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sentidos do chao
organizaçao Ana Luiza Nobre e Caio Calafate
APRESENTAÇÃO
É do chão que vem quase tudo que comemos. E à cidade e a refundação do mundo em que vivemos
tanto o temos maltratado que podemos não ter mais com base em alternativas a um projeto colonizante/
que 60 colheitas pela frente. O alerta, feito em 2014 modernizante que parece não ter fim.
pela Organização para a Alimentação e a Agricul-
tura das Nações Unidas, tornou-se ainda mais grave Restituir a plena potência do chão como ser vivente,
neste momento em que o chão parece se abrir sob feito da contínua interação entre múltiplas espécies.
os nossos pés. Até porque, se o chão é alimento, Como mundo, em que inúmeros tempos, organismos,
ele é também matéria prima, material construtivo, agentes, forças geopolíticas e lógicas de territoria-
filtro de água, sumidouro de carbono, para-raio, lização, domínio e poder se cruzam. E como arquivo
cama, suporte, base, abrigo, documento, assenta- do mundo, no qual todas as ações de algum modo se
mento, memória, esconderijo, limite, ideia, visão de inscrevem, deixando marcas.
mundo...ensino.
Sem deixar de considerar o que é pensar o chão
Este ciclo de encontros se propõe a explorar a mul- hoje, no Brasil. Ou a partir do Brasil, hoje. Nesta
tivalência de sentidos associados ao chão, em suas encruzilhada onde as desigualdades herdadas da
dobras semânticas com solo/terra/piso. Seja em violência colonial se expressam como nunca no
termos científicos, seja em termos poéticos e/ou míti- substrato em que pisamos cotidianamente, sobre
cos. Seja como superfície, seja como corpo que age, o qual erguemos nossas casas, onde enterramos
reage, vive, morre e guarda memória; matéria hetero- nossos mortos e do qual depende a habitabilidade
gênea com propriedades morfológicas e físico-quí- do planeta. Mas onde também, junto com os terríveis
micas (cheiro, temperatura, cor, densidade, estrutura, efeitos da urbanização descontrolada, dos cerca-
textura, acidez, umidade etc) que podem ser afeta- mentos, da pavimentação e da impermeabilização
das, modeladas e transformadas tanto por fenômenos extensivas, da mineração, do agronegócio, do des-
naturais quanto pela ação antrópica e não-antrópica. matamento, das políticas de apagamento, dester-
Olho é uma coisa que ramento e desterritorialização, da contaminação,
participa o silêncio dos outros A intenção é contribuir para fortalecer o chão, enten- erosão e desertificação dos solos, ainda podemos
dido como condição imprescindível para a existên- ouvir a floresta na voz firme e doce de Ailton Krenak,
Coisa é uma pessoa que cia - e coexistência - na Terra. Inspirar novas ideias, a nos chamar a “pisar suavemente sobre o chão”.
termina como sílaba projetos, imagens e pensamentos, modos de preser-
var, ativar, honrar e cuidar do chão à revelia da sua Com todos os desafios que isso coloca para a arqui-
O chão é um ensino
apropriação progressiva como mercadoria. Especu- tetura, disciplina que está na medula da crise atual e
lar sobre outras possíveis configurações territoriais, certamente tem sido um dos agentes centrais tanto
Manoel de Barros, tendo em vista práticas e políticas contemporâneas da construção quanto da destruição do chão. Mas
Arranjos para assobio que visam a revisão e ampliação do direito à terra e também pode ser da sua regeneração.
PROGRAMAÇÃO
Laroyê Exu. Esta mesa-ginga Sobre vestígios inscritos nas Esta mesa trata da dimensão Esta mesa explora o chão
celebra a esquina, abre caminhos, matas e florestas, onde se mítica-antropológica-estética do como fundamento e dispositivo
assenta e imanta o ciclo, cultua revelam as marcas da violência chão como base do caminhar. Dos arquitetônico.Trata dos
a matéria fundante de toda do empreendimento colonial, este mundos que surgem – ou podem movimentos de terra que
existência e risca os pontos da encontro acontece: escavando os surgir - do nosso corpo a corpo mobilizam e tensionam o sítio, do
descolonização. Traz a potência índices da sua brutalidade e as com a superfície da Terra. Da gerenciamento dos níveis e do
do chão ritualizado como terreiro/ feridas expostas por seu projeto. prática de deslocamento humano estatuto das fundações, quando
território em que se inscreve Reconstituindo espacialidades que se apoia no desequilíbrio e existentes. De arquiteturas
e reescreve continuamente a de um chão tomado à força, onde mobiliza os pés. Das possibilidades que reinventam a topografia,
diáspora negro-africana. Discute residem as memórias de povos de conhecimento, construção, empilhando pisos, dobrando
formas de agenciamento, enlace cujas ancestralidades foram encontro, troca e resistência que territórios.
e solidariedade que envolvem silenciadas. brotam da atividade prosaica de
práticas poéticas/políticas/ encaixar um passo atrás do outro,
pedagógicas a contrapelo com as mãos e a cabeça livres,
do regime cartesiano da enquanto o chão escorre por
modernidade. debaixo.
CONVIDADOS
DESIGN GRÁFICO
Clara Meliande e Julia Sá Earp
INFORMAÇÕES
sentidosdochao@gmail.com
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