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caso
fortuito e força maior
Extraído de: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - 12 de Janeiro de 2009
Qual é a ligação entre um buraco no meio da via pública, um assalto à mão armada dentro
de um banco e um urubu sugado pela turbina do avião que atrasou o vôo de centenas de
pessoas? Todas essas situações geraram pedidos de indenização e foram julgados no
Superior Tribunal de Justiça (STJ) com base num tema muito comum no Direito: o caso
fortuito ou de força maior. O Código Civil diz que o caso fortuito ou de força maior existe
quando uma determinada ação gera consequências, efeitos imprevisíveis, impossíveis de
evitar ou impedir:
Caso fortuito + Força maior = Fato/Ocorrência imprevisível ou difícil de prever que gera
um ou mais efeitos/consequências inevitáveis.
Ao demonstrar que a causa da batida não está relacionada com o veículo, como problemas
de manutenção, por exemplo, fica caracterizada a existência de caso fortuito ou força
maior.
Nem todas as ações julgadas no STJ são simples de analisar assim. Ao contrário, a maior
parte das disputas judiciais sobre indenização envolve situações bem mais complicadas.
Como o processo de uma menina do Rio de Janeiro. A garota se acidentou com um
bambolê no pátio da escola e perdeu a visão do olho direito.
Ao analisar o pedido, o STJ entendeu que a escola devia indenizar a família. Afinal, o
acidente aconteceu por causa de uma falha na prestação dos serviços prestados pela própria
instituição de ensino. Assim como esse, outras centenas de processos envolvendo caso
fortuito e indenizações chegam ao STJ todos os dias.
Assalto à mão armada no interior de ônibus, trens, metrôs? Para o STJ é caso fortuito. A
jurisprudência do Tribunal afirma que a empresa de transporte não deve ser punida por um
fato inesperado e inevitável que não faz parte da atividade fim do serviço de condução de
passageiros.
E o buraco causado pela chuva numa via pública que acabou matando uma criança? Caso
fortuito? Não. O STJ decidiu que houve omissão do Poder Público, uma vez que o
município não teria tomado as medidas de segurança necessárias para isolar a área afetada
ou mesmo para consertar a erosão fluvial a tempo de evitar uma tragédia.
E onde entra o urubu? Numa ação de indenização por atraso de vôo contra uma companhia
aérea. A empresa alegou caso fortuito porque um urubu foi tragado pela turbina do avião
durante o vôo. Mas o STJ considerou que acidentes entre aeronaves e urubus já se tornaram
fatos corriqueiros no Brasil, derrubando a tese do fato imprevisível. Resultado: a
companhia aérea foi obrigada a indenizar o passageiro.
Moral da história: Imprevistos acontecem, mas saber se o caso fortuito ou de força maior
está na raiz de um acidente é uma questão para ser analisada processo a processo, através
das circunstâncias em que o incidente ocorreu.
NOTAS DA REDAÇÃO
O tema do caso fortuito e força maior não é questão pacífica na doutrina, pois há vários
conceitos para cada um deles ou para os dois quando considerados expressões sinônimas.
Segundo Maria Helena Diniz, na força maior por ser um fato da natureza, pode-se conhecer
o motivo ou a causa que deu origem ao acontecimento, como um raio que provoca um
incêndio, inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação,
impedindo a entrega da mercadoria prometida ou um terremoto que ocasiona grandes
prejuízos, etc. Por outro lado o caso fortuito tem origem em causa desconhecida, como um
cabo elétrico aéreo que sem saber o motivo se rompe e cai sobre fios telefônicos causando
incêndio explosão de caldeira de usina, provocando morte.
Nas lições de Álvaro Villaça Azevedo caso fortuito é o acontecimento provindo da natureza
sem que haja interferência da vontade humana em contrapartida a força maior é a própria
atuação humana manifestada em fato de terceiro ou do credor.
Ensina Agostinho Alvim que o caso fortuito consiste no impedimento relacionado com o
devedor ou com a sua empresa, enquanto que a força maior advém de acontecimento
externo.
Não obstante ilustres doutrinadores contribuírem com diversos conceitos Sílvio Venosa
simplifica ao dizer que não há interesse público na distinção dos conceitos, até porque o
Código Civil Brasileiro não fez essa distinção conforme a redação abaixo transcrita:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força
maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos
efeitos não era possível evitar ou impedir.
Nos casos em comento o STJ também não se preocupou em distinguir caso fortuito de força
maior, mas sim em verificar a presença deles em cada processo, e para isso levou em
consideração as particularidades de cada caso, com a ressalva de que a imprevisibildade é
comum a todos eles.
Gisele Leite
O excelente professor Antônio José Levenhagen comentando o art. 1.058 do Código Civil
de 1916 esclarecia de forma didática, in verbis:
A distinção destaca Levenhagen, entre caso fortuito e força maior, se bem que irrelevante
na prática tem suscitado acirradas polêmicas doutrinárias e diversas correntes de opinião.
Enfim, como dissemos, não se chega a um denominador comum quanto às possíveis e reais
concepções de caso fortuito e força maior. Não se pode negar, é verdade que haja distinção,
mas esta é inegável, porém numa interferência objetiva e palpável ocasiona no campo da
responsabilidade civil, no tocante aos seus efeitos.
1o fato necessário, ou seja, um fato estranho ao devedor e que não lhe pode ser imputado.
Se o devedor teve participação na realização desse fato, o acontecimento em nada lhe
aproveitará continuando, portanto responsável pela obrigação;
O Código Civil de 1916, todavia em seu art. 1.058 e, respeito à vontade manifestada pelas
partes, permite venha o devedor assumir a responsabilidade pelos prejuízos resultantes de
atos provindos de caso fortuito ou força maior.
Condição sine qua non é que o devedor expressamente assuma essa responsabilidade.
Assim, portanto, se no contrato o devedor, expressamente assume a responsabilidade por
quaisquer conseqüências, ainda que provindas de caso fortuito ou força maior, não poderá
invocar em seu proveito a irresponsabilidade prevista em lei, salvo se tais conseqüências
venham a atingir interesses de ordem pública.
Na parte final do art. 1.058 o referido Código faz remissão aos arts. 955, 956 e 957,
deixando claro com isso, que a mora impede a prevalência da força maior, ou caso fortuito,
como excludente de responsabilidade. Ainda que haja cláusula expressa do devedor,
assumindo a responsabilidade incondicional pelas conseqüências, a mora impedirá que a
parte inocente se beneficie dessa cláusula, salvo se provar que não teve culpa no atraso da
prestação, ou que o dano ocorreria, ainda quando a obrigação fosse oportunamente
desempenhada (art. 957 C.C. /1916 in fine).
Comentando o mesmo dispositivo do antigo Código Civil, Silvio Rodrigues explica que o
Código de então definia tais expressões dando-lhes conceito único, se dessume que
considera sinônimas. Com efeito, dispõe o parágrafo único do art. 1.058 que exprime
concepção, aceita por muitos doutrinadores, foi reafirmada por Arnoldo da Fonseca em sua
obra “Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão”.
Na opinião deste ilustre monografista, o caso fortuito ou de força maior contém dois
elementos: a) um elemento subjetivo, representado pela ausência de culpa; b) um elemento
objetivo, constituído pela inevitabilidade do evento.
O critério a ser adotado para medir a inevitabilidade do evento não é o puramente abstrato,
ou seja, tendo em vista um homem médio, mas sim considerando também os elementos
exteriores ao obrigado e ao seu raio de atividades econômicas, não desprezando a possível
conduta de outros indivíduos, em condições objetivas análogas, como ensina Arnoldo
Medeiros da Fonseca.
É em tal sentido que se deve interpretar o parágrafo único do art. 1.058 C.C. /1916, quando
define o fortuito como fato necessário (isto é, evento inescapável, ainda que diligente o
devedor), cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (e, portanto, irresistível ou
inexorável).
A sinonímia entre as expressões caso fortuito e força maior, por muitos, sustentada, tem
sido outros, repelida, estabelecendo os vários doutrinadores que participam desta última
posição, critério variado para distinguir uma da outra.
Dentre as distinções conhecidas, Agostinho Alvim (Da inexecução das obrigações e suas
conseqüências) dá notícia em que a doutrina moderna vem estabelecendo e que apresenta
efetivamente, real interesse teórico. Segundo a referida concepção, caso fortuito constitui
um impedimento relacionado com a pessoa do devedor ou com sua empresa, enquanto que
a força maior advém de acontecimento externo.
Evidentemente a força maior é excludente de mais eficácia do que o caso fortuito pontifica
Silvio Rodrigues com aguda propriedade.
Em conclusão das distinções ora apontadas, pode-se observar que as referidas expressões
caso fortuito e força maior são usadas indiferentemente, como sinônimas. As divergências
apuradas por eminentes civilistas pátrios, tão citados nos parágrafos anteriores, se
embaraçam principalmente, em questão de nomenclatura.
O caso fortuito ou caso fortuito interno que tão bem cogita Agostinho Alvim, caracteriza e
se aproxima bastante da noção de ausência de culpa que Medeiros da Fonseca admite. Os
dois conceitos, por conotarem fenômenos parecidos, servem de escusa nas hipóteses de
responsabilidade informada na culpa, pois, evidenciada a inexistência deste, não se pode
mais admitir o dever de reparar.
Já a expressão força maior, com a extensão que lhe dá Alvim, não se afasta muito, do
conceito de fortuito que Medeiros das Fonseca define como ausência de culpa mais
inevitabilidade do evento. È uma excludente maior e mais lata em escusar a
responsabilidade ainda nos casos informados pela teoria do risco.
Finaliza Silvio Rodrigues a destacar que o legislador de 1916 nem sempre fez adequada
distinção das expressões. Mas, ao aplicar a lei ao caso conceito, deve o juiz, em seu
entendimento, depurar os conceitos e alcançar melhor aperfeiçoamento técnico que a
complexidade das relações jurídica exige.
Washington de Barros Monteiro tratando da exclusão da responsabilidade acentua a não
responsabilidade do devedor em face dos prejuízos resultantes, de caso fortuito, ou força
maior, se expressamente não se houver por eles se responsabilizado, exceto nos casos do
arts. 955,956 e 957. Destaca Barros Monteiro que é improcedente a alusão ao art. 955 e 956
do C.C. do 1916, bastando menção do art. 957 do mesmo diploma legal.
Nesses e muitos outros casos, surge fato estranho, alheio à vontade das partes, cujos efeitos
não se podiam evitar ou impedir (vis cui resisti non potest – Digesto, Livro 19, título2,
Fragmento 15 §2o,) que tolhe às partes a obtenção do resultado almejado à la impossible
nul n’este tenu.
Sujeito à controvérsia a diferenciação entre caso fortuito e força maior. Entendem, uns que
essas expressões são sinônimas, ou, pelo menos, equivalentes do ponto de vista de suas
conseqüências jurídicas.
De acordo com a primeira teoria, há fenômenos que são previsíveis, mas não quanto ao
momento, ao lugar e ao modo de sua verificação. Qualquer pessoa pode prever que no
inverno vai gear, mas ninguém pode precisar quando em que ponto e com que intensidade
ocorrerá o fenômeno.
Em tal hipótese, entra este na categoria do caso fortuito. Por outro lado, existem
acontecimentos que são absolutamente inusitados, extraordinários e imprevisíveis, como o
terremoto e a guerra.
Pela segunda teoria, vis major, é aquela que, conquanto previsível, não dá tempo e nem
meios de evitá-la; caso fortuito, ao contrário, é o acontecimento de todo imprevisto.
Para terceira teoria, resulta a força maior de eventos físicos ou naturais de índole
ininteligente, como o granizo, o raio e a inundação. O caso fortuito decorre de fato alheio,
gerador de obstáculo que a boa vontade do devedor não logra superar, como a greve, o
motim, a guerra.
De conformidade com a quarta teoria, existe caso fortuito quando o acontecimento não
pode ser previsto com diligência comum; só a diligência excepcional teria o condão de
afastá-lo. A força maior ao inverso, refere-se acontecimentos que diligência alguma, ainda
que excepcional, conseguiria sobrepujar.
Para a quinta corrente, se tratando de forças naturais conhecidas tais como terremotos,
tempestades, temos a vis major; se cuidar, todavia, de alguma coisa que a nossa limitada
experiência não logra controlar, temos aí o fortuito.
Finalmente, em consonância com a sexta teoria, sob aspecto estático, o vento constitui caso
fortuito; sob aspecto dinâmico, força maior.
Washington de Barros Monteiro filia-se á terceira teoria, entre nós, também adotada por
Clóvis Beviláqua e João Luís Alves. Reconhecemos, no entanto, com Radouant que
praticamente, pouco importa saber, em face de determinada hipótese, se for caso fortuito ou
de força maior, pois ambos possuem idêntica força liberatória.
Para que se configure o caso fortuito, ou força maior exige-se os seguintes elementos:
a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor. Como diz Arnoldo
Medeiros da Fonseca, se há culpa não há caso fortuito; e reciprocamente, se há caso
fortuito, não pode haver culpa do devedor. Uma exclui o outro. Por exemplo, um incêndio
pode caracterizar o fortuito, mas se para ele concorre com culpa o devedor, desaparece a
força liberatória;
b) o fato deve ser superveniente e inevitável. Nessas condições, se o contrato vem a ser
celebrado durante uma guerra, não pode o devedor alegar depois as dificuldades oriundas
dessa mesma guerra para furtar-se às suas obrigações;
c) finalmente, o fato deve ser irresistível fora do alcance do poder humano. Desde que não
pode ser removido pela vontade do devedor, não há de se cogitar da culpa pela inexecução
da obrigação.
Finaliza Washington de Barros Monteiro que o devedor que alega a causa de exclusão cabe
prova respectiva, em conformidade com art. 333, II do CPC. Será sempre presumida a
culpa das estradas de ferro pelo inadimplemento do contrato de transporte contra essa
presunção só se admite prova de caso fortuito ou força maior (Lei 2.681, 7-12-1912, art. 1o,
segunda alínea).
Carlos Roberto Gonçalves descreve o caso fortuito e força maior constituem excludentes de
responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, pois rompem o nexo de
causalidade.Prescreve o art. 393 do Código Civil de 2002, texto correspondente ao art.
1.058 do Código Civil de 1916.
É lícito às partes, como consta do texto, por cláusula expressa convencionar que a
indenização será devida em qualquer hipótese de inadimplência contratual, ainda que
decorrente do fortuito ou força maior.
O parágrafo único do art. 393 do Código Civil de 2002, como se observa, não faz distinção
entre um e outro. Em geral, a expressão caso fortuito é empregada para designar fato ou ato
alheio à vontade das partes, ligado ao comportamento humano ou ao funcionamento de
máquinas ou ao risco da atividade ou da empresa, como greve, motim, guerra, queda do
viaduto ou ponte, defeito oculto em mercadoria produzida etc. E, força maior para os
acontecimentos externos ou fenômenos naturais, como raio, tempestade, fato do príncipe
(fait du prince) etc.
A teoria do exercício da atividade perigosa, adotada no parágrafo único do art. 927 do novo
Código Civil, não aceita o fortuito como excludente da responsabilidade. Quem assume o
risco do uso da máquina ou da empresa, desfrutandos cômodos, deve suportar também os
incômodos.
Várias teorias que procuram discernir as duas excludentes e realçar seus traços peculiares.
O legislador preferiu, contudo, não fazer nenhuma distinção expressa nem mesmo no
aludido parágrafo único. Mencionando as duas expressões como sinônimas. Efetivamente,
se a eficácia de ambas é a mesma no campo do não-cumprimento das obrigações. Os
termos precisos da distinção entre estas deixam de ter relevância. Percebe-se que o traço
característico das referidas excludentes é a inevitabilidade, é estar o fato acima das forças
humanas.
Na melhor lição doutrinária, exige-se para a configuração do caso fortuito ou força maior, a
presença dos seguintes requisitos:
a)o fato deve ser necessário, não sendo determinado pro culpa do devedor, pois do
contrário, não há caso fortuito; reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa,
na mesma medida em que um fato exclui o outro;
b)o fato deve ser superveniente e inevitável; Desse modo, se o contrato é celebrado durante
a guerra, não pode o devedor alegar depois as dificuldades dessa mesma guerra para furtar-
se às suas obrigações;
Caio Mário da Silva Pereira, mestre dos mestres, pontifica que a reparação tem como
pressuposto essencial, em regra, a imputabilidade da falta, contratual ou extracontratual, ao
agente. A contrario sensu, faltando imputabilidade, descabe completamente a indenização.
Se, então, a prestação se impossibilitar, não pelo fato do devedor, mas por imposição de
acontecimento estranho ao seu poder, extingue-se a obrigação, sem caber quaisquer
ressarcimento ao credor.
Consagra o ilustre doutrinador que o Direito Romano em sua impecável lógica, já tratava
da liberação do devedor admitindo o fortuito, exprimindo-o sinteticamente, em termos que
até hoje se ouve: casus a nullo praestantur.
Os civilistas possuem razões para dividir em dois planos, no tocante sua caracterização
jurídica. Pela corrente subjetivista, liderada por Goldschmidt, justifica a exoneração do
devedor em face de sua extrema diligência, confundindo a força maior com a ausência de
culpa. Alega Caio Mário que o pecado dessa corrente doutrinário é a extrema exacerbação,
pois é por demais rigorosa ao fixar que somente começa a vis maior onde acaba a culpa.
Adiante, o mestre Caio Mário aduz que se costuma aludir ao caso fortuito é o
acontecimento natural, ou o evento derivado da força da natureza, ou fato das coisas, como
o raio do céu, a inundação, o terremoto. E, mais, particularmente, conceitua força maior
como o damnum que é originado do fato de outrem, como invasão do território, a guerra, a
revolução, o ato emanado da autoridade (factum principis), a desapropriação, o furto etc.
As demais distinções, e não poucas ainda apontam, sem contudo, oferecerem gabarito
determinante e hábil para efetuar a diferenciação nítida. Preferível, mesmo com ressalva
que apesar de haver critério distintivo abstrato. Admitir que na prática os dois termos
correspondem a um só conceito (Colmo), unicamente considerado no seu significado
negativo da imputabilidade.
O legislador de 2002 reuniu os dois fenômenos tendo em vista serem causa idêntica de
exoneração do devedor e resolução absoluta da obrigação, o que para o Direito suíço.
Conceituou-os conjuntamente como fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou
impedir, o que abrange todo evento não imputável, que obsta ao cumprimento da obrigação,
sem culpa do devedor.
Alega Caio Mário que o legislador pátrio filiou-se ao conceito objetivista, isso com amparo
em Clóvis Beviláqua quanto redigiu o art. 1.058 C.C. de 1916.
De sorte que se por alguma razão pessoal ainda que relevante, nem por isso, restará
exonerado o devedor, ficando adstrito a cumprir a prestação. Se esta se dificulta ou se torna
excessivamente onerosa, não se cogita em força maior ou caso fortuito. É indispensável que
o fato ou obstáculo seja estranho ao seu poder, e seja imposto por acontecimento natural ou
fato de terceiro, de modo a constituir uma barreira intransponível à execução da obrigação.
O que não é cabível, na opinião culta de Caio Mário, porque, mesmo que previsível o
evento surge como força indomável e inarredável capaz de impedir totalmente o
cumprimento obrigacional, o devedor não responde pelo prejuízo.
Não se pode o julgador munir-se de padrão abstrato par ajustar o fato, e para decretar a
exoneração do devedor. Ao revés, cada hipótese deve ser ponderada segundo circunstâncias
peculiares, e em cada uma a evidência de que o obstáculo era necessário, inevitável à
execução do avençado. Pondera Caio Mário que os critérios para avaliação da vis maior
devam ser elásticos Se a inevitabilidade fosse absoluta, então o fortuito não precisaria de
apuração.
Por ser relativa, e, por admitir que um devedor tem força para vencer outro não domina, é
que o critério de apuração dos requisitos obedece a um confronto com as circunstâncias
peculiares de cada caso. Pontifica-se modernamente pela necessidade de aliar à concepção
objetivista um certo tempero subjetivo, resultando daí uma concepção mista de fortuito
sustentado com galhardia por boa parte de doutrinadores (Arnoldo da Fonseca, Serpa
Lopes, Orlando Gomes, Alfredo Colmo).
Se a inexecução se deveu à verificação do caso fortuito ou força maior – casus vel damnum
fatale, sendo acontecimento necessário e inevitável, desaparece ao credor, o direito de
perceber qualquer indenização. Era o que os romanos chamavam de periculum e os
modernos chamam de riscos e perigos que envolvem os casos em que a prestação não pode
ser cumprida, objetiva ou subjetivamente.
Nem sempre a vis divina serve de escusa para inexecução obrigacional, em algumas
hipóteses remanesce a responsabilidade, não obstante a interferência do evento estranho,
ainda que revestido dos seus extremos conceituais.
a) Convenção - As partes podem livremente pactuar que o devedor responde pelo
cumprimento, ainda que nos casos de fortuito ou força maior, o que prevalecerá com a
declaração expressa, já que não se pode presumir o agravamento da responsabilidade.
b) Mora uma vez configurada seu efeito é perpetuar a responsabilidade do devedor em face
da obrigação, sujeitando-o aos reflexos da inadimplência, salvo se demonstrar que não teve
culpa no atraso ou que o dano sobreviria de qualquer modo mesmo que a obrigação fosse
tempestivamente cumprida.
c) No caso de ter mandatário, contra a proibição formal do mandante, substabelecido os
poderes em um terceiro, responde pelo dano causado sob a gerência deste, mesmo
decorrente do fortuito, salvo provando que o dano teria acontecido, ainda que não tivesse
realizado a substituição do representante.
d) Na gestão de negócios, quando o gestor fizer operações arriscadas, ainda que o dano
costumasse faze-las,m ou quando preterir interesses deste por amor aos seus.
e) Na tradição de coisas que se vendem contando, marcando ou assinalando, quando já
postas à disposição do comprador.
f) No caso dos riscos profissionais previstos em lei.
Aponta Caio Mário que o Anteprojeto de 1975 que desembocou no Código Civil de 2002
adotou francamente o princípio da responsabilidade pelo risco criado, admitiu a
conseqüente escusativa, desde que seja provada a adoção de todas as medidas idôneas e a
evitá-lo, e, desta forma, o excesso que se critica na doutrina desaparece no preceito.
J. M. Leoni Lopes de Oliveira em seu Novo Código Civil Anotado, obra de extremo apuro
técnico e excelente conteúdo doutrinário aduz uma análise na norma do respectivo
dispositivo legal, destaca que o referido diploma legal optou por adotar o sistema anterior
vigente, no que diz respeito ao caso fortuito ou força maior. Inicialmente, no seu parágrafo
único, considera as expressões como semanticamente similares. Ademais, atribui a ambas
as figuras o mesmo efeito, atribui as ambas figuras o mesmo efeito, qual seja a exclusão da
responsabilidade pelo inadimplemento obrigacional.
1) para uns o caso fortuito é oriundo da força física ininteligente, enquanto que força maior
deriva de fato de terceiro;
2) outros procuram identificar o caso fortuito com o caráter imprevisto ao passo que a força
maior se identifica com caráter invencível do obstáculo;
3) ainda há os que sustentam que no fortuito a impossibilidade é relativa enquanto que na
força maior a impossibilidade é absoluta;
4) finalmente, temos uma corrente recente que no caso fortuito há impedimento relacionado
com a pessoa do devedor ou com sua empresa, ao passo que a força maior deriva de
acontecimento externo.
Dessa última corrente surgiu a diferenciação de caso fortuito interno e caso fortuito externo,
para considerar que somente o último exclui a responsabilidade pelo inadimplemento da
obrigação.
O primeiro, por dizer respeito à atividade do devedor, não exclui sua responsabilidade do
devedor, atribuindo somente ao fortuito externo esse poder.
De tudo do que foi mencionado, Leoni destaca efetivamente que dentro do sistema pátrio as
duas figuras se identificam apresentando os mesmos requisitos e as mesmas conseqüências.
Vejamos, o que relata o ilustre doutrinador os requisitos:
a) ausência de culpa da parte do devedor;
b) inevitabilidade do evento;
c) superveniência do fato irresistível.
Assim, se o devedor agiu com culpa não poderá alegar a exclusão de responsabilidade
prevista no art. 393 do C.C. que ora se comenta: Note-se que o parágrafo único do referido
dispositivo legal, afirma que o caso fortuito ou força maior, verifica-se no “fato
necessário”. A expressão “fato necessário” deve ser sempre considerada diante da
impossibilidade de cumprimento da obrigação concretamente verificada. Não
abstratamente. Um assalto à mão armada pode em um caso consistir em fator determinante
da exclusão de responsabilidade e, em outro não.
Se, por exemplo, alguém que deva entregar uma quantia elevada de dinheiro a outrem e a
guarda em sua residência, caso venha a ser assaltado, não poderá alegar caso fortuito ou
força maior. É evidente que o assalto é inevitável, mas se o devedor tivesse a diligência
normal não guardaria em sua residência uma quantia tão elevada de dinheiro que era objeto
de uma obrigação de dar. Mas ao contrário, a depositaria em estabelecimento bancário.
Nesse caso, podemos dizer que o devedor agiu com culpa, na forma de negligência não
podendo se socorrer, da excludente do caso fortuito ou força maior. Como se pode
verificar, somos dos que identificam o caso fortuito e a força maior com a ausência de
culpa.
O Código Civil optou por adotar o mesmo sistema do Código Civil anterior, no que diz
respeito ao caso fortuito ou força maior. Inicialmente, no seu parágrafo único, considera as
expressões como sinônimas. Ademais, atribuiu a ambas figuras o mesmo efeito, qual seja a
exclusão da responsabilidade pelo inadimplemento da obrigação.
A doutrina pátria amparada no direito positivo, sempre sustentou a sinonímia entre tais
expressões, interpretação que se aplica também o texto ora vigente. Afirma-se que tanto no
caso fortuito como na força maior exige-se a ausência de culpa por parte do devedor, com a
inevitabilidade do evento.
Argumenta-se mais: as duas figuras pelo sistema do Código Civil deságuam na exclusão
total da responsabilidade pelo inadimplemento da obrigação.
Apesar disso, vários doutrinadores procuram estabelecer diferenças entre caso fortuito e
força maior. Sintetizando as seguintes diferenças apresentadas pela boa doutrina:
1. para uns, o caso fortuito é oriundo da força física ininteligente enquanto que força maior
deriva de fato de terceiro;
2. outros procuram identificar o caso fortuito como caráter imprevisto ao passo que a força
maior indica o caráter invencível do obstáculo;
3. ainda há quem sustente que no caso fortuito a impossibilidade é relativa enquanto que na
força maior, a impossibilidade é absoluta.
4. finalmente, temos uma corrente recente que no caso fortuito há impedimento relacionado
com a pessoa do devedor ou com sua empresa, ao passo que a força maior deriva de
acontecimento externo.
Dessa última corrente surgiu a diferenciação de caso fortuito interno e caso fortuito externo,
para considerar que somente o último exclui a responsabilidade pelo inadimplemento da
obrigação.O primeiro, por dizer, respeito à atividade do devedor, não exclui sua
responsabilidade, atribuindo somente ao fortuito externo esse poder.
Finalmente, o terceiro requisito é o da superveniência do acontecimento alegado de caso
fortuito ou força maior à celebração do contrato. Se, por exemplo, alguém contrato com
outrem a entrega de mercadoria durante estado de calamidade pública em uma cidade em
decorrência de enchentes, não poderá alegar este fato como excludente de responsabilidade
pelo inadimplemento da obrigação.
Quanto o ônus probatório salienta a doutrina majoritária que ao credor cabe provar
simplesmente a inadimplência da obrigação na forma e no tempo devidos. O devedor que
alega que o inadimplemento se deve ao caso fortuito ou força maior prova-lo.
Provada cabalmente a existência de caso fortuito ou força maior o devedor não responde
pelos prejuízos resultantes do inadimplemento. Tal solução encontra amparo no sentimento
de justiça. Não seria justo e nem razoável exigir que o devedor respondesse por perdas e
danos, mesmo diante de um acontecimento necessário e inevitável que determinou o não
cumprimento da obrigação.
Mas, nesse ponto de nosso raciocínio, uma pergunta se impõe afinal de contas, estando esse
espécie de inadimplemento diretamente ligada à idéia de “evento fortuito”, o que se entende
por caso fortuito ou força maior?
Esclarece Pablo Stolze que a doutrina não é pacífica sobre a questão. Segundo Maria
Helena Diniz, “na força maior conhece-se o motivo ou a causa que dá origem ao
acontecimento, pois se trata de um fato da natureza, como por exemplo, um raio que
provoca um incêndio, inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de
comunicação, impedindo a entrega da mercadoria prometida ou um terremoto que ocasiona
grandes prejuízos, etc.”.
Já no caso fortuito, o acidente que acarreta o dano advém de causa desconhecida, como
cabo elétrico aéreo que se rompe e cai sobre fios telefônicos causando incêndio explosão de
caldeira de usina, provocando morte.(In Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil
Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações, 16a edição, Saraiva, 2002, v.2, p.346-347).
Sílvio Rodrigues lembra que “a sinonímia entre as expressões casos fortuitos e força maior,
por muitos sustentada, tem sido repelida por outros doutrinadores, estabelecendo, os vários
escritores que participam dessa derradeira posição, critério variado para distinguir uma da
outra.”
Para demonstrar que os doutrinadores efetivamente não adotam critério uniforme quanto a
definição dos referidos termos, vale conferir o pensamento ilustrado de Álvaro Villaça
Azevedo: “Pelo que acabamos de perceber, caso fortuito é o acontecimento provindo da
natureza sem qualquer intervenção da vontade humana...”.
A força maior por sua vez, “é o fato de terceiro ou do credor: é fato de terceiro ou do
credor: é a atuação humana, não do devedor que impossibilita o cumprimento
obrigacional”.
Sem pretender pôr fim à controvérsia, pois seria inadmissível a pretensão, entendemos que
a característica básica da força maior é sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa
conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo
que o caso fortuito, por sua vez tem sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os
parâmetros do homem médio. Nessa última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e até
então desconhecida do evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de
uma obrigação (um atropelamento, um roubo).
Não concorda Pablo Stolze Gagliano com aqueles que, seguindo o pensamento do culto
Arnoldo Medeiros da Fonseca, visualizam diferença entre “ausência de culpa” e “caso
fortuito”, por entender que a primeiro é gênero, no qual estaria compreendido o segundo.
Melhor é a conclusão de Sílvio Venosa, no sentido não existir interesse público na distinção
dos conceitos, inclusive pelo fato de o Código Civil Brasileiro não tê-lo feito (art. 393 C. C.
e art. 1.058 C.C.1916).
Nesse mesmo sentido, reconhecendo que, o caso fortuito e força maior e a ausência de
culpa são definições que se identificam, Orlando Gomes citando Barassi, pontifica: “o
conceito de caso fortuito resulta assim de determinação negativa. Caso, segundo Barassi é
conceito antitético de culpa”. (Orlando Gomes, Obrigações, 8a edição, Rio de Janeiro;
Forense, 1992, p.179).
Ademais, para o direito obrigacional, quer tenha havido caso fortuito, quer tenha ocorrido
força maior, a conseqüência é, em regra, a mesma, extingue-se a obrigação, sem quaisquer
efeitos para as partes.
Aliás, tanto o Código de 1916 como também o de 2002 em regras especiais condensaram o
significado das expressões fundindo-o em conceito único, consoante se deduz do arts. 393
do C.C./2002 e art. 1.058 do C.C/1916, respectivamente.
Analisando a primeira parte do art. 393 do C.C. de 2002 que o devedor, à luz do princípio
da autonomia da vontade, pode expressamente se responsabilizar pelo cumprimento da
obrigação, mesmo se configurando o evento fortuito.
Desta forma, se certa empresa celebra um contrato de locação de gerador com um dono de
boate, nada impede que se responsabilize pela entrega da máquina no dia convencionado,
mesmo na hipótese de suceder um fato imprevisto ou inevitável que, naturalmente, a
eximiria da obrigação (um incêndio que consumiu todos seus equipamentos).
Nesse caso, assumirá o dever de indenizar o contratante se o gerador que seria locado
houver sido destruído pelo fogo, antes da efetiva entrega. Esta assunção do risco, no
entanto, para ser reputada eficaz, deverá constar de cláusula expressa do contrato.
Por risco, expressão tão difundido no meio jurídico, entenda-se o perigo a que se sujeita
uma coisa de perecer ou deteriorar, por caso fortuito ou de força maior.
Por tudo isso, podemos concluir que apenas o inadimplemento absoluto com fundamento
na culpa do devedor impõe o dever de indenizar por conseguinte, para o devedor
inadimplente a responsabilidade civil por seu comportamento ilícito.
Gisele Leite
Hermenêutica Responde
“É cousa tão natural o responder que até os penhascos duros respondem, e para as vozes
têm ecos. Pelo contrário, é tão grande violência não responder, que aos que não pudessem
responder, rebentariam de dor”.
Padre Antônio Vieira
Introdução
Ainda paira no direito pátrio grandes controvérsias a respeito do assunto. Muitos autores e
doutrinadores entendem que caso fortuito e força maior são a mesma coisa, outros definem
que caso fortuito é todo acontecimento que foge ao controle humano, embora reflita
diretamente no mundo fático, e conseqüentemente, pode haver interações jurídicas. Existem
ainda aqueles que definem força maior como atos ou criações humanas ou modificações no
status quo reinante antes do próprio acontecimento. Esses conceitos são aplicados,
basicamente da mesma forma, mas inversamente por outros autores não menos renomados,
conforme estudo a seguir.
Importante ressaltar que as controvérsias são tantas até hoje, que, fato em concreto, existem
leis que suprimem os dois termos, adotando um sinônimo que procura reunir os dois
princípios, ou a utilização de um único termo com sentido global. Um bom exemplo é a Lei
no. 5772/71, o antigo Código de Propriedade Industrial, que foi ab-rogado pela Lei no.
9279/96. No Código de Propriedade Industrial, art. 49, caput, era adotado o seguinte termo:
“Salvo motivo de força maior comprovado, caducará o privilégio, ex officio ou mediante
requerimento de qualquer interessado, ...” (grifo nosso). No caso em tela, o termo “força
maior” era utilizado em sentido lato sensu, englobando neste o conceito de caso fortuito. Na
Lei no. 9279/96, que a ab-rogou, não desejando o legislador incorrer no mesmo erro,
decidiu, sem critério hermenêutico, abolir o termo e utilizou um sinônimo, procurando
abarcar os dois sentidos sob um mesmo tema novamente, conforme o art. 221, §1o:
“reputa-se justa causa o evento imprevisto, alheio à vontade da parte e que a impediu de
praticar o ato”. (sobre os recursos). No art. 143, §§ 1o. e 2o. utiliza-se de outro sinônimo
em substituição:§1o.: “Não ocorrerá caducidade se o titular justificar o desuso da marca por
razões legítimas; (...) o titular será intimado(...) por razões legítimas”. (grifo nosso) O que
vem a ser razões legítimas? O que vem a ser evento imprevisto? São meros sinônimos que
procuram fundir os termos caso fortuito e força maior, que são totalmente distintos. Para o
bom entendimento sobre o tema, torna-se necessário uma volta ao passado, para o século V
d. C.
1 Histórico
O presente estudo tem como fontes registros históricos do Império Romano, mais
precisamente das obras compiladas no governo do Imperador Justiniano ( 482-565 d.C.).
Justiniano foi elevado ao trono do Império Romano do Oriente em 1 de agosto de 527, com
o nome de Flávio Anício Justiniano Magno. Tinha como um dos fundamentos do seu
governo o objetivo de criar uma codificação com boa parte de toda a obra legislativa criada
desde os primórdios do colossal Império Romano. Para isso contava com as constituições
imperiais reunidas nos Códigos Gregoriano, Hermogeniano, Teodosiano, além das novelas
e os textos produzidos pelos jurisconsultos. Como essas fontes se encontravam
desordenadas até então, constituiu primeiramente uma comissão de juristas para reunir as
principais Constituições Imperiais, que eram as leis emanadas pelos imperadores. Esta obra
ficou pronta em 529 d.C. e foi publicada com o nome de Codex. Infelizmente, esta obra se
perdeu com o tempo; sabemos que existiu através de relatos históricos, mas não chegou ao
nosso tempo, devido, possivelmente as guerras que ocorreriam durante todos os séculos
posteriores. O que nos chegou foi um Codex revisado em 534 d.C., já com influência das
Institutas.
Em 530, de forma mais ousada, Justiniano determinou a seleção de todas as obras dos
jurisconsultos clássicos, encarregando a direção da comissão a Triboniano, neste trabalho
hercúleo.
As obras dos jurisconsultos clássicos foram baseadas nas atividades desenvolvidas pelos
magistrados e pelos pretores peregrinos, que atuavam como são chamados hoje os juízes
leigos. Os pretores atuavam diretamente nos territórios conquistados e utilizavam-se dos
formulários, ou seja, codificações de despachos e sentenças mais comuns, já pré-
estabelecidos, como hoje se faz em diversos órgãos cartoriais da administração pública,
onde a figura do profissional de direito não é requisito essencial.
Naturalmente, sempre ocorriam novos casos, frutos de uma sociedade em eterna evolução,
e estas questões os pretores traziam aos magistrados. Desta forma o direito evoluía, junto
com a doutrina criada pela interação tripartite – magistrado, pretor peregrino e
jurisconsultos. Todos os éditos elaborados pelos pretores foram codificados pelo jurista
Sálvio Juliano, por volta do ano 130 d.C., conforme diretriz emanada pelo imperador
Adriano, tamanha a importância destes trabalhos jurisprudenciais para o Império romano.
Entretanto, assim como hoje, este ius honorarium não tinha força de lei, mas exercia o
importante papel de alavanca de mudanças para a derrogação ou abrogação da lei.
Portanto, desta forma foi codificada boa parte de toda obra jurídica romana e preservado à
posteridade este incrível compêndio que influencia todo mundo, notadamente nas relações
de controle estatal. E, em relação aos dois temas elencados neste ensaio, é certo afirmar que
a delimitação conceitual está contida no Digesto, através das obras de Gaio e Ulpiano, que
trataremos a seguir.
2 Gaio e Ulpiano
“ a força maior evidencia um acontecimento resultante do ato alheio (fato de outrem) que
sugere os meios de que se dispõe para evita-lo, isto é, além das próprias forças que o
indivíduo possua para se contrapor, sendo exemplos: guerra, greve, revolução, invasão de
território, sentença judicial específica que impeça o cumprimento da obrigação assumida,
desapropriação etc.” Ou seja, todos os atos ou ações humanas que se tornem obstáculos a
outrem, impedindo-os de agir ou cumprir com seus direitos ou deveres”.
Sobre o termo caso fortuito, Domicio Ulpiano2 assim o conceituou: “Fortuitus casus est,
qui nullo humano consilio praevideri potest”. Traduzida a frase o conceito seria: caso
fortuito é aquele que não pode ser prevsito por nenhum meio humano. Em outras palavras
seria todo acontecimento de ordem natural que gera efeitos no mundo jurídico. Podemos
dar como exemplo as erupções vulcânicas, os terremotos, estiagem, inundação por meio de
chuvas abundantes ( e não por represas construídas artificialmente ), quedas de raio, aluvião
etc.
São bastantes comuns os casos em que os indivíduos sofram prejuízos tendo como gênese
os fatos imprevisíveis, os quais não podem impedir ou muitas vezes prevê-los. E, havendo
uma falta de conhecimento da origem dos termos “caso fortuito” e “força maior” por alguns
doutrinadores renomados, existe uma verdadeira discussão sobre quando e como adotar os
termos. José dos Santos Carvalho Filho, assim explica:
“São fatos imprevisíveis aqueles eventos que constituem o que a doutrina tem denominado
de força maior e de caso fortuito. Não distinguiremos estas categorias, visto que há grande
divergência doutrinária na caracterização de cada um dos eventos. Alguns autores
entendem que a força maior é o acontecimento originário da vontade do homem, como é o
caso da greve, por exemplo, sendo o caso fortuito o evento produzido pela natureza, como
os terremotos, as tempestades, os raios e os trovões”.
Desta forma, finalizo o presente ensaio, com o objetivo de deixar mais transparente a
origem dos termos e contribuir para a construção de conceituações baseadas em fontes
seguras e históricas, respeitando a historicidade e a hermenêutica, como instrumentos
metodológicos e científicos adequados.
Jurisprudência:
-Responsabilidade Civil do Estado – Ap. Cív. No. 31.302, 1a. Ccív, Relator Dês. João
Martins;
Bibliografia:
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 11a. ed. P. 458
DEL CORRAL, D. Ildefonso L. Garcia. Tradução da obra “Cuerpo Del Derecho Civil
Romano”, do latim para o espanhol. Barcelona, Jaime Molinas Editor, 1889.
SOARES, José Carlos Tinoco Tratado da Propriedade Industrial / SOARES, José Carlos
Tinoco São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1988
Para iniciarmos a análise de tais questões, importante salientar que presumo e entendo,
efetivamente, haver em tais casos a aplicação do digesto consumerista. Partimos, portanto,
da premissa que nosso fornecedor se enquadra no conceito inserido no artigo 3º, da Lei
8.078/90, Código de Defesa do Consumidor.
O uso do advérbio "só" pelo legislador, teria sido usado por algum motivo específico? Seria
taxativo ou exemplificativo o rol das indigitadas excludentes? Caso fortuito e força maior,
por serem princípios gerais aplicáveis às relações civis estariam, "implicitamente",
incluídos neste rol?
Cabe aqui relembrar o axioma que afirma não fazer uso o legislador das palavras de forma
aleatória; de se ressaltar, ainda, que o CDC, é reconhecido, dentre outros, por se
consubstanciar na chamada Lei/Código, ou seja, por ser um micro-sistema, com política,
regras princípios e objetivos próprios.
Para dirimir tais dúvidas, trago à baila posicionamento do mestre consumerista Rizzatto
Nunes, em seu Curso de Direito do Consumidor, ed. Saraiva 2004, pp. 270-271, o qual
concordo em a integralidade:
"Então, para comentarmos esse §3º, comecemos repetindo algo que já tivemos
oportunidade de afirmar: a responsabilidade civil objetiva estabelecida no CDC é a do risco
integral. Com a leitura e interpretação do §3º do artigo 12, ter-se-á a confirmação dessa
afirmativa. Diga-se, então, que não se trata de excludente de responsabilidade, como se tem
dito, mas sim de excludente do nexo de causalidade. O que pode o fornecedor fazer é
buscar desconectar a relação acidentária consigo, isto é, tentar excluir o nexo de
causalidade existente entre ele - fornecedor - e o dano/defeito. (...)
Isso nos leva à segunda constatação. O risco do fornecedor é mesmo integral, tanto que a lei
não prevê como excludente do dever de indenizar o caso fortuito e a força maior. E, como a
norma não estabelece, não pode o agente responsável alegar em sua defesa essas duas
excludentes. (...)
Além disso, lembre-se que caso fortuito e força maior são excludentes de responsabilidade
advinda da conduta do agente que nos moldes do art. 186 do Código Civil tenha agido com
culpa o dolo. Na responsabilidade civil objetiva pelo fato do produto ou do serviço não há
que se falar em conduta, uma vez que ela não é considerada para avaliação da hipótese de
defeito."
Como dito alhures, respeitável, sem dúvida, a posição acima aduzida, entrementes, no meu
entender, não deve prevalecer por ser contrária, inclusive, ao próprio escopo do CDC. Para
além de toda a obviedade assentada nos mais rudimentares princípios consumeristas, é o
próprio instrumento legal, sem necessidade de aplicação de qualquer espécie de
interpretação que não seja a literal, que dirime qualquer resquício de eventual dúvida, em
relação a responsabilidade dos fornecedores nestes casos. Indubitável que o consumidor
tem a real expectativa de segurança enquanto usufrui os serviços de shopping e
hipermercados; o estacionamento é uma comodidade posta à disposição dos clientes como
atrativo e fator determinante para que os consumidores freqüentem o local. No mais, os dias
de hoje exigem a adoção de medidas de segurança mais rígidas e mais avançadas por parte
daqueles que têm no comércio sua atividade-fim.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que "por ser a prestação de
segurança e o risco ínsitos à atividade dos hipermercados e shoppings centers, a que se
assemelham os estacionamentos, a responsabilidade civil desses por danos causados aos
bens ou à integridade física do consumidor não admite a excludente de força maior
derivada de assalto à mão arma ou qualquer outro meio irresistível de violência" (RESP
419059 / SP, rei. Min. Nancy Andrighi, j . 19/10/2004).
Repiso, em conclusão, que embora considere inteligíveis e bem embasadas as decisões,
que, aplicando o artigo 393 do Código Civil, consideram haver excludente de
responsabilidade em situações em que se caracteriza, por definição, a ocorrência de caso
fortuito ou força maior em relações de consumo, são desfavoráveis aos consumidores nos
casos em que há roubos de veículos/objetos ou seqüestros relâmpagos em estacionamentos;
estas, data máxima vênia, são contrárias aos princípios, normas e à própria mens legis do
CDC.
Elaborado em 12.2000.
Windscheid já defendia a idéia de que os negócios jurídicos devem ter sempre uma causa,
que é o primeiro intento, não sendo necessário pacto, porque isso é da essência do negócio.
Mas ao lado desse intento comum pode, existir, não expressamente declarados mas
decorrentes das circunstâncias futuras e imprevistas, causas necessárias a serem percebidas
pela outra parte, agindo assim como autolimitação da vontade. (2)
Todo produto ou serviço, por mais seguro e inofensivo que seja traz sempre uma margem
de insegurança para o consumidor, podendo inclusive culminar em dano para o mesmo,
gerando prejuízo a ser apurado através das responsabilidades contratual e extracontratual,
em conformidade como cada caso em favor da relação jurídica de consumo, que pode ser
ou não contratual.
Dano, no conceito fornecido por Maria Helena Diniz "pode ser definido como
lesão(diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra
sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral".(4)
O art. 1.058 do CC estabelece o caso fortuito e a força maior como forma de exoneração de
responsabilidade, onde afirma que o devedor não responde pelos prejuízos decorrentes de
caso fortuito ou força-maior salvo convenção ou determinação específica da lei.
Silvio Rodrigues leciona que art. 1.058 parágrafo único do CC define o c. f. ou de f. m. com
o que se verifica a identificação com o fato necessário cujos objetivos não era possível
evitar ou impedir. É, em rigor, o ato alheio à vontade das partes negociantes, e que
tampouco derivou da negligência, imprudência ou imperícia, sendo que o "caso fortuito ou
de força-maior representa um excludente de responsabilidade, em virtude de pôr termo à
relação de causalidade entre o ato do agente e o dano experimentado pela vítima".(9)
No direito brasileiro, as expressões c.f. e f.m. são sinônimas, confundindo para os efeitos e
conseqüências ambas as situações, dando-lhes tratamento idêntico, ao contrário do que
acontece em legislações estrangeiras que preceituam tratamento jurídico distinto aos dois
institutos.
NOTAS
1. Marcio Klang, Teoria da Imprevisão e a revisão dos contratos. Ed. RT, 1991, p.21.
4. Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil, Ed. Saraiva, 1984, 7/50.
6. Gabriel A. Stiglitz, Protección jurídica del consumidor, Buenos Aires. Depalma, 1990,
p. 23.
10. Peter Watermann, Código Civil Alemão-Direito das Obrigações - Parte geral, p. 79.
11. Arnoldo Medeiros da Fonseca, "Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão", Rev. Forense,
Ed. Forense, 1958, p.346.
No ordenamento jurídico brasileiro, caso fortuito e força maior são considerados excludentes do
dever de indenizar, se verificados em determinadas circunstâncias. O legislador pátrio não define
esses conceitos, que são empregados como se fossem sinônimos.
Para fins do parágrafo único do artigo 393 do CC, verifica-se o caso fortuito ou de força maior no
fato necessário, quando nenhum dos contratantes pode evitar ou impedir os seus efeitos.
E, nos termos do caput desse mesmo dispositivo legal, na hipótese de inadimplemento das
obrigações resultante de caso fortuito ou força maior, o devedor somente responde pelos
prejuízos decorrentes sofridos pela outra parte, quando tiver expressamente se responsabilizado
por eles (5).
Muito embora os efeitos jurídicos sejam os mesmos perante a legislação brasileira, os termos
“caso fortuito”(6) e “força maior” são interpretados de forma distintas pelos doutrinadores.
Para Agostinho Alvim (7), o caso fortuito constitui um impedimento relacionado com a pessoa do
devedor ou sua empresa, enquanto que a força maior advém de acontecimento externo.
Álvaro Villaça Azevedo (8) ensina que caso fortuito é o acontecimento provindo da natureza sem
que haja interferência da vontade humana. Em contrapartida, força maior é a própria atuação
humana manifestada em fato de terceiro ou do credor.
Segundo a lição de Maria Helena Diniz (9), na força maior por ser um fato da natureza, pode-se
conhecer o motivo ou a causa que deu origem ao acontecimento, como um raio que provoca um
incêndio, a inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação, impedindo a
entrega da mercadoria prometida ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos. Por outro
lado, o caso fortuito tem origem em causa desconhecida, como um cabo elétrico aéreo que se
rompe, sem que se saiba o motivo, e cai sobre fios telefônicos, causando incêndio, ou ainda a
explosão de uma caldeira de usina, que provoca a morte das pessoas que estavam no local.
Para Sergio Cavalieri Filho (10), o caso fortuito pode ser caracterizado quando se tratar de evento
imprevisível e, por isso, inevitável. Quando for evento inevitável, ainda que previsível, por se tratar
de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da Natureza – como as
tempestades, enchentes, etc. – configurar-se-á a força maior (ou act of God, como definem os
ingleses); em relação a tal evento nada pode fazer o agente para evitá-lo, ainda que o possa
prever. Ou seja, o evento de força maior pode ser previsível mas os seus efeitos são inevitáveis.
Porém, na visão pragmática de Sílvio Venosa (11), não há interesse público em distinguir os dois
conceitos, até mesmo porque o CC não fez nenhuma distinção a esse respeito.
De qualquer forma, adotando-se essa posição mais pragmática, para configurar caso fortuito ou
força maior, devem ser atendidos os seguintes requisitos:
(i) ausência de culpa do devedor - o fato deve ser necessário, não sendo determinado por culpa
do devedor. Se houver culpa do devedor, não há que se falar em caso fortuito ou força maior.
Reciprocamente, se não existe caso fortuito ou força maior, não pode haver culpa do devedor,
pois um fato exclui o outro;
(ii) inevitabilidade do evento - o fato deve ser superveniente à época da contratação e inevitável.
Assim, se um contrato tiver sido celebrado durante a guerra, esse fato já é do conhecimento dos
contratantes e não pode posteriormente o devedor alegar as dificuldades dessa mesma guerra
para exonerar-se do dever de cumprir as obrigações contratuais que assumiu; e
(iii) superveniência do fato irresistível - o fato superveniente deve ser irresistível, isto é fora do
alcance do poder humano.
Também merece ser citado o artigo 399 do CC, segundo o qual “O devedor em mora (12) responde
pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de
força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano
sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”. (grifos nossos)
Arnoldo Medeiros da Fonseca (13) afirma que caso fortuito e força-maior são noções distintas dos
requisitos necessários para a Teoria da Imprevisão com fundamentos e efeitos diversos. Para esse
autor, o caso fortuito ou de força-maior só constitui causa de exclusão de responsabilidade,
liberando o devedor de cumprir a obrigação pactuada, quando acarreta a impossibilidade absoluta
objetiva de executar essa obrigação; enquanto que, em matéria de imprevisão, se atende também
à impossibilidade subjetiva ou onerosidade excessiva da prestação. Na hipótese de caso fortuito
ou de força maior, a liberação do devedor é total, sendo a principal característica, ao passo que na
noção de imprevisão não estará excluído o direito do credor de reivindicar uma razoável
reparação.
4. A Onerosidade Excessiva
5. A Revisão Contratual no Código Civil Brasileiro – Análise dos 478, 479 e 480
Dentro da sistemática adotada pelo atual CC, a Teoria da Imprevisão é aplicável a todos os
contratos de execução continuada ou diferida, cujas prestações se projetam para o futuro.
Os contratos de execução diferida são aqueles cuja prestação é futura e não imediata. Neste caso
a obrigação somente deve ser cumprida pelo devedor por ocasião de seu vencimento. Não há,
portanto, inadimplemento antes da data de vencimento da obrigação. Exemplos: contrato de
compra e venda com vencimento futuro, contrato de compra de produtos sem entrada e com
vencimento parcelado, arrendamento com vencimento, bimestral, semestral ou anual.
A excessiva onerosidade superveniente somente ocorre nesses contratos, que tem dependência
do futuro, pois a Teoria da Imprevisão exige um lapso temporal entre a contratação (data da
assinatura do contrato) e sua execução (cumprimento da obrigação e o conseqüente implemento
da prestação). É exatamente nesse intervalo de tempo que poderão ocorrer fatos anormais
(extraordinários) e imprevisíveis, que tornem a prestação excessivamente onerosa para o devedor
e exageradamente vantajosa para o credor.
Quando a obrigação couber a apenas uma das partes, para evitar a onerosidade excessiva, a parte
prejudicada poderá pleitear que sua prestação seja reduzida ou que seja alterado o modo de
cumpri-la. Essa possibilidade está prevista no artigo 480 do CC (16).
Para a aplicação da Teoria da Imprevisão, o ordenamento jurídico brasileiro exige que sejam
atendidos cinco requisitos, a saber:
Constatamos, portanto, que a resolução por onerosidade excessiva somente se opera, quando
estiverem presentes e reunidos esses cinco requisitos, simultânea e cumulativamente.
Alternativamente, a resolução do contrato poderá ser evitada, se a outra parte (credor/réu)
concordar voluntariamente em recompor a equação econômico-financeira do contrato em
benefício da parte prejudicada (devedor/autor).
A questão da imprevisibilidade também está prevista no artigo 317 do CC (17), que permite ao juiz
corrigir o equilíbrio da relação contratual, a pedido da parte prejudicada, para recompor o valor
real da prestação, na medida do possível, quando por motivos imprevisíveis houver uma grande
desproporção entre o montante originalmente acordado, por ocasião da celebração do contrato, e
a quantia apurada no momento de sua execução.
6. Conclusão
A Teoria da Imprevisão (rebus sic stantibus) tem natureza incidental nas relações contratuais e
está fundamentada no equilíbrio das prestações, na manutenção das condições do negócio em
que foi manifestada a vontade de contratar, mas também exige que estejam presentes os
requisitos de eqüidade, boa-fé, moralidade, confiança e a ausência de enriquecimento sem causa
de uma das partes em detrimento da outra.
Notas:
(1) No início do século XX, os Estados Unidos viviam um período de prosperidade e de pleno
desenvolvimento. A partir de 1925, apesar de toda a euforia, a economia norte-americana passou
por sérias dificuldades. Dois motivos acarretaram essa crise: (i) o aumento da produção não
acompanhou o aumento dos salários e a mecanização gerou muito desemprego; e (ii) a
recuperação dos países europeus, logo após a 1ª Guerra Mundial, países esses que eram
potenciais compradores dos Estados Unidos e reduziram suas compras drasticamente devido à
recuperação de suas economias. Diante da contínua produção, gerada pela euforia norte-
americana, e a falta de consumidores, houve uma crise de superprodução. Os agricultores, para
armazenar os cereais, tomavam empréstimos, e logo após, perdiam suas terras. As indústrias
foram forçadas a diminuir a sua produção e demitir funcionários, agravando mais ainda a crise. A
crise naturalmente chegou ao mercado de ações. Os preços dos papéis na Bolsa de Nova York, um
dos maiores centros capitalistas da época, despencaram, ocasionando o crash (quebra). Com isso,
milhares de bancos, indústrias e empresas rurais foram à falência e pelo menos 12 milhões de
norte-americanos perderam o emprego. Abalados pela crise, os Estados Unidos reduziram a
compra de produtos estrangeiros e suspenderam os empréstimos a outros países, ocasionando
uma crise mundial. O Brasil, que tinha os Estados Unidos como principal comprador de café,
também foi afetado. Com a crise,o preço do café despencou e houve uma superprodução,
gerando milhares de desempregados no Brasil. Para solucionar a crise, o Presidente eleito,
Franklin Roosevelt, propôs mudar a política de intervenção americana. Se antes, o Estado não
interferia na economia, deixando tudo agir conforme o mercado, agora passaria a intervir
fortemente. O resultado disso foi a criação de grandes obras de infra-estrutura, salário-
desemprego e assistência aos trabalhadores, concessão de empréstimos, etc. Com isso, os Estados
Unidos conseguiram retomar seu crescimento econômico, de forma gradual, tentando superar a
crise que abalou o mundo.
(2) Como exemplos, podemos citar o Decreto nº 19.573/1931, que previa a rescisão do contrato
de locação de funcionário público ou militar, em caso de remoção ou mesmo em redução de
subsídios, bem como o Decreto nº 24.150/1934 (Lei de Luvas), que contemplava a renovação do
contrato de locação de fins comerciais e econômicos e mesmo a revisão, em caso de modificação
econômica da situação local.
(3) A origem é atribuída à frase: Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de
futuro rebus sic stantibus intelligentur, que significa que “os contratos que tem trato sucessivo ou
dependência do futuro, entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado das coisas”.
(4) Ressalte-se, todavia, que o referido dispositivo ainda não mencionava o requisito da
imprevisibilidade. De qualquer forma o CDC admitiu a idéia de que fatos supervenientes poderiam
tornar o cumprimento do contrato excessivamente oneroso, visando proteger o consumidor na
relação contratual, que, da mesma forma que o trabalhador na legislação trabalhista, é
considerado hipossuficiente e merecedor dessa proteção especial.
(5) O CC determina que: “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, se expressamente não houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único – O caso fortuito ou de força maior, verifica-se no fato necessário, cujos efeitos
não era possível evitar ou impedir.”
(6) A expressão “caso fortuito” origina-se do vocábulo latino casus e significa acaso, obstáculo ao
cumprimento da obrigação por motivo alheio a quem deveria cumpri-la.
(7) Alvim, Agostinho, Da Inexecução das Obrigações e Suas Conseqüências, 4ª ed. atual., São
Paulo: Saraiva, 1972.
(8) Azevedo, Álvaro Villaça, Teoria da Imprevisão e revisão judicial dos contratos, in Revista dos
Tribunais 733, 1996.
(9) Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações, v.2. 19ª ed.
ver. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil, São Paulo: Saraiva, 2004.
(10) Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8a ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
(11) Venosa, Sílvio de Salvo, Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos,
v.2. 5ª Ed., São Paulo, Atlas, 2005.
(12) Conforme dispõe o artigo 394 do CC: “Considera-se em mora o devedor que não efetuar o
pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção
estabelecer”.
(13) Fonseca, Arnoldo Medeiros da Fonseca. Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão, Rev. Forense,
Ed. Forense, 1958.
(14) “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das
partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.
Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”
(15) “Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as
condições do contrato.”
(16) “Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela
pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a
onerosidade excessiva.”
(17) “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor
da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte,
de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”