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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL – UEPB

R425
Representações do semiárido [Livro eletrônico]. Ana Paula Silva dos Santos, Cristian José
Simões Costa, Felipe Lavorato et al.(Orgs). Campina Grande: Insa, 2017.
0000 kb. 56p.; il: color.

Modo de acesso: Word Wide Web http://www.portalinsa.gov.br


ISBN EBOOK 978-85-64265-36-3

1. Arquivos e arquivologia. 2. Bioma. 3. Caatinga. 4. Semiárido. 5. Sertões. I. Santos,


Ana Paula Silva dos. II. Costa, Cristian José Simões. III. Lavorato, Felipe. IV. Título.

21. ed. CDD 630


O presente livro é muito mais que um catálogo, um álbum, uma coleção de imagens fortes e
representativas do nosso Semiárido (nordestino, brasileiro). As fotos selecionadas para esta publicação nos
convidam, de um lado, a desconstruir o olhar clássico e conservador sobre a paisagem nordestina,
particularmente, sobre o bioma Caatinga (que expõe a tragédia em primeiro plano), e, de outro, a
problematizar, no contexto das atuais rodadas de neoliberalização, o sentido e eficácia de alguns modelos
explicativos – como o paradigma da Convivência – e dialogar, mais profundamente, com a possibilidade de
uma nova utopia. Não cabe neste espaço uma discussão teórica a respeito, mas fica o registro da
provocação e uma agenda aberta para novas oportunidades dialógicas. O tema é fértil, polêmico,
necessário. As imagens aqui publicizadas que o digam.
A ênfase no enfoque trágico é, sutil, criativa e propositadamente, substituída pela interação de
elementos que registram uma diversidade fantástica de cores, situações, ambientes, fauna, flora que não
precisam se esforçar para tratar de vida, como também sem esforço renegam a morte, ou a subserviência
pela condição de flagelo, que mata mais, em meu ver, do que a própria morte, porque escraviza. Não que o
trágico esteja ausente da seleção, mas não é e nem tem a mesma força do trágico que marcou o paradigma
do combate, do enfrentamento, da guerra contra as adversidades climáticas, a exemplo das secas. Sua
função (do trágico) aqui parece bem mais de crítica do modelo de intervenção anterior, do que de
reprodução; aproxima-se bem mais de uma proposição e convite para uma nova leitura e intervenção, do
que de um chamado às lágrimas de crocodilo da piedade pública. Há profundas diferenças entre um
modelo e outro. As fotos denunciam. Observem.
No que diz respeito a outra criativa dimensão de olhar o Semiárido, sugerindo, em meu ver,
elementos para uma crítica ao paradigma da Convivência e a emergência de uma nova utopia, as imagens
evidenciam três grandes tensões: (1) há mais mudanças do que permanências na paisagem Semiárida, e
elas reclamam um lugar diferenciado de leitura, para além da dualidade risco – sustentabilidade, ou vida e
morte; (2) há um novo horizonte se desenhando, tímido, é certo, mas tem cara nova e se expressa na
hibridez, na mistura, no entrançado e até mesmo no confronto dos diferentes Semiáridos e Nordestes
observados e clicados por lentes atentas e tão diferentes; (3) por fim, embora o contexto de produção (das
fotografias) se dê em consonância com a ideia de convivência, o resultado parece tensionar o significado
semântico do termo (acomodação, adequação, ajustes, conformação, intimidade, familiaridade,
alinhamento) e desejar um lugar de mudança, insurgente. O contradito é desejado, estimulado e respeitado.
É neste contexto que arrisco sugerir o Bem Viver (BV) como uma das diferentes utopias presentes no
conjunto das fotografias desta coletânea premiada. O BV defende a construção de novas realidades
políticas, econômicas e sociais a partir de uma ruptura radical com as noções de “progresso” e
“desenvolvimento”, que são pautadas pela acumulação de bens e capital, pelo crescimento infinito e pela
exploração inclemente dos recursos naturais, que colocam em risco a sobrevivência dos próprios seres
humanos sobre a Terra. Inspirado em práticas indígenas milenares, o Bem Viver exige relações de produção,
de intercâmbio e de colaboração que propiciem a suficiência (mais do que apenas a eficiência) e a qualidade,
apoiadas na solidariedade e reciprocidade. O indivíduo está ligado ao ambiente social e a comunidade, com
todos os seus indivíduos, está em estreita relação com a natureza.
O BV, como já sinalizamos, se apresenta como uma oportunidade para construir coletivamente novas
formas de vida. E, como pontua Alberto Acosta, não é uma originalidade nem uma novidade dos processos
políticos do início do século XXI, e nem, também, é uma espécie de superstição ou poção mágica para todos
os males do mundo. O Buen Vivir, diz ele, é parte de uma grande busca de alternativas de vida forjadas no
calor das lutas da humanidade pela emancipação e pela vida. As propostas do BV surgem de grupos
tradicionalmente marginalizados e nos convidam a arrancar pela raiz vários conceitos considerados
indiscutíveis, como a ética do “viver melhor” na medida em que supõem um progresso ilimitado e uma
competição permanente entre os seres humanos. Para entender o Buen Vivir, como o programa é mais
conhecido, uma das tarefas fundamentais reside no diálogo permanente e construtivo de saberes e
conhecimentos ancestrais com a parte mais avançada do pensamento universal, em um processo de
contínua descolonização da sociedade. Assim, aponta uma ética do suficiente para toda a comunidade, e
não apenas para o indivíduo e supõe uma visão holística e integradora do ser humano, imerso na grande
comunidade terrena que inclui, além do ser humano, o ar, a água, o solo, as montanhas, as árvores e os
animais.
É isso que me toca hoje. E, de algum modo, foi isso que enxerguei nas fotos que li neste livro, que tive
a honra de prefaciar. Saúde e paz a todos os leitores e leitoras. Parabéns aos organizadores!
O livro Representações do Semiárido traz o resultado de fotografias selecionadas a partir do Concurso
Fotográfico homônimo que teve sua culminância no mês de novembro de 2016, quando da realização do I
Congresso Internacional da Diversidade do Semiárido (CONIDIS). O tema do evento foi Aprender o Semiárido,
no Semiárido e com o Semiárido. Além das fotografias selecionadas, trazemos também olhares SOBRE, DO e
NO Semiárido de alguns fotógrafos convidados.
Cumpre-nos o dever de informar que o Concurso não teve pretensão de exibir o olhar de fotógrafos
profissionais. Temos, ao longo das próximas páginas, a percepção de fotógrafos entusiastas que constroem
o Semiárido através das suas vivências e experiências neste espaço e capturaram estas construções através
das imagens selecionadas para compor este livro.
O Concurso tinha como objetivo retratar, através de uma visão mais humanística, o Semiárido
brasileiro, comunicando-o interna e externamente. Sendo esta uma região rica e diversa nos seus mais
variados aspectos, enfatizou-se a importância de aliar, à sua imagem, uma nova estética visual que
comunicasse a realidade do seu povo, da sua cultura, de suas riquezas naturais. Buscamos empregar as
fotografias inscritas como ferramentas para comunicar O e PARA O Semiárido.
As imagens aqui presentes nos auxiliam a compreender o olhar historicamente construído sobre o
Semiárido brasileiro, e também as nuances de discursos que se sobrepõem sobre o mesmo espaço: Nelas
há o espaço da tradição, do rural, mas há também o lugar da memória, dos festejos, do urbano, dos povos, o
mundo do trabalho, o colorido das feiras, das casas, das vestes, a poesia do entardecer, enfim da imagem
que temos desta região.
Mais do que o produto de um Concurso, as páginas seguintes se propõem a ser uma provocação para
desnaturalizarmos o nosso olhar sobre o espaço Semiárido, para percebermos a sua riqueza, diversidade e
saberes.
Caro leitor, faz parte do nosso lugar de desejo que, ao folhear as próximas páginas, você possa se
deleitar com a beleza das imagens e se encantar com a mensagem por elas transmitida.
A todos os que colaboraram de forma direta ou indireta com e para esta obra, os nossos sinceros
agradecimentos. Que possamos deixar um pouco da nossa contribuição na história imagética do Semiárido!

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