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Curso de psicologia Geral

Volume 3
A presente obra compõe-se de quatro volumes, a saber:
I. Introdução Evolucionista à Psicologia
II. Sensações e Percepção
III. Atenção e Memória
IV. Linguagem e Pensamento
A. R. Luria
Curso de Psicologia Geral
Volume III 2º Edição
Atenção e Memória
Tradução de PAULO BEZERRA
Revisão técnica de
HELMUTH R. KRÜGER
Professor de Psicologia da
UFRJ e da UERJ
Sociedade Unificada Paulista d* Ensino Renovado Obietivo - SUPERO
Data 13/01/99 Nº da chamada 159.9- c967c – 2 ed.u.3.e.3

civilização *• brasileira
Título do original em russo: VNIMANIE I PAMIATI
Capa: DOÜNÊ
Revisão:
NILO FERNANDES
REGINA BEZERRA
UU.I»
1991
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, seja de que forma for,
sem expressa autorização por escrito da
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A. Av. Rio Branco, 99 - 20? andar 20.040 - Rio de Janeiro -
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Impresso no Brasil Printed in Brazil
SUMÁRIO
1-ATENÇÃO 1
Fatores determinantes da atenção 2
Bases fisiológicas da atenção 6
Mecanismos neurofisiológicos da ativação. O
sistema reticular de ativação 9
O reflexo orientado como base da atenção 16
Orientação e atenção 19
Tipos de atenção 22
Métodos de estudo da atenção 26
Desenvolvimento da atenção 29
Patologia da atenção 35
2 — MEMÓRIA 39
História do estudo da memória 40
Bases fisiológicas da memória 44
Conservação dos vestígios do sistema nervoso 44
Processo de "consolidação" dos vestígios 47
Mecanismos fisiológicos da memória "breve" e "longa" 50
Sistemas cerebrais que asseguram a memória 56
Tipos principais de memória 59
Imagens sucessivas 59
Imagens diretas (eidéticas) 61
Imagens da representação 63
Memória verbal 67
Psicologia da atividade mnemônica. Memorização e reprodução 68
Influência da organização semântica sobre a memorização 74
Dependência da memorização face à estrutura da atividade 77
Peculiaridade individuais da memória 83
Métodos de estudo da memória 86
Desenvolvimento da memória 91
Patologia da memória 96
I
Atenção
0 HOMEM recebe um imenso número de estímulos mas entre estes ele seleciona os mais
importantes e ignora os restantes. Potencialmente ele pode fazer um grande número de possíveis
movimentos mas destaca poucos movimentos racionais que integram as suas habilidades e inibe
os outros. Surge-lhe grande número de associações mas ele conserva apenas algumas, essenciais
para a sua atividade, e abstrai as outras que dificultam o seu processo racional de pensamento.
A seleção da informação necessária, o asseguramento dos programas seletivos de ação e a
manutenção de um controle permanente sobre elas são convencionalmente chamados de
atenção.
O caráter seletivo da atividade consciente, que é função da atenção, manifesta-se igualmente na
nossa percepção, nos processos motores e no pensamento.
Se não houvesse essa seletividade, a quantidade de informação não selecionada seria tão
desorganizada e grande que nenhuma atividade se tornaria possível. Se não houvesse inibição de
todas as associações que afloram descontrola-
I
damente, seria inacessível o pensamento organizado, voltado para a solução dos problemas
colocados diante do homem.
Em todos os tipos de atividade consciente deve ocorrer um processo de seleção dos processos
básicos, dominantes, ,que constituem o objeto da atenção do homem, bem como a existência de
um "fundo" formado pelos processos cujo acesso está retido na consciência; em qualquer
momento, caso surja a tarefa correspondente, tais processos podem passar ao centro da atenção
do homem e tornar-se dominantes.
É por este motivo que se costumam distinguir o volume da atenção, sua estabilidade e suas
oscilações.
Por volume da atenção costuma-se entender o número de sinais recebidos ou associações
ocorrentes, que podem conservar-se no centro de uma atenção nítida, assumindo caráter
dominante.
Por estabilidade da atenção costuma-se entender a duração com a qual esses processos
discriminados pela atenção podem manter seu caráter dominante.
Por oscilações da atenção costuma-se entender o caráter cíclico do processo, no qual
determinados conteúdos da atividade consciente ora adquirem caráter dominante, ora o perdem.
Fatores determinantes da atenção
Quais são os fatores que determinam a atenção do homem? Podemos distinguir pelo menos dois
grupos de fatores que asseguram o caráter seletivo dos processos psíquicos, determinando tanto
a orientação como o volume e a estabilidade da atividade consciente.
Situam-se no primeiro grupo os fatores que caracterizam a estrutura dos estímulos externos que
chegam ao homem (ou a estrutura do campo exterior), situando-se no segundo grupo os fatores
referentes à atividade do próprio sujeito (estrutura do campo interno).
Examinemos cada grupo isoladamente.
O primeiro grupo é constituído pelos fatores dos estímulos exteriormente perceptíveis ao sujeito;
estes determinam o sentido, o objeto e a estabilidade da atenção, aproximam-se dos fatores da
estrutura da percepção.
2
O primeiro fator, integrante deste grupo, é a intensidade (força) do estímulo. Se propomos ao
sujeito um grupo de estímulos idênticos ou diferentes, entre os quais uns se distinguem pela
intensidade (grandeza, coloração, etc), a atenção do sujeito é atraída justamente por esse
estímulo. É natural que quando o sujeito entra numa sala de iluminação fraca, sua atenção se
volte subitamente para uma lâmpada que se acenda de repente. Note-se que quando no campo
perceptivo atuam dois estímulos de intensidade diferente e quando as relações entre estes são
tão equilibradas que nenhum deles domina, a atenção do homem adquire caráter instável e
surgem oscilações da atenção, nas quais ora um, ora outro se torna dominante. Anteriormente,
quando examinamos as leis da percepção da estrutura, apresentamos exemplos de tais
"estruturas instáveis".
O segundo fator externo, que determina o sentido da atenção, é a novidade do estímulo ou
diferença entre este e os outros estímulos.
Se entre estímulos bem conhecidos surge um que se distingue acentuadamente dos outros ou é
incomum, novo, ele começa imediatamente a atrair para si a atenção e provoca um reflexo
orientado especial.
Na primeira parte deste, apresenta-se entre círculos idênticos uma única cruz, acentuadamente
distinta das outras figuras; na segunda parte, apresentam-se várias séries de linhas idênticas,
sendo que numa destas há uma passagem que distingue esse lugar dos outros; na terceira, entre
pontos grandes idênticos, apresenta-se um ponto fraco que se distingue dos demais. Vê-se
facilmente que, em todos os casos, a atenção se volta para o elemento distintivo, "novo", que às
vezes conserva a mesma força física que os outros estímulos comuns e, às vezes., pode ser até
mais fraco do que os outros, pela intensidade. Não é difícil lembrar que se cessa de repente um
som costumeiro que se repete em monotonia (o ronco de um motor, por exemplo), a ausência do
estímulo pode se tornar um fator que chama a atenção.
As duas referidas condições determinam o sentido da atenção. Mas existem também fatores
externos que lhe determinam o volume.
Já dissemos que a percepção dos estímulos que chegam do meio exterior ao homem depende da
sua organização estrutural. É fácil ver que não podemos perceber com êxito um
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grande número de' estímulos desordenadamente dispersos embora possamos fazê-lo facilmente
se eles estiverem organizados em determinadas estruturas.
A organização estrutural do campo perceptivo é um dos meios mais poderosos de direção da
nossa percepção e um dos mais importantes fatores de sua ampliação, enquanto a organização
racional psicologicamente fundamentada do campo perceptivo é uma das tarefas mais
importantes da engenharia psicológica. Não é difícil perceber a grande importância que adquire
a garantia de formas mais racionais de organização do fluxo de informação que chega ao
aviador que pilota aviões rápidos ou super-rápidos.
Todos os referidos fatores, que determinam o sentido e o volume da atenção, situam-se entre as
peculiaridades dos estímulos externos que atuam sobre o homem, noutros termos, situam-se na
estrutura da informação que chega do meia exterior.
Percebe-se sem dificuldade o quanto é importante levar em conta esses fatores para aprender a
dirigir a atenção do homem em base científica.
Entre o segundo grupo de fatores determinantes do sentido da atenção, situam-se aqueles que
estão relacionados não tanto com o meio exterior quanto com o próprio sujeito e com a
estrutura de sua atividade. A esse grupo de fatores pertence principalmente a influência
exercida pelas necessidades, os interesses e os objetivos do sujeito sobre a sua percepção e o
processo de sua atividade.
Quando analisamos os problemas da evolução biológica do comportamento dos animais, vimos
o papel decisivo da importância biológica dos sinais no comportamento dos animais. Indicamos
que o pato percebe os cheiros vegetais enquanto o esmerilhão percebe os cheiros de podre,
essencialmente vitais para eles; indicamos que a abelha reage a formas complexas que
constituem indícios de flores, desprezando as formas geométricas simples sem importância
biológica para ela; o gato que reage vivamente ao ruído do rato, não dá atenção aos sons do
folheamento de um livro ou ao farfalhar de um jornal. É fato bastante conhecido que a atenção
dos animais é provocada por sinais de importância vital.
Tudo isso se refere igualmente ao homem, com a única diferença de que as necessidades e
interesses que o caracterizam não têm, em sua grande maioria, caráter de instintos e
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inclinações biológicos mas caráter de fatores motivacionais complexos que se formaram no
processo da história social. Por exemplo, o homem que se interessa pelo esporte distingue entre
toda a informação que lhe chega aquela que se refere a uma partida de futebol, ao passo que o
homem que se interessa pelas novidades da eletrônica procura livros que se referem justamente
a esse objeto.
É fácil nos convencermos de que o interesse forte do homem, que torna alguns sinais
dominantes, inibe simultaneamente os sinais secundários que não pertencem ao seu campo de
interesses. São bem conhecidos fatos segundo os quais cientistas absortos na solução de um
problema complexo deixam de perceber todas as excitações secundárias; tais fatos indicam o
que acaba de ser dito.
A organização estrutural da atividade humana é de importância essencial para a compreensão
dos fatores que dirigem a atenção do homem.
É sabido que a atividade do homem é condicionada por necessidades ou motivos e sempre visa a
um objetivo determinado. Se em alguns casos o motivo pode permanecer inconsciente, o
objetivo e o objeto da atividade são sempre conscientizados. Sabe-se, por último, que é
justamente esta circunstância que distingue o objetivo da ação dos meios e operações pelos
quais ele é atingido. Enquanto as operações isoladas não se automatizam, a execução de cada
uma delas constitui o objetivo de certa parte da atividade e atrai para si a atenção. Basta lembrar
como fica tensa a atenção de um atirador inexperiente ao puxar o gatilho ou a atenção de um
datilografo iniciante a cada batida do teclado. Quando a atividade se automatiza, certas
operações que a compõem deixam de atrair a atenção e passam a desenvolver-se sem
conscientização, ao passo que o objetivo fundamental continua a ser conscientizado. Para ver
isto, basta analisar atentamente o desempenho no tiro de um atirador bem preparado ou o
processo de datilografia de uma datilografa experiente.
Tudo isso mostra que o sentido da atenção é determinado pela estrutura psicológica da
atividade e depende essencialmente do grau de sua automatização. A tarefa geral, que orienta a
atividade do homem, distingue como objeto da atenção o sistema de sinais ou relações que
fazem parte da atividade provocada do homem, suscitada por tal tarefa. O objetivo concreto a
que o homem que resolve a tarefa visa
S
converte em centro da atenção os sinais ou ações relativos a ela. O processo de automatização
da atividade leva a que certas ações, que chamavam a atenção, se convertam em operações
automáticas e a atenção do homem comece a deslocar-se para os objetivos finais, deixando de
ser atraída por operações costumeiras bem consolidadas. É quase fundamental o fato de que a
orientação da atenção se encontra em dependência direta do êxito ou do insucesso da atividade.
O feliz coroamento da atividade elimina imediatamente a tensão que o homem manteve durante
todo o tempo em que tentou resolver a tarefa. Por exemplo, a pessoa que acaba de enviar uma
carta esquece no mesmo instante a intenção cumprida e esta deixa de intranqüilizá-la. Ao
contrário, uma atividade não concluída ou um problema resolvido sem êxito continua
provocando tensão e atraindo atenção, mantendo-a enquanto o problema não é resolvido.
A atenção integra como mecanismo de controle o aparelho da "ação aceptora": ela assegura os
sinais indicadores de que o problema ainda não foi resolvido, a ação ainda não terminou e são
justamente esses sinais inversos que motivam o sujeito a continuar trabalhando ativamente.
Deste modo, a atenção do homem é determinada pela estrutura de sua atividade, reflete o seu
processo e lhe serve de mecanismo de controle.
Tudo isto torna a atenção um dos aspectos mais importantes da atividade consciente do homem.
Bases fisiológicas da atenção
Durante muito tempo a Psicologia e a fisiologia tentaram descrever os mecanismos que
determinam a ocorrência seletiva dos processos de excitação e servem de base à atenção.
Durante muito tempo, porém, essas tentativas se limitaram a indicar esse ou aquele fator, sendo
antes descritivas do que autenticamente discriminatórias dos mecanismos fisiológicos da
atenção.
Alguns psicólogos consideravam que o sentido e o volume da atenção são determinados
inteiramente pelas leis da percepção estrutural, razão pela qual achavam supérfluo reservar ao
estudo da atenção um capítulo especial da Psicolo-
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gia e pensavam que o conhecimento de leis como as leis da "precisão" e da "estruturalidade" da
percepção eram suficientes para um julgamento definitivo do processo de atenção. Essa posição
era ocupada pela psicologia da Gestalt e um gestaltista dedicou ao tema um artigo especial,
tentando demonstrar a tese de que não existe a atenção enquanto categoria especial dos
processos psíquicos separados da percepção.
O segundo grupo de psicólogos mantinha as posições da teoria "emocional" da atenção.
Achavam estes que o sentido da atenção era determinado inteiramente pelas inclinações, pelas
necessidades de emoções, esgotando-se com as leis destas, e que a atenção não devia ser
destacada numa categoria especial de processos psíquicos.
Muitos behavioristas americanos ocupam praticamente essa posição.
Por último, o terceiro grupo de psicólogos que enfocam o problema das posições da teoria
motora da atenção, vê na atenção uma manifestação dos objetivos motores que servem de base
a cada ato volitivo e considera que o mecanismo da atenção é constituído pelos sinais dos
esforços nervosos e caracterizam qualquer tensão provocada por uma atividade determinada
dirigida a certo fim.
Vê-se facilmente que cada uma dessas teorias distingue certo componente integrante da atenção
mas em realidade não tenta abordar o problema dos mecanismos fisiológicos gerais que servem
de base à atenção.
Dificuldades consideráveis surgiram ante os fisiologistas que lançaram as hipóteses das bases
fisiológicas gerais da atenção.
Durante muito tempo, essas tentativas foram de caráter excessivamente genérico e consistiram
antes na descrição das condições gerais do processo seletivo de excitação do que na
discriminação dos mecanismos fisiológicos especiais da atenção.
Uma das primeiras tentativas foi a hipótese do conhecido fisiologista inglês Ch. Sherrington,
que mais tarde recebeu a denominação amplamente conhecida como "teoria geral do campo
motor" ou "funis de Sherrington". Observando o fato de que nos cornos posteriores da medula
espinhal há bem mais neurônios sensórios do que neurônios motores, Sherrington lançou a tese
de que nem todos os impulsos motores po-
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dem chegar ao seu fim motor e de que um grande número de excitações sensoriais tem seu "campo motor
geral", que a relação entre os processos sensoriais e motores podem assemelhar a um funil em cuja
abertura larga penetram os impulsos sensoriais e do furo estreito saem as inervações motoras. Vê-se
facilmente que entre os impulsos sensoriais surge "uma luta pelo campo motor geral" na qual vencem os
impulsos mais fortes, melhor preparados ou integrantes de determinado sistema biológico. Apesar de
Sherrington ter sido um dos primeiros fisiologistas a estudar a atividade integrativa do cérebro e a
formular a tese da estrutura sistêmica dos processos fisiológicos, a teoria da "luta pelo campo motor geral
se assemelha apenas nos traços mais genéricos aos mecanismos fisiológicos que servem de base à
atenção.
Esse mesmo caráter genérico é verificado também nos primeiros enunciados de Pavlov, que assemelhava
a atenção (e a consciência nítida) a um foco de excitação optimal, que se movimenta pelo córtex cerebral
à semelhança de "um ponto luminoso em deslocamento". A idéia do foco de excitação optimal enquanto
base da atenção mostrou-se posteriormente muito importante e levou a alguns mecanismos fisiológicos
essenciais da atenção embora, evidentemente, fosse demasiado genérica para dar uma explicação
satisfatória desses processos.
A. A. Ukhtomsky, notável fisiologista russo, deu uma contribuição considerável à análise dos
mecanismos fisiológicos da atenção. Segundo as suas concepções, a excitação se distribui de maneira
desigual pelo sistema nervoso e cada atividade instintiva (assim como os processos do reflexo
condicionado) pode criar no sistema nervoso focos de excitação optimal, que adquirem caráter dominante.
Esses focos, a que Ukhtomsky chamou dominantes, não só dominam sobre os demais e inibem outros
focos paralelos como também adquirem inclusive a capacidade de reforçar-se sob o efeito de ex-citações
estranhas. Assim, a rã que em determinado período adquire o dominante do reflexo abrangente das patas
dianteiras, reage à excitação das patas traseiras com a intensificação dos dominantes que abrangem o
movimento das patas dianteiras. Essa capacidade do dominante para inibir reflexos secundários e
inclusive reforçar-se sob o efeito de excitações estranhas foi considerada por Ukhtomsky como um
processo que lembra a atenção; foi justamente isto que lhe deu
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fundamento para considerar o dominante um mecanismo fisiológico da atenção.
A contribuição da teoria do dominante à análise dos mecanismos fisiológicos do processo
seletivo de excitações é indiscutível. Mas restava ainda encontrar as vias concretas de
construção de modalidades particulares da atividade seletiva dos animais e do homem e os
sistemas neurofisiológicos que servem de base a essa via. Foi este o trabalho realizado pelos
neurofisiologistas nos últimos vinte anos.
Mecanismos neurofisiológicos da ativação. . " O sistema reticular da ativação
Para o estudo atual dos mecanismos neurofisiológicos da atenção, é fundamental o fato de que o
caráter seletivo da ocorrência dos processos psíquicos, característicos da atenção, pode ser
assegurado apenas pelo estado de vigília do córtex, do qual é típico um nível optimal de
excitabilidade. Esse nível de vigília do córtex só pode ser assegurado pelos mecanismos de
manutenção do necessário tônus do córtex e estes estão relacionados com a conservação de
relações normais entre o tronco superior e o córtex cerebral e, acima de tudo, com o trabalho da
formação reticular ativadora ascendente cujo papel já descrevemos anteriormente.
É justamente essa formação reticular ativadora ascendente que faz chegarem ao córtex os
impulsos provenientes dos processos de troca do organismo, que são realizados pelas
inclinações e mantêm o córtex em estado de vigília; é ela que faz chegarem ao córtex as
excitações derivadas do funcionamento dos extero-receptores, que conduzem a informação
afluente do mundo exterior inicialmente para as áreas superiores do tronco e do núcleo do
tálamo ótico e, posteriormente, para o córtex cerebral. Como já foi indicado, a separação da
formação reticular do tronco do córtex cerebral provoca queda do tônus e sono.
No entanto não é apenas a formação reticular ascendente de ativação que assegura o tônus
optimal e o estado de vigília do córtex. A ela também está estreitamente ligado o aparelho do
sistema reticular descendente cujos filamentos começam no córtex cerebral (antes de tudo nas
áreas me-
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diais e médiobasais dos lobos frontais e temporais) e se dirigem tanto no sentido dos núcleos do
tronco como dos núcleos motores da medula espinhal. O trabalho da formação reticular
descendente é muito importante pelo fato de que, através dela, chegam aos núcleos do tronco
cerebral os sistemas seletivos de excitação que surgem inicialmente no córtex cerebral e são um
produto das formas superiores de atividade consciente do homem com os seus complexos
processos cognitivos e os complexos programas de ação.
Ê a interação dos dois componentes do sistema reticular de ativação que assegura as formas
mais complexas de auto-regulação dos estados ativos do cérebro, mudando-os sob a influência
tanto de formas elementares (biológicas) como de formas complexas (sociais por origem) de
estimulação.
A importância decisiva desse sistema para assegurar os processos de ativação (arousal) foi
verificada por uma grande série de fatos experimentais, observados pelos célebres
neurofisiologistas H. W. Magoun, G. Moruzzi, H. H. Jasper, D. B. Lindsley, Naokhin e outros.
Os testes de Bremer mostraram que o corte das áreas inferiores do tronco não leva à mudança da
vigília, ao passo que o corte das áreas superiores do tronco provoca sono com o surgimento
característico de lentas potencialidades elétricas. Como mostrou Lindsley, nestes casos os sinais
provocados por estímulos sensoriais continuam a chegar ao córtex mas as respostas elétricas do
córtex a esses sinais se tornam apenas breves e não suscitam mudanças longas e estáveis. Esse
fato mostra que, para o surgimento de processos estáveis de excitação, característicos do estado
de vigília, é insuficiente só um afluxo de impulsos sensoriais, sendo necessária uma influência
mantenedora do sistema reticular ativador.
Outros testes inversos, nos quais os pesquisadores não excluíram, mas excitaram a formação
reticular ascendente através de eletrodos nela implantados, mostraram que tal excitação da
formação reticular leva ao despertar do animal enquanto a intensificação sucessiva dessas
excitações leva ao surgimento de reações efetivas bem expressas.
Se os experimentos que acabamos de citar mostram como a excitação da formação reticular
ascendente influencia o comportamento do animal, os experimentos posteriores, realizados
pelos mesmos autores, permitiram um conhecimento
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mais aproximado dos mecanismos fisiológicos dessas influências ativadoras.
Verificou-se que a excitação da formação reticular do tronco provocava o surgimento de rápidas
oscilações elétricas no córtex cerebral e das ocorrências de "dessincronização" que caracterizam
o estado ativo de vigília do córtex. Como resultado da excitação dos núcleos da formação
reticular nas áreas superiores do tronco cerebral, as excitações sensoriais começaram a provocar
mudanças duradouras na atividade elétrica do córtex, o que indicava uma influência crescente e
fixadora da formação reticular sobre os gânglios sensoriais do córtex.
Por último, o que é sobretudo importante, a excitação dos núcleos da formação reticular
ascendente e ativadora provocou a movimentação dos processos nervosos no córtex cerebral.
Deste modo, se em condições habituais dois estímulos concomitantes provocam apenas uma
reação elétrica do córtex, que "não consegue a tempo" dar uma resposta isolada, aos estímulos,
já após a excitação dos núcleos do tronco da formação reticular ativadora ascendente, cada um
desses estímulos começa a gerar resposta isolada, o que sugere uma elevação substancial da
mobilidade dos processos de excitação que ocorrem no córtex.
Essas ocorrências eletro fisiológicas correspondem também aos fatos registrados nos testes
psicológicos de Lindsley. Este mostrou que a excitação dos núcleos do tronco da formação
ativadora reticular ascendente reduz substancialmente os limiares ■ da sensibilidade (noutros
termos, aguçam a sensibilidade) do animal e permitem diferenciações sutis (por exemplo, a
diferenciação entre a figura de um cone e a de um triângulo), antes inacessíveis ao animal.
Pesquisas posteriores, realizadas por alguns autores (Hernandez Peón, Doti, e outros) mostraram
que, se o corte das vias da formação reticular ascendente leva ao desaparecimento dos reflexos
condicionados antes adquiridos, então com a excitação dos núcleos da formação reticular torna-
se possível a aquisição de reflexos condicionados inclusive nas excitações subliminares, nas
quais antes não ocorriam reflexos condicionados.
Tudo isso alude nitidamente à influência ativadora da formação reticular ascendente sobre o
córtex cerebral e indica que ela assegura o estado ideal do córtex cerebral, que é necessário à
vigília.
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No entanto surge uma pergunta: será que a formação reticular ascendente assegura apenas a
influência ativadora genérica sobre o córtex cerebral ou sua influência ativadora apresenta
traços seletivos específicos?
Até recentemente os pesquisadores tendiam a considerar a influência ativadora da formação
reticular ascendente como influência modal — não específica: ela se manifestava igualmente em
todos os sistemas sensoriais e não apresentava qualquer efeito seletivo sobre nenhum deles
(visão, audição, etc).
Ultimamente foram obtidos dados indicadores de que as influências ativadoras da formação
reticular ascendente têm caráter também seletivo e específico. No entanto essa especificidade
das influências da formação reticular ativadora é de outra natureza: ela assegura não tanto a
ativação seletiva de processos sensoriais isolados quanto a ativação de sistemas biológicos, isto
é, os sistemas de reflexos alimentares, defensivos e orientados. Isto foi sugerido por Anokhin,
que mostrou que existem partes isoladas da formação reticular ascendente que ativam diferentes
sistemas biológicos e são sensíveis a diversos agentes farmacológicos.
Foi demonstrado que a uretana provoca um bloqueio da vigília e leva ao surgimento do sono,
mas provoca um bloqueio dos reflexos defensivos de dor; a aminazina, ao contrário, não
provoca bloqueio da vigília mas leva ao bloqueio dos reflexos defensivos de dor.
Esses dados dão fundamento para pensar que na influência ativadora da formação reticular
ascendente existe certa seletividade mas esta corresponde apenas àqueles sistemas biológicos
básicos que motivam o organismo para um desempenho ativo.
Não são menos interessantes para a Psicologia os impulsos ativadores seletivos, que são
assegurados pela formação reticular ativadora descendente cujos filamentos começam no
córtex cerebral (sobretudo nas áreas mediais dos lobos frontal e temporal) e dali se dirigem aos
aparelhos das áreas superiores do tronco.
Há fundamentos para se supor ser justamente esse sistema o que desempenha papel essencial ao
assegurar a influência ativadora seletiva sobre as modalidades e os componentes da atividade
que se formam com a participação imediata do córtex cerebral e que essas influências são pre-
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cisamente as que têm relação mais íntima com os mecanismos fisiológicos das formas
superiores de atenção.
Os dados da anatomia mostram que os filamentos descendentes da formação reticular começam
praticamente em todas as áreas do córtex cerebral, especialmente nas áreas mediais e
mediobasais do lobo frontal e de sua região límbica. O começo de tais filamentos pode ser
constituído tanto pelos neurônios das áreas profundas de muitas zonas do córtex cerebral quanto
por grupos especiais de neurônios que, em sua maioria, se encontram nas zonas límbicas do
cérebro (no hipocampo) e nos gânglios basais (corpo caudal). Esses neurônios se distinguem
essencialmente dos neurônios específicos que correspondem a propriedades fracionárias
isoladas das excitações visuais ou auditivas. Ao contrário destes, aqueles neurônios não
respondem a quaisquer excitações específicas (visuais ou auditivas): basta um pequeno número
de repetições destas excitações para que esses neurônios "se acostumem" a elas e deixem de
reagir ao seu aparecimento sejam quais forem as cargas. No entanto basta surgir qualquer
mudança do estímulo para que os neurônios reajam a ela com cargas. É característico o fato de
que as cargas podem surgir num grupo isolado de neurônios em medida idêntica com a mudança
de quaisquer estímulos (táteis, visuais, auditivos) e não só o reforço como também o
enfraquecimento dos estímulos ou a ausência do estímulo esperado (como, por exemplo, na
omissão de uma série rítmica de excitadores) pode provocar um desempenho ativo desses
neurônios.
Diante de tais circunstâncias, alguns autores como, por exemplo, o neurofisiologistas canadense
H. H. Jasper, propuseram chamar-lhes "neurônios da novidade" ou "células da atenção". É
característico que no período em que o animal aguarda sinais ou procura a saída de um labirinto,
é justamente nessas áreas do córtex (onde 60% de todos os neurônios pertencem ao grupo que
acabamos de descrever) surgem séries ativas, que cessam com a supressão do estado de
expectativa ativa.
Isto mostra que os dados da região cortical e os neurônios não específicos que nesta se
encontram e respondem a cada mudança de situação, são um importante aparelho que modifica
o estado de atividade do cérebro e regula a sua prontidão para a ação.
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Se no animal a parte mais importante do encéfalo, a qual desempenha importante papel na regulação do
estado de prontidão, é a das áreas mediais da região límbica e dos gânglios basais, já no homem, com suas
formas complexas altamente desenvolvidas de atividade, esse aparelho principal, que regula o estado de
atividade, é constituído pelas áreas lobulares do cérebro.
Em suas pesquisas, o conhecido fisiologista inglês Walter Gray mostrou que cada estado de expectativa
ativo (por exemplo, a expectativa de um terceiro ou quinto sinal em resposta ao qual o sujeito deve
apertar um botão) provoca o surgimento, nos lobos cerebrais, de oscilações elétricas especialmente lentas,
às quais ele chamou ondas de expectativa. Estas ondas se intensificam bruscamente quando a
probabilidade do sinal esperado aumenta, enfraquecendo quando a probabilidade dos sinais diminui e
desaparecendo totalmente quando se substitui a instrução para a espera do surgimento do sinal.
Outra prova do papel desempenhado pelo córtex dos lobos cerebrais na regulação do estado de atividade é
constituída pelos testes do fisiologista soviético N. N. Livanov.
Retirando as correntes de ação de um grande número de pontos do crânio, correspondentes a diversas
áreas do córtex, Livanov mostrou que cada tensão intelectual (por exemplo, a tensão que surge na solução
de complicados exemplos aritméticos como a multiplicação de um número de dois algarismos por outro)
faz surgir nos lobos cerebrais um grande número de pontos que trabalham sincronicamente e esta
ocorrência continua enquanto a tensão permanece, desaparecendo, após a solução do problema. É
sobretudo interessante que o número desses pontos que trabalham em sincronia no córtex lobular é
sobretudo grande nos estados patológicos do cérebro que se caracterizam por um estado estável e elevado
de tensão (como ocorre, por exemplo, nos pacientes que sofrem de esquizofrenia paranóica),
desaparecendo após a adoção de agentes farmacológicos que eliminam essa tensão.
Tudo isso mostra que os lobos do cérebro têm importância decisiva no surgimento das excitações, que
refletem a mudança dos estados de atividade do homem.
O estado de elevada excítação "não específica" no córtex da região límbica do animal e dos lobos do
cérebro humano é a fonte dos impulsos que posteriormente descem pelos fila-
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inentos da formação reticular descendente no sentido das áreas superiores do tronco e exercem influência
considerável sobre o desempenho destas.
Como mostraram as observações de eminentes fisiologis-tas (French, Nauta, Laguren e outros), as
excitações das áreas do córtex cerebral provocam uma série de mudanças na atividade elétrica dos
núcleos do tronco e levam à animação do reflexo orientado.
Assim, com a excitação das áreas occipitais do córtex cerebral, podem mudar substancialmente as
respostas elétricas das áreas profundas do sistema visual (N. S. Narikashvili). A excitação do córtex
motorsensorial leva à atenuação das respostas provocadas nas áreas subcorticais do sistema motor ou à
inibição destas. Além do mais, a excitação de sistemas isolados pode levar ao surgimento de diversas
manifestações comportamentais, que fazem parte do reflexo orientado.
Fenômenos semelhantes são provocados também pelas formas complexas de atividade do animal, que
geram no córtex focos de excitação elevada cuja influência se estende às formações do tronco através da
formação reticular ascendente. Fatos análogos foram descritos pelo conhecido fisiologista mexicano
Hernandez Péon, que observou que as ativas cargas elétricas dos núcleos do nervo auditivo, que surgem
no gato em resposta a ruídos sonoros, desapareciam quando se mostrava um rato ao gato ou este sentia
cheiro de peixe. Esses fatos mostram que os focos de excitação, que surgem no córtex cerebral, podem
intensificar ou bloquear o trabalho das formações subjacentes do tronco cerebral, noutros termos, podem
regular os estados de atividade que surgem com a participação dessas formações.
Participação análoga do córtex no trabalho da formação subjacente pode ser observada quando desaparece
a influência ativadora do córtex cerebral.
Deste modo, a extirpação do córtex límbico nos animais leva a mudanças nítidas na atividade elétrica das
áreas do tronco cerebral e a distúrbios visíveis no comportamento do animal. Por um lado, a destruição do
córtex ou a redução de sua, influência leva ao surgimento de uma reanima-ção patológica do reflexo,
orientado e à perda do seu caráter «eletivo, fato considerado pela ciência moderna como eliminação das
influências inibitórias do córtex cerebral sobre os mecanismos da. estrutura subcortical do tronco
cerebral.
15
Tudo isto mostra que os sistemas reticulares ascendente e descendente, que contatam o córtex
cerebral com as formações do tronco por meio de ligações bilaterais, têm influência ativadora
tanto genérica quanto seletiva; se o sistema reticular ascendente, que conduz os impulsos até a
córtex cerebral, serve de base às formas biologicamente condicionadas de ativação (relacionada
tanto com os processos de troca e as inclinações elementares do organismo quanto com a
influência ativadora geral da afluência de excitações), o sistema reticular descendente provoca a
influência ativadora dos impulsos, que surgem no córtex cerebral sobre as formações
subjacentes e deste modo asseguram as formas superiores de ativação seletiva do organismo em
relação às tarefas concretas que se impõem ao homem e às formas mais complexas de sua
atividade consciente.
O reflexo orientado como base da atenção
O sistema reticular ativador, com os seus filamentos ascendentes e descendentes, é o aparelho
neurofisiológico que assegura uma das formas mais complexas da atividade refle-tora,
conhecida pela denominação de reflexo orientado (ou pesquisador-orientado). A influência
deste reflexo para a compreensão das bases fisiológicas da atenção é tão grande que ele merece
uma análise especial.
Cada reflexo incondicionado, que tem por base uma influência biologicamente importante para
o animal (influência alimentar, dolorosa, sexual), gera um sistema seletivo de resposta a esses
estímulos com inibição simultânea de todas as reações aos estímulos secundários. Esse mesmo
caráter seletivo é observado nos reflexos condicionados. Nestes, domina um sistema de reações,
reforçado por um estímulo incondicionado, enquanto todas as reações secundárias restantes são
simultaneamente reprimidas. Podemos dizer que tanto os reflexos incondicionados quanto os
condicionados que neles se baseiam criam determinado foco dominante de excitação cujo
desempenho obedece às leis do dominante.
Entre todos os tipos de atividade reflexa devemos, entretanto, enfatizar uma na qual o
comportamento do animal não é excitado por um dos motivos de comportamento acima eno-
16
merados, atividade essa que não é um reflexo alimentar, defensivo nem sexual. Essa atividade tem por
base a reação ativa do animal a cada mudança de situação, que é a que provoca no animal animação
geral e uma série de reações seletivas destinadas a identificar essas mudanças de situação. Pavlov chamou
a esse tipo de reflexos reflexos orientados ou reflexos do "o que é isto?".
O reflexo orientado se manifesta numa série de reações eletrofisiológicas, vasculares e motoras nítidas,
que surgem sempre que ocorre algo incomum ou importante na situação que rodeia o animal. Entre essas
reações situam-se a virada do olho e da cabeça no sentido do novo objeto, a reação de precaução ou
escuta; entre elas, situam-se no homem a manifestação da reação galvânica da pele (mudança da
resistência da pele ao choque elétrico ou o surgimento dos potenciais elétricos próprios da pele), as
reações vasculares (compressão dos vasos do braço com a expansão dos vasos da cabeça), a mudança da
respiração e, por último, o surgimento de ocorrências de "dessincronização" nas reações bioelétricas do
cérebro, que se manifestam na depressão do "alfa-ritmo" (oscilações elétricas de 10-12 w por segundo,
características do funcionamento do córtex cerebral em estado calmo). Todas essas ocorrências podem ser
observadas sempre que surge reação de precaução ou reflexo orientado, provocado pelo surgimento de
um estímulo novo ou essencial para o sujeito.
Os cientistas ainda não são unânimes em responder se o reflexo orientado é uma reação condicionada ou
incondicionada.
Pelo caráter inato, o reflexo orientado pode ser incluído entre os reflexos incondicionados. O animal
responde com uma reação de precaução a quaisquer estímulos novos ou essenciais de qualquer
aprendizagem; por este indício, o reflexo orientado se situa entre as reações incondicionadas e congênitas
do nrnarjicrqo. A existência de neurônios especiais, que respondem com descargas a qualquer mudança
de situação, indica que o reflexo orientado se baseia na ação de determinados aparelhos nervosos.
Por outro lado, o reflexo orientado apresenta uma série de indícios que o distinguem essencialmente dos
reflexos condicionados comuns: com a repetição constante do mesmo estímulo, as ocorrências do reflexo
orientado logo se extin-guem, o organismo se habitua a esse estímulo cujos indí-
17
cios deixam de provocar as reações descritas. Esse desaparecimento das respostas orientadas aos
estímulos que se repetem é denominado habituação (habituation).
Cabe observar que o desaparecimento do reflexo orientado na medida da habituação pode ser
uma ocorrência provisória, sendo necessária uma pequena mudança no estímulo para a reação
orientada tornar a surgir. Essa ocorrência do surgimento do reflexo orientado sob mudanças
mínimas da excitação é chamada às vezes de reação da excitação (ou arousal). É característico
que semelhante ocorrência de reflexo orientado, como já observamos, pode verificar-se não só
com o reforçamento mas também com o enfraquecimento do estímulo habitual e até mesmo
com o seu desaparecimento completo. Assim, basta "extinguir" inicialmente os reflexos
orientados aos estímulos ritmicamente apresentados e, em seguida, depois, que as reações
orientadas a cada estimulação tenham-se extinguido como resultado da habituação, omitir um
dos estímulos apresentados por via rítmica. Neste caso, a ausência do estímulo esperado
provocará o surgimento de reflexo orientado.
Por todos esses traços da sua dinâmica, o reflexo orientado difere essencialmente do reflexo
incondicionado. Cabe observar também que o reflexo orientado pode ser provocado por um
estímulo condicionado: ele pode ser obtido apresentando-se ao animal um sinal condicional,
que anunciará o surgimento de alguma mudança na situação ambiente. Para o homem, esse sinal
pode ser representado pela palavra, que nele provoca facilmente ocorrências de alerta,
precaução e expectativa do surgimento do sinal, etc.
Seria incorreto pensar que o reflexo orientado tem caráter de ativação geral, generalizada do
organismo. Em realidade, ele pode ter caráter diferenciado e seletivo, sendo que a seletividade
pode manifestar-se tanto em relação aos sinais que surgem como pelo caráter da prontidão dos
aparelhos motores efetivos que são gerados pelo "estado de alerta".
Isto é facilmente observável se, durante muito tempo, apresentarmos ao sujeito um sinal
qualquer, por exemplo, um som de determinada altura; neste caso, por força do hábito, todas as
respostas a esse som serão extintas embora essa "habituação" tenha caráter seletivo e seja
bastante uma mudança mínima da altura do som para que torne a surgir todo um complexo de
respostas orientadas. Esse procedimento
18
permitiu ao pesquisador soviético E. N. Sokolov avaliar objetivamente a seletividade que caracteriza as
reações orientadas (ou "reações de excitação") em relação aos sinais diferenciados e falar de um "modelo
nervoso de estímulo" que se manifesta através da aplicação desse procedimento.
Orientação e atenção
A alta seletividade do reflexo orientado pode manifestar-se também em relação à sua parte efetiva e
motora. As pesquisas mostraram que, se o homem aguarda eclosão de luz, surge nele uma mudança das
respostas elétricas ("potenciais gerados") nas áreas visuais (occipitais), e se ele aguarda uma excitação
dolorosa, surgem-lhe mudanças das respostas elétricas ("potenciais gerados") na área sensomotora do
córtex.
Se o sujeito foi alertado para responder ao sinal com um movimento do braço direito, então a espera desse
sinal provoca mudanças das ocorrências elétricas (eletromiogra-mas) nos músculos do braço direito, sem
provocar ocorrências idênticas nos músculos do braço esquerdo. Ocorre o contrário quando se alerta o
sujeito para que ele movimente o braço esquerdo em resposta ao sinal. Esse estado de alerta para
determinado movimento é denominado orientação para o movimento e seus indícios objetivos têm caráter
rigorosamente seletivo.
Esses fatos mostram igualmente que a reação ativadora, incluída no sistema de reflexo orientado, pode ter
caráter rigorosamente seletivo.
O caráter seletivo da orientação, provocado no homem pelo alerta para uma atividade qualquer, foi
minuciosamente estudado pelo notável psicólogo soviético D. N. Uznadze em seus conhecidíssimos
experimentos com a orientação fixada.
Depois que o sujeito apalpava várias vezes uma pequena esfera com a mão direita, ele conservava uma
"orientação fixada", isto ê, o alerta para receber na mão direita uma esfera de volume maior. Por isto,
quando se colocavam inesperadamente esferas idênticas nas mãos do sujeito, esse estímulo entrava em
conflito com a esperada desigualdade das esferas e a esfera colocada na mão direita, em contraste com a
19
esperada, era interpretada como menor do que a esfera colocada na mão esquerda.
Essa orientação, que se manifesta na "ilusão de contraste" que acabamos de descrever,
mantinha-se durante algum tempo e depois extinguia-se paulatinamente, sendo que, em alguns
sujeitos, esse processo de extinção da orientação fixada podia apresentar caráter variado: em uns
a orientação criada se extinguia paulatinamente e apresentava oscilações (a ilusão de contraste
ora se manifestava, ora desaparecia para, afinal, extinguir-se inteiramente); em outros, ela se
mantinha apenas por um tempo muito breve e logo desaparecia. As diferenças individuais na
situação criada se manifestavam também no seu grau de seletividade. Em uns sujeitos, a
orientação no tamanho variado das esferas, provocada pelo experimento descrito, limitava-se ao
campo motor e se manifestava apenas nos experimentos de apalpação das esferas tendo,
conseqüentemente, caráter concentrado. Em outros sujeitos, a orientação se estendia a outros
campos e depois que a ilusão descrita era gerada no campo motor (apalpação de esferas de
diferentes tamanhos com as mãos direita e esquerda) ela se manifestava também no campo
visual, na ilusão de que das duas esferas de diâmetro idêntico, a direita (correspondente à mão
direita) era menor do que a esquerda; essa ocorrência aponta o caráter irradiado da orientação
provocada.
Os testes de orientação, que são um procedimento especial de estudo das ocorrências de
ativação, indicam o quanto esses fenômenos podem ter caráter seletivo no homem.
Esses testes abrem novas perspectivas para o estudo dos processos de ativação no homem e para
a análise dos fatores que a regulam.
As ocorrências de "reflexo orientado" da "ativação" podem ser geradas por qualquer mudança
de situação ou pela expectativa de um estímulo novo ou essencial. Elas se extin-guem
paulatinamente como resultado da "habituação" e tornam a manifestar-se com a mudança do
caráter habitual dos estímulos que atuam sobre o sujeito.
Todas essas ocorrências têm caráter natural e servem de base à atenção não involuntária.
No entanto o homem tem a possibilidade de mudar as leis naturais da ocorrência do reflexo
orientado, de tornar mais estável o estado de ativação e gerar estados de atenção
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lunsa estáveis e duradouros inclusive naquelas condições em que o caráter habitual do estímulo
não apresenta nenhuma mudança externa e esses estados continuam a ser fisicamente os
mesmos quando, por força das leis naturais, as ocorrências de reflexo orientado já deveria ter
desaparecido há muito tempo..
Essa possibilidade de prolongar o estado de longa ativação e ultrapassar os limites das leis
naturais de sua extinção pode ser obtida no homem através de uma instrução verbal. Para tanto
basta propor ao sujeito contar demoradamenté os estímulos propostos ou, dando-lhe uma tarefa,
acompanhar a mudança de tais estímulos. Nestes casos os estímulos físicos continuam os
mesmos e as respostas a eles deveriam ter sido extintas há muito tempo, mas a instrução verbal,
que colocou diante do sujeito uma tarefa, mantém o estado constante de atividade. No primeiro
caso (quando o sujeito conta a ordem dos estímulos) cada um deles continua fisicamente velho e
bem conhecido, tornando-se novo psicologicamente ao adquirir determinado número, sendo isto
o que mobiliza a atenção do sujeito e mantém o estado permanente de tônus elevado. No
segundo caso, a tarefa de esperar o surgimento de uma mudança qualquer no estímulo
transforma a observação que se faz sobre este em atividade de acompanhamento ativo,
resultando daí que a reação da ativação se mantém por muito tempo mesmo apesar de os
estímulos não mudarem concretamente.
É característico que a obliteração da instrução verbal aqui descrita leva ao rápido
desaparecimento dos indícios antes persistentes do reflexo orientado estável.
A ação da instrução verbal pode provocar uma influência seletiva forte e ao mesmo tempo
rigorosa, criando um persistente foco dominante de excitação e mudando as habituais relações
de força na atividade do estímulo.
É sabido que o estímulo forte provoca reação elevada e o estímulo mais fraco, reação fraca. Pela
intensidade dos estímulos, porém, essas relações naturais podem mudar como resultado da
instrução verbal, que provoca no homem uma atenção seletiva a determinado estímulo. Esse
fato é ilustrado pelo registro dos sintomas objetivos do reflexo orientado em relação a estímulos
diferentes pela força.
Se no estado normal um estímulo estranho forte provoca elevadas reações orientadas
(compressão dos vasos da mão)
21
enquanto sinais sonoros fracos (tons sonoros brandos) não provocam reações, com a instrução
de contar o número de sinais sonoros brandos aqueles continuam a provocar respostas
vasculares estáveis (indício de reação orientada) enquan' to o ruído estranho forte não desvia o
sujeito do cumprimento da tarefa nem provoca qualquer reação orientada visível.
A possibilidade de regular os processos de ativação por meio da instrução verbal constitui um
dos jatos mais importantes da psicofisiologia do homem. Ela constitui a base fisiológica das
formas específicas superiores da atenção humana, sendo o registro da influência da instrução
verbal sobre a ocorrência dos sintomas objetivos de reflexo orientado um dos mais importantes
métodos psicofisiológicos de estudo da atenção do homem.
Tipos de atenção
A Psicologia distingue dois tipos básicos de atenção: o arbitrário e o involuntário.
Fala-se de atenção involuntária nos casos em que a atenção do homem é atraída quer por um
estímulo forte, quer por um estímulo novo ou por um interessante (correspondente à
necessidade). É justamente com esse tipo de atenção que deparamos quando viramos
involuntariamente a cabeça ao ouvirmos no quarto uma batida súbita, quando nos precavemos
ao ouvirmos ruídos incompreensíveis ou quando nossa atenção é atraída por uma mudança nova
e inesperada da situação.
Os mecanismos da atenção involuntária são comuns no homem e no animal. Já nos referimos
aos fatores desse tipo de atenção e as suas bases neurofisiológicas quando analisamos os
mecanismos dos reflexos orientados.
Vê-se facilmente que esse tipo de atenção já ocorre na criança de idade tenra, cabendo apenas
observar que nas primeiras etapas ela tem caráter instável e relativamente estreito pelo volume
(a criança de idade tenra e pré-escolar perde muito rapidamente a atenção pelo estímulo que
acaba de surgir, seu reflexo orientado se extingue rapidamente ou se inibe com o surgimento de
qualquer outro estímulo); o volume de sua atenção é relativamente pequeno, podendo a criança
distribuí-la entre vários estímulos voltando-se para o antecedente sem afastar o seu campo de
visão ou anterior.
22
A atenção arbitrária só é inerente ao homem. Durante muito tempo ela permaneceu uma incógnita para a
Psicologia e merece análise especial.
O principal fato indicador da existência de um tipo especial da atenção no homem, não inerente aos
animais, consiste em que o homem pode concentrar arbitrariamente a atenção ora em um ora em outro
objeto, inclusive nos casos em que nada muda na situação que o cerca.
O exemplo mais conhecido de atenção arbitrária foi dada pelo psicólogo francês Revot d'Allonnes; esse
exemplo se tornou base da filosofia idealista de Allonnes.
Se propusermos a uma pessoa olhar atentamente para o tabuleiro de xadrez cujos quadros são imutáveis,
de acordo com a nossa instrução ou com instrução própria ela poderá distinguir facilmente as figuras mais
diversas nesse fundo homogêneo. Num fundo homogêneo e imutável há oculta uma infinidade de
estruturas diversas e o homem pode, por vontade própria, distinguir quaisquer estruturas novas desse
campo imutável. Às vezes, essa possibilidade de distinguir arbitrariamente a estrutura necessária de um
campo manifesta-se com nitidez ainda maior e segundo seus desígnios, o homem pode discriminar uma
estrutura menos precisa entre estruturas mais precisas, superando as leis da percepção estrutural que
descrevemos anteriormente.
Deste modo, fica claro que o homem pode ir além do limite das leis naturais da' percepção, sem se sujeitar
ao efeito de um fundo homogêneo ou de fortes estruturas perceptivas mas discriminando e mudando
segundo sua vontade as estruturas que lhe são necessárias.
Todos esses fatos deram a Revot d'Allonnes fundamento para argumentar as concepções idealistas dos
processos psíquicos do homem, indicando que se o comportamento do animal está sujeito à ação direta do
meio, já o comportamento do homem dispõe da possibilidade de criar quaisquer esquemas e subordinar o
seu comportamento a essa "esquematização" livre, que ele considerava propriedade fundamental do
espírito humano.
Fenômenos análogos poderiam ser observados também na organização dos movimentos do homem: basta
o homem resolver que está levantando o braço para este se levantar como
23
que automaticamente; a esse fenômeno o psicólogo James designou com o termo latino "fiat"
(faça-se), vendo nele & prova mais simples da existência do livre arbítrio, que não se sujeita às
leis da natureza mas determina o comportamento do homem.
Observações posteriores mostraram que a simples idéia do iminente movimento do braço
provoca neste uma nítida tensão, que pode ser registrada na mudança do eletromiograma do
braço. Esses fenômenos receberam em Psicologia a denominação de "atos ideomotores" e foram
freqüentemente citados como ilustrações das influências da concepção sobre o movimento.
Por último, esses mesmos fenômenos da atenção arbitrária podem ser observados na atividade
intelectual, quando o próprio homem se propõe determinada tarefa e esta determina o sucessivo
fluxo seletivo de suas associações.
Eis porque os fatos da atenção arbitrária eram incluídos nos manuais clássicos de Psicologia
entre a seção "Vontade" e serviam para ilustrar a tese da psique segundo a qual o homem não
está sujeito às leis objetivas da natureza mas depende das influências procedentes do espírito
livre.
É fácil perceber que todas essas observações descreviam fatos realmente existentes; não
obstante, a explicação desses fatos dos limites da tradicional Psicologia naturalista era
impossível, sendo justamente isto o que abria amplamente as portas a hipóteses idealistas
anticientíficas, atinentes à influência do "livre arbítrio" sobre a ocorrência dos processos
psíquicos do homem.
O impasse a que levaram as tentativas de explicar os fenômenos da atenção arbitrária na
Psicologia naturalista clássica pode ser superado se mudarmos as concepções tradicionais dos
processos conscientes, se deixarmos de considerá-los primários, particularidades primárias
sempre existentes da vida espiritual e abordá-los como produto de um complexo
desenvolvimento histórico-social. Só após darmos esse passo e examinarmos o problema da
gênese da atenção arbitrária é que poderemos ver as suas raízes autênticas e dar-lhe uma
explicação científica.
Como já tivemos oportunidade de salientar (Vol. I — Cap. III), a criança vive num ambiente de
adultos e se desenvolve num processo vivo de comunicação com eles.
24
Essa comunicação, que se realiza através da fala, de atos e gestos do adulto, influencia
essencialmente a organização dos processos psíquicos da criança.
A criança de idade tenra contempla o ambiente costumeiro que a cerca e seu olhar corre pelos
objetos presentes sem se deter em nenhum deles nem distinguir esse ou aquele objeto dos
demais. A mãe diz para a criança: "isto aqui é uma xícara!" e aponta o dedo para ela. A palavra
e o gesto indicador da mãe distinguem incontinenti esse objeto dos demais, a criança fixa a
xícara com o olhar e estende o braço para pegá-la. Neste caso, a atenção da criança continua a
ter caráter involuntário e exteriormente determinado, com a única diferença de que aos fatores
naturais do meio exterior incorporam-se os fatores da organização social do seu comportamento
e o controle da atenção da criança por meio de um gesto indicador e da palavra. Neste caso, a
organização da atenção está dividida entre duas pessoas: a mãe orienta a atenção e a criança se
subordina ao seu gesto indicador e à palavra.
No entanto isto constitui apenas a primeira etapa de formação da atenção arbitrária: trata-se de
uma etapa exterior pela fonte e social por natureza. No processo de sucessivo desenvolvimento,
a criança domina a linguagem e torna-se capaz de indicar sozinha os objetos e nomeá-los. A
evolução da linguagem da criança introduz uma transformação radical na orientação da sua
atenção. Agora ela já é capaz de deslocar com autonomia a sua atenção, indicando esse ou
aquele objeto com um gesto ou nomeando-o com a palavra correspondente. A organização da
atenção, que antes estava dividida entre duas pessoas, a mãe e a criança, torna-se agora uma
nova forma de organização interior da atenção, social pela -origem mas interiormente mediata
pela estrutura. É esta etapa a que deve-se considerar etapa do nascimento de uma nova jorma de
atenção arbitrária, que não é uma forma de manifestação do "espírito livre" primariamente
própria do homem mas um produto de um complexo desenvolvimento histórico-social.
Nas etapas posteriores a linguagem da criança se desenvolve; criam-se estruturas intelectuais
(discursivas) internas cada vez mais complexas e elásticas e a atenção do homem adquire logo
os traços, convertendo-se em esquemas intelec-
25
tuais internos dirigíveis que são, por si mesmos, um produto da complexa formação social dos
processos psíquicos.
Tudo isto mostra que a atenção arbitrária do homens realmente existe com seu caráter elástico
e independente dai ações exteriores imediatas mas tem caráter determinado expl: cável por ser
social por origem e mediada por processos :'; linguagem internos por estrutura.
Na medida em que se desenvolve, os processos de linguagem internos e intelectuais da criança
vão-se tornando tão complexos e automatizados que a transferência da sua atenção de um objeto
para outro passa a dispensar esforços especiais e assume o caráter da facilidade e, pareceria da
"invo-luntariedade" que todos nós sentimos quando em pensamento passamos facilmente de um
objeto a outro ou quando somos capazes de manter por muito tempo a atenção tensa numa
atividade que nos interessa.
Ainda examinaremos os mecanismos das modalidades superiores de atenção depois de
esclarecermos os problemas da formação dos processos intelectuais complexos.
Métodos de estudo da atenção
Os estudos psicológicos da atenção costumam coloco, como tarefa o exame da atenção
arbitrária: do volume, da estabilidade e distribuição. O estudo das formas mais complexas de
atenção representa interesse maior do que o estud da atenção involuntária que, em determinado
grau se revel mediante a aplicação dos procedimentos antes descritos de es tudo do reflexo
orientado e pode sofrer distúrbio substanci somente nos casos de afecções maciças do cérebro,
que conduzem a uma redução geral da atividade.
O estudo do volume da atenção se faz habitualmente po meio da análise do número de
elementos simultaneament apresentáveis, que podem ser aceitos com clareza pelo sujeito Para
estes fins usa-se um dispositivo que permite sugerir deter minado número de estímulos num
espaço de tempo tão curt que o sujeito não consegue transferir o olhar de um objeto a outro,
excluindo o movimento dos olhos, permite medir o número de unidades acessíveis à percepção
simultânea.
26
O aparelho empregado para esse fim é chamado taquis-toscópio (do grego taquisto = rápido,
skopeo = olho). Este aparelho é constituído por uma janelinha, separada do objeto a ser
examinado por uma tela cadente cujo corte pode mudar arbitrariamente de maneira que o objeto
em exame aparece no espaço muito breve de tempo de número 10 a 50-100 m/seg.
Às vezes, para uma exposição rápida do objeto emprega-se o flash, que permite examinar o
objeto numa fração muito pequena de tempo (até 1-5m/seg.).
O número de objetos nitidamente percebidos é o que constitui o índice do volume da atenção.
Se as figuras sugeridas são bastante simples e dispersas desordenadamente num campo
demonstrativo, o volume da atenção não costuma ir além de 5-7 objetos simultaneamente
perceptíveis com nitidez.
Para evitar a influência da imagem consecutiva, costuma-se fazer a exposição breve dos objetos
sugeríveis ser acompanhada de uma "obliteração da imagem", para que no fundo escuro que
continua visível se trace para o sujeito um conjunto desordenado de linhas sem mudar a imagem
dos objetos sugeríveis que se manteve depois de todas as apresentações e é aparentemente
"obliterante".
Ultimamente têm sido feitas tentativas de exprimir o volume da atenção em números, adotados
na teoria da comunicação para medir a "capacidade receptora dos canais" através da aplicação
da teoria da informação. Mas essas tentativas de mudança do volume da informação em "bits"
(unidades empregadas pela teoria da informação) têm importância apenas limitada e são
aplicadas somente àqueles casos em que o sujeito opera com um número final de possíveis
figuras que conhece bem, das quais apenas algumas lhe são sugeridas para um pequeno espaço
de tempo.
O conceito "volume de atenção" é bastante próximo ao conceito "volume de percepção", e os
conceitos de "campos de atenção nítida" e "campos de atenção confusa", amplamente
empregado na literatura, são muito próximos aos conceitos de "centro" e "periferia" da
percepção visual para a qual foram minuciosamente elaborados.
Paralelamente ao estudo do volume da atenção, é de grande importância o estudo da
estabilidade da atenção: ele se propõe a estabelecer até que ponto é sólida e estável a
manutenção da atenção por determinada tarefa durante longo tempo, a ver se neste caso se
observam certas oscilações na
Í7
estabilidade da atenção e quando surgem ocorrências de fadiga nas quais a atenção do sujeito
começa a ser desviada por estímulos estranhos.
Para medir a estabilidade da atenção costuma-se empregar as tabelas de Burdon, que consistem
numa alternância desordenada de letras isoladas que se repetem, uma por uma, num mesmo
número de vezes em cada linha. Propõe-se ao sujeito desenhar durante 3-5-10 minutos as letras
dadas (nos casos simples, uma ou duas letras, nos complexos a letra dada somente se ela estiver
diante de outra, por exemplo, de umi vogai). O experimentador observa o número de letras
desenhadas durante cada minuto e o número de omissões encontradas. As oscilações da atenção
se manifestam na queda da produtividade do trabalho e no aumento do número de omissões.
São de importância análoga as tabelas de Kraepelin, formadas por colunas de números que o
sujeito deve ordenar durante um longo período. A produtividade do trabalho e o número de
erros podem servir de índice de oscilações da atenção.
Para aumentar as exigências diante da organização arbitrária da atenção, a realização dos
referidos testes é dificultada pela discriminação dos fatores de abstração. Deste modo, dá-se ao
sujeito a tarefa de traçar determinadas letras não numa coletânea desordenada como ocorre nas
tabelas de Burdon mas num texto de conteúdo interessante. Neste caso a influência abstraente
do texto interessante pode levar ao aumento do número de omissões e a queda da produtividade
do trabalho; ao contrário, a estabilidade da atenção arbitrária se manifesta no fato de que o
cumprimento da tarefa exigida continua inalterável mesmo nas condições de introdução de
influências que abstraem a atenção.
Reveste-se de grande importância o estudo da distribuição da atenção. Os primeiros
experimentos de Wundt já mostraram que o homem não pode concentrar a atenção em dois
estímulos simultaneamente apresentados e que » chamada "distribuição da atenção" entre dois
estímulos representa de fato uma substituição da atenção, que se transfere rapidamente de um
estímulo a outro. Isto foi demonstrado com o auxílio do chamado aparelho de complicação, que
permitia apresentar um estímulo visual (por exem-
28
pio, o ponteiro de um relógio na posição "I" simultaneamente como um estímulo sonoro: um
som. Os testes mostraram que se os sujeitos prestam atenção ao ponteiro em movimento, têm a
impressão de que o sinal sonoro que acompanha a passagem do ponteiro ao lado do ponto
correspondente se atrasa e aparece algumas frações de segundo após; se eles prestam atenção ao
som, a percepção do ponteiro em movimento se atrasa e os sujeitos relacionam o surgimento do
som com um momento anterior.
Tem grande importância prática o estudo da distribuição da atenção num trabalho demorado;
para este fim, aplicam-se as chamadas "tabelas de Schullt". Nestas apresentam-se duas séries de
números vermelhos e negros dispostos desordenadamente. O sujeito deve indicar em ordem
sucessiva uma série de números, alternando cada vez o número vermelho e um negro ou indicar,
em condições dificultadas, os números vermelhos em ordem direta e os negros em ordem
inversa.
A possibilidade de distribuição demorada da atenção é expressa por uma curva, que indica o
tempo gasto para descobrir cada um dos números que fazem parte de ambas as séries.
Como mostraram as pesquisas, aparece com a mesma nitidez as diferenças individuais em
sujeitos isolados; tais diferenças podem refletir com segurança algumas variações de intensidade
e mobilidade dos processos nervosos, podendo ser empregadas com êxito para fins diagnósticos.
Desenvolvimento da atenção
Os indícios do desenvolvimento da atenção involuntária estável manifestam-se nitidamente nas
primeiras semanas de vida da criança. Podem ser observado nos primeiros sintomas de
manifestação do reflexo orientado: a fixação do objeto pelo olhar e a interrupção dos
movimentos de sucção à primeira vista dos objetos ou com a manipulação destes. Pode-se
afirmar com todo fundamento que os primeiros reflexos condicionados começam a formar-se
no recém-nascido com base no reflexo orientado, noutros termos, somente se a criança presta
atenção ao estímulo, discrimina-o e se concentra nele.
29
A princípio a atenção involuntária da criança dos primeiros meses de vida tem caráter de um
simples reflexo orientado de estímulos fortes ou novos, de acompanhamento destes estímulos
com o olhar, de "reflexos de concentração" nestes. Só mais tarde a atenção involuntária da
criança adquire formas mais complexas e à base dela começa a formar-se a atividade orientada
de pesquisa em forma de manipulação dos objetos; nos primeiros tempos, porém, essa atividade
orientada de pesquisa é muito instável, bastando aparecer outro objeto para cessar a
manipulação do primeiro objeto. Isto mostra que no primeiro ano de vida da criança o reflexo
orientado da busca já tem caráter rapidamente esgotante, é facilmente inibido por influências de
fora e ao mesmo tempo já apresenta os traços de "habituação" que conhecemos, podendo
extinguir-se com repetições longas. No entanto, o problema mais importante é o
desenvolvimento das formas superiores de atenção arbitrariamente reguláveis. Essas formas de
atenção se manifestam antes de tudo no surgimento de formas estáveis de subordinação do
comportamento de instruções verbais do adulto que regulam a atenção e, bem mais tarde, na
formação das formas estáveis da atenção arbitrária auto-reguladora da criança.
Seria incorreto pensar que essa atenção orientadora, que regula a influência da fala, surge
imediatamente na criança. Os fatos mostram que a instrução verbal "dá a boneca!" provoca na
criança apenas uma reação orientada genérica e só atua sobre ela se for acompanhada pela ação
real do adulto. É característico que, nas primeiras etapas, a fala do adulto que nomeia o objeto
atrai a atenção da criança se a nomeação do objeto coincide com a percepção imediata da
criança. Nos casos em que não há o objeto nomeado no campo de visão imediato da criança, a
fala provoca nela apenas uma reação orientada genérica que logo se extingue.
Só ao término do primeiro ano de vida e ao início do segundo é que a nomeação do objeto ou a
ordem verbal começa a ter influência orientadora e reguladora; a criança dirige o olhar para o
objeto nomeado, distingue-o entre outros ou procura caso o objeto não esteja aos seus olhos.
Mas nessa etapa a influência da fala do adulto, que orienta a atenção da criança, é ainda muito
instável e a reação orientada por ele provocada dá rapidamente lugar a uma reação mediata
orientada para o objeto mais nítido, novo ou interessante para a
30
criança. Isto pode ser nitidamente observado se transmitirmos à criança dessa idade a instrução
de dar um objeto situado a alguma distância dela. Neste caso a vista da criança se dirige para o
objeto mas se desvia rapidamente para outros objetos mais próximos e a criança começa a
estender o braço não para o objeto mencionado mas para o estímulo mais próximo ou mais
nítido.
Apenas em meados do segundo ano de vida, o cumprimento da instrução verbal do adulto, que
orienta a atenção seletiva da criança, torna-se mais estável embora uma complicação
relativamente significativa da experiência elimine facilmente a sua influência. Deste modo, é
bastante adiar por algum tempo (às vezes por 15-30 segundos) o cumprimento de uma instrução
verbal para que esta perca a sua influência orientadora e a criança, que a cumpria facilmente e
sem demora, comece a voltar-se para objetos estranhos que lhe atraem imediatamente a atenção.
A mesma frustração no cumprimento da instrução verbal pode ser obtida por outro meio. Se
várias vezes consecutivas sugerirmos a uma criança diante da qual há dois objetos (por
exemplo, uma xícara e uma taça) a instrução "dê-me uma xícara" e em seguida, após
reforçarmos a instrução, a substituirmos por outra e com o mesmo tom de voz dissermos à
criança "dê-me a taça!", então a criança, cuja atividade ainda se caracteriza por certa inércia,
subordina-se a esse estereótipo inerte e continuará tendendo para a xícara, repetindo seus
movimento anteriores.
Somente na metade do segundo ano de vida, a instrução verbal do adulto adquire a capacidade
bastante sólida de organizar a atenção da criança, embora nesta etapa ela também perca
facilmente o seu significado regulador. Assim, a criança dessa idade cumpre facilmente a
instrução: "a moeda está debaixo da xícara, dê-me a moeda", se a moeda foi escondida às vistas
da criança; mas se isto não ocorreu e a moeda foi escondida debaixo de um objeto fora das
vistas da criança, a atenção orientadora da instrução se frustra facilmente pelo reflexo orientado
imediato e a criança começa a dirigir-se aos objetos situados diante dela, agindo
independentemente da instrução verbal.
Deste modo, a ação da instrução verbal, que orienta a atenção da criança, só é assegurada nas
etapas iniciais nos casos em que coincide com a percepção imediata da criança.
31
A criança de um ano e meio a dois anos pode começar facilmente a cumprir a instrução "aperte
a bolinha" se a bola de borracha estiver em suas mãos; mas os movimentos de compressão da
bola, provocados pela ordem verbal, não cessam e a criança continua a apertar a bola muitas
vezes seguidas mesmo depois de receber a nova ordem: "não precisa apertar!".
A instrução verbal aciona um movimento mas não pode reprimi-lo e as reações motoras por ela
provocada continuam a ser cumpridas de maneira inerte independentemente da sua influência.
Os limites da influência orientadora da instrução verbal se manifestam com nitidez especial
quando se complica essa instrução. Assim, examinando o comportamento de uma criança
pequena, a quem se dá instrução verbal: "quando acender a luz aperte a bola", que exige o
estabelecimento de ligação entre dois elementos de uma condição formulada, pode-se ver
facilmente que a instrução não exerce sobre a criança influência organizadora. A criança ao
perceber cada passo dessa instrução, dá uma resposta motora imediata e ao ouvir o fragmento
"quando acender a luz" começa a procurar essa luz e ao ouvir o fragmento" "... aperte a bola"
começa imediatamente a apertar a bola.
Deste modo, se entre os dois anos e os dois e meio de idade uma simples instrução verbal pode
orientar a atenção da criança e levar a um cumprimento bastante preciso do ato motor, a
instrução verbal complexa, que exige uma síntese prévia dos elementos nela incluídos, ainda
não pode provocar a necessária influência organizadora.
Somente no processo de sucessivo desenvolvimento, no segundo e terceiro anos de vida, a
instrução do adulto, completada posteriormente pela participação da própria linguagem da
criança, converte-se em fator que orienta solidamente a atenção. Mas eása influência sólida da
instrução verbal, que orienta a atenção da criança, se forma com a íntima participação da
atividade da criança e, por isto, para organizar a sua atenção estável, a criança não só deve dar
ouvido à instrução verbal do adulto como ela mesma deve distinguir as ordens necessárias,
reforçando-as em sua ação prática.
Esse fato foi mostrado por muitos psicólogos soviéticos. Em seus experimentos, A. G.
Ruzskaya, su-
32
geriu a crianças de idade pré-escolar uma instrução verbal, «que exigia reagir com um
movimento ante.o surgimento de um triângulo e não reagir ante o surgimento de um quadrado.
A criança que recebia semelhante tarefa cometia inicialmente muitos erros, reagindo aos
indícios "angulares" que se observam em ambas as figuras. Somente depois que as crianças de
idade escolar inferior tomaram conhecimento prático das figuras, manipularam-nas e "ganharam
o jogo contra elas", as suas reações às figuras assumiram caráter seletivo e elas começaram a
obedecer à instrução, respondendo com um movimento apenas ao surgimento de um quadrado,
abstendo-se do movimento ante o surgimento de um triângulo. Na etapa seguinte, para crianças
de 4-5 anos, a discriminação prática dos indícios das figuras já podia ser substituída por uma
desenvolvida explicação verbal ("isto aqui é uma cam-pânula, quando ela aparecer não precisa
apertar o botão; isto aqui é uma janelinha, quando ela aparecer é preciso apertar o botão");
depois desta explicação, a instrução verbal começou a orientar solidamente a atenção,
adquirindo influência reguladora estável.
Fatos análogos foram registrados nos testes, V. Ya Vasilevskaya. Nestes as crianças receberam
uma série de quadros, todos representando uma situação em que participava uma cadela. A
tarefa consistia em selecionar os quadros nos quais "a cadela cuidava dos seus filhotes" ou
quadros nos quais "ela servia ao homem". Essa instrução não exercia nenhuma influência
orientadora sobre o comportamento das crianças de dois anos de idade. O quadro despertava
nelas uma torrente de associações, e as crianças começavam simplesmente a contar tudo o que
haviam visto antes. Nas crianças de 2,5-3 anos, a atenção seletiva pela tarefa dada só podia ser
assegurada permitindo-se à criança "perder o jogo" na prática para a situação representada,
repetindo a tarefa. Para as crianças de 3,5-4 anos, a atenção estável pelo cumprimento da tarefa
devida só era possível com a repetição da tarefa em voz alta e uma ampla análise da situação; só
a criança de 4,5-5 anos estava em condições de orientar com estabilidade a sua atividade através
da instrução, mantendo a aten-
3J
ção seletiva por aqueles indícios representados ns instrução.
O desenvolvimento da atenção arbitrária na idadt infantil foi examinado nos primeiros trabalhos de Vi-
gotsky e posteriormente de Leôntyev, que mostrararr. que nos graus posteriores de desenvolvimento era
possível observar a via de formação da atenção aqui des crita, dando ênfase aos meios auxiliares externos
coir sua redução posterior e com a transição paulatina par. formas superiores de uma ampla organização
interior da atenção. Em seus testes, Vigotsky escondeu uma noz em alguns vidros e a criança devia retirá-
la; para efeito de orientação, ele colou pedacinhos de papel pardo nos potinhos em que estavam
escondidas as nozes. Habitualmente, a criança de 3-4 anos não dava atenção aos papéis nem distinguia
seletivamente os potinhos necessários; mas depois que a noz era depositada aos seus olhos ele indicava
com o dedo o papel pardo, este adquiria o caráter de sinal que sugeria o objetivo oculto e orientava a
atenção da criança. Para as criar, ças de idade mais avançada, o gesto indicador cr^ substituído por uma
palavra, a criança começava a usar por si mesma o sinal indicador com base no qual podia organizar a sua
atenção.
Fatos análogos foram observados também pc: Leôntyev que sugeriu às crianças cumprir a difícil tarefa de
um jogo: "não dizer sim nem não, não escolhe" preto nem branco", ao qual se acrescentava uma condição
ainda mais difícil, que proibia repetir duas vezes o nome de uma mesma cor. Essa tarefa foi inacessível
inclusive para crianças na idade escolar, e a criança de tenra idade escolar só conseguia assimilá-la
marcando os quadros coloridos correspondentes e mantendo a sua atenção seletiva com auxílio de apoios
mediatos exteriores. A criança de idade escolar mais avançada deixava de sentir a necessidade de apoios
externos e mostrava-se em condições de organizar a sua atenção seletiva inicialmente pronunciando tanto
a instrução quanto as posteriores respostas "proibidas" e só nas últimas etapas limitava-se a pronunciar
interiormente (ou reproduzir mentalmente) as condições que orientam a sua atividade seletiva.
34
O que acaba de ser dito permite concluir, que a atenção arbitrária, considerada pela Psicologia
clássica como primária, mais tarde manifestação do "livre arbítrio" ou qualidade fundamental do
"espírito humano", em realidade é produto de um desenvolvimento sumamente complexo. As
fontes desses desenvolvimentos são as formas de comunicação da criança com o adulto, sendo o
fator fundamental que assegura a formação da atenção arbitrária representada pela fala, que é
inicialmente reforçada por uma ampla atividade prática da criança e em seguida diminui
paulatinamente e adquire o caráter de ação interior, que media o comportamento da criança e
assegura a regulação e o controle deste. A formação da atenção arbitrária abre caminho para a
compreensão dos mecanismos interiores dessa complexíssima forma de organização de
atividade consciente do homem, que desempenha papel decisivo em toda a sua vida psíquica.
Patologia da atenção
O distúrbio da atenção é um dos mais importantes sintomas do estado patológico do cérebro e
seu estudo pode acrescentar dados importantes ao diagnóstico das afecções cerebrais.
Nas afecções maciças das áreas profundas do cérebro (do tronco superior das paredes do
terceiro ventrículo, do sistema límbico) podem ocorrer graves distúrbios da atenção
involuntária, que se manifestam em forma de redução geral da atividade e de expressas
perturbações dos mecanismos do reflexo orientado.
Esses distúrbios podem ter tanto o caráter de prolapso e manifestar-se num fato de que 0 reflexo
orientado é de caráter instável que se extingue rapidamente quanto caráter de irritação
patológica dos sistemas do tronco e límbico resultando daí que os sintomas de reflexo orientado
uma vez surgidos não se extinguem e durante muito tempo os estímulos continuam gerando
reações eletrofisiológicas e vege-íativas inextinguíveis (vasculares e motoras). Às vezes os
sintomas comuns de reflexo orientado podem assumir caráter paradoxal, os estímulos começam
a provocar exaltação em vez de depressão de alfa-ritmo ou a expansão paradoxal
35
dos vasos ao invés de sua compressão em resposta à apresentação de sinais.
No quadro clínico, esses distúrbios se manifestam no fato de que os doentes revelam acentuados
sintomas de abatimento, inércia e não respondem aos estímulos externos ou a eles respondem
somente com permanentes irritações com-plementares. No caso de superexcitação patológica
dos sistemas cerebrais do tronco superior e da região límbica, os pacientes, ao contrário,
revelam sintomas de. elevada exci-tabilidade, sentem inquietação permanente e apresentam
estado altamente vulnerável à distração por quaisquer excita-ções emocionais e irritações.
Para a clínica têm importância especial os distúrbios da atenção arbitrária. Estes se manifestam
no fato de que o doente se abstrai facilmente com qualquer estímulo secundário, mas é
impossível organizar-lhe a atenção, atribuindo-lhe uma tarefa determinada ou lhe dando uma
instrução verbal correspondente. Isto pode ser observado em pesquisas psicofisiológicas se após
a extinção dos indícios de reflexo orientado dermos ao doente uma tarefa como, por exemplo,
contar os sinais, acompanhar a sua mudança, etc. Se, como já vimos, essa instrução tem por
norma gerar a estabilização dos sintomas eletrofisiológicos do reflexo orientado, nas afecções
cerebrais a instrução verbal dirigida ao doente não provoca nenhum reforço da Jfação
orientada.
Os exemplos mais típicos de distúrbios das formas superiores de atenção partem dos doentes
com afecção dos lobos do cérebro (especialmente das suas áreas mediais). Freqüentemente não
se pode observar nestes doentes nenhuma queda do reflexo orientado dos sinais exteriores; às
vezes a atenção involuntária deles é inclusive elevada e o doente se abstrai facilmente com
qualquer irritação secundária (ruído no quarto de hospital, abertura de portas, etc); no entanto
verifica-se impossível concentrar o doente no cumprimento de uma tarefa, elevar o tônus do
córtex cerebrat através de uma instrução verbal e a apresentação de uma instrução verbal (contar
os sinais, acompanhar sua mudança) não provoca nesse doente nenhuma mudança dos sintomas
eletrofisiológicos e vegetativos de reflexo orientado. Às vezes esse tipo de perturbações, que
constitui a base fisiológica da mudança do comportamento das pessoas com afecção dos
36
lobos cerebrais, é fundamental para o diagnóstico desses distúrbios.
É característico que esse tipo de perturbação da regulação verbal do reflexo orientado só ocorre
com as afecções dos lobos cerebrais e não se verifica na afecção de outras áreas. Isto mostra o
papel exclusivo dos lobos cerebrais do homem no processo de formação de intenções estáveis e
na realização do controle do processo de comportamento.
É natural que semelhantes formas de distúrbio da atenção arbitrária conduzem a importantes
mudanças de todos os complexos processos psicológicos. É justamente por força desses
distúrbios que os doentes com afecção dos lobos cerebrais são incapazes de concentrar-se na
solução de uma tarefa, e criar um sistema estável de relações seletivas, correspondentes ao
programa de ação proposto e se desviam facilmente para relações secundárias, substituindo o
cumprimento planejado de um programa por reações que surgem impulsivamente a qualquer
estímulo secundário ou à repetição dos estereótipos surgidos que há muito perderam a sua
importância mas frustram facilmente a atividade que se iniciara voltada para um objetivo. É por
isto que a leve perda da seletividade no cumprimento de qualquer operação intelectual constitui
um dos indícios essenciais da afecção dos lobos frontais do cérebro.
Podem ocorrer distúrbios importantes também durante as doenças cerebrais que se caracterizam
por um estado patológico inibitório (fásico) do córtex.
Nesses estados (característicos de estafa aguda ou estados "oniróides"), a "lei da força" descrita
por Pavlov, na qual os estímulos fortes provocam reações fortes, e os fracos, reações fracas, é
violada.
Nos estados "fásicos" relativamente brandos do córtex, tanto os estímulos fortes quanto os
fracos começam a provocar reações idênticas, e com aprofundamento posterior desses estados,
conhecido como "fase paradoxal", os estímulos fracos começam a provocar reações até mais
fortes do que os estímulos fortes.
É natural que em semelhantes estados torne-se impossível a atenção estável pela tarefa colocada
e a atenção comece a ser facilmente abstraída por quaisquer estímulos secundários.
37
A diferença entre a instabilidade da atenção arbitrária e as formas profundas de sua perturbação,
que surgem nas afecções dos lobos frontais do cérebro, consiste em quey nestes casos, a
mobilização da atenção pela intensificação dos motivos, o recurso a meios auxiliares de apoio e
a consolidação da instrução verbal levam à compensação das deficiências da atenção, ao passo
que na afecção dos lobos frontais, que destrói o mecanismo fundamental de regulação da
atenção arbitrária, esse caminho pode não surtir o efeito necessário. A instabilidade da atenção
arbitrária não surge apenas nos estados patológicos expressos do cérebro mas também em
estados do sistema nervoso, provocados por es-tafa e neuroses; às vezes, essa instabilidade
reflete peculiaridades individuais do. homem. Por isto o estudo da insta-bilidade da atenção,
com a aplicação de todos cs métodos psicofisiológicos e psicológicos objetivos, pode ter grande
importância diagnostica.
38
II
Memória
O ESTUDO das leis da memória humana constitui um dos capítulos centrais e mais importantes
da ciência psicológica. É sabido que cada deslocamento, impressão ou movimento nosso deixa
certo vestígio e este se mantém durante um tempo bastante longo e em determinadas condições
reaparece e se torna objeto de consciência. Por isto entendemos por memória o registro, a
conservação e a reprodução dos vestígios da experiência anterior, registro esse que dá ao
homem a possibilidade de acumular informação e operar com os vestígios da experiência
anterior após o desaparecimento dos fenômenos que provocaram tais vestígios.
Os fenômenos da memória podem pertencer igualmente ao campo das emoções e ao campo das
percepções, ao reforço dos processos motores e da experiência intelectual. Todo o reforço dos
conhecimentos e habilidades e a capacidade de aproveitá-los pertencem à área da memória.
De acordo com isto, impõe-se à Psicologia uma série de problemas complexos, que fazem parte
da área de estudos dos processos da memória. A Psicologia se propõe estudar
39
a maneira pela qual se registram os vestígios, os mecanismos fisiológicos desse registro, as
condições que contribuem para ele, os seus limites e os procedimentos que permitem ampliar o
volume do material registrado.
A Psicologia se propõe responder qual a duração que pode ter a conservação desses vestígios,
quais os mecanismos de sua conservação em lapsos de tempo breves e longos, quais as
mudanças que sofrem os vestígios da memória que se encontram em estado latente e qual a
influência que eles podem exercer na ocorrência dos processos cognitivos do homem.
Entre as questões do capítulo dedicado à psicologia da memória, situam-se os problemas dos
mecanismos de reprodução dos vestígios latentes, que em certas condições podem tornar-se
objeto da atividade consciente. Esse capítulo estuda as condições que levam à reprodução dos
vestígios da memória, estudando também as principais formas que incluem tanto a reprodução
não arbitrária dos vestígios quanto . a arbitrária, intencional.
Por último, esse capítulo inclui a descrição de diversas formas de processos da memória,
começando pelos tipos mais simples de registro não arbitrário e aparição dos vestígios e
terminando pelas formas complexas de atividade mnemônica que permite ao homem voltar
arbitrariamente à experiência passada, adotando uma série de procedimentos sociais, e ampliar
substancialmente o volume de informação retida e os prazos de sua conservação.
O capítulo dedicado à psicologia da memória, é de grande importância para a interpretação dos
mais importantes processos de atividade cognitiva e para a doutrina do desenvolvimento dos
processos psíquicos na idade infantil e da perturbação dos processos psíquicos nos estados
patológicos do cérebro.
História do estudo da memória
O estudo da memória foi uma das primeiras partes da Psicologia à qual se aplicou o método
experimental: fizeram-se tentativas de medir os processos estudados e descrever as leis a que
eles se subordinam.
40
Na década de 80 do século passado, o psicólogo alemão H. Ebbinghaus propôs o método através
do qual, supunha ele, era possível estudar as leis da memória pura, noutros termos, as leis dos
processos de registro dos indícios independentes da atividade do pensamento. Esses
procedimentos, que consistiam em decorar sílabas sem sentido, que não geravam quaisquer
associações, permitiram a Ebbinghaus encontrar as curvas básicas da decoração (ou
memorização) do material, descrever as suas leis básicas, estudar a atividade da conservação
dos vestígios na memória e o processo de sua extinção paulatina.
As pesquisas clássicas de Ebbinghaus foram acompanhadas dos trabalhos do psiquiatra alemão
Kraepelin, que através desses procedimentos estudou a ocorrência do processo de decoração dos
doentes com alterações psíquicas; foram acompanhadas também dos trabalhos do psicólogo
alemão H. E. Müller, que deixou um estudo fundamental dedicado às leis básicas de reforço de
reprodução dos vestígios' dã memória no homem.
Nas primeiras etapas, o estudo dos processos da memória limitava-se a examiná-la no homem e
era antes um estudo da atividade mnéstica consciente (o estudo do processo de decoração
premeditada e reprodução dos vestígios) que um processo' de ampla análise dos mecanismos
naturais e registro dos vestígios que se manifestam igualmente no homem e no animal.
Com o desenvolvimento das pesquisas objetivas do comportamento do animal, especialmente
com os primeiros passos no sentido do estudo das leis da atividade nervosa superior, ampliou-se
substancialmente a área de estudos da memória.
Em fins do século xix e começo do século xx, surgiram as pesquisas do conhecido psicólogo
americano E. L. Thorndike, o primeiro psicólogo a transformar em objeto de estudo o processo
de formação das habilidades no animal, aplicando para este fim a análise da maneira pela qual o
animal aprendia a encontrar saída em um labirinto e como reforçava paulatinamente as
habilidades obtidas.
No primeiro decênio do século xx, os estudos desses processos adquiriram uma forma científica
quando Pavlov propôs o método de estudos dos reflexos condicionados, através do qual
conseguiu examinar os principais mecanis-
41
mos fisiológicos de formação e reforço de novas ligações, Foram descritas as condições sob as
quais essas ligações surgem e permanecem, bem como as condições que influenciam essa
permanência. A doutrina da atividade nervosa superior e suas leis básicas tornou-se
posteriormente a fonte básica dos nossos conhecimentos acerca dos mecanismos fisiológicos da
memória, enquanto a elaboração e conservação das habilidades e do processo de
"aprendizagem" (learning) nos animais constituíam o conteúdo básico da ciência americana do
comportamento, que englobava os célebres pesquisadores J. Watson, B. F. Skinner, D. Hebb e
outros.
O estudo clássico das leis básicas da memória no homem e as pesquisas posteriores do processo
de formação das habilidades dos animais limitaram-se igualmente ao estudo dos processos mais
elementares de memória. O estudo das formas arbitrárias e conscientes superiores de memória
que permitiram ao homem aplicar determinados procedimentos de atividade mnemônica e
voltar-se arbitrariamente para quaisquer lapsos do seu passado foi apenas descrito pelos
filósofos que os contrapunham às formas naturais de memória (ou de "memória do corpo") e os
consideravam manifestação da memória consciente superior (ou "memória do espírito"). No
entanto essas indicações de alguns filósofos idealistas (por exemplo, o filósofo francês H.
Bergson) não se converteram em objeto de um estudo especial rigoroso e científico e os
psicólogos falavam do papel desempenhado na memorização pelas associações ou indicavam
que as leis da memorização das idéias diferem essencialmente das leis elementares da
memorização. Praticamente não se colocava o problema da origem e muito menos do
desenvolvimento das formas superiores de memória no homem.
O mérito do primeiro estudo sistemático das formas superiores de memória na criança cabe a
Vigotsky, que em fins dos anos vinte tornou pela primeira vez objeto de um estudo especial o
problema do desenvolvimento das formas superiores de memória e, juntamente com seus alunos
A. N. Leôntyev e L. V. Zamkov, mostrou que as formas superiores de memória constituem uma
forma complexa de atividade psíquica social por origem e mediata por estrutura e estudou as
etapas fundamentais de desenvolvimento da memorização mediata mais complexa.
42
As pesquisas das formas mais complexas de atividade rnnésica arbitrária, nas quais os processos da
memória se ligavam aos processos do pensamento, foram essencialmente completados por psicólogos
soviéticos, que atentaram para as leis que serviam de base à memorização involuntária (não intencional) e
descreveram minuciosamente as formas de organização do material memorizado, que ocorrem no
processo de decoração consciente. Essas pesquisas, empreendidas por A. A. Smirnov e P. I. Zintchenko,
descobriram leis novas e essenciais da memória, como da atividade consciente do homem, enfocaram a
dependência entre a memorização e a tarefa colocada e descreveram os procedimentos fundamentais de
memorização do material completo.
Apesar dos êxitos reais dos estudos psicológicos da memória, continuaram desconhecidos os processos
fisiológicos de registro dos vestígios e a natureza do próprio fenômeno da memória; filósofos e
fisiologistas como Simon ou Hering se limitaram a indicar que a memória "é propriedade geral da
matéria", sem fazer qualquer tentativa de descobrir a sua essência e os profundos mecanismos fisiológicos
que lhe servem de base.
Apenas nos dois últimos decênios a questão mudou essencialmente.
Estudos publicados mostraram que os processos de registro, conservação e reprodução dos vestígios estão
relacionados com profundas mudanças bioquímicas, particularmente com a mudança do ácido
ribonucléico (Hiden), que os vestígios da memória podem ser deslocados por via humo-ral, bioquímica
(Mc. Connell e outros). Começaram estudos intensivos dos íntimos processos nervosos de "reverberação
da excitação" (manutenção da excitação nos círculos e retí-culos nervosos), que passaram a ser
considerados como substrato fisiológico da memória. Surgiu um sistema de pesquisa, no qual se estudava
o processo de consolidação paulatina dos vestígios bem como o tempo necessário para a consolidação e
as condições que levam à destruição dos vestígios. Por último, surgiram pesquisas que tentavam
discriminar as áreas do cérebro, que são indispensáveis para a conservação dos vestígios, e os
mecanismos neurológicos que servem de base à memorização e ao esquecimento.
Tudo isto fez do capítulo da psicologia e psicofisiologia da memória uma das partes mais ricas da
Psicologia. Ape-
43
As pesquisas das formas mais complexas de atividade mnésica arbitrária, nas quais os processos
da memória se ligavam aos processos do pensamento, foram essencialmente completados por
psicólogos soviéticos, que atentaram para as leis que serviam de base à memorização
involuntária (não intencional) e descreveram minuciosamente as formas de organização do
material memorizado, que ocorrem no processo de decoração consciente. Essas pesquisas,
empreendidas por A. A. Smirnov e P. I. Zintchenko, descobriram leis novas e essenciais da
memória, como da atividade consciente do homem, enfocaram a dependência entre a
memorização e a tarefa colocada e descreveram os procedimentos fundamentais de
memorização do material completo.
Apesar dos êxitos reais dos estudos psicológicos da memória, continuaram desconhecidos os
processos fisiológicos de registro dos vestígios e a natureza do próprio fenômeno da memória;
filósofos e fisiologistas como Simon ou Hering se limitaram a indicar que a memória "é
propriedade geral da matéria", sem fazer qualquer tentativa de descobrir a sua essência e os
profundos mecanismos fisiológicos que lhe servem de base.
Apenas nos dois últimos decênios a questão mudou essencialmente.
Estudos publicados mostraram que os processos de registro, conservação e reprodução dos
vestígios estão relacionados com profundas mudanças bioquímicas, particularmente com a
mudança do ácido ribonucléico (Hiden), que os vestígios da memória podem ser deslocados por
via humo-ral, bioquímica (Mc. Connell e outros). Começaram estudos intensivos dos íntimos
processos nervosos de "reverberação da excitação" (manutenção da excitação nos círculos e retí-
culos nervosos), que passaram a ser considerados como substrato fisiológico da memória.
Surgiu um sistema de pesquisa, no qual se estudava o processo de consolidação paulatina dos
vestígios bem como o tempo necessário para a consolidação e as condições que levam à
destruição dos vestígios. Por último, surgiram pesquisas que tentavam discriminar as áreas do
cérebro, que são indispensáveis para a conservação dos vestígios, e os mecanismos neurológicos
que servem de base à memorização e ao esquecimento.
Tudo isto fez do capítulo da psicologia e psicofisiologia da memória uma das partes mais ricas
da Psicologia. Ape-
43
sar de muitas das questões da memória continuarem sem solução, a Psicologia" dispõe hoje de
um material incomparavelmente maior para o estudo dos processos da memória do que há
algum tempo atrás.
Bases Fisiológicas da Memória Conservação dos vestígios do sistema nervoso
Os fenômenos da longa conservação dos vestígios de um estímulo dado foram observados por
muitos estudiosos ao longo de todo desenvolvimento do mundo animal.
Observou-se freqüentemente que uma excitação por choque elétrico do sistema nervoso dos
pólipos provocavam o surgimento de impulsos elétricos rítmicos, que podiam manter durante
muitas horas.
Semelhantes fenômenos podiam ser observados no estudo do funcionamento do sistema nervoso
dos animais. Assim, a excitação provocada por uma eclosão de luz provocava no corpo bigêmeo
superior do coelho descargas elétricas rítmicas, que podiam ser registradas durante um período
bastante longo e essas reações podiam ser observadas inclusive quando se desviava essa ação do
neurônio isolado.
A continuação das descargas elétricas, que surgem depois de uma excitação única, mostra que
os neurônios não são apenas aparelhos que recebem os sinais e reagem a estes com respostas
correspondentes mas também que conservam os vestígios do estímulo, continuando a dar
respostas rítmicas negligenciadas por esse estímulo muito tempo após ter este cessado a sua
influência. Esse efeito das influências do estímulo é o que representa a manifestação mais
elementar da memória fisiológica, que pode ser observada tanto num neurônio isolado como no
trabalho de todo o sistema nervoso em conjunto.
As manifestações fisiológicas mais elementares da memória podem ser observadas por outra
via, já mencionada no presente capítulo.
Como mostraram as pesquisas a longa repetição de um mesmo sinal leva à habituação a este, a
qual se manifesta
44
no desaparecimento dos reflexos orientados para este estímulo que se tornou hábito. O
psicólogo soviético E. N. Soko-lov mostrou que semelhantes ocorrências da habituação podem
ser observadas também no estudo das respostas de um neurônio isolado a estímulos que se
repetem muitas vezes.
O mais característico é o fato de que, com uma pequena mudança da intensidade ou do caráter
do estímulo, os indícios de reflexos orientados tornam a surgir.
Os dados obtidos por Sokolov e seus colaboradores mostraram que o fenômeno da reanimação
de um reflexo orientado antes extinto podia ser observado não só imediatamente após a
mudanças do caráter do estímulo mas também dentro de alguns espaços de tempo às vezes
bastante longos. Assim, se no sujeito se observava a ocorrência da habituação a determinado
estímulo, bastava mudar a intensidade, a duração ou o caráter do estímulo para que os sintomas
vege-tativos ou neurofisiológicos dos reflexos orientados se restabelecessem, sendo que esse
restabelecimento do reflexo orientado se observava após lapsos bastante consideráveis de tempo
depois da extinção. Esse fato podia se observar tanto no registro dos sintomas dos reflexos
orientados do sistema nervoso como um todo quanto no nível de um neurônio isolado. Tanto o
sistema nervoso como um todo quanto neurônios isolados podem reter o arquétipo do sinal e
comparar um novo estímulo com os vestígios desse "modelo" de sinal, que se manteve sob a
forma de vestígios durante um período bastante longo.
O fato de que o sistema nervoso pode conservar com uma sutileza impressionante os vestígios
dos estímulos anteriores pode ser ilustrado por toda uma série de observações posteriores, das
quais citaremos apenas duas.
É sabido que quanto mais freqüente é o sinal determinado quanto mais o sujeito se acostuma a
ele e tanto mais rapidamente ele apresenta reação motora diante do sinal (e tanto mais breve é o
período latente dessa reação). O estudo minucioso mostrou que nas condições mais simples essa
lei permanece e a rapidez da reação ao sinal é diretamente proporcional à freqüência com que
ele se apresenta.
O cérebro registra não apenas o próprio jato da apresentação do sinal mas também a freqüência
com que este se apresenta, registrando ainda que a "decoração" da freqüência da apresentação
do sinal e a regulação da rapidez da
45
resposta ao grau de probabilidade do aparecimento do sina! é uma das funções essenciais do
funcionamento do cérebro. Fatos e pesquisas posteriores mostraram que o sistema nervoso do homem
pode manter vestígios de sinais isolados com grau muito elevado de precisão e conservá-lo durante muito
tempo. Pode servir de ilustração disto o teste de laboratório realizado por E. N. Sokolov.
Apresentou-se uma só vez ao sujeito um sinal sonoro de determinada altura (500Hz) e intensidade (2C
decibéis). Em resposta a esse sinal o sujeito devia apertar as mãos, devendo responder com movimento
somente a esse sinal, mantendo as mãos imóveis ante o aparecimento de qualquer sinal distintivo. Em
seguida foram sugeridos desordenadamente ao sujeito sons diferentes de altura idêntica mas que variavam
por intensidade (de 5 a 30 decibéis). Foram registrados eletro-encefalograma, eletromiograma e reação
galvânica da pele.
O mesmo teste foi repetido nos 2.°, 4.° e 25.° dias. e o padrão mostrado uma vez (som de 500Hz e
intensidade de 20 decibéis) não foi apresentado nenhuma vez mais.
Os resultados do teste indicaram que o padrão uma ve: mostrado foi mantido pelo sujeito durante um
período longe e após longos intervalos (de 2 a 25 dias) o sujeito continuou a apresentar respostas
eletrofisiológicas e motoras precisas somente aos sinais correspondentes ao padrão dado. omitindo-se
diante de todos os outros sinais.
O teste citado mostra que o cérebro humano é capa; de manter vestígios precisos, durante muito tempo, de
urr estímulo apresentado uma vez, e a precisão desses vestígio? não só não desaparece com o tempo como
ainda pode aumentar.
Citamos alguns fatos segundo os quais o sistema nervoso é dotado da capacidade de preservar por muito
tempe os vestígios de um estímulo apresentado uma vez, de avaliar a freqüência com que este se
apresentou e conservou-se na memória com grande precisão os padrões de estímulos que foram
apresentados pelo menos uma vez.
46
Isto torna o cérebro humano o instrumento mais sutil não apenas para captar os estímulos e distingui-los
entre os outros que lhe chegam mas também para conservar na memória os vestígios das influências
antes percebidas por ele.
Processo de "consolidação" dos vestígios
O fato do registro dos vestígios dos estímulos que atuaram sobre o cérebro do homem nos leva a levantar
uma importante questão: como ocorre o processo de consolidação desses vestígios? Consolidam-se
imediatamente ou necessitam de algum tempo para a consolidação?
Esta questão foi objeto de toda uma série de pesquisas.
Antes já fora observado que nos casos em que o homem sofre um trauma craniano, desaparecem os
vestígios dos estímulos que atuaram sobre o homem algum tempo antes do trauma e algum tempo após. A
pessoa que recebe um trauma maciço do crânio ou desmaia não costuma conservar quaisquer lembranças
do que antecedeu imediatamente ao trauma e do que ocorreu logo após. Esse fato é amplamente
conhecido sob a denominação de amnésia ante-rógrada e retrógrada. Indica que um choque forte,
experimentado pelo sistema nervoso, torna o cérebro incapaz de registrar durante algum tempo os
vestígios das excitações que lhe chegam.
O fato da amnésia anterógrada e retrógrada permitiu algumas tentativas no sentido de medir o tempo a
que se estende a incapacidade provisória do cérebro de registrar vestígios. É conhecida uma observação
segundo a qual desapareceram da memória de um motociclista acidentado na estrada número 78 todas as
lembranças que começavam na estrada número 64. Se considerarmos que ele desenvolvia uma velocidade
de 60 quilômetros por hora, verificaremos que o trauma levou a que a memória do motociclista não
consolidasse os vestígios das impressões surgidas 10-15 minutos antes do trauma e, conseqüentemente, a
pessoa necessita de 10-15 minutos para consolidar definitivamente os vestígios da memória e o efeito
traumático que durante esse período ocòr-:reu sobre o cérebro impede essa consolidação.
47
Os fatos descritos se constituíram num impulso para experimentos especiais, nos quais uma
pessoa recebeu choque elétrico artificial e fraco, ocasião em que se observou o lapso de tempo
que desaparecia da memória do sujeito.
Podem servir de exemplo os testes do psicofisiologisía soviético F. D. Gorbov.
O sujeito foi colocado diante de uma janelinha através da qual passavam em cadência números
simples com sinais aritméticos (+ 4, — 1, -f- 5, etc). O sujeito devia realizar operações
aritméticas correspondentes, acrescentando um dado número ao resultado das operações antes
obtidas ou subtraindo dele um número correspondente. Era natural que para o cumprimento
dessa tarefa o sujeito tivesse de manter solidamente na memória os vestígios do resultado
anteriormente obtido.
De repente o sujeito recebia um "choque" em forma de uma fulguração brusca.
O teste mostrou que, nestes casos, o sujeito costumava "esquecer" o resultado que acabara de
obter e começava a operar não a partir do último número mas do antecedente. Esse experimento
mostra que até um choque tão insignificante afasta as condições indispensáveis à "consolidação"
dos sinais.
As observações aqui expostas sugeriram a hipótese de que, para a consolidação dos números na
memória, é necessário algum tempo; elas suscitaram várias pesquisas voltadas para a
verificação dessa hipótese.
Os experimentos de alguns autores (predominantemente americanos) se basearam no seguinte
esquema: o animal adquiria uma habilidade e algum tempo após essa aquisição ele recebia um
choque elétrico. Verificou-se que se o choque era aplicado 10-15 minutos após a aquisição da
habilidade, esta desaparecia; se o choque era aplicado de 45 minutos a uma hora após a
aquisição, a habilidade se conservava. Esses experimentos mostraram que deve ser considerado
de 10-15 minutos o tempo necessário para a consolidação dos vestígios.
Um experimento posterior mostrou que o choque exerce a mesma influência obliterante nas
habilidades que come-
çaram a ser adquiridas pouco tempo antes ou depois do choque: em ambos os casos não havia
aquisição de habilidade, Conseqüentemente, o choque podia não só impedir a "consolidação"
dos vestígios mas também criar o estado do cérebro no qual era impossível a aquisição de novas
habilidades.
Verificou-se, em seguida, que o mesmo efeito pode ser obtido não através do choque elétrico
mas da aplicação de alguns agentes farmacológicos, que ora provocavam estado inibitório do
córtex (por exemplo, barbituratos) ora levavam a um estado elevado de excitação do córtex e
provocavam câimbras (por exemplo, metrazol). Verificou-se que a aplicação de barbituratos um
minuto após a formação da habilidade levava ao desaparecimento de seu vestígio, ao passo que
a aplicação da mesma dose de barbituratos trinta minutos após não perturbava as habilidades
que até então já haviam conseguido "consolidar-se". Dados análogos foram obtidos em testes
com aplicação de metrazol: nestes casos, a aplicação de metrazol dez segundos após a aquisição
da habilidade levava a uma violenta destruição dos vestígios, a aplicação do metrazol dez
minutos após levava a uma conservação relativamente fraca dos vestígios e a aplicação vinte
minutos após mantinha a habilidade conservada.
No entanto substâncias diversas, que influenciam o estado de excitabilidade do cérebro,
influenciam a conservação dos vestígios com "profundidade" variada. Algumas delas podem
obliterar os vestígios que se formaram 3-4 dias antes da aplicação do metrazol, enquanto outras
surtem efeito apenas nos vestígios que acabam de formar-se.
Por último, verificou-se que existem substâncias que aceleram o processo de "consolidação" dos
vestígios e os tornam estáveis. Um desses preparados é a estricnina, cuja injeção acelera
consideravelmente a consolidação e torna os vestígios mais resistentes às influências
destruidoras.
D
»squisas realizadas nos dois últimos decênios mostraram ijue a consolidação de um vestígio
requer certo tempo que pode ser medido, existindo diversos agentes que atuam com intensidade
diferente sobre o processo de consolidação dos vestígios. Mas existem diferenças individuais
nos animais, que consistem em que a consolidação dos vestígios apresenta velocidade variada
em espécies diferentes. Deste modo, o pesquisador americano Mc Goy mostrou que se um
choque aplicado a ratos 45 segundos após haverem estes
49
adquirido uma habilidade elimina os vestígios e o clioque aplicado 30 minutos após mantém os vestígios
intactos, então nos ratos que adquirem lentamente uma habilidade o choque aplicado 45 minutos após a
aquisição e o choque aplicado 30 minutos após levam igualmente ao desaparecimento dos vestígios. Isto
significa que se no grupo "rápido" de ratos os vestígios já se consolidaram em 15-20 minutos, no grupo
"lento" de ratos a consolidação dos vestígios ainda não ocorre nesse espaço de tempo e eles ainda
permanecem estáveis durante um período bastante longo.
Todos esses testes mostram que a formação de determinado vestígio ainda não significa que este esteja
consolidado e para a consolidação é necessário certo tempo, que depende de uma série de fatores
(inclusive das peculiaridades individuais) e que pode ser medido. O estudo da consolidação dos vestígios
é uma das importantes conquistas da psicofisiolo-gia. Ele permitiu separar dois estágios do processo de
formação da memória, que posteriormente passaram a ser designados pelos termos memória breve
(subentendendo-se por esta o estágio em que os vestígios se formavam mas ainda não se consolidavam) e
memória longa (subentendendo-se por esta o estágio em que Os vestígios não só se haviam formado mas
estavam de tal forma consolidados que podiam existir durante muito tempo e resistir ao efeito destruidor
das ações de fora). A divisão da memória "breve" e "longa", apesar de condicional, colocou a
psicofisiologia diante de questões futuras, sobretudo diante do problema dos mecanismos fisiológicos dos
dois tipos de memória.
Mecanismos fisiológicos da memória "breve" e "longa"
Quais são os mecanismos fisiológicos que servem de base à memória "breve" e "longa"?
Nas décadas de 30 e 40 foi feita uma observação que deu fundamento para se lançar a hipótese da
natureza dos processos nervosos que servem de base à memória "breve".
Através das pesquisas morfológicas e morfofisiológi-cas dos neurofisiologistas americanos Lorente de Nó
e Mc Culloch, foi estabelecido que no córíex cerebral existem aparelhos que permitem uma longa
circulação da excitação pelos
50
circuitos fechados. Serviu de base o fato de que, nos axô-nios de certos neurônios, existem ramificações
que voltam ao corpo desse mesmo neurônio e contatam imediatamente com ele ou com dendritos isolados
desse mesmo, neurônio; com isto cria-se a base para uma circulação permanente das ex-citações nos
limites dos circuitos circulares fechados ou dos círculos reverberatórios da excitação. No entanto, a
questão não se limita a esse mecanismo tão simples. Há todos os fundamentos para se pensar que no
sistema nervoso existem aparelhos mais complexos de "redes de neurônios" que realizam círculos
reverberatórios estáveis de excitação. Esses aparelhos são os complexos funcionais de neurônios, unidos
«ntre si por neurônios "postiços" ou neurônios com axônios curtos cuja função, ao que parece, consiste
em transmitir a excitação de um neurônio a outro, assegurando a passagem longa da excitação pelas redes
mais complexas ou "círculos reverberatórios".
Alguns estudiosos consideram que os "círculos reverbe-Tatórios" da excitação são a base neurofisiológica
da memória "breve". Segundo essas hipóteses, é um mecanismo essencial de conservação dos vestígios o
mecanismo de transmissão sináptica da excitação, o que assegura a passagem da excitação de um
neurônio para o outro e permite uma conservação longa da excitação que passa pelos "círculos
reverberatórios".
De acordo com essa teoria, o choque destrói a passagem da excitação pelos círculos reverberatórios e leva
ao desaparecimento daqueles vestígios que se conservaram graças a essa passagem da excitação.
O processo de circulação da excitação pelos "círculos reverberatórios" não é, entretanto, o único
mecanismo possível de conservação dos vestígios. Os fatos, obtidos por muitos pesquisadores, levaram à
suposição de que o mecanismo de conservação dos vestígios está relacionado com as profundas
mudanças bioquímicas que podem ocorrer não apenas nas sinapses (lugares de transmissão da excitação
de uns neurônios a outros) mas também nos próprios corpos dos neurônios e em seus órgãos particulares
(núcleos, meta-côndrios).
Em 1959, o pesquisador sueco H. Hyden mostrou que cada excitação das células nervosas leva a uma
visível elevação do teor do ácido ribonucléico (RNA), ao passo que a
51
longa ausência de excitação reduz o teor de RNA. AS observações posteriores de Hyden e seus
colaboradores levaram à hipótese de que as mudanças do RNA têm caráter específico e podem
ser hipoteticamente consideradas como mecanismo bioquímico de conservação dos vestígios da
memória. Essa hipótese se baseia no fato de que as mudanças do RNA, provocadas por certas
ações, podem ser muito específicas e influências diversas podem provocar diferentes
modificações
do RNA.
Lançou-se a hipótese segundo a qual o número de possíveis mudanças das moléculas do RNA,
sob o efeito de ações diversas, pode ser medido pelo imenso número — IO11 — IO20 e, deste
modo, o RNA pode manter um imenso número de diferentes códigos. Como supunham esses
pesquisââorõS, a repetição do mesmo estímulo leva a que o ácido ribonu-clêico especificamente
mudado comece a "repercutir" justamente diante dessa excitação e a capacidade de repercutir
especificamente diante dessa excitação constitui a base a partir da qual a célula nervosa, que
conserva o vestígio do efeito recebido, começa a "identificar" este efeito, distin-guindo-o de
qualquer outro.
Essa mudança específica do RNA sob a influência de ações diversas foi o que deu aos estudiosos
fundamento para levantar a hipótese de que ela é a base bioquímica da memória.
A hipótese da participação do ácido ribonucléico na conservação dos vestígios da memória foi
confirmada por uma série de observações. Situam-se entre estas as observações do fisiologista
americano E. F. Morrell que mostrou que o aumento do teor de RNA, provocado pela excitação
repetida de determinada área do cérebro, manifesta-se tanto neste foco como no ponto a ele
simétrico de outro hemisfério. Isto significa não apenas que os círculos reverberató-rios de
excitação podem abranger zonas muito grandes do cérebro, estendendo-se ao hemisfério oposto,
mas também que nesse "foco especular" simétrico, que não sofreu nenhuma influência direta do
estímulo, surge um elevado teor de R>* que parece sugerir nele um alerta para novas
excitações.
Entre aquelas observações situam-se as observações feitas com auxílio de microscopia
eletrônica; estas mostraraa que, na medida em que se formam vestígios de habilidade nos
respectivos neurônios do animal, pode-se observar o aa-
52
mento do número de vesículas mínimas (empolinhas), que contêm elevada concentração de
acetil-colina, que assegura o deslocamento do impulso nas sinapses, ao passo que a longa
ausência de excitações diminui o número dessas vesículas.
Entre essas observações situam-se ainda os fatos segundo os quais os vestígios da informação,
assimilada pelo animal, podem ser transmitidos a outro animal por via humo-ral através do RNA
modificado e, ao contrário, a destruição do RNA (sua dissolução pela ribonuclease) leva à
destruição desses vestígios.
Essas observações provocaram uma animada discussão. Citaremos dados breves, observando
que a sua verificação e avaliação definitiva ainda pertencem ao futuro.
Os dados relativos a uma possível participação do RNA tanto na conservação como na
transmissão da informação foram obtidos pela primeira vez pelo pesquisador americano Mc
Connell. Este fez planárias adquirirem habilidade de evitar a luz. Esse aprendizado requereu um
número considerável de testes. Depois disto ele cortou a planaria em duas partes e cada uma
destas recuperou-se paulatinamente, transformando-se num animal inteiro. Quando as espécies
regeneradas começaram a aprender mais uma vez o mesmo procedimento, verificou-se que a
aprendizagem tanto do extremo regenerado da cabeça quanto do extremo regenerado da cauda
requeria um número três vezes menor de testes de treinamento. Conseqüentemente, a
conservação dos vestígios da memória não ocorre à custa dos neurônios restantes do gânglio
posterior (que tornava a regenerar-se na extremidade da cauda) mas à custa de avanços
humorais (bioquímicos) que se mantiveram em todos os tecidos do corpo. É característico que
se as duas extremidades da planaria, que adquirira a habilidade, eram imersas em solução de
ribonuclease, que destruiu o KNA, os vestígios da habilidade adquirida desapareciam e os
vermes regenerados requeriam para nova aprendizagem o mesmo número de novos testes de
treinamento que requeriam as espécies não treinadas.
Segundo os autores, estes testes confirmam a participação do RNA na conservação dos vestígios
da memória.
53
Testes posteriores, realizados por Mc Conncll e
outros pesquisadores, criaram a impressão de que o
RNA modificado pode não só conservar os vestígios da
informação obtida como também transmiti-los a outras
■ espécies por via humoral.
Para mostrá-lo, Mc Connell introduziu inicialmente a respectiva habilidade num grupo de
planárias e depois alimentou as planárias não treinadas com um extrato feito de corpos das
planárias treinadas. Pelos dados apresentados pelo pesquisador, resultou daí que as planárias não
treinadas começaram a adquirir bem mais rapidamente a habilidade específica antes adquirida
pelas planárias treinadas, habilidade essa que parece ter-se transmitido às planárias não
treinadas por via humoral através do RNA especificamente mudado, que conserva vestígios da
modificação do comportamento adquirido.
Semelhantes testes foram realizados numa série de animais (inclusive em ratos, em cujos
cérebros foi introduzido um extrato de cérebro picado de ratos anteriormente treinados) e os
autores que os realizaram levantaram a hipótese de que, nestes casos, o RNA participa não só da
conservação dos vestígios da informação recebida mas também pode participar da transmissão
dessa informação a outras espécies por via humoral (bioquímica).
Como já dissemos anteriormente, estes testes provocaram acalorada discussão e ainda é difícil
afirmar que os seus resultados venham a ser confirmados poí pesquisas posteriores.
Surge uma questão essencial: limita-se a mudança do RNA, que surge como resultado da
excitação, a apenas alguns neurônios ou ao processo de conservação dos vestígios incorporam-
se outros tecidos do cérebro? Essa questão chamou a atenção dos estudiosos.
Como se sabe, a composição dos núcleos das formaçí^cs subcorticais e a composição do córtex
são integradas, alem dos neurônios, também pela glia, que reveste as células nervosas com uma
densa massa esponjosa. Durante muito tempo a glia foi considerada um simples tecido de apoio
do cérebro; mas ultimamente ficou claro que ela tem outras funiões
54
bem mais complexas, participando tanto dos processos de troca como da regulação dos
processos de excitação que ocorrem nos aparelhos nervosos e, provavelmente, do processo de
conservação dos vestígios das excitações que surgem no tecido nervoso do cérebro. É sabido,
ainda, que o número de células da glia é dez vezes superior ao número de células nervosas;
diferentemente das células nervosas, que são indivisíveis durante a vida, as células da glia
continuam a dividir-se e seu número aumenta na ontogênese. É característico que, na medida do
desenvolvimento, cresce substancialmente a relação da massa das células nervosas com xoda a
massa da substância parda a que pertencem as células da glia.
As células da glia revestem densamente as células netvo-sas e, segundo expressão de Hyden,
"ocupam posição estratégica entre as células nervosas e os capilares sangüíneos". Os potenciais
elétricos surgem nelas com uma lentidão centenas de vezes maior do que nas células nervosas,
enquanto as mudanças bioquímicas que nelas se processam sob as influências das excitações
encontram-se em relações inversas com as mudanças bioquímicas que se processam nas células
nervosas. No início da excitação, aumenta nas células nervosas (neurônios) a quantidade do RNA
diminuindo na glia circunvizi-nha; ao contrário, ao término da ação do estímulo diminui
rapidamente a quantidade de RNA na célula nervosa, aumentando nas células da glia
circunvizinha. Por isto, o surgimento de potenciais lentos aos quais a neurofisiologia dá
importância sobretudo grande, é hoje relacionada não só ao trabalho dos neurônios como
também da própria glia.
Tudo isto leva a supor que a glia dá estabilidade aos processos que surgem na célula nervosa,
exerce influência moduladora na ocorrência das excitações e, provavelmente, participa
diretamente da conservação dos vestígios das excitações que surgem nos neurônios.
A circulação das excitações nos círculos reverberatórios e as indicações das mudanças
bioquímicas que surgem sob a influência das excitações que chegam ao tecido nervoso são
suficientes para explicar os mecanismos que servem de base à memória longa. Por isto alguns
estudiosos consideram necessário procurar os mecanismos da memória longa em algumas
mudanças morfológicas, que surgem no aparelho sináp-tico dos neurônios e suscitam a hipótese
de que são justa-
55
mente essas novas formações morfológicas que constituem o substrato da memória longa. O
conhecido morfofisiologista Ariens Kappers já indicara anteriormente que o crescimento dos
axônios e dendritos não é casual e os apêndices do neurônio se orientam no sentido da excitação
ocorrente. Esse fenômeno, que Kappers denominou "neurobiótico", foi confirmado em
observações posteriores. Atualmente os cientistas admitem que a orientação do crescimento dos
apêndices dos neurônios é até certo ponto determinada pelo funcionamento destes e pelos
"programas" que dependem do código de excitação e servem de base à atividade dos neurônios.
O crescimento do sistema sinapso-dendrítico de uma série de neurônios ocorre também durante
a vida, sendo estimulado em grande medida pelo exercício e abstendo-se do "emprego" desse ou
daquele sistema. O exercício faz aumentar consideravelmente o número de sinapses, aumenta o
número de empolas (vesículas) que conduzem a excitação dos neurônios, e o número daqueles
apêndices mínimos localizados nos axônios, que hoje são considerados o principal aparelho
neuroquímico, que assegura a transmissão da excitação nas sinapses. Essas mesmas reações do
movimento e do crescimento surgem na excitação não só dos apêndices dos neurônios mas
também na glia. (A. I. Rewtback), e, segundo alguns autores, é justamente esse efeito da
formação de novas sinapses que constitui o substrato da memória longa.
Se a memória breve se baseia no movimento que surgiu no círculo reverberatório e a memória
longa no crescimento do aparelho sinapso-dendrítico da glia, a formação de novas sinapses
ainda não se pode considerar demonstrável embora muitas das tentativas atuais de encontrar a
base fisiológica dos eventos da memória sigam nessa direção.
Sistemas cerebrais que asseguram a memória
Surge uma pergunta natural: quais são os grandes sà-temas cerebrais que asseguram o registro
dos vestígios? Participariam dos processos da memória todos os sistemas rebrais, que
desempenham o mesmo papel na fixação vestígios ou dentre todos os sistemas cerebrais que co
56
mos é possível distinguir alguns que desempenhem papel especial na fixação e conservação dos
vestígios da memória?
Já sabemos (ver Vol. I, Cap. IV) que no cérebro podemos distinguir pelo menos três grandes
blocos, dos quais um assegura o tônus no córtex e a regulação dos estados gerais de
exciíabilidade, o segundo é o bloco de recebimento, processamento e conservação da
informação recebida, sendo o terceiro o bloco de formação dos programas e controle do
comportamento. Essse fato já mostra que não é idêntica a participação de formações isoladas do
encéfalo nos processos de memória.
Sabemos ainda que não é idêntica a característica neu-rofisiológica de neurônios isolados que
fazem parte de diferentes sistemas do cérebro. Se nos sistemas de projeção das zonas corticais
auditiva, visual cinética da pele a maioria esmagadora das células receptoras é específico-modal
e reage aos indícios seletivos limitados dos estímulos, há outras áreas (as quais pertencem, por
exemplo, o hipocampo e o corpo caudal) que são constituídas predominantemente de neurônios
que não têm caráter específico-modal e reagem apenas à mudança da excitação. É natural que
esses fatos dêem fundamento para supor que o hipocampo e as formações a ele relacionadas
(núcleo amendoado, núcleos do tá-íamo ótico, corpos mamilares) desempenham papel especial
na fixação e conservação dos vestígios da memória e os neurônios que. fazem parte de sua
composição são um aparelho adaptado para a conservação dos vestígios das excitações, a
comparação destas com novas excitações, tendo ainda a finalidade de ativar as descargas (se a
nova excitação difere da velha) ou inibi-las.
Esses fatos levam a pensar que os referidos sistemas são um aparelho que assegura não apenas o
reflexo orientado (como. já indicamos anteriormente) mas também um aparelho portador da
função de fixar e comparar os vestígios que desempenham papel especial nos processos de
memória.
Eis porque, como mostraram as observações, a afecção bilateral do hipocampo leva a distúrbios
graves da memória; os doentes com semelhante afecção começam a apresentar um quadro da
impossibilidade de fixar as excitações que lhe chegam, conhecido na clínica pela denominação
de "síndro-me de Korsakov". Esses fatos foram estabelecidos por mui-
57
tos estudiosos (Brenda Miler, Scovilí e Penfield) em operações de grande importância teórica.
Dados muito importantes foram obtidos em testes especiais pela neurofisiologista canadense
Brenda Miler. Ela introduziu na artéria do sono do hemisfério direito de um doente com afecção
unilateral do hipocampo uma substância narcótica (amital e sódio); isto provocou um breve
desligamento (por alguns minutos) das funções do córtex do segundo hemisfério, resultando daí
que os dois hipocampos deixaram de funcionar por um breve espaço de tempo.
O resultado dessa interferência foi o desligamento temporário da memória e a impossibilidade
de qualquer fixação dos vestígios, que durou alguns minutos e depois desapareceu.
Vê-se facilmente qual a importância dessas pesquisas para a compreensão do papel do
hipocampo na fixação e conservação dos vestígios da memória.
Para a compreensão do papel que o hipocampo e as formações a ele ligadas desempenham nos
processos de memória, são igualmente importantes as observações clínicas segundo as quais as
afecções dessas áreas do cérebro, estreitamente relacionadas com a formação reticular, levam
não apenas a uma redução geral do tônus cortical mas também a uma perturbação considerável
da capacidade de fixar e conservar os vestígios da experiência corrente. Essas observações
foram clinicamente observadas em todas as afecções que bloqueiam o movimento normal no
chamado círculo hipo-campo-tálamo-mamilar (ou círculo de Paypez), que inclui entre seus
componentes o hipocampo, os núcleos do tálamo ótico, os corpos mamilares e a amígdala. A
cessação da circulação normal da excitação por esse círculo perturbava o funcionamento normal
da formação reticular e levava a grosseiros distúrbios da memória.
Isto tudo não significa que outras áreas do encéfalo, particularmente o córtex cerebral não
participem dos processos de memória. O importante, entretanto, é que a afecção das zonas
occipitais ou temporais do córtex pode levar a supressão da capacidade de fixar os vestígios das
excitações especí-fico-modais (visuais, auditivas) mas nunca leva a uma perturbação geral dos
vestígios da memória.
Isto significa que a memória é um processo compl por sua base nervosa e é assegurada pela
participação de
58
ferentes sistemas cerebrais, que desempenham, todos eles, papel próprio e dão sua contribuição específica
à realização da atividade mnésica.
Tipos principais de memória
A Psicologia admite vários tipos básicos de memória. Vamos examiná-los sucessivamente, dispondo-os
numa ordem de complexidade crescente.
Mas nos limitemos à análise das modalidades de memória, que têm importância para os processos
cognitivos, deixando de lado o exame dos fenômenos da memória emocional e motora.
Imagens sucessivas
As imagens sucessivas constituem a forma mais elementar de memória sensorial. Elas se manifestam
tanto no campo visual quanto no campo auditivo e sensitivo geral e foram bem estudadas pela Psicologia.
O fenômeno da imagem sucessiva (freqüentemente representada pelo símbolo NB, correspondente ao
termo alemão "Nachbild" consiste no seguinte: se durante certo tempo, 10-15 segundos, por exemplo,
apresentarmos ao sujeito um estímulo simples, sugerindo-lhe olhar durante o referido período para um
quadrado e em seguida retirarmos esse quadrado, o sujeito continua vendo no lugar do quadrado
vermelho um vestígio de forma idêntica embora habitualmente de cor azul-verde (completando a
vermelha). Esse vestígio às vezes surge de imediato, às vezes alguns segundos após e permanece durante
algum período de (10-15 a 45-60 segundos), começando em seguida a empalidecer paulatinamente e a
perder seus contornos nítidos, como que se desfazendo, para desaparecer em seguida; às vezes ele torna a
aparecer para depois sumir definitivamente. Em sujeitos diferentes podem variar tanto a clareza como a
precisão e a duração das imagens sucessivas.
O fenômeno das imagens sucessivas deve-se ao fato de que a irritação da retina surte o seu efeito:
provoca a fadiga
59
da fração da púrpura visual (componente sensível à cor bulbo ocular), que assegura a percepção
da cor vermelha e por isto no deslocamento da vista para uma folha branca surge um sinal de luz
azul-verde completando a vermelha. Esse tipo de imagem sucessiva é denominado imagem
sucessiva negativa. Esta pode ser considerada a forma mais elementar de conservação dos
vestígios sensoriais ou o tipo mais elementar de memória sensorial.
Além das imagens sucessivas negativas existem também as imagens sucessivas positivas. Estas
podem ser observadas se em plena escuridão colocarmos diante dos olhos um objeto qualquer
(por exemplo, a mão) e em seguida iluminarmos o campo com luz clara (por exemplo, a
fulguração de luz elétrica) durante o breve espaço/ de 0,5 segundos. Neste caso, depois que a luz
se apaga, a pessoa ficará algum tempo vendo a imagem clara do objeto situado diante de seus
olhos, desta vez nas cores naturais; essa imagem perdura por algum tempo e em seguida
desaparece.
O fenômeno da imagem sucessiva positiva é o resultado do efeito direto da percepção visual
breve. O fato de essa imagem não mudar de coloração se deve a que, na escuridão que se inicia,
o fundo não provoca excitação da retina e a pessoa pode observar o, efeito imediato da
excitação sensorial provocado num instante.
As imagens sucessivas refletem antes de tudo os fenômenos da excitação que ocorrem na retina
do olho. Isto é demonstrado por um teste simples. Se durante certo tempo reproduzirmos um
quadrado vermelho num fundo cinza e após retirarmos esse quadrado obtivermos a sua imagem
sucessiva e em seguida afastarmos a tela, veremos que a dimensão da imagem sucessiva
aumenta paulatinamente e esse aumento é diretamente proporcional ao afastamento da tela ("Lei
de Emmert").
Isto se explica pelo seguinte fato; na medida em que se afasta a tela, o ângulo que o seu reflexo
começa a ocupar m retina diminui paulatinamente e a imagem sucessiva começE a ocupar um
espaço cada vez maior nessa área decrescer.2 da imagem da tela que se afasta na retina. O
fenômeno des-
60
crito serve para demonstrar nitidamente que, no caso dado, realmente observamos o efeito dos
processos de excitação que ocorre na retina, sendo a imagem sucessiva a forma mais elementar
de memória sensorial breve.
Ê característico que a imagem sucessiva constitui o exemplo dos processos mais elementares de
vestígio, que não podem ser regulados por um esforço consciente: a imagem não pode ser nem
prolongada ao bel-prazer nem repetida arbitrariamente. É nisto que consiste a diferença entre as
ima^-gens sucessivas e os tipos mais complexos de imagem da memória.
As imagens sucessivas podem ser observadas no campo auditivo e no campo das sensações da
pele, embora ali tenham expressão mais fraca e sejam menos duradouras.
Apesar de serem as imagens sucessivas um reflexo dos processos que ocorrem na retina, a sua
nitidez e sucessividade dependem essencialmente do estado do córtex visual. Deste modo,
quando há tumores na região occipital do cérebro, as imagens sucessivas se manifestam em
forma debilitada e se mantêm por tempo mais breve, chegando, às vezes, a não ser provocadas
(N. N. Zislina). Ao contrário, quando se introduzem algumas substâncias estimulantes, as
imagens podem tornar-se mais nítidas e duradouras.
Imagens diretas eidêticas
Devemos distinguir das imagens sucessivas os fenômenos das imagens diretas ou eidêticas (do
grego eidos — imagem). O fenômeno das imagens diretas (em Psicologia elas são representadas
pelo símbolo AB — do alemão Anschauungsbild) foi descrito em seu tempo pelos psicólogos
alemães, os irmãos Jensh e consiste no seguinte: em algumas pessoas (sobretudo na infância e
na juventude) podemos observar imagens claras e precisas de um objeto mostrado ou quadros
inteiros que se mantêm durante muito tempo após o desaparecimento dos objetos e quadros
apresentados.
Esse fenômeno foi observado em experimentos. Durante 3-4 minutos apresentou-se ao sujeito
um quadro de cena de
61
rua. Depois que o quadro foi retirado, fizeram-se perguntas acerca de seus detalhes. Se os
sujeitos comuns não conseguiam responder a quase nenhuma das perguntas formuladas, os
sujeitos que possuíam nítidas imagens eidéticas continuavam como que vendo o quadro e
respondiam facilmente a perguntas como "quantas árvores havia na rua?", "quantos animais
havia no quadro?", "como está o anúncio na parede?". Eles respondiam a todas as perguntas,
como que continuando a "observar" o quadro retirado e, via de regra, não cometiam nenhum
erro na descrição.
A imagem eidética nítida se distinguia por muitas particularidades radicais da imagem
sucessiva. Podia manter-se por muito tempo se fosse necessário; se desaparecia posteriormente,
o sujeito podia reativá-la facilmente e por isto os testes de "conferimento" dos detalhes da
imagem eidética podiam durar várias semanas, meses e até anos após o primeiro teste.
Nas publicações soviéticas de Psicologia, o fenômeno das imagens eidéticas foi descrito por A.
R. Luria que durante muitos anos observou impaciente com essa memória visual direta nítida.
Ao contrário da imagem sucessiva, as imagens eidéticas são de natureza mais complexa e não
são de maneira nenhuma vestígios ds excitações provocadas na retina do olho, Isto pode ser
demonstrado por um teste simples. Se mostrarmos a um sujeito dotado de memória eidética uma
figura ou uma imagem complexa na tela e em seguida afastarmos a tela, a imagem que ficar da
figura não começará a aumentar na medida em que a tela se afastar, na proporção que se verifica
na imagem sucessiva, porém manterá uma permanência bem maior. Esse desvio da "Lei de
Emmert" e a grande constância da imagem eidética distinguem-na da imagem sucessiva e
colocam-na num ponto intermediário entre a imagem sucessiva (que cresce acentuadamente na
medida em que se afasta a tela) e a imagem da representação (que conserva a sua constância
plena e não aumenta com o deslocamento da tela). Tudo isto mostra que as imagens eidéticas
possuem mecanismos centrais e, conseqüentemente, constituem um tipo mais complexo de
memória sensorial.
A diferença entre as imagens eidéticas e as imagens sucessivas consiste em que aquelas
permanecem sem quaisquer mudanças de nitidez, não apresentam nenhuma ocorrência <k
dispersão e flutuação, podem ser provocadas arbitrariamen»
62
a qualquer momento, inclusive num lapso de tempo muito grande após terem sido fixadas.
Por último, as imagens eidéticas apresentam como diferença essencial a mobilidade e a
capacidade de mudar sob o efeito das tarefas e concepções do sujeito.
O experimento simples, realizado pelos irmãos Jensh, mostra que o sujeito dotado de memória
eidética recebia um quadro representando uma maçã e a alguma distância, um gancho. Depois
que se retira a imagem e o sujeito continua "vendo" a imagem eidética, propõe-se que ele
imagine que está com vontade de ganhar uma maçã. Imediatamente após essa instrução, o
sujeito observa que o gancho, antes situado à distância da maçã, se aproxima dela atraindo a
maçã em sua direção. Conseqüentemente, a imagem eidética resulta móvel e muda sob o efeito
da orientação do sujeito.
Como mostram as pesquisas, as imagens eidéticas são mais freqüentes na infância e na
adolescência e desaparecem paulatinamente, conservando~se apenas em algumas pessoas. Há
fundamentos para se pensar que alguns pintores famosos eram dotados de imagens eidéticas
claras. Assim, são conhecidos pintores para os quais era bastante observar um modelo durante
alguns minutos, após o que podiam continuar compondo o quadro na ausência do modelo,
conservando a imagem com todos os detalhes.
Há fundamentos para pensar que existem substâncias que reforçam as imagens eidéticas (entre
estas, os irmãos Jensh situavam as substâncias que contêm íons de potássio), bem como
substâncias que as enfraquecem (entre estas, eles situavam as substâncias que contêm íons de
cálcio). Por isto alguns agentes farmacológicos especiais (a mescalina, por exemplo) podem
reforçar acentuadamente as imagens eidéticas provocando nítidas alucinações visuais.
Imagens da representação
Verifica-se uma estrutura visualmente mais complexa no terceiro tipo, mais importante, de
memória visual: a imagem da representação (esta é às vezes representada na Psicologia
63
pelo símbolo VP, do alemão Vorstellungsbild). As imagens de representação são de todos conhecidas.
Dizemos que vemos a imagem de uma árvore, de um limão, de um cão. Isto significa que a nossa
experiência anterior deixou em nós vestígios dessas imagens, razão por que a existência das
representações é considerada a forma mais importante de memória.
Pode parecer à primeira vista que as imagens das representações se assemelham às imagens diretas,
distinguindo-se destas apenas por serem menos nítidas, mais pobres e esba-tidas e menos definidas. No
entanto essa característica das representações como imagens mais pobres de conteúdo é profundamente
errônea, pois uma análise psicológica atenta mostra que as imagens das representações não são mais
pobres porém imensamente mais ricas do que as imagens diretas.
O primeiro traço que distingue as imagens das representações das imagens diretas consiste em que as
primeiras são sempre polimodais, noutros termos, sempre incluem entre seus componentes elementos dos
vestígios tanto visuais quanto táteis, auditivos e motores; elas não são vestígios de um tipo de percepção
mas vestígios de uma complexa atividade prática com objetos.
Exteriormente a imagem das representações pode parecer visualmente mais pobre e é antes um esquema,
uma configuração geral de um dado objeto que sua imagem visual direta. No entanto ela compreende
diferentes aspectos das representações do objeto: a imagem das representações do limão inclui tanto a
forma exterior do objeto (forma e cor) como o seu sabor, a casca rugosa, o peso, etc. A imagem de uma
mesa compreende não só o aspecto pobre e esquemáti-co da mesa mas também o seu emprego, os
vestígios de que o homem a usou para comer, trabalhar, sentar-se a ela, etc. Por si só essa múltipla
composição da imagem da representação, que compreende uma prática multivariada com o objeto, já dá
uma noção bem mais rica do objeto do que o seu simples aspecto exterior.
A segunda peculiaridade da imagem da representação consiste em que ela sempre engloba uma
elaboração intelectual da impressão do objeto, a discriminação dos traços mais substanciosos deste e sua
inclusão em determinada categoria. Nós não apenas reproduzimos a imagem de uma árvore mas a
nomeamos com uma palavra determinada, discriminamos nela os indícios essenciais e a incluímos numa
determinada
64
categoria. Ao provocarmos a imagem da árvore, não costumamos provocar a imagem de uma
árvore determinada (uma mangueira ou uma jaqueira) mas operamos com uma imagem
generalizada da árvore que pode compreender tanto a imagem direta da mangueira ou da
jaqueira como a imagem direta de um pinheiro ou de uma casa. O simples fato de a imagem da
representação parecer, à primeira vista, apenas es-batida e mais pobre do que a imagem visual
direta, constitui de fato o indício de sua generalidade, da riqueza potencial das ligações que ela
oculta, o indício de que ela pode ser inserida em quaisquer relações. Essa aparente pobreza da
imagem da representação sugere simultaneamente que um traço qualquer (ou conjunto de
traços) se destaca nela como mais substancioso enquanto outros traços são ignorados como
menos importantes.
Por conseguinte, a imagem da representação é, em suma, não uma marca passiva da nossa
percepção visual mas o resultado de sua análise e síntese, da abstração e generalização, noutros
termos, é o resultado de uma codificação percebida como certo sistema.
Por conseguinte, na imagem da representação a nossa memória não conserva passivamente a
marca do percebido mas faz com este um trabalho profundo, reunindo toda uma série de
impressões, analisando o conteúdo do objeto, generalizando essas impressões e unificando a
própria experiência direta com os conhecimentos do objeto.
Conseqüentemente, a imagem da representação é o produto de uma atividade imensamente mais
complexa e uma formação psicológica incomparavelmente mais complexa do que a imagem
sucessiva ou direta.
Essa complexidade da imagem da representação se observa nitidamente tanto na identificação
do objeto quanto na conservação da imagem.
A identificação do objeto nunca é um processo de simples superposição do objeto percebido à
imagem de sua representação conservada na memória. Essa identificação ocorre, via de regra,
mediante a discriminação dos traços essenciais do objeto, da comparação dos traços complexos
e distintos do objeto esperado e percebido em termos reais dos quais resulta a "tomada de
decisão" para definir se o objeto visível é aquele que esperávamos ou não. O fato de ter o
homem uma "imagem" do seu conhecido não significa, abso-
65
íutamente, que ele disponha de uma plena marca visual desse conhecido que ele "identifica" por meio da
simples identificação da imagem perceptível com aquela que ele tem na memória. Isto significa que o
homem dispõe de um complexo generalizado de traços que mantém como essenciais para o seu
conhecido: alta estatura, meio calvo, de óculos, postura ereta, etc. Ao encontrar uma pessoa parecida com
seu conhecido, ele compara traços particulares e se estes não coincidem por algum motivo ("meio calvo,
de óculos mas de rosto redondo..." etc), ele "decide" que a pessoa não é aquela, ele "não a reconhece";
somente a coincidência de todos os traços principais dá a certeza de que ele está diante da pessoa
esperada e o leva a "decidir" e essa decisão representa a manifestação da "identificação" do seu
conhecido.
Isto dá fundamentos para considerar a imagem da representação não uma simples cópia de uma
impressão única na memória mas um produto reduzido da complexa atividade com o objeto, que
compreende elementos tanto da experiência direta quanto dos conhecimentos desta. Ò processo
igualmente complexo é a conservação da imagem da representação na memória,
Como mostraram várias pesquisas (principalmente as do psicólogo soviético M. Solovyêv), a imagem da
representação às vezes não se conserva na memória em forma imutável; ela sempre sofre mudanças
dinâmicas que podem ser facilmente descobertas se, dando ao sujeito a possibilidade de conhecer o objeto
depois de algum tempo (um dia, uma semana, um ou vários meses) não apenas perguntar se ele tem
alguma noção de dado objeto mas também sugerir-lhe desenhá-lo, A experiência mostra de modo
convincente que a conservação dessa imagem na memória está praticamente relacionada com a
modificação da imagem da representação desse objeto, com a discriminação e a ênfase dos seus traços
mais substanciosos, com o desaparecimento das suas peculiaridades individuais, noutros termos, com uma
profunda transformação da imagem mantida na memória.
Tudo isto mostra que a imagem da representação é um complexíssimo fenômeno psicológico e a
"memória icônica** do homem não pode ser jamais considerada um fenômeno elementar.
As imagens das representações são tipos bem mais complexos de vestígios da memória e é justamente a
sua seme-
66
ihança com os processos intelectuais que faz delas um dos mais importantes componentes da
atividade cognitiva do homem.
Memória verbal
A memória verbal é a modalidade mais complexa e mais elevada de memória especificamente
humana.
Não usamos as palavras apenas para nomear os objetos, o discurso verbal não apenas participa
da formação das concepções e da conservação da informação direta; o homem recebe o maior
volume de conhecimentos por meio do sistema verbal, recebendo informação verbal, lendo
livros e conservando em sua memória o resultado dos dados obtidos através do discurso.
A memória visual é em grau ainda menor uma fixação imediata das palavras e uma conservação
passiva das imagens por estas provocadas do que uma fixação e conservação dos resultados da
experiência direta que se forma sob o aspecto de concepções.
Ainda veremos que, ao receber uma informação verba! o homem grava menos as palavras e
conserva a impressão que lhe chega textualmente.
A memória verbal é sempre uma transformação da informação verbal, uma discriminação do
que nesta há de mais substancial, abstraído do secundário, sendo ainda uma retenção não das
palavras imediatamente percebidas mas das idéias transmitidas pela comunicação verbal. Isto
significa que a memória verbal sempre se baseia num complexo processo de recodificação do
material comunicado, processo esse vinculado ao processo de abstração dos detalhes
secundários e de generalização dos momentos centrais da informação. É por isto que o homem é
capaz de "gravar na memória" o conteúdo de um vasto material obtido de informações verbais e
livros lidos, sendo, ao mesmo tempo, absolutamente incapaz de conservar na memória o
conteúdo literal dessas informações e leituras.
Não raro a memória verbal é denominada "associativa" ou "lógica". Isto se deve a que as
palavras nunca provocam
67
em nós noções isoladas mas cadeias e matrizes inteiras de elementos associativos ou
logicamente conexos.
Psicologia da atividade mnemônica. Memorização e reprodução
Até agora abordamos tipos particulares de vestígios e as peculiaridades do seu registro.
Agora devemos caracterizar a atividade mnésica especial» noutros termos, os processos de
registro especial ou decoração do material.
A maioria esmagadora dos nossos conhecimentos sistemáticos surge como resultado de uma
atividade especial, na qual se coloca diante do sujeito a tarefa de memorizar o material
correspondente para gravá-lo na memória e posteriormente re-memorizá-lo ou reproduzi-lo.
Essa atividade, destinada à memorização e reprodução do material retido na memória é
denominada atividade mnésica.
Nesta atividade, sugere-se a uma pessoa lembrar seletivamente de um material que lhe foi
proposto, conservá-lo e em seguida reproduzi-lo ou memorizá-lo. É natural que em todos esses
casos a pessoa deve distinguir nitidamente o material que lhe propuseram recordar de todas as
impressões secundárias e na reprodução limitar-se justamente a esse material, sem introduzir
nele quaisquer impressões estranhas ou associações. Por isto a atividade mnésica sempre tem
caráter seletivo. A atividade mnésica do homem é uma forma de atividade na qual o processo
de memorização está separado do processo de recordação ou reprodução por certo lapso de
tempo, às vezes breve (quando a verificação do material retido vem imediatamente após a
recordação), às vezes considerável (quando a verificação se faz uma hora, várias horas ou dias
após).
Dependendo da tarefa (memorizar num espaço curto ou longo) pode-se distinguir a memória
breve e longa, embora seja relativa a distinção dessas duas formas de memória.
A atividade mnésica é uma formação especificamente humana, que não ocorre nos animais. No
processo de formação da habilidade ou do reflexo condicionado, provoca-se no ani=
mal uma determinada atividade que, ao repetir-se, se conserva, embora só no homem o processo
de memorização se torne tarefa especial e a fixação do material na memória bem como o apelo
consciente para o passado com a finalidade de memorizar o material aprendido constitui uma
forma especial de atividade consciente.
Desde o início, uma das principais tarefas da Psicologia consistiu em medir o volume de
memória acessível ao homem, a rapidez com que ele pode memorizar o material e o tempo
durante o qual ele pode conservá-lo na memória.
Essa tarefa foi difícil em todos os sentidos.
Para medir a memória "pura", é necessário afastar todas as influências complicadoras que sobre
ela exerce a elaboração intelectual do material.
É sabido que a assimilação do material, a organização de elementos isolados num sistema
integral pode ampliar a possibilidade de memorização enquanto organização de elementos
perceptíveis numa estrutura integral organizada: o volume da percepção. Ao medirmos a
memória, devemos tomar todas as medidas para que o material que nossos sujeitos memorizam
não seja por eles inserido em estruturas semânticas (isto tornaria impossível a medição da
memória "pura" e impediria distinguir as unidades capazes de exprimir o volume de memória).
No entanto essa tarefa de afastar do estudo da memória qualquer possibilidade de organização
do material em cer* tos sistemas semânticos é justamente a mais difícil. Ao memorizar o
material sugerido, o sujeito sempre tenta reuni-lo em determinados grupos semânticos, ligar por
associações os elementos isolados isto permite medir o volume de memória "pura", separando-
as da codificação intelectual dos elementos, formando unidades maiores.
A tarefa de medir o volume de memória em sua forma mais pura foi resolvida no despertar da
Psicologia experimental por Ebbinghaus. Para estudar o volume de memória, ele resolveu
propor a um sujeito várias sílabas sem sentido (sav, hok, piri, dun, etc.) que davam as mínimas
possibilidades de assimilação e formação de associações. Propondo ao sujeito memorizar dez,
doze sílabas e ressaltando o número dos componentes memorizados da série, Ebbinghaus o
adotou como volume da memória "pura"'.
69
Repetindo o teste várias vezes consecutivas e registrando um número dos componentes
memorizados em crescimento paulatino, Ebbinghaus obteve uma curva crescente do número de
elementos memorizados que foi por ele denominada curva da aprendizagem decorativa.
Por último, ao verificar o número de componentes retidos alguns minutos, horas ou dias após,
ele pôde observar que caía o número de elementos retidos e isto lhe permitiu registrar a curva
do esquecimento ou da extinção dos vestígios da memória.
Os dados obtidos por Ebbinghaus se converteram no material básico, que caracteriza os
processos da memória humana em suas formas mais simples. A par com a medição dos limiares
das sensações, esses experimentos lançaram as bases da Psicologia experimental científica.
Quais foram as leis básicas da memória descobertas por esses experimentos?
O primeiro resultado dessas pesquisas foi o estabelecimento de um volume médio de memória,
que caracterizava o homem.
Verificou-se que, após a primeira leitura, o homem memoriza facilmente uma média de 5-7
elementos isolados: esse número oscila consideravelmente e se as pessoas de memória fraca
retêm de uma só vez apenas 4-5 elementos isolados, as pessoas de boa memória são capazes de
reter 7-8 elementos isolados sem sentido imediatamente após a primeira leitura. Verificou-se
mais tarde que o volume de memória varia dependendo do método de apresentação do material.
As pessoas com predomínio da memória auditiva memorizam mais elementos se as sílabas sem
sentido lhes forem lidas em voz alta; as pessoas com predomínio da memória visual memorizam
mais elementos se estes lhes são apresentados em forma escrita. É verdade que as diferenças nas
memórias auditiva e visual não são muito consideráveis e os experimentos realizados dão
fundamentos para constatar apenas uma leve intensificação da memória visual com a idade, o
que está possivelmente relacionado" com o processo de domínio da escrita. É característico que
a diferença da memória visual e auditiva, que nas pessoas normais pode se manifestar apenas
em formas não acentuadas, nas atecçõés cerebrais podem manifestar-se em formas
especialmente nítidas.
Os experimentos de Ebbinghaus permitiram estabelecer
70
importantes leis no processo de aprendizagem decorativa do material.
Com a apresentação repetida da mesma série de 12-15 elementos, o número de elementos
retidos aumenta paulatinamente e com isto torna-se possível deduzir uma curva do número
crescente de componentes retidos ou a curva da aprendizagem decorativa. Foi característico o
fato de que a curva da aprendizagem decorativa teve carátei regularmente crescente nos suieitos
normais, retendo-se ou crescendo inicialmente para depois começar .a cair nas pessoas em
estado de forte estafa. Nas pessoas com falhas de memória (na velhice, por exemplo) ela subia
com muita lentidão e parava praticamente a sua ascensão. Era natural que a curva da estagnação
mudasse essencialmente dependendo da extensão da série a ser decorada e se com a
apresentação de uma série de. 10 palavras ela chegava muito rapidamente ao limite (após 3-4
repetições muitos sujeitos começavam a reter 10 palavras), com a apresentação de 20 ou 30
palavras a aprendizagem decorativa tinha duração bem maior que, via de regra, chegava a uma
reprodução completa inclusive depois de muitas repetições.
Dados essenciais foram obtidos na verificação da duração da retenção do material decorado e da
maneira como ocorre o seu. esquecimento paulatino após diferentes intervalos de tempo.
Para este fim Ebbinghaus propôs aos sujeitos decorar uma determinada série de elementos e
verificou em seguida o número desses elementos que os sujeitos retinham após certo intervalo.
Esses experimentos permitiram mostrar que o material decorado é retido inteiramente apenas
durante um tempo relativamente curto, após o que começa a ser esquecido e a curva que reflete
o número de elementos retidos desce bruscamente. Posteriormente diminui esse ritmo de
esquecimento de vestígios e alguns dias após pequeno número de elementos retidos continua
praticamente o mesmo.
É característico que a curva do esquecimento depende da estabilidade da aprendizagem
decorativa (número da repetição sem erros da série nessa aprendizagem),, diminuindo
bruscamente o ritmo do processo de esquecimento da série solidamente decorada, dependendo
também do nível de organização da série em sistemas assimilados (o esquecimento da série de
sílabas
71
sem sentido é bem mais rápido do que o esquecimento i. série de palavras organizadas em certas
estruturas semânticas
Cabe lembrar, por último, que a conservação do mater. decorado depende altamente daquilo que
preencheu o tempo :: sujeito no intervalo entre a aprendizagem decorativa e a rec::-dação. Se
esse intervalo foi preenchido pela vigília e por trabalho intelectual, o esquecimento do material
decorado se processava bem mais rapidamente, processando-se bem mais lentamente se o
intervalo era preenchido pelo sono.
Os dados mais importantes, que nos aproximam da compreensão dos mecanismos íntimos da
memória, foram obtidos nc ■estudo da dependência entre os resultados da memorização e c
volume da série apresentada, bem como na análise atenta di dependência da retenção do
esquecimento dos elementos da série proposta em relação ao lugar que eles ocupam nesta série
As pesquisas mostraram que se a série de 5-6 elementos í inteiramente recordada após a
primeira apresentação, o ac-mento da série proposta não leva ao aumento mas à redução d:
número de elementos retidos. Assim, na apresentação de 4-5 números, o sujeito os retinha
plenamente; na apresentação de 7-8 números ele retinha apenas 70%; na apresentação de 9-'.'
números, 40%; na apresentação de 10 números, apenas 23':\ a apresentação de uma série de 11-
13 números levou a que : número dos elementos retidos caísse para 2-3%.
Resultados análogos foram obtidos em outra expressão verificou-se que se uma série de 6-7
elementos (palavras) en retida já depois de uma apresentação, a plena retenção da sé-; de 12
elementos já requeria 16 repetições, a aprendizaee-decorativa da série de 16 elementos. 30
repetições, da série è 24 elementos, 44 repetições e da série de 26 elementos. *?: repetições.
Dados análoeos foram obtidos na aprendizagem decorativa de séries de diferentes números de
sílabas.
Os dados obtidos mostram de maneira convincente que c aumento do número inicial de
elementos memorizáveis não ; indiferente para a sua memorização, que o número dos t\t-mentos
retidos não aumenta na dependência linear face à gri--deza da série inicial e que, ao contrário, o
aumento do vc'.--me da série inicial leva à retenção, à inibição do processo --' memorização.
Dados especialmente importantes foram obtidos com u-s análise atenta da dependência que se
verifica na retenção ;:? elementos dependendo do lugar que ocupam numa série.
72
Como mostraram as pesquisas, os elementos da série proposta são retidos de maneira bem
diversificada. Via de regra, os primeiros e os últimos elementos da série são retidos de modo
bem mais freqüente que os elementos intermediários da série. Esse fato, que em Psicologia
recebeu o nome de fato da extremidade, é de grande importância de princípio. Ele mostra que a
retenção e a reprodução dos elementos deco-iráveis ocorrem sob a influência inibitória que elos
isolados exercem uns sobre os outros. Os primeiros elementos sofrem, influência inibitória
apenas nos sucessivos, enquanto os elementos finais da série sofrem influência inibitória apenas
nos elos antecedentes; diferentemente disto, os elementos intermediários da série sofrem
influência inibitória tanto dos elos antecedentes quanto dos posteriores, razão pela qual sua
reprodução é bem pior.
A influência inibitória dos elos antecedentes da série deco» rável sobre os posteriores é chamada
de Psicologia de inibição pró-ativa; a influência inibitória dos elementos posteriores sobre os
anteriores é chamada de inibição retroativa. Depois do que acaba de ser dito, na influência
inibitória do choque sobre os vestígios posteriores e anteriores, o mecanismo da influência dos
dois vestígios de inibição sobre a consolidação dos dois vestígios se torna bastante nítida.
Os fatos expostos são de grande importância para a psicologia da memória, pois propiciam uma
resposta plena à pergunta: quais são os mecanismos que servem de base ao esquecimento?
Durante muitos anos existiram na Psicologia duas teorias que explicavam as causas do
esquecimento. Uma delas era chamada de teoria da extinção permanente dos vestígios (trace
decay), a outra, de teoria da inibição interferente dos vestígios.
De acordo com a primeira teoria, os vestígios deixados no sistema nervoso por essas ou aquelas
influências se extinguem paulatinamente, obliterando-se as respectivas influências (ou
emoções). Por isto o esquecimento é um processo que ocorre naturalmente, um processo
passivo. A segunda teoria aborda a solução do problema das causas do esquecimento. Ela parte
da tese de que os vestígios deixados por essas ou aquelas excitações, permanecem no cérebro
por tempo bem mais longo, às vezes por muitos anos (fato confirmado por testes de hipnose, nos
quais é possível provocar lembranças antigas, às vezes da infância, que pareciam ter
desaparecido há mui-
73
to tempo); o esquecimento de impressões ou vivências é explicado por essa teoria como
resultado da influência de efeitos secundários "interferentes", que inibem o aparecimento desses
vestígios. Essas influências inibitórias podem apresentar duplo caráter: partem de efeitos
imediatamente anteriores ao momento do registro dos vestígios (efeitos da inibição pró-ativa)
tanto de efeitos dos vestígios imediatamente posteriores ao momento do registro (inibição
retroativa).
É fácil perceber que essa segunda teoria considera o esquecimento um processo ativo e acha que
este não está "localizado" no registro mas na reprodução dos vestígios da experiência passada.
Essa suposição é confirmada por dois grupos de fatores.
O primeiro deles é o fato da influência inibitória do trabalho da obstrução sobre a reprodução
dos vestígios. Pesquisas especiais, nas quais o intervalo entre a aprendizagem decorativa e a
reprodução foi preenchido pela memorização das séries de fora, confirmam a tese da influência
inibitória dos efeitos interferentes.
A tese segundo a qual o esquecimento se baseia não tanto na debilidade de uma extinção natural
dos vestígios quanto na influência inibitória dos agentes interferentes, é confirmada também
pelo último fato que recebeu em Psicologia a denominação de reminiscência.
Esse fato consiste em que a reprodução dos vestígios, que é inacessível imediatamente após a
aprendizagem decorativa de uma série, torna-se acessível após certa pausa durante a qual o
cérebro consegue repousar. Por isto, por mais paradoxal que pareça, o volume do material
reproduzido após certo intervalo pode ser maior do que o volume do material da reprodução
imediata.
O esquecimento se deve não tanto ao resultado da extinção dos vestígios quanto ao resultado da
inibição destes por influências interferentes encadeadas; a obliteração desses fatores inibitórios
(repouso do córtex) leva a que os vestígios provisoriamente inibidos comecem a manifestar-se.
Influência da organização semântica sobre a memorização
Até agora examinamos as leis básicas da memorização e da reprodução das séries constituídas
de elos isolados.
74
São inteiramente distintas as leis que caracterizam a recordação e a reprodução da informação, organizada
em estruturas semânticas integrais.
O fato principal consiste em que, como ocorre no campo da percepção, a organização dos elementos em
estruturas semânticas (lógicas) integrais amplia substancialmente as possibilidades da memória e torna
incomparavelmente mais estáveis os vestígios da memória.
Essa tese pode ser ilustrada por um exemplo. Suponhamos que temos de recordar uma série de 18
números isolados: de zeros e unidades.
(a) 101000100111001110
É natural que a memorização de uma série de elementos homogêneos que se alternam casualmente
representa grandes dificuldades e requer um grande número de repetições.
Agora unifiquemos esses números a princípio em pares e depois em triplos.
(b) 10 10 00 10 01 11 00 11 10
(c) 101 000 100 111 001 110
Ao invés de 18 unidades para memorização, na série (b) temos 9 e na série (c) apenas 6. Naturalmente a
memorização será mais fácil e a aprendizagem decorativa requererá bem menos tempo.
Unifiquemos todo esse material em grupos ainda maiores, constituídos de 4 números e posteriormente de
5.
(d) 1010 0010 0111 0011 10
(e) 10100 01001 11001 110
Como resultado de toda essa transformação, todo o material passa a incluir, ao invés de 18 números
isolados, apenas 5 grupos (d) ou 4 grupos (e). É natural que esse reforço facilitará posteriormente a
memorização, tornando-se necessárias apenas duas ou três repetições para a aprendizagem decorativa
dessa série.
Simplificação análoga da tarefa mnésica e ampliação do volume da memória podem ser obtidas através da
organização de uma série de palavras isoladas num sistema semântico. É pouco provável que alguém
consiga memorizar de uma só vez 10 palavras isoladas, mantendo a necessária ordem de sua reprodução:
noite-bos-
75
que-casa-janela-gato-mesa-bolo-som-agulha-fogo. No entanto basta organizar esta série de
palavras num sistema semântico para que a tarefa se torne facilmente realizada.
À noite, num bosque numa casa pela janela entrou um gato, pulou sobre a mesa, comeu um bolo
mas quebrou o prato, ouviu-se um som; ele sentiu que um fragmento do prato lhe espetou a pata
como uma agulha e sentiu na pata algo queimando como fogo.
Neste caso, a recordação deixa de ter caráter de registro mecânico imediato de elementos
isolados; ao trabalho de memorização antecede o trabalho de transformação lógica ou
codificação da série. No entanto esse trabalho é compensado pelo fato de que a série de 10
elementos (que agora se transforma numa estrutura semântica) é memorizada de uma só vez e, o
que é igualmente importante, pode reproduzir-se facilmente um dia ou uma semana após sem
que se perca sequer um elo e sem qualquer deslocamento dos elementos incluídos nesse grupo
semântico.
Vê-se facilmente que nos dois exemplos citados descrevemos modelos do processo de
codificação lógica do material memorizável, que caracteriza toda a memorização de sentidos e é
a forma principal de atividade mnéstica do adulto, que assimila o conteúdo de um manual e
procura interpretar o material didático, etc.
Ao mesmo tempo, vê-se facilmente que esse processo de memorização semântica é, pela
estrutura psicológica, inteiramente diferente do processo de memorização mecânica, pois
compreende diversas operações lógicas auxiliares e, em essência, se assemelha ao processo de
pensamento lógico com a única diferença de que os procedimentos deste pensamento visam não
apenas assimilar as conexões essenciais e as cor-relaçõees dos elementos mas também tornar
esses elementos acessíveis à conservação na memória.
À medida que se desenvolve ou se estabiliza, o processo de memorização lógica sofre uma série
de mudanças substanciais facilmente observáveis caso examinemos as etapas pelas quais passa a
pessoa que estuda esse ou aquele livro.
A pessoa lê inicialmente o livro, destaca as suas partes essenciais, em seguida põe o conteúdo
essencial do livro num sumário que posteriormente se resume e se transforma
76
num esquema lógico do livro; o processo de assimilação do material pode considerar-se acabado
depois que todo o conteúdo de um longo artigo ou livro pode ser inserido num esquema lógico
muito breve porém substancial.
O processo de assimilação do material lógico nem sempre apresenta esse caráter lógico; o leitor
experiente não necessita de todas essas fases intermediárias dessa atividade desdobrada, o
processo de "codificação" do material lido pode reduzir-se e limitar-se a algumas observações
breves pelas quais o conteúdo da matéria lida pode ser plenamente restabelecido. Em alguns
casos, nos leitores muito experientes isto se torna desnecessário e o processo de codificação (ou
de organização lógica) do material assimilado começa a transcorrer com rapidez e sem
quaisquer apoios externos.
O processo de memorização lógica, que aproxima a atividade mnésica ao pensamento,
reorganiza essencialmente tanto o processo de "aprendizagem decorativa" quanto o processo de
"memorização". Ambos começam a ter caráter indireto, mediato; e é justamente nesse caráter
que torna a recordação altamente eficaz tanto pelo volume do material que se torna acessível à
memorização quanto pela estabilidade do material memorizado e pela possibilidade de
reproduzir dentro de intervalos longos. É característico que os resultados dessa memorização
logicamente organizada requerem um número bem menor de repetições para a aprendizagem
decorativa, são em medida incomparavelmente inferior suscetível de influência inibitória dos
fatores interferentes e não manifestam em forma tão nítida ocorrências de reminiscência como a
memorização mecânica dos elos isolados e desconexos.
A via da memorização mecânica à memorização através da organização lógica do material é a
via fundamental de desenvolvimento das formas complexas de memória, que ocorre igualmente
na ontogênese e no processo de assimilação dos procedimentos da atividade mnésica no
processo de aprendizagem.
Dependência da memorização face à estrutura da atividade
Em todos os casos que abordamos, a memorização ou a aprendizagem decorativa foi objeto de
tarefa especial colo-
77
cada ante o sujeito e as leis básicas da memorização e reprodução foram as leis da atividade mnésica
especial.
No entanto surge uma pergunta: a que leis se subordina o processo de memorização nos casos em que não
se atribui ao sujeito a tarefa especial de memorizar ou aprender de cor o matéria' correspondente e quando
a memória está incluída numa outra atividade que prescreve ao sujeito outras tarefas?
O estudo dessas leis é tarefa de uma seção especial da Psicologia, que estuda os fenômenos habitualmente
designados pelo termo memorização imediata ou memorização involuntária.
Imaginemos uma pessoa caminhando pela rua, com pressa de chegar ao trabalho. Ela passa ao lado de
vitrines, ao lado de operários que consertam uma linha de bonde, ao lado de jornaleiros e bancas de
jornais. O que é que lhe fica na memória depois do caminho percorrido?
Os fatos mostram que nenhum dos detalhes descritos fica em sua memória; mas se ele tem pressa de
chegar ao trabalho e, economizando cada minuto, entra numa rua interditada, ele recordará bem esse
detalhe.
Semelhantes observações nos convencem de que o homem memoriza antes de tudo aquilo que está
relacionado com o fim de sua atividade, aquilo que contribui para atingir o objetivo ou serve de
obstáculo. Aquilo que está relacionado I com o objetivo ou com o objeto da atividade
motiva a reação
orientada, torna-se dominante e é memorizado, não se observando nem se conservando na memória os
detalhes secundários que não têm relação com o objeto principal da atividade. É por isto que a pessoa que
participa de uma discussão recorda cada pronunciamento de seus participantes, a posição, de um, o
caráter das objeções; mas ela pode não se lembrar absolutamente se as janelas do auditório estavam
abertas ou fechadas, em que lugar estava o armário, se havia jornais nas mesas, etc.
O estudo das regras a que se subordina a memorização involuntária é de grande importância tanto para a
teoria da memória como para uma série de áreas práticas da Psicologia, particularmente para a Psicologia
dos depoimentos; os dados desta área da Psicologia são justamente os que permitem entender porque
alguns depoimentos de testemunhas -casuais de
78
uma ocorrência são tão pobres e às vezes insuficientemente fidedignos.
A análise das leis que determinam a memorização involuntária foi objeto de diversos estudos de
psicólogos soviéticos entre os quais são de importância especialmente grande as pesquisas de I. I.
Zintchenko e A. A. Smirnov.
Zintchenko realizou uma série de experimentos especiais, nos quais mostrou a dependência que existe
entre a memorização involuntária e a tarefa para a qual foi dirigida a atividade.
Ante o sujeito havia um conjunto de cartões; em cada um deles havia o desenho de objetos, plantas,
animais, etc. No canto de cada cartão havia um número.
Numa série de testes o sujeito tinha a tarefa de dispor os cartões em grupos, classificando os objetos neles
representados; na segunda série de testes a tarefa dele consistia em distribuí-los na ordem dos números
escritos no canto de cada um. O resultado dos testes mostra que a retenção na memória dos desenhos ou
dos números depende altamente da orientação da atividade do sujeito: os sujeitos, cuja tarefa era
classificar os cartões pelo conteúdo, recordavam-se bem dos objetos al\ desenhados mas quase não se
lembravam dos números escritos nos cantos; os sujeitos que dispuseram os cartões na ordem dos números
crescentes, memorizaram oi números mas não conseguiram reter na memória os desenhos dos cartões e o
lugar em que estava situado o cartão com esse ou aquele desenho.
Resultados semelhantes foram obtidos nos testes de Smirnov, que mostram ó quanto a memorização
involuntária depende da orientação da atividade do sujeito.
Os sujeitos receberam a tarefa de resolver vários problemas, sendo que a atividade transcorria em
condições diferentes: um grupo de sujeitos resolvia tarefas acabadas, outro grupo devia organizar por si
mesmo as tarefas de acordo com determinado regulamento.
Terminada a atividade, verificou-se até que ponto ambos os grunos de sujeitos retiveram os números que
manipularam. Como mostraram os resultados do teste, os dois grupos retiveram de modo diferente os
números com os quais operaram: os .que resolveram tarefas acabadas retiveram uma
79
i
quantidade relativamente pequena de números, os que deviam organizar por si mesmos as
tarefas, levando em conta as necessárias correlações dos números retiveram quase três vezes
mais números do que o primeiro grupo.
Esses dados mostram que o êxito da retenção do material na memória depende em alto grau do
caráter do objetivo da atividade, da tarefa proposta ao sujeito.
O êxito da memorização involuntária não depende apenas da tarefa da atividade mas também do
caráter da atividade e do grau de sua complexidade e operância.
Esse fato é demonstrado por outros experimentos dos mesmos autores.
Propõe-se aos sujeitos três tipos de trabalho: escolher para as palavras dadas palavras
complementares da mesma letra, escolher para elas palavras análogas pelas propriedades e por
último palavras que estejam ligadas a elas pelo conteúdo. O número de palavras retidas na
memória nos dois últimos testes é duas vezes superior ao número de palavras retidas após o
primeiro teste.
Manifesta-se com toda evidência o fato de que uma atividade intelectual complexa leva ao
mesmo tempo a um efeito bem maior da retenção involuntária do material correspondente na
memória. Dados análogos foram obtidos no estudo da maneira pela qual o material complexo
assimilado é retido dependendo do grau de complexidade da atividade intelectual desenvolvida
com o auxílio desses dados.
Propós-se aos sujeitos um variado trabalho com uma série de trechos com sentido; em uns casos
eles deviam repetir três vezes esses trechos, em outros, interpretá-los de acordo com o plano que
lhes fora proposto.
O trabalho de análise do conteúdo dos trechos mediante a aplicação do plano lógico proposto
aos sujeitos leva a que escolares da 5." série e estudantes de nível superior retenham material
bem mais volumoso do que com a repetição mecânica embora tríplice dos trechos.
Os fatos aqui apresentados mostram que a memorização involuntária depende da complexidade
da atividade inteleo
80
tua! e quanto mais complexa e essa atividade tanto mais se retém o material a cujo trabalho ela
foi dedicada.
Os testes, que mostraram esse fato, consistiram no seguinte. Os sujeitos receberam a tarefa de
realizar trabalhos variados com os trechos com sentido: em uns casos eles deviam repetir três
vezes os trechos, noutros casos, analisar o conteúdo destes, aplicando um plano pronto; no
terceiro caso, a tarefa consistia em compor de maneira autônoma o plano nesses trechos.
Depois de cada um desses trabalhos sugeria-se a eles dizer que trechos haviam memorizado;
questão semelhante era repetida alguns minutos após a realização do trabalho.
Resultados da reprodução adiada foram diferentes em todos os três casos.
Se no teste de repetição tríplice do trecho, o sujeito reproduzia imediatamente, após intervalo
dado, o número de detalhes igual ao da reprodução imediata, o número de detalhes reproduzidos
após o adiamento nos dois últimos testes foi consideravelmente maior do que na reprodução
imediata.
Isto significa que a atividade intelectual complexa, relacionada com a aplicação do plano pronto
ou com a confecção autônoma do plano do trecho não leva apenas a uma memorização melhor
deste (como mostraram os fatos anteriores mas também torna a retenção do material mais sólida
e, em sua reprodução prorrogada, permite recordar inclusive mais detalhes do que se conseguiu
reproduzir na enquete realizada imediatamente após a realização do teste).
Os fatos aqui apresentados mostram que o trabalho intelectual com o material leva a uma
retenção bem mais sólida e completa deste do que a retenção na aprendizagem decorativa
mecânica, permitindo, deste modo, avaliar o efeito mnésico da atividade intelectual.
O efeito da retenção involuntária do respectivo material na memória depende tanto da
orientação e da complexidade intelectual da atividade quanto do seu processo e do seu colorido
emocional.
81
O fato da dependência da memorização face ao processo de atividade foi minuciosamente estudado pelo
famoso psicólogo alemão Kurt Lewin.
É sabido que uma intenção qualquer se retém solidamente na memória enquanto a tarefa está sendo
executada e desaparece da memória tão logo se cumpre a tarefa. Lembramos a intenção de depositar uma
carta no correio enquanto não a depositamos; mas basta cumprirmos a intenção para que a lembrança da
carta desapareça da nossa memória.
É justamente por força dessa regra que qualquer tarefa se conserva na nossa memória enquanto não se
executa a habilidade correspondente e por isso mesmo os vestígios da atividade não acabada e não
cumprida se mantém melhor na memória do que os vestígios da atividade acabada. Esse fato da melhor
conservação de ações inacabadas na memória foi bem mostrado por B. W. Zeigarnik, discípula de Lewin,
e entrou na Psicologia com o nome de "efeito de Zeigarnik".
Os experimentos e estudo da dependência da retenção do material na memória em relação ao grau de
conclusão da atividade consiste no seguinte: propõe-se ao sujeito a execução de uma série de tarefas
(formar figuras com fósforos, pôr colares em caixas diferentes, resolver problemas aritméticos, etc). O
cumprimento de algumas dessas tarefas é interrompido de forma a que o sujeito não as conclua; outras
atividades ele consegue levar até o fim.
Após o término dos testes propõe-se ao sujeito recordar as ações por ele executadas.
Resultados mostram que as atividades não concluídas são recordadas com freqüência duas vezes maior do
que as atividades concluídas.
A melhor recordação das ações não acabadas explica porque é mais fácil recordar uma obra de conteúdo
pungente e fábula inacabada e porque a lembrança se mantém sólida enquanto não se conclui a leitura da
obra. Essa memorização explica o fato de que as tarefas não solucionadas continuam solidamente retidas
na memória enquanto se mantém a tensão que desaparece com a solução.
O que acaba de ser dito nos leva ao último fator determinante da estabilidade da memorização
involuntária, isto é,
82
à influência do colorido emocional do material memorizável. Sabe-se que os estados emotivos de
colorido emocional são retidos na memória de modo bem mais produtivo do que as impressões
indiferentes. Esse fato parece dever-se a que as impressões de colorido emocional geram um elevado
reflexo orientado e ocorrem sob um tônus cortical mais elevado e à circunstância de que o homem tende a
voltar de modo bem mais freqüente a tais impressões; neste sentido, as vivências de colorido emocional
geram a mesma tensão elevada que quaisquer ações inacabadas.
Mas a melhor retenção das ações do colorido emocional na memória também tem limites.
É fato bem conhecido que os estados afetivos acentuados, angustiantes insuportáveis para o sujeito, são
atividade inibí-veis, "desiocáveis" da consciência e esquecíveis pelo sujeito.
Freud deu atenção a esse fato, ao mostrar um grande número de observações que o homem tende a
"reprimir" os estados emotivos desagradáveis (incompatíveis com seu programas) e angustiantes, que se
inibem e se tornam essência de seu inconsciente, manifestando-se apenas nos estados de atividade
reduzida: em forma de sonhos ou lapsos na escrita, ressalvas, etc. que surgem na abstração da atenção.
Os fatos da repressão dos estados afetivos insuportáveis dos eventos inconscientes constituem uma das
mais importantes conquistas da Psicologia moderna. Seus mecanismos fisiológicos se devem à inibição
que surge nas excitações super-fõrtes e protege o córtex contra novas excitações excessivas. Ê justamente
por isto que os mecanismos fisiológicos, que servem de base ao "deslocamento" os estados emotivos
insuportáveis da memória, se aproximam dos mecanismos de inibição "parabiótica" ou "defensiva".
Peculiaridades individuais da memória
Até agora nós nos detivemos nas leis gerais da memória humana. Mas existem diferenças individuais que
diferenciam a memória de umas pessoas da memória de outras.
Essas diferenças individuais na memória podem ser de dois tipos. Por um lado, a memória de diferentes
sujeitos se distingue pela predominância' de uma modalidade visual, auditiva
83
ou motora; por outro lado, a memória de diferentes pessoas pode distinguir-se também pelo
nível de organização.
É sabido que em umas pessoas predomina a modalidade visual de memória, em outras, a
auditiva, em terceiras a motora. Isto é facilmente verificado se compararmos como diferentes
pessoas registram a mesma estrutura visual e se analisarmos os procedimentos pelos quais elas
recordam um conteúdo (por exemplo, um número de telefone ou um sobrenome) .
Fatos análogos podem ser observados na memória auditiva. Aqui as diferenças individuais são
muito grandes, e se na história foram observados casos em que uma obra musical complexa foi
ouvida uma vez e repetida inteiramente por pessoas com acentuada memória auditiva, são
conhecidas muitas observações em pessoas que se mostram quase inteiramente incapazes de
memorizar uma melodia durante uma fração mínima sequer de tempo.
Nas referidas diferenças individuais da memória manifestam-se tanto as características
genotípicas como a atividade profissional humana, que leva a um elevado desenvolvimento da
memória visual, auditiva e, às vezes, gustativa.
Os traços característicos da memória podem manifestar-se ainda no fato de que diferentes
sujeitos resolvem de modo diferente, uma mesma tarefa, como, por exemplo, a memorização do
número de um telefone ou de um sobrenome. Sabe-se que compositores famosos (Prokófyev,
por exemplo) diziam que memorizam números de telefones como memorizam melodias
conhecidas, ao passo que outros sujeitos vêem o número de um telefone como se ele estivesse
escrito num quadro e o memorizam visualmente.
No entanto são especialmente importantes as diferenças dos modos de memorização e do nível
de organização da memória de pessoas diferentes.
Como mostram as observações, numas pessoas predominam as formas sensoriais (visuais,
auditivas, motoras) indiretas de memorização, ao passo que, noutras, a memorização tem,
predominantemente, o caráter de uma complexa codificação do material, de transformação deste
em esquemas lógico-verbais. Era justamente o que Pavlov tinha em vista ao dividir as pessoas
em dois grupos, um pertencente ao tipo de "pensadores" e o outro ao tipo de "artistas". Nem de
longe
84
as diferenças individuais da memória são sempre simples peculiaridades particulares, que não
ultrapassam os limites dos processos mnésicos. Freqüentemente elas levam a mudanças
consideráveis na estrutura de toda a personalidade do homem.
A. R. Luria descreveu um desses casos com o famoso mnemonista soviético S.
A pessoa descrita apresentou uma memória eidé-tica impressionante pelo potencial. Sem
dificuldade memorizava imensos quadros de números e palavras e continuava a "vê-los",
"sentindo-os" simultaneamente em forma de sons, matizes de som (cinestesias). Por isto não
lhe era difícil reproduzir um imenso material após consideráveis lapsos de tempo, às vezes após
muitos anos. Para S., entretanto, era essencial que as peculiaridades incomuns da sua memória
se refletissem na estrutura do seu pensamento e nas peculiaridades da sua personalidade.
Dotado de uma extraordinária memória direta, S. resolvia facilmente tarefas difíceis se sua
solução pudesse ocorrer num plano direto e se baseasse na possibilidade de fixar visualmente o
material e operar com imagens diretas. No entanto era-lhe freqüentemente impossível superar a
dificuldade de resolver tarefas abstratas que requeriam abstrair as imagens diretas, o que no
plano direto era impossível. Por isto, compreender estruturas lógico-gramaticais complexas e
abstratas era-lhe freqüentemente mais difícil do que às pessoas não dotadas de tão forte
memória figurativa direta.
Contudo o que representa maior interesse é a personalidade de S. Ele tem noções figurativas
diretas tão fortes que o mundo de sua imaginação confunde-se, às vezes, com o mundo das
impressões reais; são justamente esses limites entre o mundo real e o imaginário, tão nítidos no
homem comum, que nele são muito esbatidos. Por isto o comportamento de S. se distingue
amiúde pela ausência de praticidade, pela confusão da realidade e da fantasia; o
desenvolvimento superintensivo da memória figurativa direta levou à formação de traços
especiais de sua personalidade no conjunto.
85
Métodos de estudo da memória
O estudo da memória pode ter por finalidade um dos três problemas: estabelecer o volume e a
estabilidade da memorização, caracterizar a natureza fisiológica do esquecimento e descrever os níveis
possíveis da organização semântica: da memória.
Para resolver a primeira tarefa empregam-se os métodos de retenção de vários dos elementos isolados e
desconexos (sílabas sem sentido, palavras, números ou figuras geométricas visualmente apresentadas).
Os métodos de estudo do volume e da estabilidade da memória elementar apresenta algumas variantes.
Situam-se entre essas variantes, por um lado, os meto dos de pesquisa da retenção de vários elementos
desconexos. e, por outro, os métodos de pesquisa da aprendizagem decorativa de uma série longa (além
dos limites) de semelhantes elementos.
O primeiro desses métodos consiste em sugerir ao sujeito uma série crescente de números de elementos
(sílabas, números ou palavras) e propor-lhe reproduzi-los na mesma: ordem em que foram dados.
pin cuv chon 1 —6 —8
soch muv zin pach ou 3 —5 —0 —9
pig cush bov lav gur etc. 7 2 18 0 Cie.
Considera-se que o volume da memória imediata (breve) é o número máximo de elementos que o sujeito
pode reproduzir após uma única apresentação e sem erros.
Para estabelecer as diferenças entre a memória auditiva e a visual, as séries dadas podem ser apresentadas
por via auditiva ou visual.
Uma variedade desse método é representada pelo experimento em que o sujeito recebe um determinado
grupo de figuras geométricas (em ordem sucessiva ou simultaneamente), devendo, em seguida, encontrar
essas figuras entre grupos de outras figuras (método de identificação) ou desenhá-las (método de
reprodução).
O método de estudo da aprendizagem decorativa consiste em que o sujeito recebe uma longa série de
sílabas des-
86
1) 1 2 44 6
2) 1 2 3 2
3) 1 3
D 1 2 32 4 5
2) 1 3 2 3 5 4
3) 1
conexas, palavras ou números, que ele não pode memorizar de imediato, devendo reproduzir os elementos
memorizados em qualquer ordem.
pin zuk mov din xak kun boch
casa bosque gato mesa forno agulha bolo som ponte cruz
3 4
5
5 etc.
4 5 6 7
6 7 86 7 4
Repete-se o experimento várias vezes (até 10 vezes), sendo que cada palavra reproduzida é assinalada por
um número na ordem de sua reprodução.
No final do experimento traça-se a curva da aprendizagem decorativa. Esta é avaliada pelo resultado
globaí (o número de membros memorizados da série e o número de repetições necessárias à sua completa
aprendizagem decorativa), pelo caráter da curva (sua rápida ascensão, a existência de oscilações, etc.) e
pela estabilidade da ordem em que o sujeito reproduziu as palavras (isto permite estabelecer tanto as
peculiaridades da "estratégia" da atividade mnésica do sujeito como a expressão do "fator de
extremidade" de que já falamos anteriormente).
O estudo da natureza fisiológica do esquecimento coloca a tarefa de saber se o esquecimento tem por base
a debilidade dos vestígios ou a sua inibição pelos agentes interferentes.
Para responder a essa questão, citaremos uma série de estudos nos quais, por um lado, verifica-se a
capacidade de memorizar os vestígios de um dado núcleo em certo espaço de tempo (não preenchido por
nenhuma atividade secundária) e, por outro lado, observa-se como a atividade de fora (interfe-lenté)
influencia a memorização dos vestígios.
Os experimentos mais simples, relativos a esse grupo, consistem no seguinte:
(1) Propõe-se ao sujeito uma série breve de sílabas, palavras ou números, constituída de 4, 5 e 6
87
elementos; em uns casos sugere-se-lhe reproduzi-los na mesma ordem imediatamente após
recebê-los e, em outros, depois de uma pausa de 30 segundos, 1 minuto e 2 minutos. A
debilidade dos vestígios se manifesta no fato de que, depois de repetir com êxito a série
imediatamente após a apresentação desta, o sujeito descobre dificuldades em sua reprodução
posterior e apresentará um número menor de elos reproduzidos ou reproduzirá elementos
interferentes (relacionados pelo som ou o sentido), ou irá remanejá-los, mudando a ordem em
que foram dados.
(2) Propõem-se ao sujeito as mesmas séries de 4, 5 e 6 elementos (sílabas, palavras e
números), sugerin-do-se a ele reproduzi-las imediatamente após recebê-la3. Depois diste sugere-
se que ele execute alguma atividade secundária (por exemplo, que faça operações relativamente
complexas de subtração e multiplicação), que ocupa o mesmo tempo que a "pausa vazia" (30
seg., 1 min., 2 min.); depois disto torna-se a pedir-lhe que repita a mesma série de elementos
(sílabas, palavras e números) que lhe fora apresentada antes. A influência da atividade
interferente (ou fator interferente heterogêneo) irá manifestar-se no fato de que, diferentemente
do teste de "pausa vazia", ele será incapaz de reproduzir o mesmo número de elementos que
reproduziu anteriormente.
(3) Propõe-se ao sujeito uma série breve de 3, 4 e 5 elementos (sílabas, palavras e números) e
sua reprodução; depois disto, propõe-se-lhe uma segunda série desses mesmos elementos, que
também deve ser reproduzida. Em seguida pede-se que ele reproduza a primeira (dada antes)
série de elementos.
A influência inibitória da atividade interferente homogênea irá manifestar-se no fato de que o
sujeito
OU Será ÍnteÍrameTlt& meaçaz de voltar & piimraia
de sçpToâvzir um número conside-raretírreace azeczvr <& <?&?&&&&
&&sz%^dZ2Z&'j'JZÉ& parcialmente composta por elementos da segunda série, isto é,
apresentará a ocorrência conhecida em Psicologia pelo nome de contaminação.
Todos os testes aqui descritos (1, 2 e 3) podem repetir-se várias vezes seguidas: isto permitirá ver em que
grau supera-se a reprodução perturbadora da influência do intervalo não preenchido, por um lado, e a
influência inibitória da atividade interferente secundária, por outro.
O confronto dos dados, obtidos na série que acabamos de descrever, com os resultados dos testes simples
de retenção dos elementos da série apresentada uma vez ou dos testes de aprendizagem decorativa
permitirá que se tenha uma informação das peculiaridades da atividade mnésica bem mais completa do
que a aplicação de apenas um dos métodos descritos.
Para o estudo do nível de organização semântica acessível da memória, é comum aplicar os métodos de
estudo da memorização mediata, elaborados por L. S. Vigotsky, A. N. Leôntyev e L. V. Zankov.
O método da memorização mediata consiste em que o sujeito recebe a tarefa de usar para memorizar uma
série de palavras e quadros auxiliares, relacionando logicamente cada palavra com um determinado
quadro; feita essa parte do experimento, o sujeito deve examinar em seguida os quadros selecionados,
mencionando sempre a palavra para cuja memorização foi empregado um dado quadrado.
Deste modo, o sujeito recebe não uma série de estímulos (palavras para serem memorizadas) mas duas
séries, das quais a primeira (palavras a serem memorizadas) é objeto de memorização e a segunda (os
quadros auxiliares) é um meio para a memorização.
O procedimento seguinte avalia tanto o caráter das relações semânticas auxiliares, que o sujeito estabelece
entre as palavras e quadros, como o êxito da memorização das palavras segundo os quadros auxiliares
escolhidos ou sugeridos.
O método da memorização mediata pode ser aplicado em duas variantes: uma livre e uma dependente.
Na variante livre do experimento, mostram-se ao sujeito 25^30 cartões de loto, propondo-se em seguida
palavras isoladas; para memorizar cada palavra ele deve escolher um dos cartões, que relaciona com uma
palavra; depois da apresentação de 12-15 palavras, o sujeito recebe em ordem casual quadros isolados,
devendo sempre mencionar a palavra para cuja memorização foi escolhido o quadro.
89
Na variante dependente de experimento, o experimenta-dor pronuncia a palavra a ser
memorizada e apresenta ao sujeito um quadro, que ele deve usar como meio auxiliar para a
memorização da palavra.
Na primeira variante, propõem-se ao sujeito quadros que podem ser facilmente relacionados
com uma dada palavra (por exemplo, escola, o quadro "caderno", a palavra "inverno", o quadro
"forno"). Na segunda subvariante de experimento, levada a efeito com a finalidade de
estabelecer-se a possibilidade de uma definição ativa e criadora das relações auxiliares,
propõem-se ao sujeito quadros dificilmente relacionáveis a uma dada palavra (por exemplo, a
palavra "escola", o quadro "pato", a palavra "inverno", o quadro "óculos", etc).
O registro do experimento com a memorização mediaía adquire o caráter:
palavra quadro relação reprodução avaliação

1. escola caderno na escola escreve-sc em caderno -4-


cadernos
2. inverno óculos no inverno usa-se óculos inverno +
para olhar para a neve
3. carne faca com a faca corta-se a garfo —
carne
4. fogo machado com o machado corta-se lenha —
a lenha para acender o fogo
A possibilidade de organização lógica do material se manifesta tanto na correta construção das
relações auxiliares como no seu emprego enfático com o retorno às palavras inicialmente dadas
através dos quadros usados.
A deficiência da organização lógica da memória manifesta-se no fato de que o sujeito ou se
mostra incapaz de estabelecer as relações auxiliares entre uma dada palavra e os quadros
auxiliares ou no fato de que ele não pode voltar à palavra inicial e durante a verificação, quando
observa atentamente o quadro, nega-se a dizer que palavra esse qua-
90
dro representa condicionalmente ou, ao invés de reproduzir a palavra inicial, apresenta uma
palavra qualquer, ligada por associação ao quadro escolhido.
O método de estudo da memorização mediata é de grande valor para a análise psicológica de
diversas formas de retardamento mental.
Uma variante específica do método de memorização mediata é o método conhecido do
pictograma.
Lê-se para o sujeito uma série de 12-15 palavras, que não podem ser representadas
imediatamente (por exemplo, as palavras "dúvida", "desenvolvimento" ou "a menina está com
frio", "o garoto está com medo", etc); para memorizar essas palavras, o sujeito deve traçar um
desenho condicional (sinal) e, após correr os olhos sobre este, deve lembrar-se da palavra
ressaltada. Uma vez que as palavras sugeridas não podem ser representadas diretamente, o
sujeito pode empregar um pequeno sinal convencional ou representar uma situação que lembre
a palavra dada.
Os sujeitos normais usam facilmente o primeiro ou o segundo caminho (no que se manifestam
as suas peculiaridades individuais). Os sujeitos mentalmente retardados não conseguem resolver
essa tarefa ou desenham apenas objetos concretos, sem distinguir nestes os sinais característicos
e informativos, o que torna msolúvel a tarefa de memorizar a série proposta de palavras através
dos pictogramas auxilia-res.
Os dois referidos métodos de estudo da memorização mediata podem ter grande importância
diagnostica.
Desenvolvimento da memória
O desenvolvimento da memória na idade infantil é o que menos se pode considerar como um
processo de crescimento quantitativo paulatino ou maturação.
No seu desenvolvimento, a memória passa por uma história dramática, plena de profundas
transformações qualitativas e mudanças de princípio tanto de sua estrutura quanto de suas
relações mútuas com outros processos psíquicos.
Há muitos fundamentos para se supor que a capacidade de registrar e fixar vestígios nos
primeiros anos de vida não
91
é mais fraca porém mais forte do que nos anos posteriores e que a memória direta (eidética) na criança é
bem mais desenvolvida do que no adulto. Leon Tolstoy disse mais de uma vez que metade de todas as
suas recordações se formara quase nos primeiros anos de vida.
Mas, paralelamente à força, a memória de uma criança de três e quatro anos de idade também tem as suas
fraquezas: é difícil organizá-la, torná-la seletiva, ela ainda não é em nenhuma medida uma memória
arbitrária capaz de memorizar o necessário, orientado para um dado fim, separando os vestígios fixáveis
dentre todos os outros. Isto se pode mostrar facilmente se propusermos a uma criança de 2,5-3 anos de
idade memorizar e em seguida reproduzir 5-6 palavras ou, propondo-lhe 5-6 quadros, pedir-lhe dizer
quais foram justamente os quadros que lhe foram dados. Neste caso, percebe-se facilmente que a criança,
a par com as palavras que lhe foram dadas (ou quadros), irá reproduzir outras a elas ligadas por
associação e não pode interromper as suas associações secundárias reproduzindo seletivamente apenas a
série necessária de indícios. O processo de memorização arbitrária seletiva ainda não está pronto nessa
idade e a possibilidade de subordinar a atividade mnemònica à instrução verbal surge na criança apenas
bem mais tarde, juntamente cóm o desenvolvimento geral do comportamento orientado para um fim.
Esse caráter contraditório do desenvolvimento, certa redução da possibilidade da memória figurativa
direta, juntamente com o aumento da capacidade diretiva dos processos mnemônicos são o primeiro traço
característico do desenvolvimento da memória na idade infantil.
O segundo traço distintivo do desenvolvimento da memória são o desenvolvimento paulatino da
memorização me~ diata e a transição de formas de memória imediatas e naturais a formas mediatas e
verbais.
Esse fato fundamental do desenvolvimento da memória foi estudado minuciosamente por Vigotsky e seus
colaboradores (Leôntyev e Zankov).
Visando a ter uma idéia das mudanças qualitativas que sofre a memória da criança na medida em que se
desenvolve, Vigotsky realizou duas séries de testes com crianças de diferentes idades. Na primeira série
ele deu a uma criança a tarefa de memorizar imediatamente (sem quaisquer procedi-
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mentos auxiliares) e reproduzir uma série de quadros au-xiliares como meio de memorização das
palavras, relacionando cada palavra com o respectivo quadro através de uma ligação auxiliar qualquer.
Os testes mostraram o quanto é complexo o caráter do desenvolvimento dos processos mnemônicos da
criança.
Um grupo de escolares de idade inferior conseguiu reter determinado número de palavras sem o uso de
quaisquer procedimentos; no entanto os quadros, que se lhes propuseram como recurso auxiliar, não
melhoraram o processo de memorização; as crianças dessa idade não conseguiram relacionar por meio
lógico-verbal o quadro proposto com a palavra dada, declarando "aqui não tem dessas palavras" ou
procurando localizar imediatamente a representação da palavra dada no quadro (quando se propôs a uma
das crianças lembrar a palavra "sol" olhando para um quadro que representava um samovar, ela apontou
para uma pequena mancha clara no samovar e disse: "olhe o sol ali!"). Por isto o teste era uma espécie de
trabalho complementar, que apenas abstraía a atenção da criança da memorização da palavra necessária.
Quando se pedia que a criança lembrasse pelo quadro a palavra correspondente, ela caía no total impasse,
simplesmente descrevia o quadro dado ou fazia as associações que lhe surgiam diante do quadro.
Resultava daí que a operação, na qual o quadro auxiliar desempenhava a função de sinal para a
memorização da palavra necessária, era substituída por uma operação mais simples e imediata de
associações posteriores e o esquema
A (palavra) A (palavra)
\/
^ X(quadro)
era substituído por outro esquema mais elementar;
A — X — X (do tipo da palavra "sol"; o quadro "samovar" é um samovar)
ou A — X — Y (palavra "sol"; o quadro "samovar" significa tomar chá... chaleira... xícara)
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A criança pequena ainda não tinha condições de estabelecer ou usar ligações auxiliares
("mnemotécnicas") e no teste com o uso de quadros apresentava resultados não melhores mas às
vezes até piores do que no teste de memorização imediata.
Esses fatos permitiram estabelecer que a memorização da criança de idade pré-escolar, em sua
maior parte, ainda tem caráter não-arbitrário (e por isto dificilmente dirigível).
Outro quadro era o que se verificava quando os pesquisadores faziam esse teste com escolares
principiantes, e, mais tarde, com alunos das últimas séries.
As crianças dessa idade tiveram, naturalmente, mais facilidade de dirigir os processos de sua
memorização e por isto se desempenharam melhor do teste de memorização imediata da série de
palavras que lhes foi proposta. No entanto o avanço mais importante, que se observou na idade
escolar, consistiu em que as crianças estavam agora em condições de usar meios auxiliares
externos para o processo de memorização, estabelecer ligações auxiliares que lhes permitiam
usar os quadros como sinais de apoio para a memorização da palavra necessária.
Nos primeiros momentos essa possibilidade era limitada pelo emprego de ligações prontas
relativamente simples. Para memorizar a palavra "escola", as crianças agora estavam em
condições de usar o quadro "caderno" ("na escola há cadernos") mas ainda não conseguiam criar
por conta própria novas ligações auxiliares, recusando-se, para a memorização da palavra
"escola", por exemplo, a usar o quadro "navio" ("não, escola não, nela se estuda; o navio está no
mar..."). Mas essa dificuldade foi sendo superada nas etapas posteriores de desenvolvimento. As
crianças começavam a realizar a possibilidade de formação autônoma de novas ligações
auxiliares, utilizáveis para a memorização das palavras sugeridas.
Como resultado desse processo, o número de palavras memorizáveis com o auxílio dos quadros
auxiliares aumentava acentuadamente e começava a superar o número de palavras que a criança
conseguia reter imediatamente.
Aqui, contudo, os erros característicos das crianças em idade pré-escolar (do tipo A-X-X ou A-
X-Y) já desapareciam e a criança, a quem no teste de controle se sugeriam os quadros por ela já
usados, voltava à palavra inicial (a pala-
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vra "escola — quadro "navio' — palavra "escola" ou A-X-A) ou fazia uma reprodução imprecisa da
palavra dada, substituindo-a por alguma palavra aproximada (a palavra "escola", o quadro "navio", a
palavra "mestre", isto é, apresentava o esquema A-X-B).
Esses testes mostravam de modo evidente que a idade escolar é a etapa em que, a par com a memória
imediata, formam-se na criança os processos de memorização mediata e que a passagem para o estudo da
memória dos escolares das últimas séries e dos adultos permitia descrever a etapa seguinte e última do seu
desenvolvimento.
Os testes, realizados com os alunos das últimas séries e com adultos, mostraram que estes estabelecem
facilmente ligações auxiliares, que lhes permitem usar quaisquer meios exteriores de apoio para a
memorização das palavras dadas; para eles, a existência de ligações primárias entre a palavra e o quadro
não oferece qualquer obstáculo visível e eles usam facilmente qualquer quadro como meio auxiliar para a
memorização, No entanto o traço mais importante, que distingue esses sujeitos, consiste em que, agora,
eles já dispensam os apoios externos e estão em condições de memorizar as palavras que se lhes sugerem
mediante a organização lógica interna destas, colocando-as em certa estrutura lógica e "codificando-as"
em grupos semânticos determinados. Os procedimentos de memorização, que na etapa anterior tinham
caráter mediato externo, reduzem-se agora e adquirem o caráter de processo mediato interno. A
memória mecânica se converte paulatinamente em memória lógica.
O resultado desse processo é o aumento considerável dos resultados da memorização na primeira série de
testes, na qual não se dão ao sujeito quaisquer apoios externos e a curva desta série de testes começa a
subir de maneira célere, revelando a tendência a fundir-se, no seu limite, com a curva da memorização
exteriormente mediata. Este fato, que em seu tempo recebeu a denominação de paralelograma da
memória, apresenta o esquema dos principais fatos de desenvolvimento da memória na idade infantil. Ele
mostra que se na idade escolar ocorre o processo básico de transformação da memória elementar imediata
em memória exteriormente mediata, então com a passagem para a faixa etária de nível superior e para a
idade madura o homem se torna capaz de dominar a memorização interiormente mediata. Por isto
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a brusca elevação da curva da memorização "imediata' nessa idade se deve a que essa memorização, aqui,
se torna de fato interiormente mediata.
Verifica-se, deste modo, que o processo de desenvolvimento da memória na idade infantil é um processo
de transformações psicológicas radicais cuja essência consiste em que as formas imediatas naturais de
memorização se convertem em "processos psicológicos superiores", sociais por origem e mediatos por
estrutura, que distinguem decisivamente os processos psicológicos do homem dos processos psicológicos
do animal.
Vê-se facilmente que essa transformação radical dos processos de memória durante o desenvolvimento da
criança não é apenas uma estrutura modificada da própria memória mas, ao mesmo tempo, uma mudança
nas relações entre os processos psicológicos básicos. Se nas etapas iniciais de desenvolvimento a
memória tinha caráter direto e era, até certo ponto, uma continuação da percepção, com o
desenvolvimento da memorização mediata ela perde a sua ligação imediata com a percepção e contrai
uma ligação nova e decisiva com o processo de pensamento. O aluno de nível superior ou o adulto, que
fazem operações complexas de codificação lógica do material suscetível de memorização, executam um
complexo trabalho intelectual e o processo de-memória começa, assim, a aproximar-se do processo de
pensamento discursivo, sem entretanto perder o caráter de atividade mnemônica.
Essa mudança radical da relação entre processos psicológicos isolados, bem como a formação de novos
sistemas funcionais, constituem o traço fundamental do desenvolvimento psíquico da criança, podendo o
processo de desenvolvimento da memória durante a ontogênese ser entendido apenas como uma
transformação radical dos processos cujas vias acabamos de expor.
Patologia da memória
Os estados patológicos do cérebro são muito amiúde acompanhados da perturbação da memória. Mas até
recentemente eram muito pouco conhecidas as particularidades psi-
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cológicas que distinguem as perturbações da memória em afecções cerebrais diferentes pela localização,
bem como os mecanismos fisiológicos que lhes servem de base.
São amplamente conhecidos os fatos segundo os quais, dos traumas muito agudos ou intoxicações, podem
resultar ocorrências de amnésia retrógrada e anterógrada; nestes casos, os doentes, conservando
recordações de acontecimentos há muito ocorridos, revelam consideráveis perturbações da memória dos
acontecimentos correntes, esgotando de fato os conhecimentos de que dispunham os psiquiatras e neuro-
patologias que descreviam as mudanças da memória nas afecções orgânicas do cérebro. A esses dados
incorporavam-se os fatos que indicavam que as afecções das áreas profundas do cérebro podem levar a
profundas perturbações da capacidade de fixar vestígios e reproduzir coisas memorizá-veis; no entanto a
natureza dessas perturbações continuava obscura.
Os dados, obtidos por muitos pesquisadores nos últimos decênios, enriqueceram substancialmente os
nossos conhecimentos acerca do caráter da perturbação da memória durante afecções diferentes pela
localização e permitiram precisar tanto os dados básicos sobre o papel de algumas estruturas cerebrais nos
processos da memória quanto os mecanismos fisiológicos que servem de base às suas perturbações.
As afecções das áreas profundas do cérebro — regiões do hipocampo e do sistema conhecido como
"círculo de Peipetz" (hipocampo, — núcleos do tálamo ótico, — corpos mamilares, — corpo amendoado)
— costumam levar a perturbações maciças da memória, que não se limitam a nenhuma modalidade.
Conservando recordações de acontecimentos distantes (há muito consolidados no cérebro), os doentes
desse grupo são incapazes, contudo, de gravar na memória os vestígios das ocorrências correntes; em
casos menos nítidos eles se queixam de memória fraca, indicam que são forçados a anotar tudo para não
esquecer. As afecções maciças dessa região provocam uma grosseira amnésia face aos acontecimentos
correntes, levando às vezes o homem a perder a noção precisa de onde se encontra e começar a
experimentar dificuldades consideráveis de orientar-se no tempo, ficando impossibilitado de mencionar o
ano, o mês, a data, o dia da semana e às vezes a hora do dia.
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É característico que, nesses casos, as perturbações da memória não têm caráter seletivo e se
manifestam igualmente na dificuldade de retenção do material visual e auditivo, imediato e
discursivo. Nos casos em que a afecção abrange ambos os hipocampos, essas perturbações da
memória são especialmente nítidas.
Pesquisas neuropsicológicas minuciosas permitiram fazer uma caracterização posterior tanto da
estrutura psicológica dessas falhas da memória quanto analisar os mecanismos fisiológicos que
servem de base às suas perturbações.
Mostrou-se que, nos casos de afecções relativamente brandas das referidas regiões do cérebro,
as perturbações se limitam a falhas da memória elementar, imediata, desprezando a
possibilidade de compensação dessas falhas por meio da organização semântica do material; os
doentes que não podem memorizar as séries de palavras isoladas, quadros ou ações, são capazes
de executar bem melhor essa tarefa, recorrendo a meios auxiliares e organizando o material
memo-rizável em determinadas estruturas semânticas. Nesses doentes a perturbação da
memória imediata não é acompanhada de qualquer perturbação expressa do intelecto e, via de
regra, eles não apresentam indícios de demência.
Fatos importantes foram registrados durante a análise das possíveis perturbações fisiológicas
da memória nos casos em exame.
Como mostraram essas pesquisas, os doentes com afecções das áreas profundas do cérebro
podem reter séries de palavras e ações relativamente longas e reproduzi-las após um intervalo
de 60-90 segundos. No entanto é bastante uma pequena abstração, provocada por atividade
interferente, para tornar-se impossível a reprodução da série de elementos re-cém-memorizada.
Nestes casos, a base fisiológica da perturbação da memória não é tanto a debilidade dos
vestígios quanto uma elevada inibição dos vestígios por ações inter-ferentes. Esses mecanismos
de perturbação da memória nos casos descritos devem-se ao fato de que a firme conservação
dos focos dominantes e dos reflexos seletivos orientadores é, aqui, facilmente perturbada em
virtude da redução do tônus do córtex e da separação, do trabalho normal, dos aparelhos
primários de confrontação dos vestígios que, como já foi dito, é função imediata do hipocampo
e das formações a ele ligadas.
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O quadro das perturbações da memória muda substancialmente quando à afecção das regiões
profundas do cérebro incorpora-se a afecção dos lobos frontais (sobretudo de suas áreas mediais
e basais). Nestes casos, o doente deixa de ter uma atitude crítica em relação às falhas da sua
memória, é incapaz de lhe compensar as falhas e perde a capacidade de discernir a execução
autêntica das associações que afloram desordenadamente. As confabulações e erros da memória
("pseudo-reminiscências"), que surgem nesses doentes, incorporam-se às grosseiras
perturbações da memória ("síndrome de Korsakov") e levam àquelas ocorrências de embaraço
que se encontram na fronteira das perturbações da memória e das perturbações da consciência.
De todas as variantes do quadro acima descrito distin-guem-se as perturbações da memória, que
surgem durante as afecções locais da superfície externa (convexa) do cérebro.
Semelhantes afecções nunca são acompanhadas da perturbação geral da memória e jamais
levam ao surgimento da "síndrome de Korsakov" e muito menos de perturbações da consciência
com a desintegração da orientação no espaço e no tempo.
Os doentes com afecções locais das áreas convexas do cérebro podem apresentar uma
perturbação particular da atividade mnemônica, que costuma ter caráter específico-modal,
noutros termos, manifesta-se em alguma região.
Assim, os doentes com afecção da região temporal esquerda apresentam sintomas de
perturbação da memória au-ditivo-verbal não podem reter as séries de sílabas ou palavras da
menor extensão. No entanto eles podem não manifestar quaisquer falhas da memória visual e, a
partir desta, em alguns casos podem compensar as suas falhas mediante a organização lógica do
material consolidável na memória.
Os doentes com afecções locais da região occipto-pa-rietal esquerda podem apresentar
perturbação da memória es-paço-visual mas, via de regra, conservam a memória auditi-vo-
verbal em grau consideravelmente maior.
Os doentes com afecção dos lobos frontais do cérebro não costumam perder a memória, embora
sua atividade mnemônica possa ser essencialmente dificultada pela inércia patológica dos
estereótipos uma vez surgidos e pela difícil transferência de um elo do sistema memorizável a
outro. As tentativas de memorização ativa do material que se lhes
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propõe são dificultadas ainda pela patente inatividade desses doentes, e toda memorização de
uma série longa de elementos, que requer um trabalho tenso sobre o material memo-rizável,
neles se converte em repetição passiva dos mesmos elos da série que são memorizados
imediatamente sem quaisquer esforços. Por isto a "curva da memória", que tem normalmente
um nítido caráter ascensional, deixa de crescer neles, mantendo-se num mesmo nível e
começando a ter caráter de "platô", que reflete a inatividade de sua atividade mnemônica. É
característico que as afecções locais do hemisfério direito (subdominante) podem desenvolver-
se sem perturbações visíveis da atividade mnemônica.
Os estudos dos últimos decênios permitiram que se enfocassem mais de perto as características
daquelas perturbações da memória que surgem nas perturbações cerebrais genéricas da
atividade psíquica.
Se essas perturbações provocam debilidade e instabilidade das excitações no córtex cerebral (e
isto pode ocorrer com diferentes afecções vasculares, a hidrocefalia interna e hipertensões
cerebrais), as perturbações da memória podem manifestar-se na redução geral do volume de
memória, na difi-cultação da memorização e da leve inibição dos vestígios pelas ações
interferentes; elas levam a um brusco esgotamento do doente, resultando daí uma forte
complicação da memorização e ocorrendo que a "curva da memorização" começa a não crescer,
chegando até a reduzir-se nas repetições posteriores.
A análise da "curva da memorização" pode ter grande importância diagnostica, permitindo
distinguir as síndromes da mudança dos processos psíquicos em afecções cerebrais diferentes
por caráter.
Os traços característicos distinguem as perturbações da memória na demência orgânica (mal de
Pick, Alzheimer) e nos casos de oligofrenia.
Para tais afecções, costuma ser central a perturbação das formas superiores de memória,
predominantemente da memória lógica. Esses doentes não têm condições de aplicar os
procedimentos necessários de organização semântica do material memorizável e apresentam
falhas especialmente patentes nos testes de memorização mediata.
É característico que nos casos de retardamento mental (oligofrenia) essas perturbações da
memória lógica podem
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Apresenta-se, ás vezes, no fundo de uma memória mecânica bem observada que, em
casos particulares, podem ser satisfatória pelo volume.
O estudo da memória é de importância muito grande para precisar os sintomas das doenças
cerebrais e diagnosticá-las.
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