Peter Burke inicia a discussão sobre as origens do Renascimento mostrando que
esta categoria analítica é fruto, assim como outras, do século XIX. Para Burckhardt, por exemplo esse período era demarcado pela emergência do individuo em contraposição ao coletivo, que remete ao período anterior, medieval. Teria sido na Itália, por outro lado, que o individuo renascentista primeiro surgiu, contrapondo-se ao coletivismo visto na Idade Média.1 A Modernidade teria surgido através dessas figuras singulares, que se reconheceram como inéditos. Contudo, esta visão trata-se de um mito. Para demonstrar a natureza do mito, ele nos mostra que tanto a Idade Média não deixou de fomentar inovações em diversos campos, quanto o homem moderno não deixou de olhar para o seu passado, aproximando-se dele para fazer novas leituras sobre o presente que o golpeavam. Na esfera do pensamento, por exemplo, essa conexão é imediata. Além desse sentido que ele atribui ao Renascimento, enquanto mito, existiria outro mito, o mito construído por Burckhardt de natureza teleológico, isto é, aquele que pretende explicar o presente através de um passado narrado extraordinário. A ideia de um “despertar” ou “renascer” portanto, são expressões “meramente decorativas”.2
A concepção renascentista romântica foi solapada, paulatinamente, em primeiro
lugar pelos medievalistas, pois estes especialistas demonstraram que o que havia de inédito no século XVI pertencia, em parte, ao que foi criado nos séculos anteriores. Talvez o termo mais apropriado fosse o de “renascimentos”, no plural e com letra minúscula, pois este foi um fenômeno visto em aspectos culturais desde finais do século XII.3 Isso demonstra a complexidade de atribuir-se um sentido unívoco a um movimento que pôde ser visto em outros locais e em períodos distintos. Frente ao desafio de abandonar ou não o conceito de Renascimento, Burke defende que ele poderia ser usado ainda assim para admitir a existência de um conjunto de mudanças na cultura Ocidental.4
II: Itália; Revivalismo e inovação
1 P.9 2 P.11 3 15 4 P.16 Segundo Burke seria um lugar-comum a ideia de que foi a Itália a precursora do Renascimento. Os fatores que aglutinariam a emergência deste fenômeno seriam a tentativa coletiva de emular a Antiguidade Clássica, aproximar-se dela através de sua reconstrução. A arquitetura, a escultura e a pintura achavam-se no mesmo patamar da agricultura e navegação, denominadas todas de “artes mecânicas”, ao passo que as “artes liberais” tinham um prestigio maior, sendo elas a literatura e a instrução. 5 Quanto ao Humanismo,