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0. INTRODUÇÃO
O adjetivo “lógico” pode ser considerado como equivalente a “racional”, ou também “ra-
zoável”. Já o substantivo “lógica”, embora na fala informal corresponda mais ou menos a um
dos significados de “razão” ou “racionalidade”, possui também um emprego mais técnico como
nome de uma disciplina, a lógica formal. Esta abrange desde a lógica silogística, pela primeira
vez sistematizada por Aristóteles, até a moderna lógica simbólica, hoje transformada em ciên-
cia autônoma com múltiplas ramificações.
Tradicionalmente a lógica foi considerada uma disciplina fundamental para qualquer ati-
vidade científica. O estudo da lógica deveria não somente fornecer o ‘instrumento’ para o traba-
lho científico, mas também desenvolver a habilidade para o raciocínio, necessário em qualquer
área do conhecimento. Diversos fatores contribuíram para que tal posição já não possa ser de-
fendida sem alterações e distinções.
Em primeiro lugar, a evolução da lógica para o cálculo abstrato contribuiu para tornar
cada dia mais evidente o hiato entre a lógica formal e o raciocínio real, tal como é praticado
nos diversos contextos e situações, desde uma conversa informal até as mais complexas espe-
culações filosóficas ou científicas. Se, além disso, tomarmos em conta as mais recentes análi-
ses filosóficas da linguagem, o referido hiato aparece simplesmente como instransponível. As
reflexões filosóficas deixaram claro que a linguagem não é nem pode ser algo semelhante ao
cálculo, pressuposto pela lógica formal.
Os fatores apontados, além de evidenciar os limites da lógica formal como ‘instrumento’
para o trabalho científico em geral, colocam em dúvida a própria ideia de que o estudo da ló-
gica formal possa contribuir para o desenvolvimento da capacidade de elaborar argumentos só-
lidos, ou criticar os argumentos não sólidos. O que o estudo da moderna lógica formal desen-
volve é a habilidade para o cálculo abstrato. Não é sem razão que na literatura mais recente
surgem obras com o título de lógica informal que procuram estudar o raciocínio não de modo
abstrato, mas em suas manifestações concretas. Também o nosso curso não se limitará ao es-
tudo da lógica formal; incluirá aspectos e elementos que visam contribuir para a compreensão
e o exercício prático do raciocínio no dia-a-dia. Entende-se, assim, que o nosso curso só pode
ter um caráter introdutório.
Dividiremos nosso estudo em duas partes. Na primeira parte (1.), serão apresentados
aspectos da argumentação e da linguagem, básicos e fundamentais para o trabalho de análise
lógica, além de aspectos gerais da avaliação de argumentos bem como a identificação, descri-
ção e classificação das falácias informais ou não-formais. Na segunda parte (2.), abordaremos
a lógica formal propriamente dita nas duas modalidades, a lógica silogística e a lógica simbó-
lica.

1. LÓGICA E LINGUAGEM

(Observação: O que segue, em grande parte, é uma síntese baseada em Irving. M. Copi, In-
trodução à lógica, Ed. Mestre Jou, S. Paulo, 1974).

1.1. Aspectos e elementos fundamentais da argumentação

a) Conceito e significado da lógica

Consideremos os textos:
(1) Todas as formigas são insetos.
Todas as moscas são insetos.
Portanto, todas as moscas são formigas.
(2) O que se move não se move no lugar em que está, nem no lugar em que não está.
Portanto, o movimento é impossível.
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Os textos acima representam exemplos de raciocínio. Tais exemplos nos podem mos-
trar que todos nós raciocinamos ou somos confrontados com o raciocínio de outrem, seja no
dia-a-dia, seja num contexto mais teórico. Além disso, eles apontam para a possibilidade de
existirem raciocínios incorretos. Como distinguir um raciocínio correto de um incorreto? Uma
das finalidades do estudo da lógica é o desenvolvimento da capacidade para distinguir entre
argumentos corretos, ou válidos, e incorretos, ou inválidos. Também poderíamos dizer que o
estudo da lógica é o estudo dos métodos e princípios usados para distinguir o raciocínio
correto do incorreto. A lógica, portanto, não se interessa pelas condições psicológicas ou
mentais do raciocínio. O estudo dessas condições cabe a outras ciências. A lógica se interessa
apenas pela racionalidade do processo, se o raciocínio é como deve ser.
A importância do estudo da lógica pode ser avaliada pela importância do próprio raciocí-
nio. Assim, o raciocínio é a única habilidade que possibilita ao ser humano dominar a terra,
bem como arruiná-la. É a capacidade que mais claramente nos diferencia de outras formas de
vida existentes no planeta.
Em segundo lugar, o raciocínio nos ajuda não apenas a encontrar respostas corretas
individualmente, mas, acima de tudo, ele possui um alcance social. Numa democracia ou
numa sociedade pluralista é essencial que as pessoas sejam capazes não só de raciocinar por
si mesmas a respeito das questões atinentes ao grupo a que pertencem, mas também sejam
capazes de usar a força social da razão para se persuadirem umas às outras, e assim chegar a
uma solução comum que possa ser aceita como bem fundamentada. Certamente existem ou-
tras formas de convencimento, tais como a violência ou a manipulação. Mas o emprego da ra-
zão tem seu a seu favor vantagens de ordem moral, tais como o respeito pelo direito de os ou-
tros formarem sua própria opinião, bem como as vantagens de ordem política e legal.
Acima de tudo, porém, o raciocínio é o melhor guia para a verdade. Isto não significa
que nunca se possa “seguir a voz interior”, o instinto ou a autoridade. Significa, porém, que de-
vemos usar a razão para decidir quando devemos “seguir a voz interior”, o instinto ou a autori-
dade. Contrariamente ao que poderia parecer, a afirmação de que o raciocínio é nosso melhor
guia para a verdade não é dogmática. Isto porque, mesmo no caso de outra instância se reve-
lar como um guia confiável para a verdade, quem nos diz que a referida instância é confiável é,
ainda e sempre, a razão. Suponhamos, por exemplo, que alguém afirme ter encontrado uma
nova forma de conhecimento, e se revele capaz de diagnosticar doenças e prescrever terapias,
melhor do que qualquer de nossos profissionais. Nesse caso é a razão que nos diz que deve-
mos aceitar o novo ‘profeta” ou “visionário”, e isto com base na comparação do seu desempe-
nho com aquele dos antigos especialistas. Esta é a coisa razoável a fazer, ainda que não seja-
mos capazes de apresentar um argumento explícito e direto. Portanto, não abandonamos a ra-
zão, mas ela permanece como a suprema corte de apelação.
O exemplo anterior mostra que é preciso sensibilidade para distinguir um “juízo bem
fundamentado” de um “juízo universalmente aceito”. Também não se deve identificar racio-
nar com calcular ou medir, ou ignorar as emoções, ou apelas para a autoridade. Raciocinar, às
vezes envolve tais coisas, às vezes manda rejeitá-las. Raciocinar, neste sentido mais amplo,
significa elaborar, com o maior cuidado possível, a melhor resposta que pudermos encontrar,
usando tudo o que for útil para esta finalidade.

b) O argumento; premissas, conclusões e suposições

Raciocinar é o processo pelo qual passamos de verdades claramente conhecidas ou


aceitas para verdades não claramente conhecidas ou discutíveis. Quando expresso em lingua-
gem, o resultado deste processo recebe o nome de argumento. Podemos dizer que um argu-
mento é um conjunto de proposições tal que uma delas deriva das outras, as quais são consi-
deradas provas evidentes da primeira. Aqui há vários pontos a observar.
1). Os lógicos distinguem entre sentença, ou seja, o conjunto das palavras de uma
frase, e proposição, ou seja, o conteúdo informativo de uma sentença. As frases (1) “João
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ama Inês” e (2) “Inês é amada por João” são duas sentenças diferentes, mas constituem uma
única proposição.
2) Aquelas proposições que “são consideradas provas evidentes de outra” são as pre-
missas do argumento. E a proposição que “é derivada das outras” é a conclusão do argu-
mento. Consideremos um exemplo:
“Ele se indispôs com quase todos os membros da comissão; consequentemente, é
pouco provável que ele seja aprovado”.
Aqui a sentença “é pouco provável que ele seja aprovado” é a conclusão; e a sentença
“ele se indispôs com quase todos os membros da comissão” é uma premissa.
3) O processo mediante o qual se passa das premissas para a conclusão chama-se in-
ferência. Ao lógico não interessa a inferência como processo mental, mas apenas a conexão
que o argumento afirma existir entre as premissas e a conclusão. Entende-se, assim, porque a
palavra “inferência” é usada também para designar a própria conclusão.
4). Por implicação de uma afirmação entende-se, em sentido amplo, aquilo que decorre
da mesma; e, no sentido mais estrito, aquilo que decorre necessariamente ou logicamente de
outra proposição. É importante atender a uma diferença gramatical entre “inferir” e “implicar”.
Premissas implicam conclusões, mas não inferem. Quem infere são as pessoas.
5) Uma das etapas na análise de argumentos é a identificação das premissas e con-
clusões. Esta identificação não pode ser feita atendendo simplesmente à ordem das senten-
ças no argumento. A conclusão tanto pode estar no início do argumento com o no fim, ou
mesmo entre as premissas.

Existem termos e expressões indicadores de conclusão, tais como, “portanto”, “logo”,


“por conseguinte” etc.; e termos ou expressões indicadores de premissas tais como “porque”,
“desde que”, “uma vez que” etc., mas, além de estes termos nem sempre serem indicadores de
conclusão ou de premissa, em muitos casos, eles podem ser omitidos, como neste exemplo:
“Não existem raposas nesta região. Não encontramos nenhuma ao longo do dia”.
Nestes casos, assim como em qualquer outro, para encontrar a conclusão é preciso determinar
qual é o objetivo ou a tese que o autor do argumento pretende estabelecer. E os fatos apresen-
tados para servirem de apoio para a tese constituem as premissas. Deste modo, no argumento
acima, somos levados a identificar como conclusão a sentença “não existem raposas nesta re-
gião”, e como premissa, a parte restante do texto.
Em casos mais complexos será preciso atender ao contexto em que se insere o argu-
mento, ou então ao conteúdo e orientação geral do argumento. Tomemos o exemplo:
“Se o código penal proíbe o suicídio, isso não constitui um argumento valido na Igreja; e
além disso, a proibição é ridícula; pois que penalidade poderá assustar um homem que não
teme a própria morte? ”
Aplicando as indicações acima, descobrimos que a conclusão é “a proibição do suicídio
pelo código penal é ridícula”, e que a premissa oferecida em seu apoio é “nenhuma penalidade
pode assustar um homem que não teme a própria morte”.
6) Textos mais extensos, como trabalhos científicos, podem conter e geralmente contêm
mais de um argumento. Neste caso, os vários argumentos podem apresentar-se numa sim-
ples sucessão, ou podem estar interligados de tal modo que a conclusão de um argumento
serve de premissa para o argumento seguinte. Consideremos um exemplo do primeiro tipo:
“Não é necessário- nem de muita conveniência – que o legislativo esteja sempre em ati-
vidade; mas é absolutamente necessário que o poder executivo esteja, pois não há uma neces-
sidade permanente de elaboração de novas leis, mas é sempre imprescindível a execução das
leis promulgadas”.
Um modo de analisar este trecho é considera-lo como contendo dois argumentos. Em
um deles, a conclusão de que “não é necessário que o legislativo esteja sempre em atividade”
baseia-se em que “não há uma necessidade permanente de elaboração de novas leis”.
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No outro, ”a conclusão de que é absolutamente necessário que o poder executivo esteja sem-
pre (em atividade) ” baseia-se no fato de que “é sempre imprescindível a execução das leis
promulgadas”.
Em outros casos, a conexão entre os argumentos é mais estreita, como no caso em que
conclusão de um argumento serve de premissa para outro argumento. Vejamos um exemplo:
“Como não existe resistência elétrica na bobina condutora de eletricidade de um mag-
neto supercondutor, nenhuma energia é dissipada como calor, e fortes campos podem ser
mantidos sem, praticamente, qualquer consumo de energia”.
Temos aqui a premissa “não há resistência na bobina condutora de eletricidade de um mag-
neto supercondutor” da qual “nenhuma energia é dissipada como calor” é inferida como conclu-
são. Depois, num segundo argumento, a conclusão “fortes campos podem ser mantidos sem
praticamente qualquer consumo de energia” tem como premissa a conclusão do argumento an-
terior, “nenhuma energia é dissipada como calor”.
Até aqui consideramos os constituintes básicos do argumento: as premissas e conclu-
sões. Mas de um raciocínio, normalmente, também fazem parte suposições, ou seja, algo
considerado como aceito ou evidente, mas não expresso Muitas vezes as suposições são de
tal modo óbvias que não há interesse em explicitá-las. Outras vezes, porém, suspeitamos que
um argumento repousa sobre uma suposição discutível. Neste caso será importante explicitá-la
no momento de avaliar o argumento.
c) Argumentos e não-argumentos

Nem todo e qualquer texto representa um argumento. Daí a importância de saber reco-
nhecer argumentos ou de saber distinguir entre argumentos e não-argumentos.
1). Num argumento, como vimos, uma ou mais asserções são apresentadas como
justificação para outra asserção. Isto significa que a presença de sentenças asserti-
vas é condição necessária para a presença de um argumento. Portanto, pergun-
tas, pedidos, comandos, bem como meras expressões de satisfação não constituem
argumentos. Consideremos o exemplo:
“Os sinônimos são bons servos, mas amos ruins; portanto, escolham-nos com cuidado”.
Aqui temos o indicador de conclusão,“portanto”, mas o texto não constitui um argu-
mento, porque a sentença introduzida pela palavra“portanto” não é uma asserção, mas um
conselho. Além disso, todo argumento pode ser reduzido a um condicional:
“Se todos os homens são mortais e se Sócrates é homem, então Sócrates é mortal”.
Mas nem todas as proposições condicionais expressam argumentos. Vejamos a propo-
sição: “Se os objetos de arte são expressivos, então eles são uma linguagem”.
Trata-se de um mero condicional; afirma apenas uma implicação.
Em outros casos a semelhança com argumentos é ainda maior. Assim, a conjunção
“porque” pode introduzir uma razão, mas também pode introduzir uma explicação, e neste caso
não há argumento. Consideremos os exemplos:
(1) “Nenhum sistema pode existir metade matéria e metade antimatéria, porque as duas formas
de matéria se aniquilam mutuamente”.
(2) “O império romano desmoronou e pulverizou-se porque lhe faltava o espírito de liberalismo
e livre iniciativa”.
No exemplo (1) a conjunção “porque” introduz uma razão ou justificação e afirma uma
conexão lógica entre as proposições. Já no exemplo (2) a mesma conjunção indica uma expli-
cação, a causa para o desmoronamento do império romano. Trata-se de uma conexão empí-
rica, causal, não uma conexão lógica.
Certos textos, tais como artigos científicos ou editoriais de jornal, provavelmente conte-
rão argumentos. Mas dificilmente todas as partes do texto serão partes do argumento. Neste
caso, para fazer uma avaliação crítica do argumento será útil identificar os elementos que fa-
zem parte de algum argumento, separando-os das expressões que não fazem parte de argu-
mentos.
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d) Dedução e indução

Tradicionalmente os argumentos são divididos em dedutivos e indutivos. Consideremos


os textos:
(1) Todas as maçãs daquela cesta são maduras.
Todas estas maçãs são daquela cesta.
Portanto, todas estas maçãs são maduras.
(2) Todas estas maçãs são daquela cesta.
Todas estas maçãs são maduras.
Portanto, todas as maçãs daquela cesta são maduras.
Podemos observar que no argumento (1) a conclusão decorre necessariamente das premis-
sas, ou, as premissas fornecem uma prova conclusiva. Já no argumento (2) a conclusão de-
corre provavelmente das premissas, ou, o argumento não é conclusivo. Argumentos do pri-
meiro tipo são chamados dedutivos, e argumentos do segundo tipo são chamados indutivos.
A condição para um argumento ser conclusivo é que a conclusão não acrescente ne-
nhum conteúdo informativo além daquele já expresso nas premissas. O argumento indutivo se
caracteriza por acrescentar dados não contidos nas premissas. A consequência é que a cer-
teza oferecida por tais argumentos não é igual àquela fornecida por um argumento dedutivo.
Um exemplo clássico para ilustrar esta diferença é o seguinte:
Desde tempos imemoriais o sol nasceu todos os dias.
Portanto, o sol irá nascer também amanhã.
Aqui a premissa se refere apenas a casos do passado, ao passo que a conclusão também se
refere ao futuro, introduzindo novos referentes. Por isso, a sua relação com a premissa é ape-
nas de probabilidade, não de necessidade. Se tomarmos em conta que a grande maioria dos
argumentos usados na ciência e na vida diária é do tipo indutivo, é fácil de entender porque
este é um dos problemas mais discutidos na filosofia da ciência.

e) Verdade, validade, consistência ou solidez

Na fala ordinária estes três conceitos e seus correlatos, falsidade, invalidade e inconsistên-
cia, por vezes se confundem. Mas, no contexto da lógica, eles possuem um emprego especí-
fico. Verdade é um atributo de enunciados afirmativos. Validade é um atributo de argumentos
e designa a correção com que uma conclusão foi inferida das premissas. E um argumento é
consistente ou sólido quando as suas premissas são verdadeiras e a conclusão é derivada
validamente das premissas.
Verdade/falsidade e validade/invalidade podem ser combinadas de diferentes maneiras,
dando origem às seguintes possibilidades:
(1). As premissas podem ser verdadeiras, mas a inferência pode ser inválida. Neste caso o ar-
gumento será inconsistente ou não-sólido. Exemplo:
Todos os gatos são animais.
Todos os porcos são animais.
Portanto, todos os porcos são gatos.
(2). Uma ou mais premissas podem ser falsas, mas a inferência pode ser correta. Neste caso o
argumento será válido, mas não consistente. Exemplo:
Todos os atores de novela são brancos.
Milton Gonçalves é ator de novela.
Portanto, Milton Gonçalves é branco.
(3). Uma ou mais premissas podem ser falsas e, além disso, a inferência incorreta. Neste caso
o argumento será inválido e inconsistente. Exemplo:
Eu gosto deste curso.
Todos os exames finais são fáceis.
Portanto, obterei uma boa nota no exame.
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(4). As premissas podem ser verdadeiras e a inferência válida. Neste caso, além de ser válido,
o argumento será sólido ou consistente. Exemplo:
Todos os homens são mortais.
Sócrates é homem.
Portanto, Sócrates é mortal.
Dado que dentre os vários tipos de argumento apenas um pode levar a conclusões ne-
cessariamente verdadeiras, pode-se perguntar por que também nos interessamos pelos de-
mais. A razão é que às vezes não estamos em condições de saber se nossas premissas são
verdadeiras. Se através de uma inferência válida chegarmos a uma conclusão sabidamente
falsa, podemos ter certeza de que ao menos uma das premissas é falsa. Isto significa que se
não concordarmos com determinada conclusão que parece seguir validamente de premissas, é
provável que também não estejamos de acordo com a premissa.

1.2. O meio linguístico

O raciocínio, normalmente, é apresentado e ensinado sob a forma linguística de pala-


vras e frases. Isto, contudo, não significa que a linguagem é um mero ‘instrumento’ para o raci-
ocínio. Ela é, antes, o meio em que raciocinamos. Consequentemente, também a análise da
linguagem não é mera etapa preparatória para a tarefa fundamental da análise lógica. Aqui te-
remos que limitar-nos a alguns aspectos básicos da linguagem, e mesmo estes terão que ser
apresentados de uma forma superficial.

a) Forma e função do discurso

Entende-se por forma do discurso a estrutura gramatical propriamente dita. Por isso,
identificar as diferentes formas do discurso é tarefa dos gramáticos no sentido tradicional. Es-
tes costumam distinguir quatro tipos básicos de sentenças: declarativas, interrogativas, ex-
clamativas e imperativas.
A função do discurso é determinada pela finalidade com que se usa uma sentença. Os
livros de lógica costumam distinguir três funções básicas:
(1) Função informativa. Aqui a linguagem é usada para descrever algo ou transmitir uma infor-
mação. Exemplo: “Amanhã não haverá aula de lógica”.
(2) Função expressiva. Neste caso a finalidade do discurso é expressar ou despertar senti-
mentos ou emoções. Exemplo: “Foi um prazer conversar com você”.
(3) Função diretiva. Neste caso, trata-se de causar ou impedir determinada ação. Exemplo:
“Feche a janela!”
É importante ter presente que existem ainda outros tipos de função da linguagem. J.L.
Austin observou que certos verbos, como “prometer”, “jurar”, quando usados na primeira pes-
soa singular do presente indicativo, possuem uma função especial, denominada de “função
operante”, porque neste caso não se trata de informar ou descrever, mas de realizar uma
ação. L. Wittgenstein chama a atenção para as “inúmeras espécies de emprego daquilo que
chamamos ‘signo’, ‘palavra’, ’frase’” (Investigações filosóficas, #23).
Também pode acontecer que uma mesma frase tenha uma função mista. Tudo isso
torna complexa a tarefa de identificar a função das diferentes frases. Em muitos casos seria ne-
cessário interrogar o autor da sentença, o que nem sempre é possível.

b) Significado literal e emotivo


Para que uma sentença tenha função informativa, suas palavras devem possuir um sig-
nificado literal ou cognitivo, ou seja, devem referir-se a objetos, acontecimentos etc. Quando
uma palavra ou sentença traz consigo um impacto ou sugestão emocional, fala-se de signifi-
cado emotivo.
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A relação entre significado literal e emotivo é bastante complexa. Uma mesma realidade
pode ser descrita com palavras que possuem impactos emotivos diferentes. É o caso, por
exemplo, de “burocrata”, “funcionário do governo” e “servidor público”. Pode-se dizer que o sig-
nificado literal destas três expressões é o mesmo, mas a sua carga emotiva é diferente. “Buro-
crata” tem uma conotação depreciativa, ao passo que “servidor público” traduz uma avaliação
positiva. Já a expressão “funcionário do governo” pode ser emotivamente neutra.
O contraste entre significado literal e emotivo pode ser observado neste exemplo que B.
Russell chamou de “verbos irregulares”:
“Eu sou firme;
Tu és obstinado;
Ele é um estúpido cabeça-dura”.
O uso da linguagem emotiva é perfeitamente legítimo. Contudo, quando se trata de raci-
ocinar de maneira objetiva deve-se privilegiar o discurso emotivamente neutro. Isto porque a
presença de elementos com carga emotiva facilmente leva a mal-entendidos. Por outro lado,
não se deve esquecer que, em certas áreas, como na Ética, onde aparecem termos como
“justo”, “injusto”, o discurso está longe de ser neutro.

c) Tipos de acordo e desacordo


A diferença entre significado literal e emotivo traz consigo a possibilidade de distinguir
diferentes tipos de acordo e desacordo. Falaremos de acordo/desacordo nas convicções
quando existe uma concordância/discordância a respeito dos fatos na dimensão do significado
literal. E falaremos de acordo/desacordo nas atitudes quando há concordância/discordância
nos sentimentos ou emoções. Da combinação destes dois aspectos resultam as seguintes
possibilidades:
(1) Acordo nas convicções e desacordo nas atitudes.
(2) Desacordo nas convicções e acordo nas atitudes.
(3) Acordo nas convicções e acordo nas atitudes.
(4) Desacordo nas convicções e desacordo nas atitudes.
Antes de tentar resolver qualquer desacordo é preciso identificar o tipo de desacordo
existente. Isto porque o método para resolver um desacordo nas convicções é totalmente ina-
dequado para resolver um conflito nas atitudes. Um desacordo nas convicções pode ser resol-
vido mediante averiguação dos fatos, ou maiores investigações. Mas no caso de um desacordo
nas atitudes a apresentação de novas informações é completamente inútil. O que se pode fa-
zer neste caso é trazer à discussão os motivos e intenções que levam alguém a determinada
atitude. Ou então se pode tentar a persuasão por meio de técnicas de retórica.
d) Ambiguidade e vagueza
Dizemos que uma palavra ou expressão é ambígua quando ela possui dois ou mais sig-
nificados claramente distintos. E uma palavra ou expressão é chamada vaga se o seu signifi-
cado é indefinido. Uma fala ambígua nos apresenta vários significados dentre os quais é difícil
decidir qual o significado correto. Uma fala vaga nos deixa em dúvida se existe algum signifi-
cado. Dizer “Este foi o pior livro que já li” pode ser uma sentença ambígua. E dizer “Que livro!”
É vago.
Tratando-se de termos ambíguos, muitas vezes o contexto irá determinar qual o signifi-
cado correto. O caso dos termos vagos é diferente. Podemos dizer que a maioria, se não todos
os termos da linguagem comum são vagos, no sentido de que não existe um limite preciso en-
tre o que é abrangido pelo termo e o que está excluído do seu significado. Isto vale não apenas
de termos como “rico”, “pobre”, “calvo”, mas também de palavras como “pessoa”, “família”, “de-
mocracia”.
Tanto a ambiguidade quanto a vagueza podem ser eliminadas mediante uma definição.
Mas no caso da vagueza o recurso à definição pode causar novos problemas. Isto porque se
uma palavra é vaga por natureza, dar-lhe um significado preciso equivale a alterar o seu signifi-
cado original, atribuindo-lhe novo significado. Deste modo estará aberta a porta para todo tipo
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de confusões e mal-entendidos. Mas isto não significa que estamos condenados a uma fala
vaga. O contexto ou o uso das palavras na sentença pode fornecer a precisão necessária.

e) Disputas verbais
É possível distinguir diferentes tipos de disputas ou controvérsias.
(1) Disputas reais ou genuínas. Existem quando há uma diferença autêntica de opinião entre
as partes. Uma parte acredita que determinada proposição, por exemplo, “O buraco na camada
de ozônio irá duplicar nos próximos trinta anos” é verdadeira, e outra parte acredita que ela é
falsa.
(2) Disputas meramente verbais. Ocorrem quando um lado acredita que determinada propo-
sição é verdadeira e outro lado acredita que outra proposição é falsa. As diferentes facções
não sustentam proposições opostas, mas proposições diferentes, embora possam consistir das
mesmas palavras. Por isso, em geral, essas disputas se devem à presença de ambiguidade.
Um exemplo clássico de disputa meramente verbal é descrito por W. James, e reproduzido por
I. Copi, p. 106-107. Aqui a expressão “andar em volta” é ambígua.
(3) Disputas aparentemente meramente verbais. Reúnem aspectos dos dois tipos anterio-
res, ou seja, a presença de um termo ou expressão ambígua e, além disso, há um “desacordo
na atitude”. Um exemplo apresentado por I. Copi, p. 110, diz respeito às divergências entre
USA e Rússia logo após a Segunda Guerra. Ambos concordavam que países democráticos de-
veriam ser contemplados com certos direitos, mas a sua concepção de país democrático não
era a mesma. Na opinião de muitos observadores tratava-se de uma disputa meramente verbal
que poderia ser resolvida por meio da definição de “país democrático”. Mas isto é um engano;
é que por trás da ambiguidade do termo “democrático” se escondia uma divergência profunda
de interesses e motivações éticas e políticas. Um acordo na definição deixaria o conflito intacto.
Uma disputa real pode ser resolvida mediante a apresentação de novos fatos ou maior
investigação. Na disputa meramente verbal a apresentação de novos fatos é completamente
inútil. O que se faz necessário é revelar a ambiguidade. No caso das disputas aparentemente
verbais o primeiro passo para a solução do conflito consiste na tomada de consciência da dife-
rença de “atitudes”, para depois procurar um acordo mediante negociação ou técnicas de con-
vencimento.

f) A definição
A doutrina da definição se constitui, hoje, num capítulo especializado da Filosofia da Ci-
ência. Limitaremos nossa exposição a alguns aspectos gerais e à apresentação da doutrina
clássica.
1) Aspectos gerais
Por definição, em sentido amplo, entende-se a explicação do significado de um termo
ou expressão. A definição se aplica a símbolos ou palavras, não a coisas. Mesmo uma defini-
ção como “Um triângulo é uma figura plana limitada por três linhas retas”, embora pareça refe-
rir-se ao objeto, é uma explicação da palavra “triângulo”.
Uma definição consiste de duas partes: o termo a ser definido, chamado definiendum,
e o termo ou termos usados para definir, chamado definiens.
Em correspondência com os múltiplos objetivos da definição, como eliminar a ambi-
guidade, aclarar o significado, aumentar o vocabulário, explicar teoricamente, os lógicos costu-
mam distinguir inúmeros tipos de definição.
Uma divisão simples e útil é a que distingue entre definições descritivas e estipulativas.
Chamamos descritiva a definição que descreve ou explica o significado que um termo já pos-
sui no uso da língua. São as definições encontradas no dicionário, como por exemplo, “poster-
gar significa adiar”. Por ser descritiva, tal definição pode ser verdadeira ou falsa.
Por definição estipulativa entendemos aquela que introduz um significado novo, ou que
altera um significado existente. Como exemplo do primeiro tipo temos a palavra “elétron”,
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quando foi usada pela primeira vez. A definição de “homem” como “animal racional”, ou a defi-
nição de “força” como “produto de massa e aceleração” são definições que alteram, ao menos
parcialmente, o significado de termos já existentes na língua. Uma definição estipulativa não é
verdadeira nem falsa; ela pode ser clara ou obscura, útil ou não.

2) A doutrina clássica da definição


(a) A tradição fala de dois tipos de definição: a definição nominal e a definição real.
Definição nominal é aquela que se limita a reproduzir o significado de um termo, ou ‘nome’:
“Solteiro significa homem não casado”.
Definição real é aquela que indica o que algo é, a sua essência, razão porque se fala também
de “definição essencial”. O exemplo clássico de definição real é a definição “Homem = animal
racional”.
(b) A lógica tradicional costuma distinguir dois aspectos do significado de um termo: a
extensão ou também denotação, e a compreensão ou intensão. Por extensão entende-se o
conjunto e cada um dos indivíduos incluídos na classe designada pelo termo. Assim a extensão
do termo “homem” inclui Sócrates, Platão, Cleópatra etc. Por compreensão entende-se o con-
junto das características ou propriedades que um indivíduo deve possuir para ser incluído na
classe designada por um termo. A compreensão do termo “homem”, na concepção clássica, é
“animal racional”.
No caso de termos que designam classes pertencentes a uma mesma área, existe uma
relação inversa entre compreensão e extensão. Assim, se os termos estiverem em ordem de
compreensão crescente, então sua extensão estará em ordem decrescente.
(c) A técnica de definição real mais importante que a tradição conhece é a chamada
definição por gênero e diferença específica. Por “gênero” entende-se uma classe cujos
membros podem ser divididos em subclasses. E por “espécie” entende-se qualquer uma das
subclasses em que se divide o gênero. Assim, os polígonos podem ser divididos em triângulos,
quadriláteros, pentágonos etc. Estas subclasses constituem as espécies, cada uma das quais
possui certas características que a distinguem das demais; é a diferença específica. De posse
desses conceitos, podemos entender a definição:
“Triângulo é um polígono de três lados”.
(espécie) (gênero) (dif. específica).
(Ver: Apêndice 1: A árvore porfiriana, p. 39).)

(d) Regras de uma boa definição


É possível distinguir dois grupos de regras: regras que representam requisitos para a
validade da definição e regras necessárias para a finalidade da definição.
Para ser válida a definição deve ser aplicável a todos e somente aos itens incluídos no
definiendum. Esta exigência pode ser expressa em duas regras:
(1) A definição deve descrever a essência do definido. Uma definição como “Homem = bí-
pede implume” não é válida porque as características citadas não pertencem à essência do de-
finiendum.
(2) A definição não deve ser ampla nem estreita demais. A definição “Sapato = cobertura de
couro para os pés” é demasiado estreita, e a definição anterior de “homem” é demasiado am-
pla. Um teste simples para avaliar uma definição é verificar se a recíproca é verdadeira. Exem-
plo: “Triângulo = polígono de três lados”; “Polígono de três lados = triângulo”.
Para responder ao objetivo uma definição deve satisfazer as seguintes condições:
(1) A definição não deve ser circular. Na definição “Causa = tudo aquilo que produz um
efeito” o termo “produz” vale como sinônimo de “causa”.
(2) A definição não deve ser expressa em linguagem obscura ou figurada. A definição “ar-
quitetura = música congelada” não torna mais claro o significado do definiendum.
(3) A definição não deve ser apenas negativa. A definição “Locomotiva = não é um automó-
vel” não esclarece o significado de “locomotiva”.
10

1.3. Avaliação de argumentos

Quando se trata de avaliar um argumento é preciso ter presente duas questões:


(1). As razões (e quaisquer suposições não expressas) são verdadeiras?
(2) A conclusão principal (e qualquer conclusão intermediária) decorre das razões apresenta-
das?
Para haver um argumento sólido é preciso que a resposta a ambas as perguntas seja
afirmativa. Vejamos um exemplo:
“Todos os estudantes gostam de lógica. Maria é estudante. Logo, Maria gosta de lógica.”
É fácil de notar que se a razão “Todos os estudantes gostam de lógica” for falsa, o argu-
mento não pode estabelecer a conclusão pretendida. Consideremos outro exemplo:
“Todos os alunos de lógica são brasileiros. Pedro é brasileiro. Logo, Pedro é aluno de lógica”
Aqui, mesmo que a razão apresentada seja verdadeira, a conclusão não é estabelecida porque
a razão apresentada só afirma que “Todos os alunos de lógica são brasileiros”; mas não diz
que somente alunos de lógica são brasileiros. Este exemplo mostra que a segunda pergunta
acima é igualmente decisiva para a avaliação do argumento.

a) Avaliação da verdade das razões e conclusões


1) O conhecimento comum. Na avaliação da verdade das razões e conclusões, o co-
nhecimento comum pode ser de grande ajuda. Consideremos o argumento:
“Uma terça parte da população continua fumando. Todos devem estar sabendo que fu-
mar causa câncer do pulmão e doenças do coração. Portanto, conhecer os riscos do fumo para
a saúde não é suficiente para levar as pessoas a deixarem de fumar”.
Em relação à primeira razão do argumento, “Uma terça parte da população continua fu-
mando”, sabemos que certo número de pessoas fuma porque o vemos. Mais difícil de avaliar é
a segunda razão do argumento: “todos devem conhecer os riscos do hábito de fumar. É que
ela depende de uma suposição: a publicidade a respeito dos riscos de fumar foi absorvida por
todos. Talvez uma forma de sabê-lo é perguntar aos fumantes se eles acreditam que fumar é
prejudicial à saúde.
Às vezes será necessário confiar no testemunho de outras pessoas para avaliar a ver-
dade de uma afirmação, seja porque o conhecimento de sua verdade depende da experiência
direta que nós não possuímos, seja porque ela depende do conhecimento especializado, que
também nos falta.
2) A confiabilidade do testemunho de outras pessoas. Não podemos ter garantia de
que, confiando no testemunho de outras pessoas, jamais iremos enganar-nos. Mas há uma sé-
rie de perguntas que podem ser úteis no momento de avaliar a confiabilidade da evidência e do
testemunho de outras pessoas:
(1). É provável que a pessoa esteja mentindo, omitindo alguma informação importante
ou tentando enganar?
(2) A pessoa está em condições de possuir um conhecimento relevante?
(3) Existem fatores que poderiam interferir na correção do juízo desta pessoa (ela esta-
ria sob o efeito de dalguma droga, ou tem forte desejo de fazer prevalecer uma versão sobre
outra?)
(4) Existem evidências provenientes de outra fonte que confirmam as afirmações dessa
pessoa (por exemplo, outras pessoas dizem o mesmo)?
b) Avaliação da sustentação das conclusões
Trata-se de decidir se as conclusões dos argumentos são de fato estabelecidas ou sus-
tentadas pelas razões apresentadas. A condição básica para tanto é que as razões ou evidên-
cias sejam relevantes para a conclusão. E quando dizemos que a razão deve ser relevante
para a conclusão não entendemos simplesmente que ela se refere ao mesmo tópico, mas que-
remos dizer que é necessário que a razão, no caso de ser verdadeira, faça diferença em rela-
ção à aceitabilidade da conclusão. Isto significa que uma razão pode ser relevante e contudo
11

não sustentar a conclusão. É o que nos pode mostrar o seguinte exemplo. Suponhamos que a
conclusão de um argumento seja “Os doadores de sangue deveriam ser pagos pela doação”.
Qual dentre as seguintes afirmações vale como razão que sustenta a conclusão:
(1) A administração serviço de doação de sangue é dispendiosa.
(2) As pessoas que normalmente doam sangue o fazem para ajudar outros.
(3) Há falta de doadores de sangue, e o pagamento iria animar mais pessoas a serem doadores.
A resposta correta é (3) porque ela sustenta a conclusão mostrando que, se for ofere-
cido pagamento pela doação de sangue, isto pode diminuir a falta de doadores. Mas (1) tam-
bém é relevante, no sentido de que ela tem certa importância para a recomendação de pagar
os doadores. Mas, se o serviço de doação de sangue já é dispendioso, então isto pode ser
uma razão para rejeitar a recomendação. Deste modo, (1) não sustenta a conclusão, antes
pesa contra a mesma.
O exemplo nos mostra que saber que a razão apresentada é relevante para a conclu-
são não basta para saber se ela sustenta conclusão. É preciso considerar também a maneira
pela qual ela tem importância para a conclusão. A base de sustentação oferecida pelas razões
pode ser mais ou menos firme. Além disso, também são diferentes as maneiras pelas quais as
razões sustentam as conclusões.
No momento de avaliar as razões que sustentam a conclusão são importantes as per-
guntas seguintes:
(1) As razões/evidências são relevantes para a conclusão?
(2) Se este for o caso, as razões/evidências oferecem uma boa base para aceitar a conclusão?
(3) Se a conclusão recomenda alguma ação ou providência, seria razoável agir com base nas
mesmas?
(4) É possível pensar em alguma outra evidência, não mencionada no argumento, capaz de en-
fraquecer ou reforçar a conclusão? Vejamos um exemplo:
“Foram desenvolvidas novas drogas capazes de combater a rejeição de órgãos trans-
plantados. No passado, a maioria de óbitos ocorridos pouco tempo após o transplante de cora-
ção eram devidas à rejeição. É provável, portanto, que as novas drogas elevem s taxas de so-
brevida dos transplantados de coração”.
É fácil de ver que as razões não apenas são relevantes para a conclusão, mas lhe dão uma
base firme de sustentação: se alguns pacientes que, de outro modo, teriam morrido, sobrevi-
vem, isto significa que a taxa de sobrevida é mais alta. Portanto, podemos considerar a conclu-
são bem fundamentada. (Para análise de textos mais extensos, veja apêndice 2, p. 39-41).

c) Identificação das falácias na argumentação; as falácias não-formais


Se as razões apresentadas num argumento de nenhum modo sustentam a conclusão,
então dizemos que o argumento contém uma falácia. Este termo é usado, na Lógica, para de-
signar um raciocínio incorreto que, no entanto, pode parecer correto. As falácias podem ocor-
rer, propositada ou inadvertidamente, nas mais diversas áreas, tais como nos debates políticos,
jurídicos, científicos, éticos, ou seja, em qualquer área em que se recorre à argumentação. A
habilidade para identificar as falácias consiste em ser capaz de perceber que a conclusão não
decorre das razões ou evidências apresentadas, e ser capaz de dizer porque isto é assim. O
treinamento desta habilidade tem o valor de propiciar familiaridade com os erros mais comuns,
e, dessa maneira ajudar na proteção contra os mesmos.
Costuma-se distinguir dois tipos de falácias : falácias formais, e falácias informais ou
não-formais, As falácias formais são aquelas que surgem pela violação das regras da argu-
mentação, que serão estudadas por ocasião do estudo da lógica formal; as falácias não-for-
mais ou informais derivam de fatores mais gerais, tais como a diferença de funções da lingua-
gem, ou o caráter ambíguo ou vago de muitos termos.
O interesse pelas falácias vem de longa data, tanto assim, que alguns tipos são identifi-
cados por nomes latinos. Não existe unanimidade na sua classificação ou divisão. Aqui distin-
guiremos três tipos: falácias de relevância, falácias de ambiguidade e falácias especulativas.
12

1) Falácias de relevância
O nome deriva do fato de, neste tipo de argumento, as premissas serem logicamente
irrelevantes para provar a conclusão. Se apesar disso tais argumentos possuem força de per-
suasão é porque a irrelevância lógica facilmente passa despercebida. São falácias de relevân-
cia, algumas das quais costumam ser identificadas pelo nome em latim:
(1) Argumentum ad baculum (recurso à força). Trata-se do emprego ou ameaça de emprego
da força, física ou moral, para levar as pessoas a aceitarem determinada conclusão. Exemplo:
“Não discuta comigo. Lembre-se de quem paga o seu salário”.
(2) Argumentum ad hominem (ataque pessoal). Consiste em desviar a atenção do assunto
discutido e voltá-la contra a pessoa. Aqui é possível distinguir diferentes formas.
(a) Falácia genética. Ataca-se uma tese ou instituição condenando sua origem: “Esta proposta
de ajuda aos estudantes tem por finalidade explorar os estudantes pobres, porque foi elabo-
rada por uma equipe formada por membros do professorado e da administração. Nenhum estu-
dante fez parte da equipe”.
(b) Argumento ofensivo. Ataca-se o caráter do adversário, não sua tese: “Em resposta ao ar-
gumento do cavalheiro só preciso dizer que, dois anos atrás, ele defendeu energicamente as
mesmas medidas às quais agora se opõe”.
(c) Circunstancial. procura destruir a credibilidade do adversário insinuando interesses ocul-
tos: “É claro que ele se opõe ao controle sobre os aluguéis; ele é dono de vários prédios de
apartamentos”.
(d) Envenenar o poço. Procura impedir a discussão atacando a credibilidade do adversário:
“Aqueles que discordam de mim quando afirmo que a humanidade está corrompida provam
que eles já estão corrompidos”.
(3) Argumentum ad ignorantiam (recurso ao desconhecimento). Em lugar de apresentar evi-
dências em favor de uma tese, recorre-se à falta de evidência em seu favor: “Existe vida inteli-
gente no espaço extraterrestre porque jamais alguém provou o contrário”.
Este argumento nem sempre é falacioso. Em contexto jurídico, supõe-se que alguém é
inocente enquanto não for provado culpado.
(4) Argumentum ad misericordiam. Para conseguir que determinada tese seja aceita, re-
corre-se à piedade ou compaixão: “Por favor, professor, me dê uma chance! Tive que acompa-
nhar meu pai ao médico”.
(5) Argumentum ad populum. Trata-se do apelo aos sentimentos ou emoções das multidões,
ou do ‘povo’: “Porque vocês são universitários, eu sei que lhes posso falar com seriedade a
respeito de assuntos difíceis”.
(6) Argumentum ad verecundiam (apelo à autoridade). Procura-se convencer através do re-
curso a uma instância que inspira ‘respeito’: “A ideia de financiar pesquisa com golfinhos é ridí-
cula. Nós a discutimos hoje durante o almoço, e o tesoureiro, o presidente e o diretor de pes-
soal todos foram unânimes a respeito de sua completa inutilidade”.
(7) Acidente. (Generalização ampla). Trata-se da aplicação de uma regra geral válida a um
caso atípico: “Já que andar a cavalo é um exercício saudável, o seu avô deveria praticá-lo com
frequência porque fará bem ao seu coração”.
(8) Acidente convertido (Generalização apressada). Consiste em usar uma evidência insufi-
ciente como base para uma conclusão geral: “Passei um mau bocado com meu antigo marido.
Aprendi com isso que os homens não prestam”.
(9) Falsa causa. Supõe-se uma conexão causal entre fenômenos por causa de sua proximi-
dade ou sucessão temporal: “As eleições levam as pessoas a gastarem mais. Os números são
claros. Os gastos sempre aumentam em ano de eleição”.
(10) Petitio principii. (Petição de princípio). Em lugar de oferecer provas para a sua conclu-
são, o argumento reafirma a conclusão sob outra forma; trata-se de argumentos circulares: “Mi-
lagres são impossíveis porque eles não podem ocorrer”.
(11) Pergunta complexa. É a forma interrogativa da petição de princípio: “Por que as mulheres
revelam mais interesse pela religião do que os homens? ”
13

(12) Ignoratio elenchi (Desconhecimento de elenco). Procura-se provar uma conclusão que
não está em discussão: “O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada, pois cada qual
pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são difíceis de contentar em qualquer
outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que tem” (R. Descartes).
(13) Rampa escorregadia (Mau precedente). Supõe-se que uma ação ou passo proposto irá
desencadear uma cadeia indesejável de fatos: “Hoje é o aborto; amanhã será o doente mental,
e depois os fracos e idosos, ou qualquer outra pessoa considerada indesejável”. Como mostra
o exemplo, este raciocínio é usado, muitas vezes, para se opor a mudanças na política ou em
outras áreas da vida social.
(14) Falsa analogia. Trata-se de tirar uma conclusão da comparação entre duas coisas incom-
paráveis: “O que é ensinado nesta escola deveria depender inteiramente do interesse dos alu-
nos; afinal, consumir conhecimento é igual a consumir qualquer outro produto, e o comprador
decide o que irá comprar”.
(15) Bifurcação (ou falso dilema). Considera-se uma distinção ou classificação como exclu-
siva ou exaustiva quando existem outras alternativas: “Ou você está do meu lado, ou você é
contra mim” “Temos que escolher entre a segurança e a liberdade. E faz parte da natureza dos
povos americanos assumir o risco da liberdade”.
(16) Falácia do apostador. Consiste na crença de que a jogada seguinte é influenciada de al-
guma forma pela anterior: Se uma moeda deu quatro vezes seguidas ‘coroa’, a possibilidade
seguinte não é 32 vezes maior de dar ‘cara’, mas é simplesmente uma em duas. “Eu concordo
com Afonso neste ponto; ele não pode estar sempre errado”

2) Falácias de ambiguidade
São as falácias decorrentes do significado duplo de palavras ou expressões. Esta ambi-
guidade pode apresentar-se sob diversas formas, donde resultam diferentes tipos de falácias.
(1) Equívoco. Consiste no emprego ambíguo de algum termo ou expressão ao longo de um
argumento. Exemplo: “Minhas sensações só perduram enquanto eu existo.
O que experimento são minhas sensações.
Portanto, o que experimento só existe enquanto eu existo.”
(2) Anfibologia. Certos enunciados, em virtude de sua construção gramatical, podem receber
diferentes interpretações. Exemplos clássicos são os oráculos gregos, como o famoso oráculo
de Delfos, dado a Creso, rei da Lídia: “Se Creso declarar guerra à Pérsia, destruirá um reino
poderoso”. Aqui o “reino poderoso” pode ser o da Pérsia, mas também o da Lídia.
(3) Ênfase. Aqui a ambiguidade resulta do acento ou ênfase em uma ou outra parte do enunci-
ado. Assim, o enunciado “Não devemos falar mal de nossos amigos” pode receber diferentes
interpretações. Pode significar que não devemos falar mal de nossos amigos, mas que seria
lícito fazer-lhes mal de outra forma; também pode significar que não devemos falar mal de nos-
sos amigos, mas que isto não vale em relação a outras pessoas.
(4) Composição. É possível distinguir duas formas desta falácia. Num primeiro caso se infere
das partes para o todo: “Todas as partes desta máquina são leves. Portanto, esta máquina é leve”.
Ou então, se pode inferir dos indivíduos para a coleção:
“Para cada coisa houve um instante em que ela não existiu. Portanto, houve um ins-
tante em que todas as coisas não existiram”.
(5) Divisão. Consiste no processo inverso do anterior. Também aqui são possíveis duas moda-
lidades. Numa primeira variante há uma transição indevida do todo para as partes:
“Esta máquina é pesada. Portanto, as partes desta máquina são pesadas”.
Na outra modalidade temos uma inferência da coleção para os seus membros:
“Os indígenas americanos estão desaparecendo.
Aquela pessoa é um indígena americano.
Portanto, aquela pessoa está desaparecendo.
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c) Falácias especulativas
Trata-se de erros ou equívocos que não afetam a comunicação ordinária,( por exemplo ,
quando alguém pergunta “O que você está pensando?”), mas o pensamento especulativo (por
exemplo, quando perguntamos “O que é [ou, em que consiste] o pensamento?”. Embora te-
nham relação com a lógica da língua, tais falácias não se enquadram na lógica formal.
É possível distinguir diferentes tipos de falácias. As mais comuns se enquadram nos se-
guintes grupos.
(1) Falácias de sentido. Porque um conjunto de palavras se apresenta como uma sen-
tença, supomos que também deve ter um sentido, ser uma afirmação. Exemplos: “Promessas
devem ser cumpridas”; (compare com “Você deve ser mais pontual”);“Cada coisa é idêntica
consigo mesma”; “São cinco horas no sol”.
(2) Falácias de descrição. Uma palavra ou expressão que não descreve é interpretada
por analogia com outra que descreve. Sentenças com Verbos psicológicos (‘pensar’, entender’
compreender’), quando empregados na primeira pessoa do singular, não são descrições.
Exemplos: “Agora entendi!” “Espero que ele venha”.
(3) Falácias de referência. Um substantivo nos leva a procurar algo que corresponda a
ele. Assim, uma palavra que não possui referente é assimilada a outra que possui referente.
Exemplos: “Todas as palavras tem sentido”. (Compare com “Todas as árvores tem folhas”).
Cabe aqui também o exemplo do paradoxo do “monte de areia”, (apresentado por S. Schwartz,
em Uma breve história da filosofia analítica, p. 319-20). Suponha-se que temos um monte de
areia; formado por n grãos de areia (estabeleça um número para “n”); se removermos um grão
de areia, ainda teremos um monte de areia. Simbolicamente podemos representar isto assim:
“n-1”. Podemos repetir este processo (de remover um grão de areia por vez) para chegarmos a
“n-n”; mas ainda teríamos um monte de areia. De acordo com o autor, “ainda não foi proposta
uma resolução bem-sucedida”. Você tem uma solução? (Problema semelhante aparece no
exemplo do “navio de Teseu”, apresentado pelo mesmo autor (Veja, p. 231).
(4) Falácias de essência. Termos gerais como “jogo”, “linguagem”, “proposição” “regra” são
interpretados por analogia com nomes próprios, como ‘Napoleão Bonaparte ’. Assim como um
nome próprio designa uma pessoa individual, supomos também que deve haver algo comum a
tudo que chamamos de ‘jogo’, ‘linguagem’, ‘proposição, ‘regra’.

2. LÓGICA FORMAL

2.1. A lógica silogística

a) Tipos de proposições
1) Proposições categóricas, como, por exemplo, “A classe dos porcos não é um
porco”. Aqui temos uma proposição simples que estabelece uma relação entre classes, repre-
sentadas pelos termos da proposição, o sujeito do qual se predica algo, e o predicado, aquilo
que se predica do sujeito.
2) Proposições disjuntivas, como por exemplo, “Amanhã irei estudar Lógica ou Histó-
ria da Filosofia ”. Trata-se de uma proposição composta e a relação entre as proposições com-
ponentes é a disjunção.
3) Proposições condicionais ou hipotéticas, como por exemplo, “Se o ser humano não
mudar, acabará por destruir o planeta”. Também aqui temos uma proposição composta, e a re-
lação entre as proposições componentes é o condicional.
15

b) As proposições categóricas

1) Qualidade e quantidade
(a) A qualidade de uma proposição consiste no fato de ela ser afirmativa, (afirma a in-
clusão entre classes), ou negativa, (afirma a exclusão entre classes).
(b) A quantidade de uma proposição consiste no fato de a afirmação de inclusão ou ex-
clusão entre classes ser total, (refere-se a todos os membros da classe), ou ser parcial, (refere-
se apenas a uma parte dos membros da classe).

2) Forma típica da proposição é a que resulta da combinação entre qualidade e quan-


tidade. De acordo com as combinações possíveis, teremos as seguintes formas típicas:
(a) Afirmativa universal (“Todos os alunos são estudiosos”).
(b) Afirmativa particular (“Alguns alunos são estudiosos”).
(c) Negativa universal (“Nenhum aluno é estudioso”).
(d) Negativa particular (“Alguns alunos não são estudiosos”).

3) Representação simbólica das formas típicas. Para tanto existem os seguintes sím-
bolos convencionais:
(a) A (Afirmativa universal).
(b) I (Afirmativa particular).
(c) E (Negativa universal).
(d) O (Negativa particular).
Para fins de memorização pode-se pensar nas formas verbais “AfIrmo” e “nEgO”.
4) Distribuição
Diz-se que um termo se encontra distribuído se a proposição em que ele comparece
se refere a todos e cada um dos membros da classe designada pelo termo. Quando a proposi-
ção se refere apenas a uma parte dos membros da classe designada por um termo, diz-se que
o termo é não-distribuído.
A distribuição ou não de um termo depende de dois fatores:
(1) a natureza da proposição (se ela é afirmativa ou negativa universal ou particular);
(2) a função do termo na proposição (se ele é sujeito ou predicado).
Assim, numa proposição afirmativa universal, como “Todos os alunos são estudiosos”, o
sujeito é claramente distribuído, porquanto a proposição se refere a todos os membros da
classe dos “alunos”; já o predicado é não-distribuído, uma vez que a proposição não se refere a
todos e cada um dos membros da classe dos “estudiosos”. A partir daqui se entende que numa
proposição afirmativa particular ambos os termos são não-distribuídos.
Numa proposição negativa universal, como “Nenhum aluno é estudioso”, ambos os ter-
mos são distribuídos, ou seja, a proposição afirma que todos e cada um dos membros da
classe dos “alunos” está fora de toda a classe dos “estudiosos”, e que todos e cada um dos
membros da classe dos “estudiosos” está fora de toda a classe dos “alunos”. Uma proposição
negativa particular, como “Alguns alunos não são estudiosos”, refere-se apenas a uma parte da
classe dos alunos, razão porque o sujeito é não-distribuído. Mas ela se refere a toda a classe
dos “estudiosos”, ao afirmar que parte da classe dos “alunos está fora de toda a classe dos “es-
tudiosos”; portanto, o predicado é distribuído.
Resumindo, podemos dizer que são distribuídos os sujeitos das universais e os predica-
dos das negativas; os demais termos são não-distribuídos.

5) O quadro de oposições
(a) O quadro de oposições. Proposições categóricas, que tenham o mesmo sujeito e o
mesmo predicado, podem diferir apenas na quantidade ou apenas na qualidade, ou em ambas.
Usando o termo “oposição” para designar tais diferenças, as relações possíveis entre as quatro
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proposições categóricas podem ser esquematizadas no seguinte quadro, conhecido como


“quadro de oposições”:

(b) Inferências imediatas


As relações de oposição, contidas no quadro de oposições, permitem certo número de
inferências imediatas, ou seja, a partir da verdade ou falsidade de uma proposição é possível
concluir, sem mais, a verdade ou falsidade de outra proposição. Desta forma teremos:
(1) Proposições contraditórias: não podem ser nem ambas verdadeiras, nem ambas falsas.
(2) Proposições contrárias: podem ser ambas falsas, mas não ambas verdadeiras.
(3) Proposições subcontrárias: podem ser ambas verdadeiras, mas não ambas falsas.
(4) Subalternadas: a verdade da superalterna implica a verdade da subalterna, mas não vice-
versa. A falsidade da subalterna implica a falsidade da superalterna, mas não vice-versa.

(c) Outras inferências imediatas. Ao lado das inferências, baseadas no quadro de oposições,
são possíveis outras inferências igualmente imediatas. Dentre estas distinguimos as seguintes.
(a) Conversão. Consiste na permuta de sujeito e predicado. A conversão simples é vá-
lida para as proposições E e I. Já as proposições A admitem apenas uma conversão acidental,
ou seja, além da permuta, é preciso alterar a quantidade da proposição. As proposições O nor-
malmente não admitem nenhum tipo de conversão.
(b) Obversão. Consiste na mudança da qualidade da proposição e substituição do predi-
cado pelo seu complemento. (Complemento de um termo é o conjunto de todos os elementos a
que o termo não se refere. Assim, o complemento de “aluno” é “não-aluno”). A obversão é vá-
lida para os quatro tipos de proposição.
(c) Contraposição. Consiste na substituição do sujeito pelo complemento do predicado e
a substituição do predicado pelo complemento do sujeito. As proposições A e O admitem uma
contraposição simples. As proposições E admitem apenas uma contraposição acidental; e as
proposições I não admitem nenhum tipo de contraposição.

c) O problema do conteúdo existencial


Diz-se que uma proposição tem conteúdo existencial se ela afirma a existência de mem-
bros de determinada classe. Assim, a proposição “Alguns alunos são estudiosos” afirma a exis-
tência de pelo menos um aluno, ao passo que a proposição “Não existem almas penadas”
afirma que a classe “almas penadas” é vazia, ou seja, não possui membros.
A lógica tradicional trabalha com o pressuposto de que todas as proposições categóri-
cas possuem conteúdo existencial. É possível, no entanto, apresentar uma série de dificulda-
des contra este pressuposto existencial genérico.
(1) O pressuposto existencial genérico não está em pleno acordo com o uso ordinário.
Assim, se alguém dissesse “Todos os livros sobre a mesa são do professor”, e verificássemos
que não há nenhum livro sobre a mesa, não diríamos que a afirmação é falsa.
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(2) O pressuposto existencial genérico impede negar a existência de membros de uma


determinada classe. Mas se alguém disser “Não existem almas penadas” ele pretende afirmar
que a classe “almas penadas” é vazia.
(3) Também pode acontecer que desejemos falar sem formular quaisquer pressupostos
existenciais. Assim, por exemplo, a primeira lei do movimento de Newton “Qualquer corpo não
submetido à ação de forças exteriores conserva seu estado de repouso ou de movimento uni-
forme numa linha reta” não pretende afirmar que existe algum corpo nas referidas condições.
Por essas e outras razões os lógicos modernos decidiram abandonar o pressuposto
existencial genérico. Considera-se que apenas as proposições I e O possuem conteúdo exis-
tencial. Par as demais proposições adota-se a interpretação hipotética, ou seja, as proposições
podem ter e podem não ter conteúdo existencial.
A interpretação “hipotética” traz consequências para as inferências imediatas e o silo-
gismo.
(1) Em relação ao quadro de oposições observa-se que as proposições A e E podem
ser ambas verdadeiras. E as proposições I e O podem ser ambas falsas. Também as inferên-
cias baseadas na subalternação já não são válidas. As únicas inferências que continuam váli-
das são aquelas baseadas na relação de contradição.
(2) A conversão permanece válida para as proposições E e I. A obversão continua vá-
lida para as quatro proposições categóricas. A contraposição é válida apenas para as proposi-
ções A e O.
(3) As consequências para o silogismo serão vistas mais adiante.

d) O silogismo categórico de forma típica


Dá-se o nome de silogismo ao argumento que infere uma conclusão a partir de duas
premissas. Silogismo categórico é aquele que contém apenas proposições categóricas, em
oposição argumentos com enunciados disjuntivos ou hipotéticos.

1) A forma típica do silogismo.


Diz-se que um silogismo categórico se encontra na forma típica, ou forma padrão
quando as proposições componentes se encontram em uma ordem determinada. Para especifi-
car qual seja esta ordem, é preciso tomar conhecimento de alguns conceitos clássicos relativos
ao silogismo.
(a) Termos do silogismo. Consideremos um exemplo:
Todos os cães são mamíferos.
Todos os mamíferos são animais.
Portanto, todos os cães são animais.
Como revela este exemplo, um silogismo contém exatamente três termos, cada um dos quais
ocorre exatamente duas vezes. Dois destes termos ocorrem na conclusão e em uma das pre-
missas; o terceiro termo ocorre em cada uma das premissas. Com base nestes dados, será
possível identificar os termos do silogismo:
(1) Termo maior, é o predicado da conclusão, por isso também chamado de predi-
cado do silogismo,
(2) Termo menor, que é o sujeito da conclusão, por isso também chamado de sujeito
do silogismo.
(3) Termo médio, aquele que ocorre em cada uma das premissas.
(b) As premissas do silogismo. Considerando que as premissas, em número de duas, con-
têm, uma o termo maior, e outra o termo menor, podemos estabelecer os seguintes conceitos:
(1) Premissa maior: aquela que contém o termo maior.
(2) Premissa menor: aquela que contém o termo menor.
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(c) A forma típica do silogismo. Estamos agora em condições de entender o conceito de


forma típica do silogismo. Esta é caracterizada pela seguinte ordem das proposições do silo-
gismo: premissa maior, premissa menor, conclusão. Deste modo, a forma típica do silogismo
acima é:
Todos os mamíferos são animais
Todos os cães são mamíferos.
Portanto, todos os cães são animais.
2) Modo e figura; a forma do silogismo.
(a) O modo do silogismo é determinado pelo tipo de suas proposições, ou seja, pela
quantidade e qualidade das premissas e da conclusão. Para representar o modo de um silo-
gismo usam-se os símbolos já mencionados acima. Mas é preciso verificar antes se o silogismo
se encontra na forma típica. Assim, o modo do silogismo acima é AAA.
Considerando que há quatro tipos de proposições, e que as proposições do silogismo
são em número de três, os modos possíveis são determinados pela fórmula 43, ou seja, 64.
(b) A figura do silogismo é determinada pela posição do termo médio, isto é, se ele for
sujeito ou predicado. Considerando que o termo médio comparece em cada uma das premis-
sas, as figuras possíveis serão em número de quatro, assim identificadas:
1ª figura: o termo médio é sujeito na premissa maior e predicado na premissa menor.
2ª figura: o termo médio é predicado em ambas as premissas.
3ª. Figura: o termo médio é sujeito em ambas as premissas.
4ª. Figura: o termo médio é predicado na premissa maior e sujeito na premissa menor.
Olhando para nosso exemplo acima, vemos que se trata de um silogismo de primeira
figura. (Também aqui é importante certificar-se que o silogismo se encontra na forma típica)
(c) A forma do silogismo é o resultado da combinação entre modo e figura. Conside-
rando que os 64 modos podem repetir-se em cada uma das figuras, teremos 64x4=256 formas
possíveis. Olhando novamente para o exemplo acima, vemos que se trata de um silogismo de
modo AAA e de figura 1. A maneira convencional de representar a forma do silogismo é esta:
AAA-1.

3) As formas válidas do silogismo; regras do silogismo válido


Considerando que a validade de um silogismo depende unicamente da sua forma, podemos
dizer que será válido todo o silogismo que tiver uma forma válida, e será inválido todo o silo-
gismo que tiver uma forma inválida. Neste caso fala-se de falácia formal.
Na realidade, apenas algumas dentre as 256 formas possíveis resultam em silogismos
válidos. E aqui é importante atender á diferença na interpretação do conteúdo existencial na ló-
gica tradicional e na lógica moderna. Silogismos com apenas premissas universais e conclusão
particular são considerados inválidos na interpretação moderna, mas podem ser válidos na in-
terpretação tradicional. (Veja apêndice 3, p.41).
A partir do que precede, é fácil de entender o interesse dos lógicos na elaboração de
regras que permitam distinguir entre formas válidas e inválidas. Existem diferentes formulações
de tais regras. A formulação, apresentada a seguir, incorpora a interpretação moderna quanto
ao conteúdo existencial. Qualquer silogismo que violar uma destas regras será inválido, ou
seja, para ser válido o silogismo deve estar conforme com todas as regras.
Regra I: Não pode haver mais do que três termos no silogismo. Considerando que a con-
clusão do silogismo afirma uma relação entre o termo menor e o termo maior, entende-se que
a conclusão só pode ser justificada se as premissas estabelecerem uma relação de cada um
destes termos com o mesmo termo médio. No caso de haver mais de três termos, esta condi-
ção não é satisfeita, como acontece neste exemplo:
Minhas sensações só perduram enquanto eu existo.
O que eu experimento são minhas sensações.
Portanto, o que experimento só existe enquanto eu existo.
Aqui o termo médio “sensações” é ambíguo, e deste modo o silogismo possui quatro termos.
19

Regra II: O termo médio deve estar distribuído pelo menos uma vez. A função do termo
médio é estabelecer uma relação necessária entre os termos extremos. Isto ocorre somente se
pelo menos um dos termos extremos estiver relacionado com a totalidade da classe designada
pelo termo médio. Caso contrário, poderia acontecer que cada um dos termos extremos esti-
vesse relacionado cada qual com uma parte da classe designada pelo termo médio, e, por-
tanto, não haveria uma relação necessária entre os mesmos, ou seja, a conclusão não segue
das premissas. E a referida relação com a totalidade da classe designada pelo termo médio so-
mente ocorre se este estiver distribuído pelo menos uma vez. Consideremos um exemplo:
Todos os filósofos são estudiosos.
Todos os matemáticos são estudiosos.
Portanto, todos os matemáticos são filósofos.
Aqui o termo médio “estudiosos” não está distribuído nenhuma vez. Isto significa que a classe
dos “filósofos” pode relacionar-se com uma parte da classe dos estudiosos, e a classe dos ma-
temáticos, com outra parte da classe dos estudiosos. Por esta razão não há uma relação ne-
cessária entre a classe dos filósofos e aquela dos matemáticos.
Regra III: Um termo distribuído na conclusão também deve estar distribuído nas premis-
sas. Ao distribuir um termo na conclusão, o silogismo se refere a toda a classe designada por
este termo, enquanto, o mesmo termo, não estando distribuído na premissa, refere-se apenas
a uma parte da referida classe. É o que acontece neste exemplo:
Todos os cães são mamíferos.
Nenhum gato é cão
Portanto, nenhum gato é mamífero.
Aqui o termo “mamífero” está distribuído na conclusão, mas não está distribuído na premissa,
ou seja, a conclusão afirma mais do que as premissas.
Regra IV: Nenhum silogismo pode ter duas premissas negativas. No caso de duas premis-
sas negativas, a premissa maior afirma a exclusão, total ou parcial, entre as classes designa-
das pelo termo médio e o termo maior; e a premissa menor afirma a exclusão, total ou parcial,
entre as classes designadas pelo termo médio e o termo menor. Deste modo não resulta uma
relação necessária entre termo maior e menor, como se vê neste exemplo:
Nenhum político é sincero.
Alguns professores não são sinceros.
Portanto, alguns professores não são políticos.
Pelo fato de as classes dos “políticos” e dos “professores” estarem fora da classe dos “since-
ros” não segue nenhuma relação necessária entre as duas primeiras.
Regra V: Se uma das premissas for negativa, a conclusão não pode ser afirmativa. Uma
conclusão afirmativa indica que há uma inclusão total ou parcial, entre as classes do termo
maior e menor. Mas esta é uma consequência que decorre somente do fato de ambas as clas-
ses referidas estarem incluídas, total ou parcialmente, em uma terceira, que é a classe desig-
nada pelo termo médio. Isto que dizer que ambas as premissas deveriam ser afirmativas. Veja-
mos um exemplo:
Alguns filósofos não são atletas.
Todos os tenistas profissionais são atletas.
Portanto, todos os tenistas profissionais são filósofos,
Se existe uma inclusão entre “atletas” e “tenistas profissionais”, como afirma a premissa menor,
e uma exclusão (parcial) entre “atletas” e “filósofos”, como afirma a premissa maior, não é pos-
sível concluir que haja uma inclusão, total ou parcial, entre “tenistas profissionais” e “filósofos”,
como afirma a conclusão.
Regra VI: Um silogismo com duas premissas universais não pode ter uma conclusão par-
ticular. Um silogismo que infringe esta regra comete a “falácia existencial”, ou seja, de premis-
sas que não afirmam a existência de membros de uma classe extrai a conclusão que afirma a
20

existência de membros em uma classe, ou seja, a conclusão afirma mais do que as premissas.
Exemplo:
Todo os animais de estimação são animais domésticos.
Nenhum unicórnio é animal doméstico.
Portanto, alguns unicornes não são animais de estimação.
Pela interpretação moderna do conteúdo existencial, este silogismo é inválido porque
extrai uma conclusão particular de premissas universais. Adotando a interpretação clássica do
conteúdo existencial, o silogismo é válido, já que respeita todas as demais regras.

e) Outras formas de argumento


Na prática do raciocínio os argumentos raramente se apresentam na forma padrão do
silogismo categórico, mas assumem outras formas. Entre as formas mais comuns destacam-se
as seguintes: o entimema, o sorites, os silogismos disjuntivos e hipotéticos e o dilema.
1) O entimema. Trata-se de um silogismo abreviado, ou seja, um silogismo em que
uma parte, facilmente subentendida, não é expressa. Considerando que o silogismo possui
duas premissas e uma conclusão, é possível distinguir três tipos de entimema
(a) Entimema de primeira ordem. É aquele em que se omite a premissa maior. Exemplo:
João está matriculado regularmente. Portanto, ele é estudante.
Aqui se subentende a premissa maior: Quem está matriculado regularmente é estudante.
(b) Entimema de segunda ordem. É aquele em que se omite a premissa menor. Exemplo:
Todo ser humano pode errar. Portanto, você pode ter errado.
Aqui se subentende a premissa menor: Você é um ser humano.
(c) Entimema de terceira ordem. É aquele em que se omite a conclusão. Exemplo:
Ele só falta às aulas por motivo de doença, e hoje ele não compareceu.
Aqui se subentende a conclusão: Portanto, ele está doente.
Para verificar a validade de um entimema é preciso suprir a parte omitida, e aplicar as
regras de validade do silogismo.
2) O sorites. Muitas vezes, especialmente quando o raciocínio trata de temas mais
complexos, um único silogismo não permite chegar à conclusão, sendo necessários vários silo-
gismos. Estes podem formar uma cadeia, de modo que a conclusão de um silogismo se torna
premissa para outro. Quando as conclusões intermediárias são omitidas, o argumento recebe o
nome de sorites. Por isso pode-se dizer que se trata de um entimema continuado. Vejamos um
exemplo, (escrevendo as conclusões intermediárias subentendidas):
André é uberabense.
O uberabense é mineiro.
(Portanto, André é mineiro.
O mineiro é brasileiro.
(Portanto, André é brasileiro).
O brasileiro é sul-americano.
Portanto, André é sul-americano.
Um exemplo de sorites, deveras longo, se encontra em Leibniz:
A alma humana é algo cuja atividade própria é pensar. Algo cuja atividade própria é
pensar é uma coisa cuja atividade é imediatamente apreendida, sem nenhuma representação
de partes nela. Uma coisa cuja atividade pode ser imediatamente apreendida, sem nenhuma
representação de partes nela, é uma coisa cuja atividade não contém partes. Uma coisa cuja
atividade não contém partes é uma coisa cuja atividade não é movimento. Uma coisa cuja ativi-
dade não é movimento, não é um corpo. O que não é um corpo não está no espaço. O que não
está no espaço não pode ter movimento. O que não pode ter movimento é indissolúvel. O que
é indissolúvel é incorruptível. O que é incorruptível é imortal. Portanto, a alma humana é imor-
tal.
21

3) Silogismos disjuntivos e hipotéticos. Um silogismo pode ter apenas proposições


categóricas ou simples. Mas é possível formar silogismos também com proposições compos-
tas. Aqui existem duas modalidades: o silogismo disjuntivo e o hipotético.
(a) Silogismo disjuntivo. É o que contém, como premissa, uma proposição disjuntiva.
Uma proposição deste tipo não afirma a verdade de nenhuma das proposições componentes,
mas ela admite que ambas sejam verdadeiras, embora não admita que ambas sejam falsas.
Por isso, se soubermos que uma das proposições constituintes é falsa, podemos concluir que a
outra é verdadeira. Isto permite elaborar um silogismo válido com a seguinte forma:
Fido escapou ou Fido foi atropelado por um carro.
Fido não escapou.
Portanto, Fido foi atropelado por um carro.
Aqui a segunda premissa, “Fido não escapou”, contradiz um dos disjuntos, o que permite afir-
mar como verdadeiro o outro disjunto, “Fido foi atropelado por um carro”.
Mas, se a segunda premissa, em vez de negar, afirmasse um dos disjuntos, nada se po-
deria concluir, porque, neste caso, o outro disjunto tanto pode ser verdadeiro como também
pode ser falso.
Resumindo, um silogismo disjuntivo é válido se e somente se a premissa não-disjuntiva
negar ou contradisser um dos disjuntos, e a conclusão afirmar o outro.
(b) Silogismo hipotético (ou condicional) é o que contém alguma proposição condici-
onal, que é formada por um antecedente (aquela parte que segue ao “se”), e um consequente,
(a parte que segue ao “então”).
(1) Silogismo hipotético puro. É aquele que contém apenas proposições condicionais.
Exemplo:
Se o primeiro nativo é um político, então ele mente.
Se ele mente, então ele nega ser um político.
Portanto, se o primeiro nativo é um político, então ele nega ser um político.
Um silogismo deste tipo será válido se:
(i) o antecedente da primeira premissa e da conclusão for o mesmo;
(ii) o consequente da segunda premissa e da conclusão for o mesmo;
(iii) o consequente da primeira premissa for o mesmo que o antecedente da segunda premissa.
(2) Um silogismo com uma premissa condicional e outra não, chama-se silogismo hipo-
tético misto. Aqui existem duas formas válidas, identificadas por nomes em latim.
(a) Modus ponens (ou afirmação do antecedente). A premissa categórica afirma o antecedente
da premissa condicional, e a conclusão afirma o consequente. Neste caso, o silogismo é válido.
Exemplo:
Se o determinismo é legítimo, então o homem não tem vontade livre.
O determinismo é legítimo.
Portanto, o homem não tem vontade livre.
(b) Modus tollens (ou negação do consequente). A premissa categórica nega o consequente e
a conclusão nega o antecedente. Neste caso o silogismo será válido. Exemplo:
Se César fosse ambicioso, ele teria tomado a coroa.
Ele não tomou a coroa.
Portanto, César não era ambicioso.

4) O dilema. É um raciocínio que apresenta duas alternativas, geralmente desagradá-


veis, entre as quais é preciso escolher. Exemplo:
Se um estudante gosta de estudar, não necessita de estímulo.
Se um estudante não gosta de estudar, não haverá estímulo que o satisfaça.
Portanto, ou o estímulo é desnecessário, ou ineficaz.
Existem três maneiras de enfrentar um dilema:
22

(a) Recusar a premissa disjuntiva. Trata-se de mostrar que a disjunção é incompleta e que há
uma terceira alternativa. Assim, no exemplo acima, é possível mostrar que, além dos estudan-
tes que simplesmente não gostam de estudar e daqueles que já gostam de estudar, há os indi-
ferentes. Para estes o estímulo pode ser necessário ou útil.
(b) Mostrar a falsidade de uma das premissas. Consideremos o exemplo:
Se a tarifa proposta produz escassez, ela será prejudicial.
Se a tarifa proposta não produzir escassez, ela será inútil.
Ora, a tarifa produzirá ou não produzirá escassez.
Portanto, a tarifa proposta ou será prejudicial ou será inútil.
Aqui seria possível contra-argumentar dizendo que, mesmo no caso de a tarifa produzir escas-
sez, isto não será prejudicial, pois, a escassez estimularia a produção nacional, e, desta ma-
neira, haveria de desenvolver o mercado de trabalho e a indústria nacional. Ou seja, mostra-se
que uma das alternativas é falsa.
(c) A formulação de um contra-dilema. Trata-se de formular novo dilema, mas com conclusão
contrária àquela do dilema original. Um exemplo clássico é o da mãe ateniense que tenta con-
vencer o filho a não entrar na política, argumentando desta forma:
Se dizes o que é justo, os homens te odiarão.
Se dizes o que é injusto, os deuses te odiarão.
Ora, terás que dizer uma ou outra coisa.
Portanto, serás odiado.
O filho responde com outro dilema:
Se digo o que é justo, os deuses amar-me-ão.
Se digo o que é injusto, os homens amar-me-ão.
Ora, terei que dizer uma ou outra coisa.
Portanto, serei amado.
Embora seja uma maneira engenhosa de enfrentar um dilema, não se trata de uma refutação.
As conclusões não são contraditórias, mas simplesmente opostas.

d) Uma técnica para elaborar silogismos válidos

Até aqui procuramos identificar e analisar argumentos contidos em um texto. Diferente é


a situação em que temos uma tese ou afirmação que devemos justificar. A tarefa consistirá na
elaboração de argumento. Descrevemos, a seguir, uma técnica simples para justificar afirma-
ções.

1) As etapas na elaboração de um argumento


(a) O ponto de partida: a afirmação. Suponhamos que alguém afirme:
“A alma humana é imortal.
Aqui temos uma relação entre a expressão “alma humana”, identificada como sujeito, e o
termo “imortal”, identificado como predicado. Na suposição de que uma tal relação não seja
evidente, será preciso encontrar uma justificação para a mesma. Esta deverá tal que sua ver-
dade seja mais evidente, e que sirva de fundamento para a verdade da afirmação inicial.
(b) A justificativa. Para alcançar o objetivo descrito, procede-se da seguinte maneira: a
nova afirmação, a ser encontrada, deverá ter o mesmo sujeito da primeira afirmação, mas,
em lugar do predicado deverá apresenta rum novo termo lugar do predicado deverá apresentar
um termo novo, a justificativa. Usando a conjunção “porque”, , para auxiliar o raciocínio, pode-
ríamos dizer:
“A alma humana é imortal (porque) a alma humana é espiritual”
(c) O teste de validade. Nem sempre a justificativa apresentada será boa ou convin-
cente. Para testar a validade de uma justificativa procede-se da seguinte maneira: formula-se
um novo enunciado que tenha como sujeito a justificativa, tomada em toda a sua extensão, e
como predicado, o mesmo da afirmação inicial. Desta forma teremos:
23

“Tudo o que é espiritual é imortal”.


No caso de esta afirmação parecer convincente, ou verdadeira, a justificativa será boa.
Se isto não for o caso, a justificativa não é boa, e será preciso repetir o processo desde o início
até encontrar uma justificativa satisfatória.
2) A representação do argumento
Usando os símbolos S (para sujeito), P (para predicado) e J (para justificativa), teremos
o seguinte esquema:
S-P (A alma humana é imortal).
S-J (a alma humana é espiritual).
J-P ( Tudo o que é espiritual é imortal).
Considerando que a afirmação inicial (“A alma humana é imortal”) é aquela que deve
ser justificada, ela deve ser a conclusão do argumento. Deste modo, o nosso argumento apre-
senta a seguinte forma:
Tudo o que é espiritual é imortal.
A alma humana é espiritual.
Portanto, a alma humana é imortal.
3) Observações complementares
O exemplo acima contém apenas sentenças afirmativas. No caso de haver uma sen-
tença negativa, será preciso atender Às seguintes normas.
(a) Se a afirmação inicial e a justificativa forem sentenças negativas, o teste deverá ser
uma sentença afirmativa, e os termos devem ser trocados, ou seja, em lugar de J-P, a ordem
deve ser P-J. Exemplo:
Alguns professores não são responsáveis
(porque) alguns professores não são pontuais.
Quem é responsável é pontual.
(b) Se a afirmação inicial for negativa e a justificativa for afirmativa, o teste deverá ser
uma sentença negativa. Exemplo:
Alguns alunos não são estudiosos.
(porque) alguns alunos faltam às aulas.
Quem falta às aulas não é estudioso.

2.2. A LÓGICA SIMBÓLICA

a) A álgebra de classes
G. Boole (1815-1864) foi o primeiro a demonstrar a possibilidade de usar fórmulas algé-
bricas para exprimir relações lógicas. Em sua obra, Análise matemática da lógica como ensaio
para um cálculo de lógica dedutiva (1847), desenvolveu um cálculo puramente algébrico a par-
tir de certo número de símbolos e operações claramente definidas. Embora a álgebra, assim
desenvolvida, fosse abstrata e susceptível de diferentes interpretações, foi interpretada, num
primeiro momento, como álgebra de classes. Ou seja, como tradução da lógica silogística em
uma teoria de equações.
1) A álgebra
(a) Com uma lista de símbolos (cuja relação completa omitimos), é possível representar as
quatro_ proposições categóricas:
A: 𝜶𝜷 = 𝟎 (O produto de α e do complemento de β é vazio, ou seja, não há nada que seja α e
não-β).
E: αβ = 0 (O produto de α e β é vazio, ou seja, não há nada que seja membro de α e também
de β).
I: αβ ≠ 0 (O produto de α e β não é vazio, ou seja, pelo menos um membro de α é também
membro_ de β).
O: αβ ≠ 0 (O produto de α e do complemento de β não é vazio, ou seja, pelo menos um mem-
bro de α não é membro de β).
24

(b) Além da lista de símbolos, o cálculo necessita de axiomas ou regras (que também
omitimos aqui) que constituirão as operações válidas no cálculo.
(c) A validade dos silogismos. Os silogismos categóricos válidos pertencem todos a dois
tipos: aqueles que contêm apenas proposições universais e aqueles que contêm ao menos
uma proposição particular. Por meio dos procedimentos de conversão, obversão e contraposi-
ção_ é possível
_ mostrar
_ que os silogismos do primeiro tipo são todos equivalentes_ à forma:
αβ = 0, βγ = 0 .. . αγ = 0; os do segundo tipo são equivalentes à forma: αβ ≠ 0, βγ = 0... αγ ≠ 0.
A validade de ambas estas formas pode ser demonstrada aplicando os axiomas ou
equivalências.

2) Significado e importância da álgebra de classes. O alcance da álgebra de classes pode


ser avaliado com base em suas características mais distintivas:
(a) A simbolização. À maneira da matemática, usam-se apenas símbolos não-interpretados.
(b) O cálculo. A validade das expressões depende das leis de combinação dos símbolos, e a
validade das inferências depende apenas de sua derivação a partir dos axiomas. Desta forma,
a lógica (silogística) é elaborada como mero cálculo, um processo baseado unicamente em
símbolos, considerados apenas em sua forma, e um conjunto de regras de operação.
(c) O formalismo. O cálculo é algo puramente formal ou artificial, ou seja, sua construção inde-
pende de uma interpretação determinada, e por isso pode receber diferentes interpretações.
E possível perceber como, desta forma, a lógica se torna uma ciência “independente”,
deixando de ser mero “instrumento” para as ciências em geral. Além disso, a formalização per-
mite maior rigor dedutivo em vista de sua imunidade frente ao caráter ambíguo e vago da lin-
guagem comum, bem como fatores de ordem emotiva ou psicológica.

b) Os diagramas de Venn
Em sua obra “Lógica simbólica” (1881), o matemático inglês J. Venn introduziu o uso de
diagramas para representar relações entre classes. Por meio desta técnica é possível tornar
evidente a validade ou não de argumentos silogísticos.
1) Simbolização
(a) Representação de uma ou duas classes. Se um círculo representa uma classe dada, α, en-
tão a área fora do círculo representa a classe α. (Veja figura 1). Se dois círculos, parcialmente
superpostos, representam duas classes, α e β, então as classes representadas são aquelas da
figura 2.

_ - -
_
Fig.1 α α Fig. 2 αβ αβ αβ αβ

α β
(b) Representação das quatro proposições categóricas. Usando círculos para representar as
classes designadas pelo sujeito e pelo predicado, é possível diagramar as quatro proposições
categóricas. Para indicar uma classe vazia usamos o sombreado ou hachurado; e para indicar
uma classe com ao menos um membro, usamos uma cruz.

A (Todo α é β) E (Nenhum α é β)

α β α β

I (Algum α é β) O (Algum α não é β)


x x

α β α β
25

(c) Representação do argumento. Considerando que num silogismo ocorrem três termos, serão
necessários três círculos parcialmente superpostos para representar um argumento. Desta
forma, teremos as seguintes classes:

-
-- αβϒ - -
α αβϒ αβϒ β
αβϒ
- -
αβϒ
αβϒ

--
αβϒ
ϒ

2) O teste de validade do silogismo. Para testar a validade de um silogismo por meio dos dia-
gramas procede-se da seguinte maneira:
(1) Traçar os círculos e assinalar a correspondência.
(2) Diagramar as premissas, começando pelas universais, hachurando ou inserindo uma
cruz, conforme o caso.
(3) Verificar se a conclusão foi diagramada. Se este for o caso, o silogismo é válido. Po-
rém, se as premissas não decidirem claramente que área deve ser assinalada com uma cruz,
ou se a conclusão simplesmente não foi diagramada, o silogismo será inválido. Exemplos:

(1) Todo M é P (2) Todo P é M


Todo S é M Todo M é S
Todo S é P Algum S é P

(3) Todo M é P (4) Algum P é M


Nenhum S é M Todo S é M
Nenhum S é P Algum S é P

3) Significado do uso dos diagramas. A importância dos diagramas de Venn pode ser avali-
ada com base nas seguintes vantagens.
(1) Método claro de representação. Ao transpor a relação de inclusão ou exclusão entre
classes para uma relação puramente espacial, os diagramas possibilitam uma leitura pura-
mente mecânica desta relação.
(2) Método mecânico de testar a validade de um argumento. Ao traduzir o argumento
numa dimensão puramente espacial, os diagramas dispensam qualquer reflexão no momento
de avaliar a validade do argumento.
Revela-se, aqui, uma das características da lógica moderna ou simbólica: porque ela é
totalmente formalizada, não mais exige reflexão, mas apenas habilidade para calcular. Chega-
se, assim a uma situação paradoxal: tradicionalmente apresentada como recurso para desen-
volver a habilidade do raciocínio, a lógica parece, antes, dispensar qualquer raciocínio.
26

c) O cálculo proposicional

1) Variáveis e constantes lógicas. Os símbolos que encontramos na álgebra de clas-


ses podem ser divididos em duas categorias.
(a) Variáveis. São os símbolos que representam classes. O significado de tais símbolos
varia na medida em que um mesmo símbolo pode ser interpretado como representando dife-
rentes conjuntos de objetos ou propriedades. Isto, de resto, é necessário se o cálculo deve ser
usado para aplicações em diferentes áreas do conhecimento.
(b) Constantes lógicas. São os símbolos que representam relações entre classes ou
operações. São chamados constantes lógicas porque conservam sempre o mesmo significado
ou valor, independente do tipo de objeto representado pelas variáveis.

2) A lógica simbólica
(a) Constantes e variáveis na lógica tradicional. Já em Aristóteles encontramos o uso de
símbolos para representar o sujeito e o predicado de uma proposição. Mas as constantes lógi-
cas continuam sendo expressas por meio de palavras, como “não”, “todos”, “alguns”.
(b) Constantes e variáveis na lógica moderna. Já na álgebra de Boole tanto as variáveis
quanto as constantes são expressas em símbolos não interpretados. É a completa formaliza-
ção, ou seja, já não temos mais sentenças e argumentos concretos, mas apenas formas de
proposições e argumentos. Por causa deste abandono completo da linguagem comum, a lógica
moderna é chamada de “lógica simbólica”.

3) Consequências e vantagens da formalização


Para verificar que a completa formalização não é uma questão secundária, considere-se
as seguintes consequências e vantagens daí decorrentes.
(1) A escrita e a leitura de sentenças e argumentos é bem mais rápida. Exemplo: “αβ = 0” em
vez de “Nenhum bom aluno falta às aulas”.
(2) Por causa de sua concisão, as expressões manifestam mais claramente sua forma lógica.
- -
Por exemplo, as proposições: “αβ = 0” e “αβ ≠ 0” aparecem claramente como contraditórias.
(3) A escrita simbólica permite maior clareza e precisão: cada símbolo possui um significado
claramente definido e que permanece invariável.
(4) Além disso, a escrita simbólica seleciona um significado preciso para cada símbolo, e com
isso altera os conceitos da linguagem normal.

4) O cálculo proposicional.
_ De modo geral, na lógica moderna, os valores atribuídos
às variáveis já não são classes, mas proposições ou sentenças, razão porque se fala de cál-
culo proposicional ou sentencial. As principais razões para esta preferência podem ser explici-
tadas da seguinte maneira:
(1) Maior operacionalidade. Uma única letra para uma proposição inteira é mais simples e de
manejo mais fácil do que uma equação de Boole.
(2) Maior abrangência e clareza. Certas sentenças da língua normal, como “chove”, oferecem
grandes dificuldades para uma tradução em termos de classes. Já no cálculo proposicional são
representadas por uma única letra.
(3) Maior conformidade com as tendências da filosofia contemporânea. Influentes lógicos e filó-
sofos contemporâneos, como Frege, Russell e Wittgenstein concordam em que as palavras só
possuem significado dentro da proposição, sendo esta a unidade de significado.

d) Símbolos para um cálculo proposicional

Como revela a álgebra de Boole, um cálculo lógico necessita de símbolos, claramente


definidos, e regras operacionais para distinguir entre operações válidas e inválidas. Desta
forma, é possível distinguir diferentes cálculos proposicionais de acordo com o tipo de símbolos
27

e de regras de inferência empregadas. B. Russell e A. N. whitehead, em sua obra conjunta,


Principia Mathematica (1910-1913), considerada a “bíblia” da lógica moderna, usaram uma ver-
são simplificada dos símbolos introduzidos por G. Peano (1858-1932). Esta é a simbolização
mais em voga nos países de fala inglesa, e também será adotada aqui. Outras notações sim-
bólicas mais comuns são as de Hilbert e Lukasiewicz. Em nosso cálculo distinguimos os se-
guintes símbolos.
1) variáveis. São os símbolos que representam proposições. Como variáveis serão usadas as
minúsculas a partir de p. Assim, se tivermos um argumento com três proposições diferentes,
usaremos os símbolos p, q, r.
2) Constantes. São os símbolos que representam relações entre proposições, razão porque
também são chamados conectivos. Em nosso cálculo faremos uso das seguintes constantes:

Nome Correspondência Símbolo Localização


Negação “não”, “nenhum” ~ (antes do valor negado)
Conjunção “e”, “mas” . (entre os valores)
Disjunção “ou” v (entre os valores)
Condicional “se...então” ‫ﬤ‬ (entre os valores)
Bicondicional “se e somente se” ≡ (entre os valores)

3) Sinais de pontuação. Tratando-se de argumentos mais extensos, torna-se necessário o


uso de sinais auxiliares de pontuação, à maneira da álgebra, para evitar ambiguidades. Usare-
mos, pela ordem, os seguintes sinais: ( ), [ ], { }.

e) Constantes lógicas; sua definição.

À semelhança da álgebra de Boole, também no cálculo proposicional uma variável pode


ser substituída por qualquer proposição, desde que o mesmo símbolo seja sempre substituído
por uma mesma proposição. Já as constantes lógicas devem conservar um valor constante ao
longo de todo o cálculo. Isto significa que seu valor precisa ser definido fora do cálculo. As
constantes, para o nosso cálculo, serão definidas a seguir por meio da tabela-verdade. Antes,
porém, torna-se necessário explicar este conceito.
1) A tabela-verdade
(a) Valor-verdade. Uma proposição pode ser verdadeira ou falsa, nunca ambos ao mesmo
tempo. Verdade e falsidade são chamados valores-verdade das proposições.
(b) Função-verdade. Também uma proposição composta pode ser verdadeira ou falsa. Entre-
tanto, o seu valor-verdade será determinado pelo valor-verdade das proposições componentes.
Em outras palavras, o valor-verdade de uma proposição composta é uma função-verdade dos
valores das proposições componentes.
(c) Tabela-verdade. Supondo que o valor-verdade de qualquer proposição é totalmente inde-
pendente do valor-verdade de outras proposições (de acordo com o “princípio da extensionali-
dade”), o valor-verdade de uma proposição composta pode ser representado por uma tabela na
qual são mostradas todas as possíveis combinações dos valores das proposições componen-
tes. É a tabela-verdade.

2) A definição das constantes lógicas


Do que foi dito, podemos concluir que a tabela-verdade de uma proposição composta
por apenas uma constante lógica equivale à definição desta constante, que, para efeitos de cál-
culo, terá o valor mostrado pela tabela.
Na elaboração da tabela procedemos da seguinte maneira:
(1) Listamos à esquerda da proposição todas as possíveis combinações dos valores das propo-
sições componentes.
28

(2) A seguir assinalamos os valores para a constante, tendo como referência os valores das
proposições componentes.
Deste modo chegamos às seguintes definições:
Negação Conjunção Disjunção Condicional Bicondicional
p ~ p p q p . q p q p v q p q p ↄ q p q p ≡ q
v FV V V V V V V V V V V V V V V V V V V V V
F VF V F V F F V F V V F V F V F F V F V F F
F V F F V F V F V V F V FV V F V F F V
F F F F F F F F F F F F FV F F F F V F
O valor de cada constante pode ser expresso do seguinte modo:
(a) A negação de p possui o valor contrário de p.
(b) A conjunção é verdadeira somente se ambas as proposições forem verdadeiras.
(c) A disjunção é falsa somente se ambas as proposições forem falsas.
(d) O condicional é falso somente se o antecedente for verdadeiro e o consequente falso.
(e) O bicondicional somente é verdadeiro se as proposições tiverem o mesmo valor.

3) O valor das constantes e a linguagem corrente

Se o valor atribuído às constantes corresponde, por alto, a certas palavras da lingua-


gem corrente, existem também diferenças importantes, que ilustram as observações já feitas
anteriormente a respeito das consequências da formalização.
(a) Negação. O símbolo da negação substitui toda uma série de palavras e expressões, tais
como “não”, “nenhum”, “ninguém”.
(b) Conjunção. Também substitui uma série de expressões como “e”, “mas”; além disso, ele
isola a dimensão de valor-verdade, deixando de lado outros aspectos.
(c) Disjunção. O símbolo substitui a expressão “ou”. Na linguagem corrente, esta palavra pos-
sui dois significados distintos: o inclusivo, ou disjunção fraca (“Você pode consultar o livro de
Copi ou qualquer outro”) e o exclusivo, ou disjunção forte (“Ou você estuda, ou será repro-
vado”). Tal como o definimos, o símbolo corresponde ao significado inclusivo ou disjunção
fraca.
(d) Condicional. O valor atribuído ao símbolo representa o chamado “condicional filoniano”.
Não possui equivalente na linguagem corrente, embora se possa traduzi-lo como “se...então”.
Para apreender o seu significado poderíamos perguntar: Em que condições diríamos que um
condicional é falso? A resposta é: diríamos que ele é falso toda vez que o antecedente for ver-
dadeiro e o consequente falso. No mais, pode-se dizer que o símbolo abarca apenas a implica-
ção material, não a implicação formal, que inclui uma relação de necessidade.
(e) Bicondicional. O nome vem do fato de o símbolo ser equivalente a um condicional em dois
sentidos. A nossa definição expressa o que se chama equivalência material: a condição para o
enunciado ser verdadeiro é que as proposições componentes possuam o mesmo valor.

f) Regras de inferência (I): a tabela-verdade

1) Regras de inferência e finalidade do cálculo


(a) Regras de inferência. Além dos símbolos primitivos, o cálculo necessita de regras
de inferência, ou formas válidas que permitem distinguir entre argumentos válidos e inválidos.
Também tais regras são estabelecidas a partir de “fora” do cálculo tendo em vista a finalidade
do cálculo.
(b) Finalidade do cálculo proposicional. O objetivo normal de quem constrói um cál-
culo proposicional é garantir que conclusões verdadeiras sigam de premissas verdadeiras, ou,
evitar que conclusões falsas sejam tiradas de premissas verdadeiras.
29

2) O uso da tabela-verdade

(a) A aplicação da tabela-verdade. A relação citada (conclusões verdadeiras de premis-


sas verdadeiras) é a relação expressa pelo símbolo condicional, que exclui “antecedente verda-
deiro e consequente falso”.
Assim, se tomarmos o conjunto das premissas de um argumento como antecedente de
um condicional e a conclusão como consequente do condicional, então, se o condicional se re-
velar verdadeiro em todas as possíveis combinações dos valores-verdade das proposições
componentes, estará assegurada a validade do argumento. E a combinação de todos os valo-
res-verdade das proposições componentes equivale a uma tabela-verdade deste argumento.
(b) A técnica da tabela-verdade. Na aplicação desta técnica observam-se as seguintes
normas práticas:
(1) Escrever o argumento em forma condicional, cujo antecedente é formado pelas premissas
do argumento e o consequente, pela conclusão.
(2) Listar à esquerda do argumento todas as variáveis do argumento.
(3) Preencher os valores-verdade das variáveis (colocadas à esquerda do argumento), obser-
vando as seguintes normas:
(i) o número de linhas horizontais é determinado pela fórmula 2n, em que n indica o nú-
mero de variáveis do argumento.
(ii) Os valores-verdade revezam-se um a um sob a primeira variável, dois a dois sob a
segunda variável, quatro a quatro sob a terceira, e assim por diante.
(4) Preencher os valores-verdade das variáveis no argumento de acordo com seus valores na
mesma linha horizontal à esquerda.
(5) Preencher os valores-verdade das expressões (constantes lógicas), começando pelas mais
simples. O último valor a ser preenchido será o condicional cujo antecedente são as premissas
e o consequente é a conclusão do argumento.
Vejamos um exemplo: “Se Pedro falou a verdade, então João mentiu.
Ora, Pedro falou a verdade.
Portanto, João mentiu.”
Considerando que o argumento contém duas proposições diferentes, “Pedro falou a verdade” e
“João mentiu”, usaremos os símbolos p para a primeira, e q para a segunda. Donde resulta a
forma:
p ‫ ﬤ‬q
p
.. .q
Aplicando as normas acima, teremos a seguinte tabela-verdade para o argumento:
p q [ (p ‫ ﬤ‬q) . p] ‫ ﬤ‬q
V V V V V V V V V
V F V F F F V V F
F V F V V F F V V
F F F V F F F V F
Como mostra a tabela, o condicional, que tem com o antecedente as premissas do ar-
gumento e como consequente a sua conclusão, é verdadeiro em todas as possíveis combina-
ções dos valores de seus componentes. Ou seja, a forma deste argumento não admite a com-
binação “antecedente verdadeiro e consequente falso”. Temos, portanto, uma forma válida, e
todo argumento que tiver esta mesma forma será valido. Isto significa que podemos usá-la
como regra de inferência.

3) Lista de regras de inferência


À maneira da regra de inferência acima, é possível formular uma série de outras cuja
validade pode ser comprovada por meio da tabela-verdade. Tais formas válidas possuem um
nome convencional, bem como uma correspondente abreviação:
30

(1) Modus Ponens (M. P.) (2) Modus Tollens(M.T.)


p ‫ ﬤ‬q p ‫ ﬤ‬q
p ~q
... q ... ~ p
(3) Silogismo hipotético ( S. H.) (4) Silogismo disjuntivo ( S. D.)
p ‫ ﬤ‬q p v q
q ‫ ﬤ‬r ~p
... p ‫ ﬤ‬r ... q

(5) Dilema construtivo ( D. C.) (6) Absorção ( Abs.)


( p ‫ ﬤ‬q ) . ( r ‫ ﬤ‬s) p ‫ ﬤ‬q
p v r ... p ‫ ( ﬤ‬p . q)
... q v s
(7) Simplificação (Simp. ) (8) Conjunção ( Conj.) (9) Adição ( Ad.)
p . q p p
... p q .. . p v q
.. . p . q

4) Classificação das proposições compostas


A técnica e a aplicação das tabelas-verdade foi desenvolvida por L. Wittgenstein e Post.
Em sua obra, Tractatus logico-philosophicus, Wittgenstein introduziu uma nova terminologia,
que só pode ser entendida a partir das tabelas-verdade. Na concepção de Wittgenstein, todas
as proposições ordinárias são compostas de proposições simples, e, de acordo com sua ta-
bela-verdade, podem ser divididas nas seguintes categorias:
(a) Proposições contraditórias são aquelas que são falsas em todas as possíveis combinações
dos valores-verdade de seus componentes.
(b) Proposições tautológicas são aquelas que são verdadeiras para todas as combinações de
seus valores-verdade.
(c) Proposições contingentes são aquelas verdadeiras para algumas combinações dos valores-
verdade e falsas para outras.
Usando o termo tautologia no sentido indicado, podemos dizer que qualquer inferência
conforme com as regras acima pode ser expressa como uma “tautologia”, tomando a conjun-
ção das premissas como antecedente e a conclusão com o consequente de um condicional.

g) Regras de inferência (II): a prova formal

1) Dois métodos de provar a validade. A validade de um argumento pode ser provada


por meio das tabelas-verdade, ou com o auxílio de regras de inferência, como aquelas listadas
acima. Cada método apresenta vantagens e desvantagens.
(a) As tabelas-verdade apresentam a vantagem de ser um método puramente mecânico dis-
pensando qualquer reflexão. Mas, se tivermos um argumento com um número maior de propo-
sições componentes, o processo se torna longo e demorado.
(b) A prova formal, ou seja, a prova com auxílio de regras de inferência, oferece a vantagem
de ser mais concisa. A desvantagem reside no fato de não apresentar uma “técnica de deci-
são”, mas exigir boa dose de capacidade imaginativa.
2) A técnica da prova formal. Na aplicação desta técnica observam-se as seguintes etapas:
(a) Listar e numerar as premissas do argumento, colocando a conclusão (sem número) ao lado
direito da última premissa. Como se trata de argumentos concretos, e não de formas de argu-
mento, usam-se letras maiúsculas para simbolizar as proposições do argumento.
(b) Com o auxílio das regras de inferência procura-se tirar conclusões, a partir de uma ou de
várias premissas. A “nova” conclusão, assim obtida, é acrescentada às premissas, indicando-
se, à direita, o número que identifica as premissas e a abreviação da regra aplicada.
31

(c) Prossegue-se até obter a conclusão do argumento. Se isto for possível, o argumento será
válido. Isto porque, agora, chegamos à mesma conclusão, usando apenas regras válidas.
Vejamos um exemplo:
Se a presidente for candidata, ela será reeleita.
Se ela for reeleita, terá o apoio de outros partidos.
Se ela tiver o apoio de outros partidos, terá também o apoio de outras lideranças.
Ora, a presidente não terá o apoio de outras lideranças.
Ou a presidente será candidata, ou o partido apresentará outro candidato.
Portanto, o partido apresentará outro candidato.
Usando letras maiúsculas para cada uma das proposições, e observando as normas
acima, teremos a seguinte prova formal do argumento:
1. A ‫ ﬤ‬B
2. B ‫ ﬤ‬C
3. C ‫ ﬤ‬D
4. ~ D
5. A v E / .. . E
6. A ‫ ﬤ‬C 1, 2, S.H.
7. A ‫ ﬤ‬D 6, 3, S.H.
8. ~ A 7, 4, M.T.
9. E 5,8, S.D.
Podemos dizer que 6,7,8,9 são instâncias substitutivas de formas elementares válidas.
Deste modo, podemos definir a prova formal para determinado argumento como “sequencia de
enunciados, cada um dos quais ou é uma premissa do argumento, ou segue de enunciados
precedentes por meio de um argumento elementar válido, e isto de tal modo que o último enun-
ciado da sequencia seja a conclusão do argumento cuja validade está sendo provada”.

h) A técnica da tabela-verdade abreviada

Existe uma técnica que oferece, ao mesmo tempo, a segurança da tabela-verdade e a


concisão da prova firmal. Consiste numa espécie de ‘redução ao absurdo”, ou seja, procura-se
encontrar uma possível combinação dos valores-verdade das proposições do argumento de tal
modo que o argumento, como todo, receba o valor falso. Se isto for impossível, ou seja, se
chegarmos a uma contradição, o argumento será válido. Caso não surgir nenhuma contradi-
ção, o argumento será inválido.
1) O modo de proceder. Na aplicação da técnica observam-se as seguintes etapas:
(a) Colocar o argumento em forma condicional, cujo antecedente é constituído pelas premissas
do argumento, e o consequente, pela conclusão.
(b) Assinalar o valor “falso” para o condicional que separa as premissas da conclusão.
(c) Preencher os demais valores em coerência com o valor “falso”, assinalado para o condicio-
nal.
(d) Verificar se a atribuição dos valores-verdade levou a alguma contradição ou não.
2) Um exemplo. Consideremos o argumento:
M ‫ ﬤ‬P
P ‫ ﬤ‬Q
~ Q / .. . ~ M
Colocando o argumento em forma condicional e assinalando os valores-verdade, tal
como explicado, teremos:
{ [ (M ‫ ﬤ‬P) . (P ‫ ﬤ‬Q)] . ~ Q} ‫ ~ ﬤ‬M
V V V V V V V V V F F F V
3 5 6 4 7 5 8 2 4 9 1 2 3
32

(Os números indicam a sequencia com que os valores foram preenchidos). Observamos
que há uma contradição: a proposição Q é ao mesmo tempo verdadeira (coluna 8) e falsa (co-
luna 9). Concluímos que o argumento é válido.

3) A prova de invalidade. Se não conseguimos provar a validade de um argumento por


meio das regras de inferência, isto não significa necessariamente que o argumento é inválido.
Já a técnica da tabela-verdade abreviada nos diz claramente se argumento é válido (se surgir
uma contradição) ou inválido (se não surgir contradição). Por esta razão a tabela-verdade abre-
viada é chamada prova de invalidade.

i) Sistemas dedutivos

Os princípios de lógica simbólica, desenvolvidos até aqui, representam conhecimentos


de lógica, mas ainda não se constituem em ciência, na medida em que, por esta palavra, se
entende conhecimento organizado ou sistematizado. Antes, porém, de tentar realizar esta sis-
tematização, é útil considerar o próprio conceito de sistema e como proposições podem ser or-
ganizadas em forma de sistema.

1). Definição e dedução


(a) Definição. Em qualquer ciência, alguns termos podem ser definidos com base em
outros. Na Física, por exemplo, “aceleração” é definida como “tempo x velocidade”, e “veloci-
dade” como “tempo x mudança de posição”. Desta forma, a definição relaciona entre si os con-
ceitos de uma ciência, contribuindo para que as proposições que incorporam os conhecimentos
se tornem ciência.
(b) Dedução. Nossos conhecimentos normalmente são formulados em proposições. Em
qualquer ciência algumas proposições podem ser deduzidas ou provadas com base em outras
proposições. Assim, por exemplo, as leis da queda dos corpos de Galilei e do movimento dos
planetas de Kepler podem ser derivadas das leis mais gerais de Newton, referentes à gravita-
ção e o movimento. Desta forma, as proposições que incorporam os conhecimentos, referentes
a determinada área, se tornam ciência quando são organizadas de tal modo que algumas den-
tre elas são apresentadas como conclusões deduzidas de outras proposições.
(c) O ideal da ciência. Da função da definição e da dedução num sistema dedutivo se
poderia concluir que o ideal da ciência seria que todos os termos fossem definidos e todas as
proposições fossem provadas. Contudo, semelhante ideal é irrealizável porque levaria a um re-
gresso ao infinito ou a um processo circular.
Consequentemente o ideal da ciência não será um sistema em que todos os termos são
definidos e todas as proposições são provadas, mas sim aquele em que um número mínimo de
termos e de proposições não definidos nem deduzidas dentro do sistema servem para definir
todos os demais termos e deduzir todas as demais proposições. Este ideal da ciência é des-
crito como um sistema dedutivo.

2) Espécies de sistemas dedutivos

(a) Sistema dedutivo ordinário. O exemplo mais antigo de conhecimento sistemati-


zado é a Geometria de Euclides (300 a.C.). Se outros povos mais antigos já possuíam conheci-
mentos de geometria, coube aos gregos o mérito de organizar a geometria em forma de sis-
tema. Todas as proposições foram ordenadas, começando com axiomas, definições e postula-
dos, continuando com teoremas, deduzidos das proposições iniciais. Por ser formulado em pa-
lavras da linguagem natural, chamamos a este sistema de sistema dedutivo ordinário. Hoje
consideram-se mais avançadas aquelas ciências que mais se aproximam da forma de sistema
dedutivo.
33

Do ponto de vista puramente lógico um sistema dedutivo ´pode ser considerado como
um único argumento, cujas premissas são os axiomas, e os teoremas representam as conclu-
sões, derivadas dos axiomas. Também aqui o que interessa, do ponto de vista lógico, é a vali-
dade das inferências. Portanto, o aspecto mais importante de um sistema dedutivo é a necessi-
dade ou o rigor com que são provados sues teoremas.
(b) Sistema dedutivo formal. Se num sistema dedutivo os teoremas não forem deduzi-
dos rigorosamente dos axiomas, o resultado, ainda que possa ser verdadeiro, não corresponde
ao objetivo da sistematização. É o que acontece com a Geometria de Euclides. Sua obra con-
tém sérios erros, Paradoxalmente, tais erros surgiram porque Euclides “sabia demais”, ou seja,
ao trabalhar com termos da linguagem natural, termos como “ponto”, “linha”, “plano” etc., ele
usou, sem perceber, em sua demonstrações, não apenas o que era permitido pelos axiomas,
mas também “intuições” provenientes de sua familiaridade com os dados da geometria.
Com o intuito de garantir maior rigor dedutivo procurou-se reduzir ao mínimo ou eliminar
por completo a referida familiaridade com a área de conhecimento a ser sistematizada. No
caso da Geometria, isto significa que se deve abstrair do significado ordinário das palavras
como “ponto”, “linha”, etc. E a maneira de garantir essa abstração é substituir os referidos ter-
mos por símbolos arbitrários. O resultado é o que se chama sistema dedutivo formal, isto é,
um sistema cujos termos primitivos são símbolos arbitrários, e cujos axiomas e teoremas são
meras fórmulas.
O desenvolvimento puramente formal de um sistema dedutivo, além de permitir maior
rigor, oferece a vantagem da generalidade, isto é, os símbolos usados e as fórmulas podem
receber diferentes interpretações. Assim, por exemplo, um sistema formal que organiza os co-
nhecimentos de Astronomia poderia mostrar-se útil também para a Física nuclear.
(c) Sistemas logísticos. Os sistemas dedutivos, descritos até aqui, embora possam ter
certo grau de rigor, ainda usam em seu desenvolvimento a lógica ‘ordinária’, sem especificar o
que seja esta lógica. Isto significa que tais sistemas contêm pressupostos não claramente ex-
plicitados. Consequentemente, tais sistemas ainda não possuem rigor completo. Na prática isto
significa que a lista de axiomas deverá ser complementada por uma lista de regras de infe-
rência ou formas de argumento válidas.
Contudo, seria assistemático, e provavelmente impossível, listar todas as regras da ló-
gica, ou todos os modos de inferência válidos. Torna-se necessário, portanto, construir um sis-
tema dedutivo da própria lógica, ou seja, um sistema cujo objeto seja a própria lógica. É o
que se chama axiomatização da lógica, ou então, um sistema logístico.
Um sistema logístico se caracteriza pelos seguintes elementos:
(1). Uma lista de símbolos primitivos.
(2). Um critério puramente formal para distinguir sequências de símbolos em “fórmulas bem for-
madas e outras que não o são.
(3) Uma lista de “fórmulas bem formadas” assumidas como axiomas.
(4). Um critério puramente formal para diferenciar sequencias de fórmulas bem formadas em
argumentos válidos e inválidos.
(5). Um critério puramente formal para distinguir entre teoremas e não-teoremas.
É possível construir diferentes sistemas logísticos como teorias das diferentes partes da
lógica. Os mais simples são aqueles que formalizam lógica dos enunciados compostos por fun-
ção-verdade, ou seja, os cálculos proposicionais.
3) Propriedades de um sistema dedutivo
Há um certo número de características básicas que todo sistema dedutivo deve apre-
sentar. Na medida em que tais exigências são feitas a partir de “fora” do sistema, fala-se de
exigências meta-lógicas, ou meta-teoréticas.
(a) Coerência (ou consistência). Diz-se que um sistema é coerente ou consistente se
ele não inclui contradições, isto é, não permite a dedução de uma fórmula e ao mesmo tempo
também a negação desta fórmula. Esta característica é fundamental, porque um sistema incoe-
rente é sem valor. Isto porque fórmulas contraditórias resultam em proposições contraditórias,
34

e estas não podem ser todas verdadeiras. Consequentemente, tal sistema não pode constituir
a sistematização de conhecimentos, já que esses são expressos apenas em proposições ver-
dadeiras.
(b) Economia (ou independência dos axiomas). Diz-se que os axiomas são indepen-
dentes quando nenhum deles pode ser derivado de outro. Quando um axioma puder ser deri-
vado de outro, diz-se que o sistema é redundante. A redundância não invalida o sistema, mas o
torna menos elegante. O ideal, portanto, é que o sistema tenha apenas o número mínimo ne-
cessário de axiomas.
(c) Completude expressiva ou funcional. Ao construir um sistema dedutivo, normal-
mente, temos em vista alguma interpretação particular, ou seja, pensamos em formalizar os co-
nhecimentos de uma determinada área. Isto significa que o sistema deve possuir o número su-
ficiente de símbolos para representar todos os conceitos e proposições significativas perten-
centes à área em questão. Se este for o caso, diz-se que o sistema possui completude expres-
siva ou funcional.
(d) Completude dedutiva. De modo geral, diz-se que um sistema possui completude
dedutiva se ele possui o número suficiente de axiomas e regras de inferência para provar a
validade de todas as fórmulas desejadas. Portanto, um sistema será dedutivamente completo
em relação a certa área de conhecimento se todas as fórmulas que, na interpretação desejada, tra-
duzem proposições verdadeiras, puderem ser provadas como teoremas do sistema.

j) A completude dedutiva do cálculo proposicional

Trata-se agora de examinar até que ponto os elementos de lógica simbólica, anterior-
mente estabelecidos, (os símbolos e as regras de inferência) correspondem às exigências de
um sistema dedutivo, no caso, um sistema logístico. Examinaremos apenas dois aspectos: a
completude dedutiva e a completude expressiva.
Um objetivo natural de quem constrói um cálculo proposicional é que por meio dele se
possa provar a validade de todos os argumentos cuja validade pode ser provada por meio das
tabelas-verdade. Como veremos, neste sentido, as regras de inferência, acima estabelecidas,
são insuficientes.
1) Regra de substituição. Consideremos o argumento de forma: A . B/ ... B.
Testado por meio das tabelas-verdade, este argumento se mostra válido. Mas nenhuma
das regras de inferência estabelecidas permite provar sua validade. Precisamos, portanto, de
alguma regra adicional.
Considerando que apenas nos interessamos compostos por função-verdade, podemos
estabelecer o seguinte princípio: se qualquer parte de um enunciado composto for substituída
por uma expressão logicamente equivalente, o valor-verdade do enunciado resultante será o
mesmo do enunciado original. Este princípio é chamado regra de substituição. De acordo
com este princípio é possível estabelecer um conjunto de equivalências lógicas cuja validade
pode ser comprovada pelas tabelas-verdade. Cada uma dessas equivalências possui um nome
convencional e uma correspondente abreviação. A numeração indica que se trata de regras de
inferência acrescentadas à nossa lista anterior.

10. Teorema de De Morgan (De M.): ~(p . q) ≡ (~p v ~q);


~(p v q) ≡ (~p . ~q).
11. Comutação (Com.): (p v q) ≡ (q v p);
(p . q) ≡ (q . p).
12. Associação (Assoc.): [p v (q v r)] ≡ [ (p v q) v r];
[p . (q . r)] ≡ [ (p . q) . r].
13. Distribuição (Dist.): [p . (q v r)] ≡ [( p . q) v (p . r)];
[p v (q .r)] ≡ [(p v q) . (p v r)].
14. Dupla negação (D.N.): p ≡ ~~p.
35

15. Transposição (Trans.): (p ‫ ﬤ‬q) ≡ (~q ‫~ ﬤ‬p).


16. Implicação material (Impl.): (p ‫ ﬤ‬q) ≡ (~p v q).
17. Equivalência material (Equiv.): (p ≡ q) ≡ [(p ‫ ﬤ‬q) . (q ‫ ﬤ‬p)];
(p ≡ q) ≡ [ (p . q) v (~p . ~q)].
18. Exportação (exp.): [( p. q) ‫ ﬤ‬r] ≡ [p ‫( ﬤ‬q ‫ ﬤ‬r)].
19. Tautologia (Taut.): p ≡ (p v p);
p ≡ (p. p).

Com o auxílio destas regras adicionais é fácil provar a validade do argumento acima:
1. A . B / ... B
2. B . A 1, Com.
3. B 2, Simp.
(Observação. Há uma diferença importante entre as nove primeiras regras estas últi-
mas. As primeiras somente podem ser aplicadas a linhas inteiras do argumento, ao passo que
as últimas podem ser aplicadas tanto a linhas inteiras quanto a partes das mesmas).

2) Regra da prova condicional (P.C.)

Dado um argumento cuja conclusão é um enunciado condicional, constrói-se uma prova


formal de sua validade assumindo o antecedente da conclusão como premissa adicional, e de-
duzindo, a seguir, o consequente com o auxílio das demais regras de inferência. Se isto for
possível, o argumento será válido.

Consideremos o argumento: (A v B) ‫( ﬤ‬C . D)


(D v E) ‫ ﬤ‬F
.. . A ‫ ﬤ‬F
Uma prova formal deste argumento se apresenta assim:

1. (A v B) ‫( ﬤ‬C . D)
2. (D v E) ‫ ﬤ‬F / ... A ‫ ﬤ‬F
3. A
4. A v B 3, Ad.
5. C . D 1,4, M.P.
6. D . C 5, Com.
7. D, 6, Simpl.
8. D v E 7, Ad.
9. F 2, 8, M.P.
10. A ‫ ﬤ‬F 3-9, P.C.

Esta prova oferece a vantagem de, em geral, ser mais breve do que se usássemos ape-
nas as 19 regras.

3) Regra da prova indireta (P.I.)

Trata-se de uma espécie de “redução ao absurdo”, ou seja, começa-se por assumir o


contrário do que se pretende provar. Caso isto nos leve a uma contradição, então aquilo que
presumimos deve ser falso, e consequentemente a sua negação, a saber, aquilo que de fato se
pretendia provar, é verdadeiro.
Na aplicação da prova indireta procede-se da seguinte maneira: toma-se como pre-
missa adicional a negação da conclusão do argumento, procurando, com o auxílio das de-
mais regras, derivar uma contradição explícita. Se isto for possível, o argumento será válido.
36

Consideremos o argumento: A
... B v (B ‫ﬤ‬C)
Uma prova indireta deste argumento se apresenta assim:
1. A /.. . B (B ‫ ﬤ‬C)
2. ~ [(B v (B ‫ ﬤ‬C)] P. I.
3. ~ [B v (~B v C)] 2, Impl.
4. ~ [(B v ~B) v C 3, Assoc.
5. ~ (B v ~B) . ~C 4, De M.
6. ~ (B v ~B) 5, Simpl.
7. ~B . ~~B 6, De M.

O conjunto das dezenove regras, mais as regras da prova condicional e da prova indi-
reta, constitui um método de dedução completo, isto é, qualquer argumento cuja validade pode
ser estabelecida por meio das tabelas-verdade também pode ser provado como válido com o
auxílio destas regras.

l) A completude expressiva; a quantificação

G. Leibniz, em sua Arte combinatória (1666), apresentou a ideia de um alfabeto do pen-


samento humano que permitisse representar, por meio de combinações, tudo o que se possa
dizer. E o raciocínio ficaria reduzido a um cálculo puramente mecânico. Mais recentemente, G.
Frege e B. Russell desenvolveram a ideia de uma linguagem logicamente perfeita. Em seu
Tractatus (1922), L. Wittgenstein revela as mesmas aspirações de Leibniz e desenvolve com
mais precisão e amplitude o programa, tanto no que se refere ao alfabeto quanto ao cálculo pu-
ramente mecânico do pensamento humano. Na referida obra, Wittgenstein sustenta que todos
os enunciados significativos podem ser analisados como função-verdade de proposições ele-
mentares, e que estas podem ser expressas por um único simbolismo. Isto poderia constituir
uma possibilidade teórica, mas não prática, seja por causa da enorme dificuldade de análise
(Wittgenstein jamais chegou a apresentar um exemplo de proposição elementar), seja por
causa da complexidade do resultado (um simples enunciado ordinário ocuparia um livro in-
teiro). Exemplifiquemos estas dificuldades com o problema da quantificação. É fácil observar
que a validade de um silogismo clássico não pode ser provada com o auxílio das tabelas-ver-
dade, nem com a lista de regras da prova formal. Para tanto são necessárias novas regras e
um simbolismo correspondente.

1) Simbolização

(a) Proposições singulares


(1). Para representar indivíduos (por ex. Sócrates) usaremos letras minúsculas (em ge-
ral, a primeira letra do nome). São as constantes individuais.
(2) Para representar propriedades (por exemplo, “humano”) usaremos letras maiúsculas
(por exemplo H, para “humano”). A proposição “Sócrates é humano” representa-se assim: Hs.
(3) Funções proposicionais. Usaremos a letra “x” para representar uma variável indivi-
dual. Exemplo: na função “Hx” o x pode ser substituído por um nome, resultando em uma pro-
posição.

(b) Quantificação
Como quantificador usaremos a letra x.

(1) Quantificador universal: x: “Dado qualquer x no universo”.


A maneira de representar a proposição “Tudo é mortal” é: (x)Mx.
37

(2) Quantificador existencial: “Existe pelo menos um x tal que...”


A maneira de representar, por exemplo, “Algo é belo” é: ( Ǝ x)Bx.

3) Representação das quatro proposições categóricas:

(1) (x) [Hx ‫ ﬤ‬Mx]: Todos os homens são mortais.


(2) (x) [Hx ‫~ ﬤ‬Mx]: Nenhum homem é mortal.
(3) ( Ǝ x) [Hx . Mx]: Alguns homens são mortais.
(4) ( Ǝ x) [Hx . ~ Mx]: Alguns homens não são mortais.

2) Demonstração de validade; regras

(a). Primeira regra: exemplificação universal (EU)

Exemplo:
Todos os homens são mortais.
Sócrates é humano.
Portanto, Sócrates é mortal.

1. (x) [Hx ‫ ﬤ‬Mx


2. Hs / ... Ms
3. Hs ‫ ﬤ‬Ms 1, EU
4. Ms 3,2, M.P.

(b). Segunda regra: generalização universal (GU)


Exemplo:
Todos os homens são mortais.
Todos os gregos são humanos.
Portanto, todos os gregos são mortais.

1. (x) [ Hx ‫ ﬤ‬Mx]
2. (x) [Gx ‫ ﬤ‬Hx] / .. .(x) [Gx ‫ ﬤ‬Mx]
3. Hy ‫ ﬤ‬My 1, EU
4. Gy ‫ ﬤ‬Hy 2, EU
5. Gy ‫ ﬤ‬My 4,3, S.H.
6. (x) [Gy ‫ ﬤ‬Mx] 5, GU
(Obs.: “y”: qualquer indivíduo arbitrariamente escolhido).

3) Terceira regra: Exemplificação Existencial (EE)


Exemplo: Todos os criminosos são perversos.
Alguns humanos são criminosos.
Portanto, alguns humanos são perversos.
1. (x) [Cx ‫ ﬤ‬Px]
2. ( Ǝ x) [ Hx . Cx] /.. . ( Ǝ x) [ Hx . Px]
3. Ha. Ca 2, EE
4.Ca ‫ ﬤ‬Pa 1, EU
5. Ca . Ha 3, Com.
6. Ca 5, Simpl.
7. Pa 4,6, M.P.
8. Ha 3, Simpl.
9. Ha . Pa 8,7, Conj.
10. ( Ǝ x) [ Hx . Px] 9, GE (4a regra :Generalização Existencial)
38

Ao lado da quantificação existem outras dimensões da linguagem, tais como as rela-


ções, a modalidade (“é necessário”, “é possível”). Também estas dimensões exigem um sim-
bolismo e regras próprias. E se nos lembrarmos do que foi dito quando da consideração (na
primeira parte de nosso estudo) das “inúmeras funções” da linguagem, bem como da importân-
cia do contexto, é fácil de entender que o sonho da completa formalização da linguagem não
só está longe de ser concluído, mas aparece como simplesmente impossível.

CONCLUSÕES

Um juízo, ainda que superficial, a respeito da lógica deverá ter presente certos dados,
alguns dos quais emergiram ao longo de nosso estudo.

1) Continuidade e ruptura entre a lógica tradicional e a lógica simbólica


(
(a) A continuidade entre a lógica tradicional e a moderna lógica simbólica aparece mais clara-
mente se considerarmos o seu objeto. Desde Aristóteles a lógica se ocupa com a análise da
forma do discurso, ou seja, ela se propõe descobrir certas estruturas que permanecem válidas
independentemente dos conteúdos da fala. Ora, é precisamente a perseguição deste objetivo
que alcança seu desenvolvimento máximo nos modernos cálculos lógicos.
(b) A ruptura ou diferença entre as duas formas da lógica pode ser explicitada a partir de algu-
mas realizações ou características da lógica moderna:
(1) A moderna lógica simbólica é a primeira lógica estilisticamente pura, ou seja, em virtude da
completa formalização, ela se concentra unicamente nas “formas perfeitas”, eliminando a inter-
ferência de quaisquer dados alheios à pura dedução.
(2) A lógica simbólica é a primeira lógica formal exata em virtude das seguintes características:
(I). Ela determina com exatidão seu material inicial.
(II). Ela determina as regras para a obtenção de quaisquer dados novos, diversos dos
dados iniciais.
(III). Em virtude de (a) e (b) ela alcança um total controle de seus elementos com a con-
sequente segurança quanto aos resultados.
(IV). Em virtude da simbolização, seus enunciados são precisos, à maneira da matemá-
tica.
(3). É a primeira lógica que permite uma tomada de consciência daquilo que fazemos ao extrair
conclusões, porquanto o processo dedutivo é totalmente explicitado.
(4) A lógica se constitui em ciência autônoma ao construir um conjunto de proposições “verda-
deiras”, independe de qualquer referência a conteúdos concretos.

2) Utilidade da lógica simbólica


(a) A ciência ou o conhecimento passou a reivindicar, desde Descartes, rigor e exati-
dão. Estes objetivos só podem ser alcançados definitivamente mediante o recurso a estruturas
necessárias e conceitos unívocos, não oferecidos pela linguagem natural. Constitui mérito da
lógica simbólica haver propiciado esta passagem das expressões vagas da linguagem natural
para expressões unívocas. Sob este aspecto a lógica moderna se apresenta como recurso in-
dispensável ao desenvolvimento das chamadas ciências exatas.
(b). Uma razão decisiva para a importância da lógica para as ciências exatas é a possi-
bilidade de seu aproveitamento técnico. A atividade científica e a administração hodiernas, im-
pensáveis sem o uso de computadores, repousam sobre a possibilidade de reproduzir funções
lógicas em forma de ligações ou conexões mecânicas. Ou seja, o desenvolvimento da moderna
tecnologia é impensável sem os recursos da informática, baseados no desenvolvimento da ló-
gica.
39

3) Limites da lógica formal


(a). Se a ampliação das áreas de aplicação da lógica moderna confirma sua utilidade, o
mesmo não vale de sua pretensão de ser uma descrição adequada da realidade. Isto porque a
aplicação técnica se fundamenta na matemática, não podendo ser apresentada como prova de
uma concordância pura e simples entre estruturas lógicas e estruturas da realidade.
(b). Se é verdade que um número sempre maior de dimensões da linguagem são forma-
lizadas, também é verdade que a redução da linguagem natural a um sistema de cálculo é um
sonho irrealizável. Isto não em virtude dos recursos técnicos insuficientes, mas por uma ques-
tão de princípio. É que as definições e as regras, necessárias para a construção do cálculo,
não podem ser estabelecidas sem o recurso à linguagem natural.
c). Se a linguagem natural resiste à formalização completa, não é porque ela não pos-
sua uma estrutura lógica. É que a linguagem natural é ao mesmo tempo simples e extrema-
mente complexa devido aos múltiplos recursos de que dispõe, entre os quais se encontra o
contexto da fala. Por causa do manejo apropriado destes recursos, a linguagem alcança a pre-
cisão desejada e necessária.
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Apêndice 1’: A árvore porfiriana (dePorfírio,233-306)

Substância gênero supremo

material imaterial diferença específica

Corpo gênero subalterno

orgânico inorgânico diferença específica

Vivente gênero subalterno

Sensitivo não sensitivo diferença específica

Animal gênero próximo

Racional irracional dif. específica

Homem espécie ínfima

Apêndice 2: Exemplos de análise de uma argumentação


a) Na análise de argumentos é importante ter presente as seguintes normas:
(1). Identifique a conclusão principal.
(2). Identifique as razões e a maneira como se pretende que elas sustentem a conclusão princi-
pal.
(3). Para cada etapa do argumento pergunte: esta conclusão (a principal ou intermediária) de-
corre das razões apresentadas?
(4). Explique porque a conclusão decorre, ou seja, pense em alguma razão pela qual a conclu-
são pode ser verdadeira, embora as razões não sejam verdadeiras.
Consideremos o argumento:
“Algumas pessoas afirmam que a apresentação da violência na televisão não possui
efeitos sobre os telespectadores. Mas, se o que é mostrado na televisão não afeta o
comportamento, a publicidade televisiva nunca iria influenciar os telespectadores na
compra de produtos. Ora, sabemos que ela exerce influência. Portanto, não pode ser
verdade que a violência não afeta o comportamento dos telespectadores.
O raciocínio pode ser sintetizado assim:
40

(1) A publicidade na televisão afeta o comportamento dos espectadores.


(2). Portanto, o que é apresentado na televisão afeta o comportamento dos expectadores.
(3). Portanto, a violência mostrada na televisão afeta o comportamento dos expectadores.
A afirmação (1) é uma razão básica que deve sustentar a afirmação (2). SE interpretar-
mos (2) como significando que algumas coisas mostradas na televisão afetam o comporta-
mento, então ela decorre de (1). Mas, interpretada assim, a afirmação (2) não sustenta a afir-
mação (3), como se pretende (a violência na televisão pode ser uma das coisas que não afe-
tam o comportamento dos expectadores). Se, por outro lado, interpretarmos (2) como signifi-
cando que todas as coisas mostradas na televisão afetam o comportamento dos espectadores,
então ela não decorre de (1) porque não há razão para pensar que, se uma coisa apresentada
na televisão afeta o comportamento, então tudo o que é mostrado afeta o comportamento. Por-
tanto, seja qual for a maneira de interpretarmos (2), não temos aqui um bom argumento.
A falácia cometida neste argumento consiste em passar do fato de algumas coisas (por
exemplo, a publicidade) apresentadas na televisão influenciarem o comportamento para o fato
de que todas as coisas apresentadas (incluindo a violência) deve influenciar o comportamento.
Outra maneira de analisar o argumento consiste em considerar que ele supõe, injustifi-
cadamente, que a propaganda e a violência apresentadas na televisão são análogas ou com-
paráveis sob todos os aspectos.
Consideremos outro exemplo:
“Se as pessoas se tornam mais saudáveis com o crescimento da riqueza do país, pode-
ríamos esperar que as pessoas, hoje, sejam mais saudáveis do que há trinta anos atrás. Mas,
nos últimos trinta anos, novas doenças apareceram e nos tornamos mais vulneráveis a doen-
ças antigas, como doenças do coração e câncer. Portanto, o crescimento da riqueza do país
não produziu melhoria na saúde da população”.
A conclusão do argumento é que o crescimento da riqueza do país não produziu me-
lhoria na saúde da população. A evidência apresentada para a mesma é que, ao longo do pe-
ríodo em que a riqueza da nação cresceu, novas doenças apareceram, e algumas doenças an-
tigas se tornaram mais comuns. Numa análise mais detalhada, podemos distinguir duas etapas
no argumento.
Primeira etapa:
Razão básica (1): Nos últimos trinta anos novas doenças apareceram, e nos tornamos
mais vulneráveis a doenças antigas (...). Esta sustenta uma conclusão intermediária (não ex-
pressa): “Não houve melhoria na saúde da população durante os últimos trinta anos.
Segunda etapa:
Suposição (não expressa): A riqueza do país cresceu nos últimos trinta anos”. Esta
sustenta uma razão básica (2): “Se as pessoas se tornam mais saudáveis (...), poderíamos es-
perar que elas hoje fossem mais saudáveis do que há trinta anos.
A conclusão intermediária e a razão básica (2), a seguir, são reunidas para a conclu-
são principal: “O crescimento da riqueza do país não produziu melhoria na saúde da popula-
ção”.
Perguntemos se concordamos que a conclusão intermediária decorre da razão básica
(1), e que a razão básica (2) decorre da suposição não expressa, e que a conclusão principal
decorre da conclusão intermediária em conjunto com a razão básica (2). Será que as proposi-
ções “a riqueza do país cresceu nos últimos trinta anos”, e “novas doenças apareceram e algu-
mas doenças antigas se tornaram mais comuns” oferecem uma sustentação adequada para a
conclusão “O crescimento da riqueza do país não produziu melhoria na saúde da população”?
Está claro que não, porque não possuímos informação suficiente a respeito da saúde da popu-
lação em geral. Pode ser que haja maior vulnerabilidade perante doenças do coração e câncer,
mas talvez algumas doenças ‘antigas’ (por exemplo, tuberculose e bronquite) são bem menos
comuns. Talvez as pessoas vivem mais tempo do que há trinta anos´, e talvez elas são relati-
vamente saudáveis ´por um longo período de sua vida antes de sucumbirem às doenças do co-
ração e câncer.
41

Agora podemos precisar a falácia no argumento: mesmo que tenham aparecido algu-
mas doenças novas, e alguma doenças antigas se tornaram mais comuns nos últimos trinta
anos, não segue que a população é menos saudável do que há trinta anos, porque as pessoas
podem, por um longo período de sua vida gozar de boa saúde, antes de serem vítimas das do-
enças citadas. A falácia consiste em tirar uma conclusão com base em evidência insuficiente.
Se o argumento é falacioso, não quer dizer que a conclusão é necessariamente falsa.

b) Análise de textos mais extensos


Quando se trata de avaliar argumentos contidos em textos mais longos, é útil percorrer
aa seguintes etapas:
(1). Esclarecer o sentido do argumento e de suas partes.
(2). Identificar a conclusão e as razões. (Aqui é útil resumir o texto segundo o esquema “O
texto procura levar-me a aceitar que... com base em...”).
(3). Identificar as suposições feitas.
(4). Verificar, até onde é possível, a verdade das razões e suposições. Pensar de que modo se
poderia obter maiores informações para julgar a verdade das razões.
(5) O raciocínio repousa a evidência decorrente de fatos cuja autoridade é questionável?
(6). Você possui algum conhecimento capaz de reforçar ou enfraquecer a conclusão?
(7). Se houver comparações no texto, elas são apropriadas, isto é, as realidades comparadas
são semelhantes em todos os aspectos relevantes?
(8) A partir da informação fornecida pelo texto, você conseguir tirar alguma conclusão impor-
tante não mencionada? Ela sugere que o raciocínio seja falho?
(9) O raciocínio contido no texto é semelhante a algum outro que você já sabe que é falacioso?
(10) Alguma das razões ou suposições envolve um princípio geral? Se este for o caso, você
consegue pensar em alguma aplicação do mesmo que sugira haver algo errado com seu uso
no argumento?
(11). Se você pensa que a conclusão não está bem fundamentada pelas razões e suposições,
você é capaz de indicar de que modo a passagem das razões para a conclusão é falha?
Apêndice 3: Formas válidas de silogismo

1a Figura: AAA, EAE, AII, EIO

2a Figura: AEE, EIO, AOO, EAE

3a Figura: AAI, IAI, EIO, AII, EAO, OAO

4a Figura AAI, AEE, IAI, EAO, EIO


42

1. LÓGICA E LINGUAGEM......................................................................................................1
1.1. Aspectos e elementos fundamentais da argumentação..............................................1
a) Conceito e significado da lógica................................................................................1
b) O argumento. Premissas, conclusões e suposições.................................................2
c) Argumentos e não-argumentos.................................................................................4
d) Dedução e indução...................................................................................................5
e) Verdade, validade e consistência.............................................................................5
1.2. O meio linguístico.................................................................................................6
a) Forma e função do discurso......................................................................................6
b) Significado literal e emotivo.......................................................................................6
c) Tipos de acordo e desacordo....................................................................................7
d) Ambiguidade e vagueza............................................................................................7
e) Disputas verbais........................................................................................................8
f) A definição .................................................................................................................8
1.3. Avaliação de argumentos...............................................................................................10
a) Avaliação da verdade das razões e conclusões......................................................10
b) Avaliação da sustentação das conclusões...............................................................10
c) Identificação das falácias em argumentos; falácias não-formais..............................11
1) Falácias de relevância..................................................................................12
2) Falácias de ambiguidade..............................................................................13
3) Falácias especulativas..................................................................................14
2. A LÓGICA FORMAL............................................................................................................14
2.1. A lógica silogística..........................................................................................................14
a) Tipos de proposições...............................................................................................14
b) as proposições categóricas......................................................................................15
1) Qualidade e quantidade; a forma típica do silogismo...................................15
2) Distribuição...................................................................................................15
3) O quadro de oposições; inferências imediatas.............................................15
4). Outras inferências imediatas.........................................................................16
c) O problema do conteúdo existencial.........................................................................16
d) O silogismo categórico de forma típica.....................................................................17
1) A forma típica do silogismo...........................................................................17
2) Modo e figura; a forma do silogismo.............................................................18
3) Formas válidas do silogismo; regras do silogismo válido.............................18
e). Outras formas de argumento....................................................................................20
f). Uma técnica para elaborar silogismos válidos...........................................................22
2. 2. A lógica simbólica...........................................................................................................23
a) A álgebra de classes.................................................................................................23
b) Os diagramas de Venn...........................................................................................,,24
c) O cálculo proposicional.............................................................................................26
d) Símbolos para o cálculo proposicional......................................................................26
e) Constantes lógicas; sua definição.............................................................................27
f) Regras de inferência (I): as tabelas-verdade.............................................................28
g) Regras de inferência (II): a prova formal de validade...............................................30
h) A técnica da tabela-verdade abreviada ....................................................................31
i) Sistemas dedutivos....................................................................................................32
j) Completude dedutiva..................................................................................................34
l) Completude expressiva. A quantificação...................................................................36
CONCLUSÕES.........................................................................................................................38
Apêndice 1. A árvore porfiriana.................................................................................................39
Apêndice 2: Exemplos de análise de uma argumentação A árvore porfiriana.........................39
Apêndice 3: Formas válidas de silogismo.................................................................................1

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