreender e atuar no mundo e o
conhecimento gerado nessa área do saber como um fruto da construção humana na sua
interação constante com o contexto natural, social e cultural” (BRASIL, 1998, p. 24).
Todos esses aspectos são propiciados pelo conhecimento da História da Matemática.

1
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). elenicezuin@gmail.com
2
Secretaria de Educação do Espírito Santo (SEDU-ES). moacircelio@yahoo.com.br
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Há estudos indicando que, em geral, os conteúdos matemáticos são apresentados
pelos professores, nas escolas da Educação Básica, e também pelos autores de livros
didáticos, sem considerar pontos relativos à sua gênese, à sua história. Nesse sentido,
perde-se a oportunidade de estabelecer as possíveis pontes interdisciplinares entre os
diversos saberes e de levar aos estudantes a ideia de que a matemática é um campo que
foi constituído ao longo de milhares de anos, com seus avanços e retrocessos, com a
colaboração de muitas mentes. O enfoque histórico propicia o entendimento de
determinadas especificidades de um tópico e a ampliação da capacidade de análise e
crítica, pertinente na formação geral dos estudantes.

Compartilhamos da concepção de D’Ambrosio, ao destacar o grande alcance da


História da Matemática, considerando que os conhecimentos dessa história não devem
se limitar às práticas escolares, sendo algo que deve atingir a todos. Como ele próprio
enfatiza: a História da Matemática é “Para alunos, professores, pais e público em geral”.
(D’AMBROSIO, 1996, p. 10). Sérgio Nobre também defende o trabalho com os
aspectos históricos da Matemática afirmando que é uma maneira de “se ensinar a
praticidade dos conteúdos escolares, investe-se na fundamentação deles”. (NOBRE,
1996, p. 31). Há outros educadores matemáticos no Brasil e no exterior a apontar as
potencialidades de um trabalho nas escolas pelo viés da História da Matemática.

A temática a ser desenvolvida no minicurso está inserida nos campos da


Álgebra. Salientamos que as técnicas aritméticas para solucionar determinados
problemas, os quais seriam modeláveis por sistemas de equações, existiam bem antes da
Álgebra3 se situar como um domínio autônomo da Matemática (DORIER, 1990). Em
suas diferentes fases, a álgebra inicia-se em sua forma retórica, passando para a
sincopada, com diversas alterações e inserções de símbolos, até chegar à fase que se
denomina álgebra simbólica (BAUMGART, 1992). As notações algébricas foram
sendo assimiladas e incorporadas no Ocidente até atingirem uma relativa estabilização e
posterior generalização na matemática escolar.

3
“Ainda que originalmente “álgebra” refira-se a equações, a palavra hoje tem um significado muito mais
amplo, e uma definição satisfatória requer um enfoque em duas fases: (1) Álgebra antiga (elementar) é o
estudo das equações e métodos de resolvê-las. (2) Álgebra moderna (abstrata) é o estudo das estruturas
matemáticas tais como grupos, anéis e corpos – para mencionar apenas algumas. (...) a divisão é tanto
cronológica como conceitual”. (BAUMGART, 1992, p. 3).
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Para o minicurso, a abordagem dos aspectos históricos é explanada através de


uma síntese fundamentada em diversos autores, com destaques para o livro Historia de
las matemáticas, de Collette (1986); a obra Étude des pratiques du professeur du double
point de vue écologique et économique de Coulange (2000); o artigo de Rosa & Orey
(2013), Etnomatemática e modelagem: a análise de um problema retórico babilônio e
também nos estudos já consagrados de Boyer (2003), em sua História da Matemática, e
de Eves (2004), na Introdução à História da Matemática. Igualmente, tem-se como
suporte o livro de autoria de Zuin & Santos (2019), que desenvolvem determinados
tópicos concernentes com a temática a ser tratada neste minicurso.

Em relação a um determinado conteúdo matemático, sua trajetória ao longo do


tempo, no âmbito escolar, também se evidenciam as permanências e alterações
ocorridas em função de diversos fatores, estando, entre eles, a legislação educacional, as
correntes pedagógicas e/ou as propostas de determinado(s) autor(es) em seu(s) livro(s)
didático(s). O conhecimento desses aspectos, que estão ligados à História da
Matemática Escolar4, nos fornece outras perspectivas de análise de um determinado
conteúdo, num processo crítico, observando-se as possibilidades de um fazer
pedagógico calcado em bases mais sólidas. Considerando esses elementos, foram
fixados os marcos temporais entre o final do Oitocentos e a década de 1970, situados
entre o ensino intuitivo e o Movimento da Matemática Moderna no Brasil – período no
qual ocorreram mudanças significativas na matemática escolar. Para concretizar esse
olhar, apresentaremos a análise de seis livros didáticos publicados no período,
ressaltando como os autores propunham o ensino dos sistemas lineares com duas
equações e duas incógnitas em suas obras, as correntes pedagógicas e as normativas da
legislação educacional.

No tocante aos livros didáticos, foram elencados alguns pontos considerados


relevantes: a introdução do conteúdo, a inserção ou não de aspectos históricos,
características de alguns exercícios/problemas e exemplos encontrados nas obras, tendo
como objetivo evidenciar a abordagem dos sistemas de equações lineares na ótica de
cada um dos autores. Foram seguidos os passos propostos por Zuin (2007) e realizada a
4
Há um interesse crescente pela História das disciplinas escolares, nas últimas décadas, porém, os
estudos voltados para a história dos conteúdos escolares da matemática ainda são relativamente recentes
no Brasil (ZUIN, 2007).
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análise de conteúdo fundamentada em Bardin (2011). A análise criteriosa dos livros
aponta os possíveis processos de escolarização do tópico em questão ao longo do
período demarcado. As referências relativas às correntes pedagógicas, à legislação e ao
movimento da Matemática Moderna fundamentam-se, principalmente, em Zuin &
Santos (2019) e em documentos oficiais.

Valente (2010) indica que os docentes, em suas atividades didático-pedagógicas,


“tendem a desenvolver uma prática pedagógica de melhor qualidade se mantiverem uma
relação histórica com seu passado profissional”. (p. 123). A História da Educação
Matemática vem sendo incorporada em algumas licenciaturas em Matemática no Brasil,
sem atingir a totalidade das instituições que ofertam este curso no país. Deste modo,
ainda há muito por fazer no sentido de possibilitar aos futuros professores uma
formação em que haja discussões e reflexões sobre os aspectos didáticos e pedagógicos
com mais ciência da história da educação brasileira, de uma forma geral, e da História
da Educação Matemática, em particular.

2. Desenvolvimento do minicurso

A partir do preâmbulo, apresentamos os objetivos do minicurso. O objetivo geral


é propiciar aos participantes uma postura mais crítica frente aos conteúdos e programas
curriculares tendo como subsídios aspectos da História da Matemática e a História da
Educação Matemática.

Os objetivos específicos são:

 Apresentar determinados aspectos históricos dos sistemas de


equações lineares;
 Evidenciar as correntes pedagógicas e as legislações educacionais
ocorridas no período entre o final do século XIX e a década de
1970 no Brasil;
 Destacar as mudanças e/ou permanências no tópico sistemas de
equações lineares em livros didáticos, tendo por parâmetro as
correntes pedagógicas e reformas verificadas no país no período
estabelecido;

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 Propiciar que os participantes realizem uma breve análise dos
livros didáticos que serão disponibilizados, tomando como ponto
de partida os aspectos discutidos no minicurso.

O minicurso será desenvolvido na forma expositiva/dialogada com os


participantes. Foram estabelecidos dois momentos, o primeiro, com apresentação de
determinados dados históricos dos sistemas lineares, aspectos das correntes pedagógicas
e das normativas educacionais no Brasil, no período entre as últimas décadas do século
XIX e a década de 1970 – esta, marcada pelo Movimento da Matemática Moderna. A
seguir, uma síntese dos principais dados e resultados referentes à análise de seis livros
didáticos publicados no período avaliado, a partir de categorias pré-estabelecidas.

Num segundo momento, os participantes terão as obras apresentadas em mãos,


com a oportunidade de também realizarem uma comparação das mesmas com alguns
livros didáticos de Matemática lançados a partir do ano 2000 (cedidos pelos
ministrantes do minicurso). Para auxiliar neste processo, será disponibilizada uma ficha
de análise para que possam ser examinados alguns pontos específicos dos livros. Em
grupo, serão discutidos os aspectos avaliados nas obras, com uma socialização
posterior, culminando em uma síntese final.

3. Considerações Finais

Dentro da perspectiva proposta para o minicurso, esperamos poder contribuir


para a formação inicial, continuada e no exercício da docência dos professores de
Matemática. Defendemos que um ensino/aprendizagem ancorado em um panorama
histórico torna-se relevante, tendo em conta os pontos de vista didático-pedagógicos que
se abrem e as possibilidades do desenvolvimento de projetos interdisciplinares,
contribuindo para a formação geral dos estudantes do Ensino Básico.

A possibilidade de se adquirir mais conhecimentos a respeito de algumas


correntes pedagógicas, sobre a legislação educacional e propostas de autores didáticos
de décadas passadas, propicia aos licenciandos e aos professores em serviço, novos
olhares e uma postura mais crítica frente aos saberes matemáticos, aos programas
curriculares e aos conteúdos dos livros escolares adotados que circulam no país.

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4. Referências

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.


BAUMGART, John K. Álgebra. Tradução Hygino Hugueros Domingues. São Paulo:
Atual, 1992.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997. v. 3.

BOYER, Carl Benjamin. História da Matemática. Tradução Elza Gomide. São Paulo:
Edgard Blücher, 2003.
COLLETTE, Jean-Paul. Historia de las matemáticas. Traducción Pilar González
Gayoso. México: Siglo Veintiuno Editores, 1986.

COULANGE, Lalina. Étude des pratiques du professeur du double point de vue


écologique et économique. Cas de l’enseignement des systèmes d’équationset de
lamise en équation sen classe de troisième’. 2000. 458f. Tese (Doutorado em Didática
da Matemática) – Université de Grenoble, 2000.

D’AMBROSIO, Ubiratan. História da Matemática e Educação. In: Cadernos CEDES –


História e Educação Matemática, São Paulo: Papirus, 1996. v. 40. p. 7-17.

DORIER, Jean Luc. Contribution à l'Étude de l'Enseignement à l'Université des


Premiers Concepts d'Algèbre Linéaire. Approches Historique et Didactique. 1990.
571f. These (Doctorat en Éducation) – Département de l'Éducation. Université Joseph
Fourier, France, Grenoble, 1990.

EVES, Howard. Introdução à história da Matemática. Tradução Hygino Hugueros


Domingues. Campinas: UNICAMP, 2004.

NOBRE, Sérgio. Alguns “porquês” na história da matemática e suas contribuições para


a educação matemática. In: Cadernos CEDES – História e Educação Matemática,
São Paulo: Papirus, 1996. v.40. p. 29 - 35.

ROSA, Milton; OREY, Daniel Clark. Etnomatemática e modelagem: a análise de um


problema retórico babilônio. Revista Latinoamericana de Etnomatemática, v. 6, n. 3,
p. 80-103, 2013.

VALENTE, Wagner Rodrigues. História da educação matemática: considerações sobre


suas potencialidades na formação do professor de matemática. Bolema, Rio Claro, v 23,
n.35A, p.123- 136, abr. 2010.

ZUIN, Elenice de Souza Lodron. Livros didáticos como fontes para a escrita da
história da matemática escolar. Guarapuava: SBHMat, 2007. (Coleção História da
Matemática para Professores).

ZUIN, Elenice de Souza Lodron; SANTOS, Célio Moacir. Sistemas de equações


lineares: entre a História da Matemática e a História da Matemática escolar. São Paulo:
Livraria da Física, 2019.
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