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Abbé Pierre

Morreu o “Gigante da misericórdia”

A vida do fundador dos Companheiros de


Emaús ficou marcada pelo combate pela
justiça e pela fraternidade

Figura emblemática do combate à


exclusão e iniciador dos Companheiros de
Emaús, o Abbé Pierre morreu em 2007, aos 94
anos, num hospital de Paris, onde tinha sido
internado na sequência de uma bronquite.
A França está de luto, “perturbada” e
“tocada no coração”, como afirmou Jacques
Chirac, numa declaração logo após a morte
daquele que era a personalidade mais querida
dos franceses há longos anos. Morreu um
“gigante da misericórdia”, disse o arcebispo de
Bruxelas, cardeal Godfried Danneels.
“A sua morte fez-me pior que o frio desta manhã”, queixou-se Gilles Vasseur, um sem-
abrigo a viver numa tenda num bairro dos arredores de Paris, à reportagem da AFP. “Nós, os
sem-abrigo, os sem nada, estamos hoje todos órfãos.”
À direita como à esquerda, na política mas também entre os responsáveis pelas
associações de apoio social e instituições religiosas, o lamento pela morte do Abbé Pierre foi
unânime. Roger Etchegaray, ex-presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, afirmou que
o fundador de Emaús “nunca se enganou no combate, declarando guerra à miséria e
desejando que os primeiros a servir fossem os mais sofredores”.
À direita como à esquerda, na política mas também entre os responsáveis pelas
associações de apoio social e instituições religiosas, o lamento pela morte do Abbé Pierre foi
unânime. Roger Etchegaray, ex-presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, afirmou que
o fundador de Emaús “nunca se enganou no combate, declarando guerra à miséria e
desejando que os primeiros a servir fossem os mais sofredores”.
“Para lá das particularidades religiosas ou filosóficas, ele lembrava a cada um o seu
dever de humanidade. Possa ele suscitar em muitas pessoas o desejo de prosseguir o seu
combate pela justiça e pela fraternidade.” Conta o Abbé Pierre em Testamento que Jacques
Gaillot, ele próprio marginalizado pelo Vaticano na sequência de posições polémicas, lhe
perguntou um dia: “Explique-me um mistério: eu, assim que abro a boca, levo uma tareia.
Você, em contrapartida, diz dez vezes mais e a mensagem passa sem problemas.” O padre
respondeu que não era bispo e que lhe tinha sido dado um “instinto de insolência comedida”,
que lhe permitia ver até que ponto poderia “clamar”…
“Antes de te matares...”

Certo é que clamou e fez muito. Resistente à ocupação da França pelos nazis, antigo
deputado, Henri Grouès de seu nome de baptismo nasceu em 5 de Agosto de 1912 em Lyon,
numa família numerosa – há mais de uma década já tinha 123 sobrinhos. Estudou com os
jesuítas mas entrou aos 19 anos nos Franciscanos Capuchinhos. Já no tempo da ocupação
nazi, recorda a AFP, entrou na clandestinidade em 1942, ajudando judeus e resistentes.
Esteve preso em 1944 às ordens dos alemães, mas conseguiu escapar. Foi depois deputado
entre 1945 e 1951.
É precisamente nesse período em que, já dedicado a apoiar mães e crianças em
dificuldade, se sente levado a criar os Companheiros de Emaús. Em Julho de 1995, numa das
suas vindas a Portugal, o próprio contava que, perante um homem desesperado que queria
suicidar-se, lhe dissera: “Antes de te matares, não queres ajudar-me a acabar algumas destas
casas para estas mães que choram?”
Em 1954, durante um Inverno especialmente rigoroso, lançou o apelo à “insurreição da
bondade”, como lhe chamou. O apelo foi renovado 40 anos mais tarde, em 1994 (e de novo
em 2006, em plena Assembleia Nacional Francesa), para denunciar o “cancro da pobreza”,
pedir apoio para os mais de 400 mil sem-abrigo franceses e defender o direito ao alojamento
digno para todos. A sua popularidade levou-o a ser convidado há poucos anos para integrar
uma candidatura ao Parlamento Europeu.

No livro Testamento, escreve no final: “Se posso transmitir uma certeza aos que vão
conduzir a luta para instilar mais humanidade em tudo, será (decididamente, não posso
escrever outra coisa): ‘Viver é aprender a amar.’ ”
Foi esse o seu lema.

“Sartre dizia : « O Inferno, são os outros! ». Estou profundamente convencido do


contrário. O Inferno é estarmos desligados dos outros! Tens vivido a acreditar que
te bastas a ti próprio. Então, basta-te! No lado oposto, o Paraíso é estar em
comunhão ilimitada. É a alegria da partilha, da troca, banhadas pela luz.”
(Mémoires d’un croyant – 1997)

“ « L’enfer, c’est les autres », écrivait Sartre. Je suis intimement convaincu


du contraire. L’enfer, c’est soi-même coupé des autres. Tu as vécu en te
voulant suffisant. Suffis-toi ! A l’inverse le Paradis, c’est être en communion
illimitée. C’est la joie du partage, de l’échange, baignés dans la lumière de
Dieu.”
“A vida eterna não começa depois da morte. Começa agora, nesta vida, na
escolha que fazemos todos os dias de só pensarmos em nós próprios ou de
partilharmos as alegrias e as tristezas dos outros. Deus não terá que nos julgar. O
julgamento será este momento de luz plena onde cada um verá aquilo que fez de si
próprio: um ser auto-suficiente ou um ser comungante.”
(Mémoires d’un croyant – 1997)

“La vie éternelle ne commence pas après la mort. Elle commence


maintenant, dans cette vie, dans le choix que nous faisons chaque jour de se
suffire à soi-même ou de communier aux joies et aux peines des autres. Dieu
n’aura pas à nous juger. Le jugement, ce sera cet instant de pleine lumière où
chacun se verra tel qu’il s’est fait: suffisant ou communiant.”

Algumas obras de Abbé Pierre: Dieu et les hommes (1993, avec Bernard Kouchner), Une terre et
des hommes (1994), Absolu (1994), Testament (1994), Dieu merci, (1995), Le bal des exclus (1996)
Mémoires d’un croyant (1997), Fraternité (1999), Paroles (1999), C’est quoi la mort ? (1999), Miettes
de vie (1999), En route vers l’absolu (2000), Confessions (2002), Je voulais être marin, missionnaire
ou brigand : carnets intimes et pensées choisies (2002), Mon Dieu... pourquoi ? (2005).

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