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“O capitalismo não subordinou apenas a si próprio sectores exteriores e anteriores: produziu sectores
novos transformando o que pré-existia, revolvendo de cabo a rabo as organizações e as instituições
correspondentes. É o que se passa com a ‘arte’, com o saber, com os ‘lazeres’, com a realidade urbana e a
realidade quotidiana.” (LEFEBVRE, 1973; 95).
denomina de cidade. Para Lefebvre (1999), a cidade é anterior à industrialização, e
portanto ao urbano. Traçando um eixo que vai “da ausência de urbanização (a ‘pura
natureza’, a terra entregue aos ‘elementos’) à culminação do processo” (LEFEBVRE,
1999; 20), à sociedade urbana, ou seja, do 0 ao 100% de urbanização, Lefebvre (1999)
localiza nesse eixo, tanto temporalmente quanto espacialmente, diferentes balizas do
fenômeno urbano, buscando tanto a origem histórica quanto a origem lógica da
urbanização, buscando os seus fundamentos (CARLOS, 2011a). Em torno do “zero
inicial”, Lefebvre (1999) localiza os primeiros agrupamentos humanos, de coletores,
pescadores, caçadores e pastores, que marcaram e nomearam o espaço. Essa topologia,
depois da sedentarização, foi aperfeiçoada pelos camponeses, na forma das aldeias. Para
Lefebvre (1999), “O que importa é saber que em muitos lugares no mundo, e sem
dúvida em todos os lugares onde a história aparece, a cidade acompanhou ou seguiu de
perto a aldeia.” (LEFEBVRE, 1999; 20). É em torno desse momento, pouco depois do
zero inicial, que a cidade política surge, acompanhando o estabelecimento de uma vida
social organizada da agricultura e da aldeia.
Arrisquemo-nos, então, a colocar a cidade política no eixo espaço-
temporal perto da origem. Quem povoava essa cidade política?
Sacerdotes e guerreiros, príncipes, ‘nobres’, chefes militares. Mas
também administradores, escribas. A cidade política não pode ser
concebida sem a escrita: documentos, ordens, inventários, cobrança de
taxas. Ela é inteiramente ordem e ordenação, poder. Todavia, ela
também implica um artesanato e trocas, no mínimo para proporcionar
os materiais indispensáveis à guerra e ao poder (metais, couros etc.),
para elaborá-los e conservá-los. Conseqüentemente, ela compreende,
de maneira subordinada, artesãos, e mesmo operários. A cidade
política administra, protege, explora um território freqüentemente
vasto, aí dirigindo os grandes trabalhos agrícolas: drenagem, irrigação,
construção de diques, arroteamentos etc. Ela reina sobre um
determinado numero de aldeias. Aí, a propriedade do solo torna-se
propriedade eminente do monarca, símbolo da ordem e da ação.
Entretanto, os camponeses e as comunidades conservam a posse
efetiva mediante o pagamento de tributos. (LEFEBVRE, 1999; 21).
Nesse sentido, percebemos que Henri Lefebvre desloca, a partir da obra de Karl
Marx, o sentido e a finalidade da história, da industrialização para a urbanização. A
realização completa do processo de industrialização, identificado por Marx, não coloca
a realização da história no sentido da realização da humanização do homem, da
superação das alienações e das cisões praticadas pelo capitalismo (CARLOS, 2011a).
Lefebvre (1973; 1999; 2008b) desloca a realização da humanização do homem para a
realização da sociedade urbana, ao identificar que é através do espaço, pelo e no espaço,
que o capitalismo se mantém, se generaliza e se reproduz, reproduzindo as relações de
produção e superando as suas crises econômicas. Lefebvre (1999; 2008b), dessa forma,
desloca a problemática da indústria para o urbano, chegando ao que denomina de
problemática urbana.
A extensão do capitalismo ao mundo inteiro, com o desenvolvimento
da troca, e com ele o do mundo da mercadoria (de sua lógica,
linguagem), gera a necessidade de desvendamento do conteúdo e
sentido dessas transformações, centrando a analise no momento e
movimento da reprodução da sociedade, saída da história da
industrialização. Assim, para entender o mundo de hoje existe uma
nova problemática, a urbana, que revela os conflitos humanos e as
contradições da sociedade situadas no conjunto dos problemas de
nossa época. (...) É nesse sentido que Lefebvre afirma que a
problemática urbana se desloca e modifica profundamente a
problemática saída do processo de industrialização pela existência de
um salto qualitativo importante: o crescimento quantitativo da
produção econômica produz um fenômeno qualitativo que a traduz
numa problemática nova, a problemática urbana. (CARLOS, 2011b;
34-35).
É, portanto, por isso, que Lefebvre (1973) identifica que a reprodução das
relações de produção é uma prática sócio-espacial. “Não é apenas toda a sociedade que
se torna o lugar da reprodução (das relações de produção e não já apenas dos meios de
produção): é todo o espaço. Ocupado pelo neo-capitalismo, sectorizado, reduzido a um
meio homogêneo e contudo fragmentado, reduzido a pedaços (só se vendem pedaços de
espaço às ‘clientelas’), o espaço transforma-se nos paços do poder.” (LEFEBVRE,
1973; 95).
Aqui, encontramos em Henri Lefebvre a noção de produção do espaço, que
surge justamente da problemática urbana, e busca iluminar os conteúdos da reprodução
capitalista no e pelo espaço, demonstrando como a reprodução das relações de produção
é uma prática sócio-espacial.
De acordo com Carlos (2011b), a produção do espaço se insere na totalidade do
processo de produção social, e por isso acreditamos ter sido importante a realização
desse caminho desenhado anteriormente entre Karl Marx e Henri Lefebvre. Nos
baseamos neste trecho para estabelecer essa relação:
(...) a preocupação de Henri Lefebvre com o entendimento do mundo
moderno coloca-o diante de novas questões, o que implica, do ponto
de vista metodológico, a necessidade de superação e/ou
desenvolvimento de alguns conceitos trabalhados por Marx como o de
modo de produção, ressaltando o sentido filosófico da noção de
produção e, com isso, iluminando, em sua profundidade, a noção de
reprodução. Nesse movimento o autor se depara com o que chama de
novas produções: o urbano, cotidiano e espaço social. É assim que a
problemática do espaço desenvolve-se nas obras do autor, a partir da
discussão em torno da noção de produção, posto que a situação das
forças produtivas não acarreta somente a produção de coisas no
sentido clássico do termo, a produção é também reprodução de
relações sociais; o que acrescenta algo de novo à produção. Existe,
portanto, a produção-reprodução do espaço social como necessidade
do modo de produção enquanto manutenção das relações de
dominação. (CARLOS, 2011b; 29).
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