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Confusão e delirium

A confusão, um estado mental e comportamental de redução da compreensão, da coerência e da capacidade de


raciocinar. O delirium é o termo usado para descrever um estado de confusão agudo. Usam-se diversos termos para
descrever o delirium, como encefalopatia, insuficiência cerebral aguda, estado confusional agudo e psicose pós-
operatória ou da unidade de terapia intensiva (UTI). O delirium tem várias manifestações clínicas, mas é definido como
declínio relativamente agudo da cognição, que flutua ao longo de horas ou dias. Sua principal característica é o déficit
de atenção, embora todos os domínios cognitivos – como a memória, a função executiva, as tarefas visuoespaciais e a
linguagem – se mostrem comprometidos de alguma forma. Os sintomas associados que podem estar presentes em
alguns casos incluem alterações do ciclo de sono e vigília, perturbações da percepção, como alucinações ou delírios,
alterações afetivas e achados autônomos, que incluem instabilidade da frequência cardíaca e da pressão arterial.
O delirium é um diagnóstico clínico que só pode ser definido à beira do leito. Foram descritos dois subtipos – hiperativo
e hipoativo – com base em características psicomotoras diferentes. A síndrome cognitiva associada à abstinência
alcoólica grave continua sendo o exemplo clássico do subtipo hiperativo, que se caracteriza por alucinações
proeminentes, agitação e hipervigilância, com frequência acompanhado por instabilidade autonômica potencialmente
fatal. Diferentemente, de forma notável, está o subtipo hipoativo, exemplificado pela intoxicação por
benzodiazepínicos, em que os pacientes ficam retraídos e quietos, com apatia marcante e lentidão psicomotora.
Contudo, os pacientes frequentemente se enquadram entre os extremos hiper e hipoativo, as vezes flutuando de um
para o outro.
A reversibilidade do delirium é enfatizada porque muitas etiologias, como infecções sistêmicas e efeitos de
medicamentos, são tratadas com facilidade. Os seus efeitos cognitivos em longo prazo continuam praticamente
desconhecidos. Alguns episódios de delirium prolongam-se por semanas, meses ou mesmo anos. A persistência do
delirium em alguns pacientes e sua alta taxa de recorrência podem advir de tratamento inadequado da etiologia
subjacente. Em outros casos, o delirium parece causar dano neuronal permanente e declínio cognitivo. Mesmo se um
episódio de delirium melhorar completamente, pode haver efeitos persistentes do distúrbio; a recordação do paciente
sobre eventos após o delirium varia muito, desde a amnésia completa até repetições da experiência assustadora do
período de confusão, semelhante ao que é visto em pacientes com transtorno de estresse pós-traumático.
Os dois fatores de risco identificados com maior frequência são a idade avançada e disfunção cognitiva prévia.
Indivíduos com mais de 65 anos de idade ou que exibam baixa pontuação nos testes padronizados de cognição
apresentam delirium ao ser hospitalizados com incidência aproximada de 50%. Não se sabe ao certo se a idade e a
disfunção cognitiva preliminar são fatores de risco realmente independentes. Outros fatores predisponentes são a
privação sensorial, como deficiências auditiva e visual pré-existentes, além de índices de saúde geral debilitada,
incluindo imobilidade, desnutrição e doença clínica ou neurológica subjacente prévia.
Os riscos hospitalares de delirium incluem o uso de cateterismo vesical, contenção física, privação de sono e sensorial,
assim como o acréscimo de três ou mais medicamentos novos. Os fatores de risco cirúrgicos e anestésicos para o
desenvolvimento de delirium pós-operatório incluem procedimentos específicos, como os que envolvem a circulação
extracorpórea e tratamento insuficiente ou excessivo da dor no período pós-operatório imediato e, talvez, agentes
específicos, como os anestésicos inalatórios.
A relação entre delirium e demência é complicada pela superposição significativa entre esses dois distúrbios, e nem
sempre é simples distingui-los. A demência e a disfunção cognitiva preexistente servem como fatores de risco
importantes para o delirium, com pelo menos 66% dos casos de delirium ocorrendo em pacientes com demência
subjacente coexistente. Uma forma de demência com parkinsonismo, denominada demência por corpos de Lewy,
caracteriza-se por evolução flutuante com alucinações visuais proeminentes, parkinsonismo e déficit de atenção que
lembra clinicamente o delirium hiperativo; os pacientes com essa condição são particularmente vulneráveis ao delirium.
No idoso, o delirium frequentemente reflete uma agressão ao cérebro que está vulnerável devido a doença
neurodegenerativa subjacente. Por isso, o delirium às vezes anuncia o início de distúrbio cerebral anteriormente não
reconhecido.

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A patogênese e anatomia do delirium não são bem compreendidas. O déficit de atenção, parece ter localização difusa
no tronco encefálico, no tálamo, no córtex pré-frontal e nos lobos parietais. Raramente, lesões focais, como acidentes
vasculares encefálicos isquêmicos, causaram delirium em pessoas sadias; lesões parietais direitas e talâmicas dorsais
mediais foram relatadas mais comumente, ressaltando a importância dessas áreas na patogênese do delirium. Na
maioria dos casos, o delirium resulta de distúrbios difusos nas regiões corticais e subcorticais, em vez de ter uma causa
neuroanatômica focal. Os dados do eletrencefalograma (EEG) de pessoas com delirium em geral mostram lentidão
simétrica, achado inespecífico que sustenta disfunção cerebral difusa.
Diversas anormalidades em neurotransmissores, fatores pró-inflamatórios e genes específicos desempenham um papel
na patogênese do delirium. A deficiência de acetilcolina pode ter um papel, e medicamentos com propriedades
anticolinérgicas também podem precipitar delirium. Os pacientes com demência são suscetíveis a episódios de delirium,
e sabe-se que aqueles com patologia de Alzheimer e demência por corpos de Lewy têm estado crônico de deficiência
colinérgica decorrente da degeneração dos neurônios produtores de acetilcolina na base do prosencéfalo. Além disso, é
provável que outros neurotransmissores também estejam implicados nesse distúrbio cerebral difuso. Por exemplo,
aumentos nos níveis de dopamina também podem causar delirium. Pacientes com a doença de Parkinson tratados com
fármacos dopaminérgicos podem apresentar um estado semelhante ao delirium, caracterizado por alucinações visuais,
flutuações e confusão.
Ferramentas de rastreamento podem ajudar médicos e enfermeiros a identificar os pacientes com delirium, como o
Método de Avaliação de Confusão (MAC), a Escala da Síndrome Cerebral Orgânica, a Escala de Graduação do Delirium
e, na UTI, as versões do Escore para a Detecção de Delirium e da MAC para UTI. Usando-se o MAC, faz-se um
diagnóstico de delirium se houver (1) início agudo e evolução flutuante e (2) desatenção acompanhada por (3)
pensamento desorganizado ou (4) alteração do nível da consciência. Essas escalas podem não identificar todo o
espectro de pacientes com delirium, e todos os pacientes agudamente confusos devem ser considerados com delirium
independentemente de sua apresentação devido à ampla variedade de características clínicas possíveis. Uma evolução
flutuante durante horas ou dias e que pode agravar-se à noite (conhecida como sundowning) é típica, mas não
indispensável para o diagnóstico. A observação do paciente em geral revela um nível alterado de consciência ou algum
déficit de atenção. Outras características que podem estar presentes incluem alteração do ciclo de sono e vigília,
distúrbios do raciocínio, como alucinações ou delírios, instabilidade autonômica e alterações do afeto.

Os fármacos continuam sendo uma causa comum do delirium, em especial compostos com propriedades
anticolinérgicas ou sedativas. Estima-se que quase 33% de todos os casos de delirium sejam secundários a
medicamentos, em especial no idoso. A história medicamentosa deve incluir todos os medicamentos prescritos e

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usados sem receita, bem como fitoterápicos e remédios adquiridos sem prescrição pelo paciente e quaisquer alterações
recentes nas doses ou apresentações, incluindo a substituição de medicamentos originais por genéricos.
Outros elementos importantes da anamnese incluem o rastreamento dos sintomas de insuficiência orgânica ou infecção
sistêmica, que muitas vezes contribuem para o delirium no idoso. História de uso de drogas ilícitas, alcoolismo ou
exposição a toxinas é comum em pacientes jovens com delirium. Por fim, inquirir o paciente e outras pessoas próximas
dele sobre outros sintomas que possam acompanhar o delirium, como depressão, pode ajudar a identificar alvos
terapêuticos potenciais.
O exame físico geral do paciente com delirium deve incluir rastreamento cuidadoso de sinais de infecção, como febre,
taquipneia, consolidação pulmonar, sopro cardíaco e rigidez de nuca. Deve-se avaliar o grau de hidratação do paciente,
pois tanto a desidratação como a sobrecarga hídrica com hipoxemia resultante estão associadas ao delirium, e ambas
podem ser corrigidas com facilidade. A inspeção da pele pode ser útil, mostrando icterícia nos casos de encefalopatia
hepática, cianose nos pacientes com hipoxemia ou trajetos de agulhas em usuários de drogas intravenosas.
O exame neurológico requer a avaliação cuidadosa do estado mental. Os pacientes com delirium frequentemente
apresentam-se com evolução flutuante, de modo que o diagnóstico pode passar despercebido quando se confia em um
único momento da avaliação. Alguns pacientes exibem o padrão característico de sundowning, uma piora de sua
condição ao anoitecer. Nesses casos, a avaliação apenas durante a manhã pode ser falsamente tranquilizadora.
Na maioria dos pacientes com delirium, observa-se alteração do nível de consciência que varia de um estado hiperalerta
à letargia e até o coma, podendo ser avaliado com facilidade à beira do leito. Em um paciente com nível de consciência
relativamente normal, é obrigatório rastreamento para déficit de atenção, por ser a característica neuropsicológica
clássica do delirium. Isso pode ser feito ouvindo-se o paciente contar uma história. Fala tangencial, fluxo fragmentado
de ideias ou incapacidade de obedecer a comandos complexos geralmente significam um problema de atenção. Existem
testes neuropsicológicos formais para avaliar a atenção, mas um teste de memória simples de repetir séries de dígitos é
rápido e razoavelmente sensível. Nesse teste, solicita-se que o paciente repita séries sucessivamente mais longas de
números aleatórios, começando com dois números seguidos ditos ao paciente em intervalos de 1 segundo. Os adultos
saudáveis repetem uma série de 5 a 7 dígitos antes de falhar; a repetição de 4 ou menos dígitos geralmente indica
déficit de atenção, a menos que exista dificuldade de audição ou linguagem, e muitos pacientes com delirium
conseguem repetir séries de 3 ou menos dígitos.
Devem-se solicitar exames laboratoriais de rastreamento básicos, como hemograma completo, painel eletrolítico e
provas das funções hepática e renal, para todos os pacientes com delirium. Em pacientes idosos, o rastreamento para
infecção sistêmica, incluindo radiografias, exame e cultura de urina, e possivelmente hemoculturas, é importante. Em
indivíduos mais jovens, os rastreamentos sérico e urinário para drogas e substâncias tóxicas podem ser apropriados no
início da avaliação. Outros exames de laboratório voltados para etiologias autoimunes, endocrinológicas, metabólicas e
infecciosas devem ser reservados para os pacientes cujo diagnóstico continue incerto depois dos exames iniciais.
O tratamento do delirium começa com medidas para o fator incitante subjacente (p. ex., os pacientes com infecção
sistêmica devem receber antibióticos apropriados, e os distúrbios eletrolíticos subjacentes devem ser corrigidos de
forma criteriosa). Tais medidas geralmente acarretam na resolução imediata do delirium. Combater
farmacologicamente os sintomas do delirium serve apenas para prolongar a confusão dos pacientes e pode mascarar
informações diagnósticas importantes.

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