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Mais rápida, grave e letal entre jovens:

médicos relatam "nova" covid no AM


Covid-19 em Manaus: moradores l…

A velocidade e a gravidade da evolução da covid-19 em pacientes que buscam


os prontos-socorros em Manaus têm chamado a atenção dos profissionais de
saúde que atuam na linha de frente.

Está inclusive formando infecções mais graves e em menos tempo do que a


doença vista na primeira onda.

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iniciam vacinação

Durante quatro dias na capital amazonense, o UOL ouviu relatos de


profissionais que atestam que a nova fase da covid-19 tem maior
transmissibilidade causada por mutações que geraram uma nova variante no
estado.

Além disso, os dados mostram que pessoas mais jovens estão morrendo
agora. Segundo registros de óbitos nos últimos 30 dias, quatro em cada dez
vítimas fatais tinham menos de 60 anos no estado.

"Algo de muito diferente está ocorrendo em Manaus. Não sei informar se é uma
cepa nova ou se é algo diferente. Mas quem está na linha de frente está vendo
um aumento da gravidade dos casos", conta o infectologista e pesquisador
Noaldo Lucena, que atua em clínica popular, atendimento domiciliar e hospitais
públicos.

As mudanças, diz, vão além da já sabida maior contagiosidade da nova


variante do vírus.

Claramente estamos diante de um ser invisível que é muito mais patogênico e


transmissível. Hoje chegam famílias inteiras com os sintomas ao mesmo
tempo, antes era um de cada vez.
Noaldo Lucena, infectologista

Exames mostram gravidade maior


Lucena conta que em exames mais recentes de pacientes há lesões nos
pulmões mais graves.

"Neste ano, eu já vi mais 150 pessoas aqui na clínica e mais 300 no serviço
público. Digo que menos de 2% deles tinham comprometimento leve. Os
demais eram comprometidos acima de 50%. Alguns com 70%, 80%, 90%,
com necessidade de internação imediata e até suporte ventilatório", diz.

Vacinação contra a covid-19 no Brasil

+22

Segundo ele, agora a doença apresenta menos sintomas capazes de serem


percebidos em um exame clínico. "Você ausculta o pulmão do paciente e não
escuta nada. Mas, quando vemos a imagem tomográfica, não acredita como há
um comprometimento tão grande com tão pouca repercussão clínica notória."

Mais mortes em jovens


Uma outra questão relatada é a mortalidade de pessoas mais jovens, que
estaria também associada à maior patogenicidade do vírus.

O UOL analisou os dados mais recentes do Portal da Transparência dos


cartórios. Foram registrados 710 óbitos no estado (dado que ainda pode
aumentar), dos quais 285 de pessoas com menos de 60 anos —ou 40,1% do
total. Antes desse período, esse percentual era de 36,5%.

"Sem dúvida muito mais jovens estão morrendo. Não estamos falando só de
grupo de risco: isso está em todas as faixas etárias, atingindo bebês, crianças,
adolescentes mesmo sem comorbidade", aponta a infectologista Silvia
Leopoldina, que também atua nas redes públicas estadual e municipal de
Manaus.

A médica afirma que houve mudanças no comportamento da doença no


estado. "Antes, os primeiros sintomas de gravidade apareciam em torno do
décimo dia em diante. Agora têm pacientes que, com sete, oito dias, estão com
comprometimento de 75% dos dois pulmões."

Esse encurtamento no tempo de agravamento dificulta a recuperação, conta


ela.

O governador do Amazonas, Wilson Lima, e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no início de


janeiro
Imagem: Divulgação/Secom-AM

"Silenciosa demais"
A enfermeira e professora Ana Paula Rocche concorda que "o vírus não é mais
o mesmo". Ela relata que a queda de saturação de pacientes ocorre de forma
muito mais rápida e silenciosa.

"O paciente começa no primeiro dia sentindo uma dor de garganta; depois
sente uma dor de cabeça; no terceiro dia ele já começa uma febre, mas no
quarto começa uma falta de ar, e quando você coloca um oxímetro nele, a
saturação que era para estar em 98% está 70%, 75%. Isso não é normal! É
uma coisa extremamente grave que ataca as vias aéreas e pulmões, e de forma
silenciosa demais", pontua.

Ela trabalha com atendimento a pacientes, inclusive acompanhando remoções


particulares de casos graves para outros estados.

A enfermeira conta que, em vez de dor, muitos pacientes tem relatado uma
"agonia" no peito.

"O pulmão parece que vai ressecando, que vai encolhendo; e aí você entra
com tudo que é antibiótico, anticoagulante e o pulmão não expande. Isso não é
normal", diz.

Nós não estamos sabendo lidar com isso. Está estranho demais. As pessoas
ficam ruins em outros locais, mas não como a gente está vendo. Isso aqui é
outra coisa.
Ana Paula Rocche, enfermeira

Colapso e nova variante agravam situação


O professor Bernardino Albuquerque, da UFAM (Universidade Federal do
Amazonas) e pesquisador da Fiocruz Amazônia, avalia que essa percepção
vem do colapso do sistema de saúde.

"A partir do final de dezembro, houve uma saturação no atendimento. Temos


visto pacientes esperando horas em uma ambulância. O estado clínico fica
agravado por essa peregrinação, além de faltar insumos", diz.

Se tivéssemos um sistema de saúde preparado para atender esse segundo


momento, não haveria tantas mortes. O governo desmontou toda estrutura
que tinha antes, estamos começando tudo de novo.
Bernardino Albuquerque, pesquisador

Um ponto que agravou a situação do estado foi a nova variante do SARS-CoV-


2. "Chance [de causar doença mais grave] existe, mas não existem evidências
ainda sobre ser mais patogênica", explica o pesquisador Felipe Naveca, da
Fiocruz Amazônia.

Segundo artigo publicado ontem, a nova variante pode ser capaz de furar a
imunidade adquirida por outra cepa.
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