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O BOOM E A BOLHA
Robert Brenner títulos de longo prazo, o que deixa a economia americana
Tradução de Maria Alice Máximo teoricamente vulnerável aos mesmos problemas de fuga
de capital, depreciação de ativos e de pressão sobre a
No outono de 1998, a economia internacional moeda que destroçaram a economia do Leste Asiático.
parecia estar em profundas dificuldades. A crise que
havia irrompido no Leste Asiático no verão de 1997 O boom abriu caminho para a bolha, mas a
espalhava-se por todo o mundo. As bolsas de valores e as bolha inflou o boom ainda mais. O problema, portanto,
moedas haviam despencado nas economias fora do está em desembaraçar um do outro. Somente pela
núcleo capitalista. A Rússia havia declarado falência. O identificação das forças subjacentes a um e a outra será
Brasil estava à beira da depressão. A economia japonesa possível compreender a trajetória da economia americana
havia caído na recessão. A economia americana não como um todo e se ter alguma idéia do rumo que está
estava imune a isso tudo. Em reação à queda de lucros no tomando. Já foram superadas as tensões que quase
primeiro semestre de 1998, principalmente no setor- levaram ao colapso a economia mundial apenas dois anos
chave da fabricação, os preços caíram de forma atrás? Estará ainda se expandindo este ciclo? Por trás de
alarmante de julho a setembro. Em outubro, uma forte perguntas assim espreita, ameaçadora, uma pergunta
crise de liquidez ameaçou lançar a economia dos Estados maior: estará a economia americana finalmente
Unidos – e, a reboque, a do mundo – numa zona de conseguindo reverter o longo movimento de declínio em
perigo. A essa altura, porém, o Federal Reserve interveio. que se encontrava desde 1973 e dando início a um longo
Salvou da falência o gigantesco fundo de salvaguarda período de crescimento como os das décadas de 1950 e
Long Term Capital Management sob a alegação de que 60? Ou, ao contrário, não estará passando pelo mesmo
se ele falisse poria em risco de colapso a economia tipo de fenômeno de grandes proporções que acabou por
mundial; e baixou as taxas de juros em três ocasiões explodir a bolha japonesa dos anos 80, quando o retorno
sucessivas, não apenas para aliviar a pressão sobre o à terra dos preços astronômicos dos bens móveis e
crédito, como também para deixar bem claro que imóveis deflagrou uma longa e enorme recessão?
desejava valorizar as ações e subsidiar o consumo a fim
de manter em movimento a economia mundial.
O renascimento da lucratividade: 1985-95
Os resultados foram contraditórios ao extremo.
Uma expansão cíclica que até 1995 vinha sendo menos As origens do reflorescimento da indústria
vigorosa que as das décadas de 1970 e 80, subitamente americana remontam à recessão de 1977-82, quando as
tomou novas forças. Desde então promoveu cinco anos taxas de juros atingiram recordes com a política
de rápido crescimento do Produto Interno Bruto, da monetarista de Volcker, o que acabou levando a indústria
produtividade e até mesmo o aumento real dos salários, a um extenso processo de racionalização. Houve um
ao mesmo tempo em que vem reduzindo o desemprego e enxugamento de enormes proporções, com a redução em
a inflação em níveis bem semelhantes aos do longo massa de postos de trabalho e uma explosão de falências
período de expansão pós-guerra. Os investimentos que não se viam desde a Grande Depressão de 1930,
cresceram de maneira impressionante. Apesar dos quando a indústria se viu forçada a livrar, se de
exageros da imprensa especializada, o desempenho instalações e maquinaria que se tornaram não lucrativas
econômico dos Estados Unidos nos últimos cinco anos de uma hora para outra. A crise da indústria aprofundou-
vem sendo superior ao de qualquer outro período se com uma espantosa alta do dólar que se seguiu ao
comparável desde o início da década de 1970. aumento das taxas de juros. Uma decorrência palpável de
tudo isso foi a aceleração da produtividade industrial.
O valor das ações parece ter perdido toda e Outra, porém, foram os déficits em conta corrente, que
qualquer relação com os lucros esperados pelas também passaram a quebrar recordes à medida que a
empresas. As dívidas relativas a pessoas físicas e a escassez de dólares reduzia drasticamente a
empresas, bem como a financeira, atingiram níveis competitividade da indústria americana. Entre 1980 e
recordes, possibilitando uma explosão histórica do 1985 a importação de manufaturados cresceu em um
consumo. A aceleração das importações daí decorrente terço. Essas tendências não podiam se sustentar e logo
elevou os déficits da balança comercial a níveis jamais levaram a uma reversão abrupta da política econômico-
atingidos. O resultado vem sendo um aumento sem financeira que marcou época nos Estados Unidos.
precedentes da procura por ativos das empresas
americanas pelo resto do mundo, principalmente em A reviravolta – um bálsamo para a economia
mundial como um todo – deu-se com o Acordo do Plaza
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assinado em setembro de 1985, quando os países do G-5 respondia por 46 5 do total de lucro advindo do setor
concordaram em encetar uma ação conjunta para reduzir empresarial não-financeiro, e em 1998 (último ano para o
a cotação do dólar a fim de salvar a indústria americana, qual os dados estão disponíveis), ficou em 42,5 %o
a qual estava ameaçada de dizimação. O Acordo do daquele total. Foi a queda de lucratividade no setor
Plaza estipulou um período de dez anos, quando se industrial internacional, que teve início no período de
efetivaria uma desvalorização mais ou menos contínua 1965 a 1973 – atingindo não apenas os Estados Unidos,
do dólar em relação ao iene e ao marco alemão, a qual mas toda a economia mundial – a principal responsável
seria acompanhada de uma década também de pelo longo período de derrocada. Foi um extenso período
congelamento de salários. Com isso abriu-se o caminho entre o início da década de 1970 e o da de 90, marcado
para a recuperação da competitividade industrial dos pelo lento crescimento da produção, do investimento e da
Estados Unidos, para uma crise duradoura das indústrias produtividade, pelas altas taxas de desemprego e por
alemã e japonesa e uma explosão sem precedentes da recessões cíclicas mais longas e mais profundas.(l) A
indústria do Leste Asiático voltada para a exportação, em recuperação da lucratividade pré-tributação da indústria
países cujas moedas se beneficiaram com a queda americana está na origem do aumento da lucratividade
continuada do dólar. Entre 1985 e 1995 o dólar caiu cerca pré-tributação no setor privado não-financeiro, que subiu
de 40 % em relação ao marco alemão e 60 % em relação 15,6 % entre 1986 e 1995, aproximando-se de seus
ao iene. Nesse mesmo período, o aumento real de níveis de desempenho do final da década de 1960. Isso
salários na indústria americana foi em média de 0,5 % ao fica claro a partir do fato de que os lucros líquidos da
ano, enquanto na Alemanha foi de 3 % e no Japão foi de economia não-financeira, desconsiderando-se o setor
2,9 %. Nesse mesmo tempo o longo processo de redução industrial, permaneceram praticamente os mesmos em
de custos industriais nos Estados Unidos recebeu um toda aquela década – chegando até a cair um pouco.
grande impulso com a recessão de 1990-1991 e o
subseqüente corte em postos de trabalho, cuja O reflorescimento da lucratividade foi ainda
recuperação está prevista no decorrer de um longo favorecido pelos benefícios fiscais dados no início da
período de tempo. década de 1980, quando republicanos e democratas
competiam entre si para oferecer as maiores vantagens às
A desvalorização do dólar, juntamente com a grandes empresas. Em 1995 os lucros pós-tributação na
pressão sobre os salários e reestruturação da indústria – economia corporativa não-financeira e na indústria
somadas aos crescentes investimentos que finalmente se haviam atingido, respectivamente, 23 % e 24 % dos seus
seguiram a partir de 1993 – detonaram uma mudança níveis recordes de 1965, muito embora os lucros pré-
fundamental no modus operandi da indústria americana tributação ainda estivessem 34 % e 35 % abaixo dos seus
voltada para o mercado externo. Entre 1985 e 1997 as níveis de 1965. As empresas se fortaleceram na primeira
exportações cresceram numa média anual de 9,3 %, ou metade da década de 1990 ao reduzir significativamente
seja, em uma velocidade 40 % maior à do período entre sua dependência do crédito – reduzindo assim o total do
1950 e 1970. Pouco a pouco as exportações foram dando lucro repassado a credores. Entre 1979 e 1991 as
novo impulso ao setor industrial e, a partir daí, a toda a despesas com juros líquidos em relação ao excedente
economia. Essa recuperação da competitividade total (lucros mais juros líquidos) das empresas não-
internacional possibilitou o advento de uma importante financeiras foi em média de 31,8 %, atingindo 37 % em
recuperação da lucratividade pré-tributação dos 1991. Em 1995 esse número havia caído para 20 % e
manufaturados. Até 1986, apesar do grande aumento de permaneceu numa média de 18 % até o fim da década.
produtividade e da estagnação dos salários reais, a taxa
de lucro na indústria. continuava mais de 20 % abaixo do Quando a economia americana foi saindo
seu nível de 1978 e 50 % abaixo do de 1965. Mas a partir lentamente da recessão de 1990-91, essa retomada da
de 1986 a lucratividade no setor da indústria passou a lucratividade finalmente começou a agitar a economia
crescer rapidamente. Essa ascensão foi interrompida pela como um todo. Durante muito tempo os investimentos na
recessão de 1990-1991 e por seus efeitos, porém já em indústria haviam definhado. Entre 1993 e 1998, porém,
1995, a lucratividade pré-tributação dos manufaturados passaram a crescer rapidamente numa média anual de 9,4
americanos havia passado para 65 % acima do patamar %, bem superior, por, tanto, aos 2,6 % entre 1982 e 1990.
de 1986, superando, pela primeira vez em um quarto de Naquele mesmo período o estoque de capital líquido da
século, seu nível em 1973 – embora permanecesse ainda indústria cresceu em média 2,7 % ao ano, enquanto o
um terço abaixo da maré alta de 1965. crescimento entre 1982 e 1990 havia sido de 1,3 %. A
recuperação dos investimentos no setor privado
Já se tornou um lugar comum minimizar a não,industrial teve início aproximadamente na mesma
importância do setor industrial indicando-se sua época e acabou sendo maior do que a do setor industrial.
participação decrescente no total de empregos e no PIB. Por sua vez, a aceleração dos investimentos muito
Mas, na década de 1990, a indústria americana ainda provavelmente ajudou a acelerar o crescimento da
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produtividade, que já vinha sendo favorecida havia verdadeiramente mutiladoras na rolagem das dívidas. O
bastante tempo pelo enxugamento da indústria, livrando, tumulto nas instituições americanas de poupança e
se de seus meios de produção obsoletos. A introdução do crédito e nos bancos comerciais teve uma trajetória
estilo japonês de produção enxuta havia reduzido a mão- semelhante, da qual adveio a exploração da bolha
de-obra na fábrica e terceirizado muitos processos, imobiliária e o colapso de muitos bancos no final da
utilizando-se de setores não-sindicalizados nos quais os década de 1980. A superação dessa crise custou aos
trabalhadores não tinham qualquer proteção. Naqueles contribuintes americanos o equivalente a três anos de
anos pré-internet as empresas estavam também investimento do setor privado. A febre de fusões e
começando a fazer uso da informática na produção aquisições que caracterizou as atitudes financeiras nesse
industrial (embora o impacto disso tenha sido limitado período levou a um mesmo fim melancólico. Na primeira
pelos baixos níveis de investimento). Entre 1982 e 1990, metade da década de 1980 alguns grandes ganhos foram
apesar da desaceleração do crescimento de investimentos, possíveis nesse setor, quando a lucratividade dos
a produtividade na indústria cresceu numa média anual investimentos na indústria atingia seus níveis mais
de 3,3 %, quase que no mesmo ritmo do longo boom do baixos. Mas o potencial de ganhos nesta ,área logo se viu
período pós-guerra. Mas com o ímpeto dado pela limitado pelo excesso de competição que passou a gerar
acelerada modernização dos meios de produção a partir retornos cada vez menores até o final da década,
de 1990, o crescimento da produtividade saltou para 4,74 obrigando investidores a desembolsos cada vez maiores.
% ao ano entre 1993 e 1999. E não se pode afirmar que O naufrágio no campo das fusões e aquisições teve
esse ritmo acelerado haja decorrido simplesmente de um grande influência no declínio dos bancos comerciais, que
maior coeficiente capital-trabalho, pois entre 1993 e 1998 já vinham sofrendo grandes perdas em conseqüência da
a produtividade do capital continuou a crescer aos crescente competição de um grande número de
mesmos 2,6 % a que chegara na expansão da década de instituições de credito não bancárias, como empresas de
1980, deixando evidente que a produtividade total, ao se seguros e financeiras, bem como com a tendência à
considerar tanto o capital quanto o trabalho, crescia de securitização.
maneira impressionante.
A situação do setor financeiro tornou-se ainda
O setor de serviços e o financeiro pior com a recessão de 1990-91. Foi necessária uma
nova e drástica operação de salvamento feita pelo
O quadro era bem distinto no setor de governo para que se evitasse uma crise de grandes
não,manufatUrados - as áreas de serviços, construção, proporçães. Dessa vez o Federal Reserve fez caírem a
transportes, serviços públicos e mineração. Nestas o zero os juros de curto prazo no início da década de 1990
crescimento foi acentuadamente descontínuo e só se deu para que os bancos pudessem restaurar seus balanços e
a partir de 1996. Diferentemente do que ocorreu no setor retomar com lucros as suas linhas de credito. O que se
de fabricação, que já vinha tendo um constante aumento pôde observar foi que os problemas da área financeira
de produtividade desde bem antes do súbito aumento da passaram a ser sanados com uma rapidez espantosa a
década de 1990, a produtividade do setOr de não, partir do início dos anos 90. Essa vem sendo a era de
manufaturados tinha a exibir uma trajetória Clinton, Rubin e Greenspan, muito mais que na de
verdadeiramente melancólica de quase duas décadas, Reagan e Volcker, que havia testemunhado o verdadeiro
com crescimento médio anual de 0,6 % entre 1977 e crescimento do setor financeiro na economia americana.
1995. Entre 1995 e 1999, porém, no rastro da aceleração Quando o Federal Reserve reduziu as taxas de juro de
dos investimentos neste setor e acompanhando seu súbito curto prazo tão drasticamente no início da década,
crescimento de lucratividade, houve um crescimento possibilitou aos bancos não apenas usufruir ganhos
médio anual de 2,4 %, comparável ao de 2,7 % no boom inesperados, com os seus títulos, como também retomar
do pós-guerra, entre 1950 e 1973. sua atividade básica – a de tomar dinheiro barato a curto
prazo a fim de emprestá-lo caro a longo prazo. Essa
Nesse meio tempo, como se comportava o setor jogada coroou, se de um êxito sem precedentes. Quando
financeiro? Os problemas do lucro através do Clinton prometeu equilibrar o orçamento fazendo cortes
empréstimo a outros países em uma era marcada pela e repudiando toda e qualquer despesa que estivesse fora
capacidade ociosa e pelo excesso de produção industrial do seu plano de gastos, ele ofereceu aos credores a
foram sentidos de maneira dramática com a explosão da certeza de que a inflação não comeria os lucros. Para
dívida do Terceiro Mundo em 1970, geradora da crise de afastar qualquer dúvida que porventura restasse,
1980 que abalou o sistema financeiro. As grandes Greenspan aumentou a taxa de juros vertiginosamente
potências capitalistas intervieram, naturalmente,em em 2,5 % em 1994, a fim de reduzir o ritmo da expansão.
socorro dos grandes bancos internacionais, utilizando, se
do FMI para salvar o que fosse possível, impondo às A decolagem financeira
economias em desenvolvimento condições
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A recuperação da saúde da economia não- substancial redução de impostos que no ano de 1995
financeira veio completar a recuperação econômica dos possibilitou, praticamente sozinha, a recuperação da
credores e especuladores no decorrer da década de 1990. margem de lucro de todo o setor não-financeiro. A partir
Os bancos, em especial, obtiveram resultados de 1995 essa margem cresceu acentuadamente nos
surpreendentes. A demanda por crédito cresceu setores de não-manufaturados, principalmente no de
rapidamente e as perdas com empréstimos caíram de serviços, fazendo com que a lucratividade da economia
maneira vertiginosa. Enquanto em 1990 apenas 30 % de se aproximasse novamente dos níveis elevados a que
todos os ativos bancários eram oficialmente classificados chegou no período do pós-guerra. Com a economia
como "bem capitalizados", em 1996 o percentual havia apoiada sobre bases ma.is firmes, o setor financeiro pôde
subido para 97. Além do mais, com a crescente voltar-se para a desregulamentação, que contava com
prosperidade da economia, os bancos finalmente subsídios governamentais extremamente generosos, para
tornaram, se aptos a usufruir ao máximo das vantagens dar o seu salto também. Se essa simbiose dos setores
do pro, cesso de desregulamentação, em marcha desde o industrial, de serviços e financeiro pudesse ser mantida, a
final da década de 1970, ampliando seus lucros com economia americana não estaria finalmente deixando
novas atividades, como a participação na venda de para trás o longo período de declínio?
fundos mútuos. Nesse meio tempo acelerava, se o
movimento de fusão de bancos iniciado na década de A bonança: 1995-98
1980, com o ativo das 50 maiores instituições bancárias
chegando a 64 % do total, contra os 57 % de 1986, Para a economia mundial, porém, a recuperação
enquanto o número de organizações bancárias comerciais da indústria americana entre 1985 e 1995 significou uma
caiu de 10.000 para 7.500 em uma década. Mais enorme pressão não apenas sobre as economias do Japão
importante que isso talvez tenha sido o fato de o Federal e da Alemanha, ambas voltadas para a exportação, como
Reserve ter assegurado aos bancos uma margem "fora do para a de toda a Europa Ocidental. As profundas
comum"(2) entre o que pagavam pelo dinheiro tomado a recessões e os processos de enxugamento industrial em
curto prazo e o que recebiam pelos empréstimos de longo grande escala vividos pelo Japão e pela Europa Ocidental
prazo. O resultado de tudo isso marcou época. Durante a na primeira metade da década de 1990, pressionados pela
década de 1990 as instituições financeiras americanas de rápida escalada de suas moedas, podem ser considerados
um modo geral e, mais especificamente, os bancos análogos à crise da indústria americana na primeira
comerciais, atingiram, de longe, suas mais altas taxas de metade da década de 1980, seguida pelo choque de
retorno líquido no período pós-guerra. Confirmando o Volcker, a escalada do dólar e a guinada da dupla Reagan
advento de uma nova ordem, os lucros do setor e Regan em direção ao setor financeiro. Na verdade, os
financeiro passaram a constituir uma percentagem maior percalços por que passaram o Japão e a Europa Ocidental
do total de lucros do setor privado, superando qualquer devem ter sido agravados pelo fato de os Estados Unidos
outro desempenho na história da economia do período haverem largado à frente, em circunstâncias semelhantes,
pós-guerra. E para arrematar o sorvete-com-cereja, as na eliminação das indústrias de alto custo e baixa
ações foram para a estratosfera. lucratividade. A retomada da indústria americana se deu
à custa de seus principais concorrentes. Mas isso teve um
Em meados de 1990 o setor empresarial, como custo. Na primeira metade da década de 1990 a
um todo, encontrava-se em situação bem melhor do que estagnação da economia mundial como um todo –
dez anos antes, e isso se devia, em grande parte, ao longo agravada pela capacidade ociosa do setor de fabricação,
e violento processo de racionalização e de reorganização. pelo achatamento dos salários e pela redução do crédito –
As indústrias haviam passado por um intenso processo de ainda não havia sido superada. A própria economia
modernização, desfazendo-se de enormes quantidades de americana ainda estava limitada por uma demanda
equipamentos ultrapassados e instalações desnecessárias mundial que crescia menos a cada ano e pela
e despedindo dezenas de milhares de funcionários para concorrência externa. Nunca é demais lembrar que até a
"enxugar" seu processo de produção e aumentar sua metade da década de 1990 a economia mundial dava
produtividade. Àquela altura elas já haviam aumentado poucos sinais de estar saindo do longo período de
substancialmente sua margem de lucro à custa dos estagnação em que se encontrava. De fato, nesses cinco
trabalhadores, que sofreram uma década de anos o crescimento de todas as grandes economias
congelamento de salário real, com a concorrência da capitalistas foi bem mais lento que em qualquer período
mão-de-obra estrangeira e a desvalorização do dólar. comparável desde 1960. Isso ocorreu não apenas com as
Somente já quase no final desse processo de recuperação economias japonesa e européia, estagnadas em profundas
foi que o setor industrial começou efetivamente a fazer recessões, mas até mesmo com a própria economia
grandes investimentos e a crescer novamente. Como americana, que cresceu ainda mais lentamente entre 1990
vimos, esse foi um reflorescimento da produtividade do e 1995 do que no período entre 1970 e 1980.
setor de fabricação, tornado ainda maior por uma
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Esse crescimento lento, é preciso que se diga,


não foi nada mau para o governo Clinton, que, Plaza Invertido
praticamente desde o primeiro dia combinou a ousadia
monetária com o aperto fiscal como não se via desde os O fator de terminante dessas duas ocorrências e,
tempos de Eisenhower – visando a uma total recuperação de resto, da evolução da economia mundial na segunda
da lucratividade dos negócios Clinton não apenas rejeitou metade da década de 1990, foi o acordo a que chegaram
o tipo de política deficitária que havia tirado a economia os Estados Unidos, o Japão e as demais potências do G- 7
dos Estados Unidos e a mundial das recessões desde o que viria a ser conhecido como Acordo do Plaza
início da década de 1970, como se lançou em uma Invertido. Até meados de 1995, na esteira do colapso do
cruzada de equilíbrio orçamentário que reduziu o peso e do subseqüente resgate da economia mexicana
percentual do déficit federal em relação ao PIB de 4,7 % pelos Estados Unidos, houve uma nova queda do dólar
em 1992 a praticamente zero em 1997. De mais a mais, que acentuou marcadamente a tendência de uma década.
quando a economia começou a dar sinais de vida, o Como se sabe, a desvalorização da moeda havia sido
Federal Reserve, como vimos, aumentou as taxas de .uma precondição para a retomada da lucratividade da
juros em três pontos percentuais entre fevereiro de 1994 economia industrial e a não-financeira americana como
e fevereiro de 1995. De fato, segundo pesquisas de um todo, e Washington a recebeu de muito bom grado,
opinião pública, "muita gente ainda acreditava que o país retomando, entre 1985 e 1995, a política da "negligência
estivesse em recessão até 1995".(3) Não é de se estranhar, benéfica" em relação ao dólar que havia sido adotada em
portanto, que entre 1990 e 1995 o PIB, a produtividade e quase toda a década de 1970. Assim, quando o dólar caiu
os salários nos Estados Unidos hajam crescido ainda vertiginosamente nos primeiros meses de 1995, o
mais lentamente que nas décadas de 1970 e 80. governo Clinton não apenas nada fez para evitar a queda,
como até aumentou a pressão sobre o Japão, ameaçando
A partir de 1996, entretanto, deu-se uma ruptura fechar o mercado americano aos carros japoneses se
nesse modelo. Naquele ano e no seguinte houve uma aquele país não concordasse em abrir seu mercado para
sensível aceleração do crescimento de todas as variáveis autopeças exportadas pelos Estados Unidos.
econômicas importantes, aí se incluindo (com certo
retardo) o salário real. Era evidente que a retomada da Porém, em abril de 1995, o mesmo dólar
lucratividade do setor industrial, calcada em grande desvalorizado que havia impulsionado para cima a
medida na desvalorização do dólar, na contenção salarial indústria americana por toda uma década havia levado a
e na redução de impostos – e favorecida, apenas um japonesa à beira do colapso. O iene havia se valorizado
pouco antes, pelo boom de investimentos – estava em 60 % em relação à sua cotação no início de 1991 e em
começando a dar retomo. Em 1997, quando a exportação 30 % somente a partir do início de 1994, chegando a
cresceu 14 % em termos reais, a economia floresceu atingir a taxa recorde de 79 em relação ao dólar. Com a
como não o fazia em várias décadas e começou a ficar moeda nessa altura astronômica, as indústrias japonesas
evidente que os Estados Unidos seriam capazes, não conseguiam sequer cobrir seus custos de produção e
finalmente, de tirar a economia mundial da pasmaceira o crescimento daquele país estava quase parando. Apesar
em que se encontrava. A expansão do mercado interno de até então haverem agido quase que obsessivamente
americano, que possibilitava o crescimento do mercado em defesa da competitividade da indústria americana, as
externo, já não mais se fazia, como nas décadas autoridades do governo .dos Estados Unidos não se
anteriores, à custa basicamente do déficit fiscal; devia-se, encontraram em condições de encarar essa situação com
em grande medida, às crescentes exportações e aos tranqüilidade. Tinham acabado de passar pelo choque da
investimentos, com base no aumento da competitividade crise mexicana que, "surgindo do nada", havia abalado o
e das taxas de retomo. Porém, no momento mesmo em sistema financeiro internacional. Uma versão japonesa
que esse crescimento acelerado da economia americana dessa crise seria muito mais perigosa. E mesmo que se
teve início, no final de 1995, essas bases começaram a se pudesse suportar uma crise japonesa, ela certamente
transformar a partir de duas ocorrências intimamente precipitaria uma liquidação em grande escala das
relacionadas. Por um lado, uma súbita alta do dólar enormes quantidades de títulos de ativos americanos em
começou a solapar a indústria americana voltada para a posse dos japoneses, principalmente bônus do Tesouro.
exportação, como o aumento dos custos relativos dos Um desdobramento dessa natureza levaria os juros,
bens produzidos nos Estados Unidos e indiretamente assustaria os mercados financeiros e possivelmente
precipitando o fim do boom no Leste Asiático. Por outro catalisaria uma recessão exatamente quando a economia
lado, uma crescente bolha do mercado de ações, que dos Estados Unidos parecia finalmente estar se
patrocinou um crescimento febril de endividamento, aprumando. Sob a condução do secretário do Tesouro
começou a deslocar o eixo da expansão no sentido do Robert Rubin, os Estados Unidos não apenas desistiram
mercado interno e, com isso, a acelerar notadamente a sumariamente de sua campanha para forçar o mercado
economia americana. japonês a se abrir às exportações americanas de peças da
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indústria automobilística, como ainda entraram em Estados Unidos vinha tendo urna ascensão histórica. Ela
acordo com os japoneses e os alemães para, em ação foi interrompida pela crise das bolsas em 1981, porém,
conjunta, fazerem cair o iene (e o marco alemão) e subir como o Federal Reserve e as autoridades financeiras
o dólar. Isso se daria em parte por meio da redução das japonesas reagiram rapidamente para interromper o
taxas de juros japonesas vis-à-vis as americanas, em parte colapso da bolsa, muitos investidores passaram a
pela aquisição de dólares por japoneses e alemães e, acreditar que o mercado de ações nunca mais correria
ainda, pela intervenção do próprio Tesouro americano riscos de uma crise. Por esse motivo a corrida
para elevar o dólar.(4) desenfreada começou novamente. Entre 1990 e 1993 o
mercado em ascensão subiu ainda mais quando
Esse foi um acordo da maior importância, que Greenspan reduziu a zero os juros de curto prazo a fim de
significou uma mudança de rumo de cento e oitenta graus socorrer as empresas atoladas em débitos e os bancos à
tanto na política dos Estados Unidos como nas dos seus beira da falência. Com isso foi aberto o caminho para
principais aliados e concorrentes, de maneira bem uma enorme expansão da liquidez. Como as
semelhante ao que fora feito no Acordo do Plaza original oportunidades de lucro ainda eram relativamente
em 1985. Os Estados Unidos abriram mão das vantagens limitadas na economia americana, que se recuperava
que o câmbio desvalorizado dera a seu setor de lentamente da recessão, o fluxo de moeda barata que daí
fabricação por quase toda uma década. Mas, em troca, resultou foi despejado no mercado de ações, propiciando
puderam contar com a perspectiva de um enorme fluxo desta maneira uma nova escalada da bolsa naqueles anos.
de recursos que ajudaria a cobrir o crescente déficit da Ainda assim, até o final de 1995 o valor das ações, apesar
balança comercial e empurraria para cima o valor das do aumento ao longo de doze anos, ainda não conseguia
ações. Puderam contar também com uma inundação de acompanhar o crescimento das empresas. De fato, seria
artigos importados a baixo custo que exerceria pressão possível afirmar, sem correr o risco de exagero, que a
sobre os preços dos produtos americanos, facilitando drástica escalada do valor das ações até aquele ponto
assim a tarefa do Federal Reserve de conter a inflação. refletia basicamente a recuperação da lucratividade da
De certa forma a administração Clinton estava economia americana do seu estado deprimido na recessão
favorecendo credores e especuladores do mercado de do início da década de 1980. Entre 1980 e 1995 o valor
ações à cus, ta dos produtores industriais, de maneira médio das ações na Bolsa de Valores de Nova York
bem semelhante à do governo Reagan na primeira (NYSE) subiu a uma taxa de 4,28 %, enquanto os lucros
metade da década de 1980. Agiu assim certamente líquidos das empresas aumentaram a uma taxa de 4,60 %.
porque julgou que o setor industrial americano, já enxuto, Mas a partir de então o valor das ações rapidamente
seria capaz de suportar bem a alta do dólar. Deve ter perdeu contato com os lucros das empresas, à medida que
julgado também que a lucratividade crescente na área de a bolha do mercado de ações se expandia.
serviços associada ao crescente consumo doméstico
poderia compensar qualquer declínio de lucratividade no Ficou evidente que a recuperação da
setor de fabricação e no crescimento das exportações. lucratividade, que havia tido início na década anterior, e
Seja como for, essa decisão fez-se sentir imediatamente os altos níveis de confiança que isso gerou para o
por toda a economia mundial através de fortes reações no investidor foram as condições necessárias para a escalada
sentido exatamente oposto àquele gerado pelo Acordo do das ações que ocorreu de 1995 a 1996. As forças que de
Plaza em 1985. A alta do dólar começou a pressionar a fato a deflagraram já não são óbvias. Mas é difícil deixar
indústria americana (em vez de pressionar a japonesa e a de concluir que as dramáticas transformações da
alemã); a indústria japonesa e a alemã (não mais a satisfação financeira internacional e os fluxos
americana) iniciaram um período (breve) de recuperação; deflagrados durante o ano de 1995 foram em grande parte
o Leste Asiático escorregou do seu boom recorde após o responsáveis pelo fenômeno. Em março de 1995, na
Acordo do Plaza para uma recessão regional após o esteira do resgate econômico do México pelos Estados
Acordo Reverso do Plaza. Enquanto isso, uma enorme Unidos, o Federal Reserve pôs fim à campanha de
bolha financeira começou a se agigantar nos Estados redução de crédito que havia começado cerca de um ano
Unidos, possibilitando a aceleração da expansão antes. A partir de julho de 1995 fez caírem as taxas de
econômica americana com base na alta das ações, no juros em cerca de três quartos de ponto ao longo do
crescimento do nível de endividamento e na disparada do semestre seguinte. Mais importante que isso, talvez,
consumo – de maneira bem semelhante ao que ocorrera foram as medidas tomadas para implementar o Acordo
com a bolha do Japão depois de 1985. do Plaza Invertido: elas não apenas empurraram o dólar
para cima, dessa forma aumentando o valor dos ativos
A escalada das ações americanos (inclusive das ações), como também
provocaram um enorme fluxo de recursos financeiros do
Desde a época da recessão do período Volcker, Japão, do Leste Asiático e do mundo como um todo para
no início da década de 1980, o mercado de ações dos o mercado financeiro americano, facilitando
7

acentuadamente o custo do empréstimo para a aquisição "exuberância irracional". Os investidores ignoraram seu
de ações. aviso. Em 1997 o S&P 500 subiu ainda 30 por"cento e a
NYSE, mais 27 %. A expansão da bolha do mercado de
Em abril de 1995 o Banco do Japão reduziu a ações que tivera início em 1995 passou a gerar um
taxa oficial de desconto, já bastante pequena a 1,15%, crescimento acelerado da economia ame.. rica na.
para 1 %, e no mês de setembro reduziu ainda mais para Grandes vendas de ações, principalmente a empresas que
0,5 %. Isso inegavelmente ajudou a produzir o efeito financiavam a recompra através do endividamento,
desejado, que era a desvalorização do iene. Porém, em aumentaram substancialmente o. poder aquisitivo
lugar de gerar um forte estímulo à economia interna interno. Ao mesmo tempo, a inflação do preço das ações
japonesa, cujas taxas de retomo eram ainda pequenas resultante dessa valorização parecia justificar um drástico
demais para justificar investimentos de longo prazo em esvaziamento da poupança, bem como um acentuado
novas instalações e equipamentos, as taxas de juros aumento da demanda ao crédito.. A aceleração do
extremamente baixas do Japão acabaram por inflar a consumo, por sua vez, deu um grande empurrão no que
oferta mundial de crédito, enquanto uma parte parecia ser um poderoso boom, enquanto o aumento das
significativa da liquidez resultante se evadia do Japão. Os importações pelos Estados Unidos e do déficit em conta
investidores, em especial os americanos, inventaram um corrente ajudavam a tirar a economia mundial da
negócio muito lucrativo ao tomar ienes emprestados ao recessão"em que se encontrava na primeira metade da
Japão a juros baixos, convertê-los em dólares e usá-los década. O setor de não-manufaturados foi o principal
em investimentos pelo mundo afora. Grande parte dos beneficiário nos Estados Unidos. Com a aceleração do
ganhos assim auferidos acabou voltando para o mercado consumo, a demanda por seus produtos crescia também.
de ações americano.(5) Como sua produção consistia basicamente em bens não
transacionáveis, longe de ser prejudicado pela inundação
Nesse meio tempo o governo japonês estava de produtos importados tornados baratos pela alta do
investindo rios de dinheiro em títulos do governo dólar, o setor se beneficiava disso. Os investimentos no
americano e em moeda americana e estimulando as setor de não,manufaturados cresceram rapidamente e,
companhias de seguro japonesas a acompanhá-lo ao como já observamos, este deu um grande salto de
relaxar as exigências para investimentos no exterior. Os produtividade. Entre 1995 e 1997 a lucratividade do setor
governos do Leste Asiático, com o objetivo de manter de serviços, que havia muito tempo não crescia (embora
baixos os valores das moedas locais para permitir o nunca tenha sido extremamente reduzida aumentou em
crescimento das exportações, fizeram o mesmo e a eles 22 %, levando a taxa de retorno da economia privada
se seguiram os investidores privados, principalmente os não, financeira como um todo a atingir 19 % do seu nível
de fundos hedge de toda parte do globo. Em 1995 o resto mais alto em 1965-7 Tinha-se a impressão de que a
do mundo adquiriu, pois, títulos do governo americano economia estava finalmente funcionando com todos os
num total de US$ 197,2 bilhões, duas vezes e meia a cilindros.
média dos quatro anos anteriores. Em 1996 esse total
passou para US$ 312 bilhões e em 1997, caiu para US$ No outono de 1997 a crise do leste asiático
189,6 bilhões. Dessas aquisições os títulos do Tesouro estava começando a se manifestar e a economia atingia o
constituíram, de longe, a maior parte – US$ 168,5 bilhões zênite de sua recuperação puxada pelo setor industrial.
em 1995, US$ 270,7 bilhões em 1996 e US$ 139,7 Em 1996 e 1997 a produção industrial e as exportações
bilhões em 1997. O total de mais de meio trilhão de cresceram rapidamente. Os custos da produção, além do
dólares .em títulos do Tesouro americano comprados por mais, continuavam caindo acentuadamente, enquanto o
investidores externos nesses três anos foi o suficiente não crescimento anual da produtividade da mão-de-obra
apenas para cobrir o total dos novos títulos da dívida atingia uma média de 3,2 %, a relação produção, capital,
lançados pelo Tesouro nesse período, como para resgatar 6 % e a compensação nominal, apenas 2,2 %,nesses anos.
US$ 266,2 bilhões em títulos anteriores do governo que Entretanto, ao longo desse mesmo período de dois anos,
estavam em mãos de cidadãos americanos.(6) a taxa real de câmbio do dólar subiu 20 % e seu valor em
relação ao iene subiu 50 %. Isso forçou para baixo os
Com as taxas de juros caindo tão abruptamente preços dos bens de consumo. Os preços dos
e o dólar se valorizando tão rapidamente, o mercado de manufaturados tiveram uma média anual de redução de
ações não tinha como deixar de decolar para as alturas. 3,5 % em 1996 e 1991. Em conseqüência disso, o
Depois de ter subido, respectivamente, apenas 2 % e 1,8 aumento da taxa de retorno da indústria – bem como do
% em 1994, o S&P 500 e a NYSE saltaram para 17,6 % e setor econômico privado como um todo – que tivera
14,6 % em 1995, de longe a maior alta desde 1989. início em meados da década de 1980 e havia sofrido
Durante o ano de 1996, ambos os índices subiram para apenas uma breve interrupção da recessão do inicio dos
23 % e em dezembro daquele ano Greenspan já estava anos 90, finalmente chegou ao fim na segunda metade de
tornando público seu famoso alerta contra uma 1997-8
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acumulado papéis de alto risco e qualidade inferior que


Quando a crise asiática eclodiu, os produtores foram desbancados por títulos de governo de nações
americanos tiveram que enfrentar não apenas o aumento desenvolvidas.
da competitividade de seus rivais no Japão, na Alemanha
e em toda a Europa Ocidental que estavam se O alívio chegou no dia 20 de setembro, quando
beneficiando das moedas desvalorizadas: tiveram o fundo de investimentos Long Term Capital
também que se defrontar com o colapso dos até então Management (LTCM) admitiu ao governo americano que
dinâmicos mercados de exportação do leste asiático e a estava em processo de insolvência. Foi nesse ponto que o
enxurrada de artigos importados no mercado interno Federal Reserve interveio. Formou um consórcio com
americano, extraordinariamente baratos pela depreciação quatorze bancos e empresas de corretagem de Wall Street
das moedas do Leste Asiático. O crescimento das para organizar um fundo de emergência de US$ 3,6
exportações americanas, motor essencial do boom bilhões e salvar o LTCM. Greenspan justificou essa
econômico, caiu vertiginosamente em termos reais de 14 operação de resgate de uma instituição não bancária com
% em 1997, a 2 % em 1998 e da taxa média anual de base no risco que estaria correndo o sistema financeiro
17,4 % no terceiro trimestre de 1998. Enquanto isso as internacional se o Fed não agisse a tempo.(10) O banco
importações continuavam a crescer. Em 1998 central americano fez as suas três famosas reduções
aumentaram 11,8 % e em 1997 haviam crescido 14,2 %. necessárias de taxas de juros, incluindo um corte
Com os preços dos artigos exportados e importados enérgico entre suas sessões regulares. Embora o objetivo
caindo, respectivamente, 3,1 % e 5,9 % em 1998, o setor imediato fosse afastar o perigo de pânico no mercado
industrial americano encaminhava, se para um buraco; a financeiro, havia um outro, mais amplo, desde o início:
taxa de retorno na indústria caiu em cerca de 12 % em recuperar o mercado de ações de longo prazo. Essas
relação à de 1997.9 Os lucros decrescentes, por sua vez, reduções das taxas de juros marcaram uma mudança de
pressionaram para baixo o mercados de ações. As ações rumo da economia americana, não tanto pela queda do
das empresas de menor porte representadas na Russell custo do dinheiro, mas principalmente porque essa
2000 foram as mais vulneráveis, perdendo 20 % de seu operação deu aos investidores um sinal muito positivo de
valor entre abril e a primeira semana de agosto. A essa que o Federal Reserve queria que as ações se
altura, até mesmo as ações de elite que compõem o S&P valorizassem a fim de estabilizar a economia americana e
500 já haviam começado a cair, tendo perdido 10% do a mundial, que estavam se encaminhando para uma crise.
pico que haviam atingido em meados de julho; na esteira Greenspan negou enfaticamente, é claro, que seus cortes
da inadimplência russa, caíram mais 10 %. O declínio nas taxas de juros tivessem qualquer objetivo de interferir
dos mercados de ações ameaçou acabar rapidamente com nos preços das ações. Mas ninguém precisou lembrar aos
a expansão econômica americana, destruindo a confiança investidores que sua intervenção àquela altura não era a
nos negócios e revertendo a maré crescente do consumo primeira de suas operações de resgate de instituições
interno. Com grande parte da economia mundial em financeiras e de corporações. Em outubro de 1987 ele
crise, uma recessão nos Estados Unidos naquele havia intervindo para evitar a quebra do mercado
momento ameaçava,a de uma profunda depressão. de!l!ações e entre 1990 e 1992 havia reduzido a zero os
juros reais de curto prazo para socorrer bancos à beira da
A bolha sustenta o boom falência e empresas afundadas em dívidas, como ocorreu
com a crise dos bancos de poupança e dos bancos
Já no final de setembro de 1998 uma crise de comerciais com a débâcle no caso das fusões e aquisições.
grandes proporções fazia, se sentir nos Estados Unidos. Os investidores tampouco deixaram de perceber que o
A insolvência russa detonou uma fuga do capital para Tesouro dos Estados Unidos e o Federal Reserve tinham
papeis de maior confiabilidade, fuga essa que se envidado esforços para socorrer os grandes bancos
expressou no surgimento de enormes discrepâncias entre internacionais quando da crise da dívida da América
as taxas de juros pagas de títulos do Tesouro americano, Latina em 1982; os investidores americanos em vias de
relativamente garantidos, e as das ações, não tão sofrer grandes perdas com o colapso do México em
garantidas, de empresas privadas e até mesmo por títulos 1994-95 e os bancos internacionais, novamente, por
emitidos por governos europeus. Os títulos de bancos ocasião da crise no Leste Asiático em 1997-98.
comerciais caíram vertiginosamente devido ao medo de
grandes perdas associadas a em, préstimos a nações Os investidores viram então confirmadas suas
emergentes. Porém as maiores perdas ocorreram nos expectativas de que Greenspan simplesmente não
fundos hedge e nas mesas de trading dos bancos permitiria que as ações caíssem muito, até porque, a essa
comerciais e de investimentos conhecidos, em conjunto, altura, eles já haviam se dado conta de quanto a expansão
como “highly leveraged financial institutions (HLFI). econômica passara a depender do consumo e, portanto,
Essas instituições financeiras "altamente alavancadas" do mercado de ações. Na verdade, Greenspan
perderam bilhões de dólares depois de haverem provavelmente não tinha muita escolha. O principal pilar
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da expansão americana – a recuperação da lucratividade maioria de compradores de ações dessa era: nada menos
do setor ele fabricação – havia ruído sob o impacto da que 72,5 % entre 1983 e 1990. Embora seus gastos de
alta do dólar e o agravamento do excesso de produção capital fossem bem limitados nesse período, o fluxo de
mundial que resultara da crise no Leste Asiático. Entre caixa das em, presas cobria apenas cerca de 87,5 % dos
1987 e 1997 o crescimento das exportações havia sido desembolsos, deixando 12,5 % para serem cobertos
responsável por quase um terço do crescimento total do através de empréstimos. Ocorre que 100 % das
PIB americano em 1998 e 1999, juntos, a participação aquisições de ações pelas empresas nesse período foram
reduziu-se a 7 %. Para evitar um revés em escala financiadas com novos empréstimos. A compra de ações
mundial, o que o Fed fez, na verdade, foi substituir por por empresas absorveu 50 % de seus empréstimos e
uma nova forma de estímulo de demanda – o aumento do totalizou 125 % de seus lucros reinvestidos (lucros
débito, tanto das empresas quanto do consumidor – a líquidos menos dividendos) e 25 % do fluxo de caixa das
antiga fórmula keynesiana, baseada em déficits públicos. empresas (lucros reinvestidos mais depreciação) .(11)
Esse estímulo americano teria um efeito semelhante ao
que em meados da década de 1970 havia tirado a Nos três primeiros anos da década de 1990, em
economia mundial da recessão. decorrência da crise de dívida corporativa, as empresas
começaram a deixar de comprar de volta suas ações e de
A intervenção decisiva do Fed nos mercados de tomar empréstimos. No início de 1994, porém,
ações e de crédito no período de outono e inverno de retomando de onde haviam deixado, quando da febre de
1998 não apenas interrompeu a queda assustadora das fusões e aquisições da década de 1980, as empresas
bolsas de valores que havia tido início no verão anterior, foram ainda mais fundo em seus processos de
como também possibilitou que as ações subissem endividamento. Além do mais, a exemplo do que haviam
vertiginosamente sem que houvesse qualquer aumento de feito então, não se endividaram a fim de investir em
lucro. Portanto, nos anos de 1998 e 1999 o índice da novas instalações e novos equipamentos; estes
Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) subiu 20,5 % e continuaram a ser financiados com recursos próprios,
12,5 %, respectivamente, muito embora o lucro mas principalmente para comprar de volta suas ações. A
comparativo líquido tenha sido de menos 3,9 % e de retomada do movimento de fusões e aquisições, que tem
menos 4,6 %, respectivamente. Nesses mesmos dois anos se acelerado nos anos recentes, explica em parte essas
o índice S&P 500 subiu 25 % e 19 %, respectivamente, operações. Houve outros fatores importantes, tais como
apesar de ter sido de 0 % o lucro das empresas que taxas de juros reais mais baixas, que baratearam o custo
compõem o S&P em 1998 e de 17% em 1999. O Fed do dinheiro, e um sistema fiscal que taxa menos os
interveio rápida e ostensivamente para acalmar os ganhos de capital que os dividendos e que possibilita às
mercados de crédito ainda em outra ocasião, no final de empresas descontar integralmente os juros de
1999, reagindo a uma possível débâcle do bug do amortização. Mas no decorrer da década de 1990 foi
milênio. Ao injetar liquidez suficiente no sistema ficando evidente, também, que a crescente recompra de
bancário para fazer cair subitamente as taxas de juros de ações passou a se dever, cada vez mais, aos interesses
5,5 % para menos de 4 % –maior guinada num período dos próprios executivos dessas empresas – que
de nove anos – Greenspan preparou o caminho para o receberam grande parte de seus salários em forma de
vigoroso salto do mercado de ações no primeiro trimestre opções de ações -em fazer subirem os valores das ações
de 2000. ,Em março desse ano o S&P havia subido 20 simplesmente para engordar suas próprias contas
pontos percentuais acima de seu nível no final de outubro bancárias. E não hesitam em recorrer a maiores
de 1994. O NASDAQ, dominado pelo setor tecnológico e endivida,mentos para conseguir isso. Em 1999 o
pela internet, havia explodido de maneira muito mais coeficiente de endividamento para compra de ações das
drástica, passando de 2.736 no início de outubro de 1999 empresas do S&P 500 havia subido para 116 %, quando
para 5.000 em março de 2000. no final da década de 1980 havia atingido 84 %, quando
a crise de débito das empresas paralisou não só os bancos
Recompra das ações como a elas mesmas,(12) No período de 1994,99, inclusive
este esse último ano, o total de empréstimos tomados por
Se a situação que favorecia a expansão corporações não, financeiras chegava a US$ 1,22 trilhão.
ininterrupta da bolha era alimentada pelo Fed, o preço Deste total as empresas utilizaram apenas 15,3 % para
das ações era empurrado para cima pelas próprias cobrir gastos de capital, financiando o restante com os
empresas , de maneira direta e intencional. Em meio à lucros reinvestidos acrescidos da depreciação, ao passo
febre de fusões e aquisições da década de 1980, as que destinaram nada menos que 57 %, ou seja, US$
empresas haviam dado início à prática de comprar de 697,4 bilhões, à recompra de ações – quantia essa
volta suas próprias ações, para tanto assumindo débitos equivalente a 75 % de seus lucros reinvestidos e 18 % do
cada vez maiores. O resultado surpreendente foi que as seu fluxo de caixa.
empresas acabaram se constituindo na esmagadora
10

Já no primeiro trimestre do ano 2000 o valor das Nesse meio tempo os cidadãos comuns
ações das empresas, sua capitalização no mercado, havia lançaram se à sua própria farra. Entre 1994 e o primeiro
atingido US$ 19,6 trilhões. Em 1994 foi de US$ 6,3 trimestre de 2000, o valor total de ações em mãos de
trilhões. A discrepância entre esses totais, com a investidores privados subiu de US$ 4,5 trilhões para US$
espantosa alta, podia ser analisada por vários ângulos. O 11,5 trilhões.(16) Animados por essa enorme valorização
principal, é claro, era a falta de nexo entre o aumento do das ações, os investidores privados passaram a retirar
valor das ações e o crescimento da produção – e, em recursos de suas poupanças e a tomar empréstimos numa
especial, o da produtividade – da economia subjacente. A escalada sem precedentes. Entre 1950 e 1992, os níveis
capitalização do mercado como percentual do PIB de variação das cadernetas de poupança não haviam
necessitara apenas de cinco anos, 1995-2000, para ultrapassado 10,9 pontos percentuais e jamais haviam
triplicar de 50 % a 150 % – apesar de os lucros líquidos caído abaixo de 7,5, à exceção de três anos isolados.
haverem subido apenas 41,2% nesse ínterim. Em Entre 1992 e a primeira metade de 2000, esse nível caiu
contraste, haviam sido necessários treze anos, entre 1982 quase que verticalmente, de 8,7 % para 0,3 %. Os
e 1995, para apenas dobrar de 25 para 50 % do PIB – empréstimos privados, ao contrário, foram para as alturas
apesar de os lucros haverem subido 160 % no período.(13) – embora como percentual do PIB não tenham chegado a
Igualmente eloqüente foi a discrepância sem precedentes atingir os níveis recordes da década de 1980, talvez
entre a valorização das ações no mercado e o valor do porque o endividamento de famílias da classe
capital físico e financeiro das respectivas empresas. No trabalhadora para fazer face ao declínio da receita não
primeiro trimestre de 2000 o coeficiente do valor no fosse uma prática tão comum como havia sido.antes.
mercado de ações das empresas americanas não- Ainda assim, em 1999 o percentual da receita pessoal
financeiras em relação a seu valor líquido – conhecido disponível representado por endividamento atingiu o
como Q de Tobin – chegou a 1,92, tendo sido de 0,94 em nível recorde de 97 pontos. Na segunda metade da
1994 e 1,14 em 1995. A média no século XX como um década de 1980, esse percentual foi de 80 pontos em
todo foi de 0,65. Essa alta superou em 50 % os níveis média. Nesse mesmo período, 1994-5 inclusive, os
mais elevados de valorização das ações no século XX, investidores privados responderam por um total de US$
ocorrido, como seria de se esperar, nos anos de 1929 218 bilhões em venda de ações. Em suma, as empresas,
(1,3) e de 1969 (1,2), no final dos booms dos mercados com o apoio significativo dos fundos de pensão estaduais
de valores daquelas duas décadas. Com o custo das ações e locais e das companhias de seguros, influenciaram o
tão mais elevados que o dos meios de produção e dos mercado de ações com suas aquisições, em grande parte
ativos financeiros, seria de se esperar que os investidores feitas com endividamento. Os investidores privados
adquirissem novas instalações e novos equipamentos em aproveitavam, se da inflação resultante para obter ganhos
vez de continuar comprando ações. Parecia uma questão de capital, valendo,se, para tanto, de suas poupanças e do
de bom senso. O fato de optarem freqüentemente pelo endividamento.(17)
caminho oposto era uma clara indicação de que uma
bolha estava se formando.(14) Por fim, em março de 2000, A fim de atender à espantosa demanda de
chegou a 32 o coeficiente entre o preço das ações e o crédito por particulares e empresas, para fazer frente ao
lucro das empresas representadas no índice S&P 500 – a crescente consumo bem como à aquisição de ações, as
relação entre o que custa em média a aquisição de uma instituições financeiras viram, se na contingência de
ação e os lucros anuais que essa ação representa. aumentar seu próprio nível de endividamento. Entre 1995
Considerando, se o quanto a alta do custo das ações e 1999, os empréstimos tomados pelo setor financeiro
divergia do aumento dos lucros, não causou surpresa cresceram duas vezes e meia, chegando em média a 10 %
alguma o fato de se estar diante de um novo recorde – no do PIB, mais que o dobro da média alcançada na década
mínimo um terço acima do pico anterior no século XX e anterior. Isso foi acompanhado de um pronto aumento de
cerca de duas vezes e meia sua média recorde de 13,2. A disponibilidade da moeda. Entre 1995 e 1999, o M3
taxa anual de retomo das ações comuns – ou seja, a cresceu em uma média anual de 8,3 %. Entre 1990 e
relação preço-lucro invertida – estava, pois, 1995, a média de crescimento foi de 1 % ao ano. Essa
extremamente baixa em termos históricos: cerca de 3 %, explosão de endividamento do setor financeiro não teria
comparando-se com a média histórica de 7,7 %. Poder- sido possível sem a bênção do Federal Reserve, que
se-ia esperar, portanto, que as ações passassem a ser pode, ria, por exemplo, ter aumentado as taxas de juros
consideradas um investimento cada vez pior. O fato de ou ter feito maiores exigências se quisesse limitar a
haver ocorrido exata, mente o oposto serviu para indicar expansão do nível de endividamento. Porém, conter a
que, na maioria das vezes, compravam-se ações bolha era algo que não passava pela cabeça de Alan
simplesmente na expectativa de que seus preços Greenspan. De fato, durante os anos 1998-99 a tomada
continuassem a subir, a despeito das taxas de retomo das de empréstimos pelo setor financeiro foi em média de 12
empresas. A dinâmica da bolha podia ser percebida.(15) % do PIB americano, o que significava um nível 75%
mais elevado que o mais alto registrado até então. Nos
11

mesmos dois anos, cuidando que essa enorme farra não Asiático de 1997-98. Nos primeiros anos da década de
fosse prejudicada por falta de disponibilidade de 1990, o déficit em conta corrente dos Estados Unidos já
recursos, o próprio governo, por meio de instituições havia baixado consideravelmente dos níveis recordes a
como a Federal National Mortgage Association e a que chegou do meio para o fim da década de 1980.
Federal Home Loan Mortgage Association, emprestou Entretanto, a partir de 1994-95, à medida que a economia
mais de US$ 0,6 trilhões para a aquisição de imóveis e de se expandia, e voltava a crescer. Quando o crescimento
outros bens. O seu próprio endividamento para tanto das exportações entrou em colapso e o consumo se
atingiu quase 30 % do to.. tal da dívida do setor acelerou em 1998, os déficits comercial e de conta
financeiro naqueles anos. Ao final de 1999, as dívidas corrente explodiram. Em. 1999 e 2000 ambos chegaram a
pessoais, corporativas e do sistema financeiro haviam níveis recordes. Para financiar esses déficits, os Estados
atingido seus mais altos níveis percentuais no PIB em Unidos não tiveram outra alternativa a não ser assumir
toda a história dos Estados Uni.. dos no período crescentes dívidas junto a fornecedores externos. Os
pós..guerra. investidores externos, porém, não precisavam de
qualquer incentivo para adquirir ativos americanos e a
A escalada do consumo pressa com que se atiravam a eles ajudou
consideravelmente no crescimento da bolha. Esse
À medida que a poupança caía processo teve início em 1995, quando os governos do
vertiginosamente, o endividamento se avolumava e Japão e de outros países do leste asiático passaram
realizavam..se grandes ganhos de capital, o consumo foi adquirir títulos do governo americano a fim de manter
se acelerando e assumindo um papel cada vez maior no baixas as cotações de suas moedas. Os investidores
processo de crescimento econômico. Depois de crescer a privados seguiram atrás para aproveitar essa alta do
uma taxa anual de 2,9 % e responder por cerca de dois dólar. Porém em 1997 a composição dessas aquisições
terços do crescimento do PIB entre 1985 e 1995, o externas mudou consideravelmente. Vários governos do
consumo cresceu a uma média anual de 4,2 % entre 1995 Leste Asiático viram-se forçados a liquidar seus ativos
e 1999, passando a responder por um aumento de 73 % em dólar num esforço para segurar a queda vertiginosa de
do PIB. Além do mais, como deve ter sido a intenção do suas moedas. Por outro lado, os investidores estrangeiros
Fed e do Tesouro americano, isso compensou com sobra passaram cada vez mais a ver os Estados Unidos como
o colapso das exportações que havia iniciado em finais um porto seguro em um mundo ameaçado pela recessão,
de 1997, expandindo-se a uma assustadora taxa anual de e assim aumentaram o investimento externo direto,
5 % e respondendo por quatro quintos de um crescimento tornando-se participantes ainda mais importantes nos
de 4,3 pontos percentuais ao ano do PIB em 1998-99. No mercados de ações americanos. No primeiro trimestre de
final das contas, depois de ter crescido a uma taxa de 2,4 2000, foram responsáveis por 30 % do total de compra de
% entre 1989 e 1995, o PIB americano cresceu a uma ações – tendo sua participação sido de 15 % em 1999 e 7
taxa de 4,15 entre 1995 e 1999. Segundo o Federal % em 1998 – e pela aquisição de 40 % do total de papéis
Reserve, cerca de um.quarto desse crescimento pode ser negociados – tendo sido 33 % em 1999 e 20 % em 1998.
atribuído ao "efeito de prosperidade" resultante da alta
vertiginosa das ações. Dito de outra maneira, o consumo, O aumento do investimento externo nesses
impulsionado pela alta do mercado de ações, fez crescer mercados acelerou o crescimento da bolha, pois os
em um terço o PIB desse período. Os salários reais credores externos passaram a subsidiar direta e
começaram a crescer, por fim, de maneira significativa. indiretamente o consumo, que se fazia à custa do
Em 1998 e 1999 a média de crescimento chegou a 3,3 % endividamento, para que a demanda americana pudesse
no setor de negócios não-agrícolas, tendo sido de 0,3 % o subsidiar as exportações dos próprios credores externos.
crescimento entre 1986 e 1996. Isso também impulsionou Acontece que o grosso dos ativos que eles adquiriram
bastante o consumo naqueles anos. podia ser liquidado com relativa facilidade – as
aquisições por investi, dores privados de títulos do
A indústria americana não dava conta desse Tesouro, bônus e ações entre 1995 e o primeiro semestre
nível de demanda. Já em 1998-99 o aumento do consumo de 2000 chegaram a cerca de US$ 1,6 trilhão, tendo sido
interno ultrapassava o da produção americana em 25 %. de apenas US$ 900 bilhões os investimentos diretos. Em
Os bens produzidos no exterior tiveram que preencher a meados do ano 2000 o total bruto de ativos americanos
lacuna, e assim a produção de bens e serviços cresceu à em mãos de investidores externos chegava a US$ 6, 7
velocidade de 11,2 % ao ano entre 1995 e 1999. Entre trilhões, ou seja, 67 % do PIB dos Estados Unidos. Em
1985 e 1995 esse crescimento foi de 6,1 % ao ano. Essa 1995 havia sido de US$ 3,4 trilhões, ou 46 % do PIB.
ascensão me teórica das importações pelos Estados Desse total do ano de 2000, US$ 3,49 trilhões consistiam
Unidos teve importantes conseqüências na economia em certificados do Tesouro americano, bônus e ações
mundial a partir de 1995 e foi determinante em evitar que adquiridos por investidores particulares e US$ 1,2 trilhão
ela caísse em depressão no rastro da crise do Leste correspondiam a investimentos diretos.(18) A
12

dependência da prosperidade dos Estados Unidos – e principalmente ao fato de a expansão haver começado
suas perspectivas de expansão – do investimento externo com uma situação já bastante estabilizada em
em ativos americanos é um fato inegável. Inegável, comparação às anteriores. Além do mais, o crescimento
também, é a vulnerabilidade do seu boom a qualquer real dos salários só assumiu um ritmo razoável a partir de
perda de confiança por parte dos investidores externos. 1998. De fato, até 1997 o valor da hora de trabalho em
termos reais da economia não-agrícola não era mais alto
Os contornos e a natureza do boom do que fora em 1992. Para os trabalhadores da indústria a
situação era ainda muito pior: em 1999 sua remuneração
Dadas as condições exacerbadas que cercam a real por hora de trabalho não ultrapassava o nível de
expansão americana da década de 1990 e o boom a que ela 1970, e ainda estava mais de 5 pontos percentuais abaixo
deu origem, seus contornos e sua natureza merecem ser do pico de 1979. Ao longo da década de 1990, e de
examinados. Em 1999, Alan Greenspan disse, maneira muito evidente, a distribuição da riqueza nos
emocionado: "Estamos presenciando nesta década nos Estados Unidos piorou consideravelmente: entre 1989 e
Estados Unidos a demonstração mais irrefutável já vista 1997, o estrato superior (1 %) aumentou seu patrimônio
na história da capacidade produtiva de povos livres líquido em 11,3 pontos percentuais e os 5 % superiores,
operando em mercados abertos." Ele visivelmente havia em 10 pontos percentuais; os 10 % superiores, em 4,1
se apaixonado por sua própria obra. Se analisarmos os pontos percentuais e os 90 % inferiores, em menos 4,4
dados sem nos deixarmos levar pela emoção, não temos pontos percentuais.20
motivos para acreditar que tenhamos entrado na era de
uma "nova economia" – se essa expressão significar uma Talvez a constatação mais eloqüente seja a de
economia diferente de tudo que se viu até agora em que a taxa de crescimento da produtividade do setor de
termos de produtividade e vitalidade, e não apenas de um fabricação americano a partir de 1993, tão citada para
maior dinamismo que o existente nas duas longas evidenciar a emergência de uma “nova economia”, não
décadas de declínio a partir de 1973. tenha sido tão melhor que a de seus principais
concorrentes. Enquanto a produtividade industrial
O desempenho da economia na década de 1990 americana crescia a uma taxa anual de 4,7 % entre 1993 e
não se compara se, quer remotamente com o das três 1999, a produtividade das indústrias alemã e francesa
décadas que se seguiram à guerra. O ciclo econômico crescia em média 5 % ao ano (1998) e 4,25 % ao ano,
nesta década tem sido mais pujante, mas não de forma respectivamente. Nesse mesmo período a produtividade
drástica, que o da década de 1980 (1979-90) ou da do setor de fabricação japonês ficou atrás, com uma
década de 1970 (1973-79). Além do mais, até onde média de 3,7 %, porém há que se considerar a recessão,
conseguiu ultrapassar os níveis anteriores, isso deveu, se que a empurrou para baixo (chegando a um crescimento
inteiramente à aceleração do crescimento a partir de zero de produtividade durante uns dois anos). De fato,
1995.19 Até então o desempenho da economia americana entre 1990 e 1998 o crescimento da produtividade da
não havia conseguido superar o das duas décadas mão-de-obra do setor não-agrícola na área do euro como
anteriores e estava muito longe dos níveis alcança, dos um todo foi bem semelhante ao dos Estados Unidos,
nas décadas de 1950 e de 60. Em termos de crescimento chegando a uma média de 2 % ao ano,e o aumento geral
do PIB, estava, de fato, pior. A partir de 1995 a expansão da produtividade foi um pouco maior. (21)
tornou, se bem mais forte. Mas nem mesmo o boom de
quatro anos e meio entre 1995 e meados de 2000 pode Uma nova vitalidade
ser comparado à expansão econômica de vinte e três anos
de duração a partir de 1950 em termos de crescimento Considerando-se tudo que foi dito até aqui,
anual do PIB – 4,15% contra 4,2%; da produtividade da pode-se afirmar que o ciclo econômico americano da
mão-de-obra – 2,7 % contra 2,7%; ou da taxa de década de 1990, com a explosão de crescimento em
desemprego – 4,7 contra 4,2 % (e é ainda preciso 1996, representou de fato um modesto avanço em relação
ressaltar que aquele longo período, diferente, mente ao das duas décadas anteriores, e que o recente boom
deste, que foi curto, incluiu várias recessões). americano, de quatro ou cinco anos, representa uma clara
Naturalmente a magnitude da expansão da economia descontinuidade no contexto da longa estagnação do
americana no longo período de ascensão após a guerra quarto de século que a precedeu. Como devem ser
não se compara remotamente sequer com a do Japão ou interpretados esses números? Não se pode negar que
dos países mais avançados da Europa Ocidental. durante a década de 1990 a economia americana exibiu
um importante crescimento de sua vitalidade, expresso
Deve-se também assinalar que a criação de nas acelerações do investimento e da produtividade da
novos postos de trabalho nos Estados Unidos vem se economia não-agrícola depois de períodos muito longos
dando num ritmo inferior ao que ocorreu nas décadas de de estagnação dos investimentos e de lentos ganhos de
1970 e 80 e, se o desemprego é baixo, isso se deve produtividade.(22) Entre 1995 e meados de 2000, os
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investimentos reais em instalações e equipamentos foram produtividade do trabalho fora do setor de fabricação
em média, respectivamente, de 17% e de 9,7 % do PIB; resultou, em grande medida, da crescente pressão sobre
nos oito anos de expansão na década de 1980 os os trabalhadores para responderem à demanda crescente,
percentuais foram respectivamente de 14,6% e 6,0%; e fenômeno semelhante ao que costuma ocorrer nas fases
nos nove anos de expansão da década de 1960, foram de finais de um ciclo de crescimento econômico, quando os
14,3% e 3,4 %. Naquele mesmo período de quatro anos e investimentos já começaram a cair. O que nos leva a
meio de duração, o crescimento da produtividade da fazer aqui essa referência, entretanto, é justamente o fato
mão-de-obra dos setores não-agrícolas foi de 2,7 % em de, na década de 1990, o aumento de investimentos ter de
média; entre 1990 e 1995, a média não passo!p de 1,6; fato se acelerado, de maneira absolutamente atípica, à
entre 1973 e 1990, foi de 1,4 pontos percentuais.(23) medida que o ciclo amadurecia. Isso leva a crer que o
aumento de produção reflete o aumento e a melhoria de
Diante desse aumento da taxa de acumulação de instalações e equipamentos à disposição dos
capital, os números indicando um aumento paralelo de trabalhadores, não apenas a um aumento de esforços por
produtividade da mão-de-obra, parecem bastante parte deles. O crescimento anual do investi, mento em
convicentes, com toda a controvérsia metodológica que termos nominais no setor de não,manufaturados foi
os cerca. A situação apresenta-se bem nítida no caso do superior a 10 % nesse período de expansão que teve
setor de fabricação simplesmente porque a aceleração da início em 1991 – mais do dobro do crescimento
produtividade e dos investimentos foi bem pronunciada e verificado na década de 1980, de muito maior inflação –
ocorreu como era de se esperar. No período entre 1993 e atingindo seu ponto mais alto no primeiro semestre do
1999, a taxa de crescimento da produtividade no trabalho ano 2000. Além do mais, nesse mesmo período o
industrial excedeu em mais de um terço a que se investimento nominal em informatização e software
verificou entre 1982 e 1990. Parece razoável atribuir esse passou de 30 para 35 % do total investido. Seria difícil
sucesso ao aumento de 100% da taxa de crescimento do acreditar que os empregadores tivessem incorrido em
capital acumulado nesse mesmo período, comparando-o despesas tão altas por um período tão extenso se elas não
aos resultados de 1982-90. Trata-se de um resultado estivessem contribuindo muito para aumentar sua
impressionante, pois pela primeira vez, desde o início do lucratividade através de substancial aumento da
longo período de queda por volta de 1973, tanto o capital produtividade.
quanto o trabalho cresceram de maneira consistente
durante um período de expansão, aumentando a uma A contenção do processo inflacionário na
média anual de 1,8% entre 1993 e 1998-24 É importante década de 1990 está de acordo com a análise anterior. A
observar que no setor de bens duráveis a produtividade estabilidade dos preços na primeira metade da década é
da mão-d-obra saltou para aproximadamente 7 % entre facilmente justificável. Naqueles anos o aumento real de
1993-99, tendo sido de 3,9% no período de 1982-1990. É salários foi praticamente nulo, portanto a pressão dos
a partir daí que se poderiam esperar ganhos de custos para elevar os preços foi mínima. Com o aumento
lucratividade desproporcionais, já que foi aí que a do PIB do período também bastante limitado, o
aceleração dos investimentos concentrou-se – com um crescimento da demanda foi ainda inferior ao das décadas
aumento dos investimentos em bens duráveis chegando de 1970 e 80. Para que a situação não mudasse, como
em média a 12,3% entre 1993 e 1998, contra 6,3% em vimos, o Fed aumentou sensivelmente as taxas de juros
bens não-duráveis. É aí também que os principais setores em 1994. O que não se explica tão facilmente é a baixa
de ponta se encontram: maquinaria industrial e taxa de inflação nos cinco anos seguintes diante de um
comercial, inclusive computadores, e maquinaria elétrica, rápido crescimento do PIB, de uma queda acentuada do
incluindo-se aí semi-condutores. nível de desemprego e da aceleração do aumento real dos
salários. Não há dúvida de que a posição enfraquecida
Os ganhos de produtividade nos demais setores dos trabalhadores continuou a ser um fator essencial na
são difíceis de avaliar, dada sua extrema descontinuidade. manutenção de preços em níveis baixos. O total de
A produtividade da mão,de, obra no setor de não- trabalhadores sindicalizados rio setor privado ficou
manufaturados cresceu a uma média anual de abaixo de 10 % na segunda metade da década de 1990,
aproximadamente 2,4 % entre 1995 e 1999, depois de um apesar dos esforços da AFL-CIO, então sob nova
período de quase estagnação nos dezoito anos anteriores. liderança. Além disso, apesar do baixo nível de
Mesmo em 1995 o nível de produtividade ficou em desemprego, a insegurança dos trabalhadores continuava
escassos 4 % a mais do que em 1977. O fato de a a ser grande, pois na verdade o número de dispensas e a
produtividade nesse setor não ter começado acrescer até rotatividade continuavam muito altos e a enorme
que houvesse a aceleração da produção, com início em proporção da força de trabalho em postos de baixos
1996, tem levado um bom número de analistas a salários continua a solapar sua ,capacidade de negociação
considerá-la apenas um subproduto dessa outra. Nessa por salários melhores. Mas apesar de um mercado de
linha de raciocínio, o aumento verificado na trabalho cada vez mais enxuto haver terminado por forçar
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o aumento dos salários, até aqui não houve redução da oferta também acelerada e um baixo nível da inflação, ou
margem de lucros ou aumento de preços significativos. E seja, a demanda resultou em aumento da produção, não
é pouco provável que isso aconteça, simplesmente de preços. Foi também fundamental nesse processo o
porque agora as empresas estão em condições de alinhar aumento expressivo das taxas de lucro bruto e líquido
os aumentos de salários com o crescimento da que ocorreu inicialmente no setor de fabricação entre
produtividade.(25) 1985 e 1995, mas que se estendeu a outros setores entre
1995 e 1997. Isso deu origem a uma importante
O principal fator de contenção da inflação na recuperação da lucratividade dos setores não-agrícolas
segunda metade da década vem sendo, provavelmente, o como um todo, elevando-a quase aos níveis alcançados
aumento extremamente lento dos preços de no boom do período pós-guerra. Na década de 1970,
manufaturados no resto do mundo e das importações dos devido ao crescimento do déficit federal, o percentual de
Estados Unidos – resultantes da alta cotação do dólar e empréstimos públicos e privados em relação ao PIB foi
das situações de crise no. Exterior. Graças, 50 % superior ao que se verificou na década de 1990.
principalmente, à estagnação da economia do leste Mas, como as taxas de 1ucro eram bem baixas, a
asiático, os preços dos manufaturados têm estado disponibilidade de recursos das empresas para
bastante estáveis. Além disso, com a queda.da demanda investimento era também menor e muitas delas
mundial ao longo de 1997 e 1999, o preço das matérias encontravam, se à beira da falência. Isso resultou em
primas – e em especial do petróleo mantiveram-se baixos preços relativamente mais elevados, investimentos
até bem pouco tempo. Por final, como a cotação do dólar relativamente mais baixos e aumento de produção e
subiu tanto, os produtos importados pelos Estados produtividade em resposta, a determinadas demandas
Unidos ficaram muito mais baratos. Nestas agregadas. Na década de 1980, os déficits público e
circunstâncias, tem sido muito difícil para os produtores privado combinados representavam um percentual maior
americanos de bens ,de consumo elevar seus preços. do PIB que em 1970. Porém as taxas de lucro
Ainda assim é difícil desconsiderar o impacto baixíssimas e juros elevados a níveis recordes mantinham
antiinflacionário do rápido aumento da produtividade da num nível quase que basal o investimento e a
indústria americana, que limitou o crescimento médio produtividade. Nesse contexto, o aumento do
anual dos seus custos de mão-de-obra a menos de 1,2 %. endividamento impulsionou a expansão, a inflação foi
O crescente aumento de produtividade tem sido também mantida em níveis baixos pelo crescimento
importante fora do setor de fabricação, onde os preços, de extremamente lento dos salários (nominais e reais) e o
um modo geral, tampouco têm subido no setor não- dólar permaneceu muito valorizado por toda a primeira
agrícola como um todo – isto é, para além do setor metade da década.
de.,bens transacionáveis. Por fim, e não menos
importante, o rápido aumento do estoque de capital – por Ao contrário, a partir do início dos anos 90 e até
se ter evitado que a capacidade de utilização aumentasse a metade dessa década, quando as taxas de lucro bruto e,
muito ao longo do período de expansão, apesar do rápido principalmente, as de lucro líquido aproximaram se dos
crescimento do PIB – vem sendo também determinante picos de meados dos anos 60 – gerando uma crescente
na contenção de custos e de preços. Apesar da duração onda de investimentos, aumentando a capacidade e a
recorde da expansão da década de 1990, a utilização da produtividade da indústria por toda a segunda metade da
capacidade industrial americana no início de 1999 era década – à. indústria americana foi capaz de atender à
mais de um ponto percentual inferior à média dos últimos demanda, diferentemente do que havia ocorrido no longo
trinta anos. Ou seja, o nível de utilização da capacidade período que antecedeu a esse. Não apenas foi possível
industrial em 1999 era ainda um pouco inferior ao de segurar o aumento dos preços, como também aumentar
1993. Nos últimos dois anos e meio, de 1997 até o os salários sem fazer muita pressão sobre a taxa de lucro,
primeiro semestre de 2000, o aumento real de salários na pelo menos fora do setor de fabricação (que, na verdade,
economia não-agrícola foi em média de 2,9% ao ano – teve a margem de lucro pressionada pela queda de preços
entretanto o aumento do custo da mão-de-obra no mesmo no resto do mundo a partir de 1998). Se um aumento
período foi em média de 1,6 %, apenas ligeiramente "artificial" da demanda com base no endividamento e na
maior que o do preço de produtos, que foi de 1,4 %. valorização das ações impulsionou o boom a partir de
1995, a economia foi capaz de responder com muito mais
Em suma, uma explosão do consumo por meio vigor do que vinha sendo capaz de exibir havia muito
da redução recorde da poupança e de um aumento sem tempo.
precedentes do endividamento privado passou a
impulsionar a expansão econômica americana em 1996 e O boom se sustenta?
assegurou sua continuidade em 199-8. O que também
caracterizou a trajetória da economia nesses anos foi o A pergunta que se faz, portanto, é se o boom se
fato de a essa demanda acelerada corresponder uma sustenta. Será que, a exemplo do que ocorreu no Japão no
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início dos anos 90, os exageros da bolha que é de espantar que no primeiro semestre do ano 2000 os
impulsionaram o boom para tão alto, serão finalmente juros (agora chamados "lucros corporativos") hajam
castigados com uma reviravolta em sentido contrário? subido a uma marcha de 14% ao ano.
Perfeitamente cientes desse perigo, as autoridades
governamentais americanas estão contando com a Entrementes, o crescimento da economia
expansão febril do consumo – antes que ele comece a americana realmente estimulou um crescimento mais
diminuir – para colocar a economia sobre bases mais acelerado em boa parte do mundo, principalmente no
confiáveis, catalisando uma transição suave da crise Leste Asiático e na Europa Ocidental e beneficiou-se, por
internacional de 1997-98 para uma situação econômica sua vez, do crescimento das exportações. A Coréia, por
mundial mais tranqüila. Por meio do estímulo à expansão exemplo, parecia ter saído da crise em que se encontrara.
da economia global calcada em exportações e assim Suas exportações para os Estados Unidos subiram entre
criando condições favoráveis de reciprocidade que 20 e 25 % em 1999 e até meados de 2000. Taiwan, Hong
acelerem a demanda por produtos americanos, será Kong e Cingapura não ficaram atrás. As economias do
possível à indústria dos Estados Unidos retomar os níveis euro, cujas exportações para os Estados Unidos
de crescimento da exportação que teve até 1997 e assim aumentaram a uma média anual projetada de 11% para o
recuperar suas antigas taxas de lucro. Ao mesmo tempo, biênio 1999-2000, retomavam as taxas de crescimento
espera-se que os investimentos nos setores não- que haviam alcançado na década de 1980, ou seja, mais
manufatureiros continuarão crescendo num ritmo de 3,5 % ao ano, com declínio dos níveis de desemprego.
suficientemente rápido que permita recolocar os ganhos Nesse contexto dinâmico de crescimento cíclico da
de produtividade pelo menos nos níveis dos últimos economia mundial, as exportações americanas também
quatro ou cinco anos e assim elevar ainda mais a taxa de aumentaram em ritmo acelerado, tendo crescido 3,3 %
lucro no setor de serviços. A economia poderia então em doze meses até meados de 2000i os percentuais em
livrar, se da sua atual dependência do consumo 1998 e em 1999 haviam sido, respectivamente, de 2,2 e 4
alimentado pelo crédito, substituindo essa base do boom %. O cenário divisado por Greenspan, Summers e
por exportações e investimentos – e com isso Clinton parecia estar se materializando e a perspectiva de
encontrando também uma base mais firme para os altos um novo período prolongado de crescimento em nada se
valores das ações (que poderiam, nesse meio,tempo, ter parecia com uma fantasia.
sofrido alguma "correção", mas que teriam escapado de
um desastre). Para que se alcançassem os resultados
desejados, entre junho de 1999 e 2000 Greenspan
Até meados do ano 2000 a economia dos inverteu sua política de baixar os juros para elevar o
Estados Unidos dava mostras de estar seguindo bem de valor das ações, que havia adotado em 1998: aumentou
perto o rumo desejado pelas autoridades governamentais as taxas de juros de curto prazo em 1,75 %. O aperto
americanas. Estava em franca ascensão – na verdade, em acabou sendo suave demais. No verão de 2000, o
uma ascensão extraordinária –, num ritmo raramente aumento dos preços indicava que os juros não haviam
visto numa expansão econômica nos últimos tempos. O subido o suficiente. Ao que tudo indica, o presidente do
PIB havia crescido 6,1 pontos percentuais no curso dos Federal Reserve espera que a "mágica" se repita: da
doze meses anteriores. Nesse mesmo período, a mesma forma que seu desejo expresso de fazer subirem
produtividade do trabalho dos setores não-agrícolas havia as ações resultou na alta nas bolsas do outono de 1998,
subido 7 pontos – um percentual espantoso, bem superior sem que fosse necessária uma redução drástica do custo
aos já respeitáveis 4,1% do ano anterior. Esse resultado da moeda, espera agora que sua vontade manifesta de que
certamente pode ser atribuído aos investimentos, ainda as ações subam mais lentamente, ou mesmo que tenham
em processo de aceleração, que haviam subido 14,2% uma modesta "correção", seja o suficiente para produzir
naqueles doze meses e ainda estavam crescendo a uma os resultados desejados, sem que ele tenha que recorrer a
taxa de 18 % até a metade do ano 2000. Por outro lado, medidas duras. O objetivo é, claramente, conter o
apesar do grande salto do PIB e das taxas de consumo – e, de quebra, as importações – com o
produtividade, o aumento real de salários foi de apenas esfriamento do mercado de ações.(26) Permanece em
1,4% nos doze meses anteriores (até meados de 2000), ou aberto, porém, a pergunta: os Estados Unidos
seja, metade do que havia crescido (2,7%) nos doze conseguiriam fazer isso sem pôr em risco sua própria
meses anteriores àqueles, sendo de apenas 0,8% o expansão, e não estariam ameaçando o resto do mundo
crescimento projetado para o ano 2000. As empresas, de estagnação ou algo pior? A saída que a economia
nesse meio tempo, aumentaram seus preços bem mais americana precisa negociar deve contemplar seu retorno
rapidamente que no ano anterior, principalmente no ao caminho voltado para a exportação que vinha
primeiro semestre do ano 2000, quando o aumento anual seguindo até 1997 – se possível agora complementado
projetado passou a ser de 2,7%. Para o capital, as coisas com o crescimento também das exportações de seus
não poderiam ter tido um encaminhamento melhor. Não parceiros e concorrentes internacionais. Uma divisão de
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trabalho mundial que crescesse como um todo – isso nos menos 30 % de capacidade ociosa em todo o mundo –
ensinam os livros – asseguraria a todos os ganhos entretanto ainda se implantam fábricas, uma atrás da
suficientes para fazer face a uma expansão mundial outra, na Ásia". Em outro trecho, o Economist afirma
coordenada. Para subscrever todo esse processo, o setor que: "Não há qualquer perspectiva de redução dessa
de não-transacionáveis não-manufaturados dos Estados capacidade ociosa em curto prazo, pois as empresas, que
Unidos teria que manter uma espiral ascendente de altas dependem de moeda sonante, são incentivadas a manter-
taxas de lucro que gerariam o aumento de investimentos se funcionando, ainda que com prejuízo, para gerar
e de produtividade, que por sua vez resultaria em recursos. A superabundância de mercadorias por todo o
crescimento dos salários e num mercado interno mundo está constantemente pressionando os preços para
dinâmico. baixo. A desvalorização não pode fazer desaparecer a
capacidade ociosa; ela apenas empurra o problema para
Excesso de produção mundial? adiante." O resultado de tudo isso, conclui o Economist, é
que a diferença entre a produção mundial e a capacidade
Porém nem o retorno a um caminho de de absorção aproxima-se de seus níveis mais elevados
complementaridade em vez de competitividade na desde a década de 1930.(27)
expansão econômica mundial, nem a manutenção de um
boom de investimentos no setor de não..transacionáveis A partir de 1998, como vimos, o crescimento do
são fáceis de se conseguir. Deve..se lembrar, logo de consumo impulsionado pelo endividamento começou a
início, que até o ano de 1998 (inclusive) as principais ser substituído pela crescente competitividade da
economias industriais do mundo - os Estados Unidos, o indústria e pelo aumento das exportações como fatores
Leste Asiático, a Europa Ocidental e o Japão – impulsionadores da economia americana, permitindo que
continuavam a julgar difícil, se não impossível, expandir esta evitasse temporariamente os problemas sistêmicos
e prosperar juntos em face da capacidade ociosa e do da economia mundial. Mas a pergunta que se impõe é se
excesso de produção industrial por todo o mundo. A os Estados Unidos podem agora, inverter o processo, ao
partir da 1995, como vimos, a alta do dólar e o mesmo tempo em que seus rivais continuam a crescer
crescimento da economia americana estimularam o com base nas exportações. A recuperação da economia
rápido crescimento das importações nos Estados Unidos, mundial que se tem podido observar a partir de 1999 não
o que, por sua vez, detonou um novo movimento cíclico vem dando mostras de que as principais economias
ascendente em grande parte do mundo e tirou a Europa industrializadas possam finalmente crescer juntas – não,
Ocidental e o Japão da estagnação em que se pelo menos, sem um déficit em conta corrente dos
encontravam, exatamente como haviam feito quando do Estados Unidos, que a cada ano vem atingindo novos
ciclo de estagnação de meados da década de 1970 ao recordes – ou seja, sem que o boom de consumo
início da seguinte. (Isso, porém, não ocorreu na primeira americano continue.
metade da década de 1990, quando o crescimento lento
dos Estados Unidos e o dólar desvalorizado haviam
ratificado as recessões do Japão e da Europa Ocidental.) O crescimento das exportações americanas tem,
De fato, em 1997 o crescimento do PIB dos países do G- de fato, reagido prontamente a uma expansão econômica
7 e do OECD como um todo atingiu seu nível mais alto internacional emergente, tornada possível, em grande
da década. Porém as altas taxas de câmbio nos Estados parte, pelo aumento das importações americanas. Mas
Unidos e as economias do Leste Asiático seguindo o isso tem gerado problemas, pois o nível das importações
rastro do dólar levaram, em pouco tempo, à queda de americanas até meados do ano 2000 está 30 % acima do
competitividade e de lucratividade do setor de fabricação das exportações. Isso significa que a partir daí as
americano, bem como a uma crise generalizada no Leste exportações precisam crescer a uma velocidade um terço
Asiático – que, por sua vez, no segundo semestre de superior,à das importações para evitar que o déficit da
1998, ameaçou toda a economia mundial, inclusive os balança comercial se amplie ainda mais. Nos doze meses
Estados Unidos, de recessão ou algo ainda pior. O entre o fim do primeiro semestre de 1999 e o de 2000, as
excesso de capacidade produtiva e de produção mundiais, exportações americanas cresceram a uma taxa anual
que se refletem na pressão atualmente exercida sobre as espantosa de 28,5 por cento ao ano apenas para manter
taxas de lucro do setor de fabricação internacional, estável o atual déficit de US$ 30 bilhões por mês da
começaram a mostrar novamente sua cara feia. balança comercial. Portanto é muito difícil imaginar
como o déficit de conta corrente pode deixar de chegar a
Segundo um estudo realizado pelo Economist 4,5 ou 5 por cento do PIB no ano 2000, estabelecendo,
em 1999, "Graças ao grande excesso de investimento, assim, um novo recorde.
principalmente na Ásia, o mundo está inundado de chips,
aço, automóveis, têxteis e produtos químicos (...) A Na expansão da economia internacional que ora
indústria automobilística, por exemplo, já está com pelo se verifica – à semelhança do que ocorreu em 1996-97 e,
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na verdade, nos ciclos de recuperação anteriores, na economia privada não-financeira – incluindo-se os


primeira metade da década de 1980 e em meados de 70 – manufaturados – manteve-se, em 1999, igual à de 1997 e
os principais rivais e parceiros econômicos dos Estados provavelmente crescerá no ano 2000. Com base nesses
Unidos na Europa Ocidental e no Leste Asiático retornos crescentes, os investimentos no setor de não-
dependem de uma combinação de câmbio desvalorizado manufaturados elevaram-se ainda mais rapidamente que
(principalmente o euro, que tem baixa cotação) e um na economia do setor não,agrícola como um todo a partir
efervescente mercado importador americano para de 1995 até a presente data, e muito acentuadamente a
acelerar seu crescimento. Se o crescimento do PIB e do partir de 1998, quando o aumento dos investimentos no
mercado importador americanos deixassem de crescer, setor de fabricação parece ter caído.(28) Por sua vez, com
seria difícil acreditar que os estímulos do mercado a aceleração dos investimentos em não-manufaturados, o
externo às exportações americanas aumentassem. Muito crescimento da produtividade messe setor, quase
ao contrário: para que o mercado mundial se expanda o estagnado havia duas décadas, despertou de seu torpor e
suficiente para absorver o crescimento das exportações também tomou velocidade de maneira notável, com
americanas em seu acelerado ritmo atual, parece incontestável aceleração nos dois últimos anos. Com o
necessário que as importações e o déficit em conta aumento real de salários estacionário, maiores
corrente americanos tenham que crescer tremendamente. investimentos e maior crescimento da produtividade
Isso significa que, para que a economia americana aumentaram ainda mais a lucratividade.
continue a crescer vigorosamente, o quadro atual de
expansão da economia mundial precisa ser mantido – A pergunta, então, é se isso se sustém. Pois o
embora isso em nada contribua para a redução do déficit crescimento febril do consumo pessoal não apenas
em conta corrente e, de fato, deva torná-lo ainda pior. constituiu, se em um enorme incentivo a novos
investimentos em equipamentos e instalações para aquele
Pelos mesmos motivos, nada parece indicar que setor, como também foi indispensável, diretamente, a seu
as indústrias americanas consigam, com o dólar em seu crescimento – como o foi, também, ao setor de fabricação
nível atual, livrar-se facilmente da pressão sobre os seus para limitar suas perdas em 1997 e 1998. Apesar do
lucros e sobre sua acumulação de capital semelhante à colapso da exportação – que caiu de 10 % ao ano em
que sofreram em 1998 e 1999, sob o impacto da termos nominais entre 1985 e 1997 para zero por cento
desaceleração econômica mundial. No primeiro semestre ao ano em 1998 e 1999 e da queda de competitividade
do ano 2000, os lucros (descontados os juros) do setor que o acompanhou – a queda da taxa de lucros do setor
industrial ainda não haviam conseguido superar os níveis de fabricação foi de apenas 10 a 12 %, graças, em grande
de 1997, apesar da exportação de manufaturados haver parte, ao consumo de bens duráveis que subiu
crescido 13 por cento naquele semestre e apesar, ainda, espetacularmente a um ritmo de 11 % ao ano entre 1997
de os gastos com consumo pessoal terem continuado a e meados de 2000, tendo aumentado 6,5 % entre 1991 e
subir aceleradamente, como em 1999, à espantosa taxa 1997. O problema, evidentemente, reside no fato de esse
anual- provavelmente insustentável- de 5,35 por cento. consumo acelerado – que preparou o caminho para a
Em nada contribuiu, é claro, a queda vertiginosa do euro aceleração de investimentos e suavizou a desaceleração
nesse período, pois o euro é de importância central para a do setor de fabricação na segunda metade da década de
recuperação econômica européia que, por sua vez, ajuda 1990 – depender, por sua vez, do esvaziamento da
a impulsionar as exportações americanas. poupança e do aumento descomunal do débito privado.
Porém, dado o atual quadro de endividamento pessoal
Em última análise, a fonte essencial da pujança sem precedentes em relação à renda doméstica e de
da economia não- financeira americana a partir de 1995 crescimento negativo da poupança, não é fácil imaginar
e, em especial, a partir de 1997, tem sido sua capacidade como o endividamento pode continuar a crescer o
de manter, e de até mesmo aumentar, seu lucro agregado, suficiente para sustentar o crescimento do consumo – e,
apesar de toda a pressão para baixo sobre a taxa de lucro portanto, como o crescimento do consumo pode
da indústria. Essa força se origina, em primeira instância, continuar a impulsionar a economia.
do extraordinário desempenho do seu setor de não-
manufaturados. Neste, as taxas de lucro subiram Esse quadro tende a se agravar com a provável
vertiginosamente entre 1995 e 1997 e continuaram a diminuição, se não o desaparecimento, do efeito de
subir o suficiente para compensar o declínio do lucro dos prosperidade decorrente da alta descomunal do preço das
manufaturados em 1998 e 1999. De fato, no primeiro ações. Na verdade, se a ações deixarem de subir por um
semestre de 2000 o lucro total (não incluídos os juros) da certo tempo, é difícil imaginar como evitar que caiam
economia privada não-financeira foi de US$ 93 bilhões drasticamente (a partir da década de 1990 a compra de
acima do que havia sido em 1997, e a economia do setor ações vem se fazendo, em grande medida, com base na
de não- manufaturados respondeu por três bilhões desse expectativa de valorização ainda maior, em vez de se
aumento. Em decorrência disso, a taxa de lucro da fazer com base em suas taxas de retomo). Nesse caso a
18

economia americana se encontraria em situação


semelhante à do Japão quando sua bolha explodiu.
Impossibilitado pelo alto custo da moeda de retomar ao
crescimento com base na exportação, o setor de
fabricação seria incapaz de impulsionar a economia. Com NOTAS
o valor das ações – e, portanto, o endividamento e o
consumo – voltando à terra, o setor de não-
manufaturados não-transacionáveis deixaria de contar 1. A queda da lucratividade do setor de fabricação resultou
com um mercado interno crescente que justificasse sua em grande parte do acirramento da competição
internacional, que levou ao aumento da capacidade
enorme expansão em termos de instalações e
ociosa e ao excesso de produção. As tentativas, tanto
equipamentos. Com os custos atrelados ao dólar altos
demais para atender à demanda externa e com a por parte das empresas quanto por parte dos governos,
de redução de custos e aumento da competitividade
desaceleração da demanda interna, o retomo da economia
acabaram produzindo o efeito inverso, pois tendiam a
americana à estagnação não seria uma surpresa. As
empresas, já então sem o benefício colateral das ações exacerbar a produção e a reduzir o crescimento da
valorizadas, passariam a ter muito mais dificuldade na demanda agregada. A lucratividade, portanto,
permaneceu baixa e a estagnação econômica continuou.
obtenção de crédito e a enfrentar o aumento das taxas de
Ver "The Economics of Global Turbulence", NLR
juros das suas obrigações já existentes.
I/229, maio-junho, 1998.
Ainda que a economia americana fosse forçada
2. OECD, Economic Survey. The United States 1997,
apenas a um desaquecimento para acomodar a bolha,
Washington, D. C., 1997, p. 71, 176, n. 26.
nada pode garantir que isso se daria sem uma ruptura.
Isso porque, se a economia americana esfriasse o
3. Economic Report of the President 1996, Washington,
suficiente para reduzir as importações, é difícil imaginar
D.C., 1996, p. 46; R. Miller e outros, "How Prosperity
como a economia do resto do mundo deixaria de
desacelerar também – com conseqüências imprevisíveis, is Shaping the American Economy", Business Week,
principalmente no Leste Asiático, que depende tão 14 de fevereiro de 2000.
assustadoramente do crescente mercado americano. Isso
reduziria de maneira drástica as exportações dos Estados 4. Em relação a este parágrafo e ao anterior, ver Murphy,
Unidos. Não se pode esperar, porém, que as dificuldades The Weight of the Yen, Nova York, 1996; J. B. ]udis,
terminem aqui. Se o PIB americano vier a decrescer e os "Dollar Foolish", New Republic, 9 de dezembro de 1996.
preços das ações caírem sensivelmente, os ativos
5. Weight of the Yen; R. .Bevacqua, "Whither the Japonese
americanos em geral perderiam grande parte de seus
atrativos para o investidor externo. As aquisições Model?", Review of International Political Economy, vol.
especulativas de títulos e ações americanos por parte dos 5, n. 3, setembro de 1998, pp. 410-23.
investidores externos já vêm se multiplicando de maneira
6. Board of Governors of the Federal Reserve System, Flow
insustentável. Qualquer tentativa séria de fuga de capital
representaria uma enorme pressão sobre o dólar. Nesse of Funds Accounts of the United States. Flow and
Outstandings [doravante FRB, Flow of Funds] Tabela F
caso, o Fed estaria numa situação extremamente
.107 Resto do Mundo (fluxos) e tabela F 209 Títulos do
complicada: precisaria reduzir as taxas de juros para
Tesouro (fluxos); OECD, Economic Survey United States
assegurar a liquidez necessária ao funcionamento do
sistema e para defender os ativos americanos; mas 1995, Paris, 1996; OECD, Economic Survey. United
States 1996, Paris, 1996, OECD, Economic Survey.
precisaria, mais ainda, subir as taxas de juros para atrair
United States 1997, Paris, 1997, pp. 73-5. A diferença
um fluxo de capital externo e assim possibilitar aos
Estados Unidos os meios necessários para financiar seu entre o total de títulos do governo e o total de títulos do
Tesouro adquiridos por investidores externos nesses três
déficit recorde de conta corrente. Porém até que ponto
anos consistiu em títulos de órgãos governamentais e
teriam que subir as taxas de juros para compensar a
bônus emitidos por entidades como o FNMA ou o FIX.
enorme pressão sobre o dólar se os investidores externos
quisessem liquidar suas carteiras? Num cenário assim
7. Em 1997, as taxas líquidas depois dos impostos do setor
haveria o risco de se desencadearem quebras de
empresarial não-financeiro e do setor empresarial como
mercados de ações provocadas pelo pânico e a fuga de
capitais, com conseqüências devastadoras para toda a um todo chegaram, respectivamente, a 15 % e a 9 % dos
economia. Isso, nós sabemos, foi o que aconteceu no seus níveis mais altos em 1965.
Leste Asiático em 1997,98. Mas, é claro, não poderia
acontecer aqui. 8. Ver OECD, Economic Survey. United States 1999, Paris,
1999, p. 32, esp. Figura 7. “Após uma rápida ascensão
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entre 1992 e meados de 1997, os bancos privados vêm de vendas por investidores privados foi obtida pela
decrescendo recentemente e sua participação na receita subtração de US$ 882 bilhões – correspondentes à
nacional começou a cair." compra de ações por fundos mútuos naqueles anos - do
valor líquido das vendas de ações por investidores
9. Bureau of Economic Analysis, "National Income and privados – que foi de US$ l,l trilhão.
Product Accounts: Second Quarter 2000 GDP and
Revised Estimates: 1997 Through First Quarter 2000", 28 18. FRB, Flow of fFunds, Tabela L. 107 Resto do Mundo
de julho de 2000. (níveis). Entre 1995 e 2000 o total líquido de ativos dos
Estados Unidos em mãos do resto do mundo dobrou,
10. No tópico da crise financeira que se instaurou no outono chegando a US$ l,4 trilhão, ou 14,2 por cento do PIB,
de 1998, ver P. Warburton, Debt and Delusion. Central tendo sido de apenas US$ 0,7 trilhão, ou 9,4 por cento do
Bank Follies that Threaten Economic Disaster, Londres, PIB apenas cinco anos antes. O total líquido representa o
2000, pessoa. 263-6. total bruto, deduzidas as dívidas.

11. FRB, Flow of Funds, Tabela F. 102 Empresas do Setor 19. De fato, se fôssemos considerar apenas a expansão da
Não-Agrícola e Não-Financeiro (fluxos); Tabela F. 213 década de 1990, isto é, o período do ciclo econômico a
Ações do Setor Empresarial (fluxos). partir do ponto em que chegou o seu nível mais baixo e
começou a subir novamente (o fundo do poço), "essa não
12. D. Bogler e G. Silverman, "US Risky Debt Threat to foi a expansão com os mais altos índices de crescimento,
Banks", Financial Times, 22 de fevereiro de 2000. mesmo nos últimos quatro anos o crescimento médio mal
chegou a alcançar o da expansão da década de 1980,
13. M. Wolf, "Walking on Troubled Waters", Financial ficando bem abaixo da de 60". Bank for Intemational
Times, 20 de janeiro de 2000. Os números de Wolf não Settlements, Annual Report 1999-2000, Basiléia, 5 de
estão totalmente de acordo com os apresentados mais junho de 2000, p. 13. O que faz o ciclo da década de
recentemente pelo FRN em Flow of Funds, porém não 1990 parecer um pouco melhor que aqueles que o
diferem muito. antecederam nas décadas de 1980 e 70 é o fato de a
recessão de 1990-91 com a qual ele teve início ter sido
14. FRB, Flow and Funds, p. 102. Balanço das Empresas muito menos profunda que as de 1974-75 e 1979-82.
Não-Financeiras, linha 37; A. Smithers e S. Wright,
Valuing Wall Street: Protecting Wealth in Turbulent 20. Bank for International Settlements, 70 Annual Report
Times, Nova York, 2000, p. 10, Tabela 2.1, e pp. 146-54, 1999-2000, p.14; L. Mishel e outros, The State of
257. O valor líquido é definido como ativos financeiros Warking America 2000-2001 (edição preliminar), Ithaca
acrescidos dos ativos imobiliários disponíveis, 2000, p. 121, Figura 2A; L. Mishel e outros, The State of
equipamento e software, e o custo atual de reposição de Working America 1998-1999, Ithaca, 1999, p. 264,
estoques, deduzidos os compromissos financeiros Tabela 5.6.
assumidos.
21. US Bureau of Labor Statistics, "International
15. Smiters e Wright, Valuing Wall Street, pessoa. 226 e Comparisons of Manufacturing Productivity and Unit
227, em especial o Gráfico 22.1. Labor Cost Trends, Revised Data for 1998", News
Release, p. 7, Tabela B, p. 17, Tabela I; "Europe's
16. FRB, Flow of Funds, Tabela L. .213 Ações de Empresas Economies: Stumbling Yet Again?", Economist, 16 de
(níveis). setembro de 2000, p. 78, Gráfico 2.

17. FRB, Flow of Funds, Tabela F. 213 Ações de Empresas 22. Tendo a aceitar aqui as estatísticas econômicas revistas
(fluxos). A cifra apresentada aqui relativa ao total líquido do governo principalmente para efeito de argumentação,
de vendas por investidores privados foi obtida pela e tento apresentar um quadro coerente nelas baseado.
subtração de US$ 882 bilhões – correspondentes à Mas é necessário ressaltar que tem havido grandes
compra de ações dos fundos mútuos naqueles anos – do mudanças nos métodos de coleta e análise dos dados
valor líquido das venda de ações por investidores nesta área e que os resultados a que se chega podem
privados – que foi de US$ l,1 trilhão. estar exagerando o crescimento das principais variáveis.

16. FRB, Flow of Funds, Tabela L. 213 Ações de Empresas 23. Bank of International Settlements, 70 Annual Report
(níveis). 1999-2000, p. 13. Os dados relativos ao crescimento real
dos investimentos nesse período vêm sendo objeto de
17. FRB, Flow of Funds, Tabela F. 213 Ações de Empresas discussão porque, ao que parece, baseiam-se em cálculos
(fluxos). A cifra apresentada aqui relativa ao total líquido superestimados da queda dos preços dos insumos.
20

Entretanto o fato de haver sido rápido também o


crescimento"dos investimentos do setor não-agrícola em
termos nominais – em média 9% ao ano durante a
expansão da década de 1990 (1991-2000), tendo sido de
4,9 por cento na década de 1980 (1982-90), quando a
inflação estava bem mais alta - dá certa credibilidade ao
argumento de que a acumulação de capital foi de fato
muito rápida. Economic Report of the President 2000, p.
326, Tabela B-16.

24. Nos ciclos econômicos das décadas de 1970 e 80, os


ganhos na relação capital-trabalho ocorreram apenas nos
períodos de recessão, em conseqüência das quedas
verticais no tamanho da força de trabalho, em vez de
resultarem da acumulação de capital comparada ao
crescimento da força de trabalho.

25. O que significa, é claro, que se começar a haver


problemas de queda de demanda, os salários alinhados
farão pressão sobre o lucro ou impulsionarão para cima a
inflação.

26. "Could It Happen Again?", Economist, 22 de fevereiro


de 1999. De acordo com o Bank of Intemarional
Settlements, alguns meses depois, "o excesso da
capacidade de produção industrial de muitos países e
setores continua a se constituir em séria ameaça à
estabilidade financeira. Sem que ocorra uma redução
ordenada ou uma correção desse excesso de capacidade
produtiva, as taxas de retorno do capital continuarão a
decepcionar, com resultados potencialmente prejudiciais
e efeitos duradouros na confiança de investidores no
mercado e nos gastos de investimento. Ademais, a
solvência das instituições que financiaram essa expansão
toma-se cada vez mais questionável". 69th
AnnualReport 1998-1999, Basiléia, 7 de junho de 1999.

27. No início do segundo semestre de 2000, os desejos de


Greenspan estavam se realizando, pois o índice S&P 500
encontrava-se praticamente estagnado havia vários meses
e o índice NASDAQ, relativo à tecnologia e à intemet,
um importante componente da bolha, havia caído 40 por
cento.

28. Em 1998, último ano sobre os quais se dispõe de dados


importantes, os investimentos na indústria (em termos
nominais) caíram para 2,8 por cento, comparados aos
10,8 por cento dos quatro anos anteriores, enquanto os
investimentos em não-manufaturados subiram para 13,2
por cento, comparados aos 9,1 por cento naquele mesmo
período.

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