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STJ manifesta seu entendimento sobre

caso
fortuito e força maior
Extraído de: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes  -  12 de Janeiro de 2009

Nóticia (Fonte: www.stj.jus.br )

STJ analisa caso a caso o que é fortuito ou força maior

Qual é a ligação entre um buraco no meio da via pública, um assalto à mão armada dentro
de um banco e um urubu sugado pela turbina do avião que atrasou o vôo de centenas de
pessoas? Todas essas situações geraram pedidos de indenização e foram julgados no
Superior Tribunal de Justiça (STJ) com base num tema muito comum no Direito: o caso
fortuito ou de força maior. O Código Civil diz que o caso fortuito ou de força maior existe
quando uma determinada ação gera consequências, efeitos imprevisíveis, impossíveis de
evitar ou impedir:

Caso fortuito + Força maior = Fato/Ocorrência imprevisível ou difícil de prever que gera
um ou mais efeitos/consequências inevitáveis.

Portanto pedidos de indenização devido a acidentes ou fatalidades causadas por fenômenos


da natureza podem ser enquadrados na tese de caso fortuito ou de força maior.

Exemplo: um motorista está dirigindo em condições normais de segurança. De repente, um


raio atinge o automóvel no meio da rodovia e ele bate em outro carro. O raio é um fato
natural. Se provar que a batida aconteceu devido ao raio, que é um acontecimento
imprevisível e inevitável, o condutor não pode ser punido judicialmente, ou seja: não vai
ser obrigado a pagar indenização ao outro envolvido no acidente.

Ao demonstrar que a causa da batida não está relacionada com o veículo, como problemas
de manutenção, por exemplo, fica caracterizada a existência de caso fortuito ou força
maior.

Nem todas as ações julgadas no STJ são simples de analisar assim. Ao contrário, a maior
parte das disputas judiciais sobre indenização envolve situações bem mais complicadas.
Como o processo de uma menina do Rio de Janeiro. A garota se acidentou com um
bambolê no pátio da escola e perdeu a visão do olho direito.

A instituição de ensino deveria ser responsabilizada pelo acidente? Os pais da menina


diziam que sim e exigiram indenização por danos morais e materiais. Por sua vez, o colégio
afirmava que não podia ser responsabilizado porque tudo não passou de uma fatalidade. O
fato de o bambolê se partir e atingir o olho da menina não podia ser previsto: a chamada
tese do caso fortuito. Com essa alegação, a escola esperava ficar livre da obrigação de
indenizar a aluna.

Ao analisar o pedido, o STJ entendeu que a escola devia indenizar a família. Afinal, o
acidente aconteceu por causa de uma falha na prestação dos serviços prestados pela própria
instituição de ensino. Assim como esse, outras centenas de processos envolvendo caso
fortuito e indenizações chegam ao STJ todos os dias.

Assalto à mão armada no interior de ônibus, trens, metrôs? Para o STJ é caso fortuito. A
jurisprudência do Tribunal afirma que a empresa de transporte não deve ser punida por um
fato inesperado e inevitável que não faz parte da atividade fim do serviço de condução de
passageiros.

Entretanto em situações de assalto à mão armada dentro de agências bancárias, o STJ


entende que o banco deve ser responsabilizado, já que zelar pela segurança dos clientes é
inerente à atividade fim de uma instituição financeira.

E o buraco causado pela chuva numa via pública que acabou matando uma criança? Caso
fortuito? Não. O STJ decidiu que houve omissão do Poder Público, uma vez que o
município não teria tomado as medidas de segurança necessárias para isolar a área afetada
ou mesmo para consertar a erosão fluvial a tempo de evitar uma tragédia.

E onde entra o urubu? Numa ação de indenização por atraso de vôo contra uma companhia
aérea. A empresa alegou caso fortuito porque um urubu foi tragado pela turbina do avião
durante o vôo. Mas o STJ considerou que acidentes entre aeronaves e urubus já se tornaram
fatos corriqueiros no Brasil, derrubando a tese do fato imprevisível. Resultado: a
companhia aérea foi obrigada a indenizar o passageiro.

Moral da história: Imprevistos acontecem, mas saber se o caso fortuito ou de força maior
está na raiz de um acidente é uma questão para ser analisada processo a processo, através
das circunstâncias em que o incidente ocorreu.

NOTAS DA REDAÇÃO

O tema do caso fortuito e força maior não é questão pacífica na doutrina, pois há vários
conceitos para cada um deles ou para os dois quando considerados expressões sinônimas.

Segundo Maria Helena Diniz, na força maior por ser um fato da natureza, pode-se conhecer
o motivo ou a causa que deu origem ao acontecimento, como um raio que provoca um
incêndio, inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação,
impedindo a entrega da mercadoria prometida ou um terremoto que ocasiona grandes
prejuízos, etc. Por outro lado o caso fortuito tem origem em causa desconhecida, como um
cabo elétrico aéreo que sem saber o motivo se rompe e cai sobre fios telefônicos causando
incêndio explosão de caldeira de usina, provocando morte.
Nas lições de Álvaro Villaça Azevedo caso fortuito é o acontecimento provindo da natureza
sem que haja interferência da vontade humana em contrapartida a força maior é a própria
atuação humana manifestada em fato de terceiro ou do credor.

Ensina Agostinho Alvim que o caso fortuito consiste no impedimento relacionado com o
devedor ou com a sua empresa, enquanto que a força maior advém de acontecimento
externo.

Não obstante ilustres doutrinadores contribuírem com diversos conceitos Sílvio Venosa
simplifica ao dizer que não há interesse público na distinção dos conceitos, até porque o
Código Civil Brasileiro não fez essa distinção conforme a redação abaixo transcrita:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força
maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos
efeitos não era possível evitar ou impedir.

Nos casos em comento o STJ também não se preocupou em distinguir caso fortuito de força
maior, mas sim em verificar a presença deles em cada processo, e para isso levou em
consideração as particularidades de cada caso, com a ressalva de que a imprevisibildade é
comum a todos eles.

Autor: Autor: Daniella Parra Pedroso Yoshikawa;

Considerações sobre caso fortuito e força maior

O presente artigo promove um longo “passeio” entre os doutrinadores destilando os


conceitos, diferenciações, aplicações e teorias acerca das figuras excludentes de
responsabilidade, sem contudo, pretender auspiciosamente esgotar tamanha polêmica
doutrinária.

Gisele Leite

Segundo in verbis o Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, de


Othon J. M. Sidou, caso fortuito advém do vocábulo latino casus significando acaso,
obstáculo ao cumprimento da obrigação por motivo alheio a quem devia cumpri-la. OBS:
Caso fortuito e força maior são consideradas expressões sinônimas, embora a rigor não o
sejam. A diferença assenta na irresistibilidade pelo homem. Ambos são imprevisíveis, mas
havendo possibilidade de ser obstáculo removível, há caso fortuito, por outra forma, sendo
irresistível, há força maior.
De acordo com Dicionário de Direito Romano, de V. César da Silveira causus majores são
acontecimentos mais fortes. Acontecimentos aos quais o homem não pode se opor,
porquanto se devem a uma força a que ele é incapaz de resistir, e que acarretam a perda da
coisa devida ou à impossibilidade de entregá-la ao credor. Tal é o caso da morte natural de
um escravo, de um incêndio, da destruição em conseqüência do vento ou das águas, do
naufrágio, de um ataque do inimigo ou de assaltantes. “Fortuitus casus est, qui nullo
humano consilio praevideri potest”: caso fortuito é o que não pode prever-se por nenhuma
providência humana “.

Noutro dicionário o de Humberto Piragibe Magalhães e Christovão Piragibe Tostes Malta,


caso fortuito é acontecimento imprevisto e inevitável. Força maior é o acontecimento
inevitável, aquilo a que não se pode resistir... Uma inundação, um incêndio, uma guerra,
um naufrágio são circunstâncias de força maior. Nessa inevitabilidade reside a
característica da força maior e nisso ela se distingue do fato casual, o acaso ou caso fortuito,
que é o sucesso imprevisível.(Hélio Tornaghi. Comentários ao Código de Processo Civil,
vol.2, p.320-321, RT, 1975).

Já no Código Civil Anotado de autoria de Maria Helena Diniz comentando sobre a


inexecução da obrigação inimputável ao devedor. Está consagrado em nosso direito o
princípio da exoneração do devedor pela impossibilidade de cumprir a obrigação sem culpa
sua. O credor não terá direito a indenização pelos prejuízos decorrentes de força maior ou
de caso fortuito (RT 726:301, 679:179, 642:184, 696:129, 444:122, 493:210, 448:111,
451:97 e 453:92).

Adiante prevê as exceções à responsabilidade do dano decorrente de força maior ou caso


fortuito. O credor terá direito de receber uma indenização por inexecução da obrigação por
inimputável ao devedor se: a)as partes, expressamente convencionaram a responsabilidade
do devedor pelo cumprimento da obrigação, mesmo ocorrendo força maior ou caso fortuito;
b) o devedor estiver em mora, devendo pagar os juros moratórios, respondendo ainda, pela
impossibilidade da prestação resultante de força maior ou caso fortuito, ocorridos durante o
atraso, salvo se prova que o dano ocorreria mesmo que a obrigação tivesse sido
desempenhada oportunamente, ou demonstrar a isenção de culpa.

O requisito objetivo da força maior ou de caso fortuito configura-se na inevitabilidade do


acontecimento e o subjetivo que é a ausência de culpa na produção do evento.

O excelente professor Antônio José Levenhagen comentando o art. 1.058 do Código Civil
de 1916 esclarecia de forma didática, in verbis:

“(...) a culpa é a base da responsabilidade advinda da inexecução total ou parcial das


obrigações. Tal conseqüência, entretanto, poderá deixar de existir se o descumprimento da
obrigação ocorreu por força de um acontecimento de tal forma poderoso e que tenha
ocorrido à revelia da vontade do devedor, que, por isso, lhe exclua qualquer culpa. Esse
acontecimento é que, em direito, vem a ser o caso fortuito ou força maior”.

A distinção destaca Levenhagen, entre caso fortuito e força maior, se bem que irrelevante
na prática tem suscitado acirradas polêmicas doutrinárias e diversas correntes de opinião.

Não faltam doutrinadores renomados e tradicionais, que se aprofundaram no assunto, cada


qual se servindo de argumentos mais sábios e eruditos, na procura da erudição. De sorte
que há os que entendem que o caso fortuito se funda na imprevisibilidade, enquanto que a
força maior se baseia mais na irresistibilidade. Outros juristas, no entanto, sustentam que a
força maior exprime a idéia de um acidente da natureza (o raio, o ciclone) enquanto que o
caso fortuito indica um fato do homem, como por exemplo, a guerra, a greve ou o motim.

Enfim, como dissemos, não se chega a um denominador comum quanto às possíveis e reais
concepções de caso fortuito e força maior. Não se pode negar, é verdade que haja distinção,
mas esta é inegável, porém numa interferência objetiva e palpável ocasiona no campo da
responsabilidade civil, no tocante aos seus efeitos.

Teoricamente, é de admitir-se a existência de diferenças; entretanto, do ponto de vista


prático, a distinção não apresenta qualquer utilidade e daí porque as duas expressões são
tomadas como sinônimas inclusive e principalmente em nosso Direito, onde o próprio
Código Civil, no art. 1.058, assim as considera, ao referir-se caso fortuito, ou força maior.
Ambos levam à irresponsabilidade, desde que neles existam realmente dois elementos
imprescindíveis, a saber:

1o fato necessário, ou seja, um fato estranho ao devedor e que não lhe pode ser imputado.
Se o devedor teve participação na realização desse fato, o acontecimento em nada lhe
aproveitará continuando, portanto responsável pela obrigação;

2o impossibilidade de evitar ou impedir os efeitos do fato, do que redundou tornar-se


impossível o cumprimento da obrigação.

Desde, portanto, que se verifique esse dois retromencionados elementos, numa


acontecimento qualquer, aí estará caracterizado o caso fortuito, ou força maior, motivo
legal que corresponde a excludente da responsabilidade do devedor.

O Código Civil de 1916, todavia em seu art. 1.058 e, respeito à vontade manifestada pelas
partes, permite venha o devedor assumir a responsabilidade pelos prejuízos resultantes de
atos provindos de caso fortuito ou força maior.

Condição sine qua non é que o devedor expressamente assuma essa responsabilidade.
Assim, portanto, se no contrato o devedor, expressamente assume a responsabilidade por
quaisquer conseqüências, ainda que provindas de caso fortuito ou força maior, não poderá
invocar em seu proveito a irresponsabilidade prevista em lei, salvo se tais conseqüências
venham a atingir interesses de ordem pública.

Na parte final do art. 1.058 o referido Código faz remissão aos arts. 955, 956 e 957,
deixando claro com isso, que a mora impede a prevalência da força maior, ou caso fortuito,
como excludente de responsabilidade. Ainda que haja cláusula expressa do devedor,
assumindo a responsabilidade incondicional pelas conseqüências, a mora impedirá que a
parte inocente se beneficie dessa cláusula, salvo se provar que não teve culpa no atraso da
prestação, ou que o dano ocorreria, ainda quando a obrigação fosse oportunamente
desempenhada (art. 957 C.C. /1916 in fine).

Comentando o mesmo dispositivo do antigo Código Civil, Silvio Rodrigues explica que o
Código de então definia tais expressões dando-lhes conceito único, se dessume que
considera sinônimas. Com efeito, dispõe o parágrafo único do art. 1.058 que exprime
concepção, aceita por muitos doutrinadores, foi reafirmada por Arnoldo da Fonseca em sua
obra “Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão”.

Na opinião deste ilustre monografista, o caso fortuito ou de força maior contém dois
elementos: a) um elemento subjetivo, representado pela ausência de culpa; b) um elemento
objetivo, constituído pela inevitabilidade do evento.

A ausência de culpa é a elementar da concepção de caso fortuito, porque desde que o


comportamento do agente facilitou ou concorreu para ocorrência do evento malsinado, não
se pode cogitar em fortuito, mas se deve atribuir a tal comportamento a origem parcial ou
total do fato lamentado.

A inevitabilidade do evento também compõe o conceito de fortuito, pois, se o fato for


resistível e o credor não o houver superado, imperícia ou negligência, isto é, a sua culpa.

O critério a ser adotado para medir a inevitabilidade do evento não é o puramente abstrato,
ou seja, tendo em vista um homem médio, mas sim considerando também os elementos
exteriores ao obrigado e ao seu raio de atividades econômicas, não desprezando a possível
conduta de outros indivíduos, em condições objetivas análogas, como ensina Arnoldo
Medeiros da Fonseca.

A imprevisibilidade do evento não constitui requisito do caso fortuito, pois, embora


previsível o fato, não raro a vítima não se pode furtar à ocorrência nem lhe resistir aos
efeitos. A imprevisibilidade pode, contudo, intensificar o elemento da irresistibilidade, pois,
se o devedor não podia prever o acontecimento, mais difícil lhe seria resistir os efeitos.

É em tal sentido que se deve interpretar o parágrafo único do art. 1.058 C.C. /1916, quando
define o fortuito como fato necessário (isto é, evento inescapável, ainda que diligente o
devedor), cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (e, portanto, irresistível ou
inexorável).
A sinonímia entre as expressões caso fortuito e força maior, por muitos, sustentada, tem
sido outros, repelida, estabelecendo os vários doutrinadores que participam desta última
posição, critério variado para distinguir uma da outra.

Dentre as distinções conhecidas, Agostinho Alvim (Da inexecução das obrigações e suas
conseqüências) dá notícia em que a doutrina moderna vem estabelecendo e que apresenta
efetivamente, real interesse teórico. Segundo a referida concepção, caso fortuito constitui
um impedimento relacionado com a pessoa do devedor ou com sua empresa, enquanto que
a força maior advém de acontecimento externo.

Se o fato é irresistível e não emana de culpa do devedor, mas decorre, entretanto, de


circunstância ligada a sua pessoa ou a sua empresa, tal como moléstia que o acometeu ou
defeito oculto em maquinismo de sua fábrica, há caso fortuito.

Se o fato é externo, assim as ordens da autoridade (fait du prince) os fenômenos naturais


(raios, terremotos, inundações, etc.) as ocorrências políticas (guerras, resoluções), então se
trata de força maior.

Evidentemente a força maior é excludente de mais eficácia do que o caso fortuito pontifica
Silvio Rodrigues com aguda propriedade.

Agostinho Alvim sugere excelente exemplo, capaz de melhor esclarecer a hipótese: um


devedor guardou em casa, por largo tempo antes do vencimento, importante soma destinada
ao pagamento de prestação devida. No intervalo tal soma foi roubada, em condições tais de
modo a tornar impossível qualquer resistência. Não há fortuito, mas culpa da vítima, pois,
se não lhe era possível defesa contra os ladrões, podia ter evitado o evento, recolhimento o
dinheiro a um banco.

O ato da autoridade, fait du prince, é irresistível, pois cumprir a obrigação que o


desobedece representa procedimento ilegal. Se a pessoa prometeu entregar a sua safra de
arroz à época da colheita e lei posterior proíbe o embarque de cereais para fora do estado,
ocorre força maior, ato externo à vítima, de caráter necessário e irresistível. A obrigação se
resolve.

Ainda em consonância com Agostinho Alvim, se a responsabilidade se funda no risco, só a


força maior serve de excludente se, entretanto a responsabilidade se funda na culpa, então a
mera prova do caso fortuito exonera o devedor da responsabilidade.

Em conclusão das distinções ora apontadas, pode-se observar que as referidas expressões
caso fortuito e força maior são usadas indiferentemente, como sinônimas. As divergências
apuradas por eminentes civilistas pátrios, tão citados nos parágrafos anteriores, se
embaraçam principalmente, em questão de nomenclatura.

O caso fortuito ou caso fortuito interno que tão bem cogita Agostinho Alvim, caracteriza e
se aproxima bastante da noção de ausência de culpa que Medeiros da Fonseca admite. Os
dois conceitos, por conotarem fenômenos parecidos, servem de escusa nas hipóteses de
responsabilidade informada na culpa, pois, evidenciada a inexistência deste, não se pode
mais admitir o dever de reparar.

Já a expressão força maior, com a extensão que lhe dá Alvim, não se afasta muito, do
conceito de fortuito que Medeiros das Fonseca define como ausência de culpa mais
inevitabilidade do evento. È uma excludente maior e mais lata em escusar a
responsabilidade ainda nos casos informados pela teoria do risco.

Finaliza Silvio Rodrigues a destacar que o legislador de 1916 nem sempre fez adequada
distinção das expressões. Mas, ao aplicar a lei ao caso conceito, deve o juiz, em seu
entendimento, depurar os conceitos e alcançar melhor aperfeiçoamento técnico que a
complexidade das relações jurídica exige.
Washington de Barros Monteiro tratando da exclusão da responsabilidade acentua a não
responsabilidade do devedor em face dos prejuízos resultantes, de caso fortuito, ou força
maior, se expressamente não se houver por eles se responsabilizado, exceto nos casos do
arts. 955,956 e 957. Destaca Barros Monteiro que é improcedente a alusão ao art. 955 e 956
do C.C. do 1916, bastando menção do art. 957 do mesmo diploma legal.

Lembra Carbonnier existem acontecimentos que ultrapassam as forças humanas; diante


destes, as instituições jurídicas, concedidas para a regular vida corrente, devem ceder. Uma
greve que provoca a paralisação da fábrica e assim impede o industrial de entregar a
mercadoria prometida; uma inundação que intercepta as vias de comunicação, tolhendo à
empresa transportadora o cumprimento do contrato de transporte; uma ordem da autoridade
pública (factum principis), retirando do comércio o produto negociado.

Nesses e muitos outros casos, surge fato estranho, alheio à vontade das partes, cujos efeitos
não se podiam evitar ou impedir (vis cui resisti non potest – Digesto, Livro 19, título2,
Fragmento 15 §2o,) que tolhe às partes a obtenção do resultado almejado à la impossible
nul n’este tenu.

Sujeito à controvérsia a diferenciação entre caso fortuito e força maior. Entendem, uns que
essas expressões são sinônimas, ou, pelo menos, equivalentes do ponto de vista de suas
conseqüências jurídicas.

Afirmam outros, justamente o inverso, que se não confundem os dois conceitos,


divergentes entre si por elementos próprios e específicos. A primeira corrente é
denominada subjetiva enquanto que a segunda a qualifica de objetiva.

Teoricamente, distinguem-se os dois conceitos várias teorias procuram sublinhar-lhes os


traços distintivos:
a) teoria da extraordinariedade;
b) teoria da previsibilidade e da irresistibilidade;
c) teoria das forças naturais e do fato de terceiro;
d) teoria da diferenciação quantitativa;
e) teoria do conhecimento;
f) teoria do reflexo sobre a vontade humana.

De acordo com a primeira teoria, há fenômenos que são previsíveis, mas não quanto ao
momento, ao lugar e ao modo de sua verificação. Qualquer pessoa pode prever que no
inverno vai gear, mas ninguém pode precisar quando em que ponto e com que intensidade
ocorrerá o fenômeno.

Em tal hipótese, entra este na categoria do caso fortuito. Por outro lado, existem
acontecimentos que são absolutamente inusitados, extraordinários e imprevisíveis, como o
terremoto e a guerra.

Pela segunda teoria, vis major, é aquela que, conquanto previsível, não dá tempo e nem
meios de evitá-la; caso fortuito, ao contrário, é o acontecimento de todo imprevisto.
Para terceira teoria, resulta a força maior de eventos físicos ou naturais de índole
ininteligente, como o granizo, o raio e a inundação. O caso fortuito decorre de fato alheio,
gerador de obstáculo que a boa vontade do devedor não logra superar, como a greve, o
motim, a guerra.

De conformidade com a quarta teoria, existe caso fortuito quando o acontecimento não
pode ser previsto com diligência comum; só a diligência excepcional teria o condão de
afastá-lo. A força maior ao inverso, refere-se acontecimentos que diligência alguma, ainda
que excepcional, conseguiria sobrepujar.

Para a quinta corrente, se tratando de forças naturais conhecidas tais como terremotos,
tempestades, temos a vis major; se cuidar, todavia, de alguma coisa que a nossa limitada
experiência não logra controlar, temos aí o fortuito.

Finalmente, em consonância com a sexta teoria, sob aspecto estático, o vento constitui caso
fortuito; sob aspecto dinâmico, força maior.

Washington de Barros Monteiro filia-se á terceira teoria, entre nós, também adotada por
Clóvis Beviláqua e João Luís Alves. Reconhecemos, no entanto, com Radouant que
praticamente, pouco importa saber, em face de determinada hipótese, se for caso fortuito ou
de força maior, pois ambos possuem idêntica força liberatória.

Para que se configure o caso fortuito, ou força maior exige-se os seguintes elementos:
a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor. Como diz Arnoldo
Medeiros da Fonseca, se há culpa não há caso fortuito; e reciprocamente, se há caso
fortuito, não pode haver culpa do devedor. Uma exclui o outro. Por exemplo, um incêndio
pode caracterizar o fortuito, mas se para ele concorre com culpa o devedor, desaparece a
força liberatória;

b) o fato deve ser superveniente e inevitável. Nessas condições, se o contrato vem a ser
celebrado durante uma guerra, não pode o devedor alegar depois as dificuldades oriundas
dessa mesma guerra para furtar-se às suas obrigações;

c) finalmente, o fato deve ser irresistível fora do alcance do poder humano. Desde que não
pode ser removido pela vontade do devedor, não há de se cogitar da culpa pela inexecução
da obrigação.

Finaliza Washington de Barros Monteiro que o devedor que alega a causa de exclusão cabe
prova respectiva, em conformidade com art. 333, II do CPC. Será sempre presumida a
culpa das estradas de ferro pelo inadimplemento do contrato de transporte contra essa
presunção só se admite prova de caso fortuito ou força maior (Lei 2.681, 7-12-1912, art. 1o,
segunda alínea).

Carlos Roberto Gonçalves descreve o caso fortuito e força maior constituem excludentes de
responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, pois rompem o nexo de
causalidade.Prescreve o art. 393 do Código Civil de 2002, texto correspondente ao art.
1.058 do Código Civil de 1916.

É lícito às partes, como consta do texto, por cláusula expressa convencionar que a
indenização será devida em qualquer hipótese de inadimplência contratual, ainda que
decorrente do fortuito ou força maior.

O parágrafo único do art. 393 do Código Civil de 2002, como se observa, não faz distinção
entre um e outro. Em geral, a expressão caso fortuito é empregada para designar fato ou ato
alheio à vontade das partes, ligado ao comportamento humano ou ao funcionamento de
máquinas ou ao risco da atividade ou da empresa, como greve, motim, guerra, queda do
viaduto ou ponte, defeito oculto em mercadoria produzida etc. E, força maior para os
acontecimentos externos ou fenômenos naturais, como raio, tempestade, fato do príncipe
(fait du prince) etc.

Modernamente, na doutrina e jurisprudência brasileira, se tem feito, com base na lição de


Agostinho Alvim, a distinção entre “fortuito interno” (ligado à pessoa, ou à coisa, ou à
empresa doa gente) e “fortuito externo”, isto é, a causa ligada à natureza, estranha à pessoa
doa gente e à máquina, excluiria a responsabilidade, principalmente se esta se fundar no
risco.

A teoria do exercício da atividade perigosa, adotada no parágrafo único do art. 927 do novo
Código Civil, não aceita o fortuito como excludente da responsabilidade. Quem assume o
risco do uso da máquina ou da empresa, desfrutandos cômodos, deve suportar também os
incômodos.

Essa diferenciação foi ressaltada no novo Código Civil como excludente da


responsabilidade civil do transportador (art. 734), não mencionando o caso fortuito, ligado
ao funcionamento do veículo, acolhendo, assim, o entendimento consagrado na
jurisprudência de que não excluem a responsabilidade do transportador defeitos mecânicos,
como quebra repentina da barra de direção, estouro dos pneus e outros, considerados como
hipóteses de “fortuito interno”.

Várias teorias que procuram discernir as duas excludentes e realçar seus traços peculiares.
O legislador preferiu, contudo, não fazer nenhuma distinção expressa nem mesmo no
aludido parágrafo único. Mencionando as duas expressões como sinônimas. Efetivamente,
se a eficácia de ambas é a mesma no campo do não-cumprimento das obrigações. Os
termos precisos da distinção entre estas deixam de ter relevância. Percebe-se que o traço
característico das referidas excludentes é a inevitabilidade, é estar o fato acima das forças
humanas.

Na melhor lição doutrinária, exige-se para a configuração do caso fortuito ou força maior, a
presença dos seguintes requisitos:

a)o fato deve ser necessário, não sendo determinado pro culpa do devedor, pois do
contrário, não há caso fortuito; reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa,
na mesma medida em que um fato exclui o outro;
b)o fato deve ser superveniente e inevitável; Desse modo, se o contrato é celebrado durante
a guerra, não pode o devedor alegar depois as dificuldades dessa mesma guerra para furtar-
se às suas obrigações;

d)o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano.

Caio Mário da Silva Pereira, mestre dos mestres, pontifica que a reparação tem como
pressuposto essencial, em regra, a imputabilidade da falta, contratual ou extracontratual, ao
agente. A contrario sensu, faltando imputabilidade, descabe completamente a indenização.

Se, então, a prestação se impossibilitar, não pelo fato do devedor, mas por imposição de
acontecimento estranho ao seu poder, extingue-se a obrigação, sem caber quaisquer
ressarcimento ao credor.

Consagra o ilustre doutrinador que o Direito Romano em sua impecável lógica, já tratava
da liberação do devedor admitindo o fortuito, exprimindo-o sinteticamente, em termos que
até hoje se ouve: casus a nullo praestantur.

Os civilistas possuem razões para dividir em dois planos, no tocante sua caracterização
jurídica. Pela corrente subjetivista, liderada por Goldschmidt, justifica a exoneração do
devedor em face de sua extrema diligência, confundindo a força maior com a ausência de
culpa. Alega Caio Mário que o pecado dessa corrente doutrinário é a extrema exacerbação,
pois é por demais rigorosa ao fixar que somente começa a vis maior onde acaba a culpa.

E é extremamente perigosa, pois admite a oscilação do critério judicante em função das


aptidões individuais do devedor.

Doutro lado, há a escola objetivista, capitaneada por Exner, assentando a imputabilidade


como regra e concedendo a liberação do devedor somente na hipótese surgir um evento
cuja fatalidade se evidencie ao primeiro ao primeiro olhar, obstando a execução e afastando
a idéia de responsabilidade. Esta corrente é pujante para sobrepor-se à primeira escola,
falhando ao abandonar as características pessoais, inequivocamente ponderáveis na
apuração da responsabilidade do agente.

O direito brasileiro consagra o princípio da exoneração pela imputabilidade, anunciar-se em


tese a irresponsabilidade do devedor por danos causados de causo fortuito e força maior.
Não discerne a lei a vis maior do casus, e assim, procede avisadamente, pois que nem a
doutrina moderna nem as fontes clássicas têm operado uma diversificação bastante nítida e
segura de uma e outra figura.

Adiante, o mestre Caio Mário aduz que se costuma aludir ao caso fortuito é o
acontecimento natural, ou o evento derivado da força da natureza, ou fato das coisas, como
o raio do céu, a inundação, o terremoto. E, mais, particularmente, conceitua força maior
como o damnum que é originado do fato de outrem, como invasão do território, a guerra, a
revolução, o ato emanado da autoridade (factum principis), a desapropriação, o furto etc.

As demais distinções, e não poucas ainda apontam, sem contudo, oferecerem gabarito
determinante e hábil para efetuar a diferenciação nítida. Preferível, mesmo com ressalva
que apesar de haver critério distintivo abstrato. Admitir que na prática os dois termos
correspondem a um só conceito (Colmo), unicamente considerado no seu significado
negativo da imputabilidade.

O legislador de 2002 reuniu os dois fenômenos tendo em vista serem causa idêntica de
exoneração do devedor e resolução absoluta da obrigação, o que para o Direito suíço.
Conceituou-os conjuntamente como fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou
impedir, o que abrange todo evento não imputável, que obsta ao cumprimento da obrigação,
sem culpa do devedor.

Alega Caio Mário que o legislador pátrio filiou-se ao conceito objetivista, isso com amparo
em Clóvis Beviláqua quanto redigiu o art. 1.058 C.C. de 1916.

Apurando os requisitos genéricos indispensáveis, temos, a saber: a) necessidade – pois não


é qualquer evento por mais grave e ponderável que bastará para liberar ou exonerar o
devedor de sua responsabilidade. Apenas aquele que impossibilita o cumprimento da
obrigação.

De sorte que se por alguma razão pessoal ainda que relevante, nem por isso, restará
exonerado o devedor, ficando adstrito a cumprir a prestação. Se esta se dificulta ou se torna
excessivamente onerosa, não se cogita em força maior ou caso fortuito. É indispensável que
o fato ou obstáculo seja estranho ao seu poder, e seja imposto por acontecimento natural ou
fato de terceiro, de modo a constituir uma barreira intransponível à execução da obrigação.

b) inevitabilidade requer-se que não haja meios humanos e possíveis de evitar ou de


impedir os seus efeitos, e estes interfiram com a execução do obrigado.
É freqüente ainda a referência doutrinária à imprevisibilidade do acontecimento, como
termo de sua caracterização extrema.

O que não é cabível, na opinião culta de Caio Mário, porque, mesmo que previsível o
evento surge como força indomável e inarredável capaz de impedir totalmente o
cumprimento obrigacional, o devedor não responde pelo prejuízo.

Por vezes a imprevisibilidade determina a inevitabilidade, e, então, compõe a etiologia


desta. O que não é necessário de ser destacado como elemento de sua constituição.

Alinhou Caio Mário entre as escusas de responsabilidade, se passada a inevitabilidade, se


haveria responsabilização. Assim é que se o devedor estava em mora responderá pelo
fortuito, salvo provando que o dano ocorreria ainda que cumprisse em tempo.

Não se pode o julgador munir-se de padrão abstrato par ajustar o fato, e para decretar a
exoneração do devedor. Ao revés, cada hipótese deve ser ponderada segundo circunstâncias
peculiares, e em cada uma a evidência de que o obstáculo era necessário, inevitável à
execução do avençado. Pondera Caio Mário que os critérios para avaliação da vis maior
devam ser elásticos Se a inevitabilidade fosse absoluta, então o fortuito não precisaria de
apuração.
Por ser relativa, e, por admitir que um devedor tem força para vencer outro não domina, é
que o critério de apuração dos requisitos obedece a um confronto com as circunstâncias
peculiares de cada caso. Pontifica-se modernamente pela necessidade de aliar à concepção
objetivista um certo tempero subjetivo, resultando daí uma concepção mista de fortuito
sustentado com galhardia por boa parte de doutrinadores (Arnoldo da Fonseca, Serpa
Lopes, Orlando Gomes, Alfredo Colmo).

Se a inexecução se deveu à verificação do caso fortuito ou força maior – casus vel damnum
fatale, sendo acontecimento necessário e inevitável, desaparece ao credor, o direito de
perceber qualquer indenização. Era o que os romanos chamavam de periculum e os
modernos chamam de riscos e perigos que envolvem os casos em que a prestação não pode
ser cumprida, objetiva ou subjetivamente.

Nem sempre a vis divina serve de escusa para inexecução obrigacional, em algumas
hipóteses remanesce a responsabilidade, não obstante a interferência do evento estranho,
ainda que revestido dos seus extremos conceituais.
a) Convenção - As partes podem livremente pactuar que o devedor responde pelo
cumprimento, ainda que nos casos de fortuito ou força maior, o que prevalecerá com a
declaração expressa, já que não se pode presumir o agravamento da responsabilidade.
b) Mora uma vez configurada seu efeito é perpetuar a responsabilidade do devedor em face
da obrigação, sujeitando-o aos reflexos da inadimplência, salvo se demonstrar que não teve
culpa no atraso ou que o dano sobreviria de qualquer modo mesmo que a obrigação fosse
tempestivamente cumprida.
c) No caso de ter mandatário, contra a proibição formal do mandante, substabelecido os
poderes em um terceiro, responde pelo dano causado sob a gerência deste, mesmo
decorrente do fortuito, salvo provando que o dano teria acontecido, ainda que não tivesse
realizado a substituição do representante.
d) Na gestão de negócios, quando o gestor fizer operações arriscadas, ainda que o dano
costumasse faze-las,m ou quando preterir interesses deste por amor aos seus.
e) Na tradição de coisas que se vendem contando, marcando ou assinalando, quando já
postas à disposição do comprador.
f) No caso dos riscos profissionais previstos em lei.

Se o acontecimento extraordinário não trouxer a impossibilidade total da prestação, eximir-


se-á o devedor da parte atingida ou se forrará da mora, se apenas tiver como conseqüência o
atraso na sua execução. Mas não poderá invocar o fortuito para exoneração absoluta,
beneficiando-se fora das marcas.

Aponta Caio Mário que o Anteprojeto de 1975 que desembocou no Código Civil de 2002
adotou francamente o princípio da responsabilidade pelo risco criado, admitiu a
conseqüente escusativa, desde que seja provada a adoção de todas as medidas idôneas e a
evitá-lo, e, desta forma, o excesso que se critica na doutrina desaparece no preceito.

J. M. Leoni Lopes de Oliveira em seu Novo Código Civil Anotado, obra de extremo apuro
técnico e excelente conteúdo doutrinário aduz uma análise na norma do respectivo
dispositivo legal, destaca que o referido diploma legal optou por adotar o sistema anterior
vigente, no que diz respeito ao caso fortuito ou força maior. Inicialmente, no seu parágrafo
único, considera as expressões como semanticamente similares.  Ademais, atribui a ambas
as figuras o mesmo efeito, atribui as ambas figuras o mesmo efeito, qual seja a exclusão da
responsabilidade pelo inadimplemento obrigacional.

A doutrina pátria sempre sustentou inicialmente a sinonímia entre as expressões. Afirma-se


que tanto no caso fortuito como na força maior exige-se a ausência de culpa por parte do
devedor, com a inevitabilidade do evento. Ambas figuras deságuam na exclusão de
responsabilidade pelo inadimplemento da obrigação.

Porém, vários doutrinadores se esfalfam em estabelecer diferenças entre estas. Sintetizando


as seguintes diferenças:

1) para uns o caso fortuito é oriundo da força física ininteligente, enquanto que força maior
deriva de fato de terceiro;
2) outros procuram identificar o caso fortuito com o caráter imprevisto ao passo que a força
maior se identifica com caráter invencível do obstáculo;
3) ainda há os que sustentam que no fortuito a impossibilidade é relativa enquanto que na
força maior a impossibilidade é absoluta;
4) finalmente, temos uma corrente recente que no caso fortuito há impedimento relacionado
com a pessoa do devedor ou com sua empresa, ao passo que a força maior deriva de
acontecimento externo.

Dessa última corrente surgiu a diferenciação de caso fortuito interno e caso fortuito externo,
para considerar que somente o último exclui a responsabilidade pelo inadimplemento da
obrigação.

O primeiro, por dizer respeito à atividade do devedor, não exclui sua responsabilidade do
devedor, atribuindo somente ao fortuito externo esse poder.

De tudo do que foi mencionado, Leoni destaca efetivamente que dentro do sistema pátrio as
duas figuras se identificam apresentando os mesmos requisitos e as mesmas conseqüências.
Vejamos, o que relata o ilustre doutrinador os requisitos:
a) ausência de culpa da parte do devedor;
b) inevitabilidade do evento;
c) superveniência do fato irresistível.

Assim, se o devedor agiu com culpa não poderá alegar a exclusão de responsabilidade
prevista no art. 393 do C.C. que ora se comenta: Note-se que o parágrafo único do referido
dispositivo legal, afirma que o caso fortuito ou força maior, verifica-se no “fato
necessário”. A expressão “fato necessário” deve ser sempre considerada diante da
impossibilidade de cumprimento da obrigação concretamente verificada. Não
abstratamente. Um assalto à mão armada pode em um caso consistir em fator determinante
da exclusão de responsabilidade e, em outro não.

Se, por exemplo, alguém que deva entregar uma quantia elevada de dinheiro a outrem e a
guarda em sua residência, caso venha a ser assaltado, não poderá alegar caso fortuito ou
força maior. É evidente que o assalto é inevitável, mas se o devedor tivesse a diligência
normal não guardaria em sua residência uma quantia tão elevada de dinheiro que era objeto
de uma obrigação de dar. Mas ao contrário, a depositaria em estabelecimento bancário.

Nesse caso, podemos dizer que o devedor agiu com culpa, na forma de negligência não
podendo se socorrer, da excludente do caso fortuito ou força maior. Como se pode
verificar, somos dos que identificam o caso fortuito e a força maior com a ausência de
culpa.

O segundo requisito diz respeito à inevitabilidade do evento. Observe-se que o que


caracteriza predominantemente o caso fortuito ou força maior não é imprevisibilidade, mas
sim a inevitabilidade do evento. Aqui se deve tomar cuidado para não confundir a
dificuldade com inevitabilidade. Se a prestação pode ser para o devedor, não há de se falar
em caso fortuito ou força maior, salvo se a referida dificuldade que faz fronteira com a
impossibilidade.

O Código Civil optou por adotar o mesmo sistema do Código Civil anterior, no que diz
respeito ao caso fortuito ou força maior. Inicialmente, no seu parágrafo único, considera as
expressões como sinônimas. Ademais, atribuiu a ambas figuras o mesmo efeito, qual seja a
exclusão da responsabilidade pelo inadimplemento da obrigação.

A doutrina pátria amparada no direito positivo, sempre sustentou a sinonímia entre tais
expressões, interpretação que se aplica também o texto ora vigente. Afirma-se que tanto no
caso fortuito como na força maior exige-se a ausência de culpa por parte do devedor, com a
inevitabilidade do evento.

Argumenta-se mais: as duas figuras pelo sistema do Código Civil deságuam na exclusão
total da responsabilidade pelo inadimplemento da obrigação.

Apesar disso, vários doutrinadores procuram estabelecer diferenças entre caso fortuito e
força maior. Sintetizando as seguintes diferenças apresentadas pela boa doutrina:

1. para uns, o caso fortuito é oriundo da força física ininteligente enquanto que força maior
deriva de fato de terceiro;
2. outros procuram identificar o caso fortuito como caráter imprevisto ao passo que a força
maior indica o caráter invencível do obstáculo;
3. ainda há quem sustente que no caso fortuito a impossibilidade é relativa enquanto que na
força maior, a impossibilidade é absoluta.
4. finalmente, temos uma corrente recente que no caso fortuito há impedimento relacionado
com a pessoa do devedor ou com sua empresa, ao passo que a força maior deriva de
acontecimento externo.

Dessa última corrente surgiu a diferenciação de caso fortuito interno e caso fortuito externo,
para considerar que somente o último exclui a responsabilidade pelo inadimplemento da
obrigação.O primeiro, por dizer, respeito à atividade do devedor, não exclui sua
responsabilidade, atribuindo somente ao fortuito externo esse poder.
Finalmente, o terceiro requisito é o da superveniência do acontecimento alegado de caso
fortuito ou força maior à celebração do contrato. Se, por exemplo, alguém contrato com
outrem a entrega de mercadoria durante estado de calamidade pública em uma cidade em
decorrência de enchentes, não poderá alegar este fato como excludente de responsabilidade
pelo inadimplemento da obrigação.

Quanto o ônus probatório salienta a doutrina majoritária que ao credor cabe provar
simplesmente a inadimplência da obrigação na forma e no tempo devidos. O devedor que
alega que o inadimplemento se deve ao caso fortuito ou força maior prova-lo.

Provada cabalmente a existência de caso fortuito ou força maior o devedor não responde
pelos prejuízos resultantes do inadimplemento. Tal solução encontra amparo no sentimento
de justiça. Não seria justo e nem razoável exigir que o devedor respondesse por perdas e
danos, mesmo diante de um acontecimento necessário e inevitável que determinou o não
cumprimento da obrigação.

Salienta o art. 393 uma exceção ao princípio de exclusão da responsabilidade pelo


inadimplemento das obrigações quando decorrente de caso fortuito ou força maior. Trata-se
da hipótese em que o próprio devedor assume o risco. Se o devedor se responsabilizou pelo
caso fortuito ou força maior não poderá alegar tais acontecimentos como excludentes de
responsabilidade civil.

Aqui são pertinentes duas observações preciosas a serem feitas:


a) exige-se que a assunção do risco tenha sido feita de maneira expressa;
b) o risco assumido há de ser ordinário e nunca o fora do comum.

Consultando o notável Pablo Stolze que esclarece que o inadimplemento fortuito da


obrigação também pode decorrer de fato não imputável ao devedor. Dize-se nesse caso, ter
havido inadimplemento fortuito de obrigação, ou seja, não resultante de atuação dolosa ou
culposa do devedor, que, por isso, não estará obrigado a indenizar.

Fatos da natureza ou atos de terceiros poderão prejudicar o pagamento, sem a participação


do devedor que estaria diante de um caso fortuito ou força maior. Imagine que o sujeito se
obrigou a prestar determinado serviço, e, no dia aprazado, é vítima de um seqüestro. Não
poderá em tal caso, em virtude de evento não imputável à sua vontade, cumprir a obrigação
avençada.

Mas, nesse ponto de nosso raciocínio, uma pergunta se impõe afinal de contas, estando esse
espécie de inadimplemento diretamente ligada à idéia de “evento fortuito”, o que se entende
por caso fortuito ou força maior?

Esclarece Pablo Stolze que a doutrina não é pacífica sobre a questão. Segundo Maria
Helena Diniz, “na força maior conhece-se o motivo ou a causa que dá origem ao
acontecimento, pois se trata de um fato da natureza, como por exemplo, um raio que
provoca um incêndio, inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de
comunicação, impedindo a entrega da mercadoria prometida ou um terremoto que ocasiona
grandes prejuízos, etc.”.
Já no caso fortuito, o acidente que acarreta o dano advém de causa desconhecida, como
cabo elétrico aéreo que se rompe e cai sobre fios telefônicos causando incêndio explosão de
caldeira de usina, provocando morte.(In Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil
Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações, 16a edição, Saraiva, 2002, v.2, p.346-347).

Sílvio Rodrigues lembra que “a sinonímia entre as expressões casos fortuitos e força maior,
por muitos sustentada, tem sido repelida por outros doutrinadores, estabelecendo, os vários
escritores que participam dessa derradeira posição, critério variado para distinguir uma da
outra.”

Dentre as distinções conhecidas, Agostinho Alvim noticia de uma diferença importante


para a doutrina moderna, o caso fortuito constitui um impedimento relacionado com a
pessoa do devedor ou com a sua empresa, enquanto que a força maior advém de
acontecimento externo.(In Silvio Rodrigues, Direito Civil, parte Geral das Obrigações,
30a., edição,2002, São Paulo, Saraiva, vol.2, p.239).

Para demonstrar que os doutrinadores efetivamente não adotam critério uniforme quanto a
definição dos referidos termos, vale conferir o pensamento ilustrado de Álvaro Villaça
Azevedo: “Pelo que acabamos de perceber, caso fortuito é o acontecimento provindo da
natureza sem qualquer intervenção da vontade humana...”.

A força maior por sua vez, “é o fato de terceiro ou do credor: é fato de terceiro ou do
credor: é a atuação humana, não do devedor que impossibilita o cumprimento
obrigacional”.

Sem pretender pôr fim à controvérsia, pois seria inadmissível a pretensão, entendemos que
a característica básica da força maior é sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa
conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo
que o caso fortuito, por sua vez tem sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os
parâmetros do homem médio. Nessa última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e até
então desconhecida do evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de
uma obrigação (um atropelamento, um roubo).

Não concorda Pablo Stolze Gagliano com aqueles que, seguindo o pensamento do culto
Arnoldo Medeiros da Fonseca, visualizam diferença entre “ausência de culpa” e “caso
fortuito”, por entender que a primeiro é gênero, no qual estaria compreendido o segundo.
Melhor é a conclusão de Sílvio Venosa, no sentido não existir interesse público na distinção
dos conceitos, inclusive pelo fato de o Código Civil Brasileiro não tê-lo feito (art. 393 C. C.
e art. 1.058 C.C.1916).

Nesse mesmo sentido, reconhecendo que, o caso fortuito e força maior e a ausência de
culpa são definições que se identificam, Orlando Gomes citando Barassi, pontifica: “o
conceito de caso fortuito resulta assim de determinação negativa. Caso, segundo Barassi é
conceito antitético de culpa”. (Orlando Gomes, Obrigações, 8a edição, Rio de Janeiro;
Forense, 1992, p.179).
Ademais, para o direito obrigacional, quer tenha havido caso fortuito, quer tenha ocorrido
força maior, a conseqüência é, em regra, a mesma, extingue-se a obrigação, sem quaisquer
efeitos para as partes.

Aliás, tanto o Código de 1916 como também o de 2002 em regras especiais condensaram o
significado das expressões fundindo-o em conceito único, consoante se deduz do arts. 393
do C.C./2002 e art. 1.058 do C.C/1916, respectivamente.

Analisando a primeira parte do art. 393 do C.C. de 2002 que o devedor, à luz do princípio
da autonomia da vontade, pode expressamente se responsabilizar pelo cumprimento da
obrigação, mesmo se configurando o evento fortuito.

Desta forma, se certa empresa celebra um contrato de locação de gerador com um dono de
boate, nada impede que se responsabilize pela entrega da máquina no dia convencionado,
mesmo na hipótese de suceder um fato imprevisto ou inevitável que, naturalmente, a
eximiria da obrigação (um incêndio que consumiu todos seus equipamentos).

Nesse caso, assumirá o dever de indenizar o contratante se o gerador que seria locado
houver sido destruído pelo fogo, antes da efetiva entrega. Esta assunção do risco, no
entanto, para ser reputada eficaz, deverá constar de cláusula expressa do contrato.

Esta matéria, ligada à ocorrência de eventos que destroem ou deterioram a coisa


prejudicando o cumprimento obrigacional interesse à chamada teoria dos riscos.

Por risco, expressão tão difundido no meio jurídico, entenda-se o perigo a que se sujeita
uma coisa de perecer ou deteriorar, por caso fortuito ou de força maior.

Por tudo isso, podemos concluir que apenas o inadimplemento absoluto com fundamento
na culpa do devedor impõe o dever de indenizar por conseguinte, para o devedor
inadimplente a responsabilidade civil por seu comportamento ilícito.

Gisele Leite

Hermenêutica Responde

Osvaldo Alves Silva Junior


Advogado formado pela UFRJ, especialista em Direito de Propriedade Intelectual, tecnologista do INPI.
Email: osvaldoalves2004@yahoo.com.br
Inserido em 9/5/2005
Parte integrante da Edição no 125
Código da publicação: 591

“É cousa tão natural o responder que até os penhascos duros respondem, e para as vozes
têm ecos. Pelo contrário, é tão grande violência não responder, que aos que não pudessem
responder, rebentariam de dor”.
Padre Antônio Vieira

Introdução

Ainda paira no direito pátrio grandes controvérsias a respeito do assunto. Muitos autores e
doutrinadores entendem que caso fortuito e força maior são a mesma coisa, outros definem
que caso fortuito é todo acontecimento que foge ao controle humano, embora reflita
diretamente no mundo fático, e conseqüentemente, pode haver interações jurídicas. Existem
ainda aqueles que definem força maior como atos ou criações humanas ou modificações no
status quo reinante antes do próprio acontecimento. Esses conceitos são aplicados,
basicamente da mesma forma, mas inversamente por outros autores não menos renomados,
conforme estudo a seguir.

Importante ressaltar que as controvérsias são tantas até hoje, que, fato em concreto, existem
leis que suprimem os dois termos, adotando um sinônimo que procura reunir os dois
princípios, ou a utilização de um único termo com sentido global. Um bom exemplo é a Lei
no. 5772/71, o antigo Código de Propriedade Industrial, que foi ab-rogado pela Lei no.
9279/96. No Código de Propriedade Industrial, art. 49, caput, era adotado o seguinte termo:
“Salvo motivo de força maior comprovado, caducará o privilégio, ex officio ou mediante
requerimento de qualquer interessado, ...” (grifo nosso). No caso em tela, o termo “força
maior” era utilizado em sentido lato sensu, englobando neste o conceito de caso fortuito. Na
Lei no. 9279/96, que a ab-rogou, não desejando o legislador incorrer no mesmo erro,
decidiu, sem critério hermenêutico, abolir o termo e utilizou um sinônimo, procurando
abarcar os dois sentidos sob um mesmo tema novamente, conforme o art. 221, §1o:
“reputa-se justa causa o evento imprevisto, alheio à vontade da parte e que a impediu de
praticar o ato”. (sobre os recursos). No art. 143, §§ 1o. e 2o. utiliza-se de outro sinônimo
em substituição:§1o.: “Não ocorrerá caducidade se o titular justificar o desuso da marca por
razões legítimas; (...) o titular será intimado(...) por razões legítimas”. (grifo nosso) O que
vem a ser razões legítimas? O que vem a ser evento imprevisto? São meros sinônimos que
procuram fundir os termos caso fortuito e força maior, que são totalmente distintos. Para o
bom entendimento sobre o tema, torna-se necessário uma volta ao passado, para o século V
d. C.

1 Histórico

O presente estudo tem como fontes registros históricos do Império Romano, mais
precisamente das obras compiladas no governo do Imperador Justiniano ( 482-565 d.C.).

Justiniano foi elevado ao trono do Império Romano do Oriente em 1 de agosto de 527, com
o nome de Flávio Anício Justiniano Magno. Tinha como um dos fundamentos do seu
governo o objetivo de criar uma codificação com boa parte de toda a obra legislativa criada
desde os primórdios do colossal Império Romano. Para isso contava com as constituições
imperiais reunidas nos Códigos Gregoriano, Hermogeniano, Teodosiano, além das novelas
e os textos produzidos pelos jurisconsultos. Como essas fontes se encontravam
desordenadas até então, constituiu primeiramente uma comissão de juristas para reunir as
principais Constituições Imperiais, que eram as leis emanadas pelos imperadores. Esta obra
ficou pronta em 529 d.C. e foi publicada com o nome de Codex. Infelizmente, esta obra se
perdeu com o tempo; sabemos que existiu através de relatos históricos, mas não chegou ao
nosso tempo, devido, possivelmente as guerras que ocorreriam durante todos os séculos
posteriores. O que nos chegou foi um Codex revisado em 534 d.C., já com influência das
Institutas.

Em 530, de forma mais ousada, Justiniano determinou a seleção de todas as obras dos
jurisconsultos clássicos, encarregando a direção da comissão a Triboniano, neste trabalho
hercúleo.

As obras dos jurisconsultos clássicos foram baseadas nas atividades desenvolvidas pelos
magistrados e pelos pretores peregrinos, que atuavam como são chamados hoje os juízes
leigos. Os pretores atuavam diretamente nos territórios conquistados e utilizavam-se dos
formulários, ou seja, codificações de despachos e sentenças mais comuns, já pré-
estabelecidos, como hoje se faz em diversos órgãos cartoriais da administração pública,
onde a figura do profissional de direito não é requisito essencial.

Naturalmente, sempre ocorriam novos casos, frutos de uma sociedade em eterna evolução,
e estas questões os pretores traziam aos magistrados. Desta forma o direito evoluía, junto
com a doutrina criada pela interação tripartite – magistrado, pretor peregrino e
jurisconsultos. Todos os éditos elaborados pelos pretores foram codificados pelo jurista
Sálvio Juliano, por volta do ano 130 d.C., conforme diretriz emanada pelo imperador
Adriano, tamanha a importância destes trabalhos jurisprudenciais para o Império romano.
Entretanto, assim como hoje, este ius honorarium não tinha força de lei, mas exercia o
importante papel de alavanca de mudanças para a derrogação ou abrogação da lei.

Em relação ao Digesto ou Pandectas, a comissão chefiada por Triboniano atingiu o feito


surpreendente de terminá-lo num prazo de três anos, composto de cinqüenta livros, nos
quais são encontrados trechos de mais de dois mil livros de jurisconsultos clássicos. Anos
depois, foi elaborada as Institutiones por influência da obra de Gaio, do século II a.C. , e
publicado em 533 d. C. por Triboniano, Teófilo e Doroteu. E, por último, Justiniano editou
diversas leis, as novellae constituniones, a fim de completar as obras e adequá-las ao
império do Oriente. Desta forma, Justiniano criou o denominado Corpus Iuris Civilis,
composto pelo Codex, o Digesto, as Institutas e as Novelas.

Portanto, desta forma foi codificada boa parte de toda obra jurídica romana e preservado à
posteridade este incrível compêndio que influencia todo mundo, notadamente nas relações
de controle estatal. E, em relação aos dois temas elencados neste ensaio, é certo afirmar que
a delimitação conceitual está contida no Digesto, através das obras de Gaio e Ulpiano, que
trataremos a seguir.

2 Gaio e Ulpiano

Gaio e Domicio Ulpiano foram os principais jurisconsultos do Império Romano, sendo o


Digesto composto de 1/3 da obra deste. Na obra, diversos temas de direito civil foram
conceituados, dentre eles os de caso fortuito e força maior. Gaio assim descreveu força
maior: “vis maior est cui humana infirmitas resistire non postest”. Traduzindo a frase,
podemos depreender que força maior é aquela a que a fraqueza humana não pode resistir.
Assim sendo, é entendido como sendo um fato imprevisível, resultante da ação humana,
gerando efeitos jurídicos, independente da vontade das partes. Orlando de Almeida Secco1
assim leciona:

“ a força maior evidencia um acontecimento resultante do ato alheio (fato de outrem) que
sugere os meios de que se dispõe para evita-lo, isto é, além das próprias forças que o
indivíduo possua para se contrapor, sendo exemplos: guerra, greve, revolução, invasão de
território, sentença judicial específica que impeça o cumprimento da obrigação assumida,
desapropriação etc.” Ou seja, todos os atos ou ações humanas que se tornem obstáculos a
outrem, impedindo-os de agir ou cumprir com seus direitos ou deveres”.

Sobre o termo caso fortuito, Domicio Ulpiano2 assim o conceituou: “Fortuitus casus est,
qui nullo humano consilio praevideri potest”. Traduzida a frase o conceito seria: caso
fortuito é aquele que não pode ser prevsito por nenhum meio humano. Em outras palavras
seria todo acontecimento de ordem natural que gera efeitos no mundo jurídico. Podemos
dar como exemplo as erupções vulcânicas, os terremotos, estiagem, inundação por meio de
chuvas abundantes ( e não por represas construídas artificialmente ), quedas de raio, aluvião
etc.

Assim estando os termos bem definidos, a partir da conceituação romana, abordaremos


agora as discordâncias na doutrina nacional.

3 Distinção entre os termos

São bastantes comuns os casos em que os indivíduos sofram prejuízos tendo como gênese
os fatos imprevisíveis, os quais não podem impedir ou muitas vezes prevê-los. E, havendo
uma falta de conhecimento da origem dos termos “caso fortuito” e “força maior” por alguns
doutrinadores renomados, existe uma verdadeira discussão sobre quando e como adotar os
termos. José dos Santos Carvalho Filho, assim explica:

“São fatos imprevisíveis aqueles eventos que constituem o que a doutrina tem denominado
de força maior e de caso fortuito. Não distinguiremos estas categorias, visto que há grande
divergência doutrinária na caracterização de cada um dos eventos. Alguns autores
entendem que a força maior é o acontecimento originário da vontade do homem, como é o
caso da greve, por exemplo, sendo o caso fortuito o evento produzido pela natureza, como
os terremotos, as tempestades, os raios e os trovões”.

Estes autores, corretamente conceituam os termos e podemos verificar as conceituações nos


livros de Diógenes Gasparini, Antônio Queiroz Telles, Hely Lopes Meirelles. Entretanto,
outros autores, como Maria Sylvia di Pietro e Lucia Valle Figueiredo, entendem que a
conceituação é inversa, entrando em choque com o “Iuris Corpus Civilis”, caracterizando
um erro hermenêutico. Ainda , existe um a terceira corrente, em que figuram Orlando
Gomes e José dos Santos Carvalho Filho, que pensam que o melhor é o agrupamento dos
termos, por considerarem idênticos os seus efeitos. Na realidade, os efeitos em nada são
parecidos, pois havendo a responsabilidade subjetiva do Estado, por danos causados por
seus agentes, como construção de pontes, túneis, enfim, serviços de engenharia, resta ao
Estado indenizar o indivíduo ou a sociedade em caso de ato que configure força maior,
conforme art. 37, §6o. da Constituição Federal, pela Teoria do Risco Administrativo.

Desta forma, finalizo o presente ensaio, com o objetivo de deixar mais transparente a
origem dos termos e contribuir para a construção de conceituações baseadas em fontes
seguras e históricas, respeitando a historicidade e a hermenêutica, como instrumentos
metodológicos e científicos adequados.

Jurisprudência:

-Responsabilidade Civil do Estado – Obras Públicas – Empreiteiro Particular – ApCív no.


24.363, 3a. Ccív, rel. Dês. May Filho, cc. de 25/03/1986 – TJ – SC;

-Responsabilidade Civil do Estado – Ap. Cív. No. 31.302, 1a. Ccív, Relator Dês. João
Martins;

-Responsabilidade Civil do Estado – Acidente ocorrido no interior do Túnel Rebouças que


resultou em ferimentos no autor e na perda total de seu automóvel. Caso fortuito ( sic – na
realidade é força maior, porém o julgamento está perfeito, s.m.j.). TJ – RJ ApCív no.
041/94 – 3a. Ccív – Rel. Dês. Humberto Perri – apud suplemento ADCOAS, p. 20 ).

Bibliografia:

ASCENÇÃO, José de Oliveira. Concorrência Desleal, Editora Almedina 2002.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 11a. ed. P. 458

CERQUEIRA, João da Gama Tratado da propriedade industrial / CERQUEIRA, João da


Gama2ª Ed . São Paulo: RT, 1982.

DEL CORRAL, D. Ildefonso L. Garcia. Tradução da obra “Cuerpo Del Derecho Civil
Romano”, do latim para o espanhol. Barcelona, Jaime Molinas Editor, 1889.

SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Freitas


Bastos, 1981, p. 125

SOARES, José Carlos Tinoco Tratado da Propriedade Industrial / SOARES, José Carlos
Tinoco São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1988

Osvaldo Alves Silva Junior


Advogado formado pela UFRJ, especialista em Direito de Propriedade Intelectual,
tecnologista do INPI.
Email: osvaldoalves2004@yahoo.com.br
Inserido em 9/5/2005
Parte integrante da Edição no 125

FORÇA MAIOR: Obstáculo ao cumprimento de obrigação, por motivo de um fato em face


do qual é de todo impotente qualquer pessoa para removerem. Geralmente ligado a fato da
natureza
CASO FORTUITO: Obstáculo ao cumprimento de uma obrigação por motivo alheio a
quem devia cumpri-lo.

Código de defesa do consumidor, roubo em


estacionamento, caso fortuito, força maior,
advérbio "só" e temas correlatos
Em pesquisas jurisprudenciais recentes, acerca do tema consumidor, tenho visto evidente
divergência de entendimento entre os tribunais quando o assunto é roubo de
veículos/objetos ou seqüestros relâmpagos havidos no interior de estacionamentos de
shoppings centers, bancos e supermercados. Imperioso ressaltar que em se tratando de
furtos, sendo tal tema tratado em artigo anterior, os tribunais são praticamente pacíficos
quanto à responsabilização dos referidos prestadores de serviço.

Voltando a questão de roubos e seqüestros ocorridos no interior de estacionamentos;


enquanto alguns tribunais aplicam o Código de Defesa do Consumidor de maneira plena,
entendendo, por conseqüência, haver inquestionável responsabilidade nestes casos; outros
consideram a existência de caso fortuito/força maior, caracterizando, portanto, excludente
de responsabilização.

Para iniciarmos a análise de tais questões, importante salientar que presumo e entendo,
efetivamente, haver em tais casos a aplicação do digesto consumerista. Partimos, portanto,
da premissa que nosso fornecedor se enquadra no conceito inserido no artigo 3º, da Lei
8.078/90, Código de Defesa do Consumidor.

Roubos, seqüestros relâmpagos sofridos por consumidores em estacionamentos, são típicas


situações de acidente de consumo, fato do serviço. Não se trata de simples vício, já que o
vício do serviço havido extrapolou o mero prejuízo pecuniário de sua aquisição. O vício na
prestação do serviço ocasiona, nestes casos inequívocos prejuízos aos consumidores, de
ordem material e moral, ocorrendo, como dito, verdadeiro acidente de consumo. De se
realçar que, a responsabilidade do fornecedor no caso de fato do produto é objetiva - artigo
14 CDC.
Muito poderia se lucubrar acerca da teoria da responsabilidade objetiva adotada pelo CDC
para responsabilizar o fornecedor, contudo, necessário dizer, apenas, que a teoria do risco
do negócio/risco profissional, ou seja, a tese de que determinados serviços colocados no
mercado de consumo possuem riscos inerentes à própria atividade, é fundada na justiça
distributiva e na solidariedade social, e busca a efetiva reparação do prejuízo da vítima, a
qual é, presumidamente, considerada vulnerável pelo legislador. Nestes casos cabe ao
consumidor a comprovação unicamente do nexo de causalidade e do dano.

No caso de fato do serviço, previsto no artigo 14 do CDC, há duas excludentes de


responsabilidade previstas, ou melhor, a primeira excludente (que, tendo prestado o serviço,
o defeito inexiste) contida no parágrafo 3º, do artigo 14, é ligada à ausência de nexo de
causalidade, sendo a segunda (culpa exclusiva do consumidor ou terceiro) verdadeira
hipótese de excludente de responsabilidade objetiva.

O parágrafo 3º, do artigo 14, ao tratar das mencionadas "excludentes de responsabilização"


aduz: "O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:". (grifei)

O uso do advérbio "só" pelo legislador, teria sido usado por algum motivo específico? Seria
taxativo ou exemplificativo o rol das indigitadas excludentes? Caso fortuito e força maior,
por serem princípios gerais aplicáveis às relações civis estariam, "implicitamente",
incluídos neste rol?

Cabe aqui relembrar o axioma que afirma não fazer uso o legislador das palavras de forma
aleatória; de se ressaltar, ainda, que o CDC, é reconhecido, dentre outros, por se
consubstanciar na chamada Lei/Código, ou seja, por ser um micro-sistema, com política,
regras princípios e objetivos próprios.

Para dirimir tais dúvidas, trago à baila posicionamento do mestre consumerista Rizzatto
Nunes, em seu Curso de Direito do Consumidor, ed. Saraiva 2004, pp. 270-271, o qual
concordo em a integralidade:

"Então, para comentarmos esse §3º, comecemos repetindo algo que já tivemos
oportunidade de afirmar: a responsabilidade civil objetiva estabelecida no CDC é a do risco
integral. Com a leitura e interpretação do §3º do artigo 12, ter-se-á a confirmação dessa
afirmativa. Diga-se, então, que não se trata de excludente de responsabilidade, como se tem
dito, mas sim de excludente do nexo de causalidade. O que pode o fornecedor fazer é
buscar desconectar a relação acidentária consigo, isto é, tentar excluir o nexo de
causalidade existente entre ele - fornecedor - e o dano/defeito. (...)

Isso nos leva à segunda constatação. O risco do fornecedor é mesmo integral, tanto que a lei
não prevê como excludente do dever de indenizar o caso fortuito e a força maior. E, como a
norma não estabelece, não pode o agente responsável alegar em sua defesa essas duas
excludentes. (...)

Além disso, lembre-se que caso fortuito e força maior são excludentes de responsabilidade
advinda da conduta do agente que nos moldes do art. 186 do Código Civil tenha agido com
culpa o dolo. Na responsabilidade civil objetiva pelo fato do produto ou do serviço não há
que se falar em conduta, uma vez que ela não é considerada para avaliação da hipótese de
defeito."

A despeito do exposto, há inúmeros, e respeitáveis, sem dúvida, entendimentos que


excluem a responsabilidade do fornecedor com supedâneo na existência de caso fortuito ou
força maior. Nesta corrente há decisões que entendem haver caso fortuito, outra, grande,
parte fala em força maior. Ambas, no entanto, se baseiam na questão da inevitabilidade do
fato, para excluir a responsabilidade do fornecedor. Comenta Clóvis Bevilacqua ("Código
Civil", Livraria Francisco Alves, 10ª ed., vol. IV/173):

"Conceitualmente o caso fortuito e a força maior se distinguem. O primeiro, segundo a


definição de Huc, é "o acidente produzido por força física ininteligente, em condições que
não podiam ser previstas pelas partes". A segunda é "o fato de terceiro que criou, para a
inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer".
Não é, porém, a imprevisibilidade que deve, principalmente, caracterizar o caso fortuito, e,
sim, a inevitabilidade. E, porque a força maior também é inevitável, juridicamente se
assimilam estas duas causas de irresponsabilidade. (...) Nesses e em outros casos, é
indiferente indagar se a impossibilidade de o devedor cumprir a obrigação procede de força
maior ou de caso fortuito. Por isso, o Código Civil reuniu os dois fatos na mesma definição:
o caso fortuito ou de força maior é o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou
impedir".

A inevitabilidade do evento, na questão em comento, se caracteriza, segundo entendimentos


jurisprudenciais, na impossibilidade do fornecedor, por maior que seja a segurança
existente no local, em coibir prática delitiva cometida mediante violência ou grave ameaça,
sob pena de, inclusive, colocar a vida do consumidor em risco.

Como dito alhures, respeitável, sem dúvida, a posição acima aduzida, entrementes, no meu
entender, não deve prevalecer por ser contrária, inclusive, ao próprio escopo do CDC. Para
além de toda a obviedade assentada nos mais rudimentares princípios consumeristas, é o
próprio instrumento legal, sem necessidade de aplicação de qualquer espécie de
interpretação que não seja a literal, que dirime qualquer resquício de eventual dúvida, em
relação a responsabilidade dos fornecedores nestes casos. Indubitável que o consumidor
tem a real expectativa de segurança enquanto usufrui os serviços de shopping e
hipermercados; o estacionamento é uma comodidade posta à disposição dos clientes como
atrativo e fator determinante para que os consumidores freqüentem o local. No mais, os dias
de hoje exigem a adoção de medidas de segurança mais rígidas e mais avançadas por parte
daqueles que têm no comércio sua atividade-fim.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que "por ser a prestação de
segurança e o risco ínsitos à atividade dos hipermercados e shoppings centers, a que se
assemelham os estacionamentos, a responsabilidade civil desses por danos causados aos
bens ou à integridade física do consumidor não admite a excludente de força maior
derivada de assalto à mão arma ou qualquer outro meio irresistível de violência" (RESP
419059 / SP, rei. Min. Nancy Andrighi, j . 19/10/2004).
Repiso, em conclusão, que embora considere inteligíveis e bem embasadas as decisões,
que, aplicando o artigo 393 do Código Civil, consideram haver excludente de
responsabilidade em situações em que se caracteriza, por definição, a ocorrência de caso
fortuito ou força maior em relações de consumo, são desfavoráveis aos consumidores nos
casos em que há roubos de veículos/objetos ou seqüestros relâmpagos em estacionamentos;
estas, data máxima vênia, são contrárias aos princípios, normas e à própria mens legis do
CDC.

PAULO RICARDO CHENQUER

Pós-Graduado em Direito das Relações de Consumo na PUC-SP Membro da


Comissão de Direito do Consumidor da 33ª Subsecção da OAB-Jundiaí-SP

O caso fortuito e a força maior como causas de exclusão da


responsabilidade no Código do Consumidor

Elaborado em 12.2000.

Plínio Lacerda Martins

promotor de Justiça em Juiz de Fora (MG), professor de Direito do Consumidor da FGV e


UGF, mestre em direito

O Código do Consumidor (Lei 8.078/90) dispõe de diversos dispositivos de preservação ao


direito do consumidor, entre os quais nos limitamos ao estudo das causas/responsabilidades
do produto ou serviço ser exposto ao consumo por parte do fornecedor.

A Lei 8.078/90 prevê nos arts. 12. § 3º e 14, § 3º as causas excludentes de


responsabilidades, sem contudo elencar ou mesmo ressalvar o caso fortuito ou a força-
maior como causas excludentes da responsabilidade. Indaga-se se as causas enumeradas
nos dispositivos normativos citados são ou não "taxativas" (não admitindo o
aproveitamento de outras causas excludentes). Esse sentido traduz a proposta do presente
trabalho que analisaremos a seguir.

A realização de um negócio jurídico parte do pressuposto de que tudo ocorrerá


normalmente e, se por acaso isto não ocorrer, a parte contrária não terá culpa, "ela se
desobriga". (1)

Windscheid já defendia a idéia de que os negócios jurídicos devem ter sempre uma causa,
que é o primeiro intento, não sendo necessário pacto, porque isso é da essência do negócio.
Mas ao lado desse intento comum pode, existir, não expressamente declarados mas
decorrentes das circunstâncias futuras e imprevistas, causas necessárias a serem percebidas
pela outra parte, agindo assim como autolimitação da vontade. (2)
Todo produto ou serviço, por mais seguro e inofensivo que seja traz sempre uma margem
de insegurança para o consumidor, podendo inclusive culminar em dano para o mesmo,
gerando prejuízo a ser apurado através das responsabilidades contratual e extracontratual,
em conformidade como cada caso em favor da relação jurídica de consumo, que pode ser
ou não contratual.

A responsabilidade se conceitua como obrigação que incumbe alguém de ressarcir o dano


causado a outrem, em virtude da inexecução de um dever jurídico de natureza legal ou
contratual, conforme nos ensina Arnoldo Wald. (3)A obrigação violada, em entendimento
doutrinário, distingue-se em obrigação legal e obrigação contratual, conforme já foi dito,
fazendo surgir uma responsabilidade conhecida como extracontratual ou aquiliana, no caso
da primeira, e responsabilidade contratual, no caso da última, advindo esta de um contrato,
onde a origem do dever jurídico é determinado e aceito pelas partes contratuais.

O CDC em seus arts. 12 e 14 preferiu adotar a unificação das responsabilidades contratual e


extracontratual, em prol da proteção às vítimas expostas aos riscos de consumo, adotando-
se a responsabilidade objetiva, independentemente da existência de culpa pela reparação
dos danos causados aos consumidores. O legislador atribuiu ao consumidor, mesmo não
contratando diretamente com o fornecedor direito (fabricante, produtor...) a possibilidade
de acioná-los em virtude do dano sofrido pelo produto exposto ao consumo.

Dano, no conceito fornecido por Maria Helena Diniz "pode ser definido como
lesão(diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra
sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral".(4)

O art. 12 da lei em questão a prescreve que o "fabricante, o produtor, o construtor, nacional


ou estrangeiro e o importador respondem independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeito decorrentes de projeto,
fabricação, construção montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua utilização e riscos".

O art. 14 do mesmo ordenamento jurídico também consagra: "O fornecedor de serviços


responde, independentemente da existência de culpa, pelo reparação dos danos causados
aos consumidores" (exceto os serviços dos profissionais liberais - art. 14§ 4º), imputando o
ônus da prova, ao fornecedor, que poderá se eximir da responsabilidade, na forma do art.
12, § 12 § 3º, I, II, III e art. 14 § 3º, II, da Lei 8.078/90.

Apesar da responsabilidade ser objetiva, o Código do Consumidor ressalvou algumas


causas de "exclusão da responsabilidade", o que no dizer de Antonio Herman de
Vasconcelos e Benjamin, "O Código adotou um sistema de responsabilidade civil obetiva,
o que não quer dizer absoluta"(5) permitindo a previsão de algumas excludentes, tais como
inexistência do defeito de produto ou serviço (art. 12 § 3º II e art. 14 § 3º II) e ainda a não
colocação do produto no mercado (art. 12 § 3º I), sendo que em todas "essas hipótese de
exoneração e ônus da prova é do responsável legal, de vez que o dispositivo afirma que ele
só não será responsabilizado quando provar tais causas". Com grande mestria, Hermem
reconhece em sua obra, citando Gabriel A. Stiglitz(6), que "a exoneração total ou parcial da
responsabilidade do fabricante requer então, a presença de algum dos elementos obstativos
do nexo causal, quer dizer, caso fortuito ou força maior externos à coisa..." (grifo nosso).

O direito pátrio admite que o caso fortuito e a força-maior excluem assim a


responsabilidade civil. O Código do Consumidor não estabeleceu como causa excludente
de responsabilidade entre as demais causas elencadas; todavia, conforme entendimento já
expressado, não foi afastado, mantendo-se como causa para impedir o dever de indenizar.

O art. 1.058 do CC estabelece o caso fortuito e a força maior como forma de exoneração de
responsabilidade, onde afirma que o devedor não responde pelos prejuízos decorrentes de
caso fortuito ou força-maior salvo convenção ou determinação específica da lei.

É relevante destacar que o inadimplemento culposo ou doloso é fonte de responsabilidade,


enquanto a inexecução justificada por c. f. ou f. m. implica em extinção de obrigação, na
lição de Arnoldo Wald(7), sem dever de compor as eventuais perdas e danos, sendo este
princípio geral que domina o direito brasileiro. Destarte, necessário se faz estabelecer a
distinção entre inexecução justificada por força-maior ou caso fortuito e inadimplemento
culposo ou doloso, para prosseguimento do estudo enfocado.

O inadimplemento culposo acarreta responsabilidade do devedor. Quem não cumpre a


obrigação responde por perdas e danos; ao devedor culpado do inadimplemento impõe a lei
o dever de indenizar os prejuízos que o mesmo causou. Mas o inadimplemnto fortuito seria
correto responsabilizar de algo que não deu causa? Orlando Gomes responde que o
inadimplemento fortuito não origina, de regra, a responsabilidade do devedor. "É princípio
geral de Direito que devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito".(8)

Silvio Rodrigues leciona que art. 1.058 parágrafo único do CC define o c. f. ou de f. m. com
o que se verifica a identificação com o fato necessário cujos objetivos não era possível
evitar ou impedir. É, em rigor, o ato alheio à vontade das partes negociantes, e que
tampouco derivou da negligência, imprudência ou imperícia, sendo que o "caso fortuito ou
de força-maior representa um excludente de responsabilidade, em virtude de pôr termo à
relação de causalidade entre o ato do agente e o dano experimentado pela vítima".(9)

O Código Civil Alemão prescreve no capítulo do Direito das Obrigações exemplo de


impossibilidade da prestação dos negociantes, afirmando que: "A tradição da coisa
comprada ao comprador, quando não transmite simultaneamente a propriedade (neste caso
tem lugar o adimplemento e a obrigação se extingue), insere a coisa na esfera de risco do
comprador. Se ela agora parece sem culpa de um dos parceiros contratuais e por isso se
impossibilita à prestação, o comprador, em verdade, não pode reclamar reparação de dano
do vendedor, mas suporta o risco do perecimento fortuito",(10) o que destaca o §446 do
BGB., e não havendo culpa de nenhum dos parceiros contratuais.

Resta a indagação: O Código do Consumidor seria a exceção aos princípios aqui


consignados, admitindo como causa de responsabilidade feitos alheios às vontades das
partes negociantes (consumidor/fornecedor), em decorrência do c. f. ou f. m.? Aproveitaria
também como excludente de responsabilidade fatos de extrema impossibilidade jurídica do
cumprimento da obrigação?
Realçamos que a hipótese defendia como também causa de exclusão da responsabilidade no
Código do Consumidor (caso fortuito ou força maior), não deve ser confundida com os
motivos ensejadores da "teoria da imprevisão" conforme salienta Arnoldo Medeiros da
Fonseca, afirmando que caso fortuito e força-maior são noções distintas dos requisitos
necessários para a "teoria da imprevisão" com fundamentos e efeitos diversos; onde "o caso
fortuito ou de força-maior só libera quando acarreta a impossibilidade absoluta objetiva de
executar; enquanto que, em matéria de imprevisão, se atende também à impossibilidade
subjetiva ou onerosidade excessiva da prestação".(11) Destaca ainda Arnoldo que c.f. ou f.
m., a liberação do devedor é total, sendo a principal característica, ao passo que na noção de
imprevisão não estará excluído o direito do credor reivindicar a uma razoável reparação.

Orlando Gomes interpreta que são diferentes as conseqüências da inexecução por


onerosidade excessiva da prestação, que implica em reconhecimento da teoria da
imprevisão, e a inexecução advinda de caso fortuito. "É regra pacífica a de que o devedor
não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força-maior. Justifica-se
plenamente o princípio. Desde que não lhe é imputável a causa do inadimplemento, justo
não seria obrigá-lo a pagar perdas e danos, pois esse dever é, no fundo, uma sanção
aplicada a quem se conduz culposamente". A onerosidade excessiva, esclarece Orlando
Gomes, é apenas obstáculo ao cumprimento da obrigação. Não se trata, portanto, da
inexecução "por impossibilidade, mas de extrema dificuldade"(12), confirmando assim o
entendimento da possibilidade de reconhecer o c.f. e a f. m. como excludentes de
responsabilidade perante o Código do Consumidor, face a extinção da obrigação referida.

No direito brasileiro, as expressões c.f. e f.m. são sinônimas, confundindo para os efeitos e
conseqüências ambas as situações, dando-lhes tratamento idêntico, ao contrário do que
acontece em legislações estrangeiras que preceituam tratamento jurídico distinto aos dois
institutos.

Alguns doutrinadores preferem fazer distinção entre caso fortuito e força-maior,


caracterizando o primeiro pela sua inviabilidade e a segunda pela sua inevitabilidade,
chegando inclusive a confundir ambos os institutos com a ausência de culpa. O correto é
que a ausência de culpa se prova pela diligência normal do causador do dano, quanto ao
caso fortuito deve-se apresentar como fato irresistível; hipóteses essas, que diferenciam da
denominada "teoria da imprevisão" que não se confunde com as causas de exclusão de
responsabilidade.

A conclusão é no sentido de que o legislador ao enumerar as causas excludentes de


responsabilidade no Código do Consumidor (de forma expressa), não afastou o
reconhecimento do caso fortuito ou a força-maior como forma de excluir também a
responsabilidade do fornecedor, em virtude de pôr termo à relação de causalidade entre o
fato e o dano experimentado pelo consumidor, extinguindo a obrigação, conforme
reconhecimento pelo direito pátrio e aproveitado nas relações jurídicas do Código do
Consumidor. Destaca-se ainda na conclusão, de que a "teoria da imprevisão" implica na
impossibilidade subjetiva ou onerosidade excessiva da prestação, não estando excluído o
direito do consumidor reivindicar a justa reparação, haja vista que trata-se de obstáculo à
obrigação; não se tratando de execução "por impossibilidade mas de extrema dificuldade" a
qual o c.f. e a f.m. aproveita.
Vê-se, pois, que a intenção do legislador não foi restringir o caso fortuito ou a força-maior
das causas excludentes enumeradas no Código do Consumidor, preocupando-se em
delimitar entre inúmeras hipóteses que regulam as relações entre consumidores e
fornecedores, àquelas causas objetivas descritas na norma do consumidor. A
responsabilidade atribuída ao fornecedor de responder "independentemente da existência de
culpa" pela reparação do dano causado ao consumidor, traduz no sentido de responder
ainda que inexiste culpa (que se prova pela diligência normal do fornecedor); não
respondendo pelo dano quando houver c.f. ou f.m., pois trata-se de fato irresistível
caracterizado pela inevitabilidade e pela impossibilidade, sendo estas conceituadas como
causas de irresponsabilidade, reconhecidas e aplicadas face a teoria da responsabilidade
objetiva consagrada no Código do Consumidor.

NOTAS

1. Marcio Klang, Teoria da Imprevisão e a revisão dos contratos. Ed. RT, 1991, p.21.

2. Windescheid, Diritto delle pandette, trad. italiana, v..II, § § 97 e 100.

3. Arnoldo Wald, Curso de direito Civil Brasileiro-Obrigações e contratos, 1989, Ed.RT.

4. Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil, Ed. Saraiva, 1984, 7/50.

5. Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin, Comentários ao Código de Proteção do


Consumidor, Ed. Saraiva, 1991, p.65.

6. Gabriel A. Stiglitz, Protección jurídica del consumidor, Buenos Aires. Depalma, 1990,
p. 23.

7. Arnoldo Wald, ob.cit.

8. Orlando Gomes, Obrigações, Ed. Forense, 1990, p. 180.

9. Sílvio Rodrigues, Responsabilidade Civil, Ed Saraiva, 1982, p. 4.185.

10. Peter Watermann, Código Civil Alemão-Direito das Obrigações - Parte geral, p. 79.

11. Arnoldo Medeiros da Fonseca, "Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão", Rev. Forense,
Ed. Forense, 1958, p.346.

12. Orlando Gomes, Contratos , Ed. Forense, 1990, p. 198-199.

3. O Caso Fortuito/Força Maior e a Imprevisão

No ordenamento jurídico brasileiro, caso fortuito e força maior são considerados excludentes do
dever de indenizar, se verificados em determinadas circunstâncias. O legislador pátrio não define
esses conceitos, que são empregados como se fossem sinônimos.

Para fins do parágrafo único do artigo 393 do CC, verifica-se o caso fortuito ou de força maior no
fato necessário, quando nenhum dos contratantes pode evitar ou impedir os seus efeitos.

E, nos termos do caput desse mesmo dispositivo legal, na hipótese de inadimplemento das
obrigações resultante de caso fortuito ou força maior, o devedor somente responde pelos
prejuízos decorrentes sofridos pela outra parte, quando tiver expressamente se responsabilizado
por eles (5).

Muito embora os efeitos jurídicos sejam os mesmos perante a legislação brasileira, os termos
“caso fortuito”(6) e “força maior” são interpretados de forma distintas pelos doutrinadores.

Para Agostinho Alvim (7), o caso fortuito constitui um impedimento relacionado com a pessoa do
devedor ou sua empresa, enquanto que a força maior advém de acontecimento externo.

Álvaro Villaça Azevedo (8) ensina que caso fortuito é o acontecimento provindo da natureza sem
que haja interferência da vontade humana. Em contrapartida, força maior é a própria atuação
humana manifestada em fato de terceiro ou do credor.

Segundo a lição de Maria Helena Diniz (9), na força maior por ser um fato da natureza, pode-se
conhecer o motivo ou a causa que deu origem ao acontecimento, como um raio que provoca um
incêndio, a inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação, impedindo a
entrega da mercadoria prometida ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos. Por outro
lado, o caso fortuito tem origem em causa desconhecida, como um cabo elétrico aéreo que se
rompe, sem que se saiba o motivo, e cai sobre fios telefônicos, causando incêndio, ou ainda a
explosão de uma caldeira de usina, que provoca a morte das pessoas que estavam no local.

Para Sergio Cavalieri Filho (10), o caso fortuito pode ser caracterizado quando se tratar de evento
imprevisível e, por isso, inevitável. Quando for evento inevitável, ainda que previsível, por se tratar
de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da Natureza – como as
tempestades, enchentes, etc. – configurar-se-á a força maior (ou act of God, como definem os
ingleses); em relação a tal evento nada pode fazer o agente para evitá-lo, ainda que o possa
prever. Ou seja, o evento de força maior pode ser previsível mas os seus efeitos são inevitáveis.

Porém, na visão pragmática de Sílvio Venosa (11), não há interesse público em distinguir os dois
conceitos, até mesmo porque o CC não fez nenhuma distinção a esse respeito.

De qualquer forma, adotando-se essa posição mais pragmática, para configurar caso fortuito ou
força maior, devem ser atendidos os seguintes requisitos:
(i) ausência de culpa do devedor - o fato deve ser necessário, não sendo determinado por culpa
do devedor. Se houver culpa do devedor, não há que se falar em caso fortuito ou força maior.
Reciprocamente, se não existe caso fortuito ou força maior, não pode haver culpa do devedor,
pois um fato exclui o outro;

(ii) inevitabilidade do evento - o fato deve ser superveniente à época da contratação e inevitável.
Assim, se um contrato tiver sido celebrado durante a guerra, esse fato já é do conhecimento dos
contratantes e não pode posteriormente o devedor alegar as dificuldades dessa mesma guerra
para exonerar-se do dever de cumprir as obrigações contratuais que assumiu; e

(iii) superveniência do fato irresistível - o fato superveniente deve ser irresistível, isto é fora do
alcance do poder humano.

A imprevisibilidade refere-se a não ser possível para as partes, no momento da celebração do


contrato, prever a ocorrência de eventos extraordinários, que poderiam atingir a base negocial (as
condições econômicas) do contrato. Se determinado evento for previsível, dentro de condições
normais, não haverá nenhuma justificativa plausível para a parte inadimplente tentar eximir-se do
cumprimento de suas obrigações contratuais e a Teoria da Imprevisão será inaplicável ao caso
concreto.

Também merece ser citado o artigo 399 do CC, segundo o qual “O devedor em mora (12) responde
pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de
força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano
sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”. (grifos nossos)

Para aplicação da Teoria da Imprevisão, o artigo. 478 do CC requer a ocorrência de acontecimento


extraordinário e imprevisível. Acontecimento extraordinário seria todo evento anormal,
excepcional, fora do comum. Em última análise, corresponderia a um fato imprevisível. Aqui,
convém distinguir entre fato imprevisto e imprevisível. O fato imprevisto estaria inserido dentro
de acontecimentos ordinários, normais, comuns, mas que não foi previsto. O fato imprevisível está
diretamente ligado aos acontecimentos extraordinários, que não poderiam ter sido previstos.

Arnoldo Medeiros da Fonseca (13) afirma que caso fortuito e força-maior são noções distintas dos
requisitos necessários para a Teoria da Imprevisão com fundamentos e efeitos diversos. Para esse
autor, o caso fortuito ou de força-maior só constitui causa de exclusão de responsabilidade,
liberando o devedor de cumprir a obrigação pactuada, quando acarreta a impossibilidade absoluta
objetiva de executar essa obrigação; enquanto que, em matéria de imprevisão, se atende também
à impossibilidade subjetiva ou onerosidade excessiva da prestação. Na hipótese de caso fortuito
ou de força maior, a liberação do devedor é total, sendo a principal característica, ao passo que na
noção de imprevisão não estará excluído o direito do credor de reivindicar uma razoável
reparação.
4. A Onerosidade Excessiva

Além da ocorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis supervenientes ao


momento da celebração do contrato, a Teoria da Imprevisão tal como adotada pelo Código Civil
exige que a prestação seja excessivamente onerosa para uma das partes (o devedor) e ao mesmo
tempo proporcione extrema vantagem para a outra parte (o credor).

O fator determinante da onerosidade excessiva é o desequilíbrio contratual, traduzido pela quebra


da equação econômico-financeira inicial do contrato, quando a relação entre as obrigações
assumidas pelo devedor e a compensação financeira a ser paga pelo credor torna-se
desproporcional em decorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

A onerosidade excessiva não é a inexecução pura e simples do contrato mas representa um


obstáculo à sua execução. Esse obstáculo é o evento extraordinário e imprevisível que torna o
cumprimento da obrigação mais difícil e gravosa, capaz de causar uma lesão ao devedor. Em um
primeiro momento, essa lesão é virtual e surge em função desse evento, que afeta as condições
negociais do contrato, que potencialmente causarão dano ao devedor, caso este seja compelido a
cumprir o contrato. Se essas condições não forem repactuadas ou o contrato rescindido, a lesão
deixará de ser virtual para tornar-se objetiva.

Em contrapartida à onerosidade excessiva para o devedor, também deverá ocorrer extrema


vantagem para o credor, vantagem essa ligada ao enriquecimento sem causa. Vale dizer, o credor
poderá auferir vantagem econômica exagerada, além do justo e do razoável, diante da dificuldade
do devedor em adimplir a obrigação.

5. A Revisão Contratual no Código Civil Brasileiro – Análise dos 478, 479 e 480

Dentro da sistemática adotada pelo atual CC, a Teoria da Imprevisão é aplicável a todos os
contratos de execução continuada ou diferida, cujas prestações se projetam para o futuro.

Os contratos de execução continuada, também conhecidos como contratos continuativos ou de


trato sucessivo, são aqueles que perduram no tempo e cujas prestações pactuadas são
remuneradas periodicamente, isto é, os pagamentos devem ser feitos parcelada e
continuadamente, durante todo o prazo acordado entre as partes. Essa periodicidade pode ser
mensal, bimestral, trimestral, semestral, anual, etc. Exemplos: contrato de locação, contrato de
seguro, contrato de compra e venda com pagamento a prazo.

Os contratos de execução diferida são aqueles cuja prestação é futura e não imediata. Neste caso
a obrigação somente deve ser cumprida pelo devedor por ocasião de seu vencimento. Não há,
portanto, inadimplemento antes da data de vencimento da obrigação. Exemplos: contrato de
compra e venda com vencimento futuro, contrato de compra de produtos sem entrada e com
vencimento parcelado, arrendamento com vencimento, bimestral, semestral ou anual.
A excessiva onerosidade superveniente somente ocorre nesses contratos, que tem dependência
do futuro, pois a Teoria da Imprevisão exige um lapso temporal entre a contratação (data da
assinatura do contrato) e sua execução (cumprimento da obrigação e o conseqüente implemento
da prestação). É exatamente nesse intervalo de tempo que poderão ocorrer fatos anormais
(extraordinários) e imprevisíveis, que tornem a prestação excessivamente onerosa para o devedor
e exageradamente vantajosa para o credor.

Como já analisamos anteriormente, quando houver o desequilíbrio da equação econômico-


financeira do contrato, com extrema vantagem para o credor e onerosidade excessiva para o
devedor, em virtude e acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, o devedor poderá pedir a
resolução do contrato. Esse pedido poderá ser feito tanto na esfera judicial ou através da
arbitragem, conforme dispuser o contrato. Se o pedido for deferido pelo juiz ou pelo árbitro ou
tribunal arbitral, os efeitos da sentença judicial ou arbitral que decretar a resolução do contrato
serão retroativos e passarão a valer a partir da data da citação. É o que dispõe ao artigo 478 do CC
(14).

Evidentemente, as partes poderão compor-se amigavelmente e evitar a resolução do contrato,


desde que o credor (réu) concorde em repactuar as condições contratuais de maneira equitativa,
para re-estabelecer o equilíbrio da equação econômico-financeira em benefício do devedor
(autor). Assim determina o artigo 479 do CC (15).

Quando a obrigação couber a apenas uma das partes, para evitar a onerosidade excessiva, a parte
prejudicada poderá pleitear que sua prestação seja reduzida ou que seja alterado o modo de
cumpri-la. Essa possibilidade está prevista no artigo 480 do CC (16).

Para a aplicação da Teoria da Imprevisão, o ordenamento jurídico brasileiro exige que sejam
atendidos cinco requisitos, a saber:

(i) contrato de execução continuada ou diferida;

(ii) a ocorrência de acontecimento extraordinário e imprevisível superveniente à celebração do


contrato;

(iii) prestação excessivamente onerosa para uma das partes;

(iv) exagerada vantagem para a outra parte; e

(v) resolução do contrato a pedido da parte prejudicada.

Constatamos, portanto, que a resolução por onerosidade excessiva somente se opera, quando
estiverem presentes e reunidos esses cinco requisitos, simultânea e cumulativamente.
Alternativamente, a resolução do contrato poderá ser evitada, se a outra parte (credor/réu)
concordar voluntariamente em recompor a equação econômico-financeira do contrato em
benefício da parte prejudicada (devedor/autor).

A questão da imprevisibilidade também está prevista no artigo 317 do CC (17), que permite ao juiz
corrigir o equilíbrio da relação contratual, a pedido da parte prejudicada, para recompor o valor
real da prestação, na medida do possível, quando por motivos imprevisíveis houver uma grande
desproporção entre o montante originalmente acordado, por ocasião da celebração do contrato, e
a quantia apurada no momento de sua execução.

6. Conclusão

A Teoria da Imprevisão (rebus sic stantibus) tem natureza incidental nas relações contratuais e
está fundamentada no equilíbrio das prestações, na manutenção das condições do negócio em
que foi manifestada a vontade de contratar, mas também exige que estejam presentes os
requisitos de eqüidade, boa-fé, moralidade, confiança e a ausência de enriquecimento sem causa
de uma das partes em detrimento da outra.

Em resumo, uma vez exercida a liberdade de contratar e manifestada a vontade sobre as


condições pactuadas, as partes se vinculam a esta situação contratual e o contrato deve ser
respeitado (pacta sunt servanda). Todavia, se porventura, posteriormente ocorrer um
acontecimento extraordinário e imprevisível, capaz de tornar a prestação excessivamente
onerosa, afetando as condições originalmente acordadas, aplica-se a Teoria da Imprevisão e o
contrato poderá ser revisto ou resolvido.

Notas:

(1) No início do século XX, os Estados Unidos viviam um período de prosperidade e de pleno
desenvolvimento. A partir de 1925, apesar de toda a euforia, a economia norte-americana passou
por sérias dificuldades. Dois motivos acarretaram essa crise: (i) o aumento da produção não
acompanhou o aumento dos salários e a mecanização gerou muito desemprego; e (ii) a
recuperação dos países europeus, logo após a 1ª Guerra Mundial, países esses que eram
potenciais compradores dos Estados Unidos e reduziram suas compras drasticamente devido à
recuperação de suas economias. Diante da contínua produção, gerada pela euforia norte-
americana, e a falta de consumidores, houve uma crise de superprodução. Os agricultores, para
armazenar os cereais, tomavam empréstimos, e logo após, perdiam suas terras. As indústrias
foram forçadas a diminuir a sua produção e demitir funcionários, agravando mais ainda a crise. A
crise naturalmente chegou ao mercado de ações. Os preços dos papéis na Bolsa de Nova York, um
dos maiores centros capitalistas da época, despencaram, ocasionando o crash (quebra). Com isso,
milhares de bancos, indústrias e empresas rurais foram à falência e pelo menos 12 milhões de
norte-americanos perderam o emprego. Abalados pela crise, os Estados Unidos reduziram a
compra de produtos estrangeiros e suspenderam os empréstimos a outros países, ocasionando
uma crise mundial. O Brasil, que tinha os Estados Unidos como principal comprador de café,
também foi afetado. Com a crise,o preço do café despencou e houve uma superprodução,
gerando milhares de desempregados no Brasil. Para solucionar a crise, o Presidente eleito,
Franklin Roosevelt, propôs mudar a política de intervenção americana. Se antes, o Estado não
interferia na economia, deixando tudo agir conforme o mercado, agora passaria a intervir
fortemente. O resultado disso foi a criação de grandes obras de infra-estrutura, salário-
desemprego e assistência aos trabalhadores, concessão de empréstimos, etc. Com isso, os Estados
Unidos conseguiram retomar seu crescimento econômico, de forma gradual, tentando superar a
crise que abalou o mundo.

(2) Como exemplos, podemos citar o Decreto nº 19.573/1931, que previa a rescisão do contrato
de locação de funcionário público ou militar, em caso de remoção ou mesmo em redução de
subsídios, bem como o Decreto nº 24.150/1934 (Lei de Luvas), que contemplava a renovação do
contrato de locação de fins comerciais e econômicos e mesmo a revisão, em caso de modificação
econômica da situação local.

(3) A origem é atribuída à frase: Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de
futuro rebus sic stantibus intelligentur, que significa que “os contratos que tem trato sucessivo ou
dependência do futuro, entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado das coisas”.

(4) Ressalte-se, todavia, que o referido dispositivo ainda não mencionava o requisito da
imprevisibilidade. De qualquer forma o CDC admitiu a idéia de que fatos supervenientes poderiam
tornar o cumprimento do contrato excessivamente oneroso, visando proteger o consumidor na
relação contratual, que, da mesma forma que o trabalhador na legislação trabalhista, é
considerado hipossuficiente e merecedor dessa proteção especial.

(5) O CC determina que: “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, se expressamente não houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único – O caso fortuito ou de força maior, verifica-se no fato necessário, cujos efeitos
não era possível evitar ou impedir.”

(6) A expressão “caso fortuito” origina-se do vocábulo latino casus e significa acaso, obstáculo ao
cumprimento da obrigação por motivo alheio a quem deveria cumpri-la.

(7) Alvim, Agostinho, Da Inexecução das Obrigações e Suas Conseqüências, 4ª ed. atual., São
Paulo: Saraiva, 1972.

(8) Azevedo, Álvaro Villaça, Teoria da Imprevisão e revisão judicial dos contratos, in Revista dos
Tribunais 733, 1996.
(9) Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações, v.2. 19ª ed.
ver. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil, São Paulo: Saraiva, 2004.

(10) Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8a ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

(11) Venosa, Sílvio de Salvo, Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos,
v.2. 5ª Ed., São Paulo, Atlas, 2005.

(12) Conforme dispõe o artigo 394 do CC: “Considera-se em mora o devedor que não efetuar o
pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção
estabelecer”.

(13) Fonseca, Arnoldo Medeiros da Fonseca. Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão, Rev. Forense,
Ed. Forense, 1958.

(14) “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das
partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.
Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

(15) “Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as
condições do contrato.”

(16) “Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela
pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a
onerosidade excessiva.”

(17) “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor
da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte,
de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

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