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“Neste livro, Mark Dever presta um serviço inestimável ao corpo

de Cristo. Sua base bíblica é segura, e seus discernimentos teológicos


são exatos! Poucos abordam as questões da eclesiologia tão bem
quanto esse pastor e teólogo. Este livro nos ajudará a entender melhor
o que a igreja é, bem como o que ela faz quando é fiel à Escritura.”
Daniel L. Akin
Presidente, Southeastern Baptist Theological Seminary

“Mark Dever já me ensinou mais sobre a igreja do que qualquer


outro ser humano vivente. Ele é um observador perspicaz e um
praticante discernente. Em A Igreja: o Evangelho Visível, Dever nos
ajuda a perceber como as boas-novas são dinâmicas nos aspectos
essenciais da vida de congregações locais. Que gozo resulta de
reconhecermos a incorporação do evangelho em nossas
congregações!”
Thabity Anyabwile
Pastor plantador de igrejas, Capitol Hill Baptist Church, Washington,
DC

“A igreja contemporânea precisa urgentemente pensar com mais


profundidade sobre a igreja. Essa é a razão por que sou muito
agradecido por Mark Dever. Ninguém escreve de modo tão
apaixonado, tão agradável, tão bíblico ou tão prático sobre a igreja
como ele. Este livro é um exemplo maravilhoso de todas essas
características. Embora minha teologia seja diferente em poucos
pontos importantes, como batismo e congregacionalismo, sempre
aprendo com Mark Dever quando ele fala de eclesiologia. E, se a
doutrina da igreja parece tremendamente importante, você precisa ler
este livro.”
Kevin DeYoung
Pastor, University Reformed Church, East Lasing

“Não sei se conheço alguém que tenha lido mais sobre


eclesiologia, incluindo todo o espectro da tradição cristã, do que
Mark Dever. Portanto, a sua exegese não é feita em isolamento e sim
em diálogo com 20 séculos de pensamento cristão. Como
presbiteriano, quero encorajar não batistas e não congregacionalistas
a lerem e se engajarem com esta obra de Mark, não somente porque
ela é tão bem feita e proveitosa, mas também por causa de uma
enorme deficiência evangélica que o livro aborda. Eclesiologia é, sem
dúvida, uma das grandes fraquezas do evangelicalismo, em parte por
causa de subjetivismo, individualismo e pragmatismo. Mark Dever
oferece um corretivo vigoroso para isso, e, no que quer que você
discorde, será edificado e instruído. Ele trata desse assunto não
apenas como um habilidoso teólogo e sistematizador histórico, mas
também como um pastor de igreja local que tem fomentado, em sua
própria congregação, uma aceitação vital e saudável do governo
bíblico, com resultados felizes. Mark não é um ‘marinheiro de
primeira viagem’ ou um teorista sem prática e sim um pastor fiel. O
crescimento, a vida e a fecundidade de seu rebanho é testemunha
disto.”
Ligon Duncan
Pastor, First Presbiterian Church, Jackson

“Acredite: se você falar com meu amigo Mark Dever por mais de
cinco minutos, a igreja local aparecerá na conversa — não somente
porque ela é o foco de sua impressionante obra acadêmica, mas
também porque a igreja é, para Mark, o que era para Charles
Spurgeon, ‘o lugar mais querido da terra’. Por meio de muitas
discussões, Mark me ensinou muito sobre a igreja e, mesmo em áreas
que discordamos, tenho sido influenciado por sua paixão pela igreja.
Este livro lhe permite ter um diálogo semelhante com Mark, e não
tenho dúvida de que seu coração será estimulado com amor pela
igreja universal e por sua igreja em particular.”
C. J. Mahaney
Presidente, Sovereign Grace Ministries

“Há muito tempo, a igreja vem sofrendo por causa de sua falta de
atenção à eclesiologia. Felizmente, essa negligência deu lugar a uma
nova era de redescoberta, e Mark Dever tem sido um catalisador
decisivo para o resgate da eclesiologia bíblica. Neste livro, você
achará um entendimento cativante, fiel e verdadeiro sobre a igreja.
Mas fique atento: se você ler este livro, não ficará satisfeito até que
seja parte de uma igreja que está crescendo neste tipo de fidelidade e
vida.”
R. Albert Mohler Jr.
Presidente, The Southern Baptist Theological Seminary
IGREJA: o evangelho visível
Traduzido do original em inglês
The Church: The Gospel Made Visible
Copyright 2012© by Mark Dever

Publicado por B&H Publishing Group


Nashville, Tennessee

Copyright©2014 Editora FIEL


1ª Edição em Português: 2015
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica
Literária
PROIBIDA A REPRODUÇÃO DESTE LIVRO POR QUAISQUER MEIOS, SEM A PERMISSÃO ESCRITA
DOS EDITORES, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Diretor: James Richard Denham III


Editor: Tiago J. Santos Filho
Tradução: Francisco Wellington Ferreira
Revisão: Translíteres
Diagramação: Rubner Durais
Capa: Rubner Durais
Ebook: Yuri Freire

ISBN: 978-85-8132-303-9

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
D491i Dever, Mark, 1960-
Igreja : o Evangelho visível / Mark Dever ; [tradução:
Francisco Wellington Ferreira] – São José dos Campos,
SP : Fiel, 2015.
2Mb ; ePUB
Tradução de: Church : the Gospel made visible.
Inclui referências bibliográficas
ISBN 978-85-8132-303-9
1. Política esclesiástica. 2. Igrejas batistas – Governo.
3. Membros da Igreja. I. Título.
CDD: 262/.06
Caixa Postal, 1601
CEP 12230-971
São José dos Campos-
SP
PABX.: (12) 3919-9999
www.editorafiel.com.br
A

Mike McKinley,
Greg Gilbert,
Michael Lawrence,
Aaron Menikoff,
Andy Davis,
David Platt,
Matt Chandler,
J. D. Greear

E à emergente geração de pastores chamados


a pastorear “o rebanho de Deus” (1 Pedro 5.2).
Sumário

Apresentação à edição em português


Prefácio: a necessidade de estudar a doutrina da igreja
Uma introdução informal: a suficiência da Bíblia para a igreja local

PARTE 1 – O QUE A BÍBLIA DIZ?

1 – A natureza da igreja
2 – Os atributos da igreja: única, santa, universal, apostólica
3 – As marcas da igreja
4 – A membresia da igreja
5 – O governo da igreja
6 – A disciplina da igreja
7 – O propósito da igreja
8 – A esperança da igreja

PARTE 2 – EM QUE A IGREJA CRÊ?

9 – A história da ideia da igreja


10 – A história das ordenanças da igreja
11 – A história da organização da igreja

PARTE 3 – COMO TUDO ISSO SE HARMONIZA?


12 – Uma igreja protestante: harmonizando as marcas da igreja
13 – Uma igreja reunida: harmonizando a membresia da igreja
14 – Uma igreja congregacional: harmonizando a estrutura da igreja
15 – Uma igreja batista: devemos ter igrejas batistas hoje?
Conclusão: por que isso é importante?
APRESENTAÇÃO À
EDIÇÃO EM PORTUGUÊS
E PLURIBUS UNUM

U ma das grandes marcas da Grande Revolução Americana de 1776


foi o grande senso de unidade desenvolvido pelas 13 colônias. A
despeito de suas evidentes e enormes diferenças, havia, todavia, um
elemento comum capaz de uni-las em um propósito uno, formando
assim um só corpo e um só propósito: a liberdade. Assim nasceu a
ideia que se tornou um lema nacional. E pluribus unum, do latim “de
todos, um”. Esta frase representa o ideal de uma sociedade pactual,
que deliberou unir-se em torno de valores fundamentais de
autodeterminação e liberdade. Esta é uma boa aspiração humana:
unidade na diversidade, mas é um ideal difícil de ser alcançado.
Parece que a tendência mais comum do ser humano, quando este se
organiza em sociedade e comunidade, é buscar grupos com interesses
comuns, ideais comuns, realidades sócio-econômicas comuns, etc. À
parte de grandes ideais, como foi, talvez, a sonhada liberdade e
independência que forjou o lema que estampa o histórico “Grande
Selo” norte-americano, de 1776, não é normal haver unidade na
diversidade.
A Escritura, todavia, quando trata da Igreja de Jesus Cristo, exibe
um padrão de unidade na diversidade que chega a ser contraintuitivo
e até escandaloso. A imagem mais comum da Escritura para ilustrar a
realidade da igreja é a do “corpo”, o qual possui muitos membros
que, embora diferentes, servem juntos e contribuem para o
crescimento do corpo (1Coríntios 12.12-31). O apóstolo Paulo lembra
também aos efésios desta realidade, quando trata da improvável
unidade entre gentios e judeus pelo sacrifício de Cristo: “os gentios
são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e coparticipantes da
promessa em Cristo Jesus, por meio do evangelho” (Efésios 3.6) e
nesta mesma carta ele dirá que o corpo “bem ajustado e consolidado
(...) segunda a justa cooperação de cada parte (...) cresce para a
edificação de si mesmo em amor" (4.16). Tiago, em sua epístola,
precisou lembrar seus leitores sobre a importância da unidade do
corpo e o pecado da acepção de pessoas (Tiago 2.1-13), inferindo
com isso que uma comunidade formada somente por pessoas de uma
mesma classe, ou categoria, ou perfil, ou coisa que valha, fere o
princípio de que a redenção exerceu um efeito global, alcançando
pessoas de todas as “tribos, povos e nações” (Apocalipse 7.9) e que
estas pessoas têm a chamada da parte de Deus para se congregar
como um corpo, servindo uns aos outros em amor e sendo sal e luz
nesta terra.
Ainda mais, a Escritura diz que a igreja é a sabedoria de Deus na
Terra (Efésios 3.10). Com isso o apóstolo Paulo está afirmando que a
igreja é mais que uma instituição fundada por Deus. Ela é a própria
sabedoria de Deus. Nela, toda realidade da obra redentiva de Cristo,
da transformação ética do povo de Deus e da esperança futura são
evidenciados e a glória de Deus é sua raison d’être1, conforme coloca
Hendricksen. A igreja é também a portadora e a porta-voz da
mensagem da reconciliação entre Deus e os homens, o evangelho.
Mark Dever dirá que “a doutrina da igreja é a parte mais visível da
teologia cristã”.
Em tempos em que a igreja brasileira luta com questões de
identidade, missão, propósito, estrutura, governo, doutrina, liderança
e tantas outras áreas pertinentes à vida da igreja, este livro representa
uma lufada de ar fresco e oferece uma direção bíblica da natureza da
igreja – o que é a igreja e quais suas marcas distintivas – e o que a
igreja crê – suas principais doutrinas e sua prática.
Recentemente, tive a oportunidade de visitar a igreja que Mark
Dever pastoreia, em Washington, DC, nos Estados Unidos, a Igreja
Batista Capitol Hill. Ali, pude ver na prática muito do que Dever
desenvolve neste livro. Conheci uma comunidade cristã em que se vê
o esforço deliberado para que a unidade na diversidade seja uma
realidade vívida, bela e orgânica. A igreja se reúne em um prédio
centenário e espaçoso, de arquitetura georgiana, a apenas algumas
quadras do capitólio estadunidense.
Nesta igreja há um trabalho intencional para se promover a
unidade do corpo de Cristo e desenvolver um senso real de
comunidade. Este esforço se evidencia por uma cuidadosa supervisão
do rol de membros da igreja e pelo princípio, que pode parecer
estranho para muitas igrejas atuais, sumariado pela ideia de “uma
porta cerrada para a entrada e bem aberta para a saída”. Com esta
ideia, o membro precisa ter consciência de que sua entrada naquela
comunidade, pela membresia, significa um compromisso pactual que
envolverá deveres e privilégios, todos bem derivados do ensino das
Escrituras sobre cuidado mútuo e amor recíproco. Além disso, a
igreja tem um bem elaborado plano de discipulado, no qual os
membros devem envolver-se ativamente no trabalho de cuidado
mútuo através da comunhão, oração e serviço e exibirem, de forma
prática, o princípio ensinado pelo Senhor Jesus em João 13.35. Não
há espaço, assim, para timidez ou distanciamento – comuns em
comunidades fragilizadas por uma mentalidade individualista – nas
atividades de membros desta igreja. É preciso participar. É preciso
fazer parte da comunidade. Isso representa um forte testemunho para
os de fora e um grande estímulo e encorajamento para os de dentro: o
membro se sente parte de uma família e está cercado de pessoas que
se importam com sua vida, com suas decisões, com seu futuro e,
especialmente, com sua relação com o Deus trino.
Este cuidado com a vida da igreja pode se ver – e, certamente, tem
sua origem – na conduta dos líderes da congregação. Homens
maduros, comprometidos com a fé evangélica e experimentados no
serviço cristão procuram encorajar este espírito de mutualidade entre
os membros e, através do seu pastoreio, cuidam individualmente de
cada alma da igreja, orando, visitando, ensinando.
Esta comunidade é ensinada que sua comunhão tem sua origem e
continuidade a partir do evangelho de Jesus Cristo, e que é preciso
estar sempre em contato com a Palavra de Deus e fazer uso dos meios
de graça para se sustentar na fé e na peregrinação cristã. Assim, o
povo é conclamado para a adoração cristã a cada domingo, e participa
ativamente de um culto que é detalhadamente planejado, tendo todos
os seus atos baseados na e repletos da Palavra. O culto é simples e
exibe os elementos fundamentais vistos na adoração do Novo
Testamento: Leitura das Escrituras, Oração, Louvor, Pregação e
Sacramentos. Estes elementos são traduzidos para o povo com a ideia
que neles se pode “ouvir a Bíblia, orar a Bíblia, cantar a Bíblia,
pregar a Bíblia e ver a Bíblia”.
A Igreja Batista Capitol Hill goza de boa saúde e além do bem
que a faz a si mesma, tem compartilhado seus dons e riqueza com
outras igrejas e obreiros do mundo todo, através de um programa
chamado “weekender”, onde se pode aprender alguns dos princípios
que estão em prática nesta comunidade. Assim, trata-se de uma
comunidade que, como a antiga igreja de Tessalônica, tem sua “fé
operosa, amor abnegado e firme esperança” (1 Tessalonicenses 1.3,8)
conhecidos em todo o mundo.
A experiência pastoral de Dever, sua prática eclesial e seu robusto
conhecimento de eclesiologia fazem dele, como nota Ligon Duncan
em sua palavra de endosso deste livro, uma voz a ser ouvida quando a
matéria é a igreja.

São José dos Campos, SP, agosto de 2015.


Tiago J. Santos Filho2

1. William Hendricksen. New Testament Commentary, Ephesians (London, England: The


Banner of Truth, 1972)p. 158
2. Tiago José dos Santos Filho é membro da equipe pastoral da Igreja Batista da Graça, em
São José dos Campos, SP; diretor pastoral do seminário Martin Bucer e editor-chefe da
Editora Fiel.
PREFÁCIO

A Necessidade de Estudar a
Doutrina da Igreja

P ara muitos cristãos de nossos dias, a doutrina da igreja é como


uma decoração na frente de um prédio. Talvez bonita, talvez não,
mas, em última análise, sem importância porque não tem nenhum
valor.
Nada poderia estar mais longe da verdade. A doutrina da igreja é
de importância suprema. É a parte mais visível da teologia cristã e
está conectada vitalmente com todas as outras partes.3 “A obra de
Cristo é o fundamento da igreja (...) a obra de Cristo continua na
igreja; a plenitude do mistério de Deus na redenção é revelada entre o
seu povo”.4
A igreja surge tão somente do evangelho. E uma igreja distorcida
coincide usualmente com um evangelho distorcido. Quer levem a tais
distorções ou resultem delas, afastamentos sérios do ensino da Bíblia
sobre a igreja significam, normalmente, outros equívocos mais
centrais sobre a fé cristã.5
Isso não quer dizer que todas as diferenças na eclesiologia
equivalem a diferenças sobre o próprio evangelho. Há muito tempo,
cristãos honestos têm diferido sobre várias questões importantes na
igreja. Contudo, apenas porque uma questão não é essencial à
salvação, não significa que não seja importante ou necessária à
obediência. A cor da placa da igreja não é essencial à salvação cristã,
nem o batismo do crente. Mas todos concordariam que essas duas
questões variam grandemente em importância.
Talvez o desinteresse popular em eclesiologia resulte do
entendimento de que a igreja não é, em si mesma, necessária à
salvação. Cipriano, de Cartago, pode ter dito: “Ninguém pode ter
Deus como seu Pai se não tiver a igreja como sua mãe”, porém
poucos concordariam com esse pensamento hoje.6 A Igreja de Roma,
no Concílio Vaticano II, reconheceu que não se exige que um adulto
normalmente competente participe de modo autoconsciente da igreja
para a salvação.7 E protestantes evangélicos, que enfatizam a
salvação somente pela fé, parecem ver menos utilidade para a igreja e
muito menos ainda para o estudo da doutrina da igreja.
Isso não deveria ser assim. Como disse John Stott: “A igreja está
no próprio âmago do propósito eterno de Deus. Ela não é uma ideia
divina posterior. Não é um acidente de história”.8 A igreja deveria ser
considerada muito importante para os cristãos por causa de sua
importância para Cristo. Ele fundou a igreja (Mateus 16.18),
comprou-a com seu sangue (Atos 20.28) e se identifica intimamente
com ela (Atos 9.4). A igreja é o corpo de Cristo (1 Coríntios 12.12,
27; Efésios 1.22-23; 4.12; 5.20-30; Colossenses 1.18, 24; 3.15), a
habitação do seu Espírito (1 Coríntios 3.16-17; Efésios 2.18,22; 4.4) e
o principal instrumento para glorificar a Deus no mundo (Ezequiel
36.22-38; Efésios 3.10). Finalmente, a igreja é o instrumento de Deus
para levar o evangelho às nações e lhe trazer uma grande hoste de
pessoas redimidas (Lucas 24.46-48; Apocalipse 5.9).
Mais de uma vez, Jesus disse que seu povo, por obedecer aos seus
mandamentos, demonstraria seu amor a ele (João 14.15, 23). E a
obediência que interessa a Cristo é não somente individual, mas
também coletiva. Indivíduos irão juntos nas igrejas, farão discípulos,
batizarão, ensinarão a obedecer, amarão, lembrarão e comemorarão a
morte vicária de Cristo com o pão e o vinho. John Hus, o reformador
boêmio do século XV, disse: “Todo peregrino terreno deve (...) amar
fielmente a Jesus Cristo, o Senhor, o noivo dessa igreja, e também a
própria igreja, sua noiva”.9
A autoridade permanente dos mandamentos de Cristo deve
compelir os cristãos a estudarem o ensino bíblico sobre a igreja.
Ensino e práticas eclesiásticas errados obscurecem o evangelho,
enquanto ensino e práticas eclesiásticas corretos clarificam o
evangelho. Em outras palavras, a proclamação cristã pode tornar o
evangelho audível, no entanto, cristãos vivendo juntos na
congregação local podem tornar o evangelho visível (ver João 13.34-
35). A igreja é o evangelho visível.
Hoje muitas igrejas locais estão à deriva nas inconstantes
correntes de pragmatismo. Supõem que a resposta imediata de não
cristãos é a chave indicadora de sucesso. Ao mesmo tempo, o
cristianismo está sendo rejeitado rapidamente na cultura em geral. A
evangelização é caracterizada como intolerante, e porções de doutrina
bíblica são classificadas como discurso preconceituoso. Num tempo
antagônico como o nosso, as necessidades sentidas de não cristãos
não podem ser consideradas meios de estimativa confiáveis, e nos
conformarmos à cultura significará a perda do próprio evangelho.
Enquanto o crescimento numérico for o primeiro indicador de saúde
da igreja, a verdade será comprometida. Em vez disso, as igrejas
precisam começar novamente a medir o sucesso não em termos de
números, mas em termos de fidelidade às Escrituras. William Carey
serviu fielmente na Índia, e Adoniram Judson perseverou na
Birmânia, não porque encontraram sucesso imediato ou anunciaram a
si mesmos como “relevantes”.
Este livro tenciona servir como uma cartilha popular sobre a
doutrina da igreja, especialmente para batistas, mas também, se os
argumentos forem convincentes, para todos os que veem a Escritura
como a única autoridade suficiente para a doutrina e a vida da igreja
local. O livro se desenvolveu de um capítulo que escrevi sobre a
doutrina da igreja há quase uma década.10 O livro que contém esse
capítulo impôs certa estrutura, que é mantida aqui. A Parte 1
considera biblicamente a doutrina da igreja; a Parte 2, historicamente;
e a Parte 3, sistemática e praticamente. Essa estrutura exige alguma
repetição, com vantagens e desvantagens. Para o leitor menos
comprometido, a introdução é apresentada como um resumo mais
fácil e mais acessível de alguns dos argumentos e conclusões do livro.

3. John Webster considerou como o povo de Deus é central à criação de Deus: “Da plenitude
e da perfeição ilimitada de sua vida, auto-originada como Pai, Filho e Espírito Santo, Deus
determina ser Deus na companhia de suas criaturas. Essa direção de Deus voltada às criaturas
tem origem eterna, no propósito do Pai. O Pai quer que ex nihilo venha à existência uma
contraparte criada para ter comunhão de amor, que é a vida íntima da Trindade santa. Esse
propósito é colocado em execução por Deus Filho, que é tanto o criador quanto o recriador
de criaturas, chamando-as à existência e chamando-as de volta à existência quando caíram
em alienação daquele único por quem e para quem elas foram criadas. E o propósito divino é
aperfeiçoado no Espírito. O Espírito completa as criaturas por sustentá-las na vida, dirigi-las
no percurso para que atinjam seu fim, que é a comunhão com o Pai, por meio do Filho, no
Espírito. A comunhão com Deus é, portanto, o mistério do qual o evangelho é a manifestação
explícita.” Ver John Webster, “On Evangelical Ecclesiology”, em Confessing God: Essays in
Christian Dogmatics II (New York: T&T Clark, 2005), 153.
4. James Montgomery Boice, Foundations of the Christian Faith (Downers Grove, IL: IVP;
rev. ed. 1986), 565.
5. Ver Jonathan Leeman, A Igreja e a Surpreendente Ofensa do Amor de Deus (São José dos
Campos, SP: Fiel, 2013), 18-20.
6. Cyprian, De Eccl. Cath.Unitate (Oxford: Clarendon, 1971), cap. 6.
7. Lumen Gentium, cap. 2, especialmente o parágrafo 16 (Austin Flannery, ed., Vatican
Council II [Northport, NY: Costello Publishing Co, 1981], 367-68).
8. John Stott, The Living Church (Downers Grove, IL: IVP, 2007), 19.
9. Jan Hus, De Ecclesia: The Church, trans. David Schley Schaff (New York: Charles
Scribner’s Sons, 1915), 1.
10. Daniel Akin, ed., A Theology for the Church (Nashville: B&H, 2007); ver cap. 13, “The
Church”, 766-856.
UMA INTRODUÇÃO INFORMAL

A Suficiência da Bíblia para a


Igreja Local

C omo o evangelho é manifestado em nossa vida, quando vivemos


juntos com outros cristãos? O que devemos fazer? O que devemos
fazer juntos na igreja? Como devemos tomar decisões? Os cristãos se
deparam com muitas questões práticas concernentes à vida na igreja
local e lhes respondem de maneiras diferentes — embora preguem o
mesmo evangelho! Como pode ser isso? O que devemos pensar sobre
essas diferenças?
Você pode imaginar do que estou falando? Suponha que você
esteja em uma conversa com alguns amigos cristãos. Suponha que
todos vocês concordam sobre o evangelho, a autoridade da Escritura e
vários outros detalhes teológicos. Entretanto, digamos que eles acham
que existem, na vida coletiva da igreja, algumas questões sobre as
quais Deus não falou nada em sua Palavra: em que dia devemos nos
reunir? O que fazer quando nos reunimos? Devemos ficar todos
juntos ou podemos ter cultos diferentes, talvez até estilos de culto
diferentes? Podemos nos reunir em prédios diferentes, ou em partes
diferentes da cidade, ou em diferentes Estados e, apesar disso, sermos
uma única igreja? Isso está certo? Deus se importa? Quem deve tomar
as decisões na igreja? Como as decisões devem ser tomadas?
Devemos ter membros ou isso é muito exclusivo? E a mais básica de
todas: como devemos tomar tais decisões?
No decorrer dos séculos, alguns cristãos responderam a essas
perguntas se servindo apenas de razão e prudência. Outros deixaram
suas experiências determinar as respostas, ou a experiência pessoal
(uma impressão interior, um senso de direção da parte de Deus), ou a
experiência coletiva (tradições da igreja). Outras igrejas, ainda,
respondem que as questões são discutíveis, por considerarem o que as
pessoas querem, ou o que os presbíteros dizem, ou o que o pastor diz.
Para a maioria das igrejas, as respostas são encontradas por meio de
alguma forma de pragmatismo — tomar decisões de acordo com o
que dá resultado. O alvo para muitos é ser sensível à cultura
específica na qual Deus os colocou. Assim, a pergunta se torna: como
podemos contextualizar nossa mensagem — para sermos judeus para
os judeus, e gentios para os gentios? Tentamos aprender do mundo
dos negócios para adotarmos suas melhores práticas? Os padrões de
criatividade, inovação, produtividade e eficiência devem ser nossos
guias? O que nos ajudará a alcançar a maioria das pessoas? O que
aumentará mais vantajosamente a nossa influência?
A vida, a doutrina, o culto e até o governo de uma igreja — todas
essas coisas são questões importantes. E são abordadas muito
raramente. Neste livro, espero apresentar ao leitor o que a Bíblia diz
sobre a natureza e o propósito da igreja — o que ela é, para o que ela
existe e o que ela faz.

A RESPOSTA ESTÁ NA BÍBLIA


Tudo que sabemos a respeito de Deus e de sua vontade vem da
revelação do próprio Deus. Conhecemos as boas-novas de Jesus
somente porque Deus nos revelou a verdade sobre si mesmo — e ele
o fez em sua Palavra, a Bíblia. A verdade de Cristo é o meio que o
Espírito de Deus usa para nos reconciliar consigo mesmo. A nova
vida vem por meio da Palavra, como Jesus orou: “Não rogo somente
por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por
intermédio da sua palavra” (João 17.20). Observe que o crer vem por
meio da mensagem deles.
E isso é o que acontece no restante do Novo Testamento. Por
exemplo, Pedro pregou o evangelho para Cornélio e seus amigos.
Depois, “Ainda Pedro falava estas coisas quando caiu o Espírito
Santo sobre todos os que ouviam a palavra” (Atos 10.44). É claro que
Deus havia falado a Cornélio que esperasse apenas isto: Pedro “te
dirá palavras mediante as quais serás salvo, tu e toda a tua casa”
(Atos 11.14).
De fato, essa foi a razão porque Paulo disse que a fé vem por
ouvir a mensagem (cf. Romanos 10.17). De novo, a Palavra pregada
cria vida. Contudo, a Palavra pregada não somente cria a vida cristã,
ela a sustenta e lhe dá crescimento. A Bíblia é o nosso sustento, o
nosso banquete. Perto do final de sua vida, Paulo escreveu a Timóteo:
Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para
a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja
perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.
Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua
manifestação e pelo seu reino: prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer
não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. (2 Timóteo
3.16-4.2).

Este livro tenta prover essa doutrina para que entendamos e


resgatemos a fidelidade à Palavra de Deus em algo que não é
essencial à salvação, mas importante e necessário à obediência — o
que a igreja local dever ser e fazer. As Escrituras nos ensinam tudo
que diz respeito à vida e à doutrina cristã, incluindo como devemos
nos congregar para adoração coletiva e como devemos organizar
nossa vida coletiva, quando estamos juntos. Evidentemente, a Bíblia
não nos ensina todas as coisas. Porém também não permanece sem
nos ensinar nada. Devemos ter o desejo de sondar tudo que Deus
revelou sobre si mesmo e, depois, com alegria, aceitar essa revelação,
adotá-la, explorá-la, nos submetermos a ela e nos alegrarmos com as
bênçãos de Deus contidas em sua revelação.
Como em todos os outros assuntos, nossa prática regular como
cristãos dever ser buscar a vontade de Deus em sua Palavra, quer por
mandamento explícito, quer por raciocínio baseado em princípios na
Palavra. Queremos nos assegurar de que a resposta está na Bíblia.
Aqui estão as nossas quatro perguntas que nos ajudarão a achar a
vontade de Deus sobre a igreja.

O QUE AS IGREJAS DEVEM FAZER?


A resposta para essa pergunta está na Bíblia. Deus nos criou. Sabe
para o que fomos criados. E, portanto, devemos examinar a sua
Palavra para descobrir como devemos viver.
Deus sempre se interessou em como o povo chamado por seu
nome viveria. Quando chamou Abraão dentre o paganismo (Gênesis
12.1-3), Deus o chamou para crer numa promessa, e essa crença
deveria afetar o modo como Abraão viveria. Quando os descendentes
de Abraão se multiplicaram no Egito, Deus instruiu seu povo, sua
assembleia, quanto ao modo como deveriam viver. Este é o assunto
dos livros da Lei — Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
No Novo Testamento, Jesus prometeu a seus discípulos que sua
autoridade estaria com eles até o fim dos tempos (Mateus 28.18-20).
Essa promessa e as instruções que a acompanham foram apenas para
os apóstolos iniciais? Evidentemente não. Eles não viveriam até o fim
dos tempos. Essa promessa e essas instruções eram também para
aqueles que seguiriam os apóstolos. Elas dizem aos pregadores e
igrejas locais como viver: devemos ir, fazer discípulos, batizar e
ensinar os discípulos a obedecer. A Palavra de Deus tem a ver com a
vida.
Paulo também estabeleceu igrejas e lhes ensinou — por exemplos
e cartas — como viver (ver Colossenses 4.16). As igrejas devem ser
caracterizadas pelo fruto do Espírito (Gálatas 5.22-23).
Por mandamento direto, exemplo, implicação ou princípios, a
Palavra de Deus nos diz tudo que precisamos saber sobre cada
aspecto de segui-lo em nossa vida — desde namoro a casamento,
desde trabalhar a sofrer, desde evangelizar a comer. O que as igrejas
devem fazer? A resposta está na Bíblia.

EM QUE AS IGREJAS DEVEM CRER?


A resposta para essa pergunta também está na Bíblia. Deus nos
revelou a verdade sobre si mesmo e sobre nós. Portanto, somos
dependentes dele quanto às boas-novas e a tudo mais que precisamos
saber a respeito dele. Em muitas maneiras, a igreja é apenas um grupo
de pessoas que estão vivendo em amor (João 13.34-35), porque todas
concordam em como têm sido amadas por Cristo. Paulo escreveu:
Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no
qual ainda perseverais; por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal
como vo-la preguei (...)
Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos
nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao
terceiro dia, segundo as Escrituras (1 Coríntios 15.1-4).
Crer nessa mensagem é obrigatório tanto para ser um cristão
quanto para ser uma igreja. Esta é a razão porque Paulo foi tão severo
com os gálatas quando estes começaram a ser tentados por outros
evangelhos (Gálatas 1.6-9).
Em que as igrejas devem crer? Quer o assunto esteja explícito
(como a expiação vicária), quer esteja implícito (como a Trindade ou
ser membro de igreja), a resposta está na Bíblia.

COMO AS IGREJAS DEVEM ADORAR?


Tendo visto como isso funciona geralmente na vida cristã, não
podemos ficar surpresos com o fato de que uma terceira pergunta
tenha a mesma resposta. A resposta à terceira pergunta também está
na Bíblia. Na Escritura, Deus diz como devemos nos aproximar dele
em adoração pública. Lemos a Bíblia, cantamos a Bíblia, pregamos a
Bíblia, oramos a Bíblia e vemos a Bíblia (no batismo e na Ceia do
Senhor).
Uma igreja não é apenas um grupo de pessoas que creem no
mesmo evangelho e vivem de maneira diferente, guiadas pelo
Espírito. Somos também um grupo de pessoas que se reúnem
regularmente para adorar a Deus, conforme as palavras de Jesus, “em
espírito e em verdade” (João 4.24). As palavras de Jesus se referem a
tudo da vida, e isso inclui, certamente, aqueles tempos em que nos
reunimos na igreja. Na Palavra de Deus, somos ordenados a não
abandonar esses ajuntamentos regulares (Hebreus 10.25). Por isso,
não é surpresa que Deus nos instrua em sua Palavra sobre o que
devemos fazer juntos.
Embora criatividade e inovação possam desempenhar um papel
secundário, não devem ser os princípios que governam a adoração na
igreja local. Pense nisto: os cristãos têm o dever de se reunir como
igrejas. Portanto, quando uma igreja decide implementar uma prática
extrabíblica, isso exige que os cristãos se aproximem de Deus por
meio dessa prática extrabíblica. Evidentemente, o problema é que os
seres humanos têm mostrado sempre que são guias desconfiáveis em
relação a inventar formas de alguém se aproximar de Deus. Na Bíblia,
invenções humanas foram repetidas vezes consideradas idólatras.
Pense no incidente do bezerro de ouro (Êxodo 32). Os israelitas
desejaram sinceramente adorar a Deus, que os livrara do Egito, mas
agiram de modo terrivelmente errado ao se aproximarem dele. A
desobediência, a idolatria e o adultério dos israelitas se revelaram
uma distorção grotesca em sua adoração pública. Em todo o Antigo
Testamento, vemos que o modo como o povo de Deus se aproxima
dele em adoração é uma questão de seriedade suprema — uma
questão sobre a qual Deus mesmo não é indiferente.11 Deus nos tem
dito, em sua Palavra, tudo que precisamos saber a respeito do que é
necessário para nos aproximarmos dele, juntos.
No Antigo Testamento, uma das coisas que distinguiu os falsos
deuses do Deus verdadeiro foi que os falsos deuses ficavam em
silêncio enquanto o verdadeiro Deus falava. As pessoas podem
inventar criativamente maneiras de se aproximar de um Deus mudo,
mas têm de ouvir um Deus que fala. Jesus citou Isaías quando
corrigiu as distorções que as tradições dos fariseus introduziram na
adoração a Deus: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu
coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando
doutrinas que são preceitos de homens” (Marcos 7.6-7; ver Isaías
29.13).
A depravação do pecado nos torna guias desconfiáveis.
Precisamos da revelação de Deus, pois, do contrário, estamos
perdidos. Tudo que minha igreja faz em nosso tempo juntos, no
domingo de manhã, tencionamos fazê-lo em obediência à Palavra de
Deus.

Começamos com uma chamada bíblica à adoração, para que


comecemos formalmente nosso tempo ouvindo a Deus se dirigir
a nós em sua Palavra.
Podemos recitar coletivamente vários resumos afirmativos do
que a Bíblia ensina, assim como Romanos 10.9 chama os
cristãos a confessarem, com os lábios, o que creem.
Cantamos hinos, salmos e canções porque a Bíblia nos ordena
fazer isso (Romanos 15.11; Efésios 5.19; Colossenses 3.16;
Tiago 5.13).
Oramos com louvor (Hebreus 13.15) e oramos com intercessão,
conforme somos instruídos (Tiago 5.13-18; Efésios 6.28).
Lemos a Palavra de Deus uns para os outros (Apocalipse 1.3; 1
Timóteo 4.13).
Confessamos nossos pecados (1 João 1.9) e, depois, lembramos
a nós mesmos, com base numa passagem da Escritura, que Deus
perdoa nosso pecado por meio de Jesus.
Contribuímos financeiramente, como Deus nos instruiu (Gálatas
6.6; 2 Timóteo 2.6) e como exemplificado em 1 Coríntios 16.2
(cf. o exemplo dos filipenses em apoiar o ministério de Paulo,
em Filipenses 4.15-16).
Atentamos à pregação, como Deus ordenou (2 Timóteo 4.2) e
como exemplificado em Atos dos Apóstolos.
Batizamos, como Jesus ordenou (Mateus 28.18-20), e
celebramos a Ceia do Senhor, como ele instruiu (Lucas 22.19).

Como devemos adorar? A resposta está na Bíblia.

COMO OS CRISTÃOS DEVEM VIVER JUNTOS NA IGREJA?


Tudo isso nos traz à pergunta final, que diz respeito ao governo ou à
organização de uma igreja. Há diversas estruturas de igreja no Novo
Testamento? As primeiras igrejas começaram carismáticas, como é
aparentemente demonstrado em Atos 2 e 2 Coríntios, e terminaram
presbiterianas, como alguns dizem ser o caso em 1 e 2 Timóteo e
Tito? Ou o Novo Testamento dá testemunho de uma forma
consistente de governo de igreja local?
Deus criou a igreja, e isso implica que ele possui toda a autoridade
na igreja. Deus nos diz o que a igreja é e como ela deve funcionar.
Como a igreja deve ser organizada? De novo, a resposta está na
Bíblia.
Precisamos saber o que a igreja deve ser, antes de podermos
avaliar o que nossas igrejas estão fazendo e o que devemos continuar
fazendo. Imagine tentar ser um bom marido ou esposa se você não
sabe o que é o casamento. Um tipo de liberdade vem com a
ignorância, e outro tipo (bem diferente) vem com a instrução. A
liberdade de ignorância é irrestrita, mas também infrutífera. Sinta-se
livre para tentar usar o piano como um aspirador de pó! A liberdade
que vem com instrução — usar algo de acordo com o propósito para o
qual foi idealizado — é muito mais satisfatória, como usar um piano
para fazer música.
A Confissão de Fé de New Hampshire define uma igreja local nos
seguintes termos:
Uma igreja visível de Cristo é uma congregação de crentes batizados, associados
por aliança na fé e na comunhão do evangelho, observando as ordenanças de
Cristo e governados por suas leis, exercendo os dons, direitos e privilégios
investidos neles pela Palavra de Cristo; seus únicos oficiais bíblicos são bispos,
pastores e diáconos, cujas qualificações, direitos e deveres são definidos nas
Epístolas a Timóteo e a Tito.

Uma igreja é governada pelas leis de Cristo e vive em obediência


aos seus ensinos. Em outras palavras, a Bíblia ensina às igrejas como
funcionar. Isto é o que a Confissão de Fé de Westminster disse muito
bem:
Todo conselho de Deus, concernente a todas as coisas necessárias para a sua
própria glória, a salvação do homem, a fé e a vida, é expressamente apresentado
na Escritura ou pode ser deduzido da Escritura por consequência boa e necessária;
ao que nada, em tempo algum, deve ser acrescentado, ou por novas revelações do
Espírito, ou por tradições de homens. (CFW 1.6; cf. 2 Timóteo 3.15-17; Gálatas
1.8-9; 2 Tessalonicenses 2.2.)

OBJEÇÕES
Entendo que muitos dos evangélicos contemporâneos podem não
aceitar a ideia de que a Bíblia nos diz como devemos organizar
nossas igrejas. Há poucas razões para isso. Muitos questionam,
explícita ou implicitamente, se a Bíblia realmente ensina esse assunto.
Entre a maioria dos evangélicos e até em seminários de nossos dias, é
sugerido que não há nenhum padrão consistente de governo no Novo
Testamento.12 (Se essa tem sido a sua suposição, pergunte a si mesmo
o que você faria se houvesse ensino sobre esse assunto na Bíblia.)
Outros ressaltam que a Escritura pode ser considerada “suficiente”
mesmo sem abordar especificamente cada questão que possa surgir
em nossa mente. Ou eles dizem que pessoas imaginam coisas e as
introduzem na Bíblia.
É claro que estes dois últimos pontos são verdadeiros. No entanto,
para verificarmos que a Escritura é “suficiente”, precisamos observar
que ela é suficiente para nos ajudar a fazer o que Deus quer que
façamos. E, na Bíblia, Deus demonstra que se importa realmente com
a organização e a estrutura da igreja local. Ele estabeleceu diferentes
tipos de pessoa na igreja, incluindo mestres e administradores (1
Coríntios 12.28). Parece que Deus está interessado na “boa ordem” da
igreja local (Colossenses 2.5). E chama as igrejas a considerarem
diligentemente a vida e a profissão de fé de seus membros (Mateus
18.15-17; 1 Coríntios 5; 1 João 4.1-3).
Outros podem rejeitar toda essa conversa, dizendo que ela não é
importante. Há quase uma impaciência para com qualquer coisa que
não é essencial. Muito frequentemente, crentes contemporâneos têm
apenas duas marchas em sua bicicleta teológica: essencial e
insignificante. Se algo não é essencial à salvação, isso é tratado como
insignificante e, portanto, descartável. Mas a Bíblia nos apresenta
várias questões que não são essenciais à salvação, porém, apesar
disso, são importantes, e até necessárias, em termos de obediência à
Palavra de Deus. Obedecer a essas questões produz bom fruto.
Questões de governo e organização se enquadram nesta categoria. Na
vida de uma igreja local, elas podem, às vezes, se tornar crucialmente
importantes para a saúde e a sobrevivência da igreja.
Uma última objeção a ser considerada pode ser apenas: “Ninguém
pensa nisso!” Mas esta objeção é historicamente infundada. Há muito
os cristãos têm pensado nessas questões, que constituem o motivo
porque denominações inteiras se chamam Presbiteriana,
Congregacional, Metodista ou Episcopal, designações que se referem
a como essas igrejas fazem as coisas. John Bunyan e Jonathan
Edwards, John Wesley e C. H. Spurgeon — todos eles acreditavam
que a Bíblia nos ensina como devemos organizar nossas igrejas.
Alguém poderia até dizer que a Nova Inglaterra foi fundada por causa
dessas questões, assim como foram as igrejas batistas. Muitos cristãos
antes de nós pensavam que essas questões são importantes porque as
viram na Bíblia.
Falando pela congregação em que sirvo, nossa igreja concorda, tal
como os cristãos que viveram antes de nós, incluindo os que
fundaram nossa congregação local nos anos 1870, que a Bíblia ensina
realmente essas questões. Cremos que tais questões são tão
importantes, que devemos considerar e estudar com atenção a
Escritura na esperança de acharmos algumas respostas sobre como
devemos organizar nossa vida em união na igreja local. Nosso alvo é
moldar a estrutura e as práticas de nossa igreja, em conformidade
com o ensino explícito e implícito da Escritura, achado em
mandamentos e exemplos.13

EXEMPLO 1: QUEM É A IGREJA?


Havendo estabelecido o princípio básico de sermos dirigidos pela
Escritura e consideradas algumas objeções populares, voltemo-nos
agora para três exemplos de como o ensino da Bíblia sobre questões
de governo é importante, ainda que muitos cristãos hoje raramente
entendam ou apreciem o que a Bíblia diz sobre isso.
A primeira e mais básica questão sobre o governo da igreja é
“Quem é a igreja?”. E a resposta é muito simples: os membros
constituem a igreja local. E, assim como a Bíblia determina em que a
congregação crê, ela também determina quem possui a palavra final
sobre quem são os membros da congregação.

Em Mateus 18.15-20, Jesus ensinou que, se pessoas não se


arrependem de seus pecados, devem ser excluídas da igreja
local. E chamou a igreja a fazer isso.
Em 1 Coríntios 5, Paulo seguiu o ensino de Jesus. Disse que toda
a igreja local — não apenas os presbíteros — excluísse de seu
número um pecador impenitente.
Em 2 Coríntios 2.6, Paulo se referiu a uma punição infligida
“pela maioria” a um membro que se desviara. De novo, ele não
estava escrevendo aos presbíteros e sim à congregação como um
todo.

Nessas passagens sobre disciplina, vemos o significado de ser


membro de igreja local. A disciplina traça um círculo ao redor dos
membros da igreja. Práticas cuidadosas de membresia e disciplina
têm o propósito de separar a igreja do mundo e, por meio disso,
definir e manifestar o evangelho.
Igrejas que não praticam membresia e disciplina formais tornam
mais difícil para os crentes que são parte da igreja seguirem a Cristo,
e mais difícil para os presbíteros saberem por quem devem prestar
contas (Hebreus 13.17). De fato, iria mais além e diria que igrejas que
não praticam membresia autoconsciente estão em pecado, visto que
sem ela os cristãos não podem seguir mandamentos bíblicos básicos.
De acordo com o Novo Testamento, os líderes da igreja precisam
saber quem é e quem não é um membro da congregação. E, talvez o
mais importante, os cristãos precisam saber isso — para o bem de sua
própria alma!

EXEMPLO 2: QUEM É, FINALMENTE, RESPONSÁVEL?


Um segundo assunto de governo que a Bíblia aborda é: quem é
finalmente responsável pelo que acontece numa igreja? O exemplo
anterior tocou nesse assunto, mas quero deixar claro: o Novo
Testamento dá a responsabilidade final à congregação.
Parece que o Novo Testamento dá a responsabilidade final à
congregação nas questões de disciplina e, por implicação, de
membresia. Considere novamente as três passagens já mencionadas
— como 2 Coríntios 2.6 — nas quais a maioria tomou a decisão de
excomungar um membro que havia pecado. A igreja tomou a decisão.
Parece também que a Bíblia dá autoridade final à congregação nas
questões de doutrina e, por implicação, na escolha de líderes. Isto é
evidenciado, por exemplo, no apelo de Paulo às congregações da
Galácia para que confiassem em seu próprio julgamento acima do
julgamento de um apóstolo ou mesmo de um anjo se um apóstolo ou
anjo tentasse alterar o conteúdo do evangelho (Gálatas 1.6-9). Outra
vez, não foram os presbíteros que Paulo chamou a agir. Em outra
carta, ele censurou igrejas de se reunirem ao redor de muitos mestres
para que estes lhes dissessem o que gostavam de ouvir (2 Timóteo
4.3). Certamente esse é um exemplo de autoridade congregacional
usada pobremente. O apóstolo João exortou outra igreja a fazer o
oposto — exercer cuidadosamente sua responsabilidade por atentar
ao ensino que recebia (2 João 10-11).
Nesses exemplos, o Novo Testamento mostra claramente que não
era algo externo à igreja local, como uma associação de igrejas, ou
uma assembleia geral, ou um bispo, que tinha a responsabilidade final
pelo que acontecia numa igreja local. Era a própria congregação.
Também não era um subconjunto de membros, como um concílio,
presbíteros ou um pastor, que detinha a autoridade final. Embora os
presbíteros tenham maior responsabilidade devido ao seu ensino
público da Palavra (Tiago 3.1), essas decisões são, em última
instância, questões de responsabilidade da congregação.
Essa responsabilidade final da congregação não precisa anular a
autoridade pastoral. Pelo contrário, pode tanto reforçá-la quanto
protegê-la contra o abuso de tal autoridade. Numa igreja saudável, a
congregação sempre (ou quase sempre) apoiará os presbíteros.
Ambos os grupos terão o mesmo entendimento da Escritura e
adotarão a mesma opinião em questões práticas. A responsabilidade
da congregação prescrita no Novo Testamento não é como uma
reunião de cidade da Nova Inglaterra, sem pessoas maduras para
liderar. Normalmente, as congregações devem se submeter com
alegria aos pastores e presbíteros da igreja. No entanto, devem
também manter a capacidade de rejeitar o que os presbíteros talvez
apresentem aos membros. Isso é um freio de emergência importante,
bíblico e, às vezes, preservador do evangelho que foi revelado por
Deus em sua Palavra.

EXEMPLO 3: AS IGREJAS DEVEM TER LÍDERES


MÚLTIPLOS?
Essa pergunta desperta mais um exemplo do que a Bíblia ensina a
respeito de governo da igreja. Se a conversa sobre o que a Bíblia
ensina a respeito de estrutura da igreja é recebida com ceticismo por
parte de muitos evangélicos hoje, afirmações sobre a natureza e o
número de oficiais numa igreja seguem o mesmo caminho.
Com o devido respeito para com aqueles que discordam, acho que
a Bíblia ensina claramente que as congregações locais devem ser
guiadas por uma pluralidade de presbíteros. Esse é o padrão
consistente de igrejas no Novo Testamento. Por exemplo, Paulo
orientou que presbíteros fossem constituídos nas igrejas em cada
cidade (Tito 1.5; cf. Atos 14.23). Ele se dirigiu aos presbíteros (ou
“bispos”) como um grupo na igreja em Filipos (Filipenses 1.1). E fez
o mesmo com os presbíteros da igreja em Éfeso (Atos 20.17). Tiago
se referiu também aos “presbíteros da igreja” (Tiago 5.14). Em
resumo, em nenhuma passagem o Novo Testamento diz algo como:
“Submetam-se ao presbítero de sua igreja”. Em vez disso, a palavra
“presbítero” sempre ocorre no plural. O exemplo é uniforme (cf. as
referências aos presbíteros na igreja em Jerusalém, em Atos 11.30;
15.2; 21.18). Se Paulo e os apóstolos encorajaram e instruíram as
primeiras igrejas a seguirem esse padrão, parece que também
devemos segui-lo.14
Essas conclusões são importantes porque Deus nos revelou sua
vontade sobre tais questões. A reação cristã deve ser ouvir e atender à
Palavra de Deus. William Ames, autor de Marrow of Divinty, texto de
teologia usado por décadas em Harvard, asseverou esta mesma coisa:
O homem (...) não tem poder nem de remover qualquer daquelas coisas que
Cristo deu à sua igreja, nem de lhes acrescentar coisas desse tipo. No entanto, de
todas as maneiras, ele pode e deve certificar-se de que as coisas que Cristo
ordenou são promovidas e fortalecidas (...) [Porque somente Cristo é “o cabeça”
da igreja]. A igreja não pode fazer para si mesma novas leis e instituir novas
coisas. Ela deve cuidar apenas de achar claramente a vontade de Cristo e observar
suas ordenanças com decência, ordem e a maior edificação resultante.15

MAIS ALGUMAS POUCAS QUESTÕES


Insistir em que a Escritura rege o que uma igreja local é e faz pode
suscitar mais algumas poucas questões para os leitores, como as
seguintes:

TEMOS DE SER INFLEXÍVEIS EM TODAS AS COISAS?


Não. Muitas outras questões de governo e organização permitem que
flexibilidade e consideração sejam dadas aos detalhes de tempo, lugar
e cultura. Exemplos incluem se uma igreja deve ter uma reunião no
domingo à noite, comissões, Escola Dominical ou diáconos para
tarefas específicas. A Escritura não fala diretamente sobre qualquer
dessas questões, e a congregação local tem liberdade para lidar com
elas visando à sua própria edificação.

A FALTA DE QUALQUER DESSAS COISAS SIGNIFICA QUE


UMA IGREJA NÃO É REALMENTE UMA IGREJA?
Eis uma maneira simples de como os cristãos do passado pensavam
nesta questão: igrejas que pregam o evangelho são igrejas
verdadeiras; igrejas que não pregam o evangelho não são verdadeiras.
Igrejas que pregam o evangelho e, apesar disso, possuem uma forma
de governo biblicamente deficiente podem ser consideradas
“verdadeiras”, mas “irregulares”. São irregulares porque não estão
organizadas de acordo com a norma — a norma de Deus, a norma de
sua Palavra. O papel de bons pastores é levar suas congregações — à
medida que levam suas próprias vidas — em direção à conformidade
crescente com a Palavra de Deus, ainda que essa obra seja lenta.

OS CRISTÃOS PODEM COMPARTILHAR COMUNHÃO


MESMO QUANDO DISCORDAM EM QUESTÕES DE
GOVERNO?
Admitindo que os cristãos compartilham o evangelho, eles devem ser
capazes de desfrutar de alguma forma de comunhão, embora suas
diferenças de governo signifique que pertencem a igrejas diferentes.
Podemos estar convencidos de que um irmão ou uma irmã está no
erro, mas devemos lhe mostrar o mesmo tipo de bondade que
esperamos que eles mostrariam para nós se estivéssemos no erro. Foi
exatamente por isso que Paulo instruiu os cristãos de Roma a lidarem
uns com os outros, quando discordassem sobre questões secundárias
(Romanos 14).

POR QUE ALGUNS CRISTÃOS VEEM NA ESCRITURA


MAIS SOBRE GOVERNO DA IGREJA DO QUE OUTROS
VEEM?
Isso é enigmático, mas o governo da igreja não é a única área em que
os cristãos mantêm interpretações diferentes. Talvez algumas igrejas
conheceram esse assunto por meio daqueles que os precederam;
leram escritores mais velhos. A coisa importante é que não
abordemos essa questão por argumentarmos, mas por apontarmos
para a Bíblia e, depois, deixarmos que a Bíblia faça a sua obra. Com
base nessa sugestão, o alvo deste livro não é encorajar os cristãos a
traçarem limites entre si mesmos e outros cristãos, e sim encorajá-los
a definir claramente o caminho pelo qual andaremos juntos.
Deus criou a igreja, portanto, Deus, o autor da igreja, tem
autoridade. Em sua Palavra, ele nos diz o que a igreja é e algumas
coisas importantes sobre como a igreja deve funcionar.

CONCLUSÃO
Para alguns, esta introdução foi muito profunda. Para outros, a
importância desse tema os atrairá às páginas seguintes e, por meio
delas, espera-se, às Escrituras e às reflexões de muitos outros que nos
precederam. Agora, basta dizer que esse tema é digno de ser
estudado. De fato, é muito mais importante do que muitos acham.
Minha esperança é que o leitor veja como a magnífica suficiência
das Escrituras nos liberta da tirania da mera opinião de homens. Deus
se revelou em sua Palavra. Ele está falando conosco, preparando-nos
para representá-lo hoje e vê-lo amanhã! Uma congregação de
membros nascidos de novo — cumprindo as responsabilidades que
Cristo lhes deu em sua Palavra, reunindo-se regularmente, guiados
por um corpo de presbíteros piedosos — é o quadro da igreja que
Deus nos dá em sua Palavra — a igreja que ele chama de sua “casa”,
comprada com seu próprio sangue (1 Timóteo 3.15; Atos 20.28; cf.
Marcos 3.31-35).
Finalmente, considere o que Deus está fazendo por meio da igreja.
Paulo disse: “Para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se
torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares
celestiais, segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo
Jesus, nosso Senhor” (Efésios 3.10-11). Isso é o que Deus está
fazendo! Portanto, o nosso interesse deve ser semelhante ao de Paulo
— “que a igreja revele e manifeste a glória de Deus, vindicando
assim o caráter de Deus contra toda a calúnia de esferas demoníacas,
a calúnia de que Deus não é digno de que vivamos por ele. Deus
confiou à sua igreja a glória de seu próprio nome”.16
Por amor ao seu nome, Deus nos conduz como seu exército
poderoso. Eis como um pastor expressou isso em 1589:
Este exército de santos é conduzido aqui na terra por estes oficiais, sob a direção
de seu glorioso imperador, Cristo, aquele Miguel vitorioso. Assim, o exército
avança nesta ordem celestial e arranjo gracioso contra todos os inimigos tanto
físicos quanto espirituais. Pacífico em si mesmo como Jerusalém, terrível para
eles como um exército com bandeiras, triunfante sobre a tirania deles com
paciência, sobre a crueldade deles com mansidão e sobre a própria morte com
morrer. Assim, por meio do sangue do Cordeiro imaculado e da palavra de seu
testemunho, eles são mais do que vencedores, esmagando a cabeça da serpente;
sim, por meio do poder da Palavra, eles têm poder para vencer Satanás, pisar
serpentes e escorpiões, destruir fortalezas e tudo que se levanta contra o próprio
Deus. As portas do inferno e todos os principados e poderes do mundo não
prevalecerão com esse exército.17

Esse é o glorioso assunto deste livro.

11. Considere os exemplos de Caim (Gn 4.5), Nadabe e Abiú (Lv 10.1; Nm 3.4) e Uzá (2 Sm
6.6-7). Deus condenou a adoração hipócrita de Israel (Am 5.21-23) e as celebrações erradas
dos cristãos de Corinto (1 Co 11.7).
12. Um exemplo disso que procede de uma geração anterior seria esta afirmação típica: “No
que concerne a ‘governo’, as raízes do Novo Testamento para os modelos episcopal,
presbiteriano e congregacional podem ser traçadas, mas não há uma ocorrência específica em
favor da predominância de qualquer deles”, Frank Stagg, “The New Testament Doctrine of
the Church”, The Theological Educator 12, no. 1 (Fall 1981): 48.
13. A questão de que exemplos devem ser seguidos é tanto importante como, às vezes,
imprecisa. Há uma pequena categoria de exemplos (e até mandamentos) intermediários que
eram temporais e situacionais (como saudar um ao outro com ósculo santo), mas, apesar
disso, incorporavam princípios maiores e permanentes. Discussão interminável pode ocorrer
sobre esses exemplos.
14. Como disse William Williams, professor de História e um dos fundadores da Igreja no
Shouthern Baptist Theological Seminary: “Estamos sob a obrigação de adotar aquele
governo que a sabedoria divina designou ser o mais adaptado à promoção dos objetivos da
igreja ou podemos nos sentir à vontade para mudá-lo ou substituí-lo por alguma outra, de
acordo com nossas opiniões de adequabilidade e conveniência?” (“Apostolic Church Polity”,
em Polity: Biblical Arguments on How to Conduct Church Life, ed. Mark Dever
[Washington, DC: Center for Church Reform, 2001], 546).
15. William Ames, Marrow of Divinity (1634: repr., Boston: United Church Press, 1968),
181.
16. Mark Ross, “An Address at PCA Convocation on Revival”.
17. Henry Barrow, “A True Description of the Visible Church”, reimpresso em Iain Murray,
ed., The Reformation of the Church: A Collection of Reformed and Puritan Documents on
Church Issues (Carlisle, PA: Banner of Truth Trust, 1965), 200-201.
1

A Natureza da Igreja

A igreja é o conjunto de pessoas chamadas pela graça de Deus, por


intermédio da fé em Cristo, a juntas glorificá-lo, servindo-o em seu
mundo.18

O POVO DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO:


ISRAEL
Para entendermos a igreja na plena riqueza da verdade revelada de
Deus, precisamos examinar tanto o Antigo quanto o Novo
Testamento. Os cristãos podem, às vezes, usar a expressão “a igreja
do Novo Testamento”, mas a forma da igreja vista hoje possui uma
evidente continuidade — não identidade — com o povo de Deus visto
no Antigo Testamento.
O plano eterno de Deus sempre foi a revelação de sua glória, não
somente por meio de indivíduos, mas também por um corpo coletivo.
Na criação, Deus não fez apenas uma pessoa, e sim duas, dotando-as
da capacidade de se reproduzirem em mais. No Dilúvio, Deus salvou
não apenas uma pessoa, mas várias famílias. Em Gênesis 12, Deus
chamou Abrão e prometeu que os descendentes dele seriam tão
numerosos como as estrelas no céu ou a areia na praia do mar. No
livro do Êxodo, Deus lidou não somente com Moisés, mas com toda a
nação de Israel — 12 tribos constituídas de centenas de milhares de
pessoas que ainda não possuíam uma identidade corporativa (ver
Êxodo 15.13-16). Ele deu leis e cerimônias que deveriam ser
realizadas não só pelos indivíduos, mas igualmente por todo o povo.
No Antigo Testamento, Israel é chamado filho de Deus (Êxodo
4.22), sua esposa (Ezequiel 16.6-14), a menina dos seus olhos
(Deuteronômio 32.10), sua vinha (Isaías 5.1-7; Naum 2.2) e seu
rebanho (Ezequiel 34.4). Por meio desse nomes, Deus prefigurou a
obra que realizaria por intermédio de Cristo e de sua igreja.
Etimologicamente, existe uma conexão entre a palavra do Antigo
Testamento que expressa a ideia de “assembleia” — qahal — e a
palavra traduzida por “igreja” — ekklesia — no Novo Testamento.
Em Deuteronômio 4.10 e outras passagens, a versão grega do Antigo
Testamento, a Septuaginta, traduz qahal por ekklesia19. E esta palavra
que significa assembleia — qahal — está intimamente ligada, no
Antigo Testamento, ao distinto povo do Senhor, Israel. A rica
associação entre a assembleia de Deus e o povo de Israel, expressa
por qahal no Antigo Testamento, é transportada para ekklesia no
Novo Testamento. A igreja é, literalmente, uma assembleia (ver
Hebreus 10.25). É a assembleia de Deus, porque ele habita nela. E a
igreja é constituída de pessoas que estão começando a conhecer a
reversão dos efeitos da queda no pecado. Portanto, membros tanto de
Israel como da igreja recebem um vislumbre da glória que aguarda o
povo de Deus.
Isaías viu e ouviu os serafins clamando uns para os outros:
“Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia
da sua glória” (Isaías 6.3). João se deparou com o que parece ser a
mesma assembleia celestial, quando ouviu os anjos, os seres viventes
e os anciãos cantando: “Digno é o Cordeiro que foi morto de receber
o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor”
(Apocalipse 5.12). Embora as visões de João e de Isaías sejam
singulares, Paulo disse aos cristãos de Corinto que os incrédulos
perceberiam esse mesmo Deus em operação entre eles: “Deus está, de
fato, no meio de vós.” (1 Coríntios 14.25). Na assembleia de Deus, a
igreja, os céus aparecem na terra.
Os cristãos estão divididos no que diz respeito a quão
intimamente Israel deveria ser identificado com a igreja.20 O Novo
Testamento identifica Israel com a igreja em uma única passagem, na
qual Paulo se refere à igreja gálata com o título “Israel de Deus”: “E,
a todos quantos andarem de conformidade com esta regra, paz e
misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus.” (Gálatas
6.16). Embora alguns tenham a opinião de que “Israel de Deus” se
refere especificamente aos judeus que pertenciam às igrejas
predominantemente gentílicas na Galácia, outros estão convencidos
de que, na mesma epístola, Paulo se refere a todos os cristãos, judeus
e gentios, como “descendentes de Abraão” (Gálatas 3.29), indicando
que a ligação entre Israel e a igreja é deliberada.
Distinções entre o povo de Deus no Antigo e no Novo Testamento
são óbvias. O povo de Deus, no Antigo Testamento, é etnicamente
distinto; no Novo Testamento, é etnicamente misturado. No Antigo
Testamento, o povo de Deus vivia sob o seu próprio governo, com
leis dadas por Deus; no Novo Testamento, o povo de Deus vive entre
os governantes das nações. No Antigo Testamento, exigia-se dos
membros do povo de Deus que circuncidassem seus descendentes
masculinos; no Novo Testamento, exige-se que eles batizem todos os
crentes. O que explica a mudança na transição do Antigo para o Novo
Testamento? Jesus cumpriu promessas explícitas de Deus no Antigo
Testamento e até padrões vigentes. Ele é o cumprimento do templo e
de seu sacerdócio, da terra e de seus governantes, até da nação de
Israel como um filho de Deus.
Continuidades entre Israel e a igreja são mais discutíveis. Atos 15
é uma passagem especialmente significativa sobre tal assunto. No
Concílio de Jerusalém, Tiago citou uma profecia de Amós 9.11-12, a
qual prometia que o tabernáculo de Davi seria restaurado e que Israel
possuiria as nações chamadas pelo nome do Senhor. Tiago afirmou
que essa profecia apontava para as circunstâncias da igreja naquele
momento e para o ingresso recente de gentios crentes. Os “apóstolos
e presbíteros” (At 15.6), reunidos para considerar precisamente a
questão dos gentios crentes, parecem haver aceito o ingresso desses
gentios na igreja como um cumprimento da profecia a respeito de
gentios vindo a Israel.21
Embora Israel e a igreja não sejam idênticos, são intimamente
relacionados e relacionados por meio de Jesus (ver Efésios 2.12-13).
Israel foi chamado para ser o servo do Senhor, contudo foi infiel a
ele. Por outro lado, Jesus é o servo fiel (ver Mateus 4.1-11). Os
templos de Salomão e Esdras, bem como o templo na visão de
Ezequiel, apontam para Jesus Cristo, cujo corpo se torna o supremo
tabernáculo terreno para o Espírito de Deus. A terra de Israel,
especialmente a cidade de Jerusalém, assinala a redenção de toda a
terra. O próprio céu é referido como a nova Jerusalém. A igreja
multinacional cumpre as promessas dadas às 12 tribos (ver
Apocalipse 7). E a lei do Antigo Testamento acha seu cumprimento
em Cristo (ver Mateus 5.17). Cristo é o cumprimento de tudo para o
que Israel aponta (ver 2 Coríntios 1.20). E a igreja é seu corpo.
No mínimo, poderíamos dizer que Deus tinha um plano de
glorificar seu nome por meio de grupos de pessoas que ele escolheu e
tomou para si mesmo.22 Por isso, um escritor comentou: “A história
da igreja começa com Israel, o povo de Deus do Antigo
Testamento”.23

O POVO DE DEUS NO NOVO TESTAMENTO: A


IGREJA

ENSINO EXPLÍCITO
Em um ponto especialmente baixo na degeneração moral de Israel, o
escritor de Juízes descreveu a nação como “o povo de Deus” (Juízes
20.2; ver 2 Samuel 14.13). A forma grega equivalente desta expressão
é usada pelo escritor de Hebreus para descrever o povo de Israel com
quem Moisés se identificou, em vez de se identificar com a família de
Faraó (Hebreus 11.25). E usou essa mesma expressão antes para se
referir aos cristãos (Hebreus 4.9). Pedro também a usou, dizendo aos
seus leitores: “Vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois
povo de Deus” (1 Pedro 2.10). E João Batista veio com a finalidade
de “habilitar para o Senhor um povo preparado” (Lucas 1.17).

SIGNIFICADOS DE EKKLESIA
No Novo Testamento, a palavra igreja pode ser usada para descrever
tanto uma congregação local quanto todos os cristãos em todos os
lugares. No uso contemporâneo, a palavra é empregada também para
descrever prédios e denominações. Nestas últimas formas, a palavra
igreja não corresponde exatamente à palavra grega usada no Novo
Testamento.24
A palavra traduzida por “igreja” é ekklesia, que ocorre 114 vezes
no Novo Testamento.25 Nenhuma outra palavra grega é traduzida por
“igreja”. Porém ekklesia foi usada no tempo do Novo Testamento
para descrever mais do que os ajuntamentos de cristãos. A palavra era
usada frequentemente nas cidades gregas para se referir a assembleias
convocadas para a realização de tarefas específicas. Em Atos 7.38 e
Hebreus 2.12, ekklesia é usada para descrever assembleias do Antigo
Testamento. Lucas usou ekklesia três vezes para descrever o tumulto
que se reuniu no anfiteatro em Éfeso para tratar da questão
relacionada a Paulo (Atos 19.32, 39, 41). Os restantes 109 usos da
palavra no Novo Testamento se referem a uma assembleia cristã.

USOS DE EKKLESIA
Jesus Cristo fundou sua própria assembleia, sua própria igreja.26 De
acordo com o Evangelho de Mateus, Jesus foi o primeiro, no Novo
Testamento, que chamou seu povo de “minha igreja” (Mateus 16.18).
Assim como Adão deu nome à sua esposa, assim também Cristo deu
nome à igreja. No entanto, em seu ensino registrado, Jesus se referiu
apenas duas vezes à igreja (Mateus 16.18; 18.17). Visto que Jesus
entendia ser ele mesmo o Messias, suas referências à igreja
certamente contêm a ideia hebraica de qahal ou “assembleia”.27
Esperava-se que o Messias estabelecesse sua assembleia messiânica,
e, por isso, nos evangelhos, Cristo separa aqueles que são fiéis para
reconhecê-lo e segui-lo.
O livro de Atos dos Apóstolos se refere às reuniões locais
específicas com a palavra ekklesia,28 como as assembleias em
Jerusalém, Antioquia, Derbe, Listra e Éfeso. Essas igrejas se reuniram
e enviaram missionários (ver Atos 15.3). Lucas também citou Paulo
afirmando que a igreja havia sido comprada com o sangue do próprio
Deus (Atos 20.28).
Paulo se referiu frequentemente à igreja (ou igrejas) de Deus29 ou
à igreja (ou igrejas) de Cristo30. Ele identificou a si mesmo como
alguém que antes perseguia a igreja (Filipenses 3.6; ver 1 Coríntios
15.9). E seu ministério apostólico se centralizou em plantar igrejas e
edificá-las. As epístolas de Paulo (especialmente a de Corinto) estão
cheias de instruções para os primeiros cristãos sobre seu
comportamento nas assembleias. Por isso, um erudito comentou:
“Quando fala de ekklesia, Paulo pensa normalmente na assembleia
concreta daqueles que foram batizados num lugar específico (...).
Afirmações eclesiásticas que levam além do nível da assembleia local
são raras nas cartas de Paulo”31. Em Efésios e Colossenses, Paulo
relacionou e identificou Cristo intimamente com as igrejas (cf.
Efésios 2.20; 3.10-12; 4.15; Cl 1.17-18, 24; 2.10), particularmente
por usar a linguagem de marido/mulher e cabeça/corpo para descrever
o relacionamento de Cristo com a igreja (Colossenses 3.18-19;
Efésios 5.22-33).

EPÍSTOLAS GERAIS
O livro de Hebreus menciona uma única igreja (Hebreus 12.23),
referindo-se a uma assembleia terrena com um destino celestial32.
Tiago 5.14 se refere a uma igreja local e seus presbíteros. Tanto 2
João quanto 3 João retratam uma congregação específica e suas lutas
com falsos mestres e líderes. Exceto Paulo e Atos dos Apóstolos, o
livro de Apocalipse contém mais ocorrências de ekklesia do que
qualquer outro livro no Novo Testamento. Salvo Apocalipse 22.16,
todas essas ocorrências estão nos primeiros três capítulos. Nesses
capítulos iniciais, a palavra é usada 14 vezes em um formato
padronizado, ou para começar ou para concluir uma carta específica
dirigida a cada uma das sete igrejas33. E, em Apocalipse 22.16, Jesus
disse que enviou seu anjo “para vos testificar estas coisas às igrejas”.
Portanto, a mensagem deste livro, desde o capítulo 4 até o 22, é
destinada às igrejas locais.

FIGURAS E NOMES DA IGREJA


Muito do ensino do Novo Testamento sobre a natureza da igreja pode
ser derivado das figuras usadas para representá-la. Paul Minear, em
sua obra clássica Images of the Church in the New Testament (Figuras
da Igreja no Novo Testamento), aponta 96 figuras da igreja no Novo
Testamento.34 Embora o teólogo católico romano Avery Dulles tenha
dito, em sua obra recente Models of the Church (Modelos da Igreja),
que o número 96 não seja precisamente correto, ele concorda que os
autores do Novo Testamento usam grande número de figuras.35 Deus
inspirou diversas figuras, e cada uma delas oferece uma perspectiva
diferente, e nenhuma delas deve dominar nosso conceito sobre igreja
de tal modo que a profundeza e a textura de entendimento se perca.
Embora todas sejam inspiradas, elas são intercambiáveis; não são
todas exaustivas em sua apresentação da natureza e do propósito da
igreja.36 As figuras mais importantes são familiares: a igreja como o
povo de Deus, a nova criação, a comunhão dos santos e,
evidentemente, o corpo de Cristo.
A riqueza de descrições da igreja nos ensina que nenhuma figura
sozinha pode abranger todos os aspectos da igreja. A igreja é o arauto
do evangelho (como em Atos). A igreja é o servo obediente (com
base em Isaías). A igreja é a noiva de Cristo (como em Apocalipse 19
e 21). A igreja é um edifício (1 Pedro 2.5; Efésios 2.21); e a igreja é
um templo (1 Coríntios 3.16; 2 Coríntios 6.16; Efésios 2.19-22; 1
Pedro 2.4-8). A igreja é a comunidade de pessoas que vivem nos
últimos dias inaugurados pelo ministério de Cristo na terra e pela
vinda do Espírito. Muitas outras figuras menores poderiam ser
listadas, como “o sal da terra” (Mateus 5.13) ou uma “carta de Cristo”
(2 Coríntios 3.3). A igreja é a "família da fé" (Gálatas 6.10; cf.
Marcos 3.31-35) e “a família de Deus” (1 Pedro 4.17). Todavia,
consideração específica deve ser dada aos quatro grupos de figuras
importantes mencionados antes.37
Primeiramente, a igreja é o povo de Deus. Esta figura já foi
considerada na discussão sobre o pano de fundo do Antigo
Testamento. Ela também está presente no Novo Testamento. Pedro
usou esse título para encorajar os leitores de sua primeira carta (1
Pedro 2.9-10; ver Romanos 9.25-26; Oséias 1.9-10; 2.23). Esses
primeiros cristãos estavam lutando com a distinção, às vezes
dolorosa, feita entre sua identidade em Cristo e outros ao seu redor. A
linguagem de um templo, usada por Pedro, formado das pedras vivas
de vidas cristãs, tendo o próprio Cristo como a pedra angular (1 Pedro
2.4-6), lembrava àqueles cristãos desanimados que eles eram o povo
de Deus, o produto da graciosa obra divina de transformá-los em uma
realidade integrada — um único povo. O povo de Deus está
fundamentado nele, em sua ação, e deriva sua identidade unicamente
dele. Muitas conexões feitas com o Antigo Testamento —
descendentes de Abraão (Gálatas 3.29), a nação santa (1 Pedro 2.9),
Israel (Romanos 9-11) — confirmam o status da igreja como o povo
de Deus.
Em segundo, a igreja é a nova criação. Muitos cristãos
evangélicos pensam na nova criação relacionando-a com a linguagem
clara de Paulo em 2 Coríntios 5.17: “E, assim, se alguém está em
Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se
fizeram novas”. Eles associam imediatamente isso à conversão de um
crente individual. Mas a figura de nova criação é tanto coletiva
quanto individual. No Novo Testamento, a ressurreição de Cristo é as
primícias dentre os mortos (ver 1 Coríntios 15.20-23). E, na
ressurreição de Cristo, começou a grande ressurreição final. Nestas
referências, toda a figura do reino de Deus se torna relevante. Deus
está garantindo um novo começo, uma nova criação por meio de
Cristo, em que o povo de Deus se conforma cada vez mais ao reino
ou governo de Deus.
Um terceiro grupo de figuras usado para se referir à igreja está
centrado em torno da ideia de comunhão. As saudações nas cartas de
Paulo apresentam os cristãos aos quais ele se dirigia como pessoas
que compartilhavam pontos específicos de distinção do mundo ao seu
redor. Por isso, em 1 Coríntios 1.2, Paulo escreveu: “À igreja de Deus
que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para
ser santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso
Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso”. Os cristãos que residiam
em Corinto, como os cristãos de outros lugares, compartilhavam o
status de serem separados para os propósitos especiais de Deus. De
modo semelhante, os cristãos em todos os lugares são chamados
juntos à santidade. Jesus orou em favor de que seus seguidores
conhecessem essa comunhão (ver João 17); e achamos essa
comunhão no livro de Atos dos Apóstolos e nas epístolas. Muito do
conteúdo das epístolas representa o desenvolvimento desta vida
comum, visto que os autores encorajaram os crentes a interagirem de
uma maneira que tanto glorificasse a Deus quanto refletisse o status
comum deles como seguidores de Cristo, discípulos de Cristo e
amigos de Cristo (Lucas 12.4; João 15.15).
Em última análise, a comunhão entre os cristãos na igreja está
baseada na união pactual do cristão com Cristo. Portanto, de acordo
com o Novo Testamento, os cristãos vivem com Cristo, sofrem com
Cristo, estão crucificados com Cristo, morrem com Cristo, serão
ressuscitados com Cristo e são glorificados com Cristo. A vida, os
sofrimentos, a morte, a ressurreição e a glória de Cristo se tornam
deles por meio de sua membresia na nova aliança de Cristo.
A imagem final — e, talvez, a mais bem conhecida — usada para
caracterizar a igreja é o corpo de Cristo. Paulo afirmou: “Porque nós,
embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque
todos participamos do único pão” (1 Coríntios 10.17). Ele usou esta
figura em detalhes, em 1 Coríntios 12, para descrever a diversidade
de dons que existe no corpo da igreja. Em Efésios 3.6, Paulo
argumentou que os crentes judeus e gentios pertenciam a um mesmo
corpo. Paulo inventou essa figura? Não, ela lhe foi dada em sua
conversão, quando o Cristo ressurreto lhe perguntou: “Saulo, Saulo,
por que me persegues?” (Atos 9.4).

A IGREJA E O REINO DE DEUS


Outra figura do Novo Testamento que vale a pena considerarmos
brevemente é o reino de Deus, uma metáfora que se refere ao reino ou
governo de Deus. Jesus Cristo ensinou seus seguidores a orar: “Pai
nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu
reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mateus
6.9-10). A pergunta que surge naturalmente em nosso contexto é se o
reino de Deus é ou não idêntico à igreja. É mais uma figura da igreja,
como as outras? Embora a teologia da Igreja Católica Romana seja
tendente a identificar o reino com a igreja, a Escritura faz distinção
entre o reino de Deus (presente e vindouro) e a igreja. De fato, a
igreja inclui as pessoas do reino, como George Eldon Ladd explicou:
O reino não é identificado com seus súditos. Eles são as pessoas do governo de
Deus que entram no reino, vivem sob ele e são governados por ele. A igreja é a
comunidade do reino, mas nunca o reino em si mesmo. Os discípulos de Jesus
pertencem ao reino, assim como o reino lhes pertence, mas eles não são o reino.
O reino é o governo de Deus; a igreja é uma sociedade de homens.38

Este reino não é uma questão de geografia ou política nacional;


pelo contrário, é uma questão de reconhecer a autoridade de Deus e
viver sob ela. Uma pessoa não pode falar biblicamente do reino sem o
Rei.39 No livro de Atos, os apóstolos não pregaram a igreja, eles
pregaram o reino — o reino de Deus.40
Portanto, a igreja é a koinonia ou “comunhão” de pessoas que
aceitaram e entraram no reino de Deus. Não se entra nesse reino em
grupos como nações ou mesmo famílias. Entra-se nesse reino
individualmente (ver Marcos 3.31-35; cf. Mateus 10.37). Na parábola
de Jesus sobre os lavradores maus (Mateus 21.33-40), o reino de
Deus é tomado dos judeus e dado a um povo que “produza os
respectivos frutos” (v. Mateus 21.43; ver Atos 28.26-28; 1
Tessalonicenses 2.16). Os relacionamentos entre o reino e a igreja
podem ser definidos da seguinte forma: o reino de Deus cria a igreja.
Os verdadeiros cristãos “constituem um reino em seu relacionamento
com Deus em Cristo como seu Governante e uma igreja em sua
separação do mundo, em devoção a Deus, e em sua união orgânica
uns com os outros”.41
Mateus 16.19 é um texto especialmente importante para
entendermos a relação entre o reino e a igreja. Jesus prometeu dar “as
chaves do reino dos céus”. Independentemente do que ele quis dizer
exatamente ao prometer as chaves do reino, é certo que o poder do
reino estava sendo confiado à igreja. “O reino é obra de Deus. Veio
ao mundo em Cristo; opera no mundo por meio da igreja. Quando a
igreja tiver proclamado o evangelho do reino a todas as nações, Cristo
retornará (Mateus 24.14) e trará o reino em glória”.42

18. Uma grande definição foi dada por Henry Barrow em 1589: “Esta igreja, enquanto
entendida universalmente, contém em si todos os que foram, são e serão eleitos de Deus.
Porém, sendo considerada mais particularmente, como a vemos neste mundo presente, ela
consiste numa companhia e comunhão de pessoas santas e fiéis reunidas em nome de Cristo
Jesus, seu único Rei, Sacerdote e Profeta, adorando-o corretamente, sendo governados
tranquila e pacificamente por seus oficiais e leis, mantendo a unidade da fé no vínculo de paz
e do amor não fingido” (Henry Barrow, “A True Description of the Visible Church”,
reimpresso em Iain Murray, ed., The Reformation of the Church: A Collection of Reformed
and Puritan Documents on Church Issues [Carlisle, PA: Banner of Truth Trust, 1965], 196).
Quanto a uma definição tipicamente batista da igreja, ver a definição dada pela Associação
de Charleston: “Uma igreja evangélica específica consiste numa companhia de santos
incorporados por um pacto especial em um corpo distinto, reunindo-se em um lugar, para o
gozo de comunhão uns com os outros e com Cristo, sua cabeça, em todas as suas instituições,
para edificação mútua e para a glória de Deus por meio do Espírito”, citado em Mark Dever,
“A Summary of Church Discipline”, Polity: Biblical Arguments in How to Conduct Church
Life (Washington, DC: Center for Church Reform [9Marks Ministries], 2001), 118.
19. Cf. Dt 4.10; At 7.38.
20. Esta distinção é fundamental para os dispensacionalistas.
21. Isto seria também semelhante à maneira como o escritor de Hebreus, em Hebreus 8,
parece considerar a profecia de Jeremias 31 concernente às casas de Judá e de Israel como
cumprida na igreja.
22. Ver George Eldon Ladd, The Gospel of the Kingdom (Grand Rapids: Eerdmans, 1959),
120. Quanto a pontos de vista contrários, ver a posição dispensacionalista tradicional
representada por John F. Walvoord, The Millenial Kingdom (Grand Rapids: Zondervan,
1959). Quanto à posição dispensacionalista progressiva, ver Craig Blaising e Darrell Bock,
eds., Dispensacionalism, Israel and the Church (Grand Rapids: Zondervan, 1992); e Robert
Saucy, The Case for Progressive Dispensacionalism (Grand Rapids: Zondervan, 1993).
Quanto à posição reformada, ver O. Palmer Robertson, The Israel of God (Phillipsburg:
P&R, 2000); e Robert Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith
(Nashville: Thomas Nelson, 1998), 503-44.
23. Edmund Clowney, The Church (Downers Grove, IL: IVP, 1995), 28. O livro de Clowney
é uma das melhores introduções publicadas sobre a doutrina da igreja.
24. William Tyndale traduziu regularmente ekklesia por “congregação”.
25. Três vezes em Mateus; 20 em Atos; 66 nos escritos de Paulo; uma vez em Hebreus; uma
vez em Tiago; três vezes em 3 João e 20 em Apocalipse.
26. Isto é contrário à influente posição expressa por Alfred Loisy, no início do século XX,
afirmando que “Jesus previu o reino, mas foi a igreja que veio” (Loisy, The Gospel and the
Chruch [repr.; Philadelphia, Fortress Press 1976], 166).
27. A Septuaginta traduz 77 vezes a palavra hebraica qahal pela palavra grega ekklesia.
28. A única exceção a isto pode ser Atos 9.31. Mas, visto que este uso é único, talvez isto
seja o resultado da única igreja de Jerusalém, que havia sido dispersa, ainda sendo referida
como uma unidade.
29. Por exemplo, 1 Co 1.2; 10,32; 11.16, 22; 15.9; 2 Co 1.1; Gl 1.13; 1 Ts 2.14; 2 Ts 1.4.
30. Por exemplo: Rm 16.16; Gl 1.22.
31. J. Roloff, “ἐκκλησία”, em Exegetical Dictionary of the New Testament, vol. 1, eds., Horst
Balz e Gerhard Schneider (Grand Rapids: Eerdmans, 1990), 412-13.
32. Hb 2.2 como uma referência a uma assembleia do Antigo Testamento foi mencionado
antes.
33. Ver Ap 2.1, 7, 8, 11, 12, 17, 18, 29; 3.1, 6, 7, 13, 14, 22.
34. Paul S. Minear, Images of the Church in the New Testament (Philadelphia: Westminster,
1960).
35. Avery Dulles, Models of the Church, 2nd ed. (New York: Image, 1987).
36. Este livro se refere aos fins e objetivos abrangentes de Deus para a igreja usando a
palavra “propósito”, e se refere ao subconjunto específico daquilo que se relaciona à igreja
sendo enviada ao mundo usando a palavra “missão”. Quanto a mais conteúdo sobre esta
distinção proveitosa, ver Kevin DeYoung e Greg Gilbert, Qual a Missão da Igreja? (São José
dos Campos, SP: Fiel, 2012), esp. 17-22.
37. Outra maneira de categorizarmos as várias figuras da igreja no Novo Testamento é
usarmos a estrutura tríplice do povo de Deus, do corpo de Cristo e da habitação do Espírito.
Assim o fazem Hans Kung, The Church, trad. Ray e Rosaleen Ockenden (Tunbridge Wells,
England: Search Press, 1968), 107-260; Dale Moody, The Word of Truth (Grand Rapids:
Eerdmans, 1981), 440-48; Clowney, The Church, 27-70; Millard Erickson, Christian
Theology, 2nd ed. (Grand Rapids: Baker, 1998), 1044-51.
38. George Eldon Ladd, A Theology of the New Testament, rev. ed. (Grand Rapids:
Eerdmans, 1993), 111. Cf. a crítica do teólogo católico romano Hans Kung quanto ao ensino
de sua igreja a respeito deste ponto em seu livro The Church, 92-93.
39. Quanto a um bom resumo sobre isto, ver Kevin DeYoung e Greg Gilbert, Qual a Missão
da Igreja? (São José dos Campos, SP: Fiel, 2012), 151-83.
40. Cf. a pregação de Filipe em Atos 8.12 e a de Paulo em Atos 19.8 ou 28.23.
41. Louis Berkhof, Systematic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1938), 569.
42. George Eldon Ladd, “Kingdom of God”, em Evangelical Dictionary of Theology, 2nd
ed., ed. Walter Elwell (Grand Rapids: Baker, 2001), 611; cf. Berkhof, 568-70. Quanto a mais
comentários sobre as chaves, ver Jonathan Leeman, A Igreja e a Surpreendente Ofensa do
Amor de Deus (São José dos Campos, SP: Fiel, 2013), esp. 223-39.
2

Os Atributos da Igreja: Única,


Santa, Universal, Apostólica

A igreja reflete o caráter de Deus. O Credo Niceno-


Constantinopolitano, elaborado pelo Concílio de Constantinopla em
381 d.C., afirma que os cristãos creem “na igreja única, santa,
universal e apostólica”. Esses quatro adjetivos (notae ecclesiae) têm
sido usados historicamente para resumir o ensino bíblico sobre a
igreja.43 A igreja é única, santa, universal e apostólica como um
reflexo da unidade, santidade, imensidade, eternidade e veracidade de
Deus.

ÚNICA
A igreja é única e tem de ser única porque Deus é único. Os cristãos
sempre foram caracterizados por sua unidade (Atos 4.32). A unidade
dos cristãos na igreja deve ser uma peculiaridade da igreja e, para o
mundo, um sinal que reflete a unidade do próprio Deus. Portanto,
divisões e conflitos são escândalos especialmente sérios. Paulo
escreveu aos efésios: “Há somente um corpo e um Espírito, como
também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um
só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o
qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos” (Efésios
4.4-6). Em 1 Coríntios 1, Paulo argumentou em favor da unidade dos
cristãos baseado na unidade deles em Cristo. Em Romanos 12 e 1
Coríntios 12, Paulo ensinou que há somente um corpo. E, em Gálatas
3.7-28, Paulo disse que os cristãos são todos um em Cristo, apesar da
etnicidade. Ele também exortou a igreja de Filipos à unidade
(Filipenses 2.2). O ensino de Paulo reflete o ensino do próprio Cristo,
o ensino de que há um só rebanho (João 10.16). Por isso, Cristo rogou
que seus seguidores sejam um (João 17.21).
A igreja é uma só, embora dividida.44 Esta unidade não é visível
no nível organizacional; é uma realidade espiritual, que consiste na
comunhão de todos os crentes verdadeiros que compartilham do
Espírito Santo. Esta unidade se torna visível quando os crentes
compartilham o mesmo batismo, participam da mesma Ceia e anelam
compartilhar a mesma cidade celestial. A igreja experimenta esta
unidade na terra somente quando seus membros estão unidos na
verdade de Deus, conforme revelada na Escritura.

SANTA

A igreja é santa e tem de ser santa porque Deus é santo.45 A santidade


da igreja descreve a declaração de Deus concernente ao seu povo,
bem como a obra progressiva do Espírito Santo. Afinal de contas, a
igreja é o lugar de habitação do Espírito Santo, composta de santos
separados ao uso especial de Deus (ver 1 Coríntios 1.2). Portanto, a
santidade da igreja é fundamentalmente a santidade de Cristo. A
igreja a possui por declaração de Deus.
Ao mesmo tempo, a santidade de Cristo será refletida na santidade
da igreja.46 Cristo “amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela,
para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de
água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem
mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito”
(Efésios 5.25-27). Na era presente, a igreja nunca atingirá
perfeitamente santidade ética. “O Senhor está agindo diariamente em
corrigir imperfeições e limpar manchas. Disso, concluímos que a
santidade da igreja ainda não é completa. A igreja é santa no sentido
de que está avançando diariamente e de que ainda não é perfeita”.47
No entanto, o status santo que a igreja possui, por virtude do ato
declaratório de Deus, também a separa do mundo para servir a Deus.
Por isso, tanto o Antigo quanto o Novo Testamento enfatizam a
importância de santidade no povo de Deus, para que possam cumprir
o serviço para o qual são chamados.48 Sem dúvida, a igreja que se
conforma ao mal falha horrivelmente. Esta santidade de status é uma
separação, e não uma exclusão, que resulta em santidade de ação no
mundo.

UNIVERSAL
A igreja é universal e tem de ser universal porque Deus é o “Senhor
de toda a terra”49 e o “Rei das nações”50. A igreja é universal porque
se estende através do tempo e espaço. Entre esses quatro atributos,
somente a universalidade não se acha realmente no Novo Testamento.
Em vez disso, esta descrição é desenvolvida a partir da reflexão
posterior sobre a verdadeira igreja. “Católica” é antiga palavra usada
para descrever esse atributo. Entretanto, por causa da associação desta
palavra com a Igreja de Roma, “universalidade” é uma tradução
melhor da palavra grega katholicain, usada originalmente nos credos.
Universalidade não é o domínio de qualquer grupo de verdadeiros
cristãos. Na carta de Inácio de Antioquia aos esmirniotas, ele
escreveu: “Onde Jesus Cristo está, ali está a igreja universal”
(Esmirn. 8.2). A partir do século III, a palavra passou a ser usada
como sinônimo de “ortodoxo”, em oposição a “herético”, “cismático”
e “inovador”.51
Embora cada verdadeira igreja local seja parte dessa igreja
universal e uma igreja completa em si mesma, nenhuma igreja local
pode dizer que é a igreja universal. Portanto, os cristãos devem
exercer cuidado em suas suposições sobre a exatidão de doutrinas e
práticas que podem, de fato, ser peculiares ao seu próprio tempo e
lugar. Desde o ingresso inicial dos gentios na igreja do século I, esta
tem obedecido ao mandato de Cristo de propagar o evangelho a todas
as nações, para que seja finalmente composta de pessoas de todas as
nações. “Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque
foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que
procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Apocalipse 5.9). A
continuidade da igreja através do tempo e espaço a impede de ser
cativa de qualquer de seus segmentos. A igreja, em suas
manifestações local e universal, pertence a Cristo e somente a Cristo.
APOSTÓLICA
A igreja é apostólica e tem de ser apostólica porque está fundada
sobre a Palavra de Deus, dada por meio dos apóstolos, e se mantém
fiel a ela. No início do seu ministério público, Jesus “chamou a si os
seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu também o
nome de apóstolos” (Lucas 6.13). Perto do final de seu ministério,
Jesus orou “por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da
sua [dos apóstolos] palavra” (João 17.20). Desde os apóstolos até os
dias atuais, o evangelho que pregaram tem sido passado adiante. Tem
havido uma sucessão do ensino apostólico baseado Palavra de Deus.
Paulo disse aos cristãos efésios que eles tinham sido “edificados
sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo,
Cristo Jesus, a pedra angular” (Efésios 2.20). A sucessão que seguiu o
contexto desta fundação pode não ter envolvido uma transmissão de
pessoa a pessoa, mas tem havido uma sucessão de ensino fiel da
verdade. Escrevendo aos gálatas, Paulo enfatizou que a lealdade deles
à mensagem do evangelho que lhes entregara superava qualquer
lealdade prestada a ele pessoalmente (ver Gálatas 1.6-9).
O que isso significa para nós hoje, visto que os apóstolos não mais
existem? Alguns protestantes têm sido hesitantes em afirmar esse
atributo porque a Igreja Católica Romana interpreta isso como algo
vinculado à autoridade do bispo de Roma. No entanto, o ensino dos
apóstolos, e não a sua pessoa, é o foco desse atributo. Edmund
Clowney disse de forma sucinta: “Comprometer a autoridade da
Escritura é destruir o fundamento apostólico da igreja”.52 A
continuidade física de uma linha de bispos-pastores que remonta aos
apóstolos de Cristo é insignificante, se comparada com a
continuidade entre o ensino nas igrejas hoje e o ensino dos
apóstolos.53 Somente com o ensino dos apóstolos a igreja é “coluna e
baluarte da verdade”, como Paulo a descreveu para Timóteo (1
Timóteo 3.15).
Há muito tempo esses quatro atributos têm sido usados para
expressar o ensino da Bíblia sobre a igreja. Eles são os dons e os
deveres da igreja. Um teólogo resumiu:
A igreja já é uma só, mas precisa se tornar uma só mais visivelmente (...) em fé e
prática. A igreja já é santa em sua fonte e fundação, mas precisa esforçar-se para
produzir frutos de santidade em sua peregrinação no mundo. A igreja já é
universal, mas precisa buscar uma medida mais plena de universalidade para
assimilar os protestos válidos contra o abuso da igreja (...) à sua própria vida. A
igreja já é apostólica, mas precisa se tornar mais conscientemente apostólica, para
deixar que o evangelho reforme e, às vezes, até mude seus ritos e interpretações
costumeiros.54

43. Quanto a mais informações sobre o fundamento bíblico para estes quatro adjetivos, ver
Richard D. Phillips, Philip G. Ryken, Mark E. Dever, The Church: One, Holy, Catholic and
Apostolic (Phillipsburg: P&R, 2004). Cf. J. C. Ryle, Knots Untied, 10th ed. (London, 1885),
217-18; R. B. Kuiper, The Glorious Body of Christ (Carlisle, PA: Banner of Truth, 1967),
41-72; Louis Berkhof, Systematic Theology, 4th ed. (Grand Rapids: Eerdmans, 1941), 572-
76. Várias eclesiologias têm sido estruturadas seguindo essas quatro características da igreja;
e.g., G. C. Berkouwer, The Church, trad. James E. Davidson (Grand Rapids: Eerdmans,
1976); Gabriel Fackre, The Church: Signs of the Spirit and Signs of the Time (Grand Rapids:
Eerdmans, 2007); e, parcialmente, Michael Horton, People and Place: a Covenant
Ecclesiology (Louisville: Westminster/John Knox, 2008). Em seu primeiro capítulo,
Berkouwer discutiu a relação dos quatro atributos clássicos com as marcas de uma verdadeira
igreja definidas pelos reformadores, especialmente pp. 7-17.
44. Ver Hans Kung, The Church, 320.
45. Lv 11.44-45; 19.2; 20.7; 1 Pe 1.14-16.
46. Rm 6.14; Fp 3.8-9.
47. John Calvin, Institutes of the Christian Religion, em Library of Christian Classics, vol.
xx, ed. John T. McNeill, trad. Ford Lewis Battles (Philadelphia: Westminster, 1960), IV.i.17.
48. Dt 14.2; 1 Co 5-6; 2 Co 6.14-7.1.
49. Js 3.11, 13; Sl 97.5; Mq 4.13; Zc 4.14; cf. Jr 23.24.
50. Ap 15.3.
51. Por exemplo ver Clemente de Alexandria, em Henry Bettenson, ed., The Early Christian
Fathers: A Selection from the Writings of the Fathers from St. Clement to St. Athanasius
(New York: Oxford University Press, 1956), 247. Quanto a discussão adicional, ver Mark
Dever, “A Catholic Church: Galatians 3.26-29”, em Richard D. Phillips, Philip G. Ryken e
Mark Dever, eds., The Church: One, Holy, Catholic and Apostolic (Phillipsburg, NJ: P&R,
2004), 71-72.
52. Clowney, The Church, 76.
53. Robert Reymond comentou sobre isto: “Assim como a verdadeira descendência de
Abraão são aqueles que andam na fé, sem consideração de sucessão linear, assim também a
igreja apostólica é aquela que anda na fé dos apóstolos, sem consideração da questão de
‘sucessão ininterrupta’” (New Systematic Theology, 844).
54. Donald Bloesch, The Church (Downers Grove: IVP, 2002), 103.
3

As Marcas da Igreja

N o decorrer dos séculos, os quatro atributos da igreja têm sido


associados a duas marcas que definem uma igreja local e até
substituídos por elas.55 Essas duas marcas são a pregação correta da
Palavra de Deus e a administração correta do Batismo e da Ceia do
Senhor.56 De fato, uma eclesiologia bíblica pode ser organizada e
apresentada em função destas duas marcas, visto que, em ambas, a
criação e a preservação da igreja são realizadas. A primeira marca é a
fonte da verdade de Deus que dá vida ao seu povo, e a segunda, o
amável vaso que contém e manifesta esta obra gloriosa. A igreja é
gerada pela pregação correta da Palavra de Deus. A igreja é
distinguida e restringida pela administração correta do Batismo e da
Ceia do Senhor. Também devemos notar que esta última marca tanto
pressupõe quanto implica a prática de disciplina eclesiástica. O
restante desta seção é dedicado à investigação do ensino bíblico sobre
a igreja, organizada em função destes dois tópicos: primeiro, a
pregação correta da Palavra; segundo, a administração correta das
ordenanças. Várias implicações da administração correta das
ordenanças são também consideradas, incluindo a membresia, o
governo, a disciplina e o propósito da igreja.

A PREGAÇÃO CORRETA COMO MARCA DE UMA


IGREJA VERDADEIRA
Na Escritura, o povo de Deus é criado pela revelação do próprio
Deus. Seu Espírito acompanha sua Palavra e produz vida.
O tema “vida pela Palavra” é claro tanto no Antigo quanto no
Novo Testamento. No Antigo Testamento, em Gênesis, Deus criou
vida por sua palavra. Deus falou e o mundo e todos os seres vivos
foram criados. Em Gênesis 1.30, os seres vivos são descritos como
tendo o “fôlego de vida” em si. Assim, em Gênesis 2.7, lemos que
Deus soprou o mesmo fôlego de vida nas criaturas que fizera
especialmente à sua imagem — homens e mulheres.
Depois que o primeiro homem e a primeira mulher se afastaram
de Deus, por rebelião contra ele, Deus os sustentou e os descendentes
deles por sua palavra — uma palavra de promessa dada a eles em
Gênesis 3.15. De novo, em Gênesis 12.1-3, a palavra de Deus
chamou Abrão, de Ur dos caldeus, para se tornar o progenitor do
povo de Deus. Em Êxodo 3.4, Deus chamou Moisés, com sua
palavra, para tirar seu povo do Egito. Em Êxodo 20, Deus entregou ao
seu povo suas 10 “palavras”; e, no Pentateuco, a Palavra de Deus está
exercendo influência em seu povo. Em todo o Antigo Testamento,
Deus ministrou ao seu povo por meio de sua Palavra. Ele os criou e
os recriou por intermédio da orientação inspirada dos profetas e do
ensino da lei pelos sacerdotes.
Ezequiel 37, em específico, apresenta um quadro dramático de
recriação. O povo de Israel estava no exílio, retratado como um
exército tão devastado que somente seus ossos permaneceram. Deus
ordenou que o profeta Ezequiel pregasse aos ossos. Quando Ezequiel
o fez, o Espírito de Deus acompanhou as palavras de Ezequiel, e os
ossos retornaram à vida:
Então, profetizei segundo me fora ordenado; enquanto eu profetizava, houve um
ruído, um barulho de ossos que batiam contra ossos e se ajuntavam, cada osso ao
seu osso. Olhei, e eis que havia tendões sobre eles, e cresceram as carnes, e se
estendeu a pele sobre eles; mas não havia neles o espírito. Então, ele me disse:
Profetiza ao espírito, profetiza, ó filho do homem, e dize-lhe: Assim diz o
SENHOR Deus: Vem dos quatro ventos, ó espírito, e assopra sobre estes mortos,
para que vivam. Profetizei como ele me ordenara, e o espírito entrou neles, e
viveram e se puseram em pé, um exército sobremodo numeroso (Ezequiel 37.7-
10).

A mensagem consistente da Escritura é que Deus cria seu povo e


os traz à vida por meio de sua palavra.
Avançando para o Novo Testamento, a palavra de Deus cumpre
novamente seu papel central como produtora de vida. Assim, a eterna
Palavra de Deus, seu Filho, se encarna para a salvação do povo de
Deus (João 1.14). Jesus veio pregar a palavra de Deus, incorporá-lo
de modo único, bem como realizar a vontade de Deus por meio de
sua vida perfeita, sua morte expiatória e sua ressurreição triunfante.
Ele fundou sua igreja e ensinou seus seguidores a saírem por todas as
nações, pregando a mensagem de reconciliação com Deus, por meio
da fé nele (Mateus 28.18-20). Por isso, Paulo escreveu que “a fé vem
pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Romanos
10.17).

A BASE DA PREGAÇÃO CORRETA: TEOLOGIA BÍBLICA


A pregação correta da Palavra de Deus que cria a igreja não é
somente uma palavra da parte de Deus, é também uma palavra a
respeito de Deus. Como a chamada a ouvir (o Shemá): “Ouve, Israel,
o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR” (Deuteronômio 6.4). Logo
depois dessa afirmação sobre Deus, há o mandamento que indica a
resposta exigida do povo de Deus: “Amarás, pois, o SENHOR, teu
Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”
(Deuteronômio 6.5). Quando indagado a respeito de qual era o
mandamento mais importante, Jesus se reportou a esse (Mateus
22.37). Esse mandamento não somente ecoa no Antigo e no Novo
Testamento,57 mas também resume toda a lei e marca
fundamentalmente a identidade daqueles que pertencem a Deus.
Quando o povo de Deus ouvir sobre Deus e sobre o que ele exige,
eles responderão.
Nesse sentido, um entendimento correto a respeito de Deus provê
a base correta para a pregação correta. Tudo que um pregador disser
deve ser colocado dentro e moldado pela grade de teologia bíblica,
que ensina tanto o pregador quanto a congregação sobre Deus e o que
ele exige da humanidade. Afinal de contas, um entendimento correto
a respeito de Deus pode ser o único fundamento correto para a igreja.
De acordo com a Bíblia, a igreja tem como seu Criador, Senhor, e
seu centro o Deus da Bíblia. Esse Deus é criador, santo, fiel, amoroso
e soberano. O Deus da Bíblia é reconhecido como o grande Iniciador.
Isto significa que ele é o Criador do mundo e o Doador de tudo.
Também significa que ele é o Autor da salvação da igreja (Hebreus
2.10). A salvação oferecida dentro da igreja por meio da palavra
pregada não é originalmente da igreja. A igreja apenas age como o
meio, ou o instrumento, pelo qual o grande Deus criador e eleitor
chama seu povo para si mesmo. O povo de Deus existe por causa de
seu beneplácito (Efésios 1.9-13).
O Deus da Bíblia é também o Deus santo. Santidade é um atributo
do próprio caráter de Deus, sua natureza, e da natureza de todas as
suas obras. Evidentemente, a santidade de Deus é uma dificuldade
para pessoas pecadoras porque ela separa todos os seres humanos de
Deus. Apesar disso, ela caracteriza o eu singular de Deus e sua
amabilidade singular. Sem essa santidade — sua pureza moral plena
— Deus não seria Deus. E ele criou um povo que é chamado a refletir
seu caráter santo por meio de vidas marcadas pela santidade (Levítico
11.44-45; 19.2; 20.7; 1 Pedro 1.16).
O Deus da Bíblia é um Deus fiel. Ele cumpre suas promessas.
Quando Deus promete formar um povo para si mesmo, tais pessoas
serão dele. O Antigo e o Novo Testamento são um grande e, às vezes,
elaborado relato de Deus fazendo promessas a seu povo e, depois,
cumprindo-as. Desde a promessa de perdoar (Êxodo 34.6-7) até a
promessa de enviar um profeta semelhante a Moisés (Deuteronômio
18.15-19), as promessas de Deus no Antigo Testamento foram
cumpridas para seu povo no Novo Testamento por meio da pessoa e
obra de Jesus Cristo. Jesus é o resgate e o cordeiro, o profeta e o
sacerdote, o segundo Adão e o Filho fiel. Em todas essas maneiras, a
fidelidade de Deus forma um povo para si mesmo.
O Deus da Bíblia é um Deus de amor. Mas seu amor só pode ser
entendido em grau máximo quando contrabalançado com sua
santidade, porque seu amor provê o que a sua santidade requer. À
parte da santidade de Deus, a igreja não precisa existir. Ou seja, se
Deus não é separado, seu povo não precisa ser separado. Contudo, à
parte do amor de Deus, a igreja não existiria. Somente o próprio Deus
pode separar seu povo; e por que Deus os separaria, senão porque os
amou? Assim, toda a mensagem que Deus traz ao seu povo pode ser
resumida como julgamento e graça, santidade e misericórdia, pecado
humano e perdão divino por meio de Jesus Cristo. “Porque Deus
amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito, para que
todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16).
E o Deus da Bíblia é um Deus soberano. Por isso, Jesus ensinou
seus discípulos a orarem para se achegarem a Deus como soberano:
“Venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no
céu” (Mateus 6.10). O Deus que é Criador e Senhor da igreja é
também o Criador e Senhor de tudo que foi criado. Seu governo será
reconhecido por todos no final — de uma maneira ou de outra.
Alguns saudarão o retorno de Cristo com gritos de alegria e
felicidade; outros, com punhos e dentes cerrados em ressentimento.
Porém todos reconhecerão que ele é soberano. Nesse sentido, a igreja
é uma invasão do governo de Deus na era presente, uma prelibação
do céu.
Esse é o Deus que seu povo é ordenado a amar. Todos os outros
deuses são uma criação da mente humana e compartilharão do destino
de todas as outras ilusões. O Deus da Bíblia tem de ser o fundamento
e a estrutura de todo ensino e pregação na igreja.

O CENTRO DO ENSINO CORRETO: O EVANGELHO


Se uma teologia correta sobre Deus provê a estrutura, ou a grade, para
o ensino correto, então, um foco no evangelho provê o centro, ou o
ponto, de ensino correto. Como vimos, ensino falso sobre Deus causa
uma separação entre ele e seu povo, construindo uma comunidade ao
redor de um ser que não existe. Além disso, se o deus a respeito de
quem se prega não se ofende com o pecado e não julga pecadores,
então, o próprio evangelho é frustrado. As pessoas são enganadas de
uma maneira que coloca em perigo a sua salvação. Portanto, o ensino
correto da igreja verdadeira se centraliza num entendimento correto
do evangelho.
Ensino correto a respeito do evangelho, por sua vez, exige um
entendimento correto não somente sobre Deus, mas também sobre a
humanidade. Se o ensino de uma igreja retrata as pessoas apenas
como espiritualmente doentes, e não espiritualmente mortas, o
evangelho foi distorcido. Se os ouvintes são tratados como
consumidores que esperam uma atualização espiritual, mas não como
rebeldes diante de um Juiz santo, então, o evangelho foi
provavelmente esquecido. Essas igrejas formaram uma comunidade
ao redor de outra coisa, e não do evangelho. Qualquer unidade que
experimentem é uma unidade baseada numa mensagem falsa.
O ensino correto a respeito do evangelho também centraliza a
igreja na obra de expiação de Cristo, não apenas em seu ensino ou
exemplo de vida. A igreja verdadeira é cruciforme, não
necessariamente em sua arquitetura, mas em seu ensino. A vida de
Jesus é um exemplo para o viver do cristão. Isso é o que dizem tanto
Cristo quanto os apóstolos (Mateus 10.25; Marcos 8.34; 1 Pedro
2.21). Todavia o que distingue a doutrina cristã de toda outra grande
religião é que “seu cabeça” age tanto como exemplo, quanto como
Redentor. Cristo veio não somente para pregar, mas também para ser
o resgate para seu povo (Marcos 10.45). Portanto, quando a igreja se
reúne, ela se reúne não apenas como um povo instruído ou edificado,
mas como um povo resgatado e salvo.
Finalmente, o ensino correto sobre o evangelho centraliza a igreja
não em ações humanas, mas em receber pela fé e arrependimento a
recompensa das ações de Deus em Cristo. Paulo escreveu aos cristãos
de Corinto: “Aquele [Cristo] que não conheceu pecado, ele o fez
pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2
Coríntios 5.21). A humanidade pecaminosa merece o julgamento de
Deus. Contudo, por meio de arrependimento e fé, pecadores se
tornam o povo de Deus. As igrejas não devem errar por
negligenciarem o arrependimento ou a fé. Sem o arrependimento, há
apenas fé de assentimento intelectual, que é morta (ver Tiago 2.17,
26). Sem o arrependimento, a fé e a dependência em Cristo
desaparecem por trás de exigências de obediência à lei (ver Romanos
2.3). Uma igreja centrada no evangelho ensina a necessidade tanto de
abandonar o pecado quanto de voltar-se a Cristo. Por si mesma, um
exposição perscrutadora sobre o pecado humano não é suficiente. Por
si mesma, a proclamação do amor de Deus na morte expiatória de
Cristo não é suficiente. Ambas são necessárias. Uma cruz não aceita
com arrependimento e não afirmada pela fé é uma cruz que não salva.
A pregação correta da Palavra de Deus é central à igreja: é a base e a
essência dela.

ADMINISTRAÇÃO CORRETA DAS ORDENANÇAS

ADMINISTRAÇÃO CORRETA DAS ORDENANÇAS COMO


MARCA DE UMA IGREJA VERDADEIRA
Jesus Cristo outorgou dois sinais visíveis de sua especial presença
com seu povo. Esses sinais são o Batismo e a Ceia do Senhor. Às
vezes, eles são chamados “ordenanças”, ressaltando o fato de que
foram ordenados por Cristo. Outras vezes, são chamados
“sacramentos”.58 Alguns evangélicos hesitam em usar esta última
designação porque ela sugere que os sinais são eficazes sem a fé de
um crente.59 Por isso, a palavra ordenanças é usada neste capítulo,
exceto quando descrevem posições em que a fonte original usou
sacramento.
O próprio Cristo ordenou essas práticas, tanto por exemplos como
por mandamento. Ele foi batizado por João Batista e ordenou a seus
discípulos que fizessem discípulos de todas as nações e os
batizassem.60 Com base em Atos e nas epístolas, parece que esta foi a
prática universal dos cristãos do Novo Testamento. Cristo também
estabeleceu a Ceia e ordenou a seus discípulos que fizessem isto em
memória dele.61 Com base no restante do Novo Testamento, parece
claro que os cristãos participavam regularmente do que Paulo chamou
“a Ceia do Senhor” (1 Coríntios 11.20).62
Quando igrejas praticam o Batismo e a Ceia do Senhor, elas
obedecem ao ensino e ao exemplo de Cristo. Ao fazerem isso,
retratam a morte e a ressurreição de Cristo, o testemunho do
nascimento espiritual de cada crente e a esperança coletiva da igreja
quanto à ressurreição final e à reunião com o Senhor. Essas duas
práticas proclamam, em resumo, o evangelho. Assim, mesmo
congregações que há muito abandonaram a doutrina bíblica
concernente à regeneração, à morte vicária de Cristo ou à esperança
do céu, ainda proclamam essas verdades em suas liturgias quando
realizam esses sinais. O novo nascimento pode ser ignorado, mas o
Batismo o retrata. A expiação de Cristo pode ser negada no sermão,
mas a Ceia a proclama.63 Nesses casos, a tradição à mesa fala mais
verdade do que a pregação no púlpito. Praticar o Batismo e a Ceia do
Senhor demonstra obediência a Cristo, e tencionam complementar,
por meio de sinal e símbolo visíveis, a pregação audível do
evangelho.
Por outro lado, uma igreja falha em obedecer ao mandamento de
Cristo quando negligencia qualquer desses dois sinais.64 Tal falha
remove essa igreja de uma submissão ao ensino mais amplo da
Escritura. E separa uma congregação da prática universal e apostólica
dos seguidores de Cristo. A Escritura age como uma oposição contra
qualquer um — seja uma congregação ou uma pessoa — que decida
ser um cristão e, assim mesmo, negligencie o Batismo e a Ceia do
Senhor. Esta negligência ou negação separa uma pessoa daqueles que
são verdadeiros seguidores de Cristo. Embora nem o Batismo nem a
Ceia do Senhor seja salvífico, uma negligência deliberada de
qualquer deles coloca em dúvida a profissão de fé de uma pessoa.
Nesse sentido, o Batismo e a Ceia do Senhor agem como as marcas
de uma verdadeira igreja. Eles são os sinais exteriores, ou limites
visíveis, que distinguem uma pessoa do mundo. E, correspondendo a
essa mensagem exterior, há uma mensagem interior. As ordenanças
lembram aos cristãos a comunhão que desfrutam com Deus e uns com
os outros.
Alguns têm ensinado que outras ordenanças ou sacramentos
marcam a verdadeira igreja. A Igreja Católica Romana ensina que a
confirmação, a confissão (penitência), a ordenação, o casamento e a
extrema unção (últimos ritos) são também sacramentos.65 No entanto,
devido ao papel da tradição e ao ensino da Igreja Católica Romana
acerca da autoridade da igreja, eles não precisam defender
convincentemente que todos esses sacramentos foram ordenados por
Cristo durante o tempo de seu ministério terreno.66 No começo do
século XVI, os reformadores protestantes reconheceram apenas a
Bíblia como autoridade para estabelecermos a prática da igreja,
resultando na afirmação de que somente o Batismo e a Ceia do
Senhor tinham fundamento suficiente para serem considerados
sacramentos que eram obrigatórios às igrejas.67 Entre alguns batistas
e outros grupos protestantes, o lavar os pés têm sido tratado como
uma ordenança da igreja, seguindo o exemplo e as palavras de Cristo
em João 13.14. Todavia, nem as igrejas no Novo Testamento, nem no
período subapostólico imediato, dão evidência de haverem entendido
dessa maneira o lavar os pés.68 As palavras de Cristo em João 13.14
parecem ensinar humildade. Lavar os pés é uma ação que ilustra um
mandamento (“amar uns aos outros”) e não uma promessa, como são
o Batismo e a Ceia do Senhor.69
Batismo. Embora Paulo fale de “um só batismo” compartilhado
por todos os cristãos (Efésios 4.5), a Escritura enumera e certamente
relata mais batismos do que apenas um.70 A igreja cristã é ordenada a
praticar o batismo imergindo em água uma pessoa que tanto professa
quanto evidencia a conversão. Esse batismo é realizado em
obediência a Cristo como uma confissão de pecado, uma profissão de
fé em Cristo e uma manifestação de esperança na ressurreição do
corpo. É realizado apenas uma vez. Consideramos agora o modo, os
sujeitos apropriados e o significado do batismo.
Modo apropriado. O batismo é geralmente entendido como uma
ordenança que foi praticada por imersão na igreja do Novo
Testamento.71 As igrejas ortodoxas orientais sempre entenderam que
baptizein72 significa “imergir” e, por isso, sempre praticaram o
batismo por imersão. A Igreja Católica Romana e muitas das igrejas
protestantes admitem a antiguidade da imersão, mas negam que um
modo específico seja essencial ao batismo válido.73 Embora seja
difícil sustentar que baptizo74 poderia significar apenas “imergir” na
época do Novo Testamento,75 imersão parece realmente ser o
significado mais direto da palavra (por isso a prática ininterrupta de
imersão entre as igrejas de fala grega) e que melhor satisfaz aos usos
da palavra no Novo Testamento.76 Como Millard Erickson escreveu:
“Não é possível resolvermos a questão do modo apropriado do
batismo com base apenas em dados linguísticos (...) embora [a
imersão] possa não ser a única forma válida de batismo, é a forma
que preserva e realiza mais plenamente o significado do batismo”.77
Sujeitos apropriados. Como uma pessoa adulta, Jesus Cristo foi,
ele mesmo, um sujeito apropriado de batismo. Embora circuncidado
como um descendente de Abraão, Jesus disse que o propósito de seu
batismo era “cumprir toda a justiça” (Mateus 3.15). Por aceitar o
batismo de João, Jesus indicou sua aceitação da vontade e do plano
do Pai para começar seu ministério público.
De acordo com as Escrituras, o batismo cristão é destinado
exclusivamente àqueles que creem em Cristo e o seguem.
Primeiramente, aqueles que evangelizam são ordenados a batizar
somente os que se arrependerem e crerem (Mateus 28.18-20; cf. João
4.1-2). Em segundo, os únicos sujeitos de batismo registrados
claramente no livro de Atos são pessoas que se arrependeram e
creram (ver Atos 2.37-41; 8.12-13, 36-38; 9.18; 10.47-48; 16.15, 33;
18.8; 19.5). Em terceiro, as cartas de Paulo demonstram as suposições
gêmeas de que os que creram foram batizados e os que foram
batizados creem (ver Romanos 6.1-5; Gálatas 3.26-27; Colossenses
2.11-12). Finalmente, Pedro associou o batismo à salvação não como
uma causa e sim como um acontecimento quase simultâneo (Atos
2.38; 1 Pedro 3.21). Por meio de mandamento direto, exemplos de
obediência, as suposições de Paulo e as associações de Pedro, as
Escrituras ensinam que o batismo é para crentes.
O batismo funciona como uma confissão de pecado e uma
profissão de fé para o crente. A fé é professada em Cristo e nas
realidades objetivas da morte de Cristo, do dom do Espírito e da
ressurreição final — as quais são, todas, retratadas no batismo. Além
disso, o batismo dá testemunho da experiência subjetiva de confissão
e perdão, regeneração espiritual e a esperança recém-descoberta da
ressurreição. O batismo retrata a união do crente com Cristo e,
portanto, com os outros crentes e a igreja (ver Romanos 6.1-14).
O batismo em água não cria a realidade de graça salvadora ou fé
naquele que está sendo batizado.78 Em vez disso, ele testemunha da
presença dessa graça e dessa fé.79 A justificação, a regeneração e a
comunhão com Cristo e com seu povo são, todas, recebidas por meio
da palavra do evangelho. Porém, como Herman Bavinck disse: “Estes
benefícios lhes são significados e selados no batismo”.80 Pedro
exortou cada um de seus ouvintes a se arrepender e ser batizado “em
nome de Jesus Cristo para remissão dos (...) pecados” (Atos 2.38).81
O batismo não faz os pecados serem perdoados. Ao contrário, a fé
apreende o perdão dos pecados e responde aos mandamentos de
arrependimento e de obediência no batismo. Em sua primeira
epístola, Pedro mencionou a água do dilúvio nos dias de Noé: “A
qual, figurando o batismo, agora também vos salva, não sendo a
remoção da imundícia da carne, mas a indagação de uma boa
consciência para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo;
o qual, depois de ir para o céu, está à destra de Deus, ficando-lhe
subordinados anjos, e potestades, e poderes” (1 Pedro 3.21-22). Os
cristãos têm uma boa consciência da graça de Deus mediante a
ressurreição de Jesus Cristo. Essa salvação não é criada, mas
simbolizada pelo batismo. Berkhof disse: “É um selo não meramente
de uma aliança oferecida, mas oferecida e aceita, quer dizer, de uma
aliança concluída”.82 E, como explicou Calvino: “É a marca pela qual
professamos publicamente que queremos ser reconhecidos como
povo de Deus”.83
Embora todos concordem que a Bíblia ensina que crentes devem
ser batizados, a prática de batizar crianças há muito tem sido questão
de debates. Alguns têm sugerido que as crianças devem ser batizadas
porque o próprio batismo é o instrumento que Deus usa para
regenerar a criança (ver Atos 2.38; 1 Pedro 3.21). Mas, como
afirmamos antes, o Novo Testamento não ensina, de modo algum,
que o batismo é salvífico. Outros têm sugerido que uma criança
nascida numa família cristã pertence à descendência de Abraão e que
o batismo declara que a criança é o recipiente das promessas que
Deus fez ao seu povo por meio de Abraão (ver Gênesis 12.7; 17.7;
Atos 7.5; Gálatas 3.16). O batismo cristão no Novo Testamento é
tratado como correspondente à circuncisão no Antigo Testamento.84
Entretanto as Escrituras também não apoiam claramente esta opinião.
As Escrituras não somente dizem que o batismo é para aqueles que
creem, como consideramos antes, mas também que as promessas
feitas à descendência de Abraão se cumprem explicitamente em
Cristo (ver Gálatas 3.16).
Além disso, o Novo Testamento diz expressamente que o batismo
com água não é análogo à circuncisão física e sim à circuncisão do
coração (ver Colossenses 2.11-12). Tanto a aliança feita com Abraão
quanto a nova aliança são alianças de graça. No entanto, Deus
prometeu aos israelitas que, na chegada da nova aliança, uma
mudança aconteceria na solidariedade espiritual da família física.85
Jeremias escreveu que “Cada um, porém, será morto pela sua
iniquidade” (Jeremias 31.30). Na nova aliança,
Os participantes não são aqueles que nasceram na aliança, aqueles cujo pai e mãe
têm a lei inscrita “no coração”, mas aqueles que tiveram eles mesmos essa
experiência, tendo sido nascido de novo pelo Espírito de Deus. Esta mudança
subjetiva, interior, existencial, experiencial e espiritual é a característica peculiar
da nova aliança.86

Embora os temas criança e batismo ocorram no Novo Testamento,


os dois nunca ocorrem juntos em ensino explícito ou em exemplo. Se
formulado como uma questão de causa salvífica ou de promessa da
aliança, qualquer ensino que separa o batismo da crença salvadora
distorce a Escritura e confunde potencialmente o próprio evangelho.87
Ainda que a Escritura reserve claramente o batismo para crentes,
ela não aborda, de modo direto, a idade com que os crentes devem ser
batizados. Nem o mandamento de batizar proíbe a realização de
perguntas sobre a maturidade de um candidato ao batismo. O fato de
que os crentes são ordenados a serem batizados não dá à igreja
licença para batizar indiscriminadamente, em especial quando
questões de maturidade de vida torna difícil avaliar a credibilidade da
profissão de fé. Os batismos do Novo Testamento parecem ter
ocorrido, em geral, logo depois da conversão, mas cada pessoa
mencionada especificamente é um adulto que procedeu de um
contexto não cristão — dois fatores que tornam simples e direto o
trabalho da igreja de atestar a credibilidade de uma profissão de fé.
Como uma questão de sabedoria e prudência cristã, a idade
normal de batismo deveria ser quando a credibilidade da conversão
de uma pessoa se torna naturalmente discernível e evidente para a
comunidade da igreja. Uma segunda preocupação legítima é o efeito
do batismo de criança nas outras famílias da igreja. Os pais
espiritualmente menos discernentes — com as melhores intenções —
têm, muito frequentemente, exercido pressão em suas crianças
submissas para serem batizadas. Essas crianças têm sido
erroneamente asseguradas de sua salvação e, depois, ficam
endurecidas para ouvir o evangelho mais tarde na vida. Tragicamente,
a esperança de que mais necessitam pode ser ocultada pelo ato que
tencionava manifestá-la.
O ensino da Bíblia sobre o batismo é claro em instituição,
mandamento e realização. As pessoas entram na nova aliança pela
graça de Deus, e a fé é o meio que Deus graciosamente escolheu usar.
A fé não é causada ou criada pelo batismo. Pelo contrário, o batismo
é a confissão pública da fé. Simboliza um compromisso tanto por
parte de Deus como do crente (ver 1 Pedro 3.21). A sujeição do
crente à água do batismo representa sua súplica humilde a Deus por
uma consciência limpa de culpa, em razão do sangue expiatório de
Cristo.88 O batismo é um ato de confissão e de total dependência. Em
resumo, na Bíblia o batismo não é elevado para ser a causa da
conversão, nem é diminuído para ser um simples marcador de
inclusão em uma aliança não salvífica. Em vez disso, o batismo é
uma confissão pública da obra salvadora de Deus na vida do crente. É
a iniciação pública do crente na família da fé.
A Ceia do Senhor. Os cristãos celebram a Ceia do Senhor em
obediência ao mandamento de Cristo: “Fazei isto em memória de
mim” (Lucas 22.19; 1 Coríntios 11.24).89 Ele disse que o pão era seu
corpo e o cálice era a nova aliança no seu sangue. Embora a ordem de
tomar o pão e o cálice “em memória” dele não apareça em Mateus,
Marcos ou João, a Ceia é registrada claramente em todos os quatro
evangelhos.90 Na noite antes de ser traído e crucificado, Jesus
compartilhou uma refeição com seus discípulos. A relação exata
dessa refeição com a refeição de Páscoa do Antigo Testamento tem
sido bastante debatida, mas poucos questionariam a relação tipológica
entre a refeição de Páscoa e a morte prenunciada pela última ceia.91
Jesus se referiu claramente à celebração como uma refeição de
Páscoa em Mateus 26.18-19. Paulo se referiu a Cristo como “nosso
Cordeiro pascal” (1 Coríntios 5.7) e exortou a igreja a observar a festa
de Páscoa metaforicamente, por viverem juntos em vidas de
santidade, expressando assim unidade em amor (ver 1 Coríntios
10.17).
A Ceia do Senhor evidencia o companheirismo que os cristãos
compartilham em Cristo e em seu Espírito, bem como em santidade e
amor mútuo.
O novo rito que Jesus instituiu tem ligações com a história de redenção. Assim
como o pão fora partido, também o corpo de Jesus seria partido; e, do mesmo
modo que o povo de Israel associava sua libertação do Egito à participação na
refeição pascal prescrita como uma ordenança divina, também o povo do Messias
deve à morte redentora de Jesus o ato de comer este pão pela sua autoridade.92

Este testemunho tem de continuar até que Jesus volte.93


A forma apropriada. A Bíblia não nos dá uma forma exata
(protocolo e palavras faladas enquanto os elementos são distribuídos)
para a celebração da Ceia do Senhor. Este silêncio, combinado com a
natureza universal da prática, sugere que a Ceia do Senhor deve
talvez permanecer simples em forma. Rituais sofisticados exigiriam
instrução escritas cuidadosamente, como aquelas associadas às festas
do Antigo Testamento. Todavia, essas instruções não são dadas no
Novo Testamento.94
Os elementos apresentados pelo Novo Testamento para a Ceia do
Senhor são pão e vinho (“fruto da videira” — Mateus 26.29). Embora
no século I o vinho fosse fermentado, o grau em que ele era diluído é
desconhecido. Certamente, os coríntios foram capazes de ficar
bêbados com o vinho reservado à Ceia do Senhor, pelo que Paulo os
repreendeu (ver 1 Coríntios 11.21). Outros aspectos da celebração
incluíram uma oração de agradecimento (Mateus 26.27) e um hino
(Mateus 26.30). Além disso, os relatos não especificam nada sobre
palavras proferidas ou meios usados enquanto o pão e o vinho eram
distribuídos.
Os participantes apropriados. Assim como no caso do batismo, a
questão de quem deve participar da Ceia do Senhor (os sujeitos) é
mais importante do que a questão de como participar dela (o modo ou
forma). Paulo ensinou aos coríntios que participar da Ceia dá
testemunho de participar da morte do corpo e do sangue de Cristo. É
a identificação objetiva do crente com a obra salvadora de Cristo,
representada objetivamente pelos elementos à mesa. Aquele que toma
o pão e o cálice testifica que compartilha dos frutos da morte de
Cristo, incluindo a comunhão com Deus e com os irmãos em Cristo
por intermédio do Espírito Santo. Então, evidentemente, “a igreja
precisa exigir de todos os que desejam celebrar a Ceia do Senhor uma
profissão de fé crível”.95
Como Paulo disse solenemente, aquele que come e bebe à mesa
do Senhor sem esta fé “come e bebe juízo para si” (1 Coríntios
11.29). Visto que a fé é exigida daqueles que celebram a Ceia do
Senhor, essa deve ser reservada para aqueles que foram batizados.
Embora nenhuma passagem do Novo Testamento defina uma
linha de tempo comparativa para a participação do crente em ambas
as ordenanças, o batismo deve acontecer perto do tempo da conversão
— e somente uma única vez —, enquanto a Ceia do Senhor deve ser
repetida regularmente como um símbolo contínuo de participação em
Cristo pela fé. Aqueles que, pela fé, olham para o corpo e o sangue de
Cristo como base da salvação são chamados a participar deste
banquete e a fazerem isso em memória de Cristo e na expectativa
daquele dia final, quando disse Jesus, “o hei de beber, novo, convosco
no reino de meu Pai” (Mateus 26.29). Nestas palavras, Jesus se
referia à “ceia das bodas do Cordeiro” (Apocalipse 19.9). Portanto, a
Ceia do Senhor é uma encenação regular desta grande celebração na
qual todos os cristãos compartilharão da mesa com seu anfitrião
celestial, o Senhor Jesus Cristo.

55. Quanto a uma interessante comparação da função dos quatro atributos clássicos (unidade,
santidade, universalidade, apostolicidade) e às duas marcas de uma verdadeira igreja, ver
Kung, The Church, 267-69.
56. A linguagem de “marcas” é a expressão clássica usada para considerarmos aquelas
características que distinguem uma igreja verdadeira de uma igreja falsa. Usei a palavra
“marcas” de uma maneira diferente, mais popular em meus livros Nove Marcas de Uma
Igreja Saudável (São José dos Campos, SP: Fiel, 2007) e O que É Uma Igreja Saudável?
(São José dos Campos, SP: Fiel, 2009). Nesses livros, “marcas” se referem a características
que fazem distinção entre igrejas verdadeiras que são mais saudáveis e aquelas que não o
são. Quanto a mais informações sobre esse assunto, ver a “Introdução” em Nove Marcas de
Uma Igreja Saudável.
57. Por exemplo: 2 Cr 15.12; Is 44.6-8; Jo 17.3; 1 Co 8.5-6; Tg 2.19.
58. O mais antigo uso existente do vocábulo sacramentum para descrever tanto o Batismo
como a Ceia do Senhor é o de Tertuliano. Parece que ele usou esse vocábulo para significar
não tanto um “mistério” (ver a tradução da Vulgata, de Jerônimo, em Ef 1.9; 3.3; 5.32) e sim
um “juramento”, como um soldado juraria ao ser iniciado no serviço militar. Agradeço a
Gordon Hugenberger por compartilhar um pouco de sua pesquisa sobre este ponto. Louis
Berkhof definiu um sacramento como uma ordenança (Systematic Theology, 617).
59. “Deve ser considerado um princípio inflexível que os sacramentos tenham o mesmo
ofício da Palavra de Deus: oferecer-nos e apresentar-nos Cristo e, nele, os tesouros da graça
celestial. Mas não têm valor ou proveito algum se não forem recebidos pela fé” (Calvin,
Institutes, IV.xiv.17).
60. Mt 3.15-16; Mc 1.9; Lc 3.21; Jo 1.29-34; Mt 28.19.
61. Mt 26.17-30; Mc 14.12-26; Lc 22.7-20; 1 Co 11.17-34.
62. κυριακὸν δεὶπνον.
63. “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do
Senhor, até que ele venha” (1 Co 11.26).
64. Os corpos organizados de seguidores confessos de Cristo que rejeitam deliberadamente
estas práticas são os quacres e o Exército de Salvação. Poderíamos dizer que muitas
congregações evangélicas contemporâneas, se avaliadas por frequência ou por entendimento,
negligenciam na prática o Batismo ou a Ceia do Senhor.
65. O Concílio de Trento determinou finalmente sete como o número de sacramentos que os
fiéis católicos romanos deveriam aceitar. Os outros cinco, com suas bases bíblicas, são a
confirmação (At 8.17; 14.22; 19.6; Hb 6.2), a confissão (Tg 5.16), a ordenação (1 Tm 4.14; 2
Tm 1.6), o casamento (Ef 5.32) e a extrema unção (Tig 5.14). Ver parágrafo 113, em
Catechism of the Catholic Chruch, em Libreria Editrice Vaticana (Liguori: Liguori
Publications, 1994). Calvino rejeitou, com profundidade, essas sete práticas adicionais como
sacramentos (Institutes, IV.xix). Berkouwer concluiu sua consideração sobre os cinco “extra”
sacramentos católicos romanos por afirmar cordialmente que “esta breve revisão dos cinco
sacramentos especiais deixa claro que a teologia católica romana fixa o número dos
sacramentos baseando-se em sua visão de que eles constituem uma série de atos
sobrenaturais que infundem graça sobrenatural a toda a vida, desde o começo até ao fim, e
não em um fundamento de exegese bíblica indubitável” (G. C. Berkouwer, The Sacraments,
trans. Hugo Bekker [Grand Rapids: Eerdmans, 1969], 36).
66. A teologia católica romana moderna tem falado de toda a igreja como sendo um
sacramento. Por exemplo, “a igreja, em Cristo, é na natureza de sacramento — um sinal e
instrumento, a saber, de comunhão com Deus e de unidade entre todos os homens”
(“Dogmatic Constitution of the Church”, em Vatican Council II, Austin Flannery ed.,
[Northport, NY: Costello Pub. Co., 1975], 350).
67. Por exemplo, o Artigo 26 dos 39 Artigos de Religião da Igreja da Inglaterra.
68. Ver John L. Dagg, Treatise on Church Order (1858; repr. Harrisonburg: Gano Books,
1982), 226-32. Dagg formulou cinco argumentos contra tomarmos o mandamento de lavar os
pés uns dos outros como uma ordenança permanente para a igreja.
69. O autor está em dívida para com Ligon Duncan por essa distinção cuidadosa e útil.
70. O Antigo Testamento contém muitas lavagens cerimoniais (ver Hb 9.10). Paulo usou a
figura de batismo para explicar a submersão do povo de Israel na lei de Deus (1 Co 10.1-2).
João Batista distinguiu seu batismo do de Jesus (Jo 1.24-27, 33; cf. Lc 3.3). Paulo também
explicou a diferença em Éfeso (At 19.1-6). Jesus ensinou que seus discípulos seriam
batizados com o Espírito Santo (At 1.5). Jesus se referiu metaforicamente à sua própria morte
como um batismo (Lc 12.50). E, entre os cristãos de Corinto, havia até a prática de batismo
em favor de mortos (1 Co 15.29). Quanto a mais informações sobre o pano de fundo
histórico do batismo no século I, ver Gregory R. Beasley-Murray, Baptism in the New
Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1962), 1-92.
71. Ver F. M. Buhler, Baptism, Three Aspects: Archeological, Historical, Biblical, trans. W.
P. Bauman (Dundas, Ontario, Canada: Joshua Press, 2004).
72. βαπτίζειν.
73. Tomás de Aquino escreveu: “No sacramento do batismo, a água é colocada em uso para a
lavagem do corpo, e isso significa a lavagem interior dos pecados. Ora, a lavagem pode ser
feita com água não apenas por imersão, mas também por aspersão ou derramamento. E,
portanto, embora seja mais seguro batizar por imersão, porque esta é a forma mais comum, o
batismo pode ser conferido por aspersão ou também por derramamento, de acordo com
Ezequiel 36.25: ‘Então, aspergirei água pura sobre vós (...)’. E isso especialmente em casos
de urgência; ou porque há um grande número de pessoas a serem batizadas, como foi
evidentemente o caso em Atos 2 e 4, em que lemos que num dia três mil pessoas creram e no
outro, cinco mil; ou por haver somente um pequeno suprimento de água; ou por fragilidade
do ministro, que não pode sustentar o candidato ao batismo; ou por fragilidade do candidato,
cuja vida poderia ficar em perigo pela imersão. Temos, portanto, de concluir que a imersão
não é necessária para o batismo”, Summa Theológica (CD-ROM: AGES Software, 1997),
Questão 66, Resposta 7. João Calvino reconheceu a antiguidade da imersão, mas não a sua
necessidade para o batismo válido: “Quer a pessoa que está sendo batizada seja imergida
totalmente, quer seja duas ou três vezes ou seja apenas aspergida com água lançada — esses
detalhes não são importantes, mas devem ser opcionais para as igrejas, de acordo com a
diversidade de países. No entanto, a palavra ‘batizar’ significa imergir, e é claro que o rito de
imersão era observado na igreja antiga” (Institutes, IV.xv.19). Quanto a uma consideração
luterana da questão, ver David P. Scaer, Baptism (St. Louis: The Luther Academy, 1999), 91-
101.
74. βαπτίζω.
75. Por exemplo, no capítulo 7 da Didaquê (que data mais provavelmente da última parte do
século I ou do começo do século II), lemos: “Ora, concernente ao batismo (βαπτίσματος),
batizem assim: depois de haverem revisto todas estas coisas, batizem ‘em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo’, em água corrente (ζῶτι). Mas, se não tiverem água corrente,
batizem em alguma outra água; e, se não puderem batizar em água fria, façam-no em água
aquecida. Mas, se não tiverem nem uma nem outra, derramem (ἐκχεον) água na cabeça três
vezes ‘em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo’” (The Didache, em The Apostolic
Fathers, 2nd ed., trans. J. B. Lightfoot e J. R. Harmer [1891; repr. Grand Rapids: Baker,
1992], 258-59). A Didaquê não é a Escritura e não é, de modo algum, normativa para a
prática dos cristãos hoje. Porém é lexicalmente significativo o fato de que, neste documento,
do século I ou II, os cristãos de fala grega podiam se referir a ἐκχεον como um βαπτίσματος
(batismo).
76. Uma das mais recentes defesas em favor de derramar como batismo argumenta que
Romanos 6.3-6, Hebreus 9.10-10, Tito 3.5-6 e Ezequiel 36.25-26 demonstram que o batismo
simboliza o derramamento do Espírito Santo em conexão com o cristão ser lavado dos
pecados como parte da união com Cristo, nenhuma das quais requer a imersão e qualquer
delas pode ter sido significado normalmente por derramar (ver Joseph Pipa, “The Mode of
Baptism”, em The Case for Covenantal Infant Baptism, ed. Gregg Strawbridge [Phillipsburg:
P&R, 2003], 112-26. Argumentar demais sobre a imersão produz argumentos como o de
Pipa, que são talvez argumentações exageradas na direção oposta (ou seja, em favor de
derramamento ou de aspersão). Não discutimos que βαπτίζειν significa “lavar” total e
completamente, pelo menos quando usado para propósitos simbólicos. Quanto a uma defesa
recente de imersão, ver Tom Wells, Does Baptism Means Immersion? (Laurel, MS: Audubon
Press, 200); cf. Wayne Grudem, Systematic Theology (Grand Rapids: IVP, 1994), 967-68.
Quanto a um exemplo de uma defesa histórica de imersão, ver John Gill, A Body of Doctrinal
and Practical Divinity, nova edição (London: Matthews & Leigh Co, 1839), 909-14. Os
debates denominacionais do século XIX tiveram milhares de páginas publicadas que
investigavam cada lado da controvérsia; por exemplo, John L. Dagg, Church Order, 21-65.
77. Millard Erickson, Christian Theology, 1113-14; cf. o comentário de Robert Saucy:
“Parece que o significado básico do batismo, ou seja, a identificação com Cristo e sua obra
salvadora, poderia, se necessário, ser significado por outro modo que não fosse a imersão,
como a igreja primitiva apresentou. No entanto, a evidência aponta para a imersão como a
prática padrão nas igrejas do Novo Testamento e o modo que significa mais plenamente a
salvação cristã” (The Church in God’s Program [Chicago: Moody, 1972] 212-213).
78. Se o batismo fosse essencial para a salvação, Paulo nunca poderia ter dito que “não me
enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho” (1 Co 1.17).
79. Esse testemunho deve acontecer no contexto de uma comunidade de crentes, os quais têm
a responsabilidade de testar a credibilidade da profissão.
80. Herman Bavinck, Reformed Dogmatics: Holy Spirit, Church and New Creation, vol. 4
(Grand Rapids: baker Academics, 2008), 521.
81. ἐπὶ τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ Χρστοῦ εἰς ἄφεσιν τῶν ἁμαρτιῶν ὑμῶν.
82. Berkhof, Systematic Theology, 632; cf. seus comentários sobre os recipientes apropriados
da Ceia do Senhor, p. 657.
83. Calvin, Institutes, IV.xv.13.
84. Quanto a uma defesa do batismo infantil com base numa perspectiva luterana, ver A.
Andrew Das, Baptized into God’s Family: The Doctrine of Infant Baptism for Today, 2nd ed.
(Milwaukee: Northwestern Publishing House, 2008).
85. Stephen J. Wellum ofereceu uma discussão especialmente proveitosa sobre a
continuidade e descontinuidade entre a velha e a nova aliança com respeito ao batismo. Ele
reconheceu as forças do argumento tradicional da teologia da aliança para o batismo infantil,
mas também observou como teólogos da aliança podem comprimir o texto bíblico para
fazerem suas afirmações teológicas. Ver seu capítulo “Baptism and the Relationship Between
the Covenants”, em Believer’s Baptism: Sign of the New Covenant in Christ, ed. Thomas R.
Schreiner e Shawn D. Wright (Nashville: B&H Academic, 2006), 97-161.
86. Paul K. Jewett, Infant Baptism and the Covenant of Grace (Grand Rapids: Eerdmans,
1978), 228; cf. Fred Malone, The Baptism of Disciples Alone: A Covenantal Argument for
Credobaptism Versus Paedobaptism (Cape Coral, Fl: Founders, 2003).
87. David Wright (What Has Infant Baptism Done to Baptism? [Carlisle, UK: Paternoster,
2005]), ele mesmo um pedobatista, fez uma contribuição interessante a esta discussão por
criticar os efeitos do batismo infantil tão difundido.
88. Cf. Hb 10.22.
89. Quanto a uma consideração sucinta, mas completa, das questões bíblicas, históricas,
teológicas e práticas relacionadas à Ceia do Senhor, ver Robert Letham, The Lord’s Supper
(Phillipsburg, NJ; P&R, 2001); e Thomas R. Schreiner e Matheus R. Crawford, The Lord’s
Supper: Remembering and Proclaming Christ Until He Comes (Nashville: B&H, 2010).
Alguns manuscritos omitem as palavras no evangelho de Lucas.
90. Mt 26.17-30; Mc 14.12-26; Lc 22.7-38; Jo 13.1-17.
91. Ver Êxodo 12; cf. Êx 24.8. D. A. Carson (Matthew, em Expositor’s Bible Commentary,
vol. 8, ed. Frank E. Gaebelein [Grand Rapids: Zondervan, 1984], 528-32) concluiu que a
última ceia foi uma refeição de Páscoa.
92. Carson, Matthew, 536.
93. 1 Co 11.26.
94. As primeiras indicações sobre a forma de observância da Ceia do Senhor se acham em
fontes do final do século I — e início do século II — A Didaquê, 1 Clemente e Epístola de
Inácio aos Esmirniotas.
95. Berkhof, Systematic Theology, 657.
4

A Membresia da Igreja

N o mundo de hoje, o conceito de membresia faz uma pessoa pensar


em clubes ou outras associações voluntárias. Essas organizações
também existiam no mundo da Bíblia.96 No entanto, a ideia de
membresia é ainda mais elementar à humanidade. Famílias e lares
têm membros. Raças, tribos e clãs têm membros. O mesmo acontece
com partidos, comunidades e grupos de elite, como ordens e
concílios. Um significado mais básico de membro se refere à pessoa
humana. Nosso corpo tem membros.97 A Bíblia usa o conceito de
membro e a ideia de membresia em todas essas diferentes formas.
A Bíblia também representa as igrejas como formadas de
membros. Combinando as figuras coletivas de família, partido e
comunidade com a figura mais integrada de um corpo individual e
suas várias partes, a Bíblia apresenta a igreja local como uma
entidade formada de indivíduos múltiplos, mas tão altamente
integrados que são identificáveis como uma unidade. São até
identificados como parte uns dos outros.98 Quando Jesus instruiu seus
seguidores a procurarem o irmão que havia pecado (Mateus 18.15-
21), estava pressupondo esse conceito integrado de membresia do
corpo. Ações de repreensão e, em última instância, de exclusão
devem acontecer no ambiente de um grupo de pessoas específico e
identificável. Em muitas outras passagens do Novo Testamento, a
igreja é retratada como formada de um grupo de pessoas específico e
identificável.99
Desde os tempos mais antigos, as igrejas cristãs locais eram
congregações de pessoas específicas e identificáveis. Certas pessoas
seriam conhecidas como parte de (ou pertencentes a) uma assembleia
específica, enquanto as demais seriam conhecidas como pessoas que
estavam fora da (ou não pertenciam à) assembleia. Por isso, a censura
que Paulo prescreve em 1 Coríntios 5, como Jesus em Mateus 18,
visa a um indivíduo que deve ser excluído não de uma comunidade
política, e sim de um tipo específico de comunidade social. É possível
que listas físicas de membros tenham existido nas primeiras igrejas
cristãs, embora hoje não tenhamos nenhuma evidência delas.
Evidentemente, a manutenção de listas não era conhecida nas igrejas.
A igreja primitiva mantinha lista de viúvas (1 Timóteo 5.9). Deus
mesmo tem uma lista de todos que pertencem à igreja universal em
seu Livro da Vida (Apocalipse 20.12). Paulo admitiu que os coríntios
haviam identificado uma “maioria” de um conjunto específico de
membros da igreja que poderiam votar.
A ideia de uma comunidade de pessoas claramente definida é
central à ação de Deus tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
Como demonstrado com Noé e sua família, Abraão e seus
descendentes, a nação de Israel e a igreja no Novo Testamento, Deus
escolheu manter um povo distinto e separado para o propósito de
manifestar seu caráter. Deus sempre tencionou que houvesse uma
linha nítida para distinguir aqueles que creem nele daqueles que não
creem. As vidas de cristãos juntos manifestam de maneira visível o
evangelho que eles proclamam de maneira audível.

RESPONSABILIDADES E DEVERES DOS MEMBROS


Se a igreja representa, de fato, um clímax glorioso no plano de Deus,
várias questões surgem: como um indivíduo sabe que pertence à
igreja? Como alguém pode se tornar parte da igreja? O que está
envolvido na membresia?
As responsabilidades e os deveres dos membros de uma igreja
cristã são apenas responsabilidades e deveres de cristãos.100 Os
membros de igreja, como cristãos, devem ser batizados e participar
regularmente da Ceia do Senhor. Devem ouvir a Palavra de Deus e
obedecer-lhe. Devem ter comunhão juntos regularmente, visando à
edificação mútua. Devem amar a Deus, uns aos outros e aqueles que
não fazem parte de sua comunhão; e devem evidenciar o fruto do
Espírito (Gálatas 5.22-23). Devem adorar a Deus em todas as
atividades de seu lar, trabalho, comunidade e vida.101
Os cristãos têm igualmente deveres em relação à congregação. “O
cristianismo é um negócio corporativo, e a vida cristã só pode ser
realizada plenamente em relação aos outros”.102 O dever mais
fundamental que os cristãos têm em relação à congregação é o dever
de frequentar regularmente as reuniões dela.103 Em geral, os deveres
dos membros podem ser divididos em deveres para com os outros
membros e deveres para os pastores.
Os deveres e responsabilidades que os membros de igreja têm uns
para com os outros resumem a vida da nova sociedade que é a igreja.
Como seguidores de Jesus Cristo, os cristãos são obrigados a amar
uns aos outros.104 Os cristãos são membros de uma família e, até
mesmo, uns dos outros.105 Sem uma vida de amor uns aos outros, que
outro dever de membros de igreja é satisfatório ou vale a pena? O
amor obriga os membros da igreja a evitarem qualquer coisa que
“tende a esfriar o amor”.106 Por esse amor, a natureza do próprio
evangelho é manifestada.

Os membros de igreja estão também obrigados a buscar a paz e a


unidade em sua congregação.107 O desejo por paz e unidade deve
resultar naturalmente da obrigação de amar.108 Além disso, se os
cristãos compartilham do mesmo espírito e mente — o Espírito de
Cristo — a unidade é uma expressão natural desse Espírito. Pelo fato
de que, nesta vida, o pecado ainda permanece nos crentes, a unidade
requer esforço contínuo. Por isso, os cristãos se conservam “firmes
em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé
evangélica”.109 O conflito deve ser ativamente evitado.110
O amor é expresso e a unidade é cultivada quando os membros de
igreja simpatizam ativamente uns com os outros. Como Paulo
ordenou à congregação em Roma: “Alegrai-vos com os que se
alegram e chorai com os que choram”.111 Outros deveres seguem:
cuidar uns dos outros física e espiritualmente;112 supervisionar uns
aos outros e prestar contas uns aos outros;113 trabalhar para edificar
uns aos outros;114 suportar uns aos outros,115 incluindo não processar
uns aos outros;116 orar uns pelos outros;117 afastar-se daqueles que
querem destruir a igreja;118 rejeitar a avaliação de pessoas segundo os
padrões mundanos;119 lutar juntos pelo evangelho;120 e ser exemplo
uns para os outros.121
Os membros de igreja têm responsabilidades específicas para com
os líderes da igreja, assim como os líderes têm para com eles. Como
Paulo disse aos coríntios: “Assim, pois, importa que os homens nos
considerem como ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de
Deus”.122 Esses homens devem ser respeitados, mantidos em mais
alta consideração e honrados.123 Se os cristãos esperam que seu
pastor cumpra suas responsabilidades bíblicas, os membros de igreja
devem se tornar conhecidos para ele. Devem considerá-lo como um
dom de Cristo enviado à igreja para o bem deles.124 O ministro da
Palavra é um mordomo da casa de Deus e um subpastor do rebanho
de Deus. Ele serve espontânea e prontamente.125 Sua reputação pode
e deve ser defendida, suas instruções obedecidas, a menos que
contradigam a Escritura ou os fatos sejam claramente distorcidos.126
O ministro fiel deve ser considerado assim, apenas porque traz a
Palavra de Deus ao seu povo; ele não a substitui com a sua própria
palavra.
Os membros de igreja devem se lembrar de seus líderes e imitar a
fé e o viver deles.127 Bons pregadores e mestres são dignos de serem
duplamente honrados, de acordo com o ensino de Paulo em 1
Timóteo 5.17, o que inclui sustento material.128 E os membros de
igreja devem se dedicar tanto à oração em favor de seus pastores
quanto a lhes assistir de toda maneira que puderem.129 Os ministros
da Palavra têm se dado à tarefa de trazer a Palavra de Deus para o
povo de Deus. Como Paulo disse aos cristãos de Corinto: “De sorte
que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse
por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos
reconcilieis com Deus”.130 Uma obra mais importante do que essa
jamais poderia ser concebida.

RESPONSABILIDADES E DEVERES DA
CONGREGAÇÃO COMO UM TODO
No Novo Testamento, as congregações locais entendiam que tinham
responsabilidades específicas que não podiam ser delegadas a grupos
de fora. A congregação local era responsável por garantir que um
ministro da Palavra qualificado pregasse para eles, porque isso estava
em seu poder.131 A congregação era, em última análise, responsável
por assegurar que os convertidos fossem batizados e a Ceia do Senhor
fosse devidamente administrada àqueles que davam evidência
confiável de regeneração. E a congregação era responsável por
proteger e definir a membresia de uma igreja, tanto na admissão
como na exclusão de membros.132 Por isso, Paulo atribuiu essas
responsabilidades à congregação em Corinto (cf. 1 Coríntios 5.1-13 e
2 Coríntios 2.1-11).
Toda a congregação é também responsável pela administração fiel
dos dons que lhe foram confiados. O maior dentre esses é o
evangelho, que deve ser pregado no próprio edifício da igreja, na
cidade e ao redor do mundo. Finalmente, a congregação é responsável
por garantir que a mensagem do evangelho chegue a essas diferentes
esferas (ver Gálatas 1.6-9, Filipenses 1.5, Colossenses 1.3-4, 1
Tessalonicenses 1.8).
As responsabilidades da congregação não podem ser delegadas.
Embora a congregação possa substituir o julgamento de um corpo de
líderes — dentro ou fora de seu número — a responsabilidade que ela
possui é inescapável. Assim como as pessoas que pagavam aos falsos
mestres foram ameaçadas com o juízo de Deus, juntamente com os
próprios mestres (2 Timóteo 4.1-5), também a igreja em Corinto,
juntamente com os membros que haviam pecado, foi considerada
responsável (1 Coríntios 5.1-13). E, do mesmo modo que a igreja
tencionada em Mateus 18.15-20 foi considerada responsável, segundo
Cristo, por excluir o impenitente, também as congregações de hoje
não se podem evadir de sua responsabilidade diante de Deus para
cumprir seu dever biblicamente atribuído.
Que outro grupo está tão obrigado a adorar a Deus como aqueles
que foram não somente criados, mas também redimidos? Que grupo
está tão interessado pela tarefa de proclamar a Palavra de Deus e de
evangelização como aqueles que foram eles mesmos salvos por
ouvirem a Palavra? Que grupo estará tão envolvido em tornar visíveis
os sinais — no batismo e na Ceia do Senhor — da obra salvadora de
Deus em Cristo? Desde o ministério da Palavra ao gerenciamento dos
negócios da igreja, que outro grupo está tão incumbido de
responsabilidade como a igreja de Jesus Cristo?133

96. A sinagoga dos Libertos, em Atos 6.9, os fariseus e os saduceus; várias cortes, concílios e
associações. No Antigo Testamento, havia membros de irmandades de guerreiros (e.g., os
trinta homens de Davi — 2 Sm 23.8-39) ou de profetas.
97. Rm 6.12-19; 7.23; 12.4-5; 1 Co 6.15; 12.12-27; Ef 4.16; Tg 3.6; 4.1.
98. Rm 12.5.
99. Por exemplo, At 9.41; 12.1; 15.3, 22; Ef 2.19; 3.6; 4.25; 5.30; Cl 2.19; 3.15; 3 Jo 9.
100. Quanto ao ensino sobre os deveres de membros de igreja elaborados por Benjamin
Keach, Benjamin Griffith, Charleston Association, Samuel Jones, W. B. Johnson, Joseph S.
Baker e Eleazar Savage, ver Mark Dever, ed. Polity: Biblical Arguments on How to Conduct
Church Life (Washington, DC: Center for Church Reform, 2001), 65-69.103-5, 125-26, 148-
51, 221-22, 276-79, 510-11.
101. Quanto a mais informações sobre membresia de igreja, ver 9Marks Ejournal on Church
Membership (May-June 2011); http://www.9marks.org/ejournal/church-membership-
holding-body-together; acesso em 20 de junho de 2011. Cf. Ben Merkle e John Hammett,
eds., Those Who Must Give an Account: A Study of Church Membership and Church
Discipline (Nashville: B&H, 2011).
102. Erickson, Theology, 1058. Quanto a um estudo cuidadoso desse assunto nas epístolas de
Paulo, ver James Samra, Being Conformed to Christ in Community: A Study of Maturity,
Maturation and the Local Church in the Undisputed Pauline Epistles (London: T&T Clark,
2006), especialmente pp. 133-70.
103. Hb 10.25; cf. Sl 84.4, 10; At 2.42.
104. Jo 13.34-35; 15.12-17; Rm 12.9-10; 13.8-10; Gl 5.15; 6.10; Ef 1.15; 1 Pe 1.22; 2.17;
3.8; 4.8; 1 Jo 3.16; 4.7-12; cf. Sl 133.
105. 1 Co 12.13-27.
106. Samuel Jones, Treatise of Church Discipline (1805), em Polity: Biblical Arguments on
How to Conduct Church Life, ed. Mark Dever (Washington, DC: Center for Church Reform,
2001), 150; cf. 2 Co 12.20; 1 Tm 5.13; 6.4; Tg 4.11.
107. Rm 12.16; 14.19; 1 Co 13.7; 2 Co 12.20; Ef 4.3-6; Fp 2.3; 1 T 5.13; 2 Ts 3.11; Tg 3.18;
4.11.
108. Rm 15.6; 1 Co 1.10-11; Ef 4.5, 13; Fp 2.2; cf. Sf 3.9.
109. Fp 1.27.
110. Pv 17.14; Mt 5.9; 1 Co 10.32; 11.16; 2 Co 13.11; Fp 2.1-3.
111. Rm 12.15; cf. Jó 2.11; Is 63.9; 1 Co 12.26; Gl 6.2; 1 Ts 5.14; Hb 4.15; 12.3.
112. Mt 25.40; Jo 12.8; At 15.36; Rm 12.13; 15.26; 1 Co 16.1-2; Gl 2.10; 6.10; Hb 13.16; Tg
1.27; 1 Jo 3.17; cf. Dt 15.7-8, 11.
113. Rm 15.14; Gl 6.1-2; Fp 2.3-4; 2 Ts 3.15; Hb 12.15; cf. Lv 19.17; Sl 141.5.
114. 1 Co 14.12-26; Ef 2.21-22; 4.12-29; 1 Ts 5.11; 1 Pe 4.10; 2 Pe 3.18.
115. Mt 18.21-22; Mc 11.25; Rm 15.1; Gl 6.2; Cl 3.12.
116. 1 Co 6.1-7.
117. Ef 6.18; Tg 5.16.
118. Rm 16.17; 1 Tm 6.3-5; Tt 3.10; 2 Jo 10-11.
119. Mt 20.26-27; Rm 12.10-16; Tg 2.1-13.
120. Fp 1.27; Jd 3.
121. Fp 2.1-18.
122. 1 Co 4.1.
123. Fp 2.29; 1 Ts 5.12-13.
124. Do mesmo modo como os apóstolos eram considerados representantes de Cristo (Lc
10.16; cf. 1 Co 16.10).
125. 1 Pe 5.1-3.
126. Hb 13.17, 22; 1 Tm 5.17-19.
127. 1 Co 4.16; 11.1; Fp 3.17; Hb 13.7.
128. A palavra “honorários” usada em 1 Timóteo 5.17 possui uma evidente conotação
financeira; cf. At 6.4; 1 Co 9.7-14; Gl 6.6.
129. Ef 6.18-20; Cl 4.3-4; 2 Ts 3.1; Hb 13.18-19.
130. 2 Co 5.20.
131. Vemos isso por inferência de Gálatas 1.8, 2 Timóteo 4.3 e Judas 3-4.
132. Mt 18.17. Note o envolvimento de toda a igreja com a corte final e os executores da
disciplina.
133. Um bom exemplo disso está nos detalhes de Atos 15. Comentando Atos 15.4, Jürgen
Roloff escreveu que “toda a assembleia congregacional em Jerusalém constituía seu próprio
corpo de governo, que deve ser distinguido dos apóstolos e dos presbíteros como um corpo
governante que liderava a igreja. O decreto apostólico, concluído por eles, é determinado por
toda a assembleia congregacional.” (J. Rollof, “ἐκκλησία”, em Exegitical Dictionary of the
New Testament, vol. 1, eds. Horst Balz e Gerhard Schneider [Grand Rapids: Eerdmans,
1990], 413-14).
5

O Governo da Igreja

A política é a ciência de organizar a vida juntos. Normalmente, ela


está relacionada com o governo civil, mas política empresarial,
política gerencial e política familiar são também reconhecidas.
Quando fica claro o que a igreja é, surge naturalmente a questão de
como a igreja deve ser organizada e liderada. Estas questões acerca
das responsabilidades da congregação e o papel dos diáconos e dos
pastores são o assunto deste capítulo.

CONGREGACIONALISMO
A responsabilidade fundamental diante de Deus pela manutenção de
todos os aspectos de sua adoração pública pertence à congregação.
Em resolver disputas entre os cristãos (Mateus 18.15-17; Atos 6.1-5),
em estabelecer a doutrina correta (Gálatas 1.8; 2 Timóteo 4.3), ou em
admitir e excluir membros (2 Coríntios 2.6-8; 1 Coríntios 5.1-13), a
congregação local tem o dever e a obrigação de promover a
continuação de um testemunho fiel do evangelho. Nenhum corpo fora
de toda a congregação tem esse mesmo grau de responsabilidade.
Embora os líderes numa congregação tenham suas responsabilidades
especiais diante de Deus, até a menor das congregações — que toma
sobre si mesma a tarefa de prover e ouvir a pregação regular da
Palavra de Deus, bem como de praticar o batismo e a Ceia do Senhor
—, toma necessariamente sobre si mesma a responsabilidade pela
prática correta de membresia e disciplina, mesmo sobre aqueles que
são chamados para serem seus líderes.134
Embora as congregações possam errar e, de fato, errem no
cumprimento dessas responsabilidades, a responsabilidade não deixa
de lhes pertencer. Nenhum outro corpo, dentro ou fora da igreja local,
pode remover de maneira definitiva essas obrigações e deveres da
congregação como um todo. Tolerância de ensino errado
(especialmente em relação ao evangelho), negligência do batismo ou
da Ceia do Senhor e descuido em admitir ou excluir membros são de
responsabilidade da congregação local.135

LIDERANÇA NA IGREJA
Como acontece com qualquer grupo de pessoas, a igreja precisa ser
liderada. Universal e localmente, “o cabeça” e supremo pastor da
igreja é Cristo.136 Cristo não estabeleceu qualquer tipo de estrutura de
liderança, explícita ou implícita, para a igreja universal durante a sua
missão terrena. Portanto, entre as congregações de cristãos, os
relacionamentos são puramente voluntários em natureza.137 Antes de
nos voltarmos para os ofícios específicos estabelecidos para a igreja
no Novo Testamento, cinco princípios bíblicos dessa liderança devem
ser considerados em relação àqueles que servem na liderança.
Os líderes de igreja devem ser explicitamente qualificados. Nem
todos os cristãos são qualificados para servir como líderes ou
supervisores na igreja. Em Atos 20.17-38, 1 Timóteo 3.1-13, Tito 1.5-
9 e 1 Pedro 5.1-4, características são estabelecidas para pastores e
presbíteros do rebanho. Peculiar ante tais qualificações é a exigência
de que os que servem como supervisores sejam aptos “para
ensinar”.138 Além disso, como representantes de Cristo, os presbíteros
ou ministros têm uma obrigação especial de refletir o caráter de
Cristo. Esse caráter inclui um cuidado pelo rebanho, uma prontidão
em servir, uma falta de cobiça por dinheiro, uma recusa de dominar o
rebanho, uma vida exemplar, inculpabilidade, ser marido de uma só
mulher139 e habilidade de cuidar bem de sua própria casa. Um
ministro não é autoritário, irritável ou dado a muito vinho. E um
ministro não deve ser violento ou disposto a obter ganho desonesto.
Por essas e outras maneiras listadas nas Escrituras, o líder da
congregação deve ser explicitamente qualificado.
Os líderes de igreja devem ser respeitáveis para os de fora da
igreja. Aqueles que lideram a igreja não devem ser homens que
trazem infâmia ao evangelho, mas homens cujas vidas elevam o
evangelho como a gloriosa luz de esperança e verdade no mundo. O
amor de Deus pelo mundo brilha mais claramente por meio de vidas
puras. Para que toda a igreja seja orientada em direção aos seus
propósitos, a interação de seus líderes com as autoridades, seus
vizinhos e seus empregadores devem recomendar o evangelho a eles.
Paulo disse que os bispos não devem ser amantes de dinheiro (1
Timóteo 3.3) e sim amantes de estranhos (que é o significado da
palavra “hospitaleiro” no versículo 2). A fim de representar fielmente
o Senhor da igreja, os líderes de igreja devem ter vidas centradas em
Deus e centradas nos outros.
Os líderes de igreja também devem possuir um senso agudo de
prestação de contas, sabendo que estão, eles mesmos, debaixo de
autoridade. Sua vida como líderes públicos os deixa expostos à
reprovação e à correção pública.140 Os pastores do rebanho devem
compreender que são mordomos e não senhores. Portanto, servem
como pastores do rebanho de Deus, que estão debaixo da autoridade,
sujeitos ao governo de Deus. Isso inclui a compreensão de uma
prestação de contas final a Cristo. Tiago afirmou que os mestres serão
julgados mais rigorosamente no final,141 enquanto o autor de Hebreus
prometeu que os líderes de igreja prestarão contas a Deus por sua
obra.142 Como John Brown disse a um de seus alunos de ministério
recém-ordenado numa pequena congregação:
Conheço a vaidade de seu coração e sei que você se sentirá desanimado pelo fato
de que sua congregação é muito pequena, em comparação com as congregações
dos irmãos ao seu redor, mas se assegure, com base na palavra de um homem
experiente, de que, quando tiver de prestar contas deles ao Senhor Jesus Cristo,
no tribunal de julgamento, você achará que teve o suficiente.143

Essa realidade escatológica deveria ter implicações presentes na


vida e obra de um ministro do evangelho. Aqueles que lideram bem
os outros têm de, primeiramente, seguir bem. Eles devem ser sujeitos
a Cristo, para que possam dizer, como Paulo disse aos coríntios:
“Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (1 Coríntios
11.1). Pedro também lembrou aos pastores das igrejas seu futuro
comparecimento diante de Cristo, trazendo à sua mente a recompensa
e a prestação de contas que um dia eles farão de sua obra presente.144
Os líderes de igreja devem exercer autoridade. Embora esta
observação pareça óbvia, alguns não gostam de usar palavras como
“líder” ou “autoridade” no contexto de igreja local. Talvez suponham
que isso implica uma atitude como a de Diótrefes, que gostava de ser
o primeiro, ou associam isso a uma vanglória que não reflete o caráter
de Cristo.145 Entretanto, Paulo disse claramente a Timóteo: “Se
alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja”.146 Ele disse aos
cristãos de Roma que aqueles que são colocados em posições acima
de outros (proistamenos) devem usar seus dons e suas capacidades
em favor da igreja.147 Ele também exortou Timóteo a honrar aqueles
“que presidem bem”.148 O escritor de Hebreus falou sobre “guias”.149
Todas essas palavras implicam tanto a responsabilidade quanto a
iniciativa que devem marcar as ações de líderes de igreja.
Finalmente, os líderes de igreja devem edificá-la. Liderança
genuína exige não só um homem que aja com iniciativa e
responsabilidade numa tentativa de realizar o bem, mas a realização
desse bem. A habilidade de atingir os objetivos tencionados confirma
os dons de um indivíduo e a chamada para a liderança da igreja.
Liderança não depende fundamentalmente de um senso
autoproclamado de chamada e propósito interior do próprio líder. Em
1 Coríntios 14, Paulo submete várias vezes os supostos dons do
Espírito ao teste simples de edificação. Ele pergunta se bons frutos
haviam sido produzidos na igreja. O fruto das ações de um indivíduo
é a igreja sendo edificada? Se esse é o resultado das suas ações, ela
deve ser altamente estimada por amor à igreja e, em última análise,
por amor a Cristo. Todas estas características devem estar presentes
naqueles que lideram uma congregação.

OFICIAIS
As Escrituras estipulam dois oficiais específicos na congregação
local: diáconos e presbíteros.150

DIÁCONOS
Nas traduções modernas do Novo Testamento, a palavra diakonos é
usualmente traduzida por “servo”, às vezes por “ministro” e, em
determinadas ocasiões, por “diácono”. A palavra pode se referir a
serviço em geral,151 a governantes em particular152 e a cuidar de
necessidades físicas.153 Mulheres servem dessa maneira no Novo
Testamento.154 Anjos servem dessa maneira.155 Às vezes a palavra se
refere especificamente a servir à mesa,156 e, embora esse serviço
fosse desprezado no mundo romano, Jesus o considerou de modo
diferente. Ele disse: “Se alguém me serve [diaconeō], siga-me, e,
onde eu estou, ali estará também o meu servo [diaconos]. E, se
alguém me servir [diaconeō], o Pai o honrará” (João 12.26). Outra
vez, Jesus disse: “Quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o
que vos sirva [diaconeō]” (Mateus 20.26). E que “o maior dentre vós
será vosso servo [diaconos]” (Mateus 23.11).
Jesus se apresentou a si mesmo como um tipo de diácono.157 Os
cristãos são apresentados como diáconos de Cristo ou do seu
evangelho. Os apóstolos são retratados do mesmo modo (Atos 6.1-7);
e foi dessa maneira que Paulo se referiu a si mesmo e àqueles que
trabalhavam com ele.158 Ele se referiu especialmente a si mesmo
como um diácono entre os gentios, o grupo específico ao qual ele fora
chamado a servir.159 Paulo chamou Timóteo de um diácono de
Cristo,160 e Pedro disse que os profetas do Antigo Testamento eram
diáconos para os cristãos.161 Anjos são chamados diáconos.162 Até
Satanás tem seus diáconos.163
O retrato mais claro do ofício de diácono na prática está em Atos
6, em que os primeiros diáconos foram estabelecidos. Embasados no
relato, três aspectos do ministério de diácono podem ser notados.164
Primeiramente, os diáconos devem cuidar de necessidades físicas.
Algumas viúvas cristãs “estavam sendo esquecidas na distribuição
diária” (Atos 6.1). Em Atos 6.2, os apóstolos caracterizaram esse
serviço como “servir às mesas” ou, literalmente, “diaconizar as
mesas”. Cuidar de pessoas, especialmente de outros membros da
congregação, contribui não somente para o bem-estar físico, mas
também para o bem-estar espiritual. Encoraja os recebedores desse
cuidado, materializa o cuidado de Deus e age como um testemunho
para os de fora da igreja. E Jesus disse: “Esta é a maneira como o
mundo saberá que vocês são meus discípulos, pelo amor que têm uns
pelos outros”.165 O cuidado físico apresentado em Atos 6 demonstra
esse tipo de amor semelhante ao de Cristo.
Por trás do cuidado físico, há um segundo aspecto da obra de um
diácono, um aspecto que beneficia não somente aqueles que estão em
necessidade, mas também todo o corpo: os diáconos devem se
esforçar pela unidade do corpo. Por cuidarem daquelas viúvas, os
diáconos ajudaram a tornar a distribuição de alimento mais equitativa
entre as viúvas. Isso foi importante porque a negligência física estava
causando desarmonia espiritual no corpo (Atos 6.1). Um grupo de
cristãos reclamava de outro, e parece que foi isso que chamou a
atenção dos apóstolos. Eles não estavam apenas interessados em
corrigir um problema no ministério de benevolência da igreja.
Queriam impedir a ruptura entre dois grupos étnicos. Os diáconos
foram designados como os retentores de choque para o corpo.
O terceiro aspecto, os diáconos foram instituídos para apoiar o
ministério dos apóstolos. Em Atos 6.3, os apóstolos reconhecem que
o cuidar de necessidades físicas é uma responsabilidade da igreja. Em
algum sentido, eles mesmos tinham essa responsabilidade. Contudo,
conforme a passagem em Atos 6.3, eles decidiram confiar essa
responsabilidade a outro grupo de pessoas da igreja. Portanto, os
diáconos não estavam apenas ajudando as viúvas e a igreja como um
todo, estavam também apoiando os líderes cuja principal obrigação
era outra. Por meio de seu ministério às viúvas, os diáconos apoiaram
os mestres da Palavra em seu ministério. Nesse sentido, os diáconos
são fundamentalmente encorajadores e apoiadores do ministério dos
presbíteros.
Esse papel de servo se tornou um ofício regular nas congregações
cristãs. No tempo em que Paulo escreveu sua primeira carta a
Timóteo, instruiu Timóteo sobre as qualificações para o que se
tornara o ofício formal de diácono. Quando a lista de qualidades,
apresentada por Paulo em 1 Timóteo 3.8-13, é combinada com as
qualidades dos indivíduos selecionados em Atos 6, torna-se evidente
que os diáconos devem ser conhecidos como pessoas cheias do
Espírito Santo. Eles atendem às necessidades físicas, porém seu
ministério é um ministério espiritual. Os diáconos devem ser
conhecidos como pessoas cheias de sabedoria. Devem ser escolhidos
pela congregação com a plena confiança dela. Devem assumir
espontânea e diligentemente a responsabilidade pelas necessidades de
seu ministério específico. Devem ser sinceros, dignos de respeito, não
dados a muito vinho, não interessados em ganho desonesto e, com
uma consciência pura, firmes nas profundas verdades da fé. Os
diáconos devem ser servos testados e aprovados enquanto marido de
uma única mulher. E devem ser indivíduos que governam bem seus
próprios filhos e família.

PRESBÍTEROS
Além do ofício de diácono, o Novo Testamento estipula o ofício de
pastor, presbítero ou bispo. Fundamentalmente, o presbítero é um
ministro da Palavra. A raiz presbeut166ocorre 76 vezes no Novo
Testamento. Nove dessas ocorrências se referem a pessoas de idade
avançada167 e quatro se referem aos ancestrais da nação hebraica.168
João usou a palavra presbuteros 12 vezes em Apocalipse para se
referir aos anciãos celestiais.169 Essa palavra também se refere 29
vezes aos líderes judeus, não sacerdotes, no Sinédrio ou nas
sinagogas locais (todas nos evangelhos e em Atos). Os vinte usos
restantes se referem aos presbíteros nas igrejas: na igreja em
Jerusalém;170 em Listra; Icônio e Antioquia;171 em Éfeso;172 nas
cidades de Creta;173 e outras referências gerais.174 O apóstolo João se
referiu a si mesmo duas vezes como “o presbítero”.175 Os judeus dos
dias de Jesus tinham membros leigos do Sinédrio, em Jerusalém, que
eram chamados presbíteros. As sinagogas locais também tinham
grupos de homens governantes chamados presbíteros.
No Novo Testamento, as palavras “presbítero”, “pastor” e “bispo”
são usadas de modo intercambiável no contexto de ofícios da igreja
local.176 Isso pode ser visto mais claramente em Atos 20, que relata o
encontro de Paulo com os “presbíteros”177 da igreja de Éfeso (Atos
20.17), quando ele os chamou. Paulo disse aos presbíteros: “Atendei
por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos
constituiu bispos,178 para pastoreardes179 a igreja de Deus, a qual ele
comprou com o seu próprio sangue” (Atos 20.28). Em Efésios 4.11,
Paulo disse que Cristo “concedeu uns para apóstolos, outros para
profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres”. A
palavra que Paulo usou para expressar a ideia de “pastor” é
poimen.180 De modo semelhante, em 1 Pedro 5.1-2, Pedro se dirigiu
aos presbíteros lhes dizendo que pastoreassem [de novo, esse é o
verbo] o rebanho de Deus, servindo como supervisores ou bispos. Em
1 Pedro 2.25, Jesus é chamado o “Pastor e Bispo da vossa alma”. A
raiz da palavra traduzida por “bispo” nesse versículo (episkop)181
ocorre 11 vezes no Novo Testamento. Em Tito 1.5-9, Paulo
apresentou uma lista de qualificações para um ofício específico
semelhante àquele que havia apresentado em 1 Timóteo 3.1-7. Em
ambas as passagens, o oficial descrito é chamado episkopos, ou seja,
um bispo ou supervisor. Todavia, em Tito 1.5, Paulo também disse
que deixara Tito em Creta a fim de garantir que houvesse
presbuterous em cada cidade. Depois, em Tito 1.7, se referiu à
mesma pessoa como um episkopos. É evidente que as referências no
Novo Testamento demonstram intercambiáveis presbíteros, pastores e
bispos ou supervisores no contexto de oficiais na igreja local.182
Paulo descreveu as qualificações para o ofício de presbítero em 1
Timóteo 3.1-7 e Tito 1.5-9. O presbítero deve ser inculpável,
irrepreensível, não autoritário, temperante, autocontrolado,
hospitaleiro, apto para ensinar, não dado a muito vinho, não violento,
porém gentil, inimigo de contendas, de boa reputação (em especial
entre os de fora), correto, santo e disciplinado. O presbítero é esposo
de uma só mulher, não ama o dinheiro, não é buscador de ganho
desonesto, é bom governante de sua própria casa (seus filhos lhe
obedecem) e não é um recém-convertido. Ele ama o que é bom,
sustenta firmemente o evangelho e é pronto para servir.183
Todas as qualificações listadas aqui são repetidas em outras
passagens da Escritura como aplicáveis a todos os cristãos, exceto a
de não ser um recém-convertido e a de ser apto para ensinar. A
essência do ofício de presbítero se encontra em ensinar — garantindo
que a Palavra de Deus seja bem entendida. Esse ministério de ensino
se mostraria no compromisso com essa tarefa entre os membros de
uma congregação. Qualquer homem que serve como presbítero deve
ter uma compreensão mais do que regular dos ensinos básicos do
evangelho, bem como das grandes verdades da Escritura,
especialmente aquelas que estão sob ataque em seus dias. Um
presbítero deve ter igualmente uma compreensão firme daquelas
verdades que distinguem sua própria congregação de outras (por
exemplo, o batismo, no caso dos batistas). E deve ser um exemplo de
cuidado e interesse por toda a congregação.
As qualificações de ser “esposo de uma só mulher” e governar
“bem a própria casa” não significam que um presbítero tem de ser
casado ou ter filhos.184 Em vez disso, parece que Paulo supôs que a
maioria dos homens seriam casados e teriam filhos e que essas
relações familiares proveriam uma base natural para avaliar a
capacidade de liderança de um homem. Paulo também supôs que os
presbíteros seriam homens. Inerente à criação, Paulo argumentou em
1 Timóteo 2.12-14, existe uma ordem divina que impede uma mulher
de ser chamada a ensinar ou exercer “autoridade de homem” na
igreja.185
Pluralidade de presbíteros. Uma discussão comum sobre os
presbíteros no Novo Testamento é se cada igreja local era governada
por apenas um ou vários presbíteros.
Antes de Jesus estabelecer a igreja, as cidades dos judeus na
Palestina eram acostumadas a serem governadas por vários anciãos.
Por isso, como vemos em Lucas 7.3, o centurião, para pedir ajuda em
seu favor, enviou até Jesus alguns anciãos da comunidade judaica em
Cafarnaum. Deuteronômio também se refere a vários anciãos no
contexto de seu papel como líderes de cidade, quer isso envolvesse
receber pessoas em cidades de refúgio, resolver assassinatos ou lidar
com filhos rebeldes (19.12; 21.1-9; 18-21). As sinagogas judaicas
seguiam igualmente um padrão de liderança plural. Surgidas durante
o exílio na Babilônia, as sinagogas funcionavam como a congregação
civil ou religiosa para ensinar a lei de Deus e, por consequência,
liderar a comunidade. Eram necessários dez homens adultos para o
estabelecimento de uma sinagoga para adoração pública. Vários
ofícios facilitavam a obra das sinagogas, incluindo o ofício de chefe
da sinagoga.186
A evidência sugere que as igrejas no Novo Testamento eram
lideradas, geralmente, por mais de um presbítero. No Novo
Testamento, cinco autores se referem a este ofício num total de 20
vezes.
Tiago, Pedro, Paulo e Lucas também se referiram ao ofício de
presbítero na igreja, e cada um deles presumiu uma pluralidade de
presbíteros.187 Tiago instruiu seus leitores cristãos a chamarem “os
presbíteros [plural] da igreja [singular]” para orarem por alguém que
estivesse doente (Tiago 5.14). Pedro escreveu como um presbítero
aos “presbíteros [plural] que há entre vós”(1 Pedro 5.1-5). A menos
que Pedro estivesse dizendo: “De um ancião para outros anciãos”, ele
presumia uma pluralidade de presbíteros existente em cada igreja.
Paulo saudou os “bispos” (plural) da igreja em Filipos (Filipenses
1.1). E exortou os presbíteros (plural) da igreja em Éfeso a
pastorearem o rebanho (singular) para o qual Deus os chamara (Atos
20.28). Escrevendo a Timóteo e Tito, Paulo mencionou novamente
presbíteros no plural. E lembrou a Timóteo do grupo de presbíteros
que havia imposto as mãos sobre ele (1 Timóteo 4.14). Pouco depois,
Paulo se referiu a presbíteros (plural) que dirigiam as coisas da igreja
(Timóteo 5.17). E depois ele se referiu a acusações — não contra o
“presbítero” —, mas contra um “presbítero” (Timóteo 5.19;
presbuterou, sem o artigo), que seria coerente com a suposição de que
Timóteo tinha vários presbíteros em sua única congregação.
Paulo também deixou Tito em Creta para constituir “presbíteros”
(plural) “em cada cidade” (Tito 1.5), significando de novo que Paulo
tencionava que cada igreja em Creta tivesse uma pluralidade de
presbíteros. Por fim, a narrativa de Lucas em Atos dá evidência de
pluralidade de presbíteros em cada igreja local. A igreja (singular) em
Éfeso tinha vários presbíteros (Atos 20.17). E, no fim de sua primeira
viagem missionária, Paulo e Barnabé promoveram, “em cada igreja
[singular], a eleição de presbíteros [plural]” (Atos 14.23). E
referência aos presbíteros da igreja em Jerusalém ocorre sempre no
plural.188 Portanto, a evidência direta no Novo Testamento indica que
a prática comum e esperada era ter uma pluralidade de presbíteros em
cada igreja local.189
Pastor principal? Outra questão que surge naturalmente nestes
dias é se o Novo Testamento apoia a posição de um pastor principal.
Embora nenhuma evidência direta do Novo Testamento aponte para
essa distinção, quatro sugestões podem ser achadas quanto a um
ministro da Palavra principal entre os presbíteros, até nas primeiras
congregações. Primeiramente, alguns homens no Novo Testamento,
como Tito e Timóteo, se moviam de um lugar para outro, mas
serviam como presbíteros. Outros homens teriam permanecido em um
único lugar, talvez como os homens constituídos por Tito em cada
cidade (Tito 1.5). Em outras palavras, Timóteo estabeleceu um
precedente por vir de fora da comunidade para agir num papel de
liderança, embora outros líderes já estivessem no lugar.
Aparentemente, os que vinham de fora não eram impedidos de se
unir-se a uma comunidade para assumirem responsabilidades
primárias de ensino.
Em segundo, alguns homens eram sustentados financeiramente
para o trabalho de tempo integral com o rebanho,190 enquanto outros
permaneciam em sua vocação e realizavam simultaneamente sua obra
como presbíteros. Paulo fez isso frequentemente quando estabeleceu
o evangelho em uma nova região. Poderia cada presbítero nas
congregações cristãs das cidades de Creta ter sido sustentado
totalmente?
Em terceiro, Paulo escreveu apenas a Timóteo dando instruções
para a igreja em Éfeso, embora o livro de Atos aponte claramente
para uma pluralidade de presbíteros naquela igreja. Aparentemente,
Timóteo desempenhava um papel singular entre eles.
Finalmente, Jesus dirigiu suas cartas às sete igrejas, em
Apocalipse 2 e 3, falando ao “anjo” ou “mensageiro” (singular) de
cada uma daquelas igrejas.
Nenhum desses exemplos apresenta uma ordem explícita, mas
descrevem a prática comum de separar pelo menos um indivíduo
dentre os presbíteros potencialmente de fora da comunidade da
congregação, apoiando esse indivíduo e dando-lhe a responsabilidade
principal de ensino na igreja. No entanto, o pregador ou pastor é
fundamentalmente um dos presbíteros de sua congregação.
Trabalhando ao lado desse pastor principal, a pluralidade de
presbíteros tanto lhe ajuda quanto ajuda a igreja a completar os dons
do pastor, compensar suas deficiências, suplementar seu julgamento e
criar apoio na congregação para as decisões, deixando os presbíteros
menos expostos a críticas injustas. Uma pluralidade também torna a
liderança mais fixa e permanente, proporcionando uma continuidade
mais madura. Estimula a igreja a assumir mais responsabilidade pelo
crescimento espiritual de seus membros e contribui para torná-la
menos dependente de seus empregados. À medida que os presbíteros
lideram e os diáconos servem, a congregação é preparada para viver o
testemunho que Deus tenciona que sua igreja seja.
Governo de presbíteros ou liderança de presbíteros? Duas igrejas
que têm pluralidade de presbíteros podem ser bem diferentes. Quem
pode servir como presbítero? Como eles são organizados? Por quanto
tempo devem servir? Devem ser reconhecidos por qualquer grupo
fora da igreja local? Qual é a sua autoridade no aspecto individual? E
que autoridade está apenas no presbitério como um todo? As decisões
são tomadas por consenso, unanimidade ou maioria? E, acima de
tudo, qual é o papel e a autoridade relativa deles para com a
congregação?
Alguns cristãos argumentam que o presbítero é chamado a
governar ou dirigir os afazeres da igreja local, baseados em passagens
como 1 Timóteo 5.17, Tito 1.7 e Hebreus 13.7, 17. A
responsabilidade da congregação, eles dizem, é se submeter a eles,
apenas e sempre.191 Essa posição é chamada governo de presbíteros.
Defensores do governo de presbíteros não afirmam, é claro, que o
presbitério sempre está certo; dizem apenas que é responsabilidade de
Deus avaliá-los e julgá-los. Os presbíteros são chamados a ensinar e
liderar; a congregação a se submeter e seguir.
Outros cristãos consideram as passagens sobre as
responsabilidades da liderança dos presbíteros e dizem que a
Escritura também dá certas responsabilidades à congregação como
um todo. Recorrem às mesmas passagens mencionadas antes,
passagens que afirmam a supervisão da congregação em questões de
membresia (2 Coríntios 2.6-7), disciplina (Mateus 18.15-20) e
pregação correta do evangelho (Gálatas 1.7-8; 2 Timóteo 4.3). A
responsabilidade final da congregação não contradiz ou anula a
liderança geral dos presbíteros, mas provê uma oportunidade para
confirmá-la, quando é correta, e impedi-la, quando está errada. Essa
posição é chamada liderança de presbíteros.
Em lugar de ver um pastor principal como alguém que está em
competição com um grupo de presbíteros ou os presbíteros e a
congregação em disputa sobre os limites de autoridade e
responsabilidade, esta última posição, que é a minha posição, defende
que eles podem trabalhar muito bem juntos. A congregação
reconhece e se submete aos presbíteros. Nas questões que são
importantes e claras, os presbíteros e a congregação devem concordar
normalmente; e, quando não concordam, a autoridade da congregação
é final. Nas questões que são menos claras, a congregação deve
confiar nos presbíteros e acompanhá-los, crendo na obra providencial
de Deus por meio deles. Igrejas sempre se beneficiam ao delinearem
com clareza as responsabilidades e as obrigações de cada um e ao
concordarem com isso.
Embora os membros de uma igreja devam concordar quanto a
suas próprias estruturas de autoridade, igrejas com diferentes formas
de governo podem ser parceiras em várias áreas. A discordância na
forma de governo pode impedir a parceria na implantação da igreja,
mas não impede a parceria na comunhão pastoral, educação,
evangelização, tradução da Bíblia ou vários ministérios sociais.
Certamente, nunca é apropriado igrejas perderem suas afeições para
com outras por causa de diferenças na forma de governo. Numa igreja
local saudável, um governo bíblico trará paz à congregação, assim
como à comunhão dessa congregação com outras igrejas evangélicas.

134. 1 Tm 5.19-20. Quanto a mais informações sobre congregacionalismo, ver Mark Dever,
Refletindo a Glória de Deus (São José dos Campos: Fiel, 2008), 51-65.
135. Muito da evidência disto no Novo Testamento está em passagens que abordam igrejas
negligenciando esses deveres.
136. Ef 4.1-16; Hb 13.20; 1 Pe 5.4.
137. Esta natureza voluntária dos relacionamentos entre congregações não significa que as
decisões tomadas em referência às relações de uma congregação com outra são questões
indiferentes.
138. 1 Tm 3.2.
139. Isso não significa nunca ter divorciado, mas, antes, ser fiel à sua mulher. Não há
nenhuma razão convincente para crermos que Paulo tinha em mente divórcio ou adultério
anterior à conversão, como ele não considerou, em nenhuma outra passagem, que alguém
seria desqualificado devido a outros pecados anteriores à conversão como mentira,
assassinato ou blasfêmia.
140. 1 Tm 5.19-20.
141. Tg 3.1.
142. Hb 13.17.
143. Citado por Alexander Grossat em Works of Richard Sibbes, ed. Alexander Grossart
(1862-1864; repr. Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1979), 294.
144. 1 Pe 5.4.
145. 3 Jo 9; 1 Co 1-3.
146. 1 Tm 3.1.
147. Rm 12.8.
148. 1 Tm 5.17.
149. ἠγουμένοις — Hb 13.17, 24.
150. Ver Mark Dever, Refletindo a Glória de Deus (São José dos Campos: Fiel, 2008), 18-
47. Quanto a uma consideração mais ampla e mais cuidadosa desses dois ofícios, ver
Benjamin L. Merkle, 40 Questions About Elders and Deacons (Grand Rapids: Kregel, 2008).
151. At 1.17, 25; 19.22; Rm 12.7; 1 Co 12.5; 16.15; Ef 4.12; Cl 4.17; 2 Tm 1.18; Fm 13; Hb
6.10; 1 Pe 4.10-11; Ap 2.19.
152. Rm 13.4.
153. Mt 25.44; At 11.29; 12.25; Rm 15.25, 31; 2 Co 8.4, 19-20; 9.1, 12-13; 11.8.
154. Mt 8.15 [Mc 1.31; Lc 4.39]; Mt 27.55 [Mc 15.41; cf. Lc 8.3]; Lc 10.40; Jo 12.2; Rm
16.1.
155. Mt 4.11 [Mc 1.13].
156. Mt 22.13; Lc 10.40; 17.8; Jo 2.5, 9; 12.2.
157. Mt 20.28 [Mc 10.45; Lc 22.26-27; cf. Jo 13]; Lc 12.37; Rm 15.8.
158. At 20.24; 1 Co 3.5; 2 Co 3.3, 6-9; 4.1; 5.18; 6.3-4; 11.23; Ef 3.7; Cl 1.23; 1 Tm 1.12; 2
Tm 4.11.
159. At 21.19; Rm 11.13.
160. 1 Tm 4.6; 2 Tm 4.5.
161. 1 Pe 1.12.
162. Hb 1.14.
163. 2 Co 11.15; Gl 2.17.
164. Agradeço a Buddy Gray, um pastor em Birmingham (Alabama), por destacar isso no
texto para mim.
165. João 13.35 — tradução do autor.
166. πρεσβύτ.
167. Lc 1.18; 15.25; Jo 8.9; At 2.17; 1 Tm 5.1, 2; Tt 2.2, 3; Fm 9.
168. Mt 15.2; Mc 7.3, 5; Hb 11.2.
169. Ap 4.4, 10; 5.5, 6, 8, 11, 14; 7.11, 13; 11.16; 14.3; 19.4.
170. At 11.30; 15.2, 4, 6, 22, 23; 16.4; 21.18.
171. At 14.21, 23.
172. At 20.17.
173. Tt 1.5.
174. 1 Tm 5.17, 19; Tg 5.14; 1 Pe 5.1, 5.
175. 2 Jo 1; 3 Jo 1.
176. Ver Benjamin L. Merkle, The Elder and Overseer: One Office in the Early Church
(New York: Peter Lang, 2003).
177. πρεσβυτέρους.
178. ἐπισκοπους.
179. ποιμαίνειν.
180. ποιμήν.
181. ἐπίσκοπ.
182. Assim concluiu R. B. C. Howell, pastor da First Baptist Church em Nashville
(Tennesse): “Os únicos oficiais designados por Deus para pregar e administrar as ordenanças,
e cuja comissão chegou até nossos tempos, são chamados, indiferentemente, anciãos, bispos
e presbíteros; e todos esses nomes, quando se referem ao ofício, transmitem a mesma ideia”
(R. B. C. Howell, “Ministerial Ordination”, em The Baptist Preacher, ed. Henry Keeling
[Richmond: H. K. Ellyson, 1847], 137.
183. Quanto a essa última qualidade, ver 1 Pe 5.2.
184. Pareceria estranho se qualquer qualificação para presbítero excluísse o próprio Paulo de
servir como um presbítero.
185. Muito material útil sobre esse assunto tem sido publicado pelo Council on Biblical
Manhood and Womanhood. Ver John Piper e Wayne Grudem, eds., Recovering Biblical
Manhood and Womanhood (Wheaton, IL: Crossway, 1991); e Wayne Grudem e Dennis
Rainey, eds., Pastoral Leadership for Manhood and Womanhood (Wheaton, IL: Crossway,
2002).
186. Exemplos de chefes de sinagoga mencionados no Novo Testamento são Jairo, em
Marcos 5.22 (vários chefes); Atos 13.15 (plural); Crispo em Atos 18.8 (singular).
187. Somente João se referiu ao ofício exclusivamente no singular. Ele se referiu a si mesmo
como “o presbítero” em sua segunda e terceira carta (2 João 1; 3 João 1). Aparentemente,
João era conhecido por esse título. Supondo que ele tenha escrito a pessoas de fora de sua
própria congregação, o título pode ter sugerido tanto um ofício quanto seu reconhecimento
amplo.
188. At 11.30; 15.2, 4, 6, 22-23; 16.4; 21.18.
189. O anglicano erudito e missiologista pioneiro, Roland Allen, chegou a esta mesma
conclusão: “Paulo não se contentava em ordenar apenas um presbítero para cada igreja. Em
cada lugar, ele ordenava vários. Isso garantia que toda a autoridade não ficasse concentrada
nas mãos de um único homem” (Roland Allen, Missionary Methods: St. Paul’s or Ours?
[London: Robert Scott, 1912] 138-39]).
190. Por exemplo, Fp 4.15-18, 1 Tm 5.17-18. O termo “com especialidade” em 1 Timóteo
5.17 seria melhor traduzido por “quero dizer”. Paulo estava reafirmando e esclarecendo aqui,
como o fez quando usou a mesma palavra em 4.10. Paulo não estava defendendo uma classe
separada de presbíteros que não ensinavam e apenas governavam.
191. Um exemplo dessa posição, publicado recentemente, é Ted Bigelow, The Titus Mandate
(publicado pelo próprio autor, 2011).
6

A Disciplina da Igreja

N o Antigo Testamento, Deus chamou Abraão e seus descendentes


a ser seu povo especial. Todavia, a presença santa de Deus com seu
povo exigia uma santidade especial da parte deles.192 “Disse o
SENHOR a Moisés: Fala a toda a congregação dos filhos de Israel e
dize-lhes: Santos sereis, porque eu, o SENHOR, vosso Deus, sou
santo”.193 A santidade deles deveria refletir a santidade de Deus.
Deus continuou a preservar esse testemunho para si mesmo entre as
nações por intermédio do estabelecimento da aliança no Monte Sinai
— detalhada em Êxodo, Levítico, Número e Deuteronômio — e até o
tempo dos profetas escritores.
Durante os séculos entre Moisés e Esdras, Israel existiu como um
testemunho da fidelidade de Deus às suas promessas feitas a Abraão.
Indivíduos eram excluídos da comunidade por meio do código
levítico, se a sua vida ficasse muito poluída. Gordon Wenham
resumiu assim o propósito do código levítico: “O impuro e o santo
são dois estados que nunca devem estar em contato um com o
outro”.194 Um indivíduo era excluído temporariamente do povo de
Deus por diferentes ações.195 Para pecados mais sérios, a pena capital
era exigida,196 porque era um desligamento divino das promessas
feitas a Abraão (ser “eliminado” do povo de Deus).197 É uma honra
pertencer ao povo de Deus, e ser membro desse povo tem obrigações
e privilégios.
O pecado de Israel se tornou, por fim, grande demais para que
Deus o tolerasse; por isso, ele julgou toda a nação. Primeiramente, a
nação foi dividida. Depois, após mais séculos de desobediência, as
tribos do Norte caíram sob o domínio da Assíria, e, depois, as tribos
do Sul caíram sob o poder da Babilônia. Se o povo de Deus não
vivesse de maneira diferente das nações — se, em vez disso,
adotassem a imoralidade e a idolatria das nações — então, eles seriam
dispersos entre as nações. Deus não permitiria que continuassem
levando o seu nome em vão. Em Ezequiel, Deus resumiu a história de
sua fidelidade, apesar da infidelidade do povo: “A casa de Israel se
rebelou contra mim no deserto, não andando nos meus estatutos e
rejeitando os meus juízos, os quais, cumprindo-os o homem, viverá
por eles; (...) Então, eu disse que derramaria sobre eles o meu furor no
deserto, para os consumir. O que fiz, porém, foi por amor do meu
nome, para que não fosse profanado diante das nações perante as
quais os fiz sair”.198

NOVO TESTAMENTO
No Novo Testamento, a igreja também deve exercer disciplina porque
uma expectativa de santidade permanece sobre o povo de Deus.
“Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis
anteriormente na vossa ignorância; pelo contrário, segundo é santo
aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em
todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque
eu sou santo”.199 A igreja foi fundada por Cristo, e seu sucesso foi
prometido e garantido por ele mesmo.200 Ele está comprometido em
formar santidade em seu povo por meio do seu Espírito.
O Espírito de Cristo usa o grupo local de crentes para formar e
manter a santidade especial do povo de Deus, em parte por meio do
exercício da disciplina da igreja. Aquele que escreve aos Hebreus
lembrou aos cristãos a importância da disciplina na vida cristã.201
Parte dessa disciplina ocorre por meio da interação de pessoas,
quando um membro do corpo de Cristo se importa com o outro. Por
isso, Paulo escreveu aos cristãos gálatas: “Irmãos, se alguém for
surpreendido em alguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com
espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado.
Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo”.202
Ele também advertiu os tessalonicenses nestes termos:
Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de
todo irmão que ande desordenadamente e não segundo a tradição que de nós
recebestes (...) Caso alguém não preste obediência à nossa palavra dada por esta
epístola, notai-o; nem vos associeis com ele, para que fique envergonhado.
Todavia, não o considereis por inimigo, mas adverti-o como irmão.203

E a Tito, Paulo instruiu: “Evita o homem faccioso, depois de


admoestá-lo primeira e segunda vez”.204 Depois disso, não se deve ter
nada com esse homem.

MATEUS 18
Esse conceito de disciplina da igreja, que pode culminar na exclusão
da igreja, se originou no ensino do próprio Cristo. Em Mateus 18,
Jesus ensinou sobre a natureza de segui-lo, instruindo sobre o amor
que busca o perdido e a misericórdia para com os outros. No mesmo
contexto, ele também explicou o que deve ser feito quando um de
seus seguidores peca contra outro:
Se teu irmão pecar [contra ti], vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir,
ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas
pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se
estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a
igreja, considera-o como gentio e publicano.205

Cristo ofereceu três passos para confrontarmos alguém que


confessa ser seguidor dele e, apesar disso, se recusa a arrepender-se
do pecado — primeiro, confrontação particular; segundo,
confrontação em grupo pequeno; por fim, confrontação
congregacional. Embora esses passos sejam mais sugestivos do que
exaustivos, o resultado desejado em cada estágio de confrontação é o
mesmo: o arrependimento do discípulo.206 Entretanto, se aquele que
peca se recusa a ouvir a igreja, então, ele deve ser tratado como
“gentio e publicano”. Ele demonstra que não pertence à igreja, porque
não é caracterizado pelo arrependimento santo.
A disciplina está ligada inseparavelmente à igreja que Jesus
visualizou. Porém essa disciplina não deve ocorrer sozinha. Em vez
disso, deve ocorrer como parte de um compromisso maior de toda a
igreja em orar e trabalhar pela formação um do outro em Cristo. Uma
rejeição desse padrão deve ser enfrentada com a rejeição lamentosa
por parte da comunidade definida por ela.

1 CORÍNTIOS 5
Talvez o texto mais citado sobre a prática da excomunhão ou
disciplina eclesiástica seja 1 Coríntios 5. Nessa passagem, Paulo
dirigiu especificamente toda a congregação a expulsar de entre eles
“o malfeitor” (1 Coríntios 5.13). Paulo tomou tais palavras de
Deuteronômio, em que o Senhor instruiu seu povo por meio de
Moisés a expulsar aqueles que adoravam outros deuses, davam falso
testemunho, praticavam sexo pré-marital, adultério ou certos tipos de
escravidão.207 No antigo Israel, essa exclusão pode ter sido realizada
por meio da pena capital. Em sua exortação à congregação em
Corinto, Paulo queria dizer apenas que o ofensor devia ser excluído
da comunidade, à semelhança do mandamento de Jesus em Mateus
18.17, para que o pecador impenitente fosse tratado como um gentio
ou publicano. Embora o ofensor afirmasse ser um cristão, sua
afirmação não tinha credibilidade por causa de sua evidente falta de
arrependimento. Esse julgamento dentro da igreja é realmente uma
parte da obra da igreja, disse Paulo: “Pois com que direito haveria eu
de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro?”208. “Sim” é a
resposta que Paulo pressupôs para esta segunda pergunta retórica.
A natureza da exclusão que Paulo ordenou é excomunhão, que
significa, tipicamente, excluir da comunhão (a Ceia do Senhor) as
partes em questão. Em essência, isto é uma remoção da membresia da
igreja. Enquanto outras situações disciplinares podem exigir uma
abordagem gradual, algo como um advertência seguida de suspensão
temporária de certos privilégios da membresia, Paulo não
contemplava nenhum passo intermediário em 1 Coríntios 5. A ofensa
foi horrorosa e pública, e a resposta da igreja precisava ser
igualmente pública e decisiva.209 Por isso, Paulo levou a
excomunhão, nessa circunstância, além da mera negação da Ceia do
Senhor ao impenitente. Ele escreveu: “Agora, vos escrevo que não
vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou
avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com
esse tal, nem ainda comais”.210 Paulo reagiu fortemente porque a vida
do pecador impenitente se contrastava tão claramente com sua
afirmação de ser um cristão. Se a igreja permitisse que ele
permanecesse na membresia, estaria confirmando a afirmação dele e,
ao mesmo tempo, dando ao mundo um retrato profundamente
distorcido do que um cristão é. O pecado original pertencia ao casal
que o cometeu. Mas o pecado que suscitou a ira e o tom severo de
Paulo foi a inatividade da igreja. O fracasso deles em agir foi
potencialmente desastroso para seu testemunho do evangelho, o que
é, em si mesmo, um pecado sério. A disciplina da igreja realizada
corretamente pode levar um pecador ao arrependimento, mas sempre
apresentará fielmente o evangelho para a comunidade
circunvizinha.211
Finalmente, a disciplina da igreja deve ser praticada a fim de levar
pecadores ao arrependimento, ser uma advertência para outros
membros da igreja, trazer saúde a toda a congregação, ser um
testemunho coletivo para o mundo e, em última análise, para glória de
Deus, quando seu povo manifesta seu caráter de amor santo.212

192. Êx 33.14-16.
193. Lv 19.1-2; cf. 11.44-45; 20.26.
194. Gordon J. Wenham, The Book of Leviticus, New International Commentary on the Old
Testament (Grand Rapids: Eerdman, 1979), 19-20.
195. Cf. Lv 11-15, 18.
196. Lv 17.10; 20.3-5.
197. Cf. Êx 30.38; Lv 7.20-21; Nm 15.30-31.
198. Ez 20.13-14.
199. 1 Pe 1.14-16 (citando Lv 11.44-45; 19.2; 20.7).
200. Mt 16.17-19.
201. Hb 12.1-14.
202. Gl 6.1-2.
203. 2 Ts 3.6, 14-15; cf. 1 Tm 1.20; 5.19-20.
204. Tt 3.10.
205. Mt 18.15-17.
206. Por exemplo, “que o autor de tal infâmia seja (...) entregue a Satanás para a destruição
da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor [Jesus]” (1 Co 5.5).
207. Dt 17.7; 19.19; 22.21, 24; 24.7.
208. 1 Co 5.12.
209. Tradicionalmente, os cristãos têm feito uma distinção entre ofensas públicas e privadas.
Ofensas públicas são tratadas com o conselho de Paulo em 1 Coríntios 5, segundo o qual
nenhuma censura privada precede a censura pública. As ofensas privadas são tratadas com as
palavras de Jesus em Mateus 18, segundo as quais uma série de apelos privados são feitos
antes de ser trazido à atenção pública. Quanto a mais informações sobre essa distinção, ver P.
H. Mell e Eleazar Savage (entre outros) no seu ensino reimpresso em Polity: Biblical
Arguments on How to Conduct Chruch Life, ed. Mark Dever (Washington, DC: Center for
Church Reform, 2001, 422-26, 485-86, 520. Cf. Jonathan Leeman, Church Discipline: How
the Church Protects the Name of Jesus (Wheaton, IL: Crossway, 2012), cap. 3.
210. 1 Co 5.11.
211. “Acautele-se de uma ambição por membros: um pequeno grupo de discípulos bem
instruídos e sinceros é muito mais valioso para a causa de Cristo do que uma multidão
heterogênea e indistinta do mundo em espírito e vida” (H. Harvey, The Pastor: His Duties
and Qualfications [Philadelphia: American Baptist Publication Society, 1879], 66).
212. Ver Mt 5.16; 1 Pe 2.12.
7

O Propósito da Igreja

O s assuntos já considerados neste livro não podem ser plenamente


apreciados sem um entendimento concreto do propósito da igreja. O
propósito da igreja está no âmago de sua natureza, atributos e marcas.
E práticas corretas de membresia, governo e disciplina servem a esse
propósito. Os objetivos apropriados da vida e ações de uma igreja
local são a adoração a Deus, a edificação da igreja e a evangelização
do mundo.213 Esses três propósitos servem, nessa ordem, à glória de
Deus.

PREGAÇÃO E ADORAÇÃO
A adoração coletiva de Deus acontece no contexto da
congregação reunida, enquanto a adoração individual de Deus ocorre
no contexto da vida diária de uma pessoa. Moldar e estimular tanto a
adoração coletiva quanto a individual são aspectos significativos do
propósito da igreja.

ADORAÇÃO CONGREGACIONAL: ELEMENTOS


A adoração a Deus no ajuntamento público consiste nos elementos
específicos prescritos por Deus dentro de um conjunto de
circunstâncias históricas específicas. A Palavra de Deus deve nortear
a adoração coletiva de uma igreja. Como David Peterson escreveu:
“A adoração ao Deus vivo e verdadeiro é, essencialmente, um
engajamento com ele nos termos que ele propõe e da maneira que
somente ele torna possível”.214 Ligon Duncan resumiu os elementos
que devem estar inclusos na adoração coletiva, empregando o mote:
“Leia a Bíblia, pregue a Bíblia, ore a Bíblia, cante a Bíblia e veja a
Bíblia”.215 Ao dizer “veja a Bíblia”, Duncan se referia à celebração
do batismo e da Ceia do Senhor, que retratam o evangelho. Visto que
esse aspecto da adoração coletiva foi considerado antes, os demais
elementos da adoração coletiva que devem ser considerados aqui são
ler a Bíblia, pregar a Bíblia, cantar a Bíblia e orar a Bíblia.
Os cristãos são ordenados a ler a Bíblia quando se reúnem para a
adoração a Deus. Paulo exortou Timóteo nestes termos: “Até à minha
chegada, aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino”.216
No entanto, a Palavra de Deus não deve apenas ser lida, ela
precisa também ser explicada e aplicada. Portanto, a pregação correta
da Palavra de Deus é central no culto da igreja, constituindo a sua
base e seu âmago. Uma vez que a fé vem por ouvir a Palavra de Deus
(Romanos 10.14-17), a Escritura tem de ser explicada com precisão e
paixão. Por isso, Paulo exortou a Timóteo: “Prega a palavra, insta,
quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a
longanimidade e doutrina”.217
O dever de cantar louvores a Deus é imposto aos cristãos tanto
por exemplos como por mandamento.218 Mateus e Marcos registram,
a título de exemplo, o fato de que Jesus e os discípulos cantaram um
hino depois da última ceia. Paulo instruiu à igreja de Éfeso: “Falando
entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor
com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a
nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”.219 Em
última análise, os louvores da assembleia cristã na terra é uma
prefiguração do louvor que será oferecido no céu.220
Outro elemento do culto de cristãos congregados é a oração. Na
oração, os cristãos glorificam a Deus de várias maneiras: por fazerem
conhecida sua confiança nele, por demonstrarem obediência ao
mandamento de buscá-lo em oração, por lembrarem a fidelidade de
Deus em responder às orações anteriores e por contarem com a
bondade dele ao pedirem ainda mais.
Na oração coletiva, Deus é exaltado enquanto a igreja é edificada
e encorajada. Jesus ensinou seus seguidores a orarem de forma
coletiva começando com “Pai nosso”.221 Tiago exortou os primeiros
cristãos: “Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns
pelos outros, para serdes curados”.222 O livro de Atos dos Apóstolos
também está cheio de orações. Os primeiros cristãos “perseveravam
na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas
orações”.223 Leitura e pregação da Palavra de Deus, cantar louvores e
orar a Deus são os elementos exigidos no ajuntamento semanal de
cristãos.
Por trás da afirmação de que o culto cristão deve consistir nesses
elementos prescritos por Deus, está o entendimento protestante da
suficiência da Escritura — a ideia de que as Escrituras revelam de
modo suficiente tudo que o povo de Deus necessita para a salvação,
confiança e obediência perfeitas. A suficiência da Escritura tem
muitas implicações, incluindo a convicção de que a Escritura deve
regular a maneira como o povo de Deus se aproxima dele em
adoração. Este princípio tem sido chamado frequentemente “o
princípio regulador”. O princípio regulador aplica a crença
protestante na autoridade da Palavra de Deus à doutrina específica da
igreja (muito frequentemente, ele é mencionado em discussões de
culto público).
Muitas pessoas têm debatido que aplicações específicas devem ser
extraídas do princípio regulador para os ajuntamentos semanais dos
santos. Por exemplo, o princípio exige ou proíbe a coleta de ofertas
durante um culto? Ter um coral? Usar teatro em lugar de um sermão?
E assim por diante. No entanto, antes de considerar os pontos de
aplicação específicos, o princípio básico deve ser firme e claramente
estabelecido: Deus revelou que componentes básicos de adoração lhe
são aceitáveis. Deixados à mercê de si mesmos, os seres humanos não
adoram a Deus como deveriam, nem mesmo os que são abençoados
por ele. Precisamos apenas lembrar o sacrifício inaceitável de Caim
ou o bezerro de ouro dos israelitas.
Em resposta à falta de conhecimento dos homens e do desejo de
adorar corretamente a Deus, ele dá graciosamente sua Palavra à
humanidade. Os dois primeiros dos Dez Mandamentos mostram o
interesse de Deus em como ele deve ser adorado.224 Jesus censurou
os fariseus por alguns aspectos da adoração deles.225 Paulo instruiu a
igreja de Corinto sobre o que deveria e não deveria acontecer nas
reuniões deles.226 Em resumo, reconhecer o princípio regular
equivale a reconhecer a suficiência da Escritura aplicada à adoração
coletiva.227 Na linguagem da Reforma, equivale a sola scriptura.

ADORAÇÃO CONGREGACIONAL: CIRCUNSTÂNCIAS


O tempo e o lugar de os cristãos se reunirem para adoração não são
prescritos com clareza no Novo Testamento. Tanto lugares públicos
(como o templo ou a beira de um rio) quanto lugares privados (como
casas) são usados.228 O Novo Testamento também não tem qualquer
coisa a dizer sobre várias outras questões de circunstâncias, como,
por exemplo, se microfones podem ser usados para amplificar as
vozes ou qual a ordem em que esses elementos devem acontecer
quando a igreja se reúne. Responder a questões de circunstâncias
como essas deve depender inevitavelmente da prudência de uma
igreja.
No decorrer da história, a igreja julgou apropriado se reunir aos
domingos por três razões. Primeira, Cristo ressuscitou num
domingo.229 Segunda, o Cristo ressuscitado se reuniu pela primeira
vez com seus discípulos num domingo.230 E terceira, o padrão dos
primeiros cristãos, no Novo Testamento, aponta para o domingo
como o tempo da semana para a adoração coletiva, embora o
domingo não fosse um dia de descanso para eles.231 Esse padrão foi
logo incorporado à linguagem referente ao domingo como “o dia do
Senhor”.232 De acordo com fontes primitivas da igreja cristã, esse era
o costume universal para os cristãos.233 Por fim, no decorrer da
história, os cristãos têm julgado apropriado dar as primícias da
semana a Deus em reconhecimento de seu senhorio do todo, assim
como o fazem com a sua renda.

ADORAÇÃO INDIVIDUAL
Além de promover e regular a adoração coletiva de Deus pela
congregação, o propósito de missão da igreja inclui fomentar a
adoração a Deus por parte dos indivíduos. A adoração não acontece
somente nos cultos e reuniões públicos. Deve acontecer no viver
diário do cristão. Por isso, Paulo exortou aos cristãos de Roma:
“Apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a
Deus, que é o vosso culto racional”.234 Teologia vivenciada em ação
e obediência responsáveis é adoração a Deus. Quando realizados com
fé, todos os deveres da vida cristã, ordenados na Escritura, são meios
de adorar a Deus. “E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em
ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus
Pai”.235 Adorar a Deus é o objetivo supremo da igreja cristã, quer seja
considerada universal ou localmente, ou na vida individual dos seus
membros.

A IGREJA COMO UM MEIO DE GRAÇA


Além de olhar para o alto, a igreja existe a fim de olhar para o lado.
Em outras palavras, o propósito vertical da igreja — adorar a Deus —
exige seu propósito horizontal: trabalhar para evangelizar o perdido e
edificar a igreja.
A própria igreja é um meio de graça, não porque dá salvação à
parte da fé, mas porque é o meio designado por Deus que o Espírito
Santo usa para proclamar, ilustrar e confirmar o evangelho de
salvação. A igreja é o canal pelo qual fluem normalmente os
benefícios da morte de Cristo.

EDIFICAÇÃO: DISCIPULADO INDIVIDUAL E


CRESCIMENTO
O propósito da igreja é, em parte, encorajar os cristãos individuais na
fé e no relacionamento com Cristo. Com esse alvo em mente, Paulo
rogou que a igreja em Éfeso crescesse “em tudo naquele que é a
cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado
pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte,
efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em
amor”.236 Quando o autor de Hebreus exortou seus leitores a se
congregarem regularmente, indicou o propósito de se encorajarem
mutuamente: “Consideremo-nos também uns aos outros, para nos
estimularmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-
nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto
mais quanto vedes que o Dia se aproxima”.237

EDIFICAÇÃO: COMUNIDADE EDIFICADORA


A vida de toda a congregação junta deve ter como alvo a edificação
coletiva, uma ideia que tem suas raízes no povo de Deus do Antigo
Testamento. Deus criou um povo, no Antigo Testamento, para ser
especialmente abençoado por sua presença, promessas e poder. O
alvo de Deus para eles era que manifestassem a sua fidelidade e o seu
senhorio, por olharem com expectativa para o dia prometido de sua
vinda. A nação deveria ser um povo marcado por santidade.
No Novo Testamento, o povo de Deus é a igreja. Numa
congregação local, a comunhão como um todo deve manifestar a
santidade de Deus por meio de sua santidade. O amor de Deus deve
ser refletido no amor que eles demonstram uns para os outros. A
unidade de Deus deve ser refletida na unidade deles.238 A comunhão
de crentes em uma congregação deve ser um companheirismo no
labutar por edificação mútua e por fidelidade na evangelização.

EVANGELIZAÇÃO
Outro propósito da igreja local é levar a Palavra de Deus aos de fora
da igreja.239 Jesus ordenou aos discípulos: “Ide, portanto, fazei
discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que
vos tenho ordenado”.240 Ele também lhes disse que o perdão dos
pecados seria pregado em seu nome, “começando de Jerusalém”.241
“Sereis minhas testemunhas”, disse-lhes Jesus, “tanto em Jerusalém
como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra” (Atos
1.8).
Oportunidades para ministrarmos aos outros surgem naturalmente
na vizinhança e na cidade onde vive uma congregação. As boas novas
se propagam mais naturalmente não só onde a congregação realiza
suas reuniões, mas também onde seus membros espalhados vivem
seus dias de semana. A vida deles deve ser conhecida pelos amigos,
vizinhos e colegas não cristãos. O testemunho deles deve ser
melhorado enquanto todos os de fora observam constantemente a
conduta deles.

MISSÕES
O propósito exterior da igreja não está limitado a evangelizar a
própria cidade onde a congregação vive. As orações e os planos de
uma congregação devem se estender para além de restritos horizontes
de familiaridade. O mandamento de Jesus para irmos até “aos confins
da terra” nos lembra que Cristo é Senhor sobre tudo, que ele ama
todos e nos chamará à prestação de contas no grande dia. Portanto, os
cristãos de hoje têm a responsabilidade de levar o evangelho a todo o
mundo. Essa responsabilidade não é apenas do cristão individual, mas
também das congregações. Os cristãos juntos podem compartilhar
sabedoria, experiência, sustento financeiro, orações e vocações, e
direcionar tudo isso para o propósito comum de tornar o nome de
Deus conhecido entre as nações.
Em muitas igrejas hoje, esse propósito exterior pode exigir
reestruturar a vida de modo que os membros da congregação
interajam naturalmente com populações de nãos cristãos em áreas
metropolitanas. Em todas as igrejas, esse propósito exterior significa
orar e planejar para enviar recursos e pessoas àqueles grupos de
indivíduos que ainda não ouviram o evangelho de Jesus Cristo.
Testemunhar a glória de Deus sendo proclamada ao redor do globo no
coração de todo o seu povo deve ser o alvo e propósito de toda igreja
local.

SEMPRE A GLÓRIA DE DEUS


O aspecto final e mais importante do propósito da igreja é a glória de
Deus.
No Antigo Testamento, Deus criou um povo para a glória do seu
nome.242 Mesmo quando os salvou dos resultados de seus próprios
pecados, Deus o fez para a glória do seu nome. Por meio de Ezequiel,
Deus falou:
Não é por amor de vós que eu faço isto, ó casa de Israel, mas pelo meu santo
nome, que profanastes entre as nações para onde fostes. Vindicarei a santidade do
meu grande nome”, que foi profanado entre as nações, o qual profanastes no meio
delas; as nações saberão que eu sou o SENHOR, diz o SENHOR Deus, quando eu
vindicar a minha santidade perante elas.243

Isso também é verdadeiro no Novo Testamento. A igreja existe


para a glória de Deus. Quer realizando missões ou evangelização,quer
edificando uns aos outros por meio de oração e estudo bíblico,bem
como encorajando o crescimento em santidade ou se reunindo para
louvor, instrução e oração pública, esse propósito singular prevalece.
A igreja é o único instrumento que produz essa glória para Deus. De
acordo com a Bíblia, a intenção de Deus é “que, pela igreja, a
multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos
principados e potestades nos lugares celestiais, segundo o eterno
propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor”.244 O que
está em jogo na igreja é nada menos do que a proclamação da glória
de Deus em toda a sua criação. Como disse Charles Bridges: “A
igreja é o espelho que reflete todo o esplendor do caráter divino. É o
grande cenário em que as perfeições de Jeová são mostradas ao
universo”.245

213. Entre as passagens importantes que servem como um pano de fundo para o que Deus
está fazendo com seu povo, há as seguintes: Êx 19.5-6; Mc 13.10; 14.9; Mt 28.16-20; Lc
4.16-21; 24.44-49; Jo 20.21; At 1.8; Ef 3.10-11.
214. David Peterson, Engaging with God (Downers Grove: IVP, 1992), 20. Cf. a definição
mais extensa de D. A. Carson, em D. A. Carson, ed., Worship by the Book (Grand Rapids:
Zondervan, 2002), 30.
215. J. L. Duncan, “Foundations for Biblically Directed Worship”, em Give Praise to God: A
Vision for Reforming Worship, ed. P. G. Ryken, D. W. H. Thomas e J. L. Duncan III
(Phillipsburg: P&R, 2003), 65. Um forte argumento pode também ser elaborado a respeito da
contribuição financeira como um elemento de adoração pública por causa das instruções de
Paulo à igreja de Corinto (1 Co 16.1-2; 2 Co 9.6-7). Os primeiros cristãos contribuíam
benevolentemente para os necessitados (cf. Mt 5.42; 6.3; Lc 6.38; 21.1-4; At 4.34-35; 11.29;
20.35; Rm 12.8). O que é incerto é a associação desse ato de adoração cristã com o
ajuntamento público da igreja.
216. 1 Tm 4.13; ver o ministério de Esdras de leitura pública da lei (Nm 8).
217. 2 Tm 4.2.
218. Mt 26.30; Mc 14.26.
219. Ef 5.19-20; cf. Cl 3.16.
220. Ap 5.9-14.
221. Mt 6.7-15; Lc 11.1-4.
222. Tg 5.16; cf. Ef 6.18; Fp 4.6; Cl 4.2; 1 Ts 5.17; 1 Tm 2.8; Tg 5.13.
223. At 2.42; cf. 1.14; 4.24-31; 12.5, 12.
224. Êx 20.2-4; Dt 5.6-10. Esses mandamentos foram transgredidos muitas vezes durante a
época do Antigo Testamento; ver, por exemplo, Lv 10.1-3; Dt 4.2; 12.32; 1 Sm 15.22; 2 Sm
6; Jr 19.5; 32.35. Todas estas histórias (Nadabe e Abiu, Saul e Uzá) mostram que a intenção
correta não é, por si mesma, suficiente para a adoração correta.
225. Mt 15.1-4.
226. 1 Co 11-14.
227. Quanto a mais informações sobre o princípio regulador, ver os primeiros dois capítulos
em Ryken, Thomas e Duncan, Give Praise to God, e a introdução de D. A. Carson em seu
livro Worship by the Book.
228. Cf. At 2.46; 4.31; 5.42; 16.13; Rm 16.5.
229. Mt 28.1-2; Mc 16.2-5; Lc 24.1-3; Jo 20.1.
230. Mt 28.8-10; Jo 20.13-19; cf. Lc 24.13-15.
231. At 20.7; 1 Co 16.1-2.
232. Ap 1.10.
233. Didaquê 14:1 (ver Apostolic Constitutions 7:30:1); Inácio, Magnesianos 9.1; Evangelho
de Pedro 35, 50. Ver R. J. Bauckham, “The Lord’s Day” e “Sabbath and Sunday in the Post-
Apostolic Church”, em D. A. Carson, ed., From Sabbath to Lord’s Day: A Biblical,
Historical and Theological Investigation (Grand Rapids: Zondervan, 1982), 221-98.
234. Rm 12.1.
235. Cl 3.17; cf. 1 Co 10.31.
236. Ef 4.15-16.
237. Hb 10.24-25.
238. 1 Coríntios contém todos esses temas.
239. “A missão da igreja é ir ao mundo e fazer discípulos, proclamando o evangelho de Jesus
Cristo, no poder do Espírito, e reunindo esses discípulos em igrejas, para que eles adorem o
Senhor e obedeçam aos seus mandamentos, agora e na eternidade, para a glória de Deus, o
Pai” (Kevin DeYoung e Greg Gilbert, Qual a Missão da Igreja? [São José dos Campos: Fiel,
2012], 82).
240. Mt 28.19-20.
241. Lc 24.47.
242. Por exemplo, veja a argumentação do Senhor em favor das pragas em Êxodo 9-12.
243. Ez 36.22-23; cf. Is 48.8-11.
244. Ef 3.10-11.
245. Charles Bridges, The Christian Ministry (1830; repr. Edinburgh: Banner of Truth,
1980), 1. Cf. a magnífica afirmação de J. L. Reynolds: “Quando Cristo disse, na sala de
julgamento de Herodes, as notáveis palavras ‘Eu sou um rei’, ele pronunciou um sentimento
carregado de poder e dignidade indescritíveis. Seus inimigos puderam zombaram de suas
pretensões e escarnecer de sua afirmação, por apresentarem-no com uma coroa de espinhos,
um caniço e um manto de púrpura e por pregarem-no na cruz; mas, aos olhos de inteligências
não caídas, ele era um rei. Um poder mais elevado presidia aquela cerimônia zombeteira e
converteu-a numa coroação real. Aquela coroa de espinhos era, de fato, o diadema de um
império; aquele manto de púrpura era a insígnia de realeza; aquele caniço frágil era o
símbolo de poder irrestrito; e aquela cruz, o trono de domínio que nunca acabará” (J. L.
Reynolds, “Church Polity, of the Kingdom of Christ”, em Polity: Biblical Arguments on How
to Conduct Church Life, ed. Mark Dever [Washington, DC: Center for Chruch Reform,
2001], 298). “É como se a igreja fosse um palco no qual Deus tem apresentado o grande
drama de redenção, um espetáculo de vida real no qual se mostra como aqueles que se
rebelaram contra Deus e arruinaram seu universo são agora trazidos de volta à harmonia com
ele, tornando-se, em lugar de rebeldes, agentes de renovação e restauração” (James
Montgomery Boice, Foundations of the Christian Fatih [rev. ed., Downers Grove: IVP,
1986], 565-66).
8

A Esperança da Igreja

D ois princípios esclarecem a relação entre a igreja e as questões de


justiça social. Primeiro, as atividades da igreja local corporativa e
institucional devem ser vistas de maneira distinta das atividades dos
membros individuais da igreja, quando se separam para cumprir suas
diversas funções na vida. Segundo, a atividade da igreja tem de ser
entendida à luz da esperança da igreja.
A Bíblia chama o cristão individual a viver uma vida de justiça e
generosidade para com os outros. De forma orgânica, os discípulos
cristãos poderosamente propagam e representam Cristo, de maneira
que a Bíblia não chama a igreja institucional a agir. Uma analogia
pode ser proveitosa nesse assunto. Um homem casado vai para o
trabalho como um homem casado e vai a uma loja como um homem
casado, e o fato de ser casado afeta a maneira como interage com os
outros no trabalho e na loja, nem o seu trabalho nem o fazer compras
são uma parte intrínseca de ser casado. Do mesmo modo, um membro
de igreja segue a Cristo de todas as maneiras que não estão
vinculadas à obra que Deus confia à igreja local de forma
institucional. No entanto, a membresia do indivíduo deve afetar o
modo como ele faz tudo fora da igreja reunida.
Individualmente, as pessoas são feitas para Deus e devem se
dedicar a ele de modo supremo. Os cristãos devem ter coração
compassivo para todas as pessoas, não apenas porque são parte da
criação, mas especialmente porque são feitos à imagem de Deus
(Provérbios 14.31) e porque nós mesmos temos conhecido essa
imerecida generosidade da parte de Deus (Lucas 6.32-36; 2 Coríntios
8.8-9; Tiago 2.13). É um privilégio servir qualquer ser humano. É
uma alegria refletir o caráter justo de Deus (Isaías 1.17;
Deuteronômio 4.27), bem como o amor sacrificial de Cristo. Nesse
sentido, ministérios de compaixão e justiça são sinais maravilhosos
de Cristo se entregando a si mesmo por nós no evangelho.
Em outras palavras, os cristãos devem desejar ver os não cristãos
conhecendo as bênçãos comuns da bondade de Deus em providência
(alimento, água, relações familiares, trabalhos, bom governo, justiça,
etc.). Portanto, é apropriado e sábio que os cristãos e congregações
trabalhem para este objetivo. Além disso, as instituições temporárias
deste mundo (como o casamento) são dignas de atenção, pensamento,
energia e ação cristã sincera. A doutrina cristã não deve menosprezar
platonicamente este mundo. Em vez disso, os cristãos são chamados a
fazer todas as coisas para o Senhor (ver Colossenses 3.17). Em
Romanos 9 e 10, Paulo é um modelo de aspirações cristãs quanto ao
bem eterno de não cristãos.
Ao mesmo tempo, Cristo deu à igreja um mandato institucional
singular de pregar, manifestar, ser modelo e expressar as boas novas
de Jesus Cristo.246 E, em obediência a esse mandato institucional, as
igrejas cristãs têm a liberdade e a responsabilidade de tomar
iniciativas prudentes no advogar misericórdia ou justiça em nossa
comunidade, quando as oportunidades surgirem, talvez
coletivamente, em nome da igreja, e, certamente, como indivíduos em
nome de Cristo.247
O que tudo isso significa é que as congregações podem agir na
causa da justiça deste mundo, mas não são exigidas a fazer isso.
Certamente, os cristãos são chamados a viver uma vida de amor para
com os outros. E a Escritura não nega, de modo algum, o direito ou a
capacidade de uma congregação para cuidar das necessidades físicas
de não cristãos em sua área. Porém, a Escritura não exige que a
congregação local se organize, como um todo, para aliviar as
necessidades físicas de não cristãos na comunidade.248
Cada igreja local tem a liberdade de escolher ações específicas
para servir ao bem-estar de sua comunidade, a fim de testemunhar
diretamente à comunidade; ou é livre para fazer isso mais
remotamente, cooperando com outras congregações e cristãos
formando denominações, organizações educacionais e grande
variedade de entidades, instituições de benevolência e outras
organizações.
As igrejas devem ensinar, orar por seus membros e esperar que
eles se envolvam numa ampla variedade de boas obras,249 algumas
das quais podem ser exibidas como exemplos para outros membros.
Isso pode ser feito sem levarmos a congregação como um todo a
possuir ou manter esses ministérios específicos (prover recursos
financeiros ou contratar empregados para eles). Pastores e líderes de
igreja podem dar pessoalmente um exemplo de cuidado pelos
outros.250
Ao mesmo tempo, ação social ou “ministérios de misericórdia”
(sopas beneficentes, clínicas médicas, etc.) nunca devem ser
entendidos erroneamente como evangelização. Podem ser meios para
evangelização, porém não são evangelização. A principal
responsabilidade da igreja é a proclamação do evangelho.251 Nada
deve obscurecer a obrigação central da igreja — pregar o evangelho.
Expor a Escritura na igreja local equipa os membros a entenderem e a
expressarem apropriadamente ao mundo o caráter de justiça e
misericórdia de Deus. E isso significa tocar em questões de pobreza,
gênero, racismo e justiça a partir do púlpito.252 Contudo, esse ensino
deve acontecer normalmente sem comprometer a igreja com soluções
políticas e públicas. Por exemplo, pregadores cristãos puderam
defender valentemente a abolição do tráfico humano sem elaborarem
propostas políticas específicas a respeito de como fazer isso. A
pregação cristã pode abordar o que deveria ser feito sem supor que
tem a habilidade de determinar todos os meios necessários para
atingir esses bons objetivos.
Ouvir o evangelho é uma das maiores necessidades dos não
cristãos. A proclamação do evangelho aborda a maior parte do
sofrimento humano causado pela queda. É essencial ao cumprimento
da Grande Comissão (Mateus 28.18-20), bem como ao cumprimento
dos grandes mandamentos (Marcos 12.29-31; cf. Gálatas 6.2). Para o
cristão, esses mandamentos deveriam estar no âmago de qualquer
mandato cultural (Gênesis 1.28).253
Qual é o ministério da igreja para o mundo? Talvez seja
importante considerarmos, primeiramente, o que não é esse
ministério. Não é exigido de uma igreja cristã que ela assuma
responsabilidade institucional pelas necessidades físicas da
comunidade de pessoas incrédulas.254 A Escritura torna os cristãos
responsáveis por cuidarem das necessidades dos membros de suas
próprias igrejas,255 embora, neste ponto, o Novo Testamento faça
qualificações adicionais.256 As instruções de Paulo a Timóteo,
concernentes ao cuidado de viúvas, parecem indicar que a igreja
devia cuidar de viúvas cristãs (1 Timóteo 5.3-16). Entretanto, esse
cuidado só deveria ser ministrado quando houvesse falta de amparo
da família. Paulo instruiu os membros da família a cuidarem
primeiramente de seus próprios queridos, se fosse possível (1
Timóteo 5.16). Pela mesma sugestão, podemos concluir que o apoio
que pode ser obtido de fora da igreja (por exemplo, do Estado) deve
ser preferido ao uso dos fundos da igreja, liberando assim esses
fundos para serem usados em outras necessidades.
Em resumo, a congregação deve priorizar cuidadosamente as
responsabilidades singulares da igreja. É correto os cristãos se
preocuparem com educação, política e ministério de misericórdia,
mas a própria igreja não é a estrutura estabelecida por Deus para lidar
com essas preocupações. Essas questões fazem parte do interesse dos
cristãos em escolas, governos e outras estruturas da sociedade. De
fato, as igrejas devem ser cuidadosas em não deixar que essas coisas
afastem-nas de sua principal e única responsabilidade, viver e
proclamar o evangelho. John Murray disse com sabedoria:
A igreja está comprometida com a tarefa de proclamar todo o conselho de Deus e,
por consequência, o conselho de Deus afeta a responsabilidade de todas as
pessoas e instituições. Embora a igreja não deva cumprir as funções de outras
instituições, como o Estado e a família, ela tem a responsabilidade de definir
quais são as funções dessas instituições.257

Líderes de igrejas locais devem, portanto, ser cuidadosos em


proteger a prática e a prioridade da evangelização na vida da igreja
local. Além disso, os líderes devem proteger a igreja de ser dividida
desnecessariamente por causa de questões com as quais não é
essencial que uma igreja concorde (por exemplo, desarmamento
nuclear, emendas constitucionais, evangelização com formas de arte
ou ministérios variados na comunidade).
A CONSUMAÇÃO
Sofrimento é uma parte inevitável deste mundo caído. Pobreza,
guerra, fome e outros efeitos trágicos da queda não terminarão,
exceto pelo retorno físico e visível de Cristo (ver Marcos 14.7; João
12.8; Apocalipse 6.1-11). A cidade celestial descerá do céu; não será
edificada, construída de baixo para cima, por assim dizer (Hebreus
11.10; Apocalipse 21.2). Sua vinda é unilateral, como a criação, o
êxodo, a encarnação, a crucificação, a ressurreição e a regeneração do
coração individual. É um ato da grande salvação de Deus. Se
podemos dizer que a cultura humana será redimida, isso será obra de
Deus, e não nossa.
O principal alvo do evangelho não é a renovação das estruturas
caídas deste mundo, e sim a criação de uma nova comunidade
daqueles que foram comprados pelo sangue do Cordeiro (Apocalipse
5.6-12) e purificados com sua Palavra (Efésios 5.26-27). Somente por
meio do cumprimento da promessa divina de perdoar pecados, todas
as outras promessas de Deus se cumprem. O gozo de ser reconciliado
com Deus e a perspectiva de estar em sua presença são superiores a
todos os bens deste mundo. Nenhum evangelho que descreve a
narrativa abrangente das Escrituras como culminante na vinda do
reino e deixa de explicar como as pessoas podem fazer parte desse
reino é verdadeiro evangelho.
A Escritura não apresenta nenhuma esperança de que a sociedade
será ampla e permanentemente transformada pela pregação do
evangelho (ver Mateus 24.21-22, 29). Isso não nega que grande bem
será feito pela mordomia fiel do evangelho por parte da igreja.
Conversões pessoais terão efeitos profundos no bem das pessoas, não
somente na eternidade, mas também nesta vida. Estudos sugerem que
evangélicos conservadores tendem a doar mais aos pobres do que
religiosos liberais.258 Certamente, muitas conversões individuais
resultaram em transformações pessoais e melhorias de condição
social.259 Mas a igreja não é chamada a proclamar nenhuma visão de
utopia deste mundo. A trajetória da história da humanidade não
redimida, conforme registrada na Bíblia, é sempre em direção ao
julgamento. Considere o Dilúvio, Babel, Canaã, o Egito, Jerusalém,
Babilônia, Roma e o julgamento final descrito em Apocalipse 19.
A cidade celestial, mencionada na Escritura, embora tenha alguma
continuidade com a nossa própria era (talvez Apocalipse 21.24), é
apresentada chegando somente depois da separação radical de nossa
história presente, incluindo o julgamento dos ímpios.260 O mundo
material deve ser restaurado só depois de passar por uma mudança tão
significativa quanto a morte (2 Pedro 3.7). Essa foi a razão por que
Jesus disse a Pilatos: “O meu reino não é deste mundo (...) mas agora
o meu reino não é daqui” (João 18.36). O reino de Cristo virá a este
lugar (Atos 1.6-8), embora, quando ele enfim vier, renovará este lugar
(Romanos 8.21).
Na Bíblia, o povo de Deus recebe uma boa esperança. O povo de
Deus começou em um jardim (Gênesis 2-3), porém terminará numa
cidade (Apocalipse 21-22). O jardim era o Éden, e Deus o criou para
ser o ambiente perfeito para aqueles que haviam sido feitos à sua
imagem. Tinha tudo que os seres humanos precisavam, desde comida,
trabalho e até companhia. Acima de tudo, o jardim tinha a própria
presença de Deus, e Deus gozava de comunhão perfeita com seu povo
no jardim.
O pecado destruiu a comunhão entre Deus, o homem e a criação.
Mas, na igreja, a destruição deu lugar a uma manifestação muito
maior da glória de Deus. Em outro jardim, Cristo enfrentou a escolha
de Adão — fazer a sua própria vontade ou a vontade de seu Pai
celestial. Pela misericórdia e graça de Deus, Cristo, o segundo Adão,
escolheu seguir a vontade de Deus e confiou em sua Palavra. O que
aconteceu depois foi o mais terrível sofrimento experimentado pela
única Pessoa que não merecia tal sofrimento. Então, depois de ter
levado o pecado de seu povo, como substituto, e depois de ter
exaurido as reivindicações da ira contra eles, Cristo ressuscitou em
vitória sobre o pecado e a morte. Em seguida, derramou o seu
Espírito e criou sua igreja.
Desde esse tempo, o povo de Deus tem se espalhado pelo mundo
e compartilhado as boas-novas de Jesus Cristo. A missão da igreja
será bem sucedida. Jesus prometeu a seus discípulos que as portas do
inferno não prevalecerão contra sua igreja (Mateus 16.18). Os cristãos
podem se admirar da paciência de Deus com a igreja e ter receios por
causa de nosso pobre cuidado com a igreja, mas não podemos ser
outra coisa, senão confiantes quanto à igreja. Ela será bem
sucedida.261 A igreja é o plano e propósito de Deus.
A culminação da história é retratada no final de Apocalipse como
uma cidade celestial, uma sociedade eterna de luz na qual Deus está
presente em pessoa. A comunhão do Éden é restaurada. Desta vez, o
número de habitantes é multiplicado milhões e milhões de vezes,
assim como a intimidade de comunhão, visto que o próprio Espírito
de Deus habita todos aqueles que creem somente em Cristo para o
perdão de seus pecados. O jardim se torna uma cidade. E a fé dá lugar
à visão. A glória de Deus é exaltada, quando o amor eterno entre as
três pessoas da Trindade é refletido para sempre no amor interpessoal
compartilhado entre a noiva e o noivo, a igreja e Cristo.
A oração de Cristo em favor de seus discípulos, em João 17.26,
será plenamente respondida: “Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda
o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja
neles, e eu neles esteja”. Na cidade celestial, os cristãos entrarão
plena e eternamente no amor de Deus. A igreja na terra hoje apresenta
o retrato glorioso e crescente dessa realidade vindoura.

246. James Bannerman distingue cuidadosamente a igreja local do crente individual (James
Bannerman, The Church of Christ, vol. 1 [repr. Edinburgh: Banner of Truth, 1960), 3).
247. At 1.8; Gl 6.10. Pastores e teólogos protestantes como Jonathan Edwards e C. H.
Spurgeon se referiram de uma forma geral à “espiritualidade da igreja”. Quando usada por
esses autores, a expressão é quase equivalente à pureza e santidade da igreja. Mas a
expressão recebeu também um significado mais técnico no contexto de conversas sobre
estabelecimento e compromisso político, especialmente entre os presbiterianos do Sul, como
J. H. Thornwell e R. L. Dabney. Aqui, a expressão “espiritualidade da igreja” se refere à
necessidade de manter em foco os interesses apropriados da igreja e evitar o mundanismo.
Por exemplo, a igreja não deve se preocupar com os negócios do Estado, dizem os defensores
da espiritualidade da igreja. E deve guardar sua pureza por sua própria autoridade, em vez de
pedir ao Estado que a proteja (ver R. L. Dabney, Lectures in Theology, 4th ed. [Richmond:
Presb. Committee of Publication, 1890], 873-87). Afinal de contas, os defensores da
“espiritualidade da igreja” formularam uma conexão entre as autoridades distintas da igreja e
do Estado e os focos distintos da igreja e do Estado. “A igreja tem a função de ensinar aos
homens o caminho para o céu e ajudá-los a andar nesse caminho. O Estado tem o dever de
proteger cada cidadão no gozo de seus direitos temporais. A igreja não tem castigos e
penalidades civis a impor, porque Cristo não deu à igreja nenhuma dessas coisas e porque
elas não têm qualquer relevância na consecução do objetivo da igreja — uma crença genuína
na verdade salvadora. (Ver Jo 18.36; 2 Co 10.4)” (Dabney, Lectures in Theology, 874-75).
Dois principais proponentes dessa doutrina foram Stuart Robinson, The Church of God
(Philadelphia: Joseph M. Wilson, 1858), esp. 84-93, e Thomas E. Pack, Notes on
Ecclesiology (Richamond: Presbyterian Committee of Publication, 1893), esp. 119-55. Em
oposição à ideia de que essa era uma doutrina unicamente dos sulistas, ver o comentário de
Charles Hodge na tribuna da Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana em 1861: “A doutrina
de nossa igreja sobre esse assunto é que o Estado não tem nenhuma autoridade nas questões
puramente espirituais e que a igreja não tem nenhuma autoridade nas questões puramente
seculares ou civis. O fato de que seus domínios, em alguns casos, sobrepõem um ao outro
(...) é realmente verdadeiro (...). No entanto, essas duas instituições são distintas, e suas
responsabilidades e deveres diferentes” (“The General Assembly”, Biblical Repertory and
Princeton Review 33 [1861], 557; ver 561); cf. J. H. Thornwell, Colleted Writings of James
Henley Thornwell, vol. 4 (1875; repr. Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1974), 448-51; B.
M. Palmer, Life and Letters of James Henley Thornwell (1875; repr. Edinburgh: Banner of
Truth Trust, 1974), 501. À semelhança das ideias de “soberania de esfera”, de Abraham
Kuyper, a espiritualidade da igreja, neste uso mais refinado, restringe os interesses da igreja
às questões do evangelho e às questões relacionadas diretamente com o evangelho. Cf.
Calvino, Institutas, II.xv.3-4; IV.xx.1. Outras questões (como o interesse por educação,
política e ministérios de misericórdia para os não membros da igreja) são interesses
apropriados que os cristãos devem ter, mas a própria igreja não é a estrutura para lidarmos
com essas coisas. Elas são os interesses apropriados dos cristãos em escolas, governo e
outras estruturas da sociedade. De fato, se alguns desses interesses chegam a ser o foco da
igreja, podem distrair potencialmente a igreja de sua única e principal responsabilidade: viver
e proclamar o evangelho. Um resumo muito útil dessa discussão do século XIX pode ser
achado em Daryl G. Hart, Recovering Mother Kirk (Grand Rapids: Baker, 2003), 51-65;
David VanDrunen, Natural Law and the Two Kingdoms: A Study in the Development of
Reformed Social Thought (Grand Rapids: Eerdmans, 2010), 247-67; cf. Preston D. Graham
Jr., A Kingdom Not of This World: Stuart Robinson’s Struggle to Distinguish the Sacred from
the Secular During the Civil War (Macon, GA: Mercer University Press, 2002). Quanto a
uma abordagem contemporânea das implicações disso, ver Brian Habig e Les Newsom, The
Enduring Community: Embracing the Priority of the Church (Jackson, MS: Reformed
University Press, 2001).
248. O evangelho é, falando corretamente, pregado e não feito (embora as ações dos
indivíduos possam, certamente, afirmá-lo; ver João 13.34-35 [até nessa passagem, o amor
cristão recíproco aponta para o evangelho!]). O ministério social realizado pela igreja deve
ser de modo autoconsciente abraçado com a esperança, oração e desígnio de compartilhar o
evangelho. J. Gresham Machen escreveu que “na era apostólica os benefícios materiais
nunca foram valorizados por si mesmos, nunca foram considerados substitutos para as coisas
espirituais. Precisamos aprender essa lição. Melhoria social, embora importante, não é
suficiente; dever ser sempre suplementada com o dom inefável de Deus” (J. Gresham
Machen, ed. John Cook, New Testament, 345-46).
249. Ver Pv 19.17; 21.3; Lc 10.25-37; At 9.36; Hb 13.1-3; Tg 1.27.
250. John Wesley “começou o ano de 1785 gastando cinco dias a andar pela cidade de
Londres, frequentemente com o tornozelo afundado da lama e na neve derretida, para
implorar por 200 libras, que empregou na compra de roupas para os pobres. Ele visitava os
necessitados em suas próprias casas, ‘para ver com os próprios olhos quais eram as
necessidades deles e como poderiam ser eficazmente aliviadas’”. Ele tinha 81 anos! (L.
Tyerman, Life and Times of Wesley [New Yoork: Harper & Bros., 1872], III.458).
251. “Evangelização é o ministério mais básico e radical possível a um ser humano” (Tim
Keller, “The Gospel and the Poor”, Themelios 33, no. 3 [December 2008]: 17).
252. Considere as preocupações de Deus evidenciadas em Isaías 1.10-17. Deus se preocupa
com o comportamento social daqueles que não fazem parte do povo especial da aliança. As
igrejas cristãs em áreas prósperas devem advertir suas congregações sobre os perigos de
acumular riquezas. No decorrer da história, muitos cristãos leram a Bíblia como se
suspeitassem da riqueza mais do que os cristãos modernos parecem suspeitar. Desde
Agostinho até Wesley, muitos escreveram eloquentemente sobre a perigosa gravidade da
riqueza e sobre a atração mundana que ela pode exercer nos cristãos. Esse ensino não precisa
ser contrário ao planejamento financeiro cuidadoso, mas deve causar mais vigilância, mais
cautela e até suspeita da riqueza. Nova atenção deveria ser dada a passagens preventivas
como Mt 6.21, Lc 12.34, 1 Tm 6.17-19 e Tg 5.1-6. De acordo com a Bíblia, a riqueza pode
ser espiritualmente mais perigosa do que a pobreza.
253. Note os avanços culturais que aconteceram na linhagem de Caim — edificar uma
cidade, criar rebanhos, música e produção de artefatos de metal (ver Gn 4.17, 20-22).
254. Muitos textos que parecem promover a ideia de assumirmos a responsabilidade pelo
bem-estar físico de nossa própria comunidade (cf. Mq 6.8; Mt 25; Gl 6; 1 Jo 3) são a respeito
de nossa caridade para com os membros da comunidade da aliança — crentes, em vez de
membros não cristãos da comunidade mais ampla.
255. Mt 25.34-40; At 6.1-6; Gl 6.2, 10; Tg 2.15-16; 1 Jo 3.17-19.
256. Cf. 2 Ts 3.10; 1 Tm 5.3-16.
257. John Murray, “The Relation of Church and State”, em Collected Writings of John
Murray, vol. 1 (Banner of Truth, 1976), 255.
258. Ver Robert Wuthnow, Acts of Compassion (Princeton, NJ: Princeton University Press,
1993). Embora John Wesley tenha lamentado a tentação da riqueza, ele deu testemunho
eloquente do poder do evangelho para mudar de maneira prática a vida de uma pessoa. Ele
fez esta observação em 1878: “Receio que, onde as riquezas têm aumentado (...) a essência
da religião, a mente que havia em Cristo, tem diminuído na mesma proporção. Portanto, não
vejo como é possível que, na natureza das coisas, qualquer avivamento da verdadeira religião
possa continuar por muito tempo. Pois a religião deve produzir necessariamente trabalho e
frugalidade; e esses só podem produzir riquezas. Entretanto, à medida que as riquezas
aumentam, aumenta o orgulho, a ira e o amor do mundo em todas as suas ramificações.
Como, então, é possível que o metodismo, ou seja, a religião do coração, embora floresça
agora como uma árvore vigorosa, continue nesse estado? Os metodistas em todos os lugares
se tornam diligentes e frugais; consequentemente, eles aumentam em possessões. Por isso,
eles aumentam proporcionalmente em orgulho, no desejo da carne, do desejo dos olhos e na
soberba da vida. Assim, embora a forma de religião permaneça, o espírito está definhando
rapidamente. Há um meio de impedirmos isto? Este contínuo declínio da religião pura? Não
devemos proibir as pessoas de serem diligentes e frugais; devemos exortar todos os cristãos a
ganharem tudo que puderem e a economizarem tudo que puderem; isto é, em essência, ficar
rico! De que maneira, então, pergunto de novo, podemos nos proteger para que nosso
dinheiro não nos afunde nas profundezas do inferno? Há apenas uma maneira debaixo do
céu; e não há outra. Se aqueles que ganharem tudo que puderem e economizarem tudo que
puderem derem, igualmente, tudo que puderem, então, quanto mais eles ganharem, tanto
mais eles crescerão na graça e tanto mais tesouros acumularão no céu” (Tyerman, vol. III,
520).
259. Ver Journal for the Scientific Study of Religion 37, no. 3 (September 1998); também
Robert Wuthnow, Acts of Compassion.
260. Ver Sl 102.26; Is 13.10; 34.4; 51.6, 16; 65.17; 66.22; Mt 5.18; 24.29, 35; 1 Co 7.31; 2
Pe 3.10-13. 1 Jo 2.17; Ap 6.12-14; 21.1.
261. Ef 2.10; 1 Ts 5.24.
9

A História da Ideia da Igreja

O tema da igreja tem sido, em si mesmo, de interesse intermitente


na história da igreja. No século IV, a luta intensa da igreja com os
donatistas foi uma controvérsia focalizada na natureza da igreja. Na
Idade Média, o conflito sobre a autoridade do bispado de Roma
ajudou a separar o Oriente do Ocidente e causou grandes conflitos
entre teólogos no Ocidente. Posteriormente, John Hus, John Wycliff e
outros não conformistas medievais insistiram na doutrina da igreja
invisível na qual Cristo, e não o papa, era “o cabeça”. O que
consideramos em seguida são questões importantes que surgiram
destas controvérsias.

DICOTOMIAS IMPORTANTES

VISÍVEL OU INVISÍVEL?
As congregações de cristãos, ou igrejas locais mencionadas no Novo
Testamento, são exemplos de igrejas visíveis. Deus planejou que a
igreja seja um testemunho visível e evidente dele para o mundo
espectador. Mas visível é a única maneira pela qual a igreja pode ser
descrita? Afinal de contas, Jesus afirmou que o joio têm sido semeado
em meio ao trigo, porém os dois serão separados no último dia
(Mateus 13.24-30). Podemos também falar da igreja invisível, ou seja,
a igreja como Deus a vê ou como ela aparecerá no último dia. A
igreja invisível é a igreja formada de todos os verdadeiros crentes,
quer estejam ou não na igreja visível, excluindo aqueles que, na igreja
visível, não são genuinamente convertidos.
Historicamente, os protestantes têm defendido a distinção entre a
igreja visível e a invisível. A distinção tem sido usada para explicar a
ausência de unidade visível em favor da qual Cristo orou em João 17.
Por sua natureza, a igreja invisível é unida; a igreja visível é,
infelizmente, mista e dividida. Embora não seja exato dizer que a
ideia da igreja invisível começou com a Reforma Protestante, visto
que a ideia pode ser achada em Wycliffe, Hus e até Agostinho, os
reformadores protestantes fizeram uso particular da ideia.262 Não há
duas igrejas separadas, uma visível e uma invisível; esses são dois
aspectos da igreja verdadeira.263

LOCAL OU UNIVERSAL?
Outra dicotomia que possui uma história significativa de
consideração teológica na igreja é a distinção feita entre a igreja local
e a igreja universal. Essa igreja que é formada de todos os cristãos de
toda a História é a igreja universal.264 Embora a igreja universal
nunca tenha sido reunida, um dia ela o será. E os cristãos do presente
são considerados por Deus como parte desse corpo eleito. Por outro
lado, a igreja local é apenas a assembleia local de cristãos. Com uma
possível exceção (o interessante uso de Lucas em Atos 9.31), a
palavra igreja no Novo Testamento sempre se refere a uma
congregação local (a grande maioria de usos) ou à igreja universal
(algumas poucas passagens).265 No decorrer da história, os cristãos
têm aceitado o fato de que esses dois usos se acham no Novo
Testamento. Entretanto, duas disputas importantes têm sido travadas
quanto a essa dicotomia.
A primeira — e mais importante para a igreja ao redor do mundo
— tem sido a disputa sobre se há uma ordem e uma forma de governo
prescritas para a igreja universal, como há para a igreja local. A Igreja
Católica Romana sustenta que uma ordem universal existe. A Igreja
Ortodoxa Grega e muitos grupos protestantes sustentam que
estruturas têm se desenvolvido (como assembleias nacionais,
convenções, arcebispos, etc.), que são permitidas e úteis, embora não
ordenadas na Escritura. Por outro lado, congregacionalistas, como os
batistas, têm sustentado que o Novo Testamento não prescreve
nenhuma estrutura para a igreja universal. Entende-se que toda a
cooperação entre igrejas deve ser voluntária e consensual.
Uma segunda controvérsia de interesse particular para os cristãos
batistas envolve a questão de se alguém pode se referir legitimamente
a alguma coisa como uma igreja, uma vez que uma ordem ou
estrutura não foi estabelecida para ela na Escritura. Ironicamente,
alguns batistas do século XIX e seus herdeiros concordam com este
aspecto do pensamento católico romano — de que a igreja invisível
não existe à parte de uma estrutura visível dada por Deus. E chegam à
conclusão de que a igreja universal nunca é discutida no Novo
Testamento. Essa controvérsia ficou conhecida como
“Landmarkismo”, nome oriundo de Provérbios 22.28: “Não removas
os marcos antigos que puseram teus pais”. Este foi o texto do sermão
de J. M. Pendleton e a base do livro de J. R. Graves, Old
Landmarkism: What Is It? (Velho Landmarkismo: O que é?),
publicado em 1854. Esse livro se tornou um manifesto para o
movimento e exerceu grande influência entre os batistas em partes
dos Estados Unidos.266

MILITANTE OU TRIUNFANTE?
Outra dicotomia que tem sido usada para descrever diferentes
aspectos da igreja é a igreja militante e a igreja triunfante.267 A igreja
militante se refere aos cristãos que estão vivos agora e que, portanto,
permanecem engajados em lutar contra o mundo, a carne e o diabo.268
A igreja triunfante se refere aos cristãos que estão agora no céu,
removidos do combate da guerra espiritual e totalmente vitoriosos.269
A Igreja Católica Romana também fala da igreja sofredora, que, para
eles, significa a igreja que está agora na terra e também aqueles que
são redimidos, mas ainda estão sendo purificados no purgatório.

VERDADEIRO OU FALSO?
O tópico da igreja se tornou o foco de debate teológico formal na
Reforma. Aqui, como em muito do desenvolvimento teológico da
igreja, a questão de como distinguir o verdadeiro do falso levou a
uma definição clara do verdadeiro.
Antes do século XVI, a igreja era mais admitida do que discutida.
Era considerada um meio de graça, uma realidade que existia e uma
pressuposição para o restante da teologia. A teologia católica romana
se refere comumente ao “mistério da igreja”, pelo qual quer significar
a inexaurível e imponderável profundeza dessa realidade da igreja.
Assim, na Vulgata, Efésios 5.32 se refere à união de Cristo com sua
igreja como um “sacramento” ou mistério. Em termos práticos, a
Igreja de Roma argumentava que ela era a verdadeira igreja visível,
de acordo com a sucessão de Pedro, por meio do bispo de Roma [o
papa], baseada nas palavras de Jesus dirigidas a Pedro em Mateus
16.17-19.
Com o advento da Reforma, a discussão sobre a natureza da igreja
se tornou inevitável. Para os reformadores protestantes, “Não a
suposta cadeira de Pedro, mas o ensino de Pedro era a marca real de
apostolicidade. A Reforma tornou o evangelho, e não a organização
eclesiástica, o teste da verdadeira igreja”.270 Calvino criticou as
afirmações de Roma no sentido de ser a verdadeira igreja com base
na sucessão apostólica: “Especialmente na organização da igreja,
nada é mais absurdo do que acomodar a sucessão somente em
pessoas, excluindo o ensino”.271 Crendo que os atributos da igreja
(única, santa, universal e apostólica) haviam se tornado insuficientes
para fazer distinção entre uma igreja verdadeira e uma igreja falsa, a
Reforma introduziu as notae ecclesiae, as marcas da igreja: a
pregação correta da Palavra de Deus e a administração correta das
ordenanças.
Começando com a Reforma, os protestantes têm crido que uma
igreja local deve ser considerada como verdadeira igreja, quando a
Palavra de Deus é pregada de modo correto e as ordenanças de Cristo
são seguidas de modo correto.272 A pregação correta da Palavra de
Deus é a disciplina formativa que molda a igreja (em contraste com a
disciplina corretiva, que inclui medidas como a excomunhão). O
ministério da Palavra é, portanto, central e definidor. A maneira de
distinguir entre uma igreja verdadeira e uma igreja falsa é perguntar
se a adoração pública da igreja consiste na pregação correta da
Palavra de Deus e na administração correta das ordenanças. Se ambas
estão presentes, achou-se uma verdadeira igreja.273 A Palavra, sendo
corretamente ensinada, deve levar a igreja a administrar corretamente
as ordenanças de Cristo (o que também implicaria que a disciplina
está sendo exercida).274
UNIDADE DA IGREJA
(ORGANIZACIONAL OU ORGÂNICA?)
Intimamente relacionada à ideia da universalidade da igreja, está a
ideia da unidade da igreja. Na igreja primitiva, os cristãos
apresentavam sua unidade como um baluarte contra hereges e
cismáticos. Todavia, excomunhões mútuas sobre questões como
nestorianismo, monofisismo ou supremacia papal romperam a
unidade visível da igreja. Posteriormente, a igreja se dividiu durante a
Reforma por causa do entendimento protestante acerca do evangelho
e de seu método de entender o evangelho — por meio da Escritura
clara (transparente) e suficiente, e não pela mediação da igreja. Os
católicos romanos têm insistido numa unidade visível da igreja. Os
protestantes têm insistido na primazia de uma unidade de espírito e
doutrina.

SURGIMENTO DE DENOMINAÇÕES
Denominações, como as conhecemos hoje, surgiram, em sua maioria,
no século XVII, embora suas raízes sejam anteriores. Os protestantes
não viram a divisão da igreja com leviandade, mas os princípios
protestantes da autoridade e clareza da Escritura lhes deram garantia,
ou até exigiram, a sua separação do ensino falso. Como disse
Calvino: “Não reconhecemos nenhuma unidade, senão em Cristo;
nenhuma caridade da qual ele não seja o vínculo; e (...) portanto, o
principal objetivo em preservar a caridade é mantermos a fé sagrada e
inteira”.275 Isso significava que os reformadores reconheciam que o
custo da unidade ao preço da verdade era um péssimo negócio.
Divisão correta deveria ser preferida a uma unidade corrompida. Por
essas razões, vários grupos no continente europeu labutaram livres do
controle de igrejas estabelecidas e começaram a seguir seu próprio
entendimento de fidelidade às Escrituras.
A maioria das denominações conhecidas popularmente nos
Estados Unidos hoje se desenvolveram inicialmente no Reino Unido.
Presbiterianismo, congregacionalismo e crença no batismo de crentes
são todos derivados da Inglaterra da rainha Elizabeth I (1558-1603).
No entanto, o governo inglês não tolerou quaisquer congregações fora
da igreja estabelecida até o final do século XVII, quase 100 anos
depois. Denominações podem ter solidificado divisões na igreja,
contudo também aliviaram a consciência angustiada de muitos
cristãos zelosos no século XVII. Liberdade para se reunirem e
adorarem de acordo com sua própria consciência foi um passo
fundamental no desenvolvimento de denominações como as que
conhecemos hoje.
As três “denominações antigas”, como são chamadas, eram os
presbiterianos, os congregacionalistas e os batistas. A essas três,
somaram-se os episcopais estabelecidos e a denominação do século
XVIII, os metodistas, para formar o panorama religioso da América
primitiva, nascido na Inglaterra. Quando outros grupos étnicos foram
acrescentados, como as igrejas holandesas e francesas reformadas ou
os grupos luteranos e escandinavos, a América se tornou o principal
laboratório para muitas denominações de igrejas cristãs coexistirem.
Esses agrupamentos de igrejas mantiveram seus distintivos
doutrinários e práticos, e novos grupos surgiram desde então. Muitas
famílias de igreja surgem de um conflito por pureza. Isto foi
verdadeiro na Inglaterra nos séculos XVI e XVII. Quando questões
do evangelho eram resolvidas, assuntos secundários, porém
importantes, acerca do governo da igreja e da disciplina levavam à
separação de congregações de batistas, congregacionalistas e
presbiterianos. Defensores e oponentes da escravidão dividiram
grandes denominações. Muitas divisões entre os herdeiros de Wesley
e discordâncias doutrinárias entre os presbiterianos aumentaram as
divisões denominacionais do século XIX. O surgimento de
incredulidade religiosa moderna nas principais denominações
protestantes no início do século XX, na América, levou a outra
erupção de congregações e denominações que se separaram de grupos
mais velhos e formaram grupos mais novos, mais puros.276
As próprias convicções doutrinárias e a importância vinculada a
elas têm sido as bases tanto para unidade quanto para divisão entre os
cristãos. Em resumo, o surgimento de denominações diferentes
representa o desejo por fidelidade na pureza e não na unidade
visível.277 Toda congregação decide que os membros devem
compartilhar das crenças e das práticas , antes de, com boa
consciência, experimentarem e expressarem unidade entre si.
262. João Calvino, Institutas, IV.I.7; cf. o catecismo de Benjamin Keach, Perguntas 105 e
106, reimpresso em Tom J. Nettles, Teaching Truth, Training Hearts (Amityville, NY:
Calvary, 1998).
263. “Dizemos que esta igreja é invisível porque ela é essencialmente espiritual e, em sua
essência espiritual, não pode ser discernida pelo olho físico; e porque é impossível
determinar infalivelmente quem pertence e quem não pertence a ela” (Berkhof, Systematic
Theology, 566-67); cf. Confissão de Westminster, cap. 25.
264. Por exemplo, em Mateus 16.18, Jesus estava se referindo não a uma igreja local, mas à
igreja universal como a “minha igreja”.
265. Sobre Atos 9.31, ver os comentários de F. F. Bruce, em Acts, em NICNT, ed. F. F.
Bruce (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), 208-9; cf. A. H. Strong, Systematic Theology
(Valley Forge: Judson, 1907).
266. Pode-se ter uma ideia da seriedade da controvérsia quando se nota que o “Abstract of
Principles” de Basil Manly Jr., escrito em 1859 para o Southern Baptist Theological
Seminary não contém nenhuma afirmação da existência da igreja universal — uma questão
que não teria sido controversa entre os batistas duas ou três décadas antes. Quanto a uma
consideração cuidadosa das afirmações exegéticas e teológicas do landmarkismo, ver John
Thornbury, The Doctrine of the Church: A Baptist View (Pasadena, TX: Pilgrim Publications,
1971) e James A. Patterson, James Robinson Graves: Staking the Boundaries of Baptist
Identity (Nashville: B&H, 2012).
267. Essa linguagem pode ser encontrada em Tomás de Aquino e Wycliffe.
268. Ver a consideração puritana clássica sobre a natureza militante da vida da igreja neste
mundo, escrita por William Gurnall, The Christian in Complete Armor (1662-65; repr.
Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1964).
269. Ver Berkhof, Systematic Theology, 565.
270. Clowney, The Church, 101.
271. Calvino, Institutas, IV.ii.3; ver a edição de 1536 em II.29.
272. Exemplos disto podem ser achados em Iain Murray, ed., Documents for the Reformation
of the Church (Edinburgh: Banner of Truth, 1965), 15-23.
273. Deve ser notado que igrejas verdadeiras podem ser divididas entre aquelas que são
regulares e aquelas que são irregulares, ou seja, entre aquelas que estão de acordo com a
regra (regula) e aquelas que não estão. Assim, várias igrejas protestantes podem reconhecer
umas às outras como igrejas verdadeiras, mas irregulares (dependendo de suas diferenças em
questões como forma de governo, o modo e os sujeitos apropriados do batismo).
274. Esse entendimento da natureza da igreja verdadeira levou a mudanças nas estruturas
físicas das igrejas, mudanças no culto (mais tempo para o canto congregacional, para o
sermão) e mudanças no papel do ministro. Ele deixou de ser um sacerdote que oferecia
sacrifícios para ser um ministro da Palavra e um pastor das pessoas.
275. João Calvino, em seu prefácio a Psychopannychia, em Selected Works of John Calvin:
Tracts and Letters, vol. 3, ed. e trad. Henry Beveridge e Jules Bonnet (1851; repr. Grand
Rapids: Baker, 1983), 416.
276. Quanto a um texto clássico que explica e defende esta ideia de “separação bíblica”, ver
Ernest Pickering, Biblical Separation: The Struggle for a Pure Church (Schaumburg, IL:
Regular Baptist Press, 1979). Duas críticas instrutivas de evangelicalismo sobre esses pontos
são Iain Murray, Evangelicalism Divided: A Record of the Crucial Change in the Years 1950
to 2000 (Edinburgh: Banner of Truth, 2000); e Rolland McCune, Promise Unfulfilled: The
Failed Strategy of Modern Evangelicalism (Greenville, SC: Ambassador International,
2004). Quanto a uma perspectiva anglicana sobre alguns desses mesmos temas, ver Michael
B. Thompson, When Should We Divide? (Cambridge, UK: Grove Books, 2004).
277. “Porque a unidade referida no Novo Testamento não é, a fim de preservar a fé, algo que
pode existir sem consideração à pureza doutrinária” (Iain Murray, Evangelicalism Divided
[Edinburgh: Banner of Truth Trust, 2000], 140).
10

A História das Ordenanças da


Igreja

I nfelizmente, é irônico que as ações que os cristãos são ordenados a


compartilhar entre si — reconhecer “um só batismo” (Efésios 4.5) e
celebrar em união a Ceia do Senhor — têm sido o foco de muita
disputa e divisão no decorrer da história da igreja. Disputas têm se
centralizado tanto no número quanto na natureza das ordenanças a
serem praticadas pela igreja.

IGREJA CATÓLICA ROMANA


Entre os teólogos, desde Agostinho, no século V, até Hugo de São
Vitor, no século XII, não havia concordância quanto ao número de
sacramentos.278 Os números variavam de dois até trinta ou mais.
Desde o século XII, a Igreja Católica Romana tem reconhecido sete
sacramentos. Os teólogos dos séculos XII e XIII, especialmente Hugo
de São Vitor, Pedro Lombardo, Alexandre de Hales e Tomás de
Aquino, trouxeram a Igreja de Roma ao seu atual entendimento do
número e natureza dos sacramentos. Além do batismo e da eucaristia,
a Igreja Católica Romana ensina também que a confirmação, a
confissão, a penitência, o casamento, a ordenação ao sacerdócio e a
extrema unção (últimos ritos) são sacramentos a serem observados
pelos cristãos como meios de graça ordenados por Deus.
Embora sejam formulados muitos argumentos quanto à base
bíblica dos últimos cinco sacramentos, a Igreja Católica Romana não
se prende à suficiência das Escrituras. Em vez disso, ensina que as
tradições da igreja, ao lado das Escrituras, preservam a vontade
revelada de Deus para seu povo. Portanto, o desenvolvimento de
qualquer desses sacramentos depois do Novo Testamento não é, em si
e de si mesmo, nenhum embaraço para a teologia católica romana.

QUAKERS E SALVACIONISTAS
Outros grupos, como os Quakers e o Exército de Salvação, têm
sustentado que nenhuma ordenança ritual deve ser observada hoje,
nem mesmo o Batismo e a Ceia do Senhor. Eles ensinam que essas
ações eram apenas para os primeiros crentes e que nunca foram
planejadas para servir como observâncias contínuas da igreja. O que
deve continuar, porém, são as realidades espirituais de descer à nova
vida em Cristo e de ter comunhão com Deus que agora veio. Ambas
as realidades eram significadas pelo batismo e pela Ceia do Senhor.
Falando sobre George Fox, o fundador dos Quakers, Rufus Jones
escreveu:
Sua casa de adoração era destituída de tudo, exceto cadeiras. Não tinha santuário,
porque a shekina deveria estar no coração daqueles que o adoravam. Não tinha
altar, porque Deus não precisa de nenhum apaziguamento, visto que ele mesmo
fez o sacrifício pelo pecado. Não tinha fonte batismal, porque o batismo era, em
sua crença, não mais do que a imersão na vida do Pai, do Filho e do Espírito
Santo — um descer ao significado da morte de Cristo e um subir em novidade de
vida com ele. Não havia mesa de comunhão, porque ele acreditava que a
verdadeira comunhão consistia na participação direta do pão espiritual da alma —
o Cristo vivo.279

Certamente, a rejeição de George Fox quanto ao Batismo e a Ceia


do Senhor é coerente com sua priorização da Luz Interior (adotada de
João 1.9) acima e além da Palavra de Deus escrita.

ALGUNS BATISTAS: O LAVAR OS PÉS


Alguns cristãos batistas têm afirmado que o lavar os pés deve ser
considerado uma terceira ordenança. Entre estes se acham vários dos
Velhos Batistas Regulares, Batistas Regulares,280 Batistas Primitivos,
Irmãos da Graça e outros poucos grupos.281 Citando evidência de
João 13.13-15, eles chegam a conclusão de que o exemplo de Jesus
não é apenas uma lição sobre humildade; em vez disso, eles entendem
que isso significa que Jesus tencionava que o ritual se tornasse
contínuo para os cristãos. Nenhum registro histórico sugere que os
cristãos primitivos praticaram o lavar os pés como uma ordenança da
igreja. Apesar disso, vários destes grupos reiniciaram a prática no
período pós-Reforma.

INDIFERENÇA EVANGÉLICA CONTEMPORÂNEA


Toda a discussão concernente ao número e à natureza das ordenanças
de Cristo parece estar bem distante dos interesses das igrejas
evangélicas contemporâneas. A ordem de Cristo para batizar ou é
ignorada ou minimizada no ensino de muitas igrejas, nos livros
escritos e lidos por evangélicos em geral e nas exigências de
membresia dessas igrejas. Além disso, em muitas igrejas, a Ceia do
Senhor é raramente celebrada. Por meio de tudo isso, a doutrina sola
fide (“somente a fé”), emergente da Reforma, tem sido explorada para
propósitos maus, sendo usada para relegar qualquer coisa que não é
diretamente necessária à salvação ao status de não importante. Mas,
certamente, se Cristo ordenou algo, seus seguidores não têm nenhuma
autoridade para modificar uma ordem de Cristo — quer por
aumentarem-na, quer por ignorá-la.

BATISMO
Historicamente, os batistas nunca estiveram em perigo de ignorar as
ordenanças de Cristo. Desde o nome até à prática, os batistas têm sido
moldados por um entendimento específico do batismo. Todavia, não
foi a prática de batizar crentes professos que motivou controvérsia
entre denominações diferentes. Em vez disso, o batismo de infantes
tem causado muitos dos debates e divisões na história de igrejas
cristãs.

O SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO BATISMO


INFANTIL
Grande debate tem sido travado em torno da questão de quando o
batismo infantil foi praticado pela primeira vez.282 Proponentes do
batismo infantil argumentam que os cristãos do século I realizavam o
batismo infantil, embora eles tenham de admitir que a evidência do
Novo Testamento é inferencial. Outros têm sido menos aptos para
achar a origem do batismo infantil nos primórdios da história da
igreja. Desde a obra de William Wall, History of Infant Baptism
(História do Batismo Infantil), a monumental defesa anglicana do
século XVII quanto à antiguidade do batismo infantil, até o famoso
debate de meados do século XX, entre Joachim Jeremias e Kurt
Aland, conhecedores do Novo Testamento, o consenso tem frustrado
os eruditos.283 A Didaquê, a Epístola de Barnabé e O Pastor de
Hermas, documentos do século II que refletem, todos, a prática da
igreja na época, não sabem nada de batismo infantil. De fato, todas as
suas afirmações sobre o batismo pressupõem o batismo de crentes.
No entanto, a afirmação de Tertuliano, em De Baptismo (escrita entre
200 e 206), atacando o batismo de infantes “constitui a menção
expressa mais antiga de batismo infantil na história da igreja” e
mostra que crianças eram batizadas no tempo de Tertuliano.284
Posteriormente, na primeira metade do século III, Orígenes acreditava
que o batismo de crianças era uma prática apostólica.285 Neste ponto,
não podemos dizer hoje quão difundida era a prática. Parece que a
prática do batismo infantil se originou com o surgimento de um
entendimento ex opere operato de seus efeitos — pensava-se que o
batismo garantiria indubitavelmente o perdão dos pecados para o
batizando. Quando o cristianismo se tornou legal e estabelecido,
seguiu-se a pressão para estender a membresia da igreja a toda
comunidade. Pelo Concílio de Cartago, em 418, qualquer um que
ensinasse contra o batismo infantil era anatematizado.286 No século
VI, o imperador Justiniano tornou o batismo infantil obrigatório em
todo o Império Romano.

IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DA RESTAURAÇÃO DO


BATISMO DE CRENTE
Embora as igrejas católica romana e ortodoxa e vários grupos
dissidentes continuassem a praticar o batismo de crente no caso de
convertidos, não houve uma restauração geral da prática de batizar
apenas crentes até ao início do século XVI, quando algumas pessoas,
particularmente os anabatistas evangélicos, começaram a rejeitar a
validade do batismo de infantes.287 Não foi por acidente que a
natureza da verdadeira conversão começou a ser esclarecida ao
mesmo tempo que o evangelho da justificação somente pela fé iniciou
a sua restauração. Antes da Reforma, muitos se declaravam cristãos
apenas para afirmar o nome da família, da paróquia, da cidade e até
da nação à qual pertenciam. A Reforma levou a uma reapreciação da
natureza radical da conversão cristã. A conversão não resultava de um
rito de infância ou de membresia numa entidade política específica.
Resultava de uma profissão de fé autoconsciente na obra justificadora
de Deus em Cristo.
A reafirmação da autoridade da Escritura e a clareza do evangelho
levaram a uma rejeição surpreendentemente ampla da autoridade do
bispo de Roma. Quando o evangelho da justificação somente pela fé
se propagou, a impossibilidade da justificação sem a fé desafiou a
prática de administrar indiscriminadamente o Batismo e a Ceia do
Senhor a todos que pertenciam a uma entidade política específica —
cidade, nação ou paróquia. Naturalmente, isso significou que a antiga
relação constantiniana entre a igreja e o Estado estava sendo, ela
mesma, desafiada. No entanto, apenas os anabatistas e os batistas se
mostraram dispostos a repensar a eclesiologia e, assim, reconceber o
relacionamento entre igreja e Estado como examinamos antes.
Na Europa cristã, reconsiderar o que significava ser um cristão
exigia uma reconsideração do que significava ser um cidadão de uma
cidade ou de uma nação. Antes, um cristão talvez pudesse imaginar
que outros cristãos viviam fora de sua própria nação. Agora, por
virtude de uma eclesiologia batista, tornou-se possível pensar em
cidadãos que viviam em sua própria nação e não eram cristãos ou,
pelo menos, não eram membros da mesma igreja. Desde o começo, a
eclesiologia tem separado os batistas de outros evangélicos. A
doutrina de uma igreja visível formada apenas de pessoas regeneradas
e batizadas é o distintivo dos batistas.

IMPLICAÇÕES DA IGREJA REUNIDA PARA AS


RELAÇÕES COM O ESTADO
Restaurar o quadro do Novo Testamento de uma igreja formada de
crentes desafiou as suposições que muitos cristãos haviam concebido
desde Constantino, ou seja, que o Estado é responsável por suprir as
necessidades da igreja, e a igreja responsável por guiar o Estado. A
conexão mais forte desse tipo de relação entre igreja e Estado
continuou entre os herdeiros de Constantino e outras áreas de Igrejas
Ortodoxas Orientais. No Oriente, o que foi chamado de
cesaropapismo tratava a igreja como a responsabilidade do
governante, basicamente, para ver César como o papa. Por isso, o
nome. No Ocidente, uma relação menos centralizada e mais variada
existia entre igreja e Estado. Enquanto o Estado mantinha tipicamente
a posição dominante no Oriente, especialmente desde a ascensão do
islamismo, a igreja tinha tipicamente predominância no Ocidente,
devido a sua organização mais centralizada e a tradição de impor a
jurisdição episcopal sobre os governantes. Às vezes, imperadores
eram excomungados, e cidades inteiras interditadas — impensável no
Oriente.
Durante a Reforma Protestante, os principais teólogos
continuaram a afirmar o entendimento tradicional do Ocidente quanto
à relação entre a igreja e o Estado. Quer fosse adotada uma postura
mais passiva (luteranos) ou uma mais agressiva (calvinistas) para com
a autoridade de magistrados, as várias reformas realizadas afetaram
imediatamente a relação entre a igreja e o Estado. Uma nação que
pensasse numa reforma focalizaria as questões de que igreja
reconhecer e que estrutura adotar, duas questões sobre teologia e
liderança que não rompiam a unidade básica da paróquia europeia.
Nações protestantes tiveram respostas variadas para essas questões.
Entretanto, em nenhuma reforma magisterial, a paróquia local foi
dissolvida ou substituída.288
Como já vimos, a negação batista do batismo infantil colocou em
perigo o estabelecimento igreja-estado de Constantino na Europa
Ocidental.289 A crença batista na membresia regenerada da igreja
tornou voluntária a relação entre os cidadãos e a igreja (e, portanto,
entre a igreja e o Estado). Isso teria sido inconcebível no início e em
meados do século XVI. Em última análise, a eclesiologia batista
proveu a semente para o nascimento das noções modernas de
liberdade de religião, na qual nenhuma igreja é estabelecida e os
direitos dos cidadãos de cada religião são assegurados. Quando os
cristãos procuraram responder esta pergunta simples “Quem deve ser
batizado?”, descobriram que sua resposta para essa pergunta teria
efeitos tremendos. Se concluíssem que somente crentes deviam ser
batizados, isso os impediria de ter uma membresia coextensiva com a
população geral e, portanto, eficazmente os impediria de ter uma
igreja estabelecida.

EM QUE SENTIDO O BATISMO É UM MEIO DE GRAÇA


A Igreja Católica Romana ensina que o batismo transmite graça em si
e de si mesmo, expiando todo o pecado, tanto o original quanto o
atual. A reforma luterana ensinou que o batismo era certamente
eficaz.290 Em seu catecismo, Lutero disse: “O batismo opera perdão
de pecados, livra da morte e do diabo e dá salvação eterna a todos que
creem nisso, como declaram as palavras e as promessas de Deus”.291
Calvino, ecoando Agostinho, chamou o batismo de “a Palavra
visível”.292 O Concílio de Trento (1545-63) anatematizou todo aquele
que ensinasse que o batismo conferia graça somente aos que tinham
fé. O entendimento presbiteriano e reformado tem tratado o batismo
como um sinal e um selo da graça de Deus.293
Entre os batistas, o batismo nunca foi tratado como um veículo
essencial para a graça de Deus. Em vez disso, eles têm considerado o
batismo como um mandamento dado aos novos crentes e, portanto, o
meio normal para marcar e celebrar sua salvação. O batismo é um
sermão visível, orientado pela Palavra e totalmente dependente de
que o Espírito de Deus cria a realidade espiritual que ele retrata. No
batismo de um crente, “há a bênção do favor de Deus que vem com
toda a obediência, bem como a alegria que vem por meio da profissão
de fé pública da pessoa, a reafirmação de ter uma ilustração física e
clara de morrer e ressuscitar com Cristo e da purificação dos
pecados”.294

A CEIA DO SENHOR
O batismo não foi a única ordenança cercada por controvérsia na
história da igreja. A Ceia do Senhor, em sua natureza e efeitos, tem
sido interpretada de maneiras diferentes. Essas interpretações
diferentes têm ajudado a distinguir a teologia católica romana da
teologia protestante e têm, igualmente, levado a diferenças entre os
protestantes. Em seu âmago, a discussão tem se focado na pergunta
“Qual é a relação de Cristo com a sua Ceia?”.
TRANSUBSTANCIAÇÃO
Desenvolvida plenamente por Tomás de Aquino e confirmada no
Quarto Concílio de Latrão (1215), a doutrina da transubstanciação
descreve a Ceia do Senhor como uma reapresentação do sacrifício de
Cristo. Aquino argumentou que, na celebração da eucaristia, a
substância do pão se transforma no corpo físico de Cristo, enquanto a
substância do vinho, no sangue físico de Cristo.295 Por que, então, o
pão e o vinho não mudam de aparência? A resposta de Aquino
dependeu de uma distinção filosófica, extraída de Aristóteles, entre o
acidente, ou a forma exterior, e a substância, a essência interior, de
uma coisa. Somente a substância do pão e do vinho muda, disse
Aquino, por isso, a palavra “transubstanciação”. Os acidentes,
aquelas características que afetam a percepção humana, permanecem
inalteráveis.
A eucaristia é entendida como sendo um “sacrifício não
sangrento” real e eficaz. Todos que dele participam, exceto aqueles
que cometeram pecado mortal, recebem graça de Deus. O simples
testemunhar a missa vale como um ato participativo digno dessa
graça. Muito frequentemente, os comungantes recebem a hóstia
sagrada, que é entendida como o corpo transubstanciado de Cristo.
Desde o Vaticano II (1962-65), pessoas leigas têm recebido, muitas
vezes, permissão para participar do cálice. Os proponentes da
transubstanciação aplicam frequentemente as promessas de Cristo
feitas em João 6.53-57 à Ceia do Senhor, embora ele ainda não
tivesse estabelecido a própria Ceia.296

CONSUBSTANCIAÇÃO
A consubstanciação nega a transformação literal e substancial do pão
e do vinho na essência de Cristo, mas propõe que o corpo e o sangue
de Cristo se unam com (“con” é prefixo de origem latina que significa
“com”) a substância do pão e do vinho na mesa do Senhor. Teólogos
luteranos têm descrito o corpo e o sangue de Cristo como “em, com e
sob” o pão e o vinho físicos.297 Como o Pequeno Catecismo de
Lutero ensina, “O que é o sacramento do altar? É o verdadeiro corpo
e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, instituídos pelo próprio Cristo
sob o pão e o vinho, para nós, cristãos, comermos e bebermos”.298 O
ponto de vista de Lutero lhe permitiu continuar mantendo uma
profunda reverência para com os elementos (e não devemos jamais
subestimar o efeito da piedade popular na teologia), enquanto
também o livrava de um problema lógico do ponto de vista da Igreja
de Roma, ou seja, que algo parece ser o que não é (seus acidentes e
substâncias não se harmonizam). Esta doutrina da consubstanciação
continua a ser o ensino dos teólogos luteranos.299

PRESENÇA ESPIRITUAL
João Calvino ensinava que Cristo está realmente presente nessa Ceia,
mas sua presença não é física, como os católicos romanos e os
luteranos ensinavam, mas espiritual.300 Essa presença espiritual é
percebida e desfrutada pela fé, não pelos sensos físicos. Sem a fé, a
Ceia não é eficaz. De acordo com esse entendimento, “em troca de
uma reivindicação pessoal e posse atual de toda esta riqueza [em
Cristo], os crentes expressam fé em Cristo como Salvador e lhe
prometem obediência como Senhor e Rei”.301 Como diz a Confissão
de Westminster, o corpo e o sangue de Cristo estão “realmente, mas
espiritualmente, presentes à fé dos crentes”. Eles “recebem e se
alimentam real e verdadeiramente, mas não carnal e corporalmente, e
sim espiritualmente, de Cristo crucificado e todos os benefícios de
sua morte”.302

MEMORIAL
Dos quatro pontos de vista sobre a Ceia do Senhor detalhados aqui,
somente a Ceia como memorial é universalmente aceita. Defensores
das outras três posições vão além da Ceia como memorial, mas
nenhuma delas nega que este seja um aspecto da Ceia do Senhor.
Paulo foi inequívoco: “Todas as vezes que comerdes este pão e
beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1
Coríntios 11.26). Por isso, não é surpreendente que a linguagem de
memorial seja frequentemente encontrada na história da igreja, desde
Clemente de Alexandria a Orígenes, desde Cirilo de Jerusalém a João
Crisóstomo. Até Agostinho usava frequentemente essa linguagem.
Esse ponto de vista chegou à preeminência na Reforma, juntamente
com a negação da presença física de Cristo na Ceia.
Ulrich Zwinglio ensinava que a Ceia do Senhor é uma
representação do sacrifício de Cristo, porém apenas no sentido
simbólico de proclamá-la novamente.303 Zwinglio apontava as
palavras de Paulo em 1 Coríntios 11.24-26 como o testemunho
bíblico mais claro a respeito de como a Ceia do Senhor deve ser
entendida. Desde Zwinglio, muitos protestantes, incluindo a maioria
dos batistas, têm adotado este entendimento de memorial, primeiro
porque é indiscutivelmente bíblico e, segundo, porque eventualmente
evita qualquer sugestão de sacramentalismo da posição católica
romana. Portanto, os batistas têm usado, historicamente, uma
linguagem tão rica a respeito da presença de Cristo na Ceia do Senhor
àqueles que vêm pela fé, que pouca diferença é perceptível entre a
posição deles e a ideia reformada da presença espiritual de Cristo.304

EM QUE SENTIDO A CEIA DO SENHOR É UM MEIO DE


GRAÇA?
A principal divisão sobre a maneira como a Ceia do Senhor se faz um
meio de graça na vida de cristãos é a mesma divisão que se acha em
entender o batismo. A pergunta divisora básica é: qual é relação da fé
com a ordenança? A fé dos participantes torna a ordenança um meio
de graça ou a ordenança outorga graça independentemente da fé?
Entre os batistas, a Ceia do Senhor não tem sido considerada um
canal indispensável da graça de Deus. Em vez disso, ela tem sido
considerada uma ordem dada aos novos crentes e, por isso, o meio
normal de distinguir aqueles que foram separados do mundo e
obtiveram comunhão com Cristo. Como o batismo, a Ceia do Senhor
apresenta um sermão visível e totalmente dependente do Espírito de
Deus para criar a comunhão espiritual que ela retrata entre Deus e os
crentes.
O catecismo de C. H. Spurgeon, de meados do século XIX,
apresenta bem esta visão. Na resposta à Pergunta 80, “O que é a Ceia
do Senhor?”, Spurgeon escreveu:
“A Ceia do Senhor é uma ordenança do Novo Testamento, instituída por Jesus
Cristo; na qual, por darmos e recebermos o pão e o vinho, de acordo com a
designação do Senhor, sua morte é anunciada (1 Coríntios 11.23-26) e os
participantes dignos são tornados, não de maneira corpórea e carnal, mas pela fé,
participantes do corpo e do sangue de Cristo, com todos os seus benefícios, para a
nutrição espiritual e o crescimento na graça.”305
COMUNHÃO: FECHADA, PRÓXIMA OU ABERTA?
Os batistas têm discordado quanto ao que significa fidelidade à
exortação de Paulo (1 Coríntios 11.27-31). De fato, tem havido uma
grande variedade entre cristãos batistas sobre quem são os
participantes apropriados à Ceia do Senhor.306 E pode ser resumida
em três posições (embora haja um número quase infinito de
variações). A primeira posição é chamada comunhão “restrita” ou
“fechada”. Muitos batistas, especialmente nos séculos XVII e XVIII,
e entre os landmarkistas nos séculos XIX e XX, têm ensinado que
somente os membros de uma congregação local devem ter permissão
de participar da Ceia do Senhor, quando a igreja a celebra. Comunhão
“próxima” se refere geralmente a uma posição defendida em toda a
história dos batistas — mas defendida mais amplamente no final do
século XVIII e início do século XIX em consequência dos
avivamentos evangélicos — que diz que todos os crentes que foram
batizados como crentes são bem-vindos à mesa do Senhor.307
Comunhão “aberta”, novamente uma posição defendida em toda a
história dos batistas (por exemplo, John Bunyan), mas que se tornou
predominante apenas no século XX, sustenta que todos que
reconhecem a si mesmos como pessoas que creem em Cristo para a
salvação, embora não tenham sido batizados como crentes, são bem-
vindos à mesa do Senhor.

278. Igrejas Ortodoxas Orientais são, ainda hoje, menos uniformes em estabelecer um
número específico de sacramentos.
279. Rufus Jones, “Introduction”, em Geoge Fox, an Autobiography, ed. R. Jones (London:
Headley Bros., 1904), 22.
280. Nota: esse grupo não deve ser confundido com os Batistas Regulares, no Brasil.
281. Ver H. Dorgan, “Foot-Washing, Baptist Practice of”, em Dictionary of Baptists in
America, ed. Bill J. Leonard (Downers Grove: IVP, 1994), 119-20.
282. Uma das mais equilibradas e cuidadosas considerações sobre a origem e o
desenvolvimento histórico do batismo infantil é a obra de David F. Wright, Infant Baptism in
Historical Perspective: Collected Studies (Carlisle, UK: Paternoster, 2007). Quanto a uma
compilação e comentário sobre muitos dos primeiros registros escritos a respeito do batismo
infantil, ver Hendrick Stander e Johannes Louw, Baptism in the Early Church (Leeds,
England: Reformation Today Trust, 2004).
283. William Wall (1647-1728), The History of Infant Baptism (London: J. Downing et al.,
1705). Joachim Jeremias, Infant Baptism in the First Four Centuries, trad., David Cairns
(London: SCM Press, 1960). Michael Horton disse que, “por volta do século II, a literatura
está repleta de referências à prática [de batismo infantil]” (Horton, The Christian Faith
[Grand Rapids: Zondervan, 2011], 797). O presente autor não tem visto nenhuma evidência
convincente dessa afirmação. Ver, também, Kurt Aland, Did the Early Church Baptize
Infants?, trad. G. R. Beasley-Murray (London: SCM Press, 1961); contra Aland, Joachim
Jeremias, The Origins of Infant Baptism: A Further Reply to Kurt Aland (Naperville: A. R.
Allenson, 1963). Aland sustentava a interessante posição de que crianças devem ser
batizadas hoje, embora, ele admitia, não exista nenhuma evidência para o batismo infantil
antes do século III. Quanto a uma consideração cuidadosa da evidência procedente dos cinco
primeiros séculos, ver Steve McKinion, “Baptism in the Patristic Writings”, em Believer’s
Baptism: Sign of the New Covenant in Christ (Nashville: B&H, 2006), 163-88.
284. Jewett, Infant Baptism, 21.
285. Ver Homílias sobre Lucas (XIV), Homílias sobre Levítico (VIII) e Comentário sobre
Romanos (V), de Orígenes. Cipriano também defendia o batismo de infantes na idade mais
nova possível (ver “Epistle LVIII”, em Ante-Nicene Fathers, vol. 5, ed. Alexander Roberts e
James Donaldson [1886], 353-54). Sua ação foi confirmada por um concílio de 66 pastores
em Cartago em 253.
286. Mesmo aqui, David Wright sugeriu que o batismo infantil pode não ter se tornado a
norma em prática até ao século VI (D. F. Wright, “At What Ages Were People Baptized in
the Early Centuries?”, Studia Patristica, vol. XXX, ed. E. A. Livingstone [Leuven: Peeters,
1997], 389-94). Quanto a uma revisão da evidência concernente à data mais antiga de
batismo infantil, ver Jewett, Infant Baptism, 13-14. Cf. Peter Leithart, “Infant Baptism in
History: An Unfinished Tragicomedy”, em Strawbridge, ed., Covenantal Infant Baptism,
246-61; David Wright, Infant Baptism in Historical Perspective (Carlisle, UK: Paternoster,
2007). Quanto a um fascinante resumo das ruínas arqueológicas de práticas batismais na
igreja primitiva, ver F. M. Buhler, Baptism, trad. W. P. Bauman (Dundas, Ontario, Canada:
Joshua Press, 2004).
287. Ver William Estep, The Anabaptist Story (Nashville: Broadman, 1963).
288. As reformas magisteriais foram aquelas reformas em que as igrejas politicamente
estabelecidas foram reformadas pelas autoridades políticas (por exemplo, a luterana, a
anglicana, a calvinista). Obtiveram seu nome da palavra latina magister, que significa
“senhor” ou “oficial”. Portanto, os outros reformadores (principalmente os anabatistas) foram
referidos como reformadores não magisteriais, significando que eles não tinham o respaldo
ou apoio do governo.
289. Isto foi tão verdadeiro que os anabatistas e os batistas, no decorrer dos séculos XVI e
XVII, precisaram, repetidas vezes, repudiar o anarquismo.
290. Quando pressionados em conversa sobre as declarações luteranas históricas que
afirmam a necessidade e o poder salvador do batismo e como tais declarações podem ser
harmonizadas com a justificação somente pela fé, alguns teólogos luteranos disseram
recentemente a este autor que uma pessoa pode ser salva sem o batismo, mas não pode ser
salva sem a fé.
291. Ver John Theodore Muller, Christian Dogmatics (St. Louis: Concordia, 1955), 494-95.
292. Ver Calvino, Institutas, IV.xiv.6.
293. A Confissão Belga (artigo 33) diz que o batismo e a Ceia do Senhor “são sinais e selos
visíveis de uma coisa invisível, por meio dos quais Deus opera em nós pelo poder do seu
Espírito”. Cf. Charles Hodge, Systematic Theology, vol. 3 (1871; repr. Grand Rapids:
Eerdmans, 1952), 582.
294. Wayne Grudem, Systematic Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1994), 980-81.
295. Aquino, Summa Theologica, parte 3, perguntas 75-77.
296. Joseph Pohle, The Sacraments: A Dogmatic Treatise, vol. 2, ed. Arthur Preuss (St.
Louis: B. Herder, 1942), 25.
297. Ver Mueller, Christian Dogmatics, 510.
298. Cf. Confissão de Augsburg, Artigo X.
299. Ver, por exemplo, Muller, Christian Dogmatics, 509-20.
300. Calvino, Institutas, IV.xvii.9-12. Cf. Berkhof, Systematic Theology, 653-54. Calvino
recebeu críticas sérias quanto a esse ponto da parte de teólogos reformados posteriores como
William Cunningham, Charles Hodge e Robert Lewis Dabney.
301. Erickson, Christian Theology, 1127.
302. Confissão de Fé de Westminster, XXIX.vii.
303. Cf. Strong, Systematic Theology, 538-43. Charles Hodge viu pouca diferença entre
Zwinglio e Calvino quanto a esse ponto (Hodge, Systematic Theology, vol. 3, 626-31). O
presente autor concorda com Hodge.
304. De fato, Wayne Grudem apresenta esses dois pontos de vista juntos como o ponto de
vista do “Resto do Protestantismo”, em sua obra Systematic Theology, 995-96. Cf. Ligon
Duncan, “True Communion with Christ: Calvin, Westminster and Consensus on the Lord’s
Supper”, em The Westminster Confession into the 21st Century, vol. 2 (Rosshire, Scotland:
Christian Focus, 2003), 429-75; W. G. T. Shedd, Dogmatic Theology, 3dr ed., ed. Alan W.
Gomes (Phillipsburg: P&R, 2003), 814; cf. o teólogo luterano Mueller, Christian Dogmatics,
509. “O ensino de Calvino não era senão uma forma polida do ensino grotesco de Zwinglio,
expresso em frases que o tornavam muito próximo da terminologia luterana, tão próximo
quanto possível” (F. Bente, citado em Mueller, Christian Dogmatics, 514).
305. Spurgeon ecoou a ênfase da Segunda Confissão Londrina (1689; cap. 30, parágrafo 7):
“Recebedores dignos, participando exteriormente dos elementos visíveis desta ordenança,
recebem interiormente, pela fé, real e verdadeiramente, mas não carnal e corporalmente, e
sim espiritualmente, e se alimentam de Cristo crucificado e de todos os benefícios de sua
morte; estando o corpo e o sangue de Cristo, não corporal ou carnalmente, mas
espiritualmente presentes à fé dos crentes, nesta ordenança, assim como os elementos estão
presentes aos seus sensos exteriores”. Nesta confissão, os ministros batistas adotaram a
linguagem completa da Confissão de Westminster (de 1646; cap. 29, parágrafo 7), exceto por
mudarem a palavra “sacramento” por “ordenança” e omitirem a descrição de como o corpo
de Cristo não está corporalmente presente “em, com ou sob o pão e o vinho”.
306. Ver Peter Naylor, Calvinism, Communion and the Baptists: A Study of English
Calvinistic Baptists from the Late 1660s to the Early 1800s, em Studies in the Baptist History
and Thought (Carlisle, UK: Paternoster, 2003). A defesa clássica da posição dos batistas do
Sul foi escrita em 1846 por R. B. C. Howell, que na época era pastor da Second Baptist
Church em Richmond (Virginia) e, depois, pastor da First Baptist Church em Nashville
(Tennessee). Howell articulou uma posição não landmarkista de comunhão fechada, que
ainda é instrutiva para os batistas hoje, os quais se perguntam por que devem excluir os
pseudobatistas da membresia ou da participação na Ceia do Senhor. Ver Howell, The Terms
of Communion at the Lord’s Table (Philadelphia: American Baptist Publication Society,
1846). Há uma vasta quantidade de literatura batista do século XIX sobre os termos corretos
para admissão à mesa do Senhor que seriam um campo proveitoso de estudo para cristãos
contemporâneos que desejam entender melhor a membresia de igreja.
307. Somada a essa exigência de ser batizado, há naturalmente a exigência de que o crente
autoconfesso seja membro regular de outra congregação evangélica que também lhe permite
participar da Ceia do Senhor. Este tipo de comunhão infrequente leva em conta o que tem
sido chamado de “comunhão ocasional”, respeitando a membresia e a disciplina de outras
congregações.
11

A História da Organização da
Igreja

A lém da questão concernente ao papel das ordenanças, as


principais disputas eclesiásticas em toda a história do cristianismo
ocorreram sobre questões de organização da igreja. Em especial, três
áreas atraíram muita discordância: membresia, governo e disciplina.
A terceira área está tão interligada às duas primeiras que, em tempos
passados, uma obra escrita que abordasse todos os três assuntos
poderia ser chamada apenas uma “disciplina”. Precisamos determinar
quem está dentro e quem está fora das comunidades terrenas (se
devemos praticar a disciplina corretiva), e essa necessidade envolve
chegar a conclusões a respeito de quem tem esse direito e
responsabilidade, que processos determinam a inclusão e a exclusão
da comunidade e quais são as exigências para alguém “estar” na
comunidade.

MEMBRESIA

PRÁTICA BATISTA
Visto que o Novo Testamento restringe o batismo aos crentes, os
batistas têm concluído que a membresia da igreja tem de ser
restringida a indivíduos que fizeram uma profissão de fé crível. A
profissão de fé deve incluir submeter-se ao batismo de crente e
tornar-se responsável a uma congregação local específica com a qual
o crente professo tem comunhão regularmente. Estas conclusões
levaram tanto os anabatistas europeus, no século XVI, quanto vários
outros separatistas ingleses, nos séculos XVI e XVII, a se separarem
de igrejas estabelecidas. Eles adotaram uma igreja “congregada”, que
era uma ideia revolucionária. Nem todos nascidos em certa área
geográfica, eles diziam, devem ser batizados e confirmados na
membresia da igreja. Em lugar disso, as congregações devem ser
compostas dos fiéis que se reúnem voluntariamente com base em sua
própria profissão de fé, desejosos de se unirem com outros na mesma
área e formar uma congregação cristã.

PACTOS E SEU USO


Em conexão com esses novos ajuntamentos voluntários, os pactos de
igreja começaram a ser usados. Certamente os cristãos haviam feito
promessas uns aos outros antes do século XVI, mas a situação
produzida pela Reforma Protestante criou uma nova necessidade
dessas promessas.308 Se as fronteiras de uma paróquia não poderiam
mais definir quem deveria ser incluso na membresia de uma igreja,
então, o que poderia? Para muitos cristãos, a resposta se tornou a
subscrição de um pacto de igreja. Charles Deweese definiu um pacto
de igreja como “uma série de promessas escritas, baseadas na Bíblia,
que os membros fazem voluntariamente a Deus e uns aos outros, com
referência a compromissos morais e espirituais básicos e à prática de
sua fé”.309 Os protestantes do século XVI, especialmente os
anabatistas continentais, reformadores escoceses, os separatistas e os
congregacionalistas ingleses, começaram a usar pactos de igreja. Até
a Confissão Anabatista de Schleitheim (1527) contém um elemento
de pacto.310
No século XVII, pactos de igreja continuaram a ser usados não
somente entre congregações independentes na Inglaterra e na
América, mas também entre batistas que adotaram seu uso,
especialmente os Batistas Particulares. Desde o século XVII até o
século XIX, pactos de igreja, acompanhados frequentemente de uma
declaração de fé, agiram como o documento mais básico de uma
congregação batista. No final do século XIX, para reafirmarem juntos
o seu pacto e se prepararem para Ceia do Senhor, as congregações
batistas se reuniam por vários dias antes de celebrarem a comunhão.
Neste último século, pactos de igreja têm tido pouca função na vida
da maioria das congregações batistas. Expectativas de membros
(expressas em pactos ou pela prática de disciplina eclesiástica)
parecem inapropriadas numa época em que igrejas competem umas
com outras por membros.311

CONFISSÕES E SEU USO


Se um pacto de igreja representa a agenda (coisas a serem feitas) de
uma igreja local, declarações de fé ou confissões representam seu
credo (coisas a serem cridas). Desde os tempos mais remotos, os
cristãos têm utilizado a prática de resumir o conteúdo de sua fé. Pedro
fez a primeira declaração de fé quando disse: “Tu és o Cristo”
(Marcos 8.29). Paulo escreveu aos cristãos de Corinto:
Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos
nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao
terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas e, depois, aos doze.” (1
Coríntios 15.3-5)

Na igreja primitiva, fórmulas simples como o Credo Apostólico


foram desenvolvidos para lidar com candidatos ao batismo. E os
cristãos foram protegidos de ensinos heréticos com afirmações mais
complexas e mais cuidadosas como as definições cristológicas do
Credo Niceno (325-381 a.C.) e a Definição de Fé em Calcedônia
(451).
A Reforma Protestante gerou várias confissões: a Confissão de
Augsburg (luterana), os Trinta e Nove Artigos (Igreja da Inglaterra), a
Confissão Belga (reformada), a Confissão de Fé de Westminster
(presbiteriana) e muitas outras. Os batistas também produziram
confissões de fé. De fato, os batistas as produziram mais do que
qualquer outro grupo por causa de sua forma de governo
descentralizada e congregacional. Em 1611, por exemplo, Thomas
Helwys, um dos primeiros batistas da Inglaterra, guiou certo número
de cristãos a escreverem uma confissão de fé. Desde o século XVII
em diante, tem sido comum os batistas resumirem o conteúdo de sua
fé numa confissão, tanto para tornarem as suas crenças evidentes para
os de fora quanto para terem uma base comum explícita de unidade
para os membros de sua congregação.312 Confissões de fé têm
desempenhado um papel importante na história de igrejas batistas.313
Como J. L. Reynolds concluiu: “O uso de uma confissão de fé, em
vez de menosprezar a autoridade da Bíblia, exalta-a realmente”.314

FORMAS DE GOVERNO
Um segundo aspecto da vida da igreja que tem se desenvolvido no
decorrer de sua história é o seu governo ou organização. Todo grupo
precisa determinar como será governado. Igrejas também precisam ter
procedimentos para determinar quem é e quem não é um membro e
quem é a corte de governo terreno, sob a autoridade de Deus, que
dará liderança, resolverá controvérsias e assim por diante.

BISPOS
Uma das primeiras respostas à questão de quem deve governar foi “o
bispo”. Como demonstramos antes, a palavra “bispo” (episkopos) é
usada no Novo Testamento em correlação com as palavras que
significam presbítero e pastor. As afirmações no Novo Testamento
que ressaltam a autoridade dos líderes da igreja (cf. Hebreus 13.7, 17;
1 Pedro 5.2) apontam para o pastor como aquele que possui
responsabilidade e autoridade na igreja. No século II, os pastores de
cidades importantes tinham autoridade acumulada, às vezes incluindo
autoridade sobre igrejas em áreas próximas e recém-evangelizadas.315
Desde o segundo até o quarto século, a diocese (tirada da palavra
latina que significava um distrito na administração civil dos romanos)
se desenvolveu como uma área eclesiástica que tinha um único bispo
como seu chefe. Embora seus deveres e responsabilidades variem, os
bispos são reconhecidos nesse sentido por muitas igrejas, incluindo
Ortodoxa Oriental, Igreja Católica Romana, igrejas luteranas, igrejas
anglicanas e igrejas metodistas. As igrejas Ortodoxa Oriental e
Católica Romana consideram esse ofício como estabelecido por Deus.
Por outro lado, as igrejas luteranas, anglicanas e metodistas
reconhecem o ofício apenas como útil e conveniente. Nos últimos
dois séculos, muitas igrejas episcopais democratizaram suas
estruturas, até submetendo os bispos às decisões feitas por corpos
representantes de clero e leigos. Ao mesmo tempo, grupos de
congregações em muitos círculos pentecostais e carismáticos
começaram a reconhecer autoridade extracongregacional para alguns
bispos. Todas as “redes apostólicas” se desenvolveram em torno de
ministérios de indivíduos específicos.

O PAPA
A Igreja Católica Romana é distinta de outras comunidades cristãs
por sua submissão e dependência em relação ao bispo de Roma, o
papa. Embora papa (papas) fosse uma maneira comum de se dirigir a
alguns bispos na igreja primitiva, seu uso se tornou cada vez mais
restrito ao bispo de Roma entre os séculos VI e VIII, especialmente
no Ocidente. Roma, a antiga capital do Império Romano, foi
considerada o bispado principal e central. As igrejas do Oriente e do
Ocidente romperam a comunhão em 1054, por causa da insistência da
igreja do Ocidente (e especialmente de Gregório VII) em que o bispo
de Roma fosse reconhecido como o chefe supremo da igreja
universal. A igreja ocidental afirmava (e ainda afirma) que Cristo
declarara Pedro como o primeiro entre iguais e o principal dos
apóstolos com base na confissão de Pedro (Mateus 16.16-19). Depois,
Pedro se tornou o bispo de Roma, e aqueles que o sucederam
herdaram sua autoridade. Assim, a Igreja Católica Romana reconhece
o papa como vigário de Cristo, o cabeça da igreja na terra, com a
autoridade de ratificar e, assim, definir a tradição.

PRESBITERIANISMO
Com o advento da Reforma Protestante, um novo interesse acerca da
estrutura da igreja foi mostrado no ensino da Bíblia. Foi redescoberta
a evidência do Novo Testamento em favor da pluralidade de
presbíteros (citada antes). E grupos de ministros (chamados
consistórios) foram introduzidos como substitutos apropriados para os
bispos nos cantões suíços que estavam adotando a Reforma no
começo e em meados do século XVI. Seguindo a obra de Heinrich
Bullinger, em Zurique, e de João Calvino, em Genebra, outros
começaram a se organizar de acordo com um sistema presbiteriano.
Congregações reformadas surgiram na Holanda, Escócia, Hungria,
Alemanha, Polônia e França. Na Escócia, John Knox assumiu o
desafio de reformar a igreja estabelecida de uma nação inteira
conforme as linhas desse sistema que julgou ser bíblico. A
Assembleia Geral nacional se tornou o árbitro final reconhecido na
Igreja da Escócia. Thomas Cartwright, em Cambridge, começou a
ensinar o presbiterianismo em 1570, em suas palestras sobre o livro
de Atos.
Embora o presbiterianismo tenha sido uma força poderosa para
reformar a igreja estabelecida na Inglaterra durante o século XVII, ele
nunca se tornou a forma de governo da Igreja da Inglaterra. Estruturas
presbiterianas vieram para os Estados Unidos com os colonos
europeus procedentes da Escócia e da Holanda, onde floresceram.
Também floresceram ao redor do mundo, desde a Coréia até a África.
A maioria dos grupos presbiterianos são estruturados por conexões.
Nos Estados Unidos, a assembleia geral (nacional) de qualquer grupo
presbiteriano funciona geralmente como o árbitro final de questões
eclesiásticas, com sínodos e/ou presbitérios regionais, que governam
abaixo deles, e com sessões (conselhos de presbíteros) de uma
congregação local abaixo dos regionais.316 Algumas igrejas
independentes são presbiterianas no mesmo sentido de serem
governadas por um conselho de presbíteros, mas não têm nenhuma
corte de apelação fora dos próprios presbíteros da congregação. Os
presbiterianos ensinam geralmente que os princípios de sua
organização, não as particularidades, são ensinados na Escritura.317

DESENVOLVIMENTO DO CONGREGACIONALISMO
No tempo da Reforma, as igrejas que eram reunidas não por um
governante ou magistrado, e sim pelas convicções compartilhadas de
cristãos individuais, começaram a se organizar, reconhecendo a si
mesmas como a autoridade terrena final em questões religiosas.
No início da Reforma, Martinho Lutero defendeu fortemente o
reconhecimento da responsabilidade da congregação em determinar
quem deveria pregar regularmente a Palavra de Deus para eles.
Arrazoando a partir de várias passagens da Escritura — como João
10.4-8, sobre o conhecimento das ovelhas; em Mateus 7.15,
advertindo as ovelhas quanto aos falsos mestres, como se pudessem
fazer algo a respeito deles; e em Atos 6.1-6, sobre o padrão de eleger
diáconos — Lutero concluiu que uma assembleia ou congregação
cristã tem o direito e o poder de julgar todo ensino, bem como de
chamar, designar, instituir e demitir mestres, estabelecidos e
provados pela Escritura318, assim ele intitulou um panfleto em 1523.
Na Inglaterra, defensores de uma forma de governo
congregacional surgiram nos anos 1580. As obras A Treatise on
Reformation Without Tarryng for Any (1582), de Robert Brown, e A
True Description out of the World of God of the Visible Church
(1589), de Henry Barrow, expuseram uma doutrina de forma de
governo que não dependia de estruturas acima da igreja local. Nos
anos 1630, quando muitos cristãos começaram a considerar
incorrigíveis as estruturas da Igreja da Inglaterra, o
congregacionalismo conseguiu novos e importantes defensores.
John Cotton, John Owen e Thomas Goodwin defendiam “a
maneira congregacional”. Em 1658, a Declaração de Savoy (uma
adaptação da Confissão de Westminster) expôs princípios
congregacionais de governo de igreja.319 No tempo da Revolução
Americana, dois entre cada cinco cristãos nas colônias americanas
estavam em algum tipo de igreja congregacional, congregacionalista
ou batista. Hoje, muitas igrejas independentes são congregacionais
em estrutura. Igrejas batistas são também congregacionais. Essas
igrejas congregacionais têm-se unido voluntariamente em associações
locais e uniões ou convenções nacionais.

OS DIREITOS E AS RESPONSABILIDADES DAS


CONGREGAÇÕES
Defensores do congregacionalismo entendem que a Bíblia ensina que
a congregação local é responsável por sua doutrina e disciplina.
Conflitos entre membros (Mateus 18.15-17), bem como questões de
doutrina (Gálatas 1.8; 2 Timóteo 4.3), disciplina da igreja (1 Coríntios
5) e membresia (2 Coríntios 2.6-8) são, todos, reconhecidos como
assuntos da congregação. Nenhuma outra autoridade pode se impor
na posição de ministrar a correção final à congregação ou rejeitar os
membros em tais assuntos. Nem pode a congregação delegar essa
autoridade a um presbítero, ou bispo, ou qualquer outra estrutura,
postergando, assim, sua própria responsabilidade diante de Deus por
doutrina ou disciplina.

DISCIPLINA ECLESIÁSTICA
Os dados históricos sobre a vida da igreja logo depois do período
do Novo Testamento são intermitentes e parciais. Afinal de contas, a
igreja era um grupo pequeno e, às vezes, ilegal. Fontes escritas se
multiplicaram grandemente depois que a igreja cristã foi legalizada
em todo o império, no reinado de Constantino. Nos mil e duzentos
anos entre Constantino e a Reforma Protestantes, a disciplina
eclesiástica, por excomunhão individual ou por interdito (reter os
sacramentos da população ou de uma entidade política), foi usada
frequentemente mais para proteger os interesses da igreja corporativa
contra as reivindicações do Estado do que para guardar os cristãos do
pecado e proteger o testemunho do evangelho.
Quando os líderes da Reforma começaram a resgatar um
entendimento mais bíblico da pregação e da administração das
ordenanças como as duas marcas de uma verdadeira igreja, houve
também o resgate da disciplina eclesiástica como uma marca
consequente. A prática correta da disciplina eclesiástica estava
implícita na administração correta das ordenanças. Afinal de contas,
se distinguir a igreja do mundo é uma função das ordenanças, a
disciplina se torna o mecanismo que reforça esse mandato. A
disciplina eclesiástica correta se tornou tão importante que começou a
ser apresentada como uma terceira marca de uma verdadeira igreja.320
O Artigo 29 da Confissão Belga (1561) afirmava:
As marcas pelas quais a verdadeira igreja é conhecida são estas: se a doutrina
pura do evangelho é pregada ali; se a igreja mantém a administração pura das
ordenanças, conforme instituídas por Cristo; se a disciplina eclesiástica é exercida
em punir o pecado; em resumo, se todas as coisas são realizadas de acordo com a
pura Palavra de Deus, se todas as coisas contrárias são rejeitadas, e se Jesus
Cristo é reconhecido como o único “cabeça” da igreja.321

Em nossos dias, Edmund Clowney resumiu essas marcas como


“verdadeira pregação da Palavra, observância apropriada das
ordenanças e exercício fiel da disciplina eclesiástica”.322
Embora alguns grupos anabatistas, como os menonitas,
praticassem o banimento ou exclusão social, isso era excepcional. O
exemplo mais famoso de disciplina eclesiástica na história americana
— o “A” vermelho costurado nas roupas de Hester Prynne — foi um
produto da imaginação histórica do novelista Nathaniel Hawthorne e
não um registro exato de um evento histórico ou da prática geral de
disciplina eclesiástica na Nova Inglaterra colonial. Na grande maioria
dos casos, em igrejas presbiterianas, congregacionais, batistas ou
metodistas a exclusão da congregação significava banir o pecador da
comunhão e, em última análise, da membresia até que o
arrependimento acontecesse.
Sendo comprometidos com a membresia de pessoas regeneradas
na igreja visível, os batistas foram praticantes vigorosos da disciplina
eclesiástica. A pesquisa de Greg Wills mostra que na Geórgia, antes
da Guerra Civil, “os batistas do Sul excomungavam quase 2% de sua
membresia cada ano”, e, apesar disso, ao mesmo tempo, a membresia
de igrejas batistas crescia o dobro da taxa da população geral.323
Embora seja frutífera e benéfica ao evangelho, a obra de confrontar e
disciplinar nunca é fácil. Basil Manly Jr. expressou sua “profunda
tristeza” pessoal sobre um caso de disciplina na igreja que ele
pastoreava.324
Então, por que esta prática terminou? Greg Wills argumentou
convincentemente que a disciplina entre os batistas
declinou, em parte, porque se tornou mais incômoda em igrejas maiores. Por
dançarem, jovens batistas se recusaram, em grande número, a se submeter à
disciplina, e as igrejas evitaram excluí-los. Igrejas urbanas, pressionadas pela
necessidade de prédios maiores e pelo desejo de música e pregação requintada,
subordinaram a disciplina eclesiástica à tarefa de manter a igreja estável (...). Eles
perderam a resolução de purificar suas igrejas de membros errantes. Nenhum
líder batista se levantou para exigir um fim para as censuras congregacionais.
Nenhum teólogo argumentou que disciplina era, em princípio ou prática,
antibíblica (...). Ela simplesmente desapareceu, como se os batistas houvessem se
cansado de serem responsáveis uns pelos outros.325

E qual foi o resultado? John Dagg o expressou provocativamente:


“Quando a disciplina deixa uma igreja, Cristo vai com ela”.326
No século XX, a ausência de disciplina eclesiástica era admitida
de modo geral e, somente às vezes, observada como um problema.327
Em 1944, o erudito H. E. Dana observou:
O abuso de disciplina é repreensível e destrutivo, porém não mais que o abando
de disciplina. Duas gerações atrás, as igrejas aplicavam disciplina de uma forma
vingativa e arbitrária que lhes trazia má reputação. Hoje, o pêndulo se inclina para
o outro extremo — a disciplina é quase totalmente negligenciada. É hora de uma
nova geração de pastores restaurarem essa relevante função da igreja à sua devida
importância e lugar na vida ministerial.328

É questionável se a geração de pastores dos anos 1940 atendeu ao


apelo de Dana. Todavia, visto que a cultura à nossa volta se tornou
intensamente imoral, as igrejas do século XXI mostram alguns sinais
de resgate das práticas que promovem a pureza da igreja, incluindo a
prática de disciplina eclesiástica corretiva.
Apesar de todas as mudanças do século, os cristãos podem ser
confiantes de que a sobrevivência da igreja não está baseada em
fidelidade humana. Cristo nos deu uma garantia segura de que sua
igreja será bem-sucedida, tanto na parábola da semente que cresceu
— na qual Cristo ensinou que, estando o semeador dormindo ou
acordado, a semente germinou e cresceu (Mateus 13.27) —, quanto
na promessa de que “as portas do inferno não prevalecerão contra ela
[a igreja]” (Mateus 16.18). Cristo deu uma garantia segura do sucesso
de sua igreja. Em tudo, desde a obediência da igreja até sua vida e
organização, o panorama da história da igreja é uma demonstração da
fidelidade de Cristo às suas promessas.

308. Escrevendo em 112 a.C., Plínio referiu-se aos cristãos fazendo certas promessas morais
uns aos outros. Esses pactos eram também praticados pelos seguidores de John Hus. Ver
Charles W. Deweese, Baptist Church Covenants (Nashville: Broadman, 1990), 19-23.
309. Dewesse, Baptist Church Covenants, viii.
310. Ver Daniel L. Akin, “An Expositional Analysis of the Schleitheim Confession”, CTR
no. 2 (Spring 1988): 345-70.
311. Deweese sugeriu vários fatores que levaram ao declínio no uso de pactos de igreja entre
os batistas na América (Baptist Church Covenants, 88-91).
312. Coleções padrões de confissões de fé batistas foram reunidas por W. J. McGlothlin,
Baptist Confessions of Faith (Philadelphia: American Baptist Publication Society, 1911); e
William L. Lumpkin, Baptist Confessions of Faith (Valley Forge, PA: Judson Press, 1959).
Quanto a uma defesa do uso de confissões entre os batistas, ver Reynolds, Church Polity,
334-42.
313. Por exemplo, a Segunda Confissão Londrina (1689), a Confissão de New Hampshire
(1833) e a Mensagem e Fé Batista (1925, 1963, 2000).
314. Reynolds, Church Polity, 340.
315. Um bom exemplo disso seria a autoridade que Inácio tinha como bispo. Ele defendia
que essa autoridade pertencia legitimamente ao bispo.
316. Uma excelente e concisa explicação do governo presbiteriano se acha em Sean Michael
Lucas, What Is Church Government? (Phillipsburg, NJ: P&R, 2009).
317. Quanto a uma exceção à postura geral deles, ver Robert Raymond, “The Presbytery-Led
Church: Presbyterian Church Government”, em Chad Brand e R.Staton Norman, eds.,
Perspectives on Church Government: Five Views of Church Polity (Nashville: B&H, 2004),
87-138.
318. Luther’s Works, vol. 39, trad. Eric W. e Ruth C. Gritsch (Philadelphia: Fortress, 1970),
301-14.
319. Na seção sobre “A Instituição da Igreja”, anexado à Declaração de Fé, os teólogos de
Savoy afirmaram: “IV. A cada uma dessas igrejas, reunidas de acordo com seu pensamento
declarado em sua Palavra, ele tem dado e instituído todo esse poder e autoridade, necessários
para que realizem essa ordem em adoração e disciplina e para que observem com
mandamentos e regras, na direção da aplicação e da execução devidas e corretas desse poder.
V. Estas igrejas específicas designadas pela autoridade de Cristo e dotadas com o poder dele
para os fins já expressos são, cada uma delas, quanto a esses fins, o lugar desse poder que ele
se agrada em comunicar aos santos neste mundo, para que, como tais, eles o recebam
imediatamente dele mesmo. VI. Além dessas igrejas específicas, não há, instituída por Cristo,
qualquer igreja mais extensiva ou católica dotada de poder para a administração das
ordenanças dele ou para o exercício de qualquer autoridade em seu nome” (A. G. Matthews,
ed., The Savoy Declaration of Faith and Order 1658 [London: Independent Press, 1959),
121-22). Esse entendimento contradiria aquelas organizações “mais extensivas” — como a
autoridade central de uma igreja que tem múltiplas congregações — da mesma maneira que
tencionava contradizer as reivindicações episcopais e presbiterianas de exercerem a
autoridade de Cristo fora e acima da congregação local? Quanto a um estudo cuidadoso e
detalhado dos debates nesse tempo a respeito das chaves de autoridade que Cristo confiou a
sua igreja, ver Hunter Powell, “The Dissenting Brethren and the Power of the Keys, 1640-
1644” (Dissertação de Ph.D não publicada; Cambridge University, 2011). Powell concluiu
que a defesa do congregacionalismo mais significativa do século XVII foi a obra de John
Cotton de 1644, The Keys of the Kingdom of Heaven. (Quanto a uma edição moderna desta
obra de Cotton, ver Larzer Ziff, ed., John Cotton on the Churches of New England
[Cambridge: Harvard University Press, 1968] 71-164.) Quanto a uma análise moderna desta
obra de Cotton, ver Powell, “Dissenting Brethren”, caps. 4-5. Quanto a uma crítica
congregacionalista à forma de governo escocesa e presbiteriana de Samuel Rutherford, ver
Thomas Hooker, A Survey of Summe of Church-Discipline (1648). Talvez a explicação e
defesa mais abrangente do congregacionalismo deste período seja Thomas Goodwin, The
Right Order and Government of the Churches of Christ (1696).
320. Quanto a um exemplo de uma abordagem popular moderna, ver D. Martyn-Lloyd Jones,
The Church and the Last Things, vol. 3, Great Doctrines of the Bible (Wheaton, IL:
Crossway, 1998), 13-18.
321. Cf. a Confissão Escocesa, Artigo 18: “A verdadeira pregação da Palavra de Deus (...) a
correta administração das ordenanças de Cristo Jesus (...) a disciplina eclesiástica aplicada
corretamente”.
322. Clowney, Church, 101. Nesse livro, Clowney tem um bom resumo das marcas da igreja
consideradas bíblica e historicamente, no contexto de questões atuais de igreja versus
ministérios para eclesiásticos (ver pp. 99-115).
323. Greg Wills, Democratic Religion: Freedom, Authority and Church Discipline in the
Baptist South 1785-1900 (New York: Oxford University Press, 1997), 22.
324. Ibid., 119.
325. Ibid., 9. Cf. “A disciplina eclesiástica pressupunha uma dicotomia evidente entre as
normas da sociedade e o reino de Deus. Quanto mais os evangélicos purificavam a
sociedade, tanto menos sentiam a necessidade de uma disciplina que separava a igreja do
mundo” (Wills, Democratic Religion, 10). “Ativismo se tornou a virtude suprema da piedade
batista no século XX” (Wills, Democratic Religion, 133). Quanto a um registro do declínio,
ver Stephen Haines, “Southern Baptist Church Discipline, 1880-1939”, Baptist History and
Heritage, vol. XX, no. 2 (April 1985): 14-27.
326. John L. Dagg, A Treatise on Church Order (Charleston, SC: Southern Baptist
Publications Society, 1858), 274.
327. Cf. Josef Nordenhaug, “Baptists and Regenerate Church Membership”, R&E, vol. LX,
no. 2 (Spring 1963): 135-48; e James Leo Garrett Jr., Baptist Church Discipline (Nashville:
Broadman, 1962).
328. H. E. Dana, Manual of Ecclesiology (Kansas City, KS: Central Seminary Press, 1944),
244.
12

Uma Igreja Protestante:


Harmonizando as Marcas da
Igreja

P ara sermos fiéis ao que a Bíblia ensina sobre a natureza, a forma e


a estrutura da igreja, devemos considerar tanto o que cristãos
disseram no passado como que conclusões sistemáticas foram
estabelecidas no decurso da história da igreja. Devemos fazer isso
sempre no contexto de manter tais descobertas à luz de nosso próprio
estudo da Escritura. Em última análise, achamos que os vários
desafios com os quais a igreja se deparou através da história levaram
a um conjunto de afirmações e implicações mais claras e mais
definidas. Por afirmarmos a suficiência da Escritura e o papel
indispensável da fé na participação das ordenanças, podemos concluir
que uma igreja biblicamente fiel é uma igreja protestante; por
afirmarmos a natureza essencialmente voluntária e consensual da
membresia em uma igreja local, podemos concluir que uma igreja
biblicamente fiel é uma igreja reunida; por afirmarmos a natureza e o
governo de uma igreja local, podemos concluir que uma igreja
biblicamente fiel é uma igreja congregacional; e, por afirmarmos o
mandamento de Cristo de batizar aqueles que creem e obedecem,
podemos concluir que uma igreja biblicamente fiel é uma igreja que
batiza. Nesta seção, cada uma dessas descrições é examinada a fim de
vermos como os ensinos da Bíblia se encaixam na vida de uma igreja
local.
Se, de fato, a Bíblia ensina que Deus cria um povo para si mesmo
por meio de sua Palavra, então, a pregação assume um papel central
na vida da igreja. E se, de fato, a Bíblia ensina que o batismo e a Ceia
do Senhor distinguem a igreja visível do mundo, então, a
administração correta dessas ordenanças está vinculada à fé nas
promessas de Deus. Ambos os entendimentos acham expressão nos
ensinos bíblicos dos reformadores protestantes.

A CENTRALIDADE DA PREGAÇÃO
O centro e a fonte da vida de uma congregação é a Palavra de
Deus. As promessas de Deus para seu povo, na Escritura, criam e
sustentam seu povo. Portanto, a congregação é responsável por
garantir, tanto quanto estiver em seu poder, que a Palavra de Deus
seja pregada em suas reuniões regulares.
No século XVI, a centralidade da Palavra de Deus havia sido
substituída pelos sacramentos, especialmente pelo sacramento da
eucaristia. Em face dessa distorção quase universal, os reformadores
retornaram corretamente às Escrituras para achar um cânon, ou
padrão, com base no qual poderiam medir o ensino da Igreja de
Roma. Em 1539, Martinho Lutero escreveu: “A Palavra de Deus não
pode existir sem o povo de Deus, e, no sentido oposto, o povo de
Deus não pode existir sem a Palavra de Deus”.329 O papel central
desempenhado pela Palavra de Deus na igreja do Novo Testamento
(cf. Atos 20.40-47; 2 Timóteo 4.2) foi resgatado nos ensinos e na vida
dos reformadores protestantes. “A igreja não é um grupo de pessoas
que está à procura de uma filosofia de vida compatível com as
condições modernas, e sim um corpo vivo que está sendo moldado
pelo ensino dos apóstolos. Manter-se resolutamente leal a este ensino
é uma das principais marcas da igreja autêntica”.330
Se as Escrituras são “a palavra da vida” (Filipenses 2.16), elas
devem tanto gerar quanto regular a vida da igreja. Os cristãos se
reúnem em congregações para ouvir aquele que está no lugar de Deus
para dar sua Palavra ao seu povo. Por meio da pregação, os cristãos
chegam a conhecer e entender a Deus e sua Palavra. É uma Palavra
para a qual os cristãos nada contribuem, senão ouvindo e atentando.
Um sermão cristão é, até em seu método, uma figura da graça de
Deus. Visto que a fé vem pelo ouvir (Romanos 10.17), ouvir a
Palavra de Deus, em vez de assistir à missa, é apropriadamente
colocado no centro da assembleia pública da congregação. Os cristãos
confiam na Palavra de Deus, por isso a pregação tem de ser central. E
a pregação que mais exemplifica isso é a pregação expositiva — a
pregação na qual o assunto da passagem da Escritura é o assunto da
mensagem. A Escritura tanto é plena de autoridade quanto suficiente,
e isso deve ser evidente nas reuniões cristãs.

A VISIBILIDADE DA IGREJA
A redescoberta protestante da verdade bíblica da justificação
somente pela fé foi uma redescoberta do evangelho bíblico.331
Quando as congregações protestantes substituíram o ritualismo
sacramental por pregação do evangelho, os sacramentos (ou
ordenanças) assumiram outro propósito — distinguir a igreja do
mundo e prover uma representação visível da mensagem do
evangelho aceita pela fé. Como resultado, a igreja se tornou definida
não por indivíduos que eram batizados e assistiam à missa, e sim por
indivíduos que criam pessoalmente nas promessas anunciadas no
batismo e na Ceia do Senhor, e que, portanto, participavam desses
ritos. Até os protestantes que praticavam o batismo infantil não
ensinavam que o batismo produzia a salvação. Ensinavam que o
batismo refletia a salvação e que a salvação aconteceria somente se a
pessoa batizada cresse, antes ou depois de seu batismo. Portanto, a fé
se tornou a essência do que separava a igreja do mundo. Essa fé
assumia forma visível nas ordenanças. Assim, a igreja é, como James
Bannerman a descreveu, “um testemunho exterior e público de Deus
na terra”.332
O papel da fé em distinguir a igreja visível do mundo torna a
igreja protestante o que ela é. A fé mostra-se a si mesma inicialmente
na submissão do crente ao batismo e, depois, repetidamente, em sua
participação na Ceia do Senhor. Embora a obediência e a submissão à
igreja visível também fossem enfatizadas na Igreja Católica Romana,
as igrejas protestantes eram marcadas pelos adeptos que expressavam
fé pessoal em Cristo, sem o qual o batismo e a Ceia do Senhor seriam
inúteis.
O impulso protestante para colocar a fé no centro das ordenanças
se mostrou de muitas maneiras, desde a presença de muitos
movimentos batistas até a adoção por parte de Jonathan Edwards,
ministro da América colonial, da comunhão apenas de crentes.
Em resumo, o cristianismo exige uma crença consciente no
evangelho. Quando a Palavra de Deus autoritária é ensinada, ela deve
ser recebida e crida conscientemente. Essa confiança, ou fé, é o que
distingue o povo de Deus, que fez uma confissão inicial no batismo e
faz uma confissão contínua por meio da participação na Ceia do
Senhor. Quando a suficiência da Escritura e a necessidade de fé em
praticar as ordenanças são afirmadas, torna-se claro que uma igreja
biblicamente fiel é uma igreja protestante.

329. Martinho Lutero, “On the Councils and the Church”, trad. Charles M. Jacobs, Luther’s
Works, vol. 41 (Philadelphia: Frotress Press, 1966), 150.
330. Thomas Oden, Classic Christianity (New York: HarperOne, 1992), 752. Edmund
Cloney disse: “Deus não está apenas presente no meio de seu povo. Ele fala. O ministério da
Palavra de Deus no culto faz parte da solenidade da ocasião. Solenidade não significa falta de
alegria, porque a Palavra evoca o louvor. No entanto, a autoridade da Palavra do Senhor
permanece central ao culto cristão” (Clowney, “The Biblical Theology of the Church”, em
The Church in the Bible and the World, ed. D. A. Carson [Grand Rapids: Baker, 1987], 22).
331. Quanto a uma breve, exata e edificante narrativa da Reforma Protestante, incluindo sua
relação com a doutrina da igreja, ver Michael Reeves, The Unquenchable Flames (Nashville:
B&H, 2009).
332. James Bannerman, The Chruch of Christ, vol. 1 (repr. Edinburgh: Banner of Truth,
1960), 1.
13

Uma Igreja Reunida:


Harmonizando a Membresia
da Igreja

A lém de ser uma igreja protestante, uma igreja biblicamente fiel é


uma igreja reunida. É uma congregação reunida voluntariamente que
não está ligada apenas por nacionalidade, etnicidade ou família.
Nenhuma circunstância de nascimento deveria determinar a
membresia de uma igreja biblicamente fiel. Ao contrário, uma
profissão de fé em Cristo e o ato de se submeter ao ensino e à
disciplina de uma igreja específica devem regular a membresia de
uma congregação. Os cristãos escolhem se reunir regularmente
movidos por obediência à Palavra de Deus.
Durante séculos, circunstâncias históricas obscureceram a
natureza voluntária da igreja. A Reforma Protestante foi realizada
tanto por reformadores magisteriais como por não magisteriais. Os
reformadores magisteriais foram aqueles que usaram os ofícios do
Estado — ou o magistrado — para trazerem doutrina reformada à
igreja.333 Além disso, os reformadores magisteriais, tanto na
variedade luterana como na reformada, começaram movimentos
dentro de igrejas estatais estabelecidas. Isso significou que a
cidadania de um indivíduo envolvia normalmente membresia na
igreja estabelecida. No entanto, quando o verdadeiro evangelho da
justificação somente pela fé foi resgatado, desencadearam-se forças
que agiram para destruir todo o conceito de uma igreja legalmente
estabelecida.
Se participar das ordenanças não operava salvação, em si e de si
mesmo, um comungante batizado poderia permanecer incrédulo e não
salvo. Essa compreensão produziu mais interesse pela salvação do
indivíduo. A natureza da evangelização e das missões mudou da
incorporação de indivíduos à igreja por meio de ritual e educação,
como a obra de missões da Igreja Católica havia feito, para a
persuasão e exortação a um compromisso deliberado por parte do
indivíduo. Por fim, grupos não magisteriais como os anabatistas
fizeram pactos para formar congregações não necessariamente
aprovadas pelo Estado. Na verdade, elas eram frequentemente ilegais.
Entretanto, até em igrejas protestantes legalmente aprovadas, sermões
eram usados para exortar as pessoas congregadas a examinarem a si
mesmas para se assegurarem de sua vocação e eleição.
A igreja local é mais do que uma congregação, um ajuntamento,
porém nunca menos do que isso. Embora o Novo Testamento se
refira a um número plural de líderes em uma única congregação (cf.
Atos 20.17), ele em nenhum momento se refere a múltiplas reuniões
como constituindo uma única igreja local. Além disso, a ideia de que
pode haver um único bispo ou presbitério com autoridade sobre
várias congregações é a essência do entendimento episcopal ou
presbiteriano acerca da forma de governo da igreja, sendo o oposto do
congregacionalismo, o qual entende que cada assembleia —que
compreende a pregação, a administração do batismo e a Ceia do
Senhor —, recebeu as chaves de autoridade da parte de Cristo e deve,
portanto, ter sua própria liderança, responsável abaixo de Deus
somente à igreja reunida.
Em décadas recentes, uma nova pergunta — ou, melhor dizendo,
uma antiga pergunta em nova forma — surgiu: congregações podem
ser consideradas corretamente uma igreja com um governo único e,
por desígnio, não se reunirem regularmente? Essa é a pergunta
apresentada tanto por igrejas que têm vários lugares de reunião como
por aquelas que têm vários cultos e questionam o significado da
palavra igreja. Por exemplo, um autor escreveu: “A igreja que tem
vários lugares de reunião compartilha de visão, orçamento, liderança
e diretoria comuns”.334 Entretanto, visão, orçamento, liderança e
diretoria comuns são suficientes para constituir uma “igreja”?
Observe que o elemento “congregação” está ausente nessa definição.
Em que sentido ela pode ser uma “igreja” se nunca congrega todos os
membros? Um pastor ou um grupo de presbíteros que dá liderança a
diferentes lugares de reunião pode considerar acertadamente esses
diferentes lugares de reunião como uma única igreja? O conjunto de
congregações deles pode ser considerado uma única congregação,
uma única igreja? Acima de tudo, igrejas que têm vários cultos335 e
diversos lugares de reunião são bíblicas?336
Um dos níveis da questão é resolvido lexicalmente, apenas por
considerarmos o significado da palavra ekklesia. Os autores do Novo
Testamento usaram regularmente a palavra para expressar o
significado de “assembleia”. Isso é salientado pelo fato de que a
palavra foi usada para se referir a mais do que apenas assembleias
cristãs. Em Atos 7.38, Estêvão se referiu à congregação que esteve
diante de Moisés e do Senhor como uma ekklesia. E, em Atos 19.32,
Lucas usou a palavra para se referir a uma confusa e violenta
assembleia de pessoas no anfiteatro de Éfeso, que tencionava
perseguir os cristãos. Com base nessas simples considerações, fica
claro que o que essas duas passagens têm em comum com uma
“igreja” cristã é o fato de que grupos, como os cristãos, se reúnem.
Isso é essencial à identidade deles como um grupo.
No entanto, há outras considerações além dessa questão de mero
uso normal da palavra. A reunião física da igreja manifesta uma
realidade teológica. As refrações da imagem de Deus em milhares de
culturas, raças e indivíduos manifestam-se, embora parcial e
imperfeitamente, na reunião semanal. O testemunho visual da
diversidade do corpo de Cristo unido é celebrado pelos anciãos, que
no céu cantam ao Cordeiro: “Com o teu sangue compraste para Deus
os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Apocalipse
5.9). O que João contemplou em sua visão — uma “grande multidão
que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e
línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro” — é visto,
embora parcialmente, toda semana quando os cristãos juntos se
congregam. Em outras palavras, as congregações constituem uma
parte importante no testemunho escatológico da igreja local. O
quadro de pessoas reunidas em um mesmo lugar para adoração
mostra ao mundo essa maravilhosa congregação no fim do mundo.
Divisões não devem ser introduzidas levianamente em uma igreja
local. Linguagem, distância e até o tamanho são razões legítimas para
estabelecer congregações separadas. Entretanto, nesse caso, cada
congregação separada deve representar, de modo singular, a unidade
da assembleia de Cristo no final dos tempos, e não se deve estimular
nada que obscureça esse testemunho — um testemunho de santidade
e amor, sim, mas também de intimidade atual que transpõe barreiras
de renda, etnia, classe social e até mais.
Quando as igrejas reduziram a adoração à evangelização,
começaram a correr o risco de introduzir divisões entre esses grupos.
Adotaram ações apropriadas à evangelização (como atingir grupos
específicos: velhos ou jovens, pessoas da classe alta ou da classe
artística, ouvintes de música rock ou de música country) como
desculpa para “estreitar” suas congregações a fim de dividi-las
segundo as linhas do mundo. Todavia, esses são tipos de divisão que
não devemos introduzir no corpo de Cristo, assim como não seria
correto tentar apresentar o evangelho reconciliador de Jesus Cristo
com cultos que são apenas para não judeus ou caucasianos. Uma
parte de uma congregação, especialmente uma parte que compartilha
algum tipo de característica mundana que a unifica, como idade ou
hobbies, não é o todo. Não é o testemunho do poder unificador do
evangelho. “E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de
mais? Não fazem os gentios também o mesmo?” (Mateus 5.47).
Agindo na igreja como congregações completas, esses subgrupos
dividem erroneamente a igreja. No Novo Testamento, judeus e
gentios crentes não deveriam ter congregações separadas. De fato, a
unidade deles contribuiu para evidenciarem o evangelho que
pregavam (cf. Efésios 2.11-22). O mesmo é verdadeiro hoje. As
igrejas que vencem as diferenças de idade, raça, status, formação
cultural ou emprego dão testemunho do poder do evangelho. Nem
reuniões de grupos de jovens, nem denominações espalhadas por todo
um continente — em um sentido estritamente bíblico — são uma
igreja. Uma igreja ordenada de maneira bíblica reúne regularmente
toda a congregação.337
Nem bispo ou pastor, nem presbitério ou declaração de visão, nem
orçamento ou prédio compartilhado entre várias reuniões diferentes
constitui uma única igreja. Embora uma igreja local possa ter
qualquer dessas coisas, ela não precisa ter qualquer delas. E, sem se
reunir com regularidade, ela deixa de ser igreja ordenada
biblicamente. Pode ser verdadeira no fato de que o evangelho está
sendo pregado, mas é irregular no sentido de que não está de acordo
com a norma da Escritura.
Certamente uma igreja é mais do que uma assembleia, no entanto,
usar a palavra igreja para designar qualquer coisa menos do que uma
assembleia equivaleria a substituir a parte (liderança, orçamento e
visão) pelo todo, com todas as distorções resultantes. E a realidade
espiritual seria ocultada, incluindo a unidade espiritual que se torna
visível na união física regular da qual as igrejas são chamadas a
desfrutar em suas assembleias locais. Nessas reuniões, as igrejas
apresentam uma amostra das glórias do céu — uma amostra que só
pode ser distorcida por “congregações” que nunca se congregam.
Além disso, a assembleia unida também facilita outros aspectos da
unidade da igreja — seu amor semelhante ao de Cristo, seu serviço,
seu culto e expansão coletivos — tudo “para a edificação do corpo de
Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno
conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da
estatura da plenitude de Cristo” (Efésios 4.12-13).
E o que podemos dizer sobre igrejas locais que decidem abdicar
das reuniões semanais e, em vez disso, mantêm uma diversidade de
horários e locais em que subgrupos de toda a congregação se reúnem?
Essa fórmula levanta questões sérias.338 Embora uma única
congregação possa se reunir mais do que uma vez durante a semana
(por exemplo, reunir-se uma segunda vez no domingo à noite ou no
culto do meio de semana), é difícil ver como poderiam fazer qualquer
coisa menos. Os cristãos sempre se reuniram semanalmente, mesmo
nas Escrituras. O Quarto Mandamento estabelecia um ritmo semanal
para o povo de Deus,339 e, independentemente da relação do dia de
descanso no Antigo Testamento com o Dia do Senhor no Novo
Testamento, a natureza da obediência cristã sempre exigiu que os
crentes se reunissem regularmente. Não é surpreendente que as
igrejas do Novo Testamento se reunissem pelo menos semanalmente
(se não mais) e começassem a se referir ao “dia do Senhor” (Atos
20.7; 1 Coríntios 16.2; Apocalipse 1.10; cf. Atos 2.46). Na Bíblia,
pregação pressupõe uma audiência reunida (cf. a visão de Ezequiel do
vale de ossos secos — Ezequiel 37). O mesmo é verdade quanto à
Ceia do Senhor. E o tipo de disciplina prescrita em Mateus 18 e
mencionada em 2 Coríntios 2 pressupõe, certamente, que a
congregação esteja reunida. Os cristãos crescem melhor em amor e
cuidado por se reunirem com regularidade. Por isso, Hebreus 10.25
exorta os crentes nestes termos: “Não deixemos de congregar-nos,
como é costume de alguns”.
Este ajuntamento semanal também caracterizava a igreja
primitiva. Plínio, oficial romano não cristão, escrevendo ao imperador
Trajano por volta do ano 112, se referiu ao fato de que os cristãos se
reuniam regularmente na alvorada do dia designado.340 A Didaquê,
um documento do início do século II, exortava os cristãos: “Reúnam-
se no dia do Senhor”.341 Justino Mártir, escrevendo em meados do
século II, descreveu uma reunião comum no primeiro dia de cada
semana na qual os cristãos se congregavam para ler a Escritura,
pregar, orar e coletar uma oferta.342 Hipólito, no início do século III,
se referiu ao pastor como sendo escolhido por todas as pessoas e
pressupôs que o povo de Deus se reunia a cada domingo.343 Questões
sobre a legitimidade da Ceia do Senhor giravam regularmente em
torno da presença do bispo/pastor. Desde os primeiros dias da igreja,
os cristãos têm se reunido regularmente em assembleias locais e têm
feito isso em obediência a Deus.344
Os cristãos se reúnem regularmente por razões práticas: para ouvir
a Palavra de Deus, lida e pregada, para testemunhar a fé professada
no batismo e participar da Ceia do Senhor, para orar e cantar juntos,
para ensinar e contribuir, para encorajar uns aos outros, para levar os
fardos e tristezas uns dos outros, para conhecer e serem conhecidos.
Todos esses aspectos da vida de uma congregação se tornam
possíveis ou, pelo menos, são favorecidos grandemente pelo
ajuntamento da congregação. Uma ação unida da congregação é
fomentada por receberem o mesmo ensino e terem as mesmas
experiências transformadoras no culto público. Em resumo, a unidade
dentro de uma congregação é mais fácil de ser mantida quando a
congregação se reúne regularmente.345
Congregações não são formadas apenas pelo ajuntamento dos
membros, e sim por suas crenças e comprometimento. Um indivíduo
precisa decidir se unir a uma congregação, e, depois, deve fazer a
decisão de participar continuamente pela frequência, oração, atos de
serviço, sustento financeiro e submissão aos líderes e presbíteros e,
por fim, à disciplina da congregação.346 Essa é a razão por que Pedro
ordenou às pessoas: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja
batizado” (Atos 2.38). Aqueles que são verdadeiramente salvos se
arrependeram de seus pecados e creram em Cristo.
Ao mesmo tempo, um cristão deve expressar abertamente a
decisão de se arrepender e crer por declarar publicamente sua fé e
entrar em aliança de se reunir com uma congregação específica de
cristãos. A congregação também deve afirmar a credibilidade da
profissão de fé da pessoa.347 O que concorre para uma pessoa se unir
a uma igreja ou deixá-la não é a sua mera decisão; em vez disso, a
decisão de se unir a uma igreja ou deixá-la exige um consenso mútuo
entre a pessoa e a congregação (exceto quando há morte).348 Igrejas
existem como cristãos reunidos juntos para proclamarem e ouvirem a
Palavra de Deus e, depois, firmarem uns aos outros na fé. Uma igreja
biblicamente fiel é uma igreja reunida.

333. Isto foi assim porque a jurisdição política coincidia em parte com a jurisdição
eclesiástica (com exceções para grupos como imigrante ou judeus).
334. Geoff Surratt et. al., eds., Muti-site Church Revolution: Being One Church in Many
Locations (Grand Rapids: Zondervan, 2006), 18.
335. Estou usando a expressão vários cultos — não no sentido de toda a congregação reunida
mais do que uma vez, como às 9h da manhã e, de novo, às 7h da noite, mas no sentido de
reuniões nas quais somente apenas parte da membresia está reunida, como se fosse toda a
igreja. Este caso acontece quando igrejas oferecem diversos cultos, como às 9h e às 11h da
manhã, e incentivam os membros a escolherem um dos cultos para frequentarem.
336. Quanto a uma crítica completa, e graciosa, ver Thomas White e John M. Yeats,
Franchising McChurch: Feeding Our Obsession with Easy Christianity (Colorado Springs,
CO: David C. Cook, 2009).
337. Com ausências ocasionais, é claro.
338. W. B. Johnson, o primeiro presidente da Convenção Batista do Sul, fez uma observação
que, embora pareça controversa hoje, foi aceita prontamente quando foi feita e por um século
depois: “O termo igreja indica uma igreja, um corpo do povo do Senhor, reunido junto em
um lugar, e não várias congregações que formam uma igreja” (Johnson, “The Gospel
Developed”, em Polity: Biblical Arguments on How to Conduct Church Life, ed. Mark Dever
[Washington, DC: Center for Church Reform, 2001], 171).
339. “A razão primária para a origem do [culto no domingo] deve ter sido a necessidade dos
cristãos por um tempo de adoração distintivamente cristã. A necessidade de algum tempo
regular de culto deve ser distinguida claramente das possíveis razões para a escolha do
domingo em lugar de qualquer outro dia. A escolha de um dia da semana é inteiramente
natural em um contexto judaico, e qualquer coisa menos frequente não teria satisfeito à
necessidade (...). Foi a necessidade por um tempo regular e frequente de culto cristão que
levou à escolha de um dia da semana” (R. J. Bauckham, “The Lord’s Day, em From Sabbath
to Lord’s Day, ed., D. A. Carson [Grand Rapids: Zondervan, 1982], 238).
340. Plínio, Epístola X.xcvi, citado em Henry Bettenson, ed., Documents of the Christian
Church (Oxford: Oxford University Press, 1943), 4.
341. Didaquê, XIV.
342. Justino Mártir, Apologia, I.lxvi.
343. Hipólito, Tradição Apostólica, I.ii.
344. Ver W. B. Johnson, “Gospel Developed”, 235-36.
345. É justo questionarmos se a popularidade de igrejas que se reúnem em vários lugares
estimula inconscientemente os cristãos ao consumismo e à passividade, porque veem suas
igrejas apenas como uma provedora de serviços, e não como uma família reunida numa única
congregação para trabalharem, aprenderem, amarem e servirem juntos?
346. Em última análise, a igreja se reúne pela ação do Espírito de Deus. Como Lucas
escreveu sobre a igreja primitiva: “Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os
que iam sendo salvos” (Atos 2.47). Mas Deus não é o único em atividade na igreja local.
Essa ação divina tem como resultado a resposta humana. Como afirma a Confissão de Fé de
New Hampshire, o arrependimento e a crença são as “graças indispensáveis operadas em
nosso coração pelo Espírito Santo de Deus” (Artigo 8).
347. Ver Jonathan Leeman, Church Membership: How the World Knows Who Represents
Jesus (Wheaton, IL: Crossway, 2012).
348. Isso parece estar claramente implícito nas palavras de Paulo aos coríntios em 2
Coríntios 2.6-7. Quanto a mais informações sobre isso, ver Jonathan Leeman, Church
Discipline: How the Church Protects the Name of Jesus (Wheaton, IL: Crossway, 2012).
14

Uma Igreja Congregacional:


Harmonizando a Estrutura da
Igreja

E m nenhuma de suas passagens, a Bíblia prescreve uma forma de


governo para a igreja universal, conjunto de todos os cristãos em
todos os lugares. A única outra definição para a igreja no Novo
Testamento é a de assembleia local. Embora nenhum estatuto de
igreja esteja incluso nos documentos do Novo Testamento, a Bíblia
tem princípios que orientam a vida de uma congregação. E o Novo
Testamento tem ensinos explícitos sobre a estrutura da igreja. Tanto
os oficiais quanto a forma de governo descritos no Novo Testamento
têm levado muitos a concluir que a igreja deveria ser estruturada
congregacionalmente. Isso tem implicações em como uma
congregação se relaciona com outras congregações e com outras
conexões de cristãos fora de seu número. E tem implicações em como
a liderança é exercida na própria congregação.

LOCAL E UNIVERSAL
Uma igreja congregacional reconhece a congregação como a corte
terrena final de apelação em questões de disputa. Realizam-se
reuniões de membros em que decisões são tomadas por votação.
Naturalmente, precisa-se de um grau de consenso mais elevado do
que em igrejas que têm outras formas de governo. Mais
responsabilidade reside em cada membro, assim como mais
autoridade. Como Jonathan Leeman argumentou de modo tão claro e
cuidadoso: “Mesmo com todas as suas imperfeições, a igreja
representa Jesus na terra”.349

RELAÇÕES ENTRE CONGREGAÇÕES


Essas congregações têm sido, às vezes, chamadas “independentes”,
em oposição a “coneccionalistas”, como as igrejas presbiterianas e as
episcopais. Porém, igrejas congregacionalistas não são independentes
umas das outras em afeição, cuidado, advertência e cooperação.
Tanto na Escritura quanto na história, congregações têm cultivado
interesse e cuidado umas pelas outras. No período do Novo
Testamento, coletas foram realizadas e doadas, missionários e
mestres foram enviados, recomendações e advertências foram
compartilhadas entre congregações. Esse padrão tem se repetido entre
congregações anabatistas e batistas, bem como entre muitas outras
igrejas congregacionais.
Tradicionalmente, os batistas têm usado associações de igreja para
ajudar os pastores das congregações a se aconselharem
reciprocamente, chegarem juntos a certas conclusões, cessarem
controvérsias e traçarem limites doutrinários. E congregações têm se
reunido espontaneamente para realizar obras que excederiam os
recursos de uma única congregação, como educação ministerial e
apoio missionário. Igrejas congregacionais são, num sentido restrito,
“independentes”, mas, de outro modo, são descritas com mais
exatidão como voluntariamente interdependentes.

RELAÇÕES DENOMINACIONAIS
Conexões voluntárias de congregações como a Convenção Batista do
Sul, as Igrejas Batistas da América e a Convenção Batista Nacional
há muito se estabeleceram na consciência americana como
denominações. Muitas, se não a maioria das outras denominações,
são igrejas conectadas cujas decisões finais em questões de doutrina e
disciplina não podem ser tomadas por assembleias locais, mas
precisam ser decididas por assembleias, cortes ou bispados regionais,
nacionais ou até internacionais. No entanto, denominações de igrejas
congregacionais são bem diferentes de outras denominações.350
Pode-se falar no singular da Igreja Presbiteriana nos Estados
Unidos da América ou da Igreja Metodista Unida, de uma maneira
que não se pode falar corretamente da Igreja Batista Nacional ou da
Igreja Batista do Sul. Embora se entenda comumente o que essas
expressões significam, elas revelam uma ignorância sobre a natureza
das igrejas que tencionam descrever. Ainda que os membros de uma
igreja local manifestem, às vezes, grande “lealdade tribal” à sua
denominação, eles são apenas membros de igrejas locais que
cooperam de modo voluntário, mas nunca de modo obrigatório, com
associações regionais e nacionais. Suas congregações não precisam
continuar se filiando a qualquer convenção específica para
continuarem sendo uma igreja verdadeira.

CONGREGACIONALISMO COM LIDERANÇA


Nenhum dos ensinos já mencionados sobre o congregacionalismo
deve ser confundido com defesa de anarquia na igreja.351 Reconhecer
a congregação como a corte final de apelação em questões de disputa
não é prejudicial ao exercício de autoridade na igreja. E outras formas
de governo não congregacionais, incluindo presbiterianos, episcopais
e católicos romanos, têm demonstrado certa inevitabilidade de
congregacionalismo, por reconhecerem corpos representativos em
vários níveis e até por recomendarem a anuência da congregação para
muitas decisões a serem decretadas.

GUIADA POR PRESBÍTEROS, GOVERNADA


CONGREGACIONALMENTE
A maneira mais convencional de entendermos a apresentação da
forma de governo da igreja no Novo Testamento é reconhecermos o
papel tanto dos líderes individuais quanto da congregação como um
todo.352 Alguns recomendam que um pastor governe a igreja quase
como um CEO. Mas isso dá atenção inadequada ao ensino bíblico
sobre a pluralidade de presbíteros e o papel de toda a congregação.
Outros recomendam que a igreja seja governada por presbíteros. Esta
posição é distinguida corretamente do presbiterianismo porque não
prevê, ao mesmo tempo, submissão a uma hierarquia de autoridade
fora do corpo de presbíteros da congregação local. Contudo, embora
essa posição discirna de modo proveitoso o que o Novo Testamento
diz sobre a pluralidade de presbíteros, também ignora a evidência
bíblica em favor da responsabilidade congregacional e o
reconhecimento especial de um pastor e mestre principal, como
Timóteo em Éfeso — que hoje poderia ser descrito como “pastor
principal”. Ainda outros recomendam um congregacionalismo
vigoroso que é exercido às custas de qualquer outra autoridade, quer
corporativa (uma pluralidade de presbíteros), quer individual (um
pastor principal).
Muito frequentemente essas variedades de congregacionalismo se
opõem.353 Mas todos os três aspectos de autoridade vistos no Novo
Testamento (individual, pluralidade de presbíteros e congregacional)
devem ser desfrutados em cada congregação. Um presbítero apoiado
pela igreja e responsável pelo ministério da Palavra poderia muito
bem ser reconhecido como quem possui uma posição principal a fim
de dar liderança à visão e à direção da igreja. Ao mesmo tempo, a
pluralidade de presbíteros, remunerada ou não, pode liderar em
conjunto a congregação nas questões de doutrina e disciplina. E, ao
mesmo tempo, a congregação pode, com humildade, assumir a
responsabilidade por agir como a corte final, sob a autoridade de
Deus, em todas as questões de disciplina e doutrina que atingem
elevado nível de importância. Determinar quais problemas são
tratados em que nível de autoridade pode variar de igreja a igreja. É
claro que essa autoridade congregacional parece ser apenas
autoridade para confirmar ou negar a asseveração de ensinos (ou
mestres) e de membros, e não autoridade para liderar. A congregação
não está em competição com os presbíteros. A autoridade da
congregação é mais como um freio de emergência do que como um
volante de direção. Normalmente, a congregação mais reconhece do
que cria, mais responde do que inicia, mais confirma do que propõe.
O Novo Testamento ensina a importância do assentimento da
congregação para o que deve ser ensinado e crido (cf. Gálatas 1.6-9) e
para quem deve ser admitido e excluído da membresia (cf. 1 coríntios
5; 2 Coríntios 2.6-7). A assembleia local tem a responsabilidade final
(porém não sozinha) por estes dois aspectos cruciais da igreja: a
doutrina e a membresia. De fato, é por julgarem o ensino e os
membros que as congregações exercem as chaves que Cristo confiou
à sua igreja (ver Mateus 16.19; 18.17).354
Em Mateus 16, Jesus autorizou a igreja apostólica a afirmar ou
negar profissões de fé (por exemplo, quem é Jesus?); e, em Mateus
18, Jesus autorizou a igreja a afirmar ou negar como essa profissão é
vivida (por exemplo, um pecador se arrependerá?). Gálatas 1.6-9 fala
sobre a igreja julgando a doutrina, enquanto 1 Coríntios 5 é um
chamado para que a igreja julgue a vida que tem de validar a
profissão de fé.
A congregação local não tem autoridade para delegar as chaves
para qualquer outro grupo. Ela pode buscar conselho e ajuda de fora,
todavia a responsabilidade final para determinar doutrina e
membresia na igreja local não pode ser delegada a qualquer outro
grupo fora da própria igreja. Essa delegação por parte da congregação
anula sua reivindicação de ser uma igreja ordenada biblicamente.355
O ensino do Novo Testamento sobre a natureza da congregação e o
papel de seus líderes indica claramente que uma igreja biblicamente
fiel é uma igreja congregacional.

349. Jonathan Leeman, A Igreja e a Surpreendente Ofensa do Amor de Deus (São José dos
Campos, SP: Fiel, 2013), 240.
350. A tradição Batista do Livre Arbítrio tem uma história de mais coneccionalismo do que a
maioria dos outros batistas na América. Ver J. Matthew Pinson, Free Will Baptists & Church
Government (Nashville: National Association of Free Will Baptists, 2008).
351. Stanton Norman abordou a tensão atual dos batistas do Sul entre congregacionalismo e
liderança em seu livro The Baptist Way: Distinctives of a Baptist Church (Nashville: B&H,
2005), 101-10.
352. Ver Phil Newton, Pastoreando a Igreja de Deus: Redescobrindo o Modelo Bíblico de
Presbitério na Igreja (São José dos Campos, SP: Fiel, 2007); Benjamin L. Merkle, Why
Elders? A Biblical and Practical Guide for Church Members (Grand Rapids: Kregel, 2009);
Daniel Evans e Joseph Godwin Jr., Elder Governance: Insights into Making the Transition
(Eugene, OR: Resource Publications, 2011).
353. Por exemplo, Brand e Norman, Pespectives on Church Government.
354. Quanto a uma reflexão sobre “as chaves”, ver Jonathan Leeman, A Igreja e a
Surpreendente Ofensa do Amor de Deus (São José dos Campos, SP: Fiel, 2013), cap. 4.
355. Uma qualificação óbvia dessa afirmação é que o tempo de uma igreja começar e
terminar pode trazer consigo circunstâncias excepcionais que exigem procedimentos
temporais em que um ou mais desses aspectos de liderança não são realizados
completamente.
15

Uma Igreja Batista:


Devemos Ter Igrejas Batistas
Hoje?

N o âmago da membresia de igreja está a comunhão na Ceia do


Senhor. Aqueles que são admitidos regularmente à mesa são a
membresia de uma igreja. São aqueles que se examinam a si mesmos
(1 Coríntios 11.28) e são, também, examinados pelos outros (ou seja,
por aqueles que não foram excluídos com um ato de disciplina). Ser
batizado é parte da obediência que deve ser esperada de alguém que
se aproxima da mesa do Senhor.356 Por isso, os batistas têm ensinado
que o batismo é um “pré-requisito para outros direitos e
responsabilidades na igreja, incluindo a participação na Ceia do
Senhor”.357 Como John Gill afirmou: “Depois da ordenança do
batismo, segue a ordenança da Ceia do Senhor; a primeira é
preparatória para a segunda; e aquele que tem direito à primeira tem
direito à segunda; e ninguém, senão aquele que se submeteu à
primeira, deve ser admitido à segunda”.358
No Novo Testamento, não temos nenhum registro de alguém que
participou da Ceia do Senhor e não fora primeiramente batizado. O
sinal da união com Cristo — o batismo — precede o sinal da
comunhão juntos. Na Grande Comissão de Cristo, o batismo é
mencionado antes de “ensinando-os a guardar todas as coisas”
ordenadas por Cristo. Isso tencionava, claramente, ser um passo
inicial no discipulado. Também se harmonizando analogamente com
a relação estabelecida entre a circuncisão e a Páscoa no Antigo
Testamento. Nenhum homem incircunciso deveria participar da
refeição de Páscoa. Portanto, somente aqueles que são batizados
devem participar da Ceia do Senhor.359
Como essa verdade bíblica deve afetar a prática da igreja local?
As igrejas deveriam aceitar como membros aqueles que não foram
batizados?360 Essas são perguntas urgentes para a atual geração. Se
concordância num assunto específico não é essencial à salvação, a
concordância deveria ser considerada essencial para a membresia da
igreja? Se a questão surge de uma compreensão fraca da verdade ou,
pelo menos, de uma disposição tímida para definir e defender a
verdade — um mero essencialismo — então, assuntos mais básicos e
mais perigosos do que a compreensão errônea do batismo estão em
jogo. Se, por outro lado, a questão surge de um desejo sincero pela
unidade do corpo de Cristo, então, a questão é nobre e merece
consideração séria. Os cristãos, de John Bunyan até D. Martyn Lloyd-
Jones, têm pleiteado por liberdade nesse ponto. Eles têm defendido
que concordância sobre a legitimidade ou a ilegitimidade do batismo
infantil não deve ser exigida para que alguém seja membro de uma
igreja.361
Esta posição de neutralidade sobre um assunto não essencial à
salvação está ganhando popularidade. A questão essencialmente é
(ou, pelo menos, chega quase a ser): devemos continuar a ter igrejas
batistas? Se a questão é apresentada como uma questão de amor
versus dogmatismo, a resposta é fácil, porém a questão real em jogo
pode ser obscurecida. Dois fatos em particular não podem ser
ignorados.
Primeiro, algumas coisas não são essenciais à salvação de um
indivíduo, mas a concordância em tais coisas é essencial para que
uma igreja funcione. Podemos pensar em questões concernentes a
governo de igreja, qualificações para a membresia ou mulheres
servirem como pastores e presbíteros. Esses assuntos de governo e
prática podem ser declarados “assuntos indiferentes”, e liberdade
pode ser permitida em diferentes congregações para determinarem
sua própria resposta a esses assuntos. Todavia, por fim, cada
congregação precisa fazer uma coisa e não outra. Ou uma
congregação reconhece mulheres como presbíteros e pastores ou não,
um bispo de fora como autoridade ou não, e crianças como sujeitos
viáveis do batismo ou não.
Essas coisas nos trazem ao segundo e mais importante fato que
não deve ser ignorado — fidelidade à Escritura. Se o batismo não é
essencial para a comunhão e membresia da igreja, ele se torna
efetivamente uma questão de julgamento individual. O desejo por
inclusão doutrinária e unidade no Espírito se reduz ironicamente a
uma questão de preferência subjetiva. Alguns, como John Bunyan,
têm argumentado que desobediência a um mandamento de Cristo,
especialmente quando feita em ignorância, representa uma mera falta
de luz a ser tolerada e não uma ofensa disciplinável ou um pecado.
Um pecado consiste de ação ou de intenção. Certamente, a
intenção de desobedecer a Deus é pecado. Mas uma ação
desobediente é também um pecado, ainda que a pessoa não tencione
pecar. A Bíblia ensina claramente que há pecados não intencionais.362
Intenções são uma consideração importante na natureza e gravidade
do pecado, mas não são a única consideração. Um dos efeitos do
pecado é entorpecer o pecador, embotar e obscurecer as faculdades.
Por isso, se diz que aqueles que vivem no pecado estão nas trevas;
mas essas trevas não melhoram a culpa de uma pessoa. Na parábola
das ovelhas e dos bodes (Mateus 25), Jesus ensinou com muita
clareza que a obediência a Deus não se define pela opinião do
observador, a menos que o observador seja o próprio Deus. Muitos
bodes pensavam que tinham levado vidas justas, mas Jesus disse que
não tinham.
Então, como sabemos o que Deus considera obediência? Por meio
de sua própria autorrevelação. Não há nenhum outro guia seguro e
certo! Se Cristo ordenou que os crentes fossem batizados, então,
revogar essa instrução ou substituí-la por mera intenção, embora seja
uma intenção sincera, não é servir bem a Cristo.
A glória de Cristo é mais demonstrada na igreja quando o batismo
guarda tanto a regeneração da membresia quanto a coerência do
testemunho coletivo da igreja. Se entendemos que Cristo manda a
igreja batizar somente aqueles que creem, parece claro que uma igreja
biblicamente fiel é uma igreja que batiza.
356. D. Broughton Knox, baseado na afirmação de Paulo em 1 Coríntios 1.17, negou que o
batismo do Novo Testamento fosse importante para aqueles que são criados em lares
cristãos. Defendendo o batismo infantil, Knox escreveu: “Não é idêntico ao batismo da
Sagrada Escritura, que era um batismo de arrependimento que tinha em vista o perdão. Esse
batismo não se harmoniza com as circunstâncias de uma família cristã... Confessar a Cristo
por ser imergido em água é praticado apenas porque se crê que Jesus nos enviou a batizar
com água. Mas, como Paulo deixa claro, este não é o caso” (Selected Works, vol. 2
[Youngston, OH: Matthias Media, 2003], 308-309).
357. Charles Kelly Jr., Richard Land, R. Albert Mohler Jr., The Baptist Faith and Message
(Nashville: LifeWay, 2007), 97. Ver John Hammett, “Baptism and the Lord’s Supper”, em
The Baptist Faith and Message 2000, ed. Douglas K. Blount e Joseph D. Woodell (Laham,
MD: Rowan & Littleton, 2007), 75. Para verificar que isto é o que os batistas têm crido
oficial e tradicionalmente, ver The New Hampshire Confession, Article XIV, e The Baptist
Faith and Message, Article 7.
358. John Gill, A Complete Body of Doctrinal and Practical Divinity (1839; repr., Paris, AR:
The Baptist Standard Bearer, n.d.), 915.
359. A implicação de entendimentos diferentes quanto ao batismo significa comunhão
reduzida entre os cristãos de outras convicções semelhantes. Visto que ninguém tem
questionado a validade do batismo de crente, têm sido sempre os crentes batistas que são
deixados na incômoda posição de não reconhecer os batismos de cristãos que vêm de igrejas
pedobatistas. Já foram escritas muitas obras que defendem os batistas da acusação de serem
ofensivos neste ponto. Uma dessas obras que tanto é clássica quanto típica é de Abraham
Booth, A Defense for the Baptists (1788; repr., Paris: AR: The Baptist Standard Bearer,
2006).
360. Uma boa obra sobre este assunto é Bill James, Baptism and Church Membership
(Darlington, England: Reformation Today Trust, 2006). Outra defesa contemporânea em
favor de que tenhamos igrejas batistas é o capítulo 4 de John S. Hammett, Biblical
Foundations for Baptists Church: A Contemporary Ecclesiology (Grand Rapids: Kregel,
2005).
361. As controvérsias a respeito dos termos para admissão à comunhão entre os batistas do
século XIX oferecem uma fonte rica quanto a mais opinião bíblica sobre esses assuntos. A
exemplo, ver R. B. C. Howell, Terms of Communion.
362. Cf. Levítico 4-5; Números 15; Ezequiel 45.
CONCLUSÃO

Por que Isso É Importante?

Q ual é a importância de uma eclesiologia correta para a igreja


hoje? Uma eclesiologia correta é importante para a liderança da
igreja, a membresia, a cultura e até o caráter. Em última análise, uma
eclesiologia correta diz respeito à própria glória de Deus. A igreja não
é apenas uma instituição fundada por Cristo, é também o seu corpo.
Na igreja, a glória de Deus se reflete. Como a teologia, a Bíblia e até
mesmo Deus serão conhecidos sem a igreja? Que comunidade
entenderá e explicará a criação e a providência de Deus para o
mundo? Como os estragos do pecado serão explicados, a pessoa e a
obra de Cristo serão exaltadas, a obra salvadora do Espírito será vista,
e o retorno de Cristo será proclamado às gerações vindouras se não
por meio da igreja? A teologia exposta nos capítulos deste livro clama
por ser conhecida dos de fora, e clama por ser conhecida por meio da
igreja. Portanto, saber corretamente a doutrina da igreja se torna um
benefício para as pessoas quando a verdade sobre Deus e seu mundo
é mais corretamente conhecida, ensinada e modelada.

ISTO É IMPORTANTE PARA A LIDERANÇA DA


IGREJA

CENTRALIDADE DA PREGAÇÃO EM NOSSAS IGREJAS


Os pastores das igrejas contemporâneas precisam resgatar o
entendimento de que sua função primária é pregar a Palavra de Deus.
Isso deve acontecer tanto por causa do rebanho quanto por causa da
evangelização daqueles que estão fora do rebanho.
O propósito de pregar a Palavra de Deus ao povo de Deus é
edificar a igreja, o que é a vontade de Deus para a igreja. Havendo ou
não crescimento numérico como resultado da pregação bíblica em
determinada congregação, em determinado tempo, a igreja de Cristo
experimentará verdadeiro crescimento e edificação por meio de
ensino e instrução. Para esse fim, os pastores devem também
conduzir a igreja em direção a uma redescoberta da disciplina
eclesiástica corretiva. Isso é realizado somente quando a própria
liderança entende o ensino da Bíblia sobre a igreja e, depois, se
dedica pacientemente a ensinar tais assuntos à congregação.
Sempre que pastores resgatam a centralidade da pregação em seu
ministério, há efeitos benéficos. Congregações são mais bem
alimentadas e mais saudáveis e, depois, se tornam testemunhas
melhores em suas comunidades. Muito frequentemente os líderes
promovem crescimento de igreja somente por meio de evangelização,
mas falham em considerar que uma igreja mal instruída e não
saudável é um testemunho pobre. E um testemunho pobre da igreja
prejudica seu ministério de evangelização. O pastor que se
compromete com alimentar a congregação, a prepara muito bem para
evangelização e crescimento. Organismos saudáveis crescem
naturalmente.

A IMPORTÂNCIA DO BATISMO E DA COMUNHÃO DO


CRENTE
O Espírito de Deus gera crentes por meio da pregação e do ouvir a
Palavra de Deus, porém Deus também tenciona que esses crentes
sejam reunidos em congregações que são puras e protegidas. Para este
fim, os pastores devem ter muito cuidado tanto em avaliar os
candidatos ao batismo quanto em encorajar a congregação a
examinar-se a si mesma antes de participar da Ceia do Senhor. Se o
batismo funciona como um marco de separação entre a igreja e o
mundo, e se a Ceia do Senhor manifesta a aparência presente da
igreja, os pastores devem resgatar o senso de seriedade que cada
ordenança exige.
Hebreus 13.17 promete que os líderes darão conta daqueles que
estão sob sua incumbência. Os líderes de hoje prestarão contas por
admitirem negligentemente lobos ao batismo ou à Ceia do Senhor?
As condenações acumuladas sobre os pastores de Israel, em Ezequiel
34, serão repetidas para os subpastores da igreja contemporânea que
deixaram as ovelhas de Cristo vaguear dispersas e desprotegidas? Os
líderes de nossas congregações devem lembrar que a pregação correta
da Palavra de Deus e a administração correta do batismo e da Ceia do
Senhor formam a vocação básica da vida deles.

ISTO É IMPORTANTE PARA A MEMBRESIA DA


IGREJA
Uma eclesiologia correta tem implicações para a membresia da
igreja.363 Portanto, as razões e exigências para a membresia devem
ser entendidas ampla e claramente.

POR QUE SE UNIR A UMA IGREJA?


A maioria dos cristãos evangélicos de hoje parece tratar sua igreja
como mais uma coisa que os ajuda em sua vida cristã, talvez como
um estudo bíblico, uma música, certos autores, um retiro e manter um
diário. Em outras palavras, os cristãos pensam em sua vida espiritual
como uma coisa fundamentalmente pessoal, conduzida por escolher
entre vários meios de ajuda. Essa abordagem se contrasta com uma
maneira de pensar mais antiga e mais bíblica sobre a vida cristã,
moldada congregacionalmente e na qual as exigência do evangelho se
tornam concretas em uma igreja local específica (ver 1 João 4.20).
Devemos fazer com que ser um membro de uma igreja local
pareça uma coisa normal para os cristãos. Vidas de amor, comunhão e
responsabilidade frequentes tornam o evangelho claro para o mundo.
Jesus disse que o amor dos cristãos uns pelos outros capacitaria o
mundo a reconhecer os cristãos como aqueles que seguem a Cristo
(João 13.34-35). Nesse sentido, uma prática vigorosa de membresia
de igreja ajuda a congregação em sua evangelização. Ajuda também
os cristãos a terem segurança correta de sua própria salvação. Quando
os cristãos observam, encorajam e repreendem uns aos outros, a
igreja local começa a agir como um instrumento corporativo que
confirma a segurança de salvação. Ser membro de igreja é bom para
cristãos fracos porque os traz a um lugar de alimento espiritual e
responsabilidade. Ser membro de igreja é bom para os cristãos fortes
porque os capacita a oferecer um exemplo do que é uma verdadeira
vida cristã.364
Membresia comprometida com a igreja é também bom para os
líderes da igreja. Como a vontade de Deus avançará se cristãos não se
organizam juntos para servi-lo? E como os cristãos receberão os dons
que Deus lhes dá em seus líderes, se não há um rebanho distinto para
que eles administrem? Por fim, praticar a membresia de igreja
glorifica a Deus. Quando os cristãos se reúnem para formar o corpo
de Cristo, o caráter de Deus é refletido e expresso. Resgatar esse
entendimento da membresia de igreja deve ser um dos principais
desejos das igrejas hoje.365
Antes que alguém diga que as organizações paraeclesiásticas estão
realizando os mesmos objetivos, devemos lembrar que essas
organizações não têm o mesmo compromisso de proclamar
sistematicamente todo o conselho de Deus, como não têm os
mecanismos de batismo, a Ceia do Senhor e a disciplina eclesiástica
para traçarem uma linha clara e inconfundível que diz ao mundo
“Aqui está o povo de Deus”. As organizações paraeclesiásticas são e
sempre tencionam ser um subconjunto específico da igreja centrado
numa tarefa compartilhada. Como disse Byron Straughn, as
organizações paraeclesiásticas são como o nosso time de futebol, mas
a igreja é como a nossa família.366

EXIGÊNCIAS
A ideia de que ser membro de uma igreja local deveria exigir apenas
a profissão de fé em Cristo é uma ideia que tanto é comum quanto
destrutiva para a vida e o testemunho da igreja. Historicamente, os
batistas têm compreendido que qualquer profissão de fé deve ser
provada e julgada como confiável. Afinal de contas, uma profissão de
fé salvadora inclui arrependimento. Uma vida cristã será revelada ou
não pela participação no batismo e na Ceia do Senhor, mas também
por assistência regular às reuniões da congregação e uma submissão à
sua disciplina. Isso inclui orar regularmente em favor da congregação
e dar o dízimo. Toda congregação tem a responsabilidade de decidir
que padrões de membresia são apropriados para a sua igreja.367
RELAÇÃO DOS FILHOS COM A IGREJA
Uma das áreas que mais necessita de reconsideração nas igrejas
contemporâneas é a relação dos filhos de membros da igreja com a
própria igreja. Em congregações não batistas, essa relação começa
com o batismo infantil e é completada usualmente com a confirmação
por volta dos 12 anos. Em igrejas batistas, os filhos eram
tradicionalmente reconhecidos como tendo um papel importante.
Eram considerados como os objetos de toda a afeição natural, mas
eram também reconhecidos como confiados, de modo especial, a
famílias cristãs para treinamento no Senhor. É claro que conversões
poderiam ocorrer em idades tenras, mas, em geral, se pensava que era
mais sábio protelar o batismo até que a maturidade provasse a
realidade de sua conversão.368 Os primeiros batistas entendiam que
era necessário tempo para verem a profissão cristã sendo vivenciada,
especialmente naqueles que ainda não eram adultos.369 Muitos
cristãos, na antiguidade e ao redor do mundo hoje, praticam
regularmente um período de espera após a profissão de fé como um
meio de evidenciar sua realidade.370 Parece haver pouca dúvida de
que, pelo menos em igrejas Batistas do Sul, o último século viu um
aumento considerável de nominalismo, enquanto a idade média de
batismo diminuiu. Parece provável que as duas estatísticas estão
relacionadas.
Além disso, preocupações com falsos batismos (levando a um
número crescente de rebatismos) não devem ser limitadas aos efeitos
adversos que uma igreja local sofre, quando pagãos são recebidos em
sua membresia e chamados santos, por mais sérios que sejam tais
efeitos.371 Os efeitos eternos causados por pastores e igrejas que dão
falsa segurança de salvação a incrédulos são graves e desestimulam a
pessoa. Em alguns casos, há grande necessidade de sabedoria para
mantermos equilíbrio entre os interesses, às vezes conflitantes, de
encorajamento e de cautela saudável.

ISTO É IMPORTANTE PARA A ESTRUTURA DA


IGREJA
Uma doutrina correta da igreja deve afetar não somente uma
liderança e a membresia de igreja; deve afetar também a sua
estrutura.

A NECESSIDADE DE LIDERANÇA CLARA E DE


RESPONSABILIDADE CONGREGACIONAL
Muitos nesta última geração têm zombado da autoridade. Autoridade
pode muito bem ser, como um livro sugeriu há alguns anos, “a ideia
mais incompreendida na América”. Os americanos não distinguem
autoridade, que é algo bom, de autoritarismo, que é algo mau.372 Uma
suspeita de toda autoridade, causada pelo abuso por parte de alguns
detentores de autoridade, tem criado toda uma concepção deformada
de piedade cristã em que a falta de poder de Cristo na cruz é vista
como o único paradigma para todos que exercem autoridade. Ao
mesmo tempo que a humildade deve ser inerente a todo exercício
cristão de autoridade, Deus também colocou na igreja líderes para
ensinar, dar direção e orientação, ser exemplo e tomar decisões.373
Exercer confiança em quase toda esfera — no casamento, na família,
no trabalho, no estado ou na igreja — é, para o cristão, um reflexo de
confiança em Deus.
Batalhas denominacionais dentro da Convenção Batista do Sul no
último século produziram uma perniciosa noção de história batista
romântica e ingênua que sugere que a essência da identidade batista é
ser individualista, divisora e intratável. A preciosa doutrina
protestante do sacerdócio de todos os crentes,374 formulada
originalmente para se opor à classe mediadora de sacerdotes católicos
romanos ordenados, foi transfigurada na expressão otimista e
simplória do início do século XX (criada por E. Y. Mullins)
“competência da alma”. Uma ênfase bíblica fiel na mediação
exclusiva de Cristo (a ênfase da Reforma) foi trocada
(conscientemente?) por uma defesa errônea da capacidade humana.
Na melhor das hipóteses, a ideia de competência da alma apenas
reafirma uma implicação do fato de que os seres humanos são criados
à imagem de Deus — somos feitos seres espirituais capazes de ter
relacionamento com Deus. Na pior das hipóteses, a ideia se degenera
em humanismo semirreligioso no qual proclamar a obra de Cristo se
torna desnecessário. Como resultado dessa doutrina mal empregada,
cada aspecto da teologia é remodelado — desde a expiação até a
inspiração da Escritura. Na eclesiologia, ela tende a destruir ideias de
autoridade e liderança na igreja. Contudo, liderança é um dom de
Deus e deve ser recebida pelas igrejas como tal. Rejeitar a liderança
priva a igreja de um dom de Cristo, empobrece o corpo e obstrui a
igreja em sua obra e vida. O governo da igreja é como as agarras de
um anel que segura o precioso tesouro do evangelho — são
comparativamente insignificantes, e seu propósito e função é segurar
o que é mais importante.
Três igrejas que pregam o evangelho e têm diferentes formas de
governo (por exemplo, episcopais, presbiterianos e congregacionais)
podem parecer iguais quando tudo está indo bem. Todavia, se
ocorrem problemas, suas formas de governo se manifestam em cores
vívidas. Diferenças são vistas como importantes, às vezes, até vitais
— chegando a determinar se um testemunho fiel do evangelho
continua ou não naquela igreja. Embora nenhuma forma de governo
elimine os problemas de uma congregação, uma estrutura
cuidadosamente bíblica que reconhece tanto a liderança dos
presbíteros quanto a responsabilidade da congregação protege melhor
o rebanho (Atos 20.28; 1 Pedro 5.2) e encoraja os líderes (Hebreus
13.17). Ainda que as congregações mais biblicamente estruturadas
cometam erros, quanto mais próximo um governo de igreja estiver do
reconhecimento das responsabilidades bíblicas mantidas pelos
presbíteros e pela congregação, tanto mais bem protegida e preparada
será a congregação para as tempestades que vêm inevitavelmente a
todas as igrejas neste mundo caído.

OS PAPÉIS DOS GÊNEROS E A LIDERANÇA NAS IGREJAS


Um fator que tem levado muitas igrejas locais a adotar um modelo de
liderança de presbíteros ou a evitar esse modelo tem sido a
controvérsia crescente na cultura popular sobre distinções baseadas
em gênero. Afinal de contas, o Novo Testamento é relativamente
claro em reservar o ofício de presbítero aos homens. Mas uma
sociedade que tem negado o gênero como um distintivo apropriado
para o casamento perdeu, há muito, qualquer senso dos papéis dos
gêneros na igreja. Historicamente, a igreja aceitou sem questionar o
ensino do Novo Testamento sobre o presbiterado masculino. Contudo
essa posição foi abandonada progressivamente na América do século
XX. Em 1924, os metodistas episcopais aprovaram a ordenação de
mulheres. Foram seguidos pelo principal grupo de presbiterianos do
Norte em 1956, e depois pelos episcopais em 1976, e, finalmente,
pelo principal grupo luterano em 1979.375 Entre os movimentos
neopentecostais, Aimee Sempre McPherson, Kathryn Kuhlman e
outras mulheres tiveram proeminentes ministérios de ensino.
Entre as igrejas batistas, o movimento em direção à ordenação de
mulheres tem sido mais lento, porém o processo tem sido ajudado
indubitavelmente por estruturas extrabíblicas como comissões,
concílios de igrejas e posições de empregados da igreja, que não são
nem ordenadas nem descritas na Escritura e que, por isso mesmo, têm
sido ocupadas por mulheres — até em igrejas biblicamente
conservadoras. Implementar a pluralidade de presbíteros fará com que
lidemos com passagens bíblicas claras, conectadas com tais assuntos,
e que apoiam a liderança masculina na congregação.376

ISTO É IMPORTANTE PARA A CULTURA DA IGREJA


Uma doutrina de igreja afeta não somente as questões de liderança,
membresia e estrutura formal, mas também as questões de cultura da
igreja.

CULTURA DE DISCIPULADO NA IGREJA


Juntamente com a inflexível e definida estrutura organizacional de
uma igreja, há a cultura de uma igreja, que é mais sutil, mutável e
variável. A cultura de uma igreja é constituída pela combinação de
expectativas e práticas específicas que não fazem da igreja uma
igreja, mas que, na verdade, tipificam uma congregação específica.
Suponha que uma congregação seja marcada por graciosidade, um
interesse pela verdade e um zelo por missões. Tais qualidades são
certamente apropriadas e coerentes com a apresentação bíblica de
uma igreja, mas não são exigidas especificamente de cada
congregação a fim de ser reconhecida como uma verdadeira igreja.
No entanto, a solidez de uma igreja é grandemente promovida
quando a congregação desenvolve uma cultura de discipulado e
crescimento na qual o crescimento cristão individual é algo normal,
não excepcional. Além disso, um indicador de crescimento é um nível
crescente de interesse pelo estado espiritual dos outros. Um interesse
pelos outros deve incluir os não cristãos ao redor do mundo (uma
ênfase em missões), bem como na área da própria congregação (uma
ênfase em evangelização), e, em especial, os outros membros da
congregação (portanto, uma ênfase em discipular uns aos outros).
Uma cultura de discipulado, evangelização e missões encoraja melhor
a igreja a ser aquilo para o que Deus a criou — um reflexo de seu
próprio caráter.
As igrejas recebem a graça de Deus, se deleitam nela e refletem-
na aos outros. As congregações deveriam notar e repetir evidências da
graça de Deus na vida uns dos outros por meio de testemunhos e
outros encorajamentos públicos. Testemunhos no batismo, pedidos de
oração inteligentes, conversas durante reuniões de membros — essas
e muitas outras maneiras podem encorajar a igreja no discipulado e
tornar a atmosfera proveitosamente estimuladora de crescimento
cristão.377

O DESAFIO PRESENTE DO NOMINALISMO


Em contraste com essa radiante visão da igreja, há um amplo e
crescente nominalismo em muitas igrejas evangélicas
contemporâneas. Congregação após congregação é marcada por
“membros” nominais que não frequentam a igreja. E entre esses
membros que não frequentam, muitos vivem de maneira indistinta
dos incrédulos ao seu redor. Esse nominalismo obscurece e prejudica
a evangelização cristã; empurra a igreja e os cristãos individuais em
direção à desilusão, desânimo apático ou divisão; e, em última
análise, desonra a Deus.378 Se essa é a situação a ser enfrentada, a
importância da natureza e da vida da igreja local tem de ser
redescoberta. Os evangélicos têm sugerido várias respostas para o
declínio nas igrejas de nossos dias. O espaço nesta obra só nos
permite mencionar algumas.
Resposta do Espírito: pentecostalismo. Desde o começo do século
XX, o surgimento do pentecostalismo tem sido razoavelmente o
desenvolvimento sociológico mais significativo no cristianismo
mundial. O panorama cristão na África e na América do Sul foi
transformado, e igrejas mais estabilizadas na Europa e na América do
Norte foram afetadas. Muitos desses cristãos pensam que a resposta
para os problemas da igreja está na redescoberta do ensino bíblico do
batismo do Espírito Santo. Muitos pentecostais dizem que essa
experiência, que inclui falar línguas desconhecidas, significa
conversão. Muitos carismáticos mais novos dizem que o batismo do
Espírito Santo é uma segunda experiência destinada a cada crente
depois da conversão. Eles creem que cristãos revigorados por esse
batismo substituiriam o testemunho lamentável e fraco de muitos
cristãos e suas congregações.
Resposta de tamanho: cada membro/grupo pequeno/igreja nos
lares. Outros grupos de cristãos têm sugerido que a resposta para o
cristianismo nominal está em redescobrir a dinâmica de grupos
pequenos, nos quais não existem funções para membros inativos. Isso
tem sido advogado, de maneiras variadas, por meio do uso de grupos
pequenos, da estrutura de igreja em células e do movimento de igreja
nos lares.379 Alguns têm até defendido a ideia de estabelecer limites
de quantidade baixa nas congregações, afirmando que qualquer coisa
além do número estabelecido torna as igrejas em meros “pontos de
pregação” e destrói a capacidade de pastorear do pastor, bem como a
capacidade dos membros para se envolverem de maneira significativa
com outros membros no ministério.
Resposta de substitutos: organizações paraeclesiásticas, igreja
norteada por propósito, ministérios homogêneos e igreja centrada em
missões. Ainda outros cristãos têm desistido da tradicional
congregação local e heterogênea. Esse desprezo ou rejeição pode ser
observado na filosofia de crescimento que recomenda congregações
inteiras ao redor de uma única declaração de visão. Também é visto
em alguns modelos de “igreja norteada por propósito”. A rejeição de
heterogeneidade é até mais ressaltada em congregações que fixam sua
missão em um grupo homogêneo, definido em termos de etnia, de
geração, de igualdade sociodemográfica ou de outra maneira.380 O
princípio de unidade homogênea está por trás desta abordagem — o
reconhecimento de que, em missões, pessoas de determinado grupo
alcançam pessoas do mesmo grupo. Por exemplo, membros de uma
casta na Índia têm mais dificuldade para alcançar indivíduos de uma
casta diferente. No entanto, o princípio de unidade homogênea tem
reordenado a eclesiologia de muitas igrejas em nome da
evangelização. Sua conclusão lógica é a rejeição de toda a
congregação em troca de um subgrupo paraeclesiástico, embora
possam continuar referindo-se a si mesmos como uma igreja.381
Resposta de adeus: individualismo. Ainda outros que se chamam
de cristãos têm percebido o triste estado de muitas igrejas e concluído
que a congregação organizada deveria simplesmente ser rejeitada.
Essa rejeição pode ocorrer de maneira pública, como aconteceu no
pronunciamento do pregador de rádio Harold Camping, ao proferir
que os cristãos deveriam abandonar as igrejas porque a era da igreja
havia acabado.382 Ou pode ocorrer de maneira mais quieta, quando
pessoas simplesmente desistem de participação na igreja. Todavia,
em ambos os casos, pessoas que se declaram cristãs enfatizam algo
parecido com o ensino de Jesus sobre o coração ou doutrinas como a
da justificação somente pela fé para atestar sua rejeição do papel da
congregação na vida cristã. Em resumo, o nominalismo e a hipocrisia
nas igrejas são usados para justificar o não envolvimento.
Resposta de vendas: entusiasmo, dê-lhes o que eles querem,
pragmatismo, marketing, consumismo. Outros colocam a esperança
de recuperação da igreja em recriar entusiasmo. Muitos autores e
pastores apelam a uma experiência de novidade do convertido, uma
experiência histórica da igreja em um tempo de avivamento ou até à
jovem igreja no livro de Atos, a fim de argumentarem que a melhor
maneira para avançar é replicar aquele entusiasmo. Embora
diagnósticos específicos dos problemas possam variar, a maioria das
soluções tendem em direção a um pragmatismo do tipo “dê-lhes o que
eles querem”. A evangelização começa a parecer marketing, e a
membresia da igreja a parecer consumismo.383
Resposta sacramentalista: cultos alternativos de igreja alta,
igreja emergente, “a Grande Tradição”. Ainda outros creem que o
problema nas igrejas surge de um foco errado (ou, pelo menos,
desnecessário) na apropriação subjetiva da fé cristã pelos indivíduos.
Em resposta, eles advogam uma refocalização nas ordenanças
objetivas, ou sacramentos, da igreja, e não nas respostas de piedade
do indivíduo. Essas respostas sacramentalistas podem ser achadas em
grande variedade. Algumas congregações de cultos múltiplos estão
oferecendo cultos alternativos de igreja alta. Alguns no movimento
“igreja emergente” estão se reengajando em práticas de
espiritualidade da pré-reforma (e, em alguns casos, do pré-
cristianismo) sem compreenderem plenamente o entendimento do
evangelho latente naquelas práticas da pré-reforma.
Entre os reformados, alguns estão exigindo um objetivismo na
vida e na confissão cristã que parece negar qualquer lugar à piedade
pessoal e à resposta subjetiva ao evangelho. Em vez disso, estão
promovendo o que consideram como pietismo evangélico
problemático.384 De modo mais geral, protestantes evangélicos estão
rejeitando cada vez mais tudo que é especificamente evangélico ou
protestante, substituindo esses distintivos com “a Grande
Tradição”.385
Resposta bíblica: a igreja criada pelo Espírito de Deus, por meio
de sua Palavra, na forma de sua igreja. A essas e a muitas outras
supostas soluções para os problemas atuais nas igrejas, devemos
recorrer implacavelmente às Escrituras. Um entendimento claro do
evangelho é fundamental para qualquer renovação genuína nas igrejas
evangélicas. Soluções tratadas como normativas, mas que não se
acham na Escritura devem ser rejeitadas como tradição moderna que
não tem a autoridade dos apóstolos. A eclesiologia não pode ser
reduzida a evangelização ou a autoaprimoramento. Na igreja cristã, o
consumidor reinante deve se tornar um pecador que se arrepende. É
melhor não receber as ordenanças estabelecidas pelo Senhor do que
recebê-las sem a fé pessoal (ver 1 Coríntios 11.30). Deus cria a sua
igreja pela ação de seu Espírito, servindo-se de sua Palavra. Todas as
outras respostas à falta de discipulado em muitas das igrejas
contemporâneas agravam os problemas que elas tencionam abordar.

ISTO É IMPORTANTE PARA O CARÁTER DA IGREJA


A cultura da igreja, como a vida de uma pessoa, reflete o caráter da
igreja. Se a doutrina da igreja anunciada neste capítulo deve ser
aplicada, a prática de disciplina eclesiástica corretiva tem de ser
redescoberta.

COMO PRATICAR DISCIPLINA ECLESIÁSTICA HOJE


A redescoberta da disciplina eclesiástica exige que a vejamos como
uma parte natural do ser membro de igreja. Deve ser ensinada nas
aulas de novos membros. Deve ser considerada em sermões,
testemunhos e boletins. E livros sobre o assunto podem ser
recomendados. Muitas pessoas tratam esse assunto de modo
apologético e agem como se a adoção da prática da disciplina fosse
lastimável. Embora os pecados e suas consequências trágicas que
exigem disciplina sejam angustiantes, a tentativa de disciplinar
corretivamente o pecador não o é. Quando feito com humildade,
oração e amor, ela edifica o corpo e glorifica a Deus.386
Uma cautela é apropriada nesta altura. A disciplina eclesiástica
parecerá estranha e até ofensiva se introduzida em uma congregação
não caracterizada por uma cultura de cuidado mútuo, de desejo de
envolver-se com os outros e de paixão por discipular na fé. Um pastor
pode desejar ser obediente às Escrituras, mas as congregações
sentirão que o profundo envolvimento em suas vidas exigido pela
prática de disciplina é antinatural e errado, se coisas como pacto de
igreja e expectativas de membresia não tiverem sido ensinadas com
clareza. O primeiro passo em direção a praticar disciplina eclesiástica
em uma congregação é simplesmente ensinar as pessoas a orar umas
pelas outras e cuidar umas das outras. Aprender o amor e a disciplina
mútuos — praticar verdadeiramente o sacerdócio de todos os crentes
— é um pré-requisito para introduzir a disciplina corretiva. A
disciplina formativa deve preceder a disciplina corretiva.

POR QUE PRATICAR DISCIPLINA ECLESIÁSTICA HOJE?


A disciplina eclesiástica fornece uma parte da resposta necessária ao
nominalismo prevalecente nas igrejas contemporâneas. Os pastores
devem considerar que seguir as instruções bíblicas em cada área da
vida da igreja — incluindo as práticas de admissão e disciplina de
membros — pode ser a chave para a saúde que falta à igreja. Se
pastores desejam que pecadores se arrependam, precisam
compreender que a disciplina é uma maneira bíblica de conseguir
isso. Se líderes de igreja querem que suas congregações sejam
caracterizadas por gratidão de coração e santidade de vida, devem
reexaminar sua prática de disciplina eclesiástica. A saúde de toda a
igreja seria melhorada radicalmente em muitas congregações pela
excomunhão daqueles membros que são mais comprometidos com
pecados como ausência das reuniões, dissensão, adultério ou
fornicação do que com a glória de Deus. A ação de excluir o
impenitente capacita a igreja a dar um testemunho claro do evangelho
ao mundo. E, em última análise, traz glória a Deus, quando seu povo
manifesta cada vez mais seu caráter e amor santo.

ISTO É IMPORTANTE PARA A GLÓRIA DE DEUS

A IGREJA EXIBE O EVANGELHO


John L. Dagg concluiu a introdução à sua obra Treatise on Church
Order (Tratado sobre Ordem da Igreja) com esta admoestação
apropriada:
A ordem da igreja e os cerimoniais de religião são menos importantes do que um
novo coração; e, na opinião de alguns, qualquer investigação laboriosa de
questões referentes à ordem da igreja e aos cerimoniais talvez pareça
desnecessária e inútil. Mas sabemos, com base nas Escrituras, que Cristo deu os
mandamentos sobre tais assuntos, e não podemos recusar-nos a obedecer-lhes. O
amor impele nossa obediência. E o amor impele também a busca que talvez seja
necessária para determinarmos a vontade de Cristo. Realizemos, portanto, as
investigações que estão diante de nós, com oração fervorosa, para que o Espírito
Santo nos guie a toda verdade, nos ajude a aprender a vontade daquele que
amamos e adoramos supremamente.387

Muitos protestantes começaram a pensar que, se a igreja não é


essencial ao evangelho, não é importante para o evangelho. Essa é
uma conclusão falsa, antibíblica e perigosa. Nossas igrejas são a
confirmação do evangelho. Nas reuniões da igreja, as Escrituras
cristãs são lidas. Nas ordenanças da igreja, a obra de Cristo é exibida.
Na vida da igreja, o caráter de Deus deve ser evidente. Uma igreja de
caráter seriamente comprometido pode fazer o evangelho parecer
irrelevante.
A doutrina da igreja é importante porque está vinculada às
próprias boas-novas. A igreja deve ser a manifestação do evangelho.
É o que evangelho parece quando manifestado na vida das pessoas.
Remova a igreja e, assim, você remove a manifestação visível do
evangelho no mundo. Os cristãos nas igrejas são chamados a praticar
“evangelização de exibição”, e o mundo testemunhará que o reino de
Deus começou numa comunidade de pessoas feitas à imagem de
Deus e nascidas de novo pelo Espírito Santo. Os cristãos, não apenas
como indivíduos, mas também como o povo de Deus reunido em
igrejas, são o retrato mais claro que o mundo vê de quem Deus é e de
qual é a sua vontade para eles. Jesus disse: “Nisto conhecerão todos
que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (João
13.35). E Paulo afirmou: “Para que, pela igreja, a multiforme
sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e
potestades nos lugares celestiais, segundo o eterno propósito que
estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Efésios 3.10-11).

363. Se isso fosse entendido amplamente entre os membros, as congregações seriam capazes
de considerar atentamente a delicada questão da relação entre os filhos dos membros da
igreja e a própria igreja.
364. Quanto a mais informações sobre por que um crente deve se unir a uma igreja, ver Jim
Samra, The Gift of a Church (Grand Rapids: Zondervan, 2010).
365. Quanto a mais informações sobre esse assunto, ver Mark Dever, 9 Marcas de Uma
Igreja Saudável (São José dos Campos, SP: Fiel, 2007); também Mark Dever, Refletindo a
Glória de Deus (São José dos Campos, SP: Fiel, 2008); Mark Dever, “Regaining Meaningful
Membership”, em Restoring Integrity in Baptists Churches, ed. Thomas White, Jason
Duesing e Malcolm Yarnell (Grand Rapids: Kregel, 2008), 45-61.
366. Ver Byron Straughn, “For the Parachurch: Know the Difference Between Families and
Soccer Teams”, http://www.9marks.org/ejournal/parachurch-know-difference-between-
families-soccer-teams, acesso em 28 de julho de 2011.
367. Um guia proveitoso para isso é Thabiti Anyabwile, O que É um Membro de Igreja
Saudável (São José dos Campos, SP: Fiel, 2010). Anyabwile explicou que um membro de
igreja saudável é um ouvinte de mensagens expositivas, um teólogo bíblico, saturado com o
evangelho, genuinamente convertido, um evangelista bíblico, um membro comprometido,
que busca disciplina, um discípulo que cresce, um seguidor humilde e que guerreia com
oração.
368. Muito trabalho histórico precisa ser feito nesta área, mas os seguintes fatos são
sugestivos. Considere os notáveis ministros batistas dos séculos XVIII e XIX. John Gill foi
criado num lar batista e foi batizado aos 19 anos, em 1716 (a apenas três semanas de seu
vigésimo aniversário). Samuel Medley foi criado num lar batista e foi batizado aos 22 anos,
em dezembro de 1760. Richard Furman foi criado num lar não cristão e foi batizado aos 17
anos, em 1772. John Dagg foi batizado em Middleburg (Virginia) aos 18 anos, na primavera
de 1812. J. Newton Brown foi batizado em Hudson (New York) aos 14 anos, em 1817. J. M.
Pendleton foi batizado perto de Pembroke (Kentucky) aos 18 anos, em 1829. P. H. Mell foi
criado num lar fortemente cristão e foi batizado aos 18 anos, em 1832 (de acordo com sua
biografia escrita por seu filho). J. R. Graves foi criado num lar fortemente cristão e foi
batizado aos 15 anos, em 1835 (de acordo com a biografia de O. L. Hailey). Sylvanus
Dryden Phelps (autor do hino “Something for Thee”) foi criado num lar cristão e foi batizado
aos 22 anos, em 1833 (de acordo com a Baptist Encyclopedia, de William Cathcart). John A.
Broadus foi criado num lar fortemente cristão e foi batizado aos 16 anos, em 1843 (de acordo
com a biografia de A. T. Robertson). Charles Fenton James foi batizado em 1864 aos 20
anos, nas trincheiras perto de Petersburg (Virginia), enquanto era um soldado confederado
(ver George B. Taylor, Virginia Baptist Ministers, 38). C. H. Spurgeon batizou dois de seus
filhos quando tinham 18 anos (ver Dallimore, Spurgeon, 181). John R. Sampey foi criado
num lar cristão e foi batizado aos 13 anos, em 1877 (de acordo com sua Memoirs, 7). Ele já
havia trabalhado na propriedade rural de seu pai. E. Y. Mullins foi criado no lar de um pastor
batista no Texas e foi batizado aos 20 anos, em 1880. Todos esses pastores já tinham seu
emprego quando foram batizados. H. Wheeler Robinson foi criado por uma mãe cristã em
Northampton (Inglaterra) e foi batizado aos 16 anos, em 1888.
Essa demora ainda é típica entre a maioria dos batistas na África, Europa e outros países
além-mar. Por exemplo, considere a prática na França: “Colocado no meio do culto, ele [o
batismo] serve como a peça central do culto. O batismo na França tende a acontecer em idade
posterior — aos 16 para os mais novos — e os candidatos sempre dão testemunho antes de
serem batizados. Embora essas tradições e práticas pareçam estranhas, o resultado é uma fé
vibrante e dinâmica que coloca os batistas à margem do movimento evangélico na França e
na Europa” (C. Frank Thomas, em Why I Am a Baptist, ed. Cecil P. Staton Jr. [Macon, GA;
Smyth & Helwys, 1999], 170).
369. Ver Dennis Gunderson, Your Child’s Profession of Faith (Amityville, NY: Calvary,
1994); e Jim Eliff, Childhood Conversions (Parkville: Christian Communicator Worldwide,
1997).
370. Ver Hippolytus, On the Apostolic Tradition, trad. Alistair Stewart-Sykes (Crestwood,
NY: SVS Press, 2001), 103.
371. Ver P. B. Jones et al., “A Study of Adults Baptized in Southern Baptist Churches,
1993”, Research Report, January 1995 (Atlanta: Home Mission Board).
372. Eugene Kennedy e Sara Charles, Authority: The Most Misunderstood Idea in America
(New York, Free Press, 1997), 1.
373. C. J. Mahaney, Humildade: Verdadeira Grandeza (São José dos Campos, SP: Fiel,
2008) é um excelente recurso para se considerar a natureza e o cultivo da humildade cristã
que deve caracterizar uma igreja e seus pastores.
374. Quanto a um tratado excelente sobre essa doutrina, ver Timothy George, “The
Priesthood of All Believers and the Quest for Theological Integrity”, CTR 3, no. 2 (1989):
283-94.
375. Ver Mark Noll, A History of Christianity in the United States and Canada (Grand
Rapids: Eerdmans, 1992), 513.
376. Ver Grudem e Rainey, Pastoral Leadership. Deve ser notado que liderança
genuinamente bíblica é consensual, não coerciva, e se preocupa com guiar e servir, e não
“dominar” os outros com orgulho. Se questões mais seculares de poder forem levantadas,
deve ser lembrado que na maioria das igrejas as mulheres constituem a maior parte dos
membros; por isso, mulheres deveriam se organizar como mulheres (juntamente com homens
que concordassem com elas) em qualquer tempo e mudar sua prática de igreja, se ficassem
convencidas de que as posições descritas neste capítulo e praticadas tradicionalmente pelos
cristãos estão erradas.
377. Um bom curso de estudo para os líderes de igreja local entenderem e se moverem em
direção a esse ponto de vista mais orgânico da igreja pode ser os seguintes quatro livros,
nesta ordem: Joseph Bayly, The Gospel Blimp (Chicago: David C. Cook, 2002); Robert
Coleman, The Master Plan of Evangelism (Grand Rapids: Fleming H. Revell, 1963); Colin
Marshal e Tony Paine, The Trellis and the Vine (Youngston, OH: Matthias Media, 2009); e
Mark Dever e Paul Alexander, Deliberadamente Igreja (São José dos Campos, SP: Fiel,
2008).
378. Examinando o estado das igrejas no século XIX, John L. Dagg escreveu: “Muito do que
existia, e existe agora, entre os seguidores professos de Cristo não pode ser contemplado por
uma pessoa que o ama sinceramente sem profunda tristeza” (John L. Dagg, A Treatise on
Church Order [Southern Baptist Publication Society, 1858], 11). Um século e meio depois,
John Piper refletiu sobre o inquietante estado de muitas igrejas contemporâneas: “A injustiça,
a perseguição, o sofrimento e as realidades infernais no mundo hoje são muitas, tão grandes e
tão próximas, que não posso deixar de pensar que, em sua alma, as pessoas estão anelando
por algo inabalável, grande, arraigado, estável e eterno. Portanto, acho que brincar com
pequenas esquetes tolas e estilos animados para fazer os visitantes se sentirem bem na igreja,
nos domingos de manhã, está em desarmonia com o que é importante na vida (...) duvido que
um ethos religioso com tal sentimento de entretenimento possa realmente sobreviver por
muitas décadas” (Counted Righteous in Christ [Wheaton, IL: Crossway, 2002], 22-23).
379. Mark Dever, “The Priesthood of All Beleivers: Reconsidering Every Member
Ministry”, em The Compromised Church, ed. John H. Armstrong (Wheaton, IL: Crossway,
1998), 85-116.
380. Quanto a uma crítica de uma tendência popular de homogeneidade nas igrejas, ver
Kevin DeYoung e Ted Kluck, Why We’re Not Emergent (By Two Guys Who Should Be)
(Chicago: Moody, 2008).
381. Quanto a uma boa explanação eclesiológica da natureza diversa da igreja local — suas
raízes bíblicas, sua importância teológica e desenvolvimentos práticos — ver Bruce Milne,
Dynamic Diversity: Bridging Class, Age, Race and Gender in the Church (Downers Grove,
IL: IVP, 2006).
382. Entretanto, deve ser notado com admiração que esse idoso pregador do rádio anunciou
que a era da igreja foi sucedida pela “era do rádio”. Ver J. Ligon Duncan e Mark Talbot,
Should We Leave Our Churches? A Biblical Response to Harold Camping (Phillipsburg:
P&R, 2004).
383. Quanto a um relato fascinante da influência de práticas de negócios nas igrejas, ver John
Hardin, “Retailing Religion: Business Promotionalism in American Christian Churches in the
Twentieth Century” (Dissertação de Ph.D não publicada, University of Maryland, 2011).
384. Ver Guy Prentiss Waters, The Federal Vision and Covenant Theology (Phillipsburg, NJ:
P&R, 2006).
385. Infelizmente, muitos dos que defendem esta posição, embora se vejam como
protestantes, estão adotando a posição católica romana nos debates da época da Reforma
sobre a apostolicidade de certas práticas e doutrinas. Interesse pelos ensinos dos pais da
igreja não é algo novo entre os evangélicos. Era proeminente na obra de Martinho Lutero,
João Calvino, Thomas Cranmer, John Jewel e outros reformadores na Europa. Mas hoje os
disputantes não têm a experiência dos reformadores de haverem vivido numa Igreja Católica
Romana que não era desafiada pelas Escrituras e carregada de séculos de acréscimos
doutrinários, acréscimos que não haviam sido examinados atentamente à luz do ensino
apostólico.
386. Quanto a instruções práticas sobre como realizar disciplina eclesiástica, ver Jay Adams,
Handbook of Church Discipline (Grand Rapids: Ministry Resources Library, 1986); e Mark
Dever, em Polity: Arguments on How to Conduct Church Life (Washington, DC: Center for
Church Reform, 2001).
387. Dagg, Treatise on Church Order, 12.
Sua igreja é saudável? O Ministério 9Marcas existe para equipar
líderes de igreja com uma visão bíblica e com recursos práticos a fim
de refletirem a glória de Deus às nações através de igrejas saudáveis.
Para alcançar tal objetivo, focamos em nove marcas que
demonstram a saúde de uma igreja, mas que são normalmente
ignoradas. Buscamos promover um entendimento bíblico sobre: (1)
Pregação Expositiva, (2) Teologia Bíblica, (3) Evangelho, (4)
Conversão, (5) Evangelismo, (6) Membresia de Igreja, (7) Disciplina
Eclesiástica, (8) Discipulado e (9) Liderança de Igreja.

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