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O Memorial do Convento,

de José Saramago (1982)


apontamentos
Linguagem e estilo
 Cada frase, ou discurso, ou período, cria-se
dentro de mim mais como uma fala do que
como uma escrita. A possibilidade da
espontaneidade, a possibilidade do discurso em
linha reta, enfim, a direito, é muito maior do
que se eu me colocasse na posição de quem
escreve. No fundo, ao escrever estou colocado
na posição de quem fala.”
José Saramago, in Conversas, Mário Ventura, Publ. Dom Quixote, 1986
Linguagem e estilo
Uma das características mais notórias de José
Saramago é a utilização peculiar da pontuação.
 Principal marca: nas passagens do discurso
direto:
 eliminação do travessão e dos dois pontos;
 a substituição do ponto de interrogação e de outros sinais
de pontuação pela vírgula;
 início de cada fala apenas assinalado pela maiúscula.
 "Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar. Apenas uma vez
Baltasar se levantou para pôr alguma lenha na fogueira que esmorecia, e
uma vez Blimunda espevitou o morrão da candeia que estava comendo a
luz e então, sendo tanta a claridade, pôde Sete-Sóis dizer, Por que foi que
perguntaste o meu nome, e Blimunda respondeu, Porque minha mãe o
quis saber e queria que eu o soubesse, Como sabes, se com ela não
pudeste falar, Sei que sei, não sei como sei, não faças perguntas a que
não posso responder, faze como fizeste, vieste e não perguntaste porquê,
E agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui, Hei-de ir para Mafra,
tenho lá família, Mulher, Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores, será
sempre tempo de partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é
preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai-te
embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me levem daqui,
deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te
toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras
que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei
por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo.“
AÇÃO - estrutura

 A obra está dividida em 25 capítulos, apesar de


estes não estarem numerados ou titulados, que
correspondem ao mesmo número de sequências
narrativas na estrutura interna.
Narrador (quanto à participação)
 Geralmente, é HETERODIEGÉTICO (surge
na terceira pessoa e não participa na ação)

 Por vezes, assume o ponto de vista de


algumas personagens (assumindo a primeira
pessoa do singular e até do plural)
HOMODIEGÉTICO

 Isso acontece porque o narrador assume o


pensamento de algumas personagens
NARRADOR (focalização)

 Geralmente, o narrador assume uma


focalização omnisciente

 Tem uma perspetiva transcendente em


relação às personagens e move-se à
vontade no tempo, saltando facilmente
entre passado, presente e futuro.
Focalização omnisciente
◦ "Mas também não faltam lazeres, por isso, quando a
comichão aperta, Baltasar pousa a cabeça no regaço de
Blimunda e ela cata-lhe os bichos, que não é de espantar
terem-nos os apaixonados e os construtores de aeronaves,
se tal palavra já se diz nestas épocas, como se vai dizendo
armistício em vez de pazes. “ Cap. IX

◦ "Mas em Lisboa dirá o guarda-livros a el-rei, Saiba vossa


majestade que na inauguração do convento de Mafra se
gastaram, números redondos, duzentos mil cruzados, e el-
rei respondeu, Põe na conta, disse-o porque ainda estamos
no princípio da obra, um dia virá em que quereremos saber,
Afinal, quanto terá custado aquilo, e ninguém dará satisfação
dos dinheiros gastos, nem faturas, nem recibos, nem
boletins de registo de importação, sem falar de mortes e
sacrifícios, que esses são baratos. “
Focalização interna

Outras vezes, o narrador assume


momentaneamente a perspetiva das
personagens que vivem a ação, conferindo
maior vivacidade e verosimilhança à
narrativa.
EXEMPLO
 "Grita o povinho furiosos impropérios aos condenados, guincham
as mulheres debruçadas dos peitoris, alanzoam os frades, a
procissão é uma serpente enorme que não cabe direita no Rossio e
por isso se vai curvando e recurvando como se determinasse
chegar a toda a parte ou oferecer o espetáculo edificante a toda a
cidade, aquele que ali vai é Simeão de Oliveira e Sousa, sem mester
nem benefício, mas que do Santo Ofício declarava ser qualificador,
e sendo secular dizia missa, confessava e pregava, e ao mesmo,
tempo que isto fazia proclamava ser herege e judeu, raro se viu
confusão assim, (...) por toda a vida, e esta sou eu, Sebastiana
Maria de Jesus, um quarto de cristã-nova, que tenho visões e
revelações, mas disseram-me no tribunal que era fingimento, que
ouço vozes do céu, mas explicaram-me que era demoníaco, que sei
que posso ser santa como os santos o são, ou ainda melhor, pois
não alcanço diferença entre mim e eles, mas repreenderam-me de
que isso é presunção insuportável e orgulho monstruoso, desafio a
Deus, aqui vou blasfema, herética, temerária, amordaçada para que
não me ouçam as temeridades, as heresias e as blasfémias,
condenada a ser açoitada em público e a oito anos de degredo no
reino de Angola (...)
PERSONAGENS
D. JOÃO V

 D. João V representa o poder real absolutista que


condena uma nação a servir a sua religiosidade
fanática e a sua vaidade.

 Cumpridor dos seus deveres de marido e de rei, D.


João V assume apenas o papel gerativo de um
filho e de um convento, numa dimensão
procriadora, da qual a intimidade e o amor se
encontram ausentes.
PERSONAGENS D. JOÃO V

 Amante dos prazeres humanos, a figura real


é construída através do olhar crítico do narrador,
de forma multifacetada:

 é o devoto fanático que submete um país inteiro ao


cumprimento de uma promessa pessoal (a construção
do convento, de modo a garantir a sucessão) e que
assiste aos autos-de-fé;

 é o marido que não evidencia qualquer


sentimento amoroso pela rainha, apresentando
nesta relação uma faceta quase animalesca, enfatizado
pela utilização de vocábulos que remetem para esta
ideia (como a forma verbal" emprenhou" e o adjetivo
"cobridor");
PERSONAGENS D. JOÃO V

 é o megalómano que desvia as riquezas nacionais para


manter uma corte dominada pelo luxo, pela corrupção e
pelo excesso;

 é o rei vaidoso que se equipara o Deus nas suas relações


com as religiosas; é o curioso que se interessa pelas
invenções do padre Bartolomeu de Gusmão;
PERSONAGENS D. JOÃO V

 é o esteta que convida Domenico


Scarlatti a permanecer em Portugal;

 é o homem que teme a morte e que


antecipa a sua imortalidade, através da
sagração do convento no dia do seu
quadragésimo primeiro aniversário.
PERSONAGENS
D. MARIA ANA JOSEFA
 A rainha representa a mulher que só
através do sonho se liberta da sua
condição aristocrática para assumir a sua
feminilidade.

 D. Maria Ana é caracterizada como uma


mulher
 passiva,
 insatisfeita,
 que vive um casamento baseado na
aparência, na sexualidade reprimida e
num falso código ético, moral e religioso.
PERSONAGENS D. MARIA ANA JOSEFA
 A transgressão onírica é a única expressão da rainha que
sucumbe, posteriormente, ao sentimento de culpa. A pecaminosa
atração incestuosa que sente por D. Francisco, seu cunhado,
conduzem-na a uma busca constante de redenção através da
oração e da confissão. COMPLEXO DE CULPA.

 A rainha vive num ambiente repressivo, cujas proibições


regem a sua existência e para a qual não há fuga possível, a não
ser através do sonho, onde pode explorar a sua sensualidade.

 Consciente da virilidade e da infidelidade do marido (abundam os


filhos bastardos), D. Maria Ana assume uma atitude de
passividade e de infelicidade perante a vida.
PERSONAGENS
BALTASAR SETE-SÓIS ( Vê às claras Cap.IX)

 Baltasar Mateus é um dos membros do casal


protagonista da narrativa.

 Representa a crítica do narrador à


desumanidade da guerra, uma vez que
participa na Guerra da Sucessão (1704-1712)
e, depois de perder a mão esquerda, é
excluído do exército.
PERSONAGENS BALTASAR SETE-SÓIS
 Construído enquanto arquétipo da
condição humana, Baltasar Sete-Sóis é um
homem pragmático e simples, que assume
o papel de demiurgo na construção da
passarola (ao realizar o sonho de Bartolomeu
de Gusmão).

 Participa na construção do convento e


partilha, através do silêncio, a vida de Blimunda
Sete-Luas.

 Sucumbe às mãos da Inquisição.


PERSONAGENS
BLIMUNDA SETE-LUAS ( vê às escuras)

 Blimunda é o segundo membro do casal protagonista


da narrativa. Mulher sensual e inteligente,
Blimunda vive sem subterfúgios, sem regras que a
condicionem e escravizem.

 Dotada de poderes invulgares, como a mãe,


escolhe Baltasar para partilhar a sua vida, numa
existência de amor pleno, de liberdade, sem
compromissos e sem culpa.
PERSONAGENS BLIMUNDA SETE-LUAS
 Blimunda representa o transcendente e a
inquietação constante do ser humano em
relação à morte, ao amor, ao pecado e à existência de
Deus.

 O seu dom particular (ecovisão) transfigura esta


personagem, aproximando-a da espiritualidade da
música de Scarlatti e do sonho de Bartolomeu de
Gusmão.

 Ao visualizar a essência dos que a rodeiam, Blimunda


transgride os códigos existentes e perceciona a
hipocrisia e a mentira.
PERSONAGENS
FREI BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO

 O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão


representa as novas ideias que causavam
estranheza na inculta sociedade portuguesa.

 Estrangeirado, Bartolomeu de Gusmão


tornou-se um alvo apetecido do chacota da
corte e da Inquisição, apesar da proteção real.

 Homem curioso e grande orador sacro (a


sua fama aproxima-o do padre António Vieira).
PERSONAGENS BARTOLOMEU DE GUSMÃO
 Bartolomeu de Gusmão evidenciou, ao longo da obra,
uma profunda crise de fé, a que as leituras
diversificadas e a postura "antidogmática" não serão
alheios, numa busca incessante do saber.

 A sua personagem risível - era conhecido por "Voador"


- torna-o elemento catalisador do voo da
passarola, conjuntamente com Baltasar e Blimunda.

 A tríade corporiza o sonho e o empenho


tornados realidade, a par da desgraça, também ela,
partilhada:
(loucura e morte, em Toledo, de Bartolomeu de
Gusmão, morte de Baltasar Sete-Sóis no auto-de-fé e
solidão de Blimunda).
PERSONAGENS
DOMENICO SCARLATTI

 Scarlatti representa a arte que, aliada


ao sonho, permite a cura de Blimunda
e possibilita a conclusão e o voo da
passarola.
PERSONAGENS - O Povo
PERSONAGENS O POVO

 O verdadeiro protagonista de Memorial do


Convento é o povo trabalhador. Espoliado, rude,
violento, o povo atravessa toda a narrativa,
numa construção de figuras que, embora
corporizadas por Baltasar e Blimunda, tipificam a
massa coletiva e anónima que construiu, de
facto, o convento.

 A crítica e o olhar mordaz do narrador enfatizam


a escravidão a que foram sujeitos quarenta mil
portugueses, para alimentar o sonho de um
rei megalómano ao qual se atribui a edificação
do Convento de Mafra.
PERSONAGENS O POVO

 A necessidade de individualizar personagens


que representam a força motriz que erigiu o
palácio-convento, sob um regime opressivo, é
a verdadeira elegia de Saramago para todos
aqueles que, embora ficcionais, traduzem a
essência de ser português:
 GRANDES FEITOS, COM GRANDE
ESFORÇO E CAPACIDADE DE
SOFRIMENTO
Espaço
O espaço físico
 São dois os espaços físicos nos quais se
desenrola a ação: Lisboa e Mafra.

 Lisboa, enquanto macroespaço, integra outros


espaços:

 TERREIRO DO PAÇO
 ROSSIO
 SÃO SEBASTIÃO DA PEDREIRA
Espaço físico
 Terreiro do Paço
Local onde Baltasar trabalha num açougue, após a
sua chegada a Lisboa. É onde decorre a procissão do
Corpo de Deus.

 Rossio
Este espaço aparece no início da obra como o local
onde decorrem o auto-de-fé e a procissão da
Quaresma ou dos penitentes.

 S. Sebastião da Pedreira
Trata-se de um espaço relacionado com a passarola
do padre Bartolomeu de Gusmão, ligada, assim, ao
carácter mítico da máquina voadora. No época, S.
Sebastião da Pedreira era um espaço rural, onde
existiam várias quintas que integravam palacetes.
Espaço físico Mafra
 Mafra é o segundo macroespaço. Até à construção do
convento, a vida de Mafra decorria na vila velha e no
antigo castelo, próximo da igreja de Sto. André.

 A Vela foi o local escolhido para a construção do


convento, que deu lugar à vila nova, à volta do edifício.
Nas imediações da obra, surge a "Ilha da Madeira",
onde começaram por se alojar dez mil trabalhadores,
ascendendo, mais tarde, a quarenta mil.

 Além de Mafra, são ainda referidos espaços como Pêro


Pinheiro, a serra do Barregudo, Monte Junto e
Torres Vedras.
O espaço social
 O espaço social é construído, na obra, através
do relato de determinados momentos (ou
episódios) e do percurso de personagens
que tipificam um determinado grupo social,
caracterizando-o.

 Ao nível da construção do espaço social,


destacam-se os seguintes momentos:
 PROCISSÃO DA QUARESMA
 AUTOS-DE-FÉ
 A TOURADA
 PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS
 O TRABALHO NO CONVENTO
O espaço social Procissão da Quaresma
 Procissão da Quaresma

 excessos praticados durante o Entrudo


(satisfação dos prazeres carnais) e brincadeiras
carnavalescas - as pessoas comiam e bebiam
demasiado, davam "umbigadas pelas esquinas",
atiravam água à cara umas das outras, batiam nas
mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam-se
nas ruas.

 penitência física e mortificação da alma


após os desregramentos durante o Entrudo (é
tempo de "mortificar a alma para que o corpo
finja arrepender-se”)
O espaço social Procissão da Quaresma
 descrição da procissão (os penitentes à cabeça,
atrás dos frades, o bispo, as imagens nos andares, as
confrarias e as irmandades);

 manifestações de fé que tocavam a histeria (as


pessoas arrastam-se pelo chão, arranham-se, puxam
os cabelos, esbofeteiam-se) enquanto o bispo faz
sinais da cruz e um acólito balança o incensório; os
penitentes recorrem à autoflagelação;

 o narrador afirma que, apesar da tentativa de


purificação através do incenso, Lisboa permanecia
uma cidade suja, caótica e as suas gentes eram
dominadas pela hipocrisia de uma alma que,
ironicamente, este define como "perfumada“.
O espaço social Autos-de-fé
 Autos-de-fé (Rossio) Neste relato, são de salientar
os seguintes aspetos:

 o Rossio está novamente cheio de assistência; a


população está duplamente em festa, porque é
domingo e porque vai assistir a um auto-defé
(passaram dois anos após o último evento deste
tipo).

 o narrador revela a sua dificuldade em perceber se


o povo gosta mais de autos-de-fé ou de touradas,
evidenciando com esta afirmação a sua ironia
crítica perante um povo que revela um gosto
sanguinário e procura nas emoções fortes
uma forma de preencher o vazio da sua
existência.
O espaço social Autos-de-fé
 a assistência feminina, à janela, exibe as suas toilettes,
preocupa-se com pormenores fúteis relativos à sua
aparência (a segurança dos sinaizinhos no rosto, a
borbulha encoberta), e aproveita a ocasião para se
entregar a jogos de sedução com os pretendentes que
se passeiam em baixo;

 a proximidade da morte dos condenados


constitui o motivo do ambiente de festa; esta
constatação suscita, mais uma vez, a crítica do narrador -
na realidade, o facto de as pessoas saberem que alguns
dos sentenciados iriam, em breve, arder nas fogueiras
não as inibia de se refrescarem com água, limonada e
talhadas de melancia e de se consolarem com tremoços,
pinhões, tâmaras e queijadas;
O espaço social Autos-de-fé
 sai a procissão - à frente os dominicanos; depois, os
inquisidores

 distinção entre os vários sentenciados (através do gorro


e sambenito), assim como o crucifixo de costas voltadas,
para as mulheres que irão arder na fogueira;

 menção dos nomes de alguns dos condenados


(inclusivamente, o de Sebastiana Maria de Jesus, mãe de
Blimunda)

 início da relação entre Baltasar e Blimunda

 punição dos condenados pelo Santo Ofício - o


povo dança em frente das fogueiras
O espaço social Tourada
O espaço social Tourada

Tourada (Terreiro do Paço)


 o espetáculo começa e o narrador enfatiza
a forma como os touros são
torturados, exibindo o sangue, as feridas,
as "tripas“ ao público que, em
exaltação, se liberta de inibições
 (“…é uma sangueira por todo o terreiro,
as damas riem, dão gritinhos, batem
palmas, são as janelas como ramos de
flores, e ou touros morrem uns após
outros …”.(cap. IX)
O espaço social Tourada
 “dois toiros saem do curro e investem contra
bonecos de barro colocados na praça; de um
saem coelhos que acabam por ser mortos pelos
capinhas, de outro, pombas que acabam por ser
apanhadas pela multidão”

 A ironia do narrador é ainda traduzida pela


constatação de que, em Lisboa, as pessoas não
estranham o cheiro a carne queimada,
acrescentando ainda numa perspetiva
crítica, que a morte dos judeus é positiva,
pois os seus bens são deixados à Coroa.
O espaço social Procissão do Corpo de
Deus

 preparação da procissão:
 descrição dos "preparos da festa” feita pelo
narrador, que assume o olhar do povo (as
colunas, as figuras, os medalhões, as ruas toldadas, os
mastros enfeitados com seda e ouro, as janelas
ornamentadas com cortinas e sanefas de damasco e
franjas de ouro), que se sente maravilhado com a
riqueza da decoração (uma reflexão do narrador
leva-o a concluir que não se verificam muitos
roubos durante a cerimónia, pois o povo teme os
pretos que se encontram armados à porta
das lojas e os quadrilheiros, que procederiam à
prisão dos infratores)
O espaço social Procissão do Corpo de
Deus
 preparação da procissão:
 referência do narrador às damas que
aparecem às janelas, exibindo penteados,
rivalizando com as vizinhas e gritando motes;

 à noite, passam pessoas que tocam e


dançam, improvisa-se uma tourada;

 de madrugada, reúnem-se aqueles que irão


formar as alas da procissão, devidamente
fardados.
O espaço social Procissão do Corpo de Deus
 realização da procissão:
 o evento começa logo de manhã cedo.

DESCRIÇÃO DO APARATO:
 “à frente, as bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e
Quatro, em primeiro lugar a dos carpinteiros em
honra a S. José; atrás, a imagem de S. Jorge, os
tambores, os trombeteiros, as irmandades, o
estandarte do Santíssimo Sacramento, as comunidades
(de S. Francisco, capuchinhos, carmelitas, dominicanos,
entre outros) e o rei, atrás, segurando uma vara
dourada, Cristo crucificado e cantores de hinos
sacros.” Cap.XIII
O espaço social Procissão do Corpo de Deus
 CRÍTICA DO NARRADOR:
 crítica do narrador às crenças e
interditos religiosos;

 visão oficial da procissão como forma de


purificação das almas, que tentam
libertar-se dos pecados cometidos.
O espaço social Procissão do Corpo de Deus
 CRÍTICA DO NARRADOR:

 Censura ao luxo da igreja e à


luxúria do Rei;

 histeria coletiva das pessoas que se


batem a si próprias e aos outros como
manifestação da sua condição de
pecadores.
EM SÍNTESE
 As procissões e os autos-de-fé caracterizam
Lisboa como um espaço caótico, dominado por
rituais religiosos cujo efeito exorcizante esconjura um
mal momentâneo que motiva a exaltação absurda
que envolve os habitantes.

 A desmistificação dos dogmas e a crítica irónica


do narrador ao clero subjazem ao ideário marxista
que condena a religião enquanto "ópio do povo",
isto é, condena-se a visão redutora do mundo
apresentada pela Igreja, que condiciona os
comportamentos, manipula os sentimentos e conduz
os fiéis a atitudes estereotipadas.

 A violência das touradas ou dos autos-de-fé


apraz ao povo que, obscuro e ignorante, se
diverte sensualmente com as imagens de morte,
esquecendo a miséria em que vive.
O TRABALHO NO CONVENTO
 Mafra simboliza o espaço da servidão
desumana a que D. João V sujeitou todos os
seus súbditos para alimentar a sua vaidade.

 Vivendo em condições deploráveis, os cerca


de quarenta mil portugueses foram
obrigados, à força de armas, o abandonar as
suas casas e a erigir o convento para cumprir a
promessa do seu rei e aumentar a sua glória.
Espaço psicológico
 o espaço psicológico é constituído pelo
conjunto de elementos que traduz a
interioridade das personagens. Nesta obra, o
espaço psicológico é constituído
fundamentalmente através de dois processos:
os sonhos das personagens, que funcionam
como forma de caracterização das mesmas ou
que, num processo que lhes confere densidade
humana, traduzem relações com as suas
vivências; e os seus pensamentos.
TEMPO
TEMPO O tempo diegético (tempo da
história)

Trata-se do tempo em que decorre a ação.

 O tempo da história é constituído por algumas datas


fundamentais.
 A ação inicia-se em 1711. D. João V ainda não fizera
vinte e dois anos e D. Maria Ana Josefa chegara há mais
de dois anos da Áustria.

 O fluir do tempo, mais do que através da recorrência


a marcos cronológicos específicos, é sugerido pelas
transformações sofridas pelas personagens e por
alguns espaços e objetos ao longo da obra.
TEMPO O tempo diegético (tempo da
história)

O tempo histórico
 Logo no início do romance, podemos
inferir que a ação tem início no ano de
1711, através da seguinte referência do
narrador:

"(. ..) S. Francisco andava pelo mundo,


precisamente há quinhentos anos, em mil
duzentos e onze (. . .)"
TEMPO O tempo diegético (tempo da história)
Referências cronológicas
 As referências cronológicas mais importantes são
as seguintes:

 Em 1716, tem lugar a bênção da primeira pedra do


Convento de Mafra
 em 1717, Baltasar e Blimunda regressam a Lisboa para
trabalhar na passarola do padre Bartolomeu de Gusmão
 em 1719, celebra-se o casamento de D. José com Mariana
Vitória e de Maria Bárbara com o príncipe D. Fernando (VI de
Espanha)
 em 1730, mais propriamente no dia 22 de Outubro, o dia do
quadragésimo primeiro aniversário do rei, realiza-se a
sagração do Convento de Mafra
 a ação termina em 1739, no momento em que Blimunda vê
Baltasar a ser queimado em Lisboa, num auto-de-fé.
TEMPO O tempo diegético (tempo da história)

 Muitas vezes, a passagem do tempo é anunciada por situações precisas "Para D.


Maria Ana é que lhe vem chegando o tempo. A barriga não aguenta crescer mais por muito que a
pele estique (.. .)" ou por referências temporais que se integram em marcações
referenciais – por exemplo:

 "(…) tendo partido daqui há vinte meses (…)" p. 72


 "Meses inteiros se passaram desde então, o ano é já outro" p. 77
 "Entretanto, nasceu o infante D. Pedro (...)" p. 88
 "Bartolomeu Lourenço foi à quinta de S. Sebastião da Pedreira, três anos inteiros haviam passado
desde que partira (. .)” p. 117
 "(...) é certo que há seis anos que vivem como marido e mulher (…)" p. 130
 "(...) se não ficou dito já, sempre são seis anos de casos acontecidos (…) " p. 134
 "(…) e já vão onze anos passados (...)" p. 162
 "(...) passaram catorze anos (…)“ p. 214
 "Desde que na vila de Mafra, já lá vão oito anos, foi lançada a primeira pedra da basílica (…)" p.
231
TEMPO O tempo do discurso

 O tempo do discurso é revelado através da


forma como o narrador relata os
acontecimentos. Este pode apresentá-los
de forma linear, optar por retroceder
no tempo em relação ao momento da
narrativa em que se encontra ou
antecipar situações.
TEMPO O tempo do discurso

As analepses (recuos no tempo)


 As analepses explicam, geralmente,
acontecimentos anteriores, contribuindo
para a coesão da narrativa.

 É de assinalar, anteriormente ao ano do início da


ação (1711 ), a analepse que explica, em parte, a
construção do convento como consequência
do desejo expresso, em 1624, pelos
franciscanos, de possuírem um convento em
Mafra.
TEMPO O tempo do discurso
As prolepses (ações futuras)
 A antecipação de alguns acontecimentos serve os
seguintes objetivos:

 a crítica social - é o caso  a visão globalizante de tempos


das prolepses que dão a distintos por parte do narrador
conhecer as mortes do (o tempo da história e, num tempo
sobrinho de Baltasar e do futuro, o do momento da escrita) -
infante D. Pedro, de modo a
estabelecer o contraste cabem aqui as referências aos
entre os dois funerais, ou cravos (outrora, nas pontas das
a morte de Álvaro varas dos capelães; muito mais
Diogo, que viria a cair de tarde, símbolos da revolução do 25
uma parede, durante a de Abril), a associação entre os
construção do convento, possíveis voos da passarola e o
assim como a informação facto de os homens terem ido
sobre os bastardos que o à Lua, no século XX, a alusão ao
rei iria gerar, filhos das tipo de diversões que se vivia no
freiras que seduzia.
século XVII e ao cinema, entre
outras.

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