FLORESTAS PLANTADAS PARA ENERGIA: ASPECTOS TÉCNICOS,
SÓCIO-ECONÔMICOS E AMBIENTAIS Laércio Couto1 Marcelo Dias Müller2 Antônio de Arruda Tsukamoto Filho3 UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA Departamento de Engenharia Florestal RESUMO Neste artigo são apresentados os aspectos técnicos, sócio-econômicos e ambientais da utilização de florestas de rápido crescimento na produção de biomassa para geração de energia. Atualmente, o modelo energético mundial é baseado na utilização de energia fóssil, carvão mineral e petróleo. No entanto, estas fontes são consideradas não-renováveis, e encontram-se em fase de exaustão. Dentro deste contexto, a produção de energia a partir de fontes renováveis, surge como uma opção a este modelo de desenvolvimento. A biomassa, de origem florestal, é uma forma de energia limpa, renovável, equilibrada com o meio ambiente rural e urbano, descentralizadora de população, geradora de empregos (tanto no meio rural como no meio urbano) e criadora de tecnologia própria. 1 INTRODUÇÃO Historicamente, a biomassa de origem florestal é tida como uma importante fonte de energia (MALIK et al., 2001; CHHABRA et al., 2002). Com a Revolução Industrial houve uma grande mudança nas relações de produção. Houve um rápido crescimento da produtividade do trabalho e conseqüentemente, um aumento na 1 Prof. Phd Departamento de Engenharia Florestal – UFV. Tel 3899-1199 email: lcouto@mail.ufv.br 2 Doutorando em Ciência Florestal DEF/UFV. Tel: 3891-2130. email: ms35085@correio.ufv.br 3 Doutorando em Ciência Florestal DEF/UFV. Tel: 3891-2206, email: tucarruda@bol.com.br quantidade de bens e serviços que a indústria colocou à disposição das populações. Sendo assim, a oferta de energia, ao mesmo tempo em que era uma conseqüência do desenvolvimento, passou a ser entendida como um processo indutor do crescimento econômico (ELETROBRÁS, 1998). Cerca de 20% da energia consumida no mundo provém de fontes renováveis, sendo que cerca de 13 a 14% é gerada a partir da biomassa e 6 a 7% é gerada a partir de recursos hídricos. No Brasil, em 1940, 80% da energia consumida era proveniente de biomassa florestal (madeira) e em 1998, apenas 9%, evidenciando que houve um significativo decréscimo na participação da madeira como fonte energética. No entanto, em termos quantitativos, o consumo não se alterou significativamente, mostrando que existe um mercado cativo para a utilização da biomassa como fonte de energia (LIMA & BAJAY, 2000). Do ponto de vista ambiental, a sustentabilidade do desenvolvimento depende, entre outras medidas, da redução das emissões de gases poluentes, da conservação do solo, da não contaminação das águas, da exploração racional dos recursos fósseis e dos recursos naturais renováveis. Dentre as atividades humanas, a produção e o consumo de energia é uma das mais intensivas na utilização de recursos naturais. Por outro lado, também é uma das principais fontes de emissões de poluentes (ELETROBRÁS, 1998). A biomassa florestal possui características tais que permitem a sua utilização como fonte alternativa de energia, seja pela queima da madeira, como carvão, aproveitamento de resíduos da exploração e aproveitamento de óleos essenciais, alcatrão e ácido pirolenhoso (COUTO et al., 2000). 2 O EUCALIPTO O eucalipto é uma espécie originária da Austrália, de porte arbóreo, onde forma densos maciços florestais. A espécie foi introduzida no Brasil no início deste século, por volta de 1905, pelo engenheiro agrônomo Navarro de Andrade, com a finalidade de produção de dormentes de madeiras para estradas de ferro no Estado de São Paulo, pela Companhia Paulista Estradas de Ferro (ANDRADE, 1928). A partir de 1940, foram estabelecidas plantações em regiões de mineração de ferro, principalmente na região da Bacia do Rio Doce, como uma alternativa energética (carvão vegetal) para substituir o coque no processo de produção do minério de ferro na siderurgia (CHANDLER & HENSON, 1998). Na década de 70 a crise do petróleo, com o conseqüente aumento do custo do petróleo, influenciou o setor florestal, visto que, acelerou a necessidade de substituição do petróleo por fontes alternativas de energia. Os plantios florestais, com finalidade energética, tornaram-se uma fonte alternativa para a substituição do petróleo e seus derivados (SMITH, 1989). Em 1967 foi iniciado o Programa de Incentivos Fiscais, que reflorestou 6 milhões de hectares no Brasil, hoje reduzidos a apenas 4 milhões. Em Minas Gerais o plantio foi de 3 milhões de hectares e hoje se encontra reduzido a 1,3 milhões de hectares sendo que a área plantada com eucalipto no estado chega a 1.190.064 ha. Atualmente o Brasil possui a melhor tecnologia de implantação, condução e exploração de florestas de eucalipto. Pode-se esperar também que o setor contribua para potencializar a balança comercial brasileira, com aumento das exportações de produtos de base florestal, ou que deles se utilizam, como o ferro-gusa, bem como diminuir as importações de produtos que podem ser substituídos pela madeira, principalmente os energéticos. 3 ASPECTOS TÉCNICOS 3.1 Produção de mudas As mudas podem ser produzidas via sexuada, por meio da utilização de sementes ou via assexuada, por meio de propagação vegetativa (estaquia, miniestaquia e microestaquia). Os tipos de recipientes mais utilizados atualmente no Brasil são os sacos plásticos (7,0x11,0 cm, 5,5x20,0 cm, etc) e os tubetes (3,0x12,5 cm). No entanto, o uso de sacos plásticos tem sido abolido em muitas empresas. Para compor a mistura do substrato geralmente recomenda-se utilizar vermiculita, moinha de carvão vegetal, palha de arroz, composto orgânico, terra e argila (COUTO & DUBÉ, 2001). Atualmente muitas empresas estão optando pela mini e microestaquia, como técnica de propagação vegetal, para a produção de mudas clonais (COUTO & DUBÉ, 2001). As mudas para o plantio devem apresentar mais de 2,5 cm de caule, 20 a 30 cm de altura, devem estar bem rustificadas. 3.2 Implantação florestal A implantação florestal compreende as operações que vão desde o preparo do solo, plantio e tratos culturais, até o estabelecimento da floresta, que se dá no terceiro ou quarto ano, dependendo do site (SIMÕES, 1989). As operações de preparo do solo envolvem: construção de estradas e aceiros, desmatamento, desdobramento e retirada da lenha – enleiramento ou encoivaramento, queima das leiras ou coivaras, desceleiramento e descoivaramento – catação, combate à formiga, controle de ervas daninhas, revolvimento do solo, sulcamento e/ou coveamento, drenagem e/ou camalhes (em terrenos úmidos). Atualmente muitas empresas utilizam a técnica de cultivo mínimo. A queima dos restos culturais vem sendo abolida. O material permanece na área para enriquecer e promover a conservação do solo. O controle de ervas daninhas é realizado pela aplicação de herbicidas (COUTO & DUBÉ, 2001). A segunda etapa compreende as operações de plantio. Nesta fase é importante que se tenham definidos o espaçamento e a fertilização mineral (SIMÕES, 1989). O espaçamento é definido em função do uso final da madeira e de critérios de ordem econômica e ambiental. A área disponível por árvore é que vai determinar a sua taxa de crescimento, a rotação, qualidade da madeira, os tratos silviculturais, o planejamento da exploração e da colheita florestal. Os espaçamentos mais utilizados variam de 4,5 a 12 m2 por planta. (SIMÕES, 1989; COUTO & DUBÉ, 2001). A fertilização mineral depende das características químicas e físicas do solo. No entanto, geralmente recomenda-se de 120 a 150 g de NPK por planta. As outras operações da fase de plantio compreendem: sulcamento e/ou coveamento, plantio das mudas, irrigação na cova (1 a 3 litros), replantio (somente quando a sobrevivência no campo for menor do que 90%). Os tratos silviculturais tem a finalidade de eliminar a competição entre indivíduos, e entre árvores e espécies daninhas invasoras, até que a floresta esteja apta a dominar essa competição. 3.3 Manejo da floresta Compreende os tratamentos aplicados à floresta para a obtenção de produção sustentada de madeira com qualidade. Os principais tratos silviculturais são a desrama e o desbaste. A desrama tem o objetivo de eliminar os nós formados na madeira pela inserção dos galhos e ramos. Em Eucalyptus sp. a primeira desrrama normalmente é realizada aos 12 ou 18 meses, ou quando o diâmetro médio do povoamento estiver alcançado 10cm, removendo-se até 30% da copa viva (em povoamentos mais densos a remoção pode chagar a 50% da copa viva). O desbaste, por sua vez, tem por objetivo otimizar a redistribuição do potencial de crescimento do povoamento e utilizar todo o material comercializável produzido pelo mesmo (SIMÕES, 1989). Para fins industriais, as florestas de Eucalyptus sp. têm rotação de 5 a 8 anos. A definição exata da idade de corte é realizada por meio de avaliações do crescimento do povoamento (SIMÕES, 1989; COUTO & DUBÉ, 2001). 3.4 Brotação-talhadia O manejo da brotação é de fundamental importância para assegurar alta produção na rotação seguinte. A exploração deve ser realizada na época chuvosa, para que haja um ganho na sobrevivência e vigor das mudas. Também é importante salientar que deve ser realizado o combate às formigas quando começarem a aparecer as brotações. A fertilização mineral é uma importante técnica que pode aumentar a sobrevivência e o vigor das brotações. A formulação normalmente utilizada é de 150 g por cepa, aplicados em sulco na entrelinha, ou a lanço, antes do corte (SIMÕES, 1989). A desbrota é um procedimento realizado com a finalidade de reduzir as brotações por cepa. Usualmente são mantidas de 2 a 3 brotações por cepa, dependendo da quantidade de falhas. Recomenda-se realizar a desbrota entre 10 e 12 meses. Em virtude do decréscimo de produtividade, observado nas rotações posteriores, e a disponibilidade de material genético de alta qualidade no mercado, a talhadia é uma técnica que não tem sido mais usada pelas empresas, como no passado. A maioria das empresas prefere renovar os plantios após o primeiro corte (COUTO & DUBÉ, 2001). 4 ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS A acentuada expansão da atividade florestal, em virtude do Programa de Incentivos Fiscais, trouxe muitas mudanças para a estrutura social e econômica do país (GUERRA, 1995). Houveram mudanças bruscas na estrutura fundiária com a redução do número de pequenas propriedades rurais. Assim como, uma redução na área de produção de base sustentada (arroz, feijão, milho, etc.) e um aumento na área de culturas de mercado externo (café, soja, eucalipto, etc.). A força de trabalho foi direcionada para a grande empresa, acarretando uma grande desestabilização das comunidades rurais. Os grandes projetos florestais promovem o aumento na receita municipal, pela arrecadação de impostos, a melhoria na infra-estrutura rural, por meio da construção e manutenção de estradas de rodagem, a melhoria do sistema de comunicação e o favorecimento da dinâmica da economia regional (COUTO et al., 2000). Atualmente o setor florestal brasileiro oferece 700 mil empregos diretos e dois milhões indiretos (Revista Granja, 1998; COUTO & DUBÉ, 2001). Além disso, o setor florestal contribui com uma receita da U$ 40,2 bilhões, ou aproximadamente 5% do PIB brasileiro (Gazeta Mercantil, 1997). 5 ASPECTOS AMBIENTAIS O Programa de Incentivos Fiscais, iniciado em 1967, promoveu uma grande expansão no setor florestal. Neste período, a maioria dos esforços foram direcionados no sentido de aumentar a produtividade dos povoamentos, ao mesmo tempo em que não houve nenhuma preocupação com relação aos aspectos ambientais inerentes à prática da silvicultura. Deste modo, muitos projetos florestais não apresentaram os resultados esperados, sendo que muitos ainda, resultaram em experiências negativas, tanto do ponto de vista econômico quanto ambiental. Este fato, levou muitos produtores e ambientalistas a condenarem a prática da silvicultura, principalmente da monocultura do eucalipto (COUTO & DUBÉ, 2001). O principal argumento dessa corrente “anti-eucalipto” é o de que a espécie promove o ressecamento do solo, diminuição do lençol freático e diminuição da precipitação na sua área de influência. De fato, o maior efeito significativo das plantações de eucalipto na hidrologia local, é o mesmo causado por qualquer outro tipo de cobertura florestal, o da interceptação de copa. A intercepção de copa em plantios de eucalipto com idade de 7 anos, apresenta valores entre 12 e 15 % (LIMA, 1993), o que segundo o mesmo autor é igual ou menor do que os valores observados em plantios de outras espécies e também na mata nativa. Outro argumento é o de que as plantações de eucalipto são responsáveis pela degradação do solo, redução da infiltração da água no solo e assoreamento dos mananciais hídricos. Isto seria verdade, na década de 70, quando o preparo do solo era realizado da mesma forma como na agricultura tradicional, com a movimentação intensiva do solo por meio de maquinário pesado e queima da matéria orgânica deixada na área. No entanto, a partir de 1994 as práticas silviculturais eliminaram o uso da queima e do preparo convencional do solo (COUTO & DUBÉ, 2001). A absorção de água do solo em plantios de eucalipto é freqüentemente maior do que em outro tipos de uso da terra, devido ao seu alto metabolismo e capacidade de produzir sistema radicular muito bem desenvolvido (EVANS, 1992). No entanto, essa característica não é comum a todas as espécies de eucalipto (COUTO & DUBÉ, 2001). A monocultura do eucalipto tende a se comportar como qualquer outra espécie ou floresta natural no que se refere à dinâmica solo-água. O sistema radicular do eucalipto pode alcançar o lenços freático somente em regiões onde este é superficial, como margens de rios e represas, ou planícies cultiváveis. Nesta situação, pode ocorrer absorção de água significativa (CALDER, 1986; REYNOLDS et al., 1988). As altas taxas de crescimento observadas em plantio de eucalipto, implicam em grandes retiradas de nutrientes do solo. No entanto, quando se comparam os dados de extração de nutrientes de florestas de eucalipto com cultivos agrícolas, pode-se observar que a extração de nutrientes para o eucalipto é bem menor do que para culturas agrícolas (LIMA, 1993). Com relação aos efeitos alelopáticos, existe muita polêmica, mas poucos estudos que comprovam essa teoria. Segundo Karschon (1961), Ricardo e Madeira (1985), o reflorestamento com eucalipto aumenta a fertilidade do solo a longo prazo. Outro aspecto relacionado à cultura do eucalipto é a redução da biodiversidade promovida com a implantação da monocultura (EVANS, 1992). No entanto, esse efeito pode ser minimizado com a adoção de técnicas adequadas de manejo tanto da floresta plantada quanto da floresta nativa (BERNDT, 1992). Alguns estudos científicos em andamento sinalizam que, para cada tonelada de matéria seca produzida em florestas plantadas, serão retirados do ar 1,8 toneladas de CO² e liberados 1,3 tonaladas de O² para a atmosfera (GUT, 1998). Na eventualidade de uma remuneração de U$ 400,00 por tonelada de carbono retido, segundo o protocolo de Kyoto, uma área com produtividade florestal de 20 m3.ha-1.ano-1, poderia gerar um benefício fiscal da ordem de U$ 51 milhões (CUNHA FILHO et al, 1995). 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A biomassa florestal possui características tais que permitem a sua utilização como fonte alternativa de energia, seja pela queima da madeira, como carvão, aproveitamento de resíduos da exploração e aproveitamento de óleos essenciais, alcatrão e ácido pirolenhoso. Segundo dados da ABRACAVE, em 1999 o consumo de carvão vegetal de origem nativa foi de 350.000 mdc, apresentando um decréscimo significativo em relação aos anos anteriores quando o consumo era de 1.123.000 mdc em 1998 e 1.636.000 mdc em 1997. Em contrapartida vem crescendo o consumo de carvão vegetal oriundo de florestas plantadas (10.810.000 mdc em 1997; 11.246.000 mdc em 1998 e 11.531.000 mdc em 1999). Esta substituição se deve principalmente por ser o eucalipto uma espécie de rápido crescimento, alta produtividade e facilidade de adaptação. Muitos grupos ambientalistas têm exercido grande influência na opinião pública com relação à implantação de florestas de rápido crescimento (principalmente o eucalipto). Essa pressão, teve um importante papel na tomada de decisões das empresas florestais, com relação aos aspectos ambientais. Desse modo, aspectos como a qualidade da água e do ar, erosão do solo, fauna, conservação da biodiversidade, paisagismo e outros, passaram a fazer parte das preocupações da indústria florestal. O Brasil possui extensas áreas cultiváveis, clima favorável, escolas de formação de profissionais, de nível internacional, mão-de-obra barata e abundante. Além disso, atualmente o país possui a melhor tecnologia para implantação, condução e manejo de florestas plantadas de eucalipto. Sendo assim, o Brasil tem um imenso potencial para se tornar líder mundial na geração de energia a partir da biomassa. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRACAVE – Associação Brasileira de Florestas Renováveis: http://www.abracave.com.br. ANDRADE, E.N. O eucalipto e suas aplicações. São Paulo: Typ. Brasil de Rothschild & Cia, 1928, 143p. BERNDT, R.A. Influência da estrutura da vegetação sobre a avifauna em uma floresta alterada de Araucaria angustifolia e em reflorestamentos, em Telêmaco Borba, Paraná. Piracicaba, ESALQ, 1992. 221p. (Tese M.S.). CALDER, I.R. Water use of eucalyptus – a review with special reference to south India. Agric. and Water Manag., 1986, 11: 333-342. CHANDLER, D.; HENSON, R. Brazilian experiences in the production of Eucalyptus for energy, Brasília: Winrock International, 1998. 148p. CHHABRA, A.;PALRIA, S; DADHWAL, V.K. Growing stock-based forest biomass estimate for India. Biomass and Bioenergy, 2002. 22(3): 187-194. 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