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____________________________________ Anais do IX SEF__________________________________

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TERMOS HAUÇÁS COLETADOS POR


NINA RODRIGUES NA SALVADOR OITOCENTISTA

Samantha de Moura Maranhão1

1 INTRODUÇÃO

Este estudo sobre o vocabulário hauçá documentado por Nina Rodrigues em fins do

século XIX tem por objetivo apreender-lhe informações variadas, como os campos

semânticos a que os vocábulos pertencem, classes de palavras representadas e a existência

de empréstimos árabes. Busca, portanto, responder à questão mais ampla: “Que

informações nos trazem os termos hauçás registrados na obra Os Africanos no Brasil, de Nina

Rodrigues?”

As hipóteses testadas são: 1. As formas hauçás analisadas integram campos

semânticos essenciais, como nomes de animais, partes do corpo e relações de parentesco, os

quais constituem o vocabulário básico de qualquer língua; 2. O vocabulário hauçá coligido

por Nina Rodrigues pertence à classe dos substantivos, dos adjetivos e dos verbos; 3. Não

há empréstimos árabes, considerando a natureza dos campos semânticos representados

pelos termos analisados, os quais, sendo básicos, dificilmente registram material léxico

estrangeiro.

Os fundamentos teóricos deste estudo foram colhidos em autores diversos,

sobretudo relacionados ao uso da língua hauçá na Bahia e à integração de arabismos neste

idioma (BALDI, 1988; DANLADI, 1992; DANZAKI, 2015; DOBRONRAVIN, 2004;

GREENBERG, 1947; MICHAELE, 1968).

Quanto à metodologia, entrevista com um informante nativo de língua hauçá, para

identificação das formas documentadas por Nina Rodrigues, resultou em informações

1Professora de Filologia Latina e Portuguesa na Universidade Federal do Piauí, doutora em Linguística pela
Universidade Federal do Ceará, pesquisadora da integração do Brasil na Romania Arabica. Site:
samanthamaranhao.com. E-mail: samantha.ufpi@gmail.com.

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particularmente interessantes, como a forma moderna dos vocábulos, a identificação de

formas hoje arcaicas, expressões atuais em que alguns vocábulos ocorrem etc.

Para a análise dos campos semânticos e da ocorrência de arabismos africanos entre

as formas analisadas, concorreu a pesquisa bibliográfica, em obras especializadas, conforme

acima especificado.

Justificaram este estudo a originalidade do tema, a interpretação dos dados

linguísticos colhidos por Nina Rodrigues sobre a língua hauçá e o fato de fornecer subsídios

para o resgate da história das línguas africanas no Brasil, notadamente daquelas do Oeste-

Africano.

Dadas a brevidade desta publicação, a profusão dos dados linguísticos, a riqueza e a

importância das análises, não nos deteremos nos aspectos da história externa da língua

hauçá, apresentando de imediato a metodologia adotada na execução da pesquisa, a

descrição e a análise dos dados.

2 METODOLOGIA

Coletaram-se os termos atribuídos por Nina Rodrigues à língua hauçá no capítulo V,

intitulado “Sobrevivências Africanas: as línguas e as belas-artes nos colonos pretos”, da obra

Os Africanos no Brasil (RODRIGUES, 2008, p. 131-134).

Aqui, apresentam-se em quadro com a numeração por nós atribuída, seguida, entre

colchetes, da numeração com que se encontram documentados no trabalho de Nina

Rodrigues, ao lado do vocabulário das línguas grunce, jeje, canuri e tapa. Estas numerações

não coincidem, porque alguns conceitos não trazem a expressão hauçá, havendo, portanto,

lacunas na própria fonte.

Apresenta-se, no quadro por nós criado, o conceito em língua portuguesa, seguido

da forma hauçá colhida no final do século XIX e documentada por Nina Rodrigues, para,

enfim, apresentar-se a forma atual dos vocábulos. Aqueles cuja identidade hauçá não foi

reconhecida se identificam com três traços centralizados (---) na coluna em que se registra a

forma modernizada do vocabulário.

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Notas de rodapé apresentam informações complementares sobre os termos hauçás,

como o seu uso corrente, registro gráfico, correlação entre grafema e fonema, sílaba tônica,

estrutura mórfica dos vocábulos. Para as formas não identificadas como da língua hauçá,

apresentam-se os equivalentes hauçás modernos indicados por um novo informante.

Do mesmo modo que Petter (2013, p. 91, 93) entrevistou informantes da língua secreta

de Tabatinga para avaliação do seu léxico, sujeitamos este vocabulário hauçá à apreciação

por um falante nativo deste idioma.

U. A. U. é nigeriano, muçulmano, graduado em Medicina Veterinária pela

Universidade Federal do Piauí (2015), mestre em Biociência Animal pela Universidade

Federal Rural de Pernambuco (2018), onde atualmente é doutorando em Medicina

Veterinária. Natural de Kazaure, U. A. U. frequentou a escola primária Naha dat Islam, entre

os anos de 1990 e 1996; realizando os estudos secundários na Gwammaja Goverment Secondary

School, no estado do Kano, de 1996 a 1999, e no Government College Birnin-Kudu, no estado

do Jigawa, de 1999 a 2001. O informante fala hauçá, como língua materna, além de árabe,

inglês e português.

O informante recebeu uma ficha na qual figuravam os termos hauçás levantados por

Nina Rodrigues. Em entrevista pessoal, analisamos cada uma das formas para saber se ele

as reconhecia. Na coluna das observações, anotamos a pronúncia e a grafia modernizadas

por ele indicadas.

Ocorrem, na apresentação dos dados, as seguintes abreviaturas para gênero e

número:

m. masculino; f. feminino; s. singular e pl. plural.

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Figura 1: Ficha para entrevista com informante


Fonte: A autora.

Procedeu-se, em seguida, à análise das formas documentadas, considerando-se as

hipóteses investigadas: campos semânticos, classes de palavras, empréstimos árabes.

Registre-se que quaisquer erros, sobretudo de transcrição fonética ou de interpretação

gramatical, devem ser atribuídos exclusivamente à autora deste estudo.

3 OS TERMOS HAUÇÁS COLETADOS POR NINA RODRIGUES

O vocabulário hauçá documentado por Nina Rodrigues é constituído pelos 111

termos a seguir.

No PORTUGUÊS HAUÇÁ HAUÇ

XIX Á XXI

01 [01] Céu Çômáu Sama

02 [02] Terra (chão) Kaçua Kasa

03 [03] Sol Rãná Rana

04 [04] Lua Uótá Wata

05 [05] Estrela Tramámua Taurar

uwa

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06 [06] Dia Rãná, sol, rana2

claridade

07 [07] Noite Dérei Dare

08 [08] Trovão Arádo Arado

09 [09] Chuva Ruá ruwa3

10 [10] Vento Êczeka iska4

11 [11] Água Ruá Ruwa

12 [12] Rio Gulhi gulhi5

13 [14] Fogo, luz Uta Wuata

14 [15] Fumo Aiáki Hayaki

15 [16] Cinza Toká Toka

16 [17] Montanha Túdo6 ---

17 [18] Pedra Duuti Dutse

18 [19] Areia Rérei rere7

19 [20] Homem Namizi namiji8

20 [21] Mulher Maitê mace9

21 [22] Velho Côfo (m.), côa (f.) tsoho (m.), tsohuwa

(f.)10

22 [23] Moço Iaró yaro11

23 [24] Criança Jo ari Yara

24 [25] Pai Ubá uba12

25 [26] Mãe Uá uwa13

2 Mesmo item lexical para ‘sol’, entra, por exemplo, na pergunta “Que dia é hoje?”. De acordo com o nosso
informante, não tem a acepção de ‘claridade’.
3 Segundo o nosso informante, ‘chuva’ é designado por ruwan sama, literalmente, ‘água do céu’.

4 Iska se refere a ‘ventania’, diferentemente de guguwa, ‘vento’.

5 Gulhi tem a variante fonética gulbi, ambas antigas. Da evolução da forma gulbi resultou a moderna kobi,

nome de um famoso estado da Nigéria.


6 ‘Montanha’, em hauçá, é expressa pelo sintagma ‘pedra grande’. Dutse não parece guardar relação com a

forma documentada por Nina Rodrigues, túdo.


7 Segundo o nosso informante, rere é uma forma antiga, embora ainda em uso. Emprega-se com mais

frequência, hoje, a forma oxítona yashi.


8 Forma oxítona, o grafema <j> representa o fonema africado sonoro [ʤ].

9 Vocábulo oxítono, o grafema <c> representa a africada surda [ʧ].

10 Pronunciam-se, respectivamente, [tso’ho] e [tsoho’wa].

11 Forma paroxítona, tem yarinya como feminino.

12 Vocábulo oxítono, tem bāba como forma afetiva.

13 Vocábulo também oxítono, com băba como forma afetiva.

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26 [27] Filho Dá Đa

27 [28] Filha Iá Ya

28 [29] Irmão Cauê14 ---

29 [30] Amigo Abôki aboki15

30 [31] Inimigo Mugo Mugo

31 [32] Rei Kariri16 ---

32 [33] Guerra Iaki yaki17

33 [34] Fome Iúma Yunwa

34 [35] Sede Kixuruá kishur


18

35 [36] Morte Mutuá mutu19

36 [37] Cadáver Iamutua yamut


20

37 [38] Cabeça Kái kai21

38 [39] Olhos Idámum Ido (s.), idono

(pl.)22

39 [40] Nariz Báinti hanci23

40 [41] Boca Baki Baki

41 [42] Língua Harixê harish24

42 [43] Dente Akôôri hakori


25

43 [44] Orelha Kúnei Kunne

44 [45] Cabelo Gaxi Gashi

14 O vocábulo não foi reconhecido como hauçá pelo nosso informante, segundo o qual o termo designativo
de ‘irmão’ é danwua.
15 Vocábulo oxítono, a pronúncia paroxítona é a forma pela qual iorubás afetivamente chamam os hauçás.

Este registro de Nina Rodrigues pode indicar que o seu informante não fosse de língua materna hauçá, mas
um nagô que conhecesse essa língua.
16 Vocábulo não identificado como hauçá pelo nosso informante, de acordo com quem, em hauçá, ‘rei’ é sarki.

17 Forma oxítona.

18 Foneticamentetranscrita[kiʃu’rua].

19 Trata-se de proparoxítono.

20 Forma arcaica, hoje preterida pela elitizada matacce [mata’ʧi].

21 Oxítono, [ka’i].

22 Pronunciam-se, respectivamente, [‘ido] e [i’danum].

23 [‘hanʧi].

24 Aformaharishe, [hari’ʃe], éantiga, tendo evoluídoparaaformasincopadaharshe, [‘harʃe].

25 Paroxítono.

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45 [46] Barba Guême Gemu

46 [49] Braço Kafáda kafad26

47 [50] Mão Anú hann27

48 [51] Dedo Fariti farce28

49 [52] Perna Kafa Kapa

50 [53] Pé Kaufá kapa29

51 [56] Coração Zutia zuciy30

52 [57] Sangue Gini jini31

53 [58] Osso Kaiçá kashi32

54 [59] Casa Guídá gida33

55 [61] Cama Gandô gado34

56 [62] Camisa Abitxi35 ---

57 [63] Chapéu Malufá malaf36

58 [64] Calçado Talcalimi takal37

59 [65] Touro Çá As

60 [67] Vaca Çania saniy38

61 [68] Bezerro Moarréki dan maraki39

62 [69] Cavalo Dôki Doki

63 [70] Burro Alfadari alfada40

64 [71] Jumento Jaki jaki41

65 [72] Bode Ákuia akuya42

26 Proparoxítono.
27 Paroxítono.
28 Farce se pronuncia [par’ʧi]. Porquanto a língua hauçá tenha o grafema <f>, ele representa o [p].

29 O mesmo vocábulo, kapa [‘kapa], refere-se tanto a ‘perna’ quanto a ‘pé’.

30 [‘zutja].

31 [‘ʤini].

32 Oxítono.

33 [gwi’da].

34 Oxítona.

35 Forma não reconhecida como hauçá pelo informante, segundo o qual ‘camisa’ é riga [ri’ga].

36 Pronuncia-se [mala’pa].

37 Vocábulo proparoxítono, sincopado, com relação à forma documentada por Nina Rodrigues.

38 [‘sanja].

39 Forma composta pelos itens dan ‘filho’ + maraki.

40 Oxítono.

41 [ʤa’ki].

42 Pronuncia-se [‘akuja] e se refere a ‘cabra’ ou ao ‘conjunto de bode e cabra’, sendo o oxítono bunsuru o

termo designativo para ‘bode’.

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66 [74] Carneiro Tunkiá tunki43

67 [75] Porco Gurçunum gursunum44

68 [76] Gato Múça45 ---

69 [77] Rato Kúça kusa46

70 [78] Cão Karei kare47

71 [79] Macaco Biri biri48

72 [80] Veado Barêuá bare49

73 [81] Elefante Guiuá giwa50

74 [82] Galinha Kazá kaza51

75 [83] Galo Zakará zakar52

76 [84] Ovo Kuai Kway

77 [85] Peixe Kifi kifi53

78 [86] Formiga Tururuá tururuwa54

79 [87] Arroz Xingafi shinkafa55

80 [88] Milho Maçará masar56

81 [123] Medo Iózum57 ---

82 [124] Coragem Têum ---

83 [125] Raiva Çulaite58 ---

84 [126] Jogo Anaban Anatété59 ---

85 [127] Visita Gánha60 ---

43 Pronuncia-se [‘tunkja] e se trata de forma feminina, cujo masculino é rago [‘ragu].


44 Oxítono, forma antiga. Ainda empregada em Sokoto.
45 Forma não identificada como hauçá pelo informante, de acordo com o qual mage, [‘magi], feminino e

mazoro, [mu’zuru], masculino.


46 Kusa, paroxítona, é forma antiga, tendo sido preterida por bera.

47 Paroxítono.

48 Oxítono.

49 [barew’a].

50 Paroxítono.

51 Paroxítono.

52 O prefixo za- indica gênero masculino.

53 Pronuncia-se [‘kipi].

54 Pronuncia-se [tu’ruruwa].

55 Pronuncia-se[ʃin’kapa].

56 Paroxítono.

57 Tsoro [‘tsoro], em hauçá.

58 Tsoro [‘tsoro], em hauçá.

59 Wasa [‘wasa].

60 Bako.

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86 [128] Frio Un-ôta61 ---

87 [129] Quente Ulún62 ---

88 [130] Alto Djánom63 ---

89 [131] Baixo Djáquêlêca64 ---

90 [132] Bom Kunalá65 ---

91 [133] Mau Jabéo66 ---

92 [134] Limpo Pêlon67 ---

93 [135] Sujo Djafôrôa68 ---

94 [136] Coberto Gaite69 ---

95 [137] Fraco Djabalum70 ---

96 [138] Forte Dôra71 ---

97 [139] Pesado Kudôra72 ---

98 [140] Leve Quandôra73 ---

99 [141] Magro Djágala74 ---

100 [142] Gordo Obiá75 ---

101 [143] Cego Iêu76 ---

102 [144] Surdo Gáum77 ---

103 [145] Sentado Kúla78 ---

104 [146] Em pé Itzá79 ---

61 Sanyi [‘sani].
62 Zafi [‘zapi].
63 [tsay’i]. Diz-se que uma pessoa alta é dogo [‘dogo].

64 Diz-de gajere [ga’ʤere], em referência a pessoa de baixa estatura.

65 Em hauçá, kyau [‘kiaw].

66 Hannu [‘hanu].

67 Wankewa [wanke’wa].

68 Datti [da’ti].

69 Mayafi [maya’pi].

70 Nakasa [naka’sa], com as acepções de ‘frágil, debilitado, deficiente’.

71 Gwarzo [gwar’zo], também com a acepção de ‘guerreiro’.

72 Maikarfi [me’karpi], com monotongação. O prefixo mai- significa ‘a pessoa que tem’, neste caso, peso.

73 Marakarfi [marakar’pi], constituindo mara- a marca de negação. Marakarfi é o antônimo de maikarfi.

74 Ramame é a forma masculina, sendo rama o morfema lexical, ‘magreza’. A forma feminina é ramamiya.

75 Kiba, paroxítono, significa ‘gordura’. Maikiba é ‘a pessoa que tem gordura’, adjetivo comum de dois

gêneros.
76 Makanta, oxítono.

77 Kurma, paroxítono.

78 Tsaya [‘tsaya].

79 Dakapa [da’kapa], com morfema lexical kapa, ‘perna’.

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105 [147] Morrer Upiá80 ---

106 [148] Falar Aluixékamè81 ---

107 [149] Rir Falakamê82 ---

108 [150] Gritar Fanákamê83 ---

109 [151] Chorar Akúmkamê84 ---

110 [152] Olhar Anhakamê85 ---

111 [153] Ouvir Manónkamê86 ---

Das 111 lexias atribuídas por Nina Rodrigues à língua hauçá, 36 não foram

reconhecidas pelo novo informante, falante nativo desta língua, para as quais se

apresentam, em nota de rodapé o vocábulo hauçá corrente. Assim, 32,4 % do vocabulário

apresentado por Nina Rodrigues não seria da língua hauçá, nomeadamente: túdo

‘montanha’; cauê ‘irmão’; kariri ‘rei’; abitxi ‘camisa’; múça ‘gato’; iózum ‘medo’; têum

‘coragem’; çulaite ‘raiva’; anaban anatété ‘jogo’; gánha ‘visita’; un-ôta ‘frio’; ulún ‘quente’;

djánom ‘alto’; djáquêlêca ‘baixo’; kunalá ‘bom’; jabéo ‘mau’; pêlon ‘limpo’; djafôrôa ‘sujo’; gaite

‘coberto’; djabalum ‘fraco’; dôra ‘forte’; kudôra ‘pesado’; quandôra ‘leve’; djágala ‘magro’; obiá

‘gordo’; iêu ‘cego’; gáum ‘surdo’; kúla ‘sentado’; itzá ‘em pé’; upiá ‘morrer’; aluixékamè ‘falar’;

falakamê ‘rir’; fanakamê ‘gritar’; akúmkamê ‘chorar’; anhakamê ‘olhar’; manonkamê‘ouvir’.

Quadro 1: Identificação das formas hauçás pelo informante

Vocábulos Hauçás coligidos por Nina Rodrigues Número Percentual de


de Lexias Lexias (%)
Lexias reconhecidas 75 67,6
Lexias não-reconhecidas 36 32,4
TOTAL 111 100
Fonte: A autora.

80 Mutuwa [mutu’wa].
81 Magana, paroxítono.
82 Dariya [‘dariya].

83 Magana da karfi [ma’gana da ‘karpi], literalmente ‘gritar com peso’.

84 Kuka, paroxítono.

85 Kallo, oxítono.

86 Ji [ʤi]. Outras informações acrescem-se mediante o uso de morfemas: [ina’ʤinka] ‘eu estou ouvindo’;

[kana’ ʤi] ‘você está ouvindo’.

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A classe de palavra melhor representada é a dos substantivos, com 85 itens lexicais

ou 76,6% do total de vocábulos hauçás coligidos por Nina Rodrigues: çômáu ‘céu’, kaçua

‘terra (chão)’, rãná ‘sol’, uótá ‘lua’, tramámua ‘estrela’, rãná ‘sol, claridade’, dérei ‘noite’, arádo

‘trovão’, ruá ‘chuva’, êczeka ‘vento’, ruá ‘água’, gulhi ‘rio’, uta ‘fogo, luz’, aiáki ‘fumo’, toká

‘cinza’, túdo ‘montanha’, duuti ‘pedra’, rérei ‘areia’, namizi ‘homem’, maitê ‘mulher’, côfo/côa

‘velho(a)’, iaró ‘moço’, jo ari ‘criança’, ubá ‘pai’, uá ‘mãe’, dá ‘filho’, iá ‘filha’, cauê ‘irmão’, abôki

‘amigo’, mugo ‘inimigo’, kariri ‘rei’, iaki ‘guerra’, iúma ‘fome’, kixuruá ‘sede’, mutuá ‘morte’,

iamutua ‘cadáver’, kái ‘cabeça’, idánum ‘olhos’, báinti ‘nariz’, baki ‘boca’, harixê ‘língua’, akôôri

‘dente’, kúnei ‘orelha’, gaxi ‘cabelo’, guême ‘barba’, kafáda ‘braço’, anú ‘mão’, fariti ‘dedo’, kafa

‘perna’, kaufá ‘pé’, zutia ‘coração’, gini ‘sangue’, kaiçá ‘osso’, guídá ‘casa’, gandô ‘cama’, abitxi

‘camisa’, malufá ‘chapéu’, talcalimi ‘calçado’, çá ‘touro’, çania ‘vaga’, moarréki ‘bezerro’, dôki

‘cavalo’, alfadari ‘burro’, jaki ‘jumento’, ákuia ‘bode’, tunkiá ‘carneiro’, gurçunum ‘porco’,

múça ‘gato’, kúça ‘rato’, karei ‘cão’, biri ‘macaco’, barêuá ‘veado’, guiuá ‘elefante’, kazá

‘galinha’, zakará ‘galo’, kuai ‘ovo’,kifi ‘peixe’, tururuá ‘formiga’, xingafi ‘arroz’, maçará ‘milho’,

iózum ‘medo’, têum ‘coragem’, çulaite ‘raiva’, anaban anatété ‘jogo’, gánha ‘visita’.

Há 07 verbos, equivalentes a 6,3% do total (upiá ‘morrer’, aluixékamê ‘falar’, falakamê

‘rir’, fanákamê ‘gritar’, akúmkamê ‘chorar’, anhakamê ‘olhar’ e manónkamê ‘ouvir’) e 19 itens

entre adjetivos ou formas com função adjetiva, cuja tradução portuguesa se dá por meio de

locuções adjetivas e de particípios (em pé, sentado, coberto), configurando 17,1% do total, a

saber: un-ôta ‘frio’; ulún ‘quente’, djánom ‘alto’, djakêlêka ‘baixo’, kunalá ‘bom’, jabéo ‘mau’,

pêlon ‘limpo’, djafôrôa ‘ sujo’, gaite ‘coberto’, djabalum ‘fraco’, dôra ‘forte’, kudôra ‘pesado’,

quandôra ‘leve’, djágala ‘magro’, ibiá ‘gordo’, iêu ‘cego’, gáum ‘surdo’, kúla ‘sentado’, itzá

‘empé’.

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Quadro 02: Classes de palavras representadas pelos termos hauçás coligidos por

Nina Rodrigues
Vocábulos Hauçás coligidos Número de Lexias Percentual de Lexias (%)
por Nina Rodrigues

Substantivos 85 78,4

Adjetivos e formas com 19 17,1

função adjetiva

Verbos 07 6,3

TOTAL 111 100

Fonte: A autora.

Dos 85 substantivos acima descritos, apenas 06 (7% dos substantivos) designam

conceitos abstratos: iúma ‘fome, kixuruá ‘sede’, mutuá ‘morte’ iózum ‘medo’, têum ‘coragem’

e çulaite‘raiva’.

Quadro 03: Substantivos concretos e abstratos entre os termos hauçás coletados por

Nina Rodrigues
Vocábulos Hauçás coligidos Número de Lexias Percentual de Lexias (%)
por Nina Rodrigues

Substantivos concretos 79 93

Substantivos abstratos 06 7

Total de Substantivos 85 100

Fonte: A autora.

O vocabulário analisado se distribui por 17 campos semânticos, conforme descritos a

seguir.

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i) NATUREZA

Çômáu ‘céu’ Dérei ‘noite’ Uta ‘fogo, luz’

Kaçua ‘terra, chão’ Arádo ‘trovão’ Aiáki ‘fumo’

Rãná ‘sol’ Ruá ‘chuva’ Toká ‘cinza’

Uótá ‘lua’ Êczeka ‘vento’ Túdo ‘montanha’

Tramámua ‘estrela’ Ruá ‘água’ Duuti ‘pedra’

Rãná ‘sol, claridade’ Gulhi ‘rio’ Rérei ‘areia’

ii) SER HUMANO

Namizi ‘homem’ Côfo (m.)/côa (f.) ‘velho(a)’ Jo ari ‘criança’

Maitê ‘mulher’ Iaró ‘moço’

iii) PARENTESCO

Ubá‘pai’ Dá ‘filho’ Cauê ‘irmão’

Uá‘mãe’ Iá ‘filha’

iv) RELAÇÕES HUMANAS

Abôki ‘amigo’ Mugo‘inimigo’ Gánha ‘visita’

v) GOVERNO, GUERRA

Kariri‘rei’ Iaki‘guerra’

vi) SENSAÇÕES

Iúma‘fome’ Kixuruá‘sede’

vii) MORTE

Mutuá‘morte’ Iamutua‘cadáver’ Upiá‘morrer’

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viii) CORPO HUMANO

Kái ‘cabeça’ Kúnei ‘orelha’ Kafa ‘perna’

Idámum ‘olhos’ Gaxi ‘cabelo’ Kaufá ‘pé’

Báinti ‘nariz’ Guême ‘barba’ Zutia ‘coração’

Baki ‘boca’ Kafáda ‘braço’ Gini ‘sangue’

Harixê ‘língua’ Anú ‘mão’ Kaiçá‘osso’

Akôôri ‘dente’ Fariti ‘dedo’

ix) HABITAÇÃO

Guídá ‘casa’ Gandô‘cama’

x) VESTUÁRIO

Abitxi ‘camisa’ Malufá‘chapéu’ Talcalimi‘calçado’

xi) ANIMAIS

Çá ‘touro’ Tunkiá ‘carneiro’ Guiuá ‘elefante’

Çania ‘vaca’ Gurçunum ‘porco’ Kazá ‘galinha’

Moarréki ‘bezerro’ Múça ‘gato’ Zakará ‘galo’

Dôki ‘cavalo’ Kúça ‘rato’ Kifi ‘peixe’

Alfadari ‘burro’ Karei ‘cão’ Tururuá ‘formiga’

Jaki ‘jumento’ Biri ‘macaco’

Ákuia ‘bode’ Barêuá ‘veado’

xii) ALIMENTOS

Kuai ‘ovo’ Xingafi‘arroz’ Maçará ‘milho’

xiii) EMOÇÕES

Iózum ‘medo’ Têum ‘coragem’ Çulaite ‘raiva’

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xiv) JOGOS, DIVERSÕES, BRINCADEIRAS

Anaban Anatété ‘jogo’

xv) CARACTERÍSTICAS

Un-ôta‘frio’ Ulún ‘quente’ Djánom‘alto’

Djáquêlêca ‘baixo’ Gaite ‘coberto’ Djágala ‘magro’

Kunalá ‘bom’ Djabalum ‘fraco’ Obiá ‘gordo’

Jabéo ‘mau’ Dôra ‘forte’ Iêu‘cego’

Pêlon ‘limpo’ Kudôra ‘pesado’ Gáum ‘surdo’

Djafôrôa ‘sujo’ Quandôra ‘leve’

xvi) POSIÇÕES

Kúla ‘sentado’ Itzá ‘em pé’

xvii) AÇÕES

Aluixékamè ‘falar’ Fanákamê ‘gritar’ Anhakamê ‘olhar’

Falakamê ‘rir’ Akúmkamê ‘chorar’ Manónkamê ‘ouvir’

A distribuição das lexias pelos campos semânticos acima descritos aponta a sua

maior ocorrência nos campos, respectivamente, dos animais (19 itens), da natureza (18

itens), do corpo humano (17 itens) e de características (também 17 lexias), ao que seguem 13

outros campos com menor número de itens: ações (06 vocábulos), ser humano (05 itens

lexicais), parentesco (05 termos), relações humanas (03 lexias), morte (03 palavras), vestuário

(03 lexias), alimentos (03 unidades lexicais), emoções (03 termos), governo/guerra (02

vocábulos), sensações (02 palavras), habitação (02 termos), posições (02 unidades lexicais),

jogos/diversões/brincadeiras (01 lexia). No quadro 04, a seguir, verifica-se a estatística desta

distribuição do vocabulário hauçá por campo semântico.

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Quadro 04: Campos semânticos das formas hauçás documentadas por Nina

Rodrigues

Campos Semânticos Número de Lexias Percentual de Lexias (%)

Animais 19 17,2

Natureza 18 16,2

Corpo Humano 17 15,3

Características 17 15,3

Ações 06 5,4

Ser Humano 05 4,5

Parentesco 05 4,5

Relações Humanas 03 2,7

Morte 03 2,7

Vestuário 03 2,7

Alimentos 03 2,7

Emoções 03 2,7

Governo/Guerra 02 1,8

Sensações 02 1,8

Habitação 02 1,8

Posições 02 1,8

Jogos/Diversões/Brincadeiras 01 0,9

TOTAL 111 100

Fonte: A autora.

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A verificação da existência de empréstimos árabes dentre os termos hauçás coletados

por Nina Rodrigues indica a sua antiga aquisição ainda na África, pela diversidade de

campos e pela norma linguística comum em que ocorrem.

A dificuldade de se identificarem arabismos no hauçá se encontra nas fontes

secundárias, uma vez que os autores a que tivemos acesso para estudá-los abordam campos

semânticos distintos, como os da religião, da ciência e da educação, bem como outras classes

de palavras, a exemplo de numerais e de advérbios.

Outras vezes, é a qualidade da fonte que demanda investigação futura, como

Michaele (1968), dado o autor não ter formação em linguística e a obra não ser de publicação

recente, sujeita a revisão tanto no que respeita ao julgamento das línguas e dos seus falantes,

frequentes vezes preconceituoso, quanto com relação às informações linguísticas

apresentadas, nem sempre confiáveis.

Desta forma, anotam-se aqui os termos identificados como de origem árabe, nas

referências consultadas, para oportunamente retomarmos a questão.

De acordo com Danzaki (2015, p. 449), o povo hauçá teve contato com a língua árabe

ainda no século X, mas esta se difundiu efetivamente pelo território hauçá,87no século XII,

quando mercadores árabes ali se estabeleceram. Ainda segundo o referido autor

(DANZAKI, 2015, p. 450), os arabismos do hauçá, de uso cotidiano e de cuja origem

estrangeira os seus falantes já não se dão conta, constituem 20% do léxico desta língua.

Dentre os termos documentados por Nina Rodrigues integrantes do campo

semântico da natureza, a literatura consultada informa serem arabismos çômau ‘céu’

(GREENBERG, 1947, p. 97; MICHAELE, 1968, p. 65; BALDI,1988, p. 10), arádo

‘trovão’(GREENBERG,1947, p. 95, MICHAELE, 1968, p. 94; BALDI, 1988, p. 10) e rua

‘água’(YALWA,1992, p. 109). Yalwa (1992, p. 112) apresenta darǝ[-n] ‘noite’ como

empréstimo árabe, ao abordar a neutralização das vogais médias baixas, isto é, /e/ e /o/ > /ǝ/.

Nina Rodrigues documenta a forma dérei ‘noite’, que com esta coincide fonética e

semanticamente.

Dentre os termos do campo semântico do parentesco, Michaele (1968, p. 94, 96, 97)

aponta ubá ‘pai’ como arabismo, não descartando a possibilidade de uá ‘mãe’ também o ser

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(< ár. uma).88 Yalwa (1992, p. 113) apresenta gidaa ‘casa’ como empréstimo árabe no hauçá,

verificando-se na coleta de dados realizada por Nina Rodrigues guídá com o mesmo

sentido.

Dentre os termos do campo de ser humano, encontramos em Yalwa (1992, p. 111,

112) yaaròo ‘menino’, a que relacionamos iaró ‘moço’, no vocabulário coligido por Nina

Rodrigues. No campo semântico da morte, segundo Michaele (1968, p. 94-95), teriam origem

na língua árabe mutuá ‘morte’ e iamutua ‘cadáver’.89 Baldi (1988, p. 35, 65) informa não se

tratar mutù de empréstimo árabe, mas de cognato, sendo a raiz mwt ‘morrer’ comum ao

grupo afro-asiático).

No campo semântico do vestuário, Michaele (1968, p. 95) afirma ser “indiscutível” a

origem árabe de malufá ‘chapéu’, segundo o autor, “expressão arábica haussaizada”,

referindo-se inicialmente a ‘turbante’.

Dentre os animais, seriam arabismos çá ‘touro’ e o feminino çania ‘vaca’ (MICHAELE,

1968, p. 94, 98, 99), alfadari ‘burro’ (MICHAELE, 1968, p. 94, 96), karei‘cão’ (MICHAELE, 1968,

p. 98; YALWA, 1992, p. 111, 112) e zakará ‘galo’(MICHAELE, 1968, p. 99)90.

Apontam origem árabe para maçará, do campo semântico dos alimentos, Michaele

(1968, p. 99-100) e Greenberg (1947, p. 92).

Uma primeira análise dos arabismos da língua hauçá indica a ocorrência de pelo

menos 18 termos ou 16,2 % das formas analisadas, considerando-se o uso metafórico de ruá

também como ‘chuva’, distribuídos por 08 dos 17 campos semânticos em que se organizam

(47 % destes). Observe-se que nenhuma delas está relacionada ao campo religioso,

sugerindo integração anterior à chegada dos hauçás à Bahia.

Sobre a presença destes empréstimos em vocabulário básico da língua hauçá,

lembramos que Danzaki (2015, p. 449) aponta a presença de dois tipos de arabismos nesta

língua, aqueles cujo conteúdo semântico denota referentes familiares à cultura hauçá e que,

portanto, constituem sinônimos de formas nativas, e os designativos de novos referentes,

cujo conhecimento foi importado com o vocábulo estrangeiro que os designa.

Muito provavelmente, os “arabismos hauçaizados” teriam suplantado formas

hauçás, em virtude do prestígio do árabe, que, de acordo com Yalwa (1982, p. 104-107) é,

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dentre outros, a língua da religião, do comércio, da administração, do direito, da educação,

da literatura e da política, fontes dos referidos empréstimos.

Quadro 05: Distribuição dos arabismos hauçás por campo semântico


Campos Semânticos Número de Lexias Percentual de Lexias (%)

Natureza 05 27,8

Animais 05 27,8

Parentesco 02 11

Morte 02 11

Ser humano 01 5,6

Habitação 01 5,6

Vestuário 01 5,6

Alimento 01 5,6

TOTAL 18 100

Fonte: A autora.

Sobre o informante de Nina Rodrigues, que forneceu os dados da língua hauçá,

parece certo não tê-la como idioma materno. Na entrevista, o nosso informante, U. A. U.,

apontou, por exemplo, que a pronúncia paroxítona do vocábulo abôki ‘amigo’ já denotava

origem estrangeira do seu falante, talvez nagô falante de iorubá, conforme consta na nota

15 do rodapé deste trabalho.

As lacunas na coleta de dados realizada por Nina Rodrigues, apesar de integrarem

campos semânticos básicos em qualquer língua, sugerem desconhecimento de vocabulário

comum, como as designações para ‘lago’, ‘pescoço’, ‘costas’, ‘joelho’, ‘barriga’, ‘porta’, ‘boi’

e ‘cabra’. Essas lacunas decorreriam de esquecimento ou de desconhecimento destas formas,

mas, tendo sido o hauçá uma língua falada, inclusive como língua plena e não como língua

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de compromisso, na Salvador oitocentista, fato amplamente documentado tanto literatura

especializada em linguística como em história, somos levados a crer na segunda hipótese

(MARANHÃO, 2017, p. 569-574).

Informações nem sempre acuradas, como a atribuição do sentido de ‘claridade’ a rãná

‘sol, dia’, além das 36 formas não identificadas como hauçás, corroboram a ideia de um

falante não-nativo ter fornecido o vocabulário compilado.

O fato de parecer não haver arabismos entre as formas não reconhecidas como

hauçás, passíveis de identificação como cognatas, sugere se tratar de uma língua de região

não- islamizada.

Quanto ao seu falante, pode não ser muçulmano, mas ter aprendido um pouco de

hauçá no contexto multilinguístico da Salvador oitocentista, o que seria menos provável,

dada a organização dos africanos pelo critério religioso (COSTA E SILVA, 2004, p. 290-291).

Pode ter sido islamizado na Bahia, tendo aprendido hauçá com o professor de islamismo,

uma vez que os hauçás tiveram papel ativo na islamização da comunidade africana na Bahia

(MARANHÃO, 2017, p. 569-574). Pode ter chegado à Bahia já islamizado, mas ser originário

de uma região africana em que o islamismo não predominasse e em cuja língua materna,

portanto, não houvesse empréstimos árabes ou estes não fossem numerosos ou ainda que

se restringissem a campo religioso, não coletado por Nina Rodrigues (LOVEJOY, 2000, p.

26-28).

Ainda que não seja possível resolver esta questão, ela é válida pela dimensão sócio-

histórica que representa, diante das possibilidades verossímeis de interação de diferentes

grupos étnicos, linguístico-culturais e religiosos no Brasil e da sua participação na sócio-

história linguística do país, a qual definitivamente não se restringe à introdução e à difusão

da língua portuguesa, como nos recorda Lucchesi (2017, p. 361-376).

Voltando à língua não identificada como hauçá pelo nosso informante, algumas

marcas morfológicas chamam a atenção. Dentre os 07 verbos levantados, 06 (85,7 % deles)

apresentam um morfema sufixal (- kamê), talvez de infinitivo ou de pessoa verbal: aluixékamè

‘falar’, falakamê ‘rir’, fanákamê ‘gritar’, akúmkamê ‘chorar’, anhakamê ‘olhar’ e manónkamê

‘ouvir’.

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Apenas 01 (14,3 % dos verbos), upiá ‘morrer’, não apresenta esta marca. Tampouco

apresenta morfema lexical igual ao das outras formas integrantes do campo semântico da

morte, mutuá ‘morte’ e iamutua ‘cadáver’. Seria um verbo de outro paradigma flexional,

como as distintas conjugações das línguas indo-europeias? Integraria outra categoria

gramatical, como a dos adjetivos, para os quais há as formas obiá ‘gordo’ e kunalá ‘bom’? Se

upiá for efetivamente um verbo, essa diferença morfológica pode indicar serem os vocábulos

não identificados como hauçás de uma terceira língua africana?

É uma língua que expressa categorias gramaticais essencialmente por meio de

prefixos? Há, dentre os adjetivos, dôra ‘forte’, kudôra ‘pesado’ e quandôra ‘leve’, sugerindo

a prefixação. Kunalá ‘bom´ traz um prefixo, como kudôra ‘pesado’ parece trazer? Por que un-

ôta ‘frio’ indica, graficamente, formação por dois elementos? Em djánom ‘alto’, djaquêlêca

‘baixo’, djafôrôa ‘sujo’, djágala ‘magro’, a sílaba inicial integra o morfema lexical ou é um

morfema derivacional ou mesmo flexional?

Essas são reflexões iniciais para investigação posterior, que em breve realizaremos.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando a questão norteadora deste estudo, “Que informações nos trazem os

termos hauçás registrados na obra Os Africanos no Brasil, de Nina Rodrigues?”, e

considerando tanto as hipóteses investigadas quanto a análise dos dados apenas exposta,

podemos chegar às conclusões seguintes.

A primeira hipótese, sobre as formas hauçás analisadas integrarem campos

semânticos essenciais, como nomes de animais, partes do corpo e relações de parentesco,

constituindo vocabulário básico de qualquer língua, foi corroborada, tendo em vista que os

17 campos semânticos em que o vocabulário coligido se organiza, são da língua comum, de

uso corrente.

Dentre as classes de palavras representadas pelo referido vocabulário, prevalece a de

substantivos, verificando-se ainda alguns adjetivos e poucos verbos, sendo igualmente

corroborada, portanto, a segunda hipótese, sobre a predominância destas.

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Com relação à terceira hipótese, sobre a inexistência de empréstimos árabes, em

decorrência da natureza básica dos campos semânticos representados pelos termos

analisados, concluiu-se pela sua refutação, uma vez que se verificaram arabismos em quase

a metade deles.

Esperamos que estas considerações acerca dos termos hauçás documentados por

Nina Rodrigues levem a novas e sistemáticas pesquisas sobre o legado linguístico dos

africanos no Brasil com base na obra do médico e africanista maranhense.

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