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Press

Francis A. Schaeffer

A Marca do

CRISTÃO

DO

Prefácio de Caio Fábio


à edição em português.
Uma homenagem aos 25 anos
da morte de Francis Schaeffer.
2 A Marca do Cristão

A Marca do Cristão
Francis A. Schaeffer
Abba Press Ed. e Div. Cult. Ltda.

Categoria: Vida Cristã


Cód. 01.02.154.0808.1
Agosto/2008

Originalmente publicado em inglês por:


IVP - Inter-Varsity Press sob o título:
The mark of the Christian

Citações bíblicas extraídas da Bíblia King James


Atualizada (KJA) com a devida permissão.
O Sociedade Bíblica Ibero-Americana

Hipertexto, tradução e comentários


Jornalista Julio Scarparo

Revisão

Maria Isabel Dutra

Coordenação Editorial
Cida Paião

Impressão
imprensa da Fé

ISBN 978-85-7857-007-1
É permitida a reprodução de
partes deste livro, desde que
citada a fonte e com a devida
autorização escrita dos editores.

Abba

R. Manuel A. Medina, 298 - CEP 04650-031 - São Paulo - SP


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Conteúdo

Prefácio 05

Apresentação --- 11

A Marca do Cristão 13

Somente Para os Cristãos Verdadeiros 23

Perdão 51

Bibliografia 80
4 A Marca do Cristão

LAMENTO - Evangeline Paterson(A)

Clamai, clamai por aqueles


Que fazem a obra do Senhor
Com um olhar altivo
E um coração orgulhoso.
Erguem suas vozes
Nas ruas, e ouve-se o seu clamor.
Quebram a cana torcida
Com sua grande força, e a que fumega
Eles esmagam com os pés.

Clamai, não pelos oprimidos


(Pois Deus ouvirá o clamor deles,
O Senhor virá salvá-los).
Mas clamai, clamai pelos que os oprimem.

Pois quando o Dia do Senhor


Chegar, e os vales cantarem de alegria
E as colinas baterem palmas
E a luz brilhar
Então seus olhos serão abertos
Sobre um lugar árido,
Que arde sem chamas,
A fumaça do linho cáustico
Em suas narinas,
Seus pés perfurados
Pelas canas quebradas
Madeira, feno e palha,
E sem nenhuma grama verde,
E todos os pássaros voaram.

Clamai, clamai por aqueles


Que têm feito um deserto
Em nome do Senhor. (B)
Extraído de Deep Is the Rock. - 1966 by Christianity Today. Reproduzido com permissão.

A Evangeline Paterson (1928-2000), poeta irlandesa, fundadora da Revista Other


Poetry.

B O contexto de João 13KJA é a última ceia. Em seus momentos finais, Jesus


ensina que o amor está relacionado com a humildade. O poema lamenta que
muitos seguidores não entendam essa mensagem.
Prefácio
À edição em português
Uma homenagem aos 25 anos
da morte de Francis Schaeffer

Francis A. Schaeffer nasceu na Pensilvânia, nos


Estados Unidos, e freqüentou o Faith Theological Seminary,
graduando-se em 1938. Pastoreou muitas igrejas na
Pensilvânia e no Missouri. Em 1940, portanto durante a II
Grande Guerra, viajou pela Europa através do Concílio
Mundial de Igrejas, e viu grande necessidade espiritual em
toda a região; e, como resultado disso, mudou-se para
Lausanne, na Suíça, em 1948, após a guerra.

Enquanto vivia por lá, Schaeffer tornou-se uma


espécie de "missionário para os jovens". Isso porque ele viu
que as igrejas não sabiam se comunicar com a juventude e
nem tinham resposta para as questões dos moços daqueles
dias.

Assim, no ano em que eu nascia em Manaus, 1955,


ele abria sua casa para receber jovens, a fim de explicar o
Evangelho a eles, aceitando também toda sorte de discussão,
não importando a natureza filosófica.

Nascia, assim, o Ministério L'Abri!

Com seu jeito diferente, vestindo roupas que mais


lembravam um homem de tempos antigos, com meias que
se prendiam às pernas da calça à altura superior da batata da
perna, usando cintos estilosos e largos, e camisas largas que
6 A Marca do Cristão

apertavam nos punhos, também cultivando um cabelo longo


e um cavanhaque moderado, ele em nada se parecia com o
que O "establishment” apresentava como "imagem", e muito
menos com o que ensinavam; e menos ainda com o modo
da "igreja oficial" dizer as coisas.

Com a chegada dos anos 60, e com o advento do


Movimento Hippie, o Ministério L'Abri o qual se -

misturava com a casa de Francis -, passou a ser procurado


por hordas de jovens do mundo inteiro, e que para lá
acorriam em busca de resposta e de espaço para questionar.

Schaeffer publicou muitos livros e numerosos artigos,


os quais afetaram profundamente os cristãos de sua geração,
especialmente os que buscavam respostas para os conflitos
agudos que, à época, eram levantados em todo o mundo
ocidental.

Morreu de câncer, nos Estados Unidos, no dia 15 de


maio de 1984, em Rochester, Minnesota. Chorei quando
soube de sua morte, que me foi informada por um amigo
que, como eu, o admirava.

Francis A. Schaeffer certa vez escreveu:

"Nós não apenas cremos na existência da verdade,


mas também cremos que nós temos a verdade a verdade

que podemos compartilhar no Século XX. Você pensa que


nossos contemporâneos nos levarão a sério se nós não
praticarmos a verdade na qual dizemos crer? Numa Era que
não acredita que a verdade exista, você crê que nós teremos
qualquer credibilidade se não praticarmos a verdade...?”

Schaeffer viveu num mundo, no qual boa parte dos


Prefácio 7

teólogos protestantes haviam embarcado no chamado


"liberalismo teológico", o qual, sobretudo, questionava a
historicidade de Jesus. Assim, Schaeffer entendeu que tal
proposta "teologicamente liberal" anulava o escândalo da
Encarnação, e, em si mesma, destruiria a fé.

Desse modo, sua cruzada era pela afirmação da


Revelação como tendo acontecido "num certo dado
momento histórico", de "modo progressivo", porém
"inspirado e confiável", a qual tinha em Jesus seu ápice e
consumação.

Além disso, para ele, caso o "Jesus da fé” passasse a


ser apenas um “fenômeno", um conto divino, uma
construção da fé, então, o Jesus dos evangelhos passaria a
ser apenas uma “viagem”, uma evasão da realidade, a mais
potente e irreal de todas as drogas.

Por essa mesma razão Schaeffer denunciou a


dicotomia e a dissociação entre natureza e graça, e, por conta
disso, insistiu numa relação com Deus que tivesse na
Revelação Escrita e Proposicional (a Escritura), o
fundamento histórico e o testemunho mediante o qual
Natureza e Graça se fundiam, ou seja, na Encarnação. Sendo
também essa a suprema manifestação da própria noção de
História, visto que o eterno se encarnara no tempo e no
espaço.

Daí, para Schaeffer, o mundo material também ser


objeto de restauração e ressurreição, conforme as Escrituras.

Enfim, Schaeffer era crente numa sociedade cristã


cínica e descrente!
8 A Marca do Cristão

Meu encontro com os livros e pensamentos de


Schaeffer aconteceu no tempo em que eu lidava o dia inteiro
com os jovens e universitários da cidade de Manaus, na
década de 70, quando estava sempre pregando no Campus.
Ora, em razão disso, e do clima apologético exacerbado
daqueles dias, acabava por discutir muito a fé com professores
ateus, agnósticos, ou apenas com pessoas que queriam provar
que eu estava ali sem saber dar a razão da esperança que
havia em mim.

Foi nesse tempo que Schaeffer começou a me ajudar


muito. Começando com a "Morte da Razão", passando por
todos os seus livros, como “O Deus Que Está Presente”,
"Ele Está Presente e Não Está Calado", degustando seu livro
sobre Meio Ambiente, amando o seu "A Verdadeira
Espiritualidade", e lendo tudo o mais que achei dele em
espanhol e inglês, incluindo seus filmes e documentários -
entre 1977 e 1984, consumi tudo o que Schaeffer havia
produzido.

Em minha formação espiritual e filosófica, três foram


as grandes contribuições de Schaeffer para a minha vida.

Primeiramente, com ele, comecei a entender o


significado histórico, existencial e até cósmico da Queda.
Há uma dimensão ecológica na descrição que Schaeffer faz
da Queda, e, além disso, há a proposta da fé para lidar com
o "gemido da criação".

Foi também com ele que me senti estimulado a não


temer encarar todas as questões de meu tempo, tendo eu,
nesse caso, até mesmo discordado de Schaeffer em algumas
ocasiões.
Prefácio 9

Mas foi ele quem instilou em mim, positivamente, a


coragem de discordar também dele, como no caso de seu
livro "Manifesto Cristão", texto que julguei por demais
"ideológico e americano", não, porém, sem dele também
auferir bons e construtivos resultados para o meu
pensamento.

E, por último, Schaeffer ajudou-me a fincar pé com


toda coragem e alegria na certeza de que a fé em Jesus fazia
sentido com "o todo da realidade".

A convicção de Schaeffer acerca do "Deus que fala


hoje" alentou minha alma, pois, eu cria que Deus falava,
mas achava estranha a forma como a religião apregoava isso.
Em Schaeffer, porém, encontrei um modo de poder
manifestar a fé que era "crente e pensante", sem me sentir
culpado em razão daqueles para quem crer não implica em
pensar.

Schaeffer foi, seguramente, entre os cristãos de fé


bíblica, o pensador-cristão mais apaixonado do século
passado no que concernia a "apologética": a defesa da fé.

Nele amor e raiva coexistiam, paixão e razão


brigavam, e, sobretudo, um profundo amor pelos homens
gemia em sua alma ante sua fé na literalidade do inferno, ao
mesmo tempo em que se sentia seu desejo e paixão quanto
a esperar que a Graça de Deus alcançasse todos os homens.

"A Marca do Cristão" é seguramente um dos mais


simples e práticos de seus livros, e, com veemência, apela
para que os cristãos encarnem o amor de fato, ao invés de se
perderem no discurso acerca de um amor desencarnado e
sem praticidade.
10 A Marca do Cristão

Com certeza posso dizer Schaeffer foi um dos


que

mais importantes agentes humanos da formação básica de


minha visão intelectual da fé, especialmente nos primeiros
dez anos de minha caminhada, e, assim, muitos de meus
fundamentos foram dele assimilados.

Fica aqui, portanto, minha recomendação para que


este livro seja lido com todo carinho, atenção e vontade de
encarnar aquilo que, para Schaeffer, só poderia ser visto e
percebido como fato pelos homens, se fosse vivido
historicamente pelos discípulos de Jesus, ou seja, a fé que
historicamente atua pelo amor.

nEle,

CAIO FÁBIO D'ARAÚJO FILHO


Um devedor de Schaeffer
Apresentação

Lembro-me como se fosse hoje. Em meados de 1990,


na biblioteca da Faculdade Teológica Batista de São Paulo,
eu achei, meio sem querer, um livro do teólogo norte
americano Francis A. Schaeffer (1912-1984). Logo fiquei
impressionado com a sua abordagem sobre filosofia,
literatura, pintura e música. Não tive dúvidas: estava diante
de um grande pensador cristão.
Em 2005, fui convidado a escrever comentários à
trilogia de Schaeffer. Para tornar o texto prazeroso, adotei a
fórmula da crônica "bolada" por mim no ano anterior, que
mistura cotidiano, ética, moral, ironia e uso das entrelinhas.

A partir daí, foi um pé nas impressões da leitura deste livro,


A Marca do Cristão, e outro na trilogia: O Deus que Intervém, A
Morte da Razão e O Deus que se Revela.

O Que É Hipertexto?
Hipertextos são comentários sobre a trilogia de
Schaeffer ou pensamentos adicionais em diversas formas,
ora parecendo crônica, conto e fábula, ora lembrando
reportagem, tratado e aula de escola bíblica dominical. É
uma nova perspectiva que se abre ao cristianismo
contemporâneo, um jeito simples e profundo de abordar
diferentes temas bíblicos.

Portanto, o hipertexto não possui o formato dos


comentários tradicionais. Ele surge da necessidade de
12 A Marca do Cristão

aprimorar a relação escritor-leitor. Você é estimulado a


conhecer novos assuntos e relacioná-los ao seu dia-a-dia. Em

outros termos, a sua participação é fundamental.

Mensagem Relâmpago
Para Schaeffer, a fé cristã se baseia num cristianismo

histórico. Ele repetiu inúmeras vezes que Jesus viveu, morreu


e ressuscitou num determinado tempo e espaço. Dizia que
os discípulos não eram personagens criados por uma mente
criativa, fruto da fantasia, mas seres humanos que viveram
entre nós. Confiava tanto na Bíblia e no poder do Espírito
Santo que pregava a eruditos e a analfabetos com o mesmo
afinco. Ele era um profundo conhecedor da alma humana e
sabia, como poucos, a maneira de argumentar dos homens.

Grosso modo, a mensagem de Schaeffer enfatiza que


o homem é a imagem e semelhança de Deus. Só essa
afirmação já causa, ou deveria causar, um tremendo impacto
na sociedade. Significa que fomos criados por Alguém
superior a nós, com um propósito, não estamos perdidos
no universo. Outro importante ponto é a existência da
Trindade. Em virtude da comunicação na Trindade, o ser
humano possui linguagem. Esses traços divinos não
diminuem os terríveis efeitos da queda, é verdade, mas
deixam uma indelével marca de nobreza em cada um de
nós.

Bíblia King James Atualizada


Os versículos usados neste livro foram extraídos da

Bíblia King James Atualizada (KJA). É uma tradução dos


melhores originais disponíveis em hebraico, grego e
aramaico. Outros trechos da KJA se encontram no site da
Editora Abba Press, www.abbapress.com.br.
Ou ainda no site da Sociedade Bíblica Ibero-Ameri

cana, www.BibliaKingJames.com.br. JULIO SCARPARO


A Marca do Cristão

Durante séculos, os homens apresentaram diversos


símbolos para demonstrar são cristãos. Eles usaram
que

distintivos na lapela do paletó, cordões pendurados no


pescoço e até cortes de cabelo especiais.

Não há nada de errado nesses símbolos. Eles apenas


exteriorizam a opção religiosa da pessoa. Mas há um sinal
muito melhor - uma marca que não foi designada para uma
questão de conveniência, nem usada em ocasião especial ou
época específica. Trata-se de uma marca universal, que deve
perdurar em todas as eras da igreja até a volta de Jesus. Qual
é essa marca?
No fim do ministério, Jesus está na expectativa de
sua morte na cruz, ressurreição e ascensão. Como partiria
em breve, Ele prepara os discípulos para os próximos
acontecimentos. É nesse momento que Jesus apresenta a
marca peculiar do cristão:
"Filhinhos, Eu ainda permanecerei convosco por
pouco tempo. Vós me procurareis, mas como Eu disse aos
judeus, agora vos digo: 'para onde Eu vou, vós não podeis
ir'. Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos
outros; assim como Eu vos amei; que dessa mesma maneira
tenhais amor uns para com os outros. Através deste
testemunho todos reconhecerão que sois meus discípulos:
se tiverdes amor uns pelos outros" (João 13.33-35KJA).
14 A Marca do Cristão

A passagem de João revela a marca que Jesus define


para identificar um cristão, não apenas em uma época ou
local determinado, mas em todos os tempos e em todos os
lugares até a vinda de Cristo.

Veja que Jesus não oferece a descrição de um fato. É


mandamento que inclui condição: “Um novo mandamento
vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos
amei; que dessa mesma maneira tenhais amor uns para com
os outros. Através deste testemunho todos reconhecerão que
sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros."

Há um "se" envolvido aqui. Se você obedecer, usará


o emblema que Cristo estabeleceu. No entanto,
mandamentos podem ser transgredidos. Quando não
cumprimos esse mandamento, além de perdermos a marca,
ninguém nos reconhece como cristãos. Portanto, devemos
exibir a marca.

Hipertexto
O ofício do cristão

Com a velocidade de um moderno trem-bala, Francis


Schaeffer atinge rapidamente, logo no início do livro, um
ponto nevrálgico do cristianismo: a marca do cristão.
Deixando de lado as fantasias religiosas e as palavras de efeito,
Schaeffer lança luz sobre o mandamento do amor, marca
registrada dos cristãos em todos os tempos.

Quando resolvem abrir mão dessa marca essencial,


os discípulos se tornam motivo de piada pra muita gente. E
o circo pega fogo. Mais do que depressa, os amigos da onça
também pipocam, colocando mais lenha na fogueira, tudo
A Marca do Cristão 15

em nome da cobiça, do orgulho e do hedonismo. A partir


daí, é um pulo para o seguidor de Cristo se sentir anacrônico,
dentro e fora de sua comunidade, ele não é nada sem o ofício.

Mas Deus é amor, declara a Bíblia. E o Amor nunca


acaba. Com toda a sinceridade do mundo, precisamos nos
abrir para o genuíno amor cristão, que Schaeffer apresenta
magistralmente nesta obra. À medida que você compreender
e praticar as ordenanças do Evangelho, o amor divino irá
preencher cada vez mais o seu coração. Resultado: você
aproveitará rapidamente muitas oportunidades de contar a
história da morte e ressurreição de Cristo. O famoso trem
bala, nessa hora, parecerá trenzinho de criança.

Homens e Irmãos
Segundo o mandamento de João 13KJA, devemos
amar aos nossos irmãos em Cristo. Entretanto, a passagem
também aponta para um aspecto fundamental, que não pode
ser esquecido: devemos amar ao próximo. Se ficarmos com
os olhos voltados apenas para os irmãos, perdemos o
equilíbrio na vida cristã.

Todo homem é a imagem e semelhança de Deus. O


valor de cada um não vem da remissão dos pecados, mas de
todos serem a imagem do Criador. Ao torcer o nariz para
essa idéia, o homem moderno perde a capacidade de
autoconhe-cimento, não encontra valor em si próprio nem
nos seme-lhantes. Isso produz uma cultura enferma, onde o
outro se torna inumano, reduzido à máquina,
lamentavelmente.

Na realidade, somos devedores de amor a todos os


homens. E devemos amá-los como nos amamos. Por conse
16 A Marca do Cristão

guinte, os homens devem ser amados mesmo à custa de


sacrifícios. Exemplo? Leia a parábola do bom samaritano
em Lucas 10.30-37KJA.

Não temos de escolher entre amar aos homens e aos


cristãos, como a nós mesmos. Um mandamento reforça o
outro, não são antitéticos ¹.

Agora, se Jesus ordenou enfaticamente que devemos


amar a todos os homens, precisamos amar a nossos irmãos
em Cristo mais ainda! Há laços especiais, eles são irmãos na
fé, possuem o mesmo Pai, por meio de Jesus Cristo, e o
Espírito Santo habita neles também. O apóstolo Paulo deixa
bem clara a grandeza e profundidade da ordenança, em
Gálatas 6.10KJA: "Por isso, enquanto tivermos
oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente
aos da família da fé". A orientação é fazer o bem a todos,
porém "principalmente aos da família da fé", reforça o
apóstolo.

Volta e meia, cristãos autênticos dividem a


humanidade em duas classes perdidos e salvos; rebelião
contra Deus e comunhão com Deus, por meio de Cristo -
apresentando um horroroso quadro de exclusivismo. Nem
é preciso dizer que manifestar amor somente aos do mesmo
grupo espiritual desequilibra totalmente a família cristã.

Sim, a humanidade está dividida em duas classes. De


um lado, os homens em rebeldia contra o Criador, mesmo
carregando a gloriosa imagem divina. De outro, homens
que abraçam a solução de Deus, por meio da graça.
Entretanto, existe apenas uma humanidade, de origem
idêntica. Meu corpo, de carne e sangue, é igual ao seu.
1 Antitético. Que contém ou constitui antítese.
2

A Marca do Cristão 17

Busquemos, pois, a unidade entre os homens, unidade


permeada de princípios imutáveis da Palavra de Deus, a
Bíblia. Hoje, o bom samaritano deve ganhar espaço entre
nós. Crescendo em proporções geométricas, o legítimo amor
fraterno brotará em todos os lugares, e o nome de Deus será
exaltado como nunca.

Hipertexto
De mãos dadas

- Hã, como assim?

- Eu disse que me vejo nas outras pessoas.


Cara, não é hora de filosofia de churrascaria.
Quero dizer qu...BIBI, FONFOM,
SEUFILHODA BIBI, FONFOM.

De repente, não pude mais ouvi-los. Mas uma frase


grudou na minha cabeça: "me vejo nas outras pessoas". A
história se repete sempre. É cada um por si, puxando brasa
pra sua sardinha, porém temos sentimentos, fazemos
escolhas, precisamos de carinho, reconhecimento e,
sobretudo, sentimos uma tremenda necessidade de amar e
ser amados.

Freud explica. Até certo ponto. Francis Schaeffer vai


mais longe, porque está de pé nos ombros de Jesus, Paulo e
Lucas. Em seu livro intitulado "O Deus que Intervém", esse
estudioso afirma que a criação do homem à imagem de Deus
é uma chave para a compreensão da personalidade humana,
da obra de Cristo e da grandeza do nosso relacionamento
com Deus. Ufa! Dá pra acreditar? O tão falado Deus pessoal
existe e, de quebra, se revela ao homem. As boas notícias
deste parágrafo ampliam a visão de qualquer um e
18 A Marca do Cristão

respondem aos três campos básicos da filosofia: existência,


moral e conhecimento.

Os intelectuais bambambãs de plantão, só os


bambambãs, sempre metem o facão na Bíblia, reduzindo a
importância desse Livro dos livros. Mas a Bíblia é o best
seller indispensável para conhecermos melhor o nosso tempo
- e são os próprios bambambãs que dizem isso. Aliás, uma
grande parte da literatura cita diversas vezes Bíblia. Ou
seja, se o bambambã não ler os textos sagrados, não entenderá
muita coisa.

Quem vive sem Deus no mundo, cedo ou tarde se


sentirá como um zero à esquerda, um pó do pó, lançado
diante do caos, da desordem, do esmagamento, do absurdo.
De acordo com Schaeffer, o homem não entende o sentido
da vida sem Deus. A verdadeira justiça existe? O mal vence?
Que coisa sou eu? E quem me responde sobre o problema
do sofri-mento?

O negócio é o seguinte. Li não sei onde que o ofício


do cristão é amar. Penso que nascemos para amar, todos.
Não à toa, o Criador deixou essa inclinação em nós. De
mãos dadas, todos, caminhemos até a cruz. O amor do Pai
pulsa ali.

Um Equilíbrio Sensível

O primeiro mandamento é amar ao Senhor nosso


Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o
entendimento. O segundo mandamento traz a ordem
universal de amar a todos os homens. A passagem não diz
que devemos amar apenas aos cristãos. Vai muito além.
Devemos amar ao próximo como a nós mesmos.
A Marca do Cristão 19

Em 1Tessalonicenses 3.12KJA aparecem os dois


aspectos da ordenança de Jesus: "e o Senhor vos faça crescer,
e aumentar no amor uns para com os outros e para com
todos, como também nós para convosco". Aqui, a ordem é
inversa. Antes de tudo, devemos amar aos irmãos em Cristo

para depois amar a todas as pessoas. Mas isso não muda a


ênfase do mandamento de Jesus. Pelo contrário, evidencia
um equilíbrio que não se mantém automaticamente.

Primeira epístola de João 3.11KJA diz: "Porque a


mensagem que ouvistes desde o princípio é esta, que nos
amemos uns aos outros". Anos depois da morte de Jesus,
com o evangelho homônimo pronto, o discípulo amado
ressalta, em sua epístola, o mandamento apresentado em
João 13KJA. São as palavras do próprio Cristo. Por isso, o
amor deve ser a nossa marca.

Hipertexto
Quando a formiga sai da fila

Ninguém soube da história de Titus. Desde pequena,


a formiga só tinha um alvo na vida: seguir as outras. Em
nenhum lugar está escrito, mas a fila é o caminho da
felicidade, ensinam as formigas entendidas no assunto.

De tanto marchar, Titus se embanana. Escorrega e


mete a antena numa tomada. A força do choque elétrico o
espirra da fila. As patas começam a ganhar forma de cruz,
ficam duras e frias. O medo vem à tona. Medo de ficar sem

fila, sem ninguém na frente. Para o próprio espanto, Titus


chora. Estranha o sulco quente na face e acredita estar se
transformando em chuva.

E como a bruxa está solta, formigas da tribo rival se


20 A Marca do Cristão

aproximam de Titus, parecem ouvir o canto do cisne.

Acho que vou deixá-lo aos tatuzinhos -


diz o
inseto rubro-negro-pensei em comê-lo, mas está doente, é
um derrotado. Quer saber de uma coisa? Vamos jogá-lo
naquele canto, a aranha que tenha um bom apetite.

"O destino foi longe demais", pensa Titus. Pela


primeira vez na vida, sente o cheiro da morte, nem sabe se
o gosto é bom ou mau. Só sabe que não quer esticar a canela
tão cedo. E muito menos ser ração de Zóia, a velha aranha
marrom. Então, de repente, uma idéia brilhante. Titus deixa
o vento empurrá-lo à vontade, tal qual uma pipa no ar.

Parado, respira fundo. Apenas quer um lugar debaixo


do Sol. E a vontade é tão grande que suas perninhas voltam
a mexer. Ele anda, anda mal, precisa desabafar:
- Caro portador de luz, me ajude! Fui eletrocutado,
escapei da terrível Zóia e agora tô perdido!
- O quê? Zóia está aqui? - disse o vagalume -
Saia da minha frente! Preciso alertar os meus filhos!

A indiferença do iluminado faz Titus se sentir


sozinho no mundo. Triste, muito triste, acaba pulando de
uma pequenina árvore. "Não tenho osso pra quebrar mesmo,
não vou me machucar".

Cai sobre um livro aberto, ao lado duma cesta de


piquenique. As patinhas agarram o número 239. Noutra
ponta da página, as iniciais F. S. e um título: “O Deus que
Intervém". Lê: O cristão é chamado para amar a Deus de todo o
coração, alma e mente. Em seguida, chamado a amar ao próximo
como a si mesmo. Resumindo: nossos relacionamentos devem ter um
belo naipe cristão.
A Marca do Cristão 21

Para Titus, a mensagem é um sinal de vida. Agora,


passará a perna no acaso. Dará o troco. Com o naipe do
amor na manga e no coração - fila e indiferença serão
mandadas às favas.
Somente Para os

Cristãos Verdadeiros

Um
m atento olhar sobre o mandamento de João
13KJA sempre encontra pontos importantes, como o dever
especial de amar aos cristãos verdadeiros, os nascidos de
novo. Do ponto de vista das Escrituras, nem todos os cristãos
são dignos dessa denominação. Atualmente, a palavra
"cristão" não diz muita coisa porque perdeu o significado
bíblico. Talvez esse termo ganhe mais definições do que a
expressão "Palavra de Deus". De acordo com um princípio
semântico elementar, a palavra (símbolo) não tem significado
até a atribuição de seu conteúdo.

No lugar do sentido original, "cristão" passou a


significar qualquer coisa, tudo e nada ao mesmo tempo.
Entretanto, Jesus fala sobre amar a todos os cristãos
verdadeiros. A ordenança possui dois gumes, verdadeiros e
falsos irmãos, mas cuida em não excluir os autênticos da

merecida afeição.

Para ilustrar os falsos cristãos, cito os teólogos liberais,


os humanistas e os membros de igreja, que levam o compro
misso na formalidade. Mas também não podemos cair no
erro oposto. Quem participa de partidos ou grupos
diferentes do nosso, mas declara a fé bíblico-histórica, é um
verdadeiro cristão.
24 A Marca do Cristão

Existe a responsabilidade de amar ao falso irmão


como nosso próximo. Não podemos dizer: "Ele está fora
do grupo de verdadeiros cristãos, por isso não tenho de
pensar mais nele, simplesmente vou descartá-lo".
Absolutamente, não. O incrédulo está coberto pelo segundo
mandamento.

Hipertexto
O homem da montanha

Por mais incrível que pareça, há teólogos que pregam


o faz-de-conta e acreditam na história da carochinha. São os
teólogos liberais, que vivem na onda do Iluminismo, na
crença de que a razão com suas regras e instruções de
pensar - montaria a realidade bíblica perfeitamente. Caro
leitor, dito de outra forma, pasme você, eles "selecionam" o
que "presta" na Bíblia. Gente...Não é ser contra raciocínio
ou cérebro. Mas acreditar que a Super-Razão seja capaz de
tudo, de revelar todos os mistérios do homem, da natureza
e de Deus, é dose! Se fosse tão iluminada, a razão venceria
as guerras, bombas atômicas, ditaduras e injustiças sociais.
E o brilho da razão também explicaria tintim por tintim o
mundo do inconsciente, descoberto por Freud e explorado
ainda mais por Jung.

Deu pra perceber que os teólogos liberais anunciam


uma mensagem totalmente diferente dos reformadores. A
Reforma Protestante prega a justificação pela fé, no precioso
sangue de Jesus, e que a Bíblia é a Palavra de Deus, entre
outros pontos inegociáveis. Já os liberais retalham a Bíblia
inteira. Milagres, inspiração divina, a queda do homem, a
importância da cruz: tudo bobagem pra eles. Chegaram ao
cúmulo de fechar a questão da seguinte forma: a Bíblia não
passa de um texto religioso primitivo e tem, no máximo,
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 25

mitos. Com todas as letras, Schaeffer afirma que os liberais


não são discípulos de Jesus, não são cristãos verdadeiros,
apenas ganharam esse rótulo.

Entretanto, os disparates não se limitam aos liberais.


Mesmo não acreditando em Deus, o educador inglês Julian
Sorell Huxley (1887–1975), declarou que “deus não existe,
mas vamos dizer que existe porque o homem funciona
melhor se pensa que existe algum deus". As aspas estão
registradas em "A Morte da Razão", livro de Schaeffer.

Pior do que ensinar mal é a manipulação. Segundo


Francis Schaeffer, há teólogos liberais controlando grupos
católicos e evangélicos na base do "misticismo semântico".
Em outras palavras, o camarada usaria termos abrangentes
e desconectados da história do cristianismo. E depois do
blablablá religioso, aplicaria nos fiéis um belo conto-do
vigário, sem dó nem piedade.

Por isso, devemos ser espertos pra não cair do cavalo.


Na obra "O Deus que se Revela", Francis A. Schaeffer
mostra um grupo de alpinistas perdido numa montanha.
Ao subir nos Alpes suíços, bem no topo de uma rocha, um
nevoeiro tira a visão de todos. O guia diz que não há
esperança, o gelo está se formando e todos serão congelados.
Alguém fala sobre a intenção de se lançar em uma saliência.
E se lança.

Outra voz, porém, chega aos ouvidos do grupo:


"vocês não podem me ver, mas eu sei exatamente onde vocês
estão pelas suas vozes. Eu estou no outro pico. Tenho vivido
nestas montanhas há mais de sessenta anos e conheço cada
metro quadrado delas. Garanto que há uma saliência dez
26 A Marca do Cristão

metros abaixo de onde vocês estão. Se pularem, poderão


passar a noite ali. Eu os apanharei pela manhã”.

MORAL DA HISTÓRIA: O pulo sem lógica ilustra


a fé na fé. E o abrigo seguro, a fé cristã histórica. Schaeffer
não cansa de repetir que a fé cristã está depositada no Jesus
histórico, que foi crucificado e ressuscitou.

O Padrão de Qualidade
Em João 13KJA, ao dizer "como Eu vos amei", Jesus
apresenta o padrão de qualidade do amor. É dessa maneira
que devemos amar a todos os cristãos. Agora, pense na
intensidade do amor de Jesus por nós. Trata-se de um padrão
elevadíssimo, afinal, Ele é Deus. Evidentemente, nosso amor
não se equipara ao do Filho do homem.

Ignorando esse padrão, os desavisados fazem


coreografias do amor. Confeccionam bandeirinhas, pulseiras
e adesivos para automóveis com mensagens do tipo “nós
amamos a todos os cristãos" e desfilam por aí. Isso é ridículo!
De duas, uma: ou ficamos no agito das bandeirinhas ou
desfrutamos de algo profundo, mais profundo do que
podemos imaginar. Nesse último caso, vamos precisar de
bastante tempo para refletir, conversar, orar e escrever sobre
o assunto.

Após a elucubração, as palavras de Jesus ganham tons


cada vez mais fortes. Notamos que a sociedade, mesmo em
agonia, se relaciona com a igreja de um jeito peculiar. Jesus
disse: "Através deste testemunho todos reconhecerão que

sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros".


O Senhor concede um direito ao mundo. Ele autoriza
a sociedade a julgar os cristãos pelo amor encontrado dentro
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 27

da própria igreja. Isso é realmente assustador. Em outras


palavras, Jesus diz: "Baseado no amor fraterno, os cristãos
podem ser considerados verdadeiros ou falsos". Se o
incrédulo nos chamar de falsos, por causa de nossa
indiferença para com os irmãos na fé, ele apenas usará a
autoridade que Jesus lhe deu. E nós não devemos ficar
aborrecidos. Se alguém disser: "Você não ama aos cristãos",
devemos ir para casa, dobrar os joelhos e perguntar a Deus
se aquela pessoa está certa a nosso respeito. Se estiver, ela
tem o direito de falar assim.

Hipertexto
Depois do Sol
Por enquanto, o amor parece pôr-do-sol. Se eu fosse você,
aprenderia a lançar amor com os olhos, o mais rápido
possível.

Também faria mãos de ternura, pois a bondade tem pressa.


Mostraria para os pés o caminho da solidariedade, sem
levantar bandeiras.

Os olhos colheriam cada detalhe da vida, porque o Sol é


pequeno como nós. Deixaria a contemplação da cruz
surpreender os lábios. E assim nasceria a gratidão.
Na hora da morte, não teria medo, entraria totalmente
no poder da ressurreição para dizer Santo, Santo, Santo.
Tomado de amor, falaria a língua dos anjos com alegria.

Saiba mais sobre o amor

Mateus 25.31-46KJA, João 15.12 e 13KJA, 1Coríntios


13KJA, Hebreus 13.1-3KJA, 1João 3.16 e 4.7KJA.
28 A Marca do Cristão

Momento Escola Bíblica Dominical

De acordo com Francis Schaeffer, os absolutos morais


são verdadeiros porque se fundamentam no caráter de Deus. Exemplo:
Como Deus é amor, quem age com indiferença está fora de
esquadro. Consegue pensar noutro exemplo?

Fracasso no Amor

Os cristãos autênticos também deixam de amar aos


irmãos. Para ser sincero, encontrar desamor na família cristã
é muito grave. Com lágrimas nos olhos, reconhecemos que
fracassamos em amar aos nossos irmãos em Cristo. O erro

faz parte do homem e neste mundo decaído não há perfeição,


pelo menos até a volta de Jesus. Quando falharmos, peçamos
perdão a Deus. Jesus diz que não deixamos de ser cristãos
por causa desse fracasso. No entanto, também diz que isso
dá margem a um julgamento do cristão pelo mundo.
O fracasso não pode cortar nossa alma como se fosse
prova cabal de condenação. Somente Jesus viveu sem.
fracassar. Se o sucesso em amar aos irmãos fosse exigência
para ser cristão, nenhum homem poderia ser chamado como
tal, porque todos fracassaram.

Mas Jesus deu ao mundo um papel de tornassol², um


termômetro: a marca do amor. Se o mundo não encontrar
amor entre nós, verá apenas falsos discípulos. É bem verdade
que esse julgamento pode ser equivocado, pois ora é pela
aparência, ora pelos deslizes dos cristãos, para chamá-los de
hipócritas. No fundo, o incrédulo é um pecador que não
quer encarar as palavras de Cristo.
2 Tornassol. Mistura de corantes usada como indicador colorido. O papel de
tornassol é usado em laboratórios para indicar a presença de um ácido
(Enciclopédia Larousse).
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 29

A ênfase de Jesus é sobre a nossa responsabilidade


cristã. Devemos amar aos irmãos na fé, individual e
coletivamente. Diante de tanto amor, não será fácil o mundo
nos chamar de falsos cristãos.

Hipertexto
A sabotagem do amor

Numa de suas obras, o escritor alemão Adelbert von


Chamisso (1781-1838) conta sobre o gênio dos livros
impressos. O lendário espírito conduz determinados títulos
às mãos certas e os mantém distantes das erradas. Não
escreverei nenhuma tese sobre gênios, sejam da lâmpada ou
do mal. Faço melhor: uma aposta. Aposto que existe algo
coordenando as contingências da vida.

Sem querer espiritualizar a conversa, este livro "A


Marca do Cristão" se aproxima de você com um propósito:
fazer nascer o novo. Atualmente, as palavras e as coisas estão
desbotadas, sem vida, muito formais e burocráticas. Diante
desse quadro, o novo só nascerá se o amor entrar em ação –
livre das instruções mecânicas. Esqueça fórmulas, jargões,
super-heróis. Aprenda a olhar para tudo como se fosse a
primeira vez. Raimundo, um dos personagens do escritor
mineiro Paulo Mendes Campos, tinha um sorriso que
significava "acabaram de inaugurar o mundo!"

Para o nascimento do novo, eu o convido a sabotar o

velho. As engrenagens do pragmatismo exacerbado e do


fetichismo das mercadorias precisam ser paradas pelo
AMOR. De acordo com Schaeffer, devemos amar porque o
ser humano é a imagem e semelhança de Deus.
30 A Marca do Cristão

O seu objetivo, ou missão, é fácil de guardar. Sabe


aquele chato de galochas? Você não será obrigado a
simpatizar com ele, porém, deverá amá-lo. Viu a diferença?
Amar não significa gostar de todo mundo. Na prática, amar
é seguir o exemplo de Jesus, que andou por toda parte
fazendo o bem (Atos 10.38KJA).

A Apologia Final
O trecho da oração sacerdotal, em João 17.21KJA,
acrescenta algo mais sério ao tema do amor. Jesus ora: "Para
que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e Eu em ti.
Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia
que tu me enviaste". A oração de Jesus é pela unidade da
igreja, especificamente entre os cristãos verdadeiros. Jesus
não ora por unidade humanística e romântica entre os
homens. O versículo 9KJA esclarece: "Eu rogo por eles.
Não estou orando pelo mundo, mas por aqueles que me
deste, pois são teus". Jesus faz cuidadosa distinção entre
crentes e descrentes, entre fé e rebelião. No versículo 21KJA,
a palavra "eles", pronunciada durante a oração pela unidade,
se refere aos cristãos autênticos.

Antes do "eles", o versículo diz: "para que todos sejam


um..." A ênfase, muito interessante, é exatamente a mesma
de João 13KJA não sobre uma parte dos cristãos
-

verdadeiros, mas sobre todos os cristãos. A unidade não se

limita a integrantes de partidos na igreja, mas a todo cristão


nascido de novo.

Agora vem a parte crítica desse versículo, que me


deixa sempre encolhido. Se não estremecemos diante da
apologia final de Jesus, damos a entender que não somos
bastante sensíveis ou honestos. Que apologia? Esta é a
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 31

apologia final: "Para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim
e Eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que
tu me enviaste".

João 13KJA diz que se os cristãos não se amarem, o


mundo poderá julgá-los falsos. Aqui, em João 17KJA, Jesus
é mais incisivo, profundo: sem demonstrar uma autêntica
unidade cristã, não podemos esperar que o mundo creia
que o Pai enviou o Filho, que as reivindicações de Jesus são
legítimas e que o cristianismo é verdadeiro.
Bem, isso é assustador. Será que não devemos nos
comover? Observe novamente. Jesus não diz que OS cristãos
devem julgar os outros de verdadeiros ou falsos. Esse tipo
de julgamento fica por conta da igreja, que avalia a doutrina
e a fidedigna profissão de fé. Quando um desconhecido se
apresenta em uma igreja local, ele é questionado sobre o
conteúdo de sua crença. Se, por exemplo, uma igreja conduz
julgamento de heresia, seguindo a orientação do Novo
Testamento, a conclusão dependerá do conteúdo da
doutrina. É direito da igreja julgar um homem pelo conteúdo
de sua crença e ensino.

Entretanto, não podemos esperar que o mundo


julgue assim, porque descrentes nã se preocupam com
doutrina. Desde a metade do século 20, com base na
epistemologia, os homens não admitem a possibilidade da
verdade absoluta. E, se as pessoas não acreditam no conceito
de verdade, muito menos tentarão descobrir se uma doutrina
é correta ou não.

Mas Jesus definiu a marca que chamará a atenção do


mundo, até mesmo a atenção do homem moderno, que se
nomeia máquina. Porque todos os homens foram criados à
imagem de Deus e aspiram ao amor. Embora essa marca
32 A Marca do Cristão

esteja presente em todos os lugares do mundo, jamais passa


despercebida. Qual é essa marca? O amor que os verdadeiros
cristãos demonstram uns pelos outros e não apenas por
aqueles que pertencem ao seu próprio grupo.

Hipertexto
Lente indiscreta

O fotógrafo não entende mais nada. Tudo parece


solto, sem sentido. Entra numa loja de antiguidades e compra
uma hélice de avião para o seu estúdio. Ele está deslocado
como a peça, o céu acabou. Fotógrafo e hélice fazem parte
do filme Blow-up, de Michelangelo Antonioni, rodado em
1966. "O fotógrafo [de Blow-up] circula tirando suas fotos,
de um ser humano finito, tratando apenas de particulares e
totalmente incapaz de colocar qualquer sentido nelas, e as
frias lentes da câmera não oferecem julgamento ou controle
em qualquer coisa que vê", comenta Schaeffer em "O Deus

que se Revela".

Atualmente, a filosofia desse fotógrafo ainda tem


algum Ibope. Mas, com o passar do tempo, a sociedade muda
a maneira de ver o mundo. Pelas bordas e atalhos, iremos

percorrer o trajeto que Francis Schaeffer indicou para


compreendermos o pensamento do homem moderno. A
primeira parada é em Tomás de Aquino (1225-1274). Para
fins didáticos, dividiremos a visão do século 13 em duas

partes: graça e natureza. A primeira é a superior, onde está


Deus e a alma humana, entre outras coisas celestes. Depois
vem a inferior, lugar do corpo humano e da terra, entre
outras coisas terrestres. Segundo Aquino, a vontade humana
foi distorcida pela queda, mas o intelecto permaneceu
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 33

intacto. Essa foi a senha para o intelecto lançar uma


prepotente "carreira-solo".

Próxima parada, Leonardo da Vinci (1452-1519). Em


meio a esboços de submarinos, pára-quedas, armas bélicas,
corpo humano, contos e fábulas, ele percebeu que a exatidão
da razão era coisa de mecânica, de matemática. E matemátical
não engloba o universal, mas os particulares. Então Leonardo
arregaçou as mangas e tentou pintar, sem sucesso, a alma
universal das coisas, das árvores e do mar, por exemplo.
Tentou juntar em unidade racional a graça (universal) e a
natureza (particular).

Com o gênio Leonardo chegamos ao Renascimento


e, por tabela, à Reforma Protestante. De acordo com a
Reforma, vontade e intelecto foram afetados pela queda, o
que "não significa que ele [o homem] deixou de ser portador
da imagem de Deus. (...) As marcas da ‘hombridade' conti
nuam sobre ele - amor, racionalidade, busca de significado,
medo de não ser, e assim por diante", escreve Francis
Schaeffer em "A Morte da Razão".

Rousseau (1712-1778) e Kant (1724-1804) vêm


depois da Reforma. Nessa altura, a graça já tinha perdido
lugar para a liberdade. Agora, esta é a divisão: do lado
superior, a liberdade, do outro, a natureza. Segundo
Rousseau, a civilização restringe a liberdade humana. O
homem nasce livre e em toda a parte se encontra acorrentado.
Para Kant, a razão deve ser estudada para dar respostas
confiáveis sobre o que podemos conhecer. E só podemos
conhecer os fenômenos, isto é, "o que aparece". Dessa
maneira, participamos da construção do que "aparece",
dando autoridade para a razão bater o martelo em todos os
assuntos. Perceba que a liberdade não é alcançada nem a
34 A Marca do Cristão

razão "promovida" ao lado superior.

Kant e Hegel (1770-1831) trazem o pensamento


moderno. Hegel disse que há vida depois da tese e antítese
- jeito de pensar da maioria das pessoas. Se uma coisa é A
(tese), a outra é não A (antítese). Exemplificando: falar a
verdade é certo (tese / afirmação), mentir é errado (antítese
/negação). A grande sacada de Hegel foi a síntese (negação
da negação) isto é, a negação da antítese, que forma uma
nova tese. Exemplo: durante um seqüestro relâmpago, um
ladrão pede a chave de casa. Só que
minhas filhas estão lá.

Então minto, digo que esqueci o molho de chaves no


trabalho. Síntese: nem sempre mentir é errado- nem todos
merecem saber a verdade. Em outros termos, Hegel nos
deu a relativização das coisas com a sua dialética (tese,
antítese e síntese). Tudo é relativo, não existem verdades
absolutas.

O ponto final da nossa trajetória vem com o


existencialismo de Jean Paul Sartre (1905-1980) que achava
o universo absurdo, do ponto de vista racional. De acordo
com Sartre, só resta ao homem conseguir autenticidade por
meio de uma vontade livre e responsável. No fundo, a vida
é impregnada de pessimismo. Entende agora a angústia do
fotógrafo?

Schaeffer resolve o pessimismo pela criação do


homem, feito à imagem e semelhança de Deus. Somos
criaturas de Deus, temos o tom divino em nós, as cores
celestiais na gente. Os atributos do Criador são os nossos
parâmetros. Se Deus é Justo, a justiça é o certo e a injustiça,
o errado. Se Deus é amor, é errado agirmos com indiferença.
Se existe relação na Trindade, devemos ser sociáveis. Chame
isso de tese e antítese ou de qualquer coisa que o valha, mas
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 35

é simplesmente verdade bíblica.

Seguinte: o fato de não compreendermos tudo na


vida não significa que estejamos mergulhados no absurdo.
Não mesmo. As certezas estão presentes também. O mundo
é ordenado. A semente vira árvore que dá frutos. Há sempre
dia e noite. As estações do ano obedecem a uma ordem. O
peixe tem um corpo adequado à água. E o que falar do corpo
humano? É de uma harmonia incrível! Já pensou se o olho
ficasse na ponta do dedão? (Sei que você pode dar exemplos
bem melhores). As lentes da Bíblia revelam muito mais,
meu amigo, pode ter certeza disso.

Respostas Honestas, Amor Visível

Como somos cristãos, não devemos minimizar a


necessidade de responder honestamente a perguntas
honestas. Para tanto, é necessário ser capaz de apresentar
uma apologia inteligente. É ordem bíblica, exemplo de
Cristo e do apóstolo Paulo. Ambos discutiam o cristianismo
na sinagoga, nos mercados, nos lares, em diversas situações.
Igualmente, o cristão deve estar preparado para responder a
perguntas honestas.

De acordo com Jesus, se os cristãos verdadeiros não

se amarem, não poderão esperar que o mundo os ouça,


mesmo oferecendo respostas adequadas que são fruto de
sérios estudos ao longo da vida. Já a apologia apresentada
pela igreja evangélica ortodoxa é precária há muito tempo.
Vamos escutar os que estão ao nosso redor e gastar tempo
aprendendo a responder às indagações deles. Depois de fazer
o máximo para comunicar o evangelho ao mundo perdido,
não podemos esquecer que a apologia final- que Jesus nos
36 A Marca do Cristão

deu é o amor visível entre os cristãos autênticos.

Embora não seja uma questão central para o


momento, amor e unidade visíveis entre os cristãos
verdadeiros devem transpor todas as linhas que separam os
homens. O Novo Testamento diz: “Nem grego, nem
bárbaro, nem judeu, nem gentio, nem homem, nem
mulher". Entre os cristãos da igreja de Antioquia havia
judeus e gentios, desde o irmão adotivo de Herodes até
escravos. Os cristãos gregos, gentios da Macedônia,
demonstraram orgulhosamente um interesse prático pelas
necessidades materiais dos judeus cristãos, em Jerusalém.

É direito do mundo encontrar na igreja, entre os


legítimos cristãos, um amor prático e visível. Esse amor
deve atravessar, sem reservas, as seguintes barreiras: de língua,
sotaque, diferença cultural, fronteira entre países, estrutura
social, genealogia, nacionalidade, atravessar as barreiras entre
branco e negro, jovem e velho, educação e economia, calçado
e descalço, de classe social, vestimenta, cabelo curto e
comprido entre brancos, penteado black entre africanos e
não africanos. E o amor deve vencer até as barreiras das
formas de adoração dos tradicionais e menos tradicionais.

Se o mundo não vir tudo isso, não crerá que Cristo


foi enviado pelo Pai. As pessoas não crerão apenas com base
em respostas adequadas. Portanto, apologia e amor visível
não são antíteses. O mundo deve receber respostas adequadas
sobre os seus questionamentos e, concomitantemente,
encontrar uma unidade no amor entre todos os verdadeiros
cristãos. Isso é realmente necessário, se quisermos que os
homens saibam que Jesus foi enviado pelo Pai e que o
cristianismo é verdadeiro.
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 37

Hipertexto
Fulano, Sicrano e Beltrano

É verdade. Não temos a experiência de Paulo, Moisés


e Noé para cumprirmos a Grande Comissão. Paulo foi o
Apóstolo (poucos na história são definidos com letral
maiúscula), Moisés ficou cara a cara com Deus e noticiou ao
povo, com exclusividade, os Dez Mandamentos. E Noé foi
o escolhido pelo Criador para recomeçar a humanidade, só
isso.

Agora é a nossa vez, entramos em campo. O filhinho


cresceu e virou pastor. O garoto é guitarrista e canta uma
canção. A linda mulher perdeu a forma para ganhar o filho.
O bendito fruto do ventre conseguiu diploma para receber
a benção do mercado de trabalho. O senhor lava o zero
quilômetro nos fins de semana. Depois do serviço, a senhora
assiste à telenovela global. O Fulano se afoga na internet
em busca de temas interessantes. Em criança, ele brincava
catando milho no computador. Cresceu e ainda usa um ou
dois dedos, mas para enviar importantes e-mails e produzir
textos gloriosos.

Diante desse emaranhado de papéis sociais, de


interesses diversos, pare e pense no outro. O outro, quem é
ele? Não é um João Ninguém, por mais que não tenha
dinheiro. Sabe por quê? Ele é a cara do Pai, carrega os traços
da divindade. Nele, há um quê de Deus. Olhe para ele
novamente. Não se assuste, paradoxalmente, o Sicrano
também se parece com você. Sente fúria, quer brincar,
dissimula, quer amar.

Com todo o cuidado e amor do mundo, precisamos


comunicar o evangelho aos perdidos. Ao puxar conversa
38 A Marca do Cristão

com o Beltrano, identifique o assunto de que ele mais gosta.


Faça-o falar e ouça com atenção. Após essa modulagem,
sintonize o bate-papo ao nosso tempo: insegurança, desem
prego, violência, medo, angústia, solidão, individualismo.
E agora é a sua vez. Diga sobre o escape de Deus para a so
ciedade, Jesus Cristo. Sem parecer bitolado (como aqueles
que não crêem em dinossauros porque o livro de Gênesis
não os menciona) explique a importância da cruz. Se o
Espírito Santo quiser, Ele irá dissipar a neblina que cega o
entendimento do Beltrano, aos poucos ou imediatamente.

Como ensinam os antigos, é bom terminar um texto


com citação. Aqui vai, é Schaeffer citando Lutero em "O
Deus que Intervém". "Se eu professar com a voz mais alta e
com a mais clara exposição cada pormenor da verdade de
Deus, exceto precisamente aquele pequeno ponto ao qual o
mundo e o demônio estão naquele momento atacando, eu
não estou confessando Cristo, ainda que ousadamente eu
possa estar professando a Cristo. Onde a batalha trava-se,
ali a lealdade do soldado é provada, e estar em outro campo
de batalha que não este é apenas deserção e desgraça, se ele
foge deste ponto."

Falsas Noções de Unidade

Podemos começar eliminando algumas noções falsas


de unidade. Primeiro: Jesus não fala apenas sobre unidade
organizacional. A busca de unidade eclesiástica é uma forte
tendência em nossa geração. Essa tendência está no ar, como
sarampo alemão em tempo de epidemia. Os seres humanos
podem apresentar unidade organizacional sem exibir ao
mundo nenhuma unidade.
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 39

O exemplo clássico é a Igreja Católica Romana. É


notável a unidade externa da Igreja Católica ao longo da
história - provavelmente a maior unidade organizacional
que o mundo já viu mas encontramos lutas terríveis e
-

odiosas pelo poder entre diferentes ordens da mesma igreja.


Atualmente, existe uma diferença ainda maior entre o
catolicismo romano clássico e o catolicismo romano

progressista. A Igreja Católica tenta sustentar uma unidade


organizacional, porém há duas religiões, dois conceitos de
Deus e dois conceitos de verdade, diferentes por completo.

Exatamente a mesma coisa ocorre no movimento

protestante ecumênico. Há uma tentativa de reunir pessoas


em uma mesma organização com base na palavra de Jesus,
mas sem unidade real, porque são duas religiões
completamente diferentes: o cristianismo bíblico e um
"cristianismo" que não é cristianismo algum. É
perfeitamente possível ter unidade organizacional, gastar
toda a energia para preservá-la e não chegar nem perto da
realidade a que Jesus se referiu em João 17KJA.

Minha intenção não é menosprezar a unidade


organizacional correta que se baseia em uma doutrina
irrepreensível. Mas Jesus fala de algo muito diferente, porque
é possível existir notável unidade organizacional sem
unidade verdadeira mesmo em igrejas que lutam para
manter a pureza.

Eu creio firmemente no princípio e prática da pureza


na igreja visível, mas encontro igrejas que, mesmo lutando
para manter a pureza, são meras fontes de fealdade. Não se
vê relacionamento pessoal amoroso em seu meio, muito
menos com outros cristãos verdadeiros.
40 A Marca do Cristão

Há mais uma razão para não interpretarmos a


unidade de Jesus como organizacional. Todos os cristãos
devem ser um "para que todos sejam um”. É óbvio que
não existe somente uma unidade organizacional, em cada
parte do mundo, capaz de incluir todo nascido de novo.
Isso simplesmente não seria possível. Por exemplo, há
cristãos nascidos de novo que não pertencem a nenhuma
organização. E qual organização poderia incluir os cristãos
verdadeiros que permanecem isolados do resto do mundo
por causa da perseguição? Obviamente uma unidade
organizacional não é a resposta.

Os evangélicos freqüentemente se escondem na


segunda falsa noção envolvida nessa unidade. Eles dizem:
"Bem, é claro que Jesus fala sobre a união mística da igreja
invisível". E nunca mais pensam nisso.

Na verdade, em termos teológicos, há uma igreja


invisível e outra visível. A igreja invisível é a verdadeira -

num certo sentido, a única que possui o direito de ser escrita


com letra maiúscula. Isso porque é constituída de todos os
crentes que confiam em Cristo como Salvador, o que é
fundamental. Essa é a igreja de Cristo. Assim que me torno
cristão, passo a ser membro da Igreja, e uma unidade mística
me une a todos os outros membros. Mas o assunto de Jesus
é outro em João 13 e 17KJA, porque não podemos romper
essa unidade, não importa o que façamos. Portanto,
relacionar aquelas declarações de Cristo à unidade mística
da igreja invisível é reduzi-las a uma fraseologia sem sentido.

A terceira falsa noção é acharmos que essas palavras


tratam da nossa unidade posicional em Cristo. É verdade
que existe uma unidade posicional em Cristo quando
aceitamos a Cristo como Salvador, temos um só Senhor,
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 41

um só batismo, um só nascimento (o segundo nascimento)


e somos revestidos da retidão de Cristo. Mas essa também
não é a questão.

Encontramos uma quarta noção na unidade legal em


Cristo, mas não é sobre isso que Ele ventila. Há uma bonita
e maravilhosa unidade legal entre todos os cristãos. O Pai
(o Juiz do universo) declara juridicamente, com base na obra
completa de Cristo --

no espaço, no tempo e na história


que a verdadeira culpa moral daqueles que depositaram sua
confiança em Cristo está liquidada. Mas não é sobre essa
maravilhosa unidade que Jesus fala aqui.

Por conseguinte, não existe pretexto para os


evangélicos se esconderem sob o conceito de unidade da
igreja invisível ou atrás das outras noções. Se relacionarmos
os versículos de João 13 e 17KJA meramente à existência da
igreja invisível, não daremos sentido à declaração de Jesus.
Se não compreendermos que Ele fala sobre algo visível,
estaremos zombando das palavras de Jesus. Resumindo:
baseado em algo observável, o mundo julgará se Jesus foi
enviado ou não pelo Pai.

Hipertexto
Fome de Arco-Íris
A mosca parecia ter saído de uma das fábulas de
Leonardo da Vinci. Sem a menor sombra de dúvida, ela era
o inseto mais lindo da cidade. Tanto que os machos não
tiravam os olhos dela. Quando a perdiam de vista, eles
corriam para a solidão e a invocavam como num ritual.

O estilo preto-básico da bela mosca punha no bolso


a cor metálica das outras, que eram rudes e metidas a fashion.
42 A Marca do Cristão

A marca registrada da pequena eram as finas e delicadas


patinhas, que mexiam na grossa e forte tromba sempre

depois da sobremesa para delírio dos fãs. Fãs que não


-

demoraram a dar nome para a cobiçada fêmea. Na cozinha,


durante uma conversa na mesa, os rapazes batizaram a mosca
de Arco-Íris. Nenhuma asa brilhava daquele jeito, lançava
cores quando exposta aos raios de sol.

Um dia a ficha caiu. Notaram que Arco-Íris nunca


se multiplicava. E notaram também que ela sempre fugia
depois de catar os alimentos que eles lhe ofereciam. Ora,
isso quebrava a tradição do acasalamento. O natural é que a
relação ocorra enquanto a fêmea se delicia com o alimento
dado pelo macho. Para a decepção geral dos babões, pegaram
Arco-Íris oferecendo sobremesa para uma linda mosca
metálica.

Momento Escola Bíblica Dominical

"Fome de Arco-Íris" é um texto "pós-moderno" (esse


termo é questionado por alguns). Conheça duas
características dele:

A. Intertextualidade. É um diálogo entre textos. Por


exemplo, o título "Nascido de Novo", de Charles Colson,
"conversa" com a passagem de João 3.3KJA: "Em verdade,
em verdade te asseguro que, se alguém não nascer de novo,
não pode ver o reino de Deus". Arco-Íris lembra o inseto
do livro "A Metamorfose", de Franz Kafka.

B. Não existe verdade absoluta. Vale o que se


considera útil para um determinado fim. Exemplo: alguns
modelos acham que a beleza exterior é o mais importante
de tudo. Em contrapartida, diversos religiosos pensam que
o fundamental é cultivar a beleza interior.
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 43

Exercício em Grupo

Cada grupo terá de fazer três coisas: compreender,


interpretar e relacionar o texto com a Bíblia.

1. Compreender. Significa entender o que está


escrito. Exemplo: "Maria chorava sem parar".
Compreendemos que alguém do sexo feminino chorava
muito e ponto. A oração não explica o porquê do choro.
Todos concordam com isso? Então todos compreendemos
o texto.

2. Interpretar. Agora sim, depois de compreender,


você pode interpretar. Para ver como o Mestre interpretava,
leia a parábola do semeador, Lucas 8.4-15KJA.

3. Relacionar com a Bíblia. Identifique a idéia


central de “Fome de Arco-Íris". Como? Avalie a postura da
mosca. Ela agiu corretamente? Segundo a Bíblia, como
devemos nos comportar?

Acerte na mosca com esta dica

Segundo Francis Schaeffer, existe uma discrepância


entre o que o homem parece ser e o que ele é por dentro.
Para solucionar isso, Schaeffer recomenda uma integração
crescente entre o homem interior e o homem exterior. Ele
diz que ambos devem estar articulados pelo universal, isto
é, pelos princípios de Deus encontrados na Bíblia. Agindo
assim, a discrepância será cada vez menor entre os dois.
44 A Marca do Cristão

A verdadeira Unidade

Em João 13 e 17KJA, Jesus fala sobre unidade visível,


real e realizável, unidade prática que ultrapassa todas as
barreiras entre os cristãos verdadeiros.

O cristão possui a dupla tarefa de praticar a santidade


e o amor. Deve demonstrar a existência pessoal e infinita de
Deus e o caráter divino da santidade e do amor. Santidade

sem amor é severidade. E amor sem santidade é transigência.


Qualquer coisa que um cristão ou um grupo de cristãos
fizer, sem equilíbrio entre santidade e amor, dará ao mundo
uma caricatura de Deus, em vez de demonstrar a existência
dele.

De acordo com as Escrituras e os ensinamentos de

Cristo, o amor demonstrado deve ser sobremaneira firme.


Não se limita a verbalizações esporádicas.

Hipertexto
O espião do Mal

Olho para meu marido e não o reconheço mais.


Ele está doente da cabeça. Terça-feira deu carona a uma
pessoa que só conhecia de vista, ela estava num ponto de
ônibus. Quarta, na fila do supermercado, pagou as compras
do rapaz da frente, só porque viu furos na camiseta do jovem
pai. A gota d'água foi quando testemunhou o atropelamento
dum cãozinho. Tinha porque tinha de socorrê-lo. Quase
perdemos a hora por causa do vira-lata. Ainda bem que o
animal morreu logo. Ninguém merece procurar veterinário
com roupa de festa...
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 45

Agora deu para criticar os banhos de loja que realizo


no shopping center pra me animar. Segundo ele, a vida
abundante e alegre pode ocorrer em tempo integral, basta
se entregar ao dom celeste. No fundo, acredita que a
sociedade se desenvolve melhor quando as pessoas trabalham
de acordo com a vocação. O discurso é lindo, reconheço,
porém distante dos interesses econômicos. A ordem natural
do progresso deve ser mantida e assunto encerrado.

Não consigo mais controlá-lo como antigamente.


Confesso que perdi as estribeiras quando ele abriu a porta
de casa "para se colocar totalmente à disposição do próximo",
como lhe ensinou um tal de Schaeffer. Ontem de madrugada,
uma vizinha pediu que a levássemos ao dentista, caso de
vida ou morte. Ele não está à disposição? Agora agüenta.
Que eu saiba, cada clã deveria cuidar de seus problemas, ora
bolas.

(55) 666#999#. Alô? Acabo de entrar escondido na casa do


lider. Ele segura com as duas mãos o botão vermelho, aquele que explode
o mundo, he, he. Falando sério, aperta mãos e lábios porque está em
oração. Agora entrou na sala... Ouça, ouça o que diz à esposa: "Sei que
podemos ter filhos, mas não seria melhor adotarmos uma
criança?" Fique tranqüilo, chefe. Ele continua sozinho aqui. O quê?
Não, não. Os anjos não foram acionados. A geração é de meia-tigela, a
grande maioria é cadáver adiado que procria, he, he. Dou conta do recado.

Amor Visível

Qual o significado desse amor? Ele se torna visível?


Em primeiro lugar, significa uma coisa muito simples:
46 A Marca do Cristão

quando cometo um erro e falho em amar ao meu irmão,


digo a ele que sinto muito. Esse primeiro passo parece
decepcionante de tão simples. Mas se você o acha fácil, é
porque nunca tentou praticá-lo.

Demonstramos falta de amor ao próximo em nosso


grupo, na comunidade cristã e até em família. Normalmente,
não temos pressa em dizer que sentimos muito. Isso nunca
é fácil, mesmo no nível mais simples.

Não é fácil se desculpar e pedir perdão, mas é assim


que se restaura um relacionamento, seja familiar – marido
e esposa, pai e filho – seja em uma comunidade cristã ou
não. Quando agimos sem amor ao próximo, Deus nos ensina
a dizer: "eu sinto muito... eu realmente sinto muito".

Se não estou disposto a dizer "sinto muito" quando


cometo um erro especialmente quando não demonstro
amor -
eu ainda não comecei a pensar sobre o significado
da unidade cristã que o mundo pode encontrar. O mundo
tem o direito de questionar se realmente sou cristão. E digo
novamente: se não estou disposto a praticar essa simples
ação, o mundo tem o direito de questionar se Jesus foi
enviado por Deus e se o cristianismo é verdadeiro.

Com que freqüência, no poder do Espírito Santo,


dizemos "sinto muito" aos cristãos de nosso meio? Quanto
tempo nós temos gastado restabelecendo contatos com os
irmãos de outros grupos, dizendo: "sinto muito pelo que
fiz, disse ou escrevi?" Com que regularidade um grupo vai ao
outro com o qual diverge e diz: "nós sentimos muito?" É
importante que isso seja, na prática, parte da pregação do
evangelho. A prática observável da verdade e do amor
caminha de mãos dadas com a proclamação das boas novas
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 47

de Jesus Cristo.

Ao observar as controvérsias entre cristãos verdadeiros em

diversos países, tenho me perguntado o seguinte: "o que


divide e separa, não só grupos de cristãos, mas também
cristãos verdadeiros, que deixa uma amargura capaz de durar
20, 30 ou 40 anos (ou 50, 60 anos na memória de um filho)?”
Em primeiro lugar, não são doutrinas ou crenças que
ocasionam controvérsias. Invariavelmente, a falta de amor
e as palavras amargas dos cristãos verdadeiros, durante as
divergências, são as causas das discussões. Elas grudam na
mente como cola. Depois o tempo passa, as controvérsias se
abrandam, e ainda ficam as palavras amargas de uma
discussão que a gente considerava justa. Essas atitudes e
palavras destituídas de amor originam o mau cheiro que o
mundo pode sentir na igreja de Jesus Cristo, mesmo entre
aqueles que são realmente verdadeiros cristãos.

Se, em vez de refutar, a gente simplesmente guardasse


a língua e falasse com amor, em cinco ou dez anos a amargura
desapareceria. No entanto, deixamos cicatrizes - maldição
para as próximas gerações, para a igreja e para o mundo.
Manchetes de jornais evangélicos noticiam isso. Às vezes, a
imprensa secular veicula palavras amargas de cristãos sobre
outros cristãos.

O mundo olha, dá de ombros e vai embora, sem


sequer encontrar o embrião de uma igreja viva, no meio da
cultura morta. Ele não viu o início do que Jesus define como
apologia final unidade visível entre cristãos verdadeiros
que são, de fato, irmãos em Cristo. Nossas línguas afiadas e
o desamor entre nós perturbam o mundo não os casos-

inevitáveis de divergências que ocorrem entre os cristãos


verdadeiros.
48 A Marca do Cristão

Que diferença do mandamento franco e direto de


Jesus Cristo: "demonstre uma unidade prática que possa
ser vista pelos olhos atentos do mundo!"

Hipertexto
A igreja que desapareceu do mapa

O pastor-presidente da igreja evangélica Reina


Ontem, José Silvas, de 58 anos, fechará amanhã todas as 2
mil igrejas da denominação porque “Deus não fala mais com
ele". A decisão foi tomada anteontem após longa reunião
entre os principais líderes da seita, que possui aproxima
damente 200 mil fiéis.

Segundo o pastor, há anos ele encontra dificuldades


de pregar o evangelho. “É um suplício, sinto-me oco,
anacrônico, não tenho o que dizer, falo sempre a mesma
coisa", revelou Silvas, enquanto chorava nos ombros da
esposa Catarina, que segurava o esboço do último sermão
do marido. Os templos serão transformados em estabe
lecimentos comerciais até o fim do ano. “Em São Paulo, os
moradores estão optando entre salão de beleza e padaria",
completou um dos assessores do religioso.

A idéia do fechamento ganhou força depois da morte


do fundador da denominação, Matusalém Santo Paulo, em
agosto de 2003. De acordo com os membros, os pastores da
igreja não entendem do assunto, parecem autores de auto
ajuda ou psicólogos sem diploma. "Só sabem cobrar dízimo
e fazer festinhas", diz a crente Maria de Jesus Peixe da Lagoa,
de 46 anos, que freqüenta a 1ª Igreja Reina Ontem de Santo
André, na região do Grande ABC paulista.
Somente Para os Cristãos Verdadeiros 49

O diretor-presidente da Associação Evangélica do


Cosmos (AEC), Paulo Santo Neto, lamenta a decisão dos
líderes da Reina Ontem. "Se olharmos para a história da
igreja cristã, veremos que a perseverança é tudo", declarou.
O presidente-fundador da Assembléia dos Anjos, Gabriel
Santo Neto, irmão do presidente da AEC, disse que está na
hora de separar o joio do trigo. Para Gabriel, "quem não é
de Deus deve tirar o time de campo". Em solidariedade à
igreja, evangélicos de vários grupos participarão da
caminhada "Agora Reina Hoje", que ocorrerá dia 1º de abril,
sábado, às 14 horas, no Parque do Pato, onde tocarão as
principais bandas do segmento.

Entrevista Exclusiva

Sempre houve comunicação na Trindade


Religiososfalam sobre o desafio do cristianismo contemporâneo

Em entrevista ao Magazine no último sábado, em


São Paulo, o pastor da igreja Reina Ontem, José Silvas,
e o teólogo norte-americano, Francis Schaeffer,
conversaram sobre comunicação e responsabilidade.

Magazine Vida's Gospel Pastor Silvas, não deu para


deixar a igreja aberta?

José Silvas - Não. Eu tive de agir assim para poder


pensar, refletir. Sei que sou pastor, não nego minha
vocação. Mas preciso voltar a orar, a entender melhor
o mundo em que vivemos. Aí terei dizer.
o que

MVG Alguns evangélicos pedem uma nova igreja, a sua Reina


Hoje, ela virá?
50 A Marca do Cristão

JS- Amanhã, talvez (risos). Deus não esmaga a cana


quebrada. Nunca. Pode ser que ele me dê outro minis
tério. O importante é que o meu coração está novo.
Quero voltar a ganhar almas para Jesus no mano a
mano.

MVG Senhor Schaeffer, por que se perde a mensagem de


Jesus?

FS Porque muitos usam a palavra “Jesus” como


mero símbolo e se esquecem das obras do Jesus
histórico. Chegamos a um ponto terrível, em que a
palavra "Jesus" se tornou contrária à pessoa de Jesus e
inimiga do que ele ensinava. Temos que temer este
uso da palavra "Jesus", esvaziado de conteúdo, não
porque não amamos a Jesus, mas porque o amamos³.

MVG Enquanto discutimos definição de termo, Jesus está


calado. Será que ele não fala, senhor Schaeffer?

FS Antes de qualquer coisa ser criada, já havia


comunicação na Trindade. Se o Deus pessoal nos criou
como seres que se comunicam através da linguagem,
por que seria estranho ele comunicar a verdadeira
verdade ao homem através da Bíblia, sua revelação
verbalizada?

3 Trecho do livro
A Morte da Razão, de Francis Schaeffer, págs. 89 e 90.
4 Trechos do livro

O Deus que se Revela, de Francis Schaeffer, págs. 104, 105 e 107.


Perdão

Além
lém de dizer sinto muito, há mais coisas.
envolvidas no amor visível. Faz parte desse amor um sincero
perdão. Dizer "eu sinto muito" não é fácil, porém mais difícil
ainda é perdoar. Entretanto, a Bíblia explica que o mundo
deve encontrar um espírito de perdão no meio do povo de
Deus.

Na oração do Senhor, o próprio Jesus nos ensina a


orar: "perdoa-nos as nossas dívidas. Assim como perdoamos
aos nossos devedores" (Mt 6.12KJA). Antes de tudo, dizemos
que essa oração não é para a salvação. Ela não tem nada a
ver com o novo nascimento, porque somente nascemos de
novo com base na obra completa de Cristo. Mas essa oração
tem tudo a ver com o relacionamento existencial e empírico
do cristão com Deus, momento a momento.

Em outras palavras, necessitamos de um perdão


definitivo para a nossa justificação, e também de um perdão
constante de nossos pecados, momento a momento, com
base na obra de Cristo, para permanecermos em comunhão
íntima com Deus. A oração do Pai Nosso, que Jesus ensinou,
deveria fazer o cristão pensar diariamente no seguinte: à
medida que perdoamos os outros, pedimos ao Senhor que
nos abra para as realidades empíricas de um relacionamento
com Ele mesmo.
52 A Marca do Cristão

Alguns cristãos equivocados dizem que a oração do


Senhor não serve para a presente era, mas a esmagadora
maioria de nós afirma que ela é perfeitamente aplicável aos
nossos dias. Entretanto, passamos o ano inteiro sem pensar
uma vez sequer na necessidade de se ter um coração
perdoador não refletimos seriamente sobre o perdão de
-

Deus concedido a nós. Nunca, ou raramente, os cristãos


relacionam a falta de comunhão real com Deus à inca
pacidade de perdoar os homens, embora recitem freqüen
temente a oração do Senhor de uma maneira formal, em
seus cultos dominicais.

Precisamos reconhecer que não praticamos um


perdão de coração como deveríamos. A oração diz: "perdoa
nos as nossas dívidas, nossas transgressões, como nós temos
perdoado aos nossos devedores." Devemos ter um espírito
de perdão antes mesmo de o outro expressar arrependimento
pelo erro. Para termos um espírito de perdão, demonstrando
unidade cristã, não é necessário que o outro reconheça o
erro primeiro. A oração do Senhor não sugere isso. Somos
exortados a ter um espírito de perdão sem que o outro tenha
dado o primeiro passo. Podemos até dizer que ele esteja
errado, mas devemos perdoá-lo. Temos de perdoar não
somente os cristãos, mas todos os homens. No entanto, o
perdão deve ser demonstrado ainda mais nos cristãos,
evidentemente.

Tal espírito de perdão indica uma atitude de amor


perante os outros que acaba sendo observável. Acredite: você
pode olhar para o rosto de um homem e saber como ele age
no que diz respeito ao perdão. O mundo é chamado para
verificar se temos um amor que ultrapassa as fronteiras de
grupos ou partidos. Quando nos vê dizendo "eu sinto
muito", o mundo observa em nós um coração perdoador?
Perdão 53

Vou repetir: nosso amor não é perfeito, porém deve ser


suficientemente real para ser visto pelo mundo - ou não se
encaixará no contexto dos versículos de João 13 e 17KJA.
Segundo os textos do apóstolo, se o mundo não observar o
perdão entre os verdadeiros cristãos, ele terá o direito de
fazer dois julgamentos terríveis: de que não somos cristãos
e que Cristo não foi enviado pelo Pai.

Hipertexto
Acordo das Igrejas Evangélicas
ou Teses Revistas e Atualizadas

Recorte, plastifique e cole esta página na porta de


sua igreja, com a permissão do pastor, é claro.

1. O amor é a marca do cristão.

2. Somos salvos e trabalhamos pela graça.


3. Tudo quanto quereis que as pessoas vos façam, assim
fazei-o vós também a elas (Mt 7.12KJA).
4. Saiba perdoar. Quando não perdoamos, revelamos
que não entendemos a crucificação e a ressurreição de
Jesus Cristo. Leia Mt 18.23-35KJA e peça explicação
ao seu pastor.
5. Pecado significa errar o alvo que Deus preparou
para o homem. As orientações para acertar o alvo estão
na Bíblia.
6. Devemos retornar a Deus pela leitura bíblica, oração
e ações de arrependimento.
7. Jesus é Deus. No princípio era a Palavra, e a Palavra
estava com Deus, e a Palavra era Deus (Jo 1.1e2KJA).
8. Aguardamos a Segunda Vinda de Cristo.
9. O Espírito de Deus habita em nós e está presente
54 A Marca do Cristão

no mundo.
10. Devemos cumprir a Grande Comissão.

Assim, a Igreja declara:


Glorificamos a Deus e nos alegramos nele.
Sobre todas as coisas, amamos a Deus.

A lista dos 10 pontos listados não é exaustiva.

QUANDO OS CRISTÃOS DISCORDAM

O que acontece quando divergimos dos irmãos em


Cristo por causa da necessidade de mostrar a santidade de
Deus, seja na doutrina, seja na vida? Paulo apresenta
exatamente essa discussão em 1 e 2 Coríntios.

Em 1 Coríntios 5.1-5KJA, Paulo repreende a igreja


de Corinto porque ela permitiu que um fornicador
permanecesse na igreja sem ser disciplinado. Segundo o
apóstolo, a igreja deveria disciplinar o homem por causa da
santidade de Deus, que deve ser vista pelo mundo
observador. Esse julgamento se baseia na lei revelada de Deus.

Paulo repreende novamente a igreja em 2 Coríntios


2.6-8KJA, porque os cristãos, embora tivessem disciplinado
o homem, não demonstravam amor a ele. Estas duas coisas
devem andar juntas: amor e disciplina.

Fico grato a Paulo pelas duas cartas escritas dessa


maneira, assim vemos a passagem do tempo. Os coríntios
haviam seguido a orientação do apóstolo, eles disciplinaram
o irmão, e agora Paulo escreve: "vocês o estão disciplinando,
mas porque não demonstram amor a ele?" Paulo poderia
Perdão 55

citar Jesus, dizendo: "os pagãos de Corinto têm o direito de


dizer que Jesus não foi enviado pelo Pai porque vocês não
demonstram amor ao homem que corretamente
disciplinaram."

Nesse ponto surge uma importante questão. Como


podemos demonstrar a unidade que Cristo ordena sem
tomar parte nos erros dos outros? Eu gostaria de sugerir
algumas maneiras pelas quais podemos praticar e demonstrar
essa unidade que ultrapassa as barreiras que nos separam.

HIPERTEXTO

Torre de Babel

Parte Um: A escada

Sem identificar-se, o jornalista entra no edifício. Está


atrasado e o editor-chefe talvez tenha ido embora. Dentro

do elevador, uma fraca luz ilumina a porta de madeira, que


deve ser fechada manualmente. Luz, porta e vontade lhe
fazem optar pela escada, afinal o terceiro andar é pertinho.

Desde criança ele gosta de subir escadas correndo.


Aquele caminho pro alto lhe dá a sensação de ser livre,
porque não precisa escolher entre esquerda e direita.
Também gosta das escadas porque elas o deixam longe das
pessoas, ao contrário do elevador, gaiola horrível. Cabos de
aço e molas de segurança revelam a fragilidade humana em
cada parada.

No segundo lance de escada, mergulhado na escuridão,


o rapaz ouve vozes. Não são grunhidos de fantasmas, mas
de gente. São duas pessoas conversando, velha e criança.
56 A Marca do Cristão

Lembra que detesta ouvir essas duas pontas. Aliás, não gosta
de nenhuma voz, nem da própria. Apenas respeita os que
falam com olhos e coração.

Apartamento número 9 - indica o mapa feito num


papel de pão. Discretamente, o editor-chefe abre a porta.
Segundos depois, ele amassa a reportagem do jornalista e
lança a bolinha pela janela. Agora só resta ir embora. Após
acender um cigarro em frente do edifício, o jornalista teve
de optar entre esquerda e direita. Voltar, nunca mais.

Parte Dois: A subida

Ainda em frente do edifício, lembra-se do "nunca mais


apareça aqui!", lançado pela boca da ex-namorada. Como
ela mora ali perto, arrisca aparecer novamente. Segundo
andar, apartamento 4. Arruma os óculos e bate na porta, a
mesma que bateu na sua cara, há três anos.

Oi, tudo bem? - diz ele.


- Tudo. Entra.

- Pelo que vejo, está de saída.


-
Estou. Hoje tem
igreja
culto na . Vamos?
- Mas eu estou de camiseta...
E Deus está interessado em moda? Ele acompanha o
interior.

- Então eu topo, mas não solte a minha mão. OK?

O templo está forrado de gente. A única chance é a


galeria. A escada da galeria é estreita e bastante iluminada.
Uns descem sem dificuldades, outros lutam bravamente pelo
direito de subir é o caso dele, em desvantagem como
-

sempre. Tão logo se ajusta na cadeira de plástico, percebe


Perdão 57

que o pastor não olha pra cima. Em compensação, os crentes


do local o engolem com a beira dos olhos. Faz o mesmo.

Talvez por causa da profissão, percebe alguns erros de


português lançados pela estranha boca do pastor. Estranha
porque era meio oval, de lado. Combina com o dedo em
riste, que aponta para um lugar não-identificado. De repente,
a pregação começa a encontrar espaço em sua cabeça. A
palavra-chave é "discórdia".

O pregador fala sobre uma das maiores discussões que


o mundo já tinha presenciado: a discórdia entre dois
apóstolos. De um lado, Paulo - que era íntimo do Homem
- do outro, Barnabé, discípulo de ponta. Eles eram tão
usados por Deus que, durante a primeira viagem missionária,
foram confundidos com os deuses Mercúrio e Júpiter. O
motivo da discórdia era Marcos, que abandonara a missão e
queria voltar. Segundo Paulo, esse negócio de abandonar o
barco de Jesus não era legal. Por isso, o rapaz não retornaria
à equipe. Mas Barnabé era flexível, queria porque queria
levar o Marcos. O restante da história você encontra em
Atos 15.36-41.

Parte Final: A descida

Depois da mensagem, ouve a música de vanguarda


dos adolescentes, a benção apostólica e o amém. Agora ele
desce a escada. E como ninguém luta para subir, a vantagem
da descida perde a graça. Ainda com o pé esquerdo no último
degrau, é apresentado ao pastor:
- Pastor, este é meu ex-namorado.

"Ex-namorado" é a senha para o repórter se lembrar


58 A Marca do Cristão

dos três dias e dois seios em Ubatuba, verão de 1998.

- Tudo bem, jovem?


- Tudo... Olha... pra dizer a verdade, não está tudo
bem. O meu editor se curvou à banalização. Pastor, se Deus
está em todas as religiões Ele também é banal. Deus é uma
bengala banal?

A provocação fora de hora faz a garota arregalar os


olhos. Ele próprio se sente o homem mais idiota da face da
Terra. Mas o pastor está acostumado a lidar com sujeitos
em conflito. Respira fundo e responde:

Garoto, você ouviu o meu sermão. Os discípulos


continuaram o trabalho missionário porque conheciam O
inefável amor de Deus. Uma coisa eu aprendi com um
pensador chamado Francis Schaeffer, e por isso estou aqui.
Ele dizia: "é ridículo afirmar que todas as religiões dizem a
mesma coisa, quando, na verdade, discordam no ponto
central, acerca de como Deus é”.5 Rapaz, estude seriamente
a Bíblia e a compare com as religiões. Nenhuma prega tanto
o amor como o cristianismo. A Bíblia diz que Deus é amor,
não bengala. Expressar amor é uma coisa, ser bengala é outra
completamente diferente. É difícil entender a diferença entre
Pai e bengala?

ARREPENDIMENTO

Em primeiro lugar, as nossas fortes diferenças com


os cristãos verdadeiros devem ter arrependimento e lágrimas.
Parece simples, não? Acredite, os evangélicos geralmente
não demonstram isso. Volta e meia, porém, ficamos
5 Trecho do livro O Deus que Intervém, de Francis Schaeffer, pág. 148.
Perdão 59

satisfeitos em descobrir os erros das outras pessoas. A gente


se edifica destruindo os outros. Isso nunca demonstrará uma
unidade real entre os cristãos.

Há somente um tipo de homem que pode lutar as


batalhas do Senhor em qualquer lugar e quase sempre da
maneira correta: o manso de natureza. A ira do homem

agressivo mostra a sua força, pelo menos na aparência.


Quando divergimos, como verdadeiros cristãos, o mundo
deve observar que fazemos isso por amor a Deus e não pelo
cheiro de sangue, da arena, da tourada. Mas, se houver
lágrimas quando tivermos de falar, o mundo verá algo belo.

O segundo ponto é sobre a importância de demons


trar conscientemente um amor visível ao mundo, na
proporção da gravidade do desentendimento entre os
cristãos. Nem todas as diferenças possuem a mesma
relevância, umas são quase insignificantes e outras
importantíssimas.

A santidade de Deus não deve ser esquecida, por mais


sério que seja o erro. Uma conversa franca sobre o problema
também é fundamental. Ao mesmo tempo, quanto mais
forte é a divergência, mais forte deve ser a nossa confiança
no Espírito Santo para nos capacitar a demonstrar amor. Se
a diferença for pequena, não será necessário grande esforço
para amar. Entretanto, quanto maior a diferença, mais
devemos falar em nome da santidade de Deus. Nesse caso,
cresce a necessidade de mostrar ao mundo que ainda nos
amamos.

É da natureza humana agir na direção oposta: quando


as diferenças são menores, demonstramos mais amor aos
verdadeiros cristãos. E quando as diferenças são maiores,
60 A Marca do Cristão

principalmente sobre áreas importantes, demonstramos


menos amor. Na verdade, deve ocorrer o inverso: quando
as diferenças são maiores, devemos amar conscientemente e
demonstrar, de alguma forma, um amor visível ao mundo.

Vamos considerar o seguinte: a diferença com meu


irmão em Cristo é realmente muito importante? Se a
resposta for positiva, então é duplamente importante que
eu gaste tempo dobrando os meus joelhos, buscando a
orientação do Espírito Santo, e clamando a Cristo para fazer
sua obra por meio de mim e do meu grupo assim -

demonstramos amor diante de grandes diferenças com o


irmão em Cristo ou com outro grupo de cristãos verdadeiros.

HIPERTEXTO

A inveja não ama

"Se alguém possui algo e o perde, alegramo-nos no


íntimo? Sua perda causa-nos secreta satisfação? Não responda
muito depressa dizendo que nunca sentiu isso porque estará
se mostrando mentiroso", diz Francis Schaefferº.

A inveja morde quem está perto e se alimenta de


comparação. Em silêncio, ela está presente em diversos
locais. Na escola, a inteligência de um aluno é invejada pelo
colega. O vendedor ambulante da favela sente inveja do
vizinho que possui emprego com carteira assinada. Uma
mulher inveja a beleza da amiga, na academia de ginástica.
Rápida no gatilho, nada escapa da inveja: carro, casa, roupa,

6 Extraído do livro Verdadeira Espiritualidade, de Francis Schaeffer, págs. 20


e 21.
Perdão 61

dinheiro, viagem, marido, esposa, filhos, dons espirituais.


Resumindo, o sucesso dos conhecidos é insuportável.

Segundo a Bíblia, a inveja corrói o corpo e a alma.


"A paz de espírito dá saúde ao corpo, mas a inveja destrói
como câncer", diz Provérbios 14.307. Em Gálatas 5.21KJA,
ela faz parte das destruidoras obras da carne, aparecendo ao
lado da inimizade, bebedice, glutonaria e prostituição.

Esse sentimento habita em ambientes de assolação.


Quando um pastor cai, por exemplo, os invejosos ficam
eufóricos. Bebem a desgraça do outro para justificar a própria
mediocridade. Esses eufóricos nunca oraram, com a porta
fechada, pelo reverendo ou por qualquer líder evangélico.
Gostam apenas de orar em público para reforçar a pinta de
superior. Seria cômico se não fosse trágico.

No livro "Verdadeira Espiritualidade”, o teólogo


Francis Schaeffer diz que devemos amar aos nossos
semelhantes o suficiente para não termos inveja. Até porque
a inveja não ama, de acordo com o psicoterapeuta londrino,
Joseph H. Berke. Para espantar esse perverso sentimento, o
apóstolo Paulo tem uma receita simples: "alegrai-vos com
os que se alegram e chorai com os que choram" (Romanos
12.15KJA).

AMOR SACRIFICIAL

Em terceiro lugar, devemos demonstrar amor prático


nas situações embaraçosas, mesmo que custe um alto preço.
A palavra amor não deve ser uma bandeira. Em outras

7 Tradução da Bíblia na Linguagem de Hoje.


62 A Marca do Cristão

palavras, devemos procurar um jeito de demonstrar amor,


custe o que custar. Não é possível dizer: "eu amo você", e
então atirar- bang, bang, bang!

Muitas vezes as pessoas pensam que o cristianismo é


somente uma religião agradável, apenas um tipo de amor
sentimental que ama igualmente o mal e o bem. Essa não é
a posição bíblica. A santidade de Deus deve ser demonstrada
com amor. Portanto, devemos tomar cuidado para não dizer,
em nosso próprio grupo ou em outro, que o errado é o
certo nas questões de doutrina ou vida. Seja onde for, o que
está errado, está errado, e temos a responsabilidade de dizer,
naquela situação específica: o que está errado, está errado.
Deve haver amor visível independente do preço a pagar.

A Bíblia não evita esses assuntos. Primeira Coríntios


6.1-7KJA diz: "aventura-se algum de vós, tendo questão
contra outro, a submetê-la a juízo perante os injustos e não
perante os santos? Ou não sabeis que os santos hão de julgar
o mundo? Ora, se o mundo deverá ser julgado por vós, sois
acaso indignos de julgar as cousas mínimas? Não sabeis que
havemos de julgar os próprios anjos; quanto mais as cousas
desta vida? Entretanto, vós, quando tendes a julgar negócios
terrenos, constituís um tribunal daqueles que não têm
nenhuma aceitação na igreja! Para vergonha vo-lo digo. Não
há, porventura, nem ao menos um sábio entre vós, que possa
julgar no meio da irmandade? Mas irá um irmão a juízo
contra outro irmão, e isto perante incrédulos? O só existir
entre vós demandas já é completa derrota para vós outros.
Por que não sofreis antes a injustiça? Por que não sofreis antes o dano?"

O que Paulo quer dizer? As coisas erradas não devem


fazer parte da igreja, porém isso não justifica a procura de
um tribunal para solucionar as divergências entre os irmãos
Perdão 63

em Cristo. Tal julgamento destruiria a unidade visível diante


de um mundo atento. Em vez de ir ao tribunal contra outros

cristãos verdadeiros, ele deve até sofrer prejuízo material e


financeiro, tudo para demonstrar a verdadeira unidade cristã.
Esse amor prático custa caro, mas somente ele pode ser visto.

Paulo fala sobre algo visível e muito real: o cristão


deve demonstrar amor diante de uma diferença inevitável
com seu irmão. Deve demonstrar que está disposto a sofrer
qualquer prejuízo - não apenas o financeiro (embora a
maioria dos cristãos pareça esquecer totalmente o amor e a
unidade, quando há dinheiro envolvido na questão). Não
importam quais sejam as circunstâncias, os cristãos devem
demonstrar um amor prático e adequado à situação
particular. A Bíblia é um livro prático e pé-no-chão.

A quarta maneira de exibir amor, sem participar dos


erros de nossos irmãos, é abordar o problema com desejo
de resolvê-lo, em vez de só pensar em vencer. Todos nós
gostamos muito da vitória. De fato, não há ninguém que
goste mais de vencer do que o teólogo. A história da teologia,
em sua maior parte, é uma longa exposição do desejo de
alcançar triunfo.

Mas devemos compreender que tentamos buscar, em


meio às nossas diferenças, uma solução - que trará glória a
Deus, que será fiel à Bíblia, que demonstrará tanto o amor
como a santidade de Deus. Qual é a nossa atitude quando
nos sentamos para falar com nosso irmão ou quando um
grupo se reúne com outro grupo para discutir? O desejo de
chegar primeiro ao topo da montanha? De bancar o melhor
e humilhar? Se existe algum desejo de amar aos nossos
oponentes, seja quem for, vamos buscar uma solução e não
apenas provar que estamos certos.
64 A Marca do Cristão

HIPERTEXTO

Regra do jogo

Bem na hora do recreio, enquanto procuram peças


de quebra-cabeça na caixa de brinquedos, a criança solta a
revelação bombástica, quebrando um longo silêncio sobre
o assunto: "Papai Noel não existe". Sem demora, a turminha
assina o manifesto mirim. Apenas um menino retruca, o
mais pobre de todos. Derrotado pela maioria, engole o choro
e a dura realidade: os presentes acabaram.

O tempo passou e ele cresceu. Não tem mais dúvidas


sobre Papai Noel, mas continua achando que ninguém gosta
dele. Ou melhor, gosta sim, quando tem dinheiro. Mesmo
com pouquíssima grana no bolso, os amigos aparecem. Esses
gatos-pingados o lambem para obter pequenas vantagens,
como um pires de leite, de moeda, ou simplesmente para
conhecer a gata do pedaço.

Os parentes bem de vida o consideram uma tremenda


aberração. Onde já se viu, aos 33 anos, não ter um tostão
furado na carteira? Mês passado, o sobrinho de seis anos
rolou de rir, ao ver o tio com um tijolo na orelha pra se
comunicar: "tio, faz de novo?" Como não achou graça,
rebateu: "menino, essas meias vermelhas não são
femininas?", zombou.

Tabuleiro da vida

Tudo perde a graça no momento em que a doente


pega o banquinho e sai de mansinho do hospital. Sem
dinheiro, a viúva passa a vez, deixando a consulta para os
ricos. "Deus criou o tabuleiro da vida", disse com os seus
botões. Vendo o descaso dos médicos, integrantes de um
Perdão 65

partido político, infiltrados no balcão de atendimento,


garantem que os jovens doutores preferem ler bulas a cuidar
da carne do povo.

Como não luta por nada, ele procura um lugar mais


tranqüilo, longe do balcão. O comprido banco de madeira
é excelente. À sua destra, se encontra um bom velhinho de
barba amarela. Com estampa de boêmio, o velho acaricia o
radinho de pilha. Tal qual a mulher de Ló, ele se converte
em estátua, quando a rádio toca as palavras dum pastor:
Esta é a verdadeira regra do jogo, meu amigo: amar ao
próximo, do jeito que ensina Mateus 25. O resto é balela, é cristianismo
de e-mail. Enquanto nos afundamos no sofá, tem gente se afundando no
desespero, na desesperança, na humilhação, no ceticismo, nas drogas. Se
nós quisermos, viramos o mundo do avesso, nadamos contra a maré. É
bem verdade que estender a mão ao próximo não dá retorno financeiro.
Mas dá o privilégio de ver o sorriso de Jesus.

A DIFERENÇA NAS DIFERENÇAS

A quinta maneira de demonstrar amor prático e


visível ao mundo é ajudar os nossos irmãos a estarem atentos
para não caírem nos erros dos outros. É fácil assumir uma
posição transigente e chamar o que está errado de certo.
Também é fácil a gente esquecer de demonstrar a unidade
em Cristo. Essa atitude deve ser constante e conscientemente
desenvolvida-devemos conversar entre nós e escrever sobre

isso individualmente e em grupos.

Devemos falar e escrever antes que as diferenças surjam


entre os verdadeiros cristãos. Nós temos conferências cristãs

sobre todos os assuntos. Quem já ouviu uma conferência


sobre a demonstração prática da fidelidade na santidade e
66 A Marca do Cristão

do amor de Deus, diante de um mundo observador? Quem


já ouviu um sermão ou leu algo que apresente cuidado
samente a prática de dois princípios que, à primeira vista,
parecem se opor? São eles: (1) O princípio da prática da
pureza da igreja visível em relação à doutrina e vida; (2) O
princípio da prática de amor e unidade visíveis entre todos
os verdadeiros cristãos.

Não seria ingenuidade pensarmos que possa existir


uma linda prática cristã, sem um sério confronto de nossas
diferenças por meio de pregações criteriosas e livros sobre o
tema?

Diante de um mundo atento, que vê a discórdia


surgir, um amor visível demonstrará a diferença nas
diferenças. Ou seja, os cristãos resolvem a divergência de
um modo, os incrédulos, de outro. O mundo poderá não
compreender sobre o que os cristãos divergem, mas
entenderá bem rápido, a diferença em nossas diferenças,
comparando com as diferenças do mundo, porque nós
suportamos as diferenças com um amor prático, tolerante e
observável.

Essa é a diferença. Você consegue compreender por


que Jesus disse que a marca do amor atrairia a atenção do
mundo? Não se pode esperar que o mundo compreenda
diferenças doutrinárias, especialmente em nossos dias,
quando a existência da verdade e dos absolutos legítimos é
considerada inconcebível, mesmo como conceito.

Não podemos esperar que o mundo compreenda o


nosso tipo de diferença, que se baseia nos absolutos de Deus,
como a santidade. Mas quando os incrédulos vêem que os
cristãos verdadeiros demonstram uma unidade visível,
Perdão 67

mesmo durante as divergências, abre-se um caminho para


que eles considerem a verdade do cristianismo e a reivin
dicação de Cristo: Ele foi realmente enviado pelo Pai.

Aliás, nós temos uma possibilidade muito maior de


demonstrar, na prática, o que Jesus fala quando divergimos
uns com os outros do que quando estamos sem divergências.
Obviamente não temos que sair procurando diferenças entre
nós. Já existem diferenças suficientes sem que tenhamos de
procurar mais. Entretanto, é justamente em meio às
diferenças que temos oportunidade de ouro. Quando tudo
está bem e encontramos ao nosso redor um pequeno e
agradável círculo, não há muito a ser visto pelo mundo. No
entanto, quando demonstramos a prática de princípios
bíblicos e a manifestação de um amor visível, durante uma
séria divergência, o mundo pode julgar se somos realmente
cristãos e se Jesus, de fato, foi enviado pelo Pai.

HIPERTEXTO

O dom de brilhar

Parecendo o coelho da Alice, o milionário John


Pendleton anda sempre apressado, mas em vez de olhar
para o relógio, mira o chão. Intrigada, a adolescente
Pollyanna tenta cutucar o coelho com vara curta. Aproxima
se do homem e puxa uma conversa sobre o tempo. Diz que
o tempo está lindo, em comparação ao dia anterior. O
homem fuzila: "existem coisas mais importantes do que
pensar no tempo e não sei nem quero saber se o Sol brilha
ou não!"

Viver com os olhos afundados na terra impede a


8 Personagem da obra "Pollyanna", de Eleanor Porter.
68 A Marca do Cristão

percepção da beleza. Mas quem tem sensibilidade, volve a


cabeça para o brilho da glória de Deus, presente em todos
os lugares. O cristão também reflete essa glória. Você já
notou o brilho nos irmãos?

Quando a gente desenvolve um dom espiritual, a


gente brilha muito. A Bíblia é clara sobre os dons. Todos os
cristãos têm ao menos um dom. Para facilitar a compreensão
deste hipertexto, os termos dom, vocação e habilidade serão
sinônimos - no fundo, no fundo, tudo é pela graça. Sabemos
que o dom possui relação direta com o corpo de Cristo, a
vocação soma vontade e talento e a habilidade geralmente
equilibra agilidade e criatividade.

O mundo será menos tenebroso se cada um viver

em harmonia com a vocação. Ora, o raciocínio é simples.


Se todos brilharem, dentro e fora da igreja, o mundo será
melhor. Como uma espécie de força mágica, as habilidades
especiais embelezam o mundo, tornando-o suportável. Essas
habilidades espalham prazeres divinos. Por isso,
encontramos craques do livro, do desenho, da música e do
futebol em todos os continentes. Sem o brilho dos
vocacionados, a sociedade só tem a perder.

Ajude o seu irmão a brilhar. Existem seminaristas


que ficam com a conta no vermelho ao tomar um refrigerante
na hora do intervalo. Outros perdem o sono porque não
têm o dinheiro da mensalidade. Cristãos brilhantes estão

aos poucos arrefecendo porque estão sem a vara de pescar.

Que tal criarmos um fundo em cada igreja para


bancar a faculdade dos irmãos de famílias carentes, que não
podem ingressar numa universidade pública? Daríamos
suporte para que surjam artistas, atletas, escritores,
Perdão 69

jornalistas, advogados, engenheiros, médicos, biólogos,


filósofos, teólogos, etc. Eles seriam profissionais que
dificilmente abririam mão da ética cristã, da vocação e do
amor. Eles também aprenderiam com os excelentes
profissionais que já atuam no mercado de trabalho. A idéia
é não jogar os milhares de desempregados num córrego. O
exército de mão-de-obra barata é uma invenção do mercado.
Na realidade, todos devem ser valorizados porque têm um
importante e precioso dom, que não pode ser criado
artificialmente.

Um dia a igreja perceberá que o Espírito Santo dá


habilidade, vocação e dom de acordo com a necessidade de
cada geração. Segundo Francis Schaeffer, o trabalho do
Espírito Santo jamais deve ser minimizado ou considerado
fora de moda'. Se a igreja souber dinamizar esses talentos,
viveremos em uma sociedade melhor. O mundo jaz no
maligno, é verdade, mas Deus é luz.

É impressionante o poder de brilhar que as pessoas


vocacionadas possuem. No ambiente em que se destacam,
não tem pra ninguém. Agora coloque um artista pra dar
troco num guichê. O camarada sufoca. O mesmo acontece
com um missionário que fica preso numa igreja, dando aula
na escola bíblica dominical. Resumindo: quem trabalha sem
O dom parece abelha sem colméia. Por isso, é uma tolice
enorme oferecer um cargo a alguém que não tenha o dom
para o exercício da função.

O segredo é ser tragado por Deus, isto é, ser


consumido pelo dom. Se você consegue viver sem um
determinado dom, faça outra coisa. Um pássaro sempre
tentará voar, mesmo sem asas. Um músico sempre tocará,
9 O Deus que Intervém, de Francis Schaeffer, pág. 265.
70 A Marca do Cristão

mesmo sem instrumento. O Sol ainda brilhará por um bom


tempo, mesmo sem o reconhecimento dos homens.

O AMOR NA PRÁTICA

Gostaria de mencionar dois belos exemplos de amor


visível. O primeiro é sobre um impasse entre irmãos alemães.
Durante a Segunda Guerra, Hitler determinou a união de
todos os grupos religiosos no país, pela força da lei, com o
objetivo de controlar a Igreja.

Os Irmãos se dividiram por causa dessa imposição,


metade aceitou a lei de Hitler e outra metade a recusou.
Evidentemente, aqueles que se submeteram à lei tiveram
uma vida muito mais fácil. Mas, essa unidade organizacional
com grupos liberais começou a perder, paulatinamente, o
vigor doutrinário e a vida espiritual. Por outro lado, o grupo
que não concordou permaneceu espiritualmente forte, mas
quase todas as famílias perderam algum parente nos campos
de concentração da Alemanha.

Você pode imaginar a tensão emocional? A guerra


acabou e os irmãos se defrontaram. Eles possuíam a mesma
doutrina, haviam convivido juntos por mais de uma geração.
E agora? Um homem lembra a morte do pai no campo de
concentração, sabendo que muitos integrantes do outro
grupo permaneceram em segurança. Mas eles também têm
sentimentos profundos.

Então, aos poucos, os irmãos concluíram que aquela


situação não poderia continuar. Foi estabelecida uma data
para que os presbíteros de ambos os grupos se reunissem
em um lugar tranqüilo. Eu perguntei ao homem: "o que
vocês fizeram?" Ele respondeu: "vou lhe dizer o que fizemos.
Perdão 71

Nós nos reunimos e reservamos vários dias para cada um


examinar o próprio coração”. Aqui está uma diferença real:
as emoções foram profundamente tocadas. "Meu pai foi
enviado para o campo de concentração, minha mãe foi levada
à força". Esses desabafos não eram apenas conchinhas na
praia, iam fundo no poço das emoções humanas. Durante o
encontro, a prioridade de todos foi examinar o coração à
luz dos mandamentos de Cristo. Noutra ocasião, se reuniram

novamente. Eu perguntei: "o que aconteceu ao grupo?" Ele


disse: "nós simplesmente éramos um". A meu ver, Jesus falou
exatamente isso. O Pai enviou o Filho!

HIPERTEXTO

A revelação do marfim

Um silêncio gostoso reina no monte durante o


acampamento dos discípulos. Eles ouvem o vento uivar ao
nascer do sol. Bem baixinho, um seguidor sussurra no
ouvido da esposa: agora o Homem vai falar sobre a felicidade.
Jesus levanta os braços como quem ergue um bebê. Parece
que ondas invisíveis o atingem. Ninguém resiste ao olho do
redemoinho, os espíritos se deixam levar. Mas como o ser
humano é corpo e espírito, os homens voltam a si quando
escutam que sem santidade ninguém é feliz.

Assim como Deus coloca marfim no elefante, Ele


também coloca o caráter de Jesus em seus filhos. Essa ação
sobrenatural nos discípulos ocorre em camadas. A
humildade é a primeira porque nivela todos os seres
humanos. Dividimos a mesma Casa, estamos todos num
mesmo barco. Mesmo assim, muitos ainda acreditam que o
próximo pertença a um "tipo de raça humana inferior".
Quando compreendemos que a vida é mais do que o nosso
umbigo, o arrependimento espreme o coração produzindo
72 A Marca do Cristão

outra camada, o choro.

Por mais incrível que pareça, esse tipo de lágrima é a


matéria-prima da mansidão. Quem tem mansidão ganha a
companhia do tempo, aprende com a natureza e se curva
diante de Deus. Esse estilo de vida é uma necessidade que
precisa ser satisfeita, como a fome e a sede. O apetite é tão
grande que a pessoa anseia pela presença de Deus em todos
os lugares. Mas o problema do sofrimento, volta e meia,
torna o cotidiano amargo. Vemos as pessoas serem
derrubadas, não entendemos o movimento da tragédia,
porém cresce em nós a camada da misericórdia, que nos
coloca na pele do outro, não para ter dó ou pena, mas para
ajudar. Francis Schaeffer demonstrava uma compaixão pelas
pessoas que saltava aos olhos. "Se tenho apenas uma hora
para gastar com uma pessoa, passo os primeiros 55 minutos
fazendo-lhe perguntas e descobrindo o que está preocupando
o seu coração e mente, então, nos últimos 5 minutos
compartilho alguma coisa sobre a verdade¹⁰

Segundo a Bíblia, somos o templo do Espírito Santo,


o corpo de Cristo, fazemos parte da família cristã. Pensando
assim, ajudar o outro é ajudar a si próprio, é curtir a presença
de Deus que cria em nós um coração limpo. Esse coração
tem a capacidade de preservar a paz e, por tabela, fazer surgir
o pacificador.

A reunião destas camadas humildade, choro,


mansidão, apetite por Deus, misericórdia, coração limpo e
o pacificador - nos faz semelhantes a Jesus. E não é preciso
ser muito inteligente para saber que, se perseguiram ao
mestre, também perseguirão a nós. Mas preste atenção: ou
temos todas as camadas ou não temos nenhuma. Elas estão
100 Deus que se Revela, de Francis Schaeffer, pág. 28.
Perdão 73

concatenadas, uma depende da outra, e todas levam em conta


a revelação do marfim.

DIVIDIDOS, MAS UM

Falamos sobre um princípio universal, aplicável a


todos os tempos e lugares. Deixe-me, então, citar o segundo
exemplo — um caso diferente do mesmo princípio.
-

Às vezes, por boas razões, grupos de cristãos nascidos


de novo se dividem. Há muito tempo eu espero ver uma
divisão sem acusações amargas, principalmente quando é
impossível o grupo trabalhar junto. Há muito tempo, desejo
ver dois grupos demonstrando amor a um mundo atento,
quando chegam a uma situação em que não é mais possível
manter a unidade organizacional.

Teoricamente, é claro, a igreja local deve ser capaz


de ministrar a todas as nuances da sociedade. Mas, na prática,
devemos reconhecer que, em certas situações, isso se torna
muito difícil. As necessidades dos segmentos da sociedade
são diferentes.

Recentemente, surgiu um problema dessa natureza


em uma igreja localizada no Centro-Oeste dos Estados
Unidos. Algumas pessoas mais modernas estavam chegando
à igreja e, com o passar do tempo, o pastor concluiu que
não conseguiria pregar e ministrar a ambos os grupos.
Alguns homens alcançariam êxito no mister, mas não ele.
O pastor achava que não conseguiria ministrar aos dois
grupos da congregação: de um lado, os cabeludos e seus
estranhos amigos; do outro, os tradicionais vizinhos da igreja.

O exemplo de amor visível, que apresentarei agora,


74 A Marca do Cristão

não deve ser tomado como situação "natural" em nossos


dias. Em nossa geração, a falta de amor pode facilmente
servir a dois propósitos: a classe média pode ser arrogante e
desprezar os cristãos cabeludos. E os cristãos cabeludos
podem ser, igualmente, arrogantes e desprezar os cristãos
conservadores, de cabelo curto.

Depois da longa tentativa de trabalhar juntos, os


presbíteros se reuniram e decidiram formar duas igrejas. Eles
deixaram bem claro que não se dividiam em razão de uma
doutrina diferente, mas por questões práticas. Um membro
do presbitério foi para o novo grupo. Eles fizeram várias
reuniões para garantir uma transição pacífica. Agora, eles
têm duas igrejas e praticam conscientemente o amor uns
aos outros.

Portanto, o exemplo mostra que, mesmo passando


por uma falta de unidade organizacional, o amor verdadeiro
e a unidade da igreja podem ser observáveis ao mundo. O
Pai enviou o Filho!

De todo o coração, quero dizer o seguinte: quando


nos esforçamos para pregar o evangelho verdadeiro, em pleno
século 20, nossa mensagem deve destacar a importância do
amor visível. Jamais devemos nos esquecer da apologia final.
O mundo tem o direito de observar as diferenças relevantes
que nós, verdadeiros cristãos, temos de vez em quando. No
entanto, deve ver também que nos amamos. Nosso amor
deve ter um padrão que o mundo possa observar, deve ser
visível.
Perdão 75

HIPERTEXTO

Francis Schaeffer e o nosso tempo

Talvez nenhum pensador cristão consiga montar uma


trilogia tão aplicável aos nossos dias como ele. Entre os 23
livros escritos, Schaeffer escolheu três para apresentar a fina
flor de sua mensagem: "O Deus que Intervém", "A Morte
da Razão" e "O Deus que se Revela", respectivamente, na
ordem em que foram escritos, não de publicação. Sobre esse
tripé, ele apresenta uma série de personagens que marcaram
a história do pensamento humano. Para tanto, exibe um
elegante pingue-pongue: da teologia para a filosofia, da
filosofia para as artes plásticas, das artes para a literatura, da
literatura para a música e por aí vai, sempre com uma raquete
bíblica, para as palavras de Jesus receberem destaque total.

Em "O Deus que Intervém", o autor lembra o tempo


em que se podia dizer "isto é verdade ou isto é certo", sem
nenhum problema. As verdades bíblicas não eram postas
em xeque, era pão, pão, queijo, queijo. Por exemplo: se Deus
aprova o amor, Ele desaprova a indiferença e ponto final.
Entretanto, atualmente, a coisa não funciona bem assim, a
mente das novas gerações está sendo programada para ejetar
os valores bíblicos, tanto que existem adolescentes que acham
normal serem amantes, desde que tirem vantagem da
situação. Outros jovens pensam que ser "revolucionário"
significa quebrar tabus o incesto que se cuide.

Ao se afastar das verdades bíblicas, o homem passou


a pensar a torto e a direito, sem se preocupar com as
conseqüências de se colocar acima do bem e do mal. Na
opinião de Schaeffer, o filósofo Soren Kierkegaard (1813–
1855) não sonhava que seria rotulado de pai do pensamento
76 A Marca do Cristão

moderno, após fazer a cisão entre fé e razão. Segundo o


filósofo, o "sacrifício" de Isaque, praticado por Abraão, foi
totalmente ilógico, fora da razão, um salto na fé. A partir
daí, angústia, desespero, desesperança, anacronismo, caos e
abismo arrombariam o mundo. Quem resolveu saltar à
maneira de Kierkegaard foi o teólogo suíço Karl Barth (1886–
1968), responsável direto pela entrada do existencialismo
na teologia, segundo o autor.

Schaeffer propõe um diálogo com a nova geração para


esclarecer que o cristianismo histórico jamais abandonou o
conhecimento, nem promoveu o suicídio intelectual. Seria
importantíssimo debatermos com os jovens o sistema de
pensamento cristão, que tem unidade e valor universais. Para
exemplificar, o fato de o homem ser a imagem e semelhança
de Deus possui sérias implicações políticas, pois todas as
pessoas passam a ser importantes e dignas de respeito. Isso
significa que os homens não podem ser deixados à margem
da sociedade, mesmo na condição de não-consumidores.

O segundo livro da trilogia, "A Morte da Razão",


foi apresentado inicialmente como palestra. Em número de
páginas é o menor de todos, mas nem por isso fica atrás em
conteúdo, mapeia de ponta a ponta a trajetória do
pensamento moderno. Ao contrário do que muitos acham,
as idéias não são “naturais”, existem filosofias que regem
nossa maneira de ver as coisas. Um dos motivos que reforçam
essa alienação é o fraco desempenho de algumas escolas. As
disciplinas são estudadas isoladamente, como linhas paralelas
que jamais se tocam. Evidentemente, o pensamento fica sem
consistência, perambula tipo maria-vai-com-as-outras,
fazendo o jovem se sentir incapaz de relacionar idéias.
Perdão 77

O livro aborda desde o Renascimento, com os belos


quadros de Rafael (1483-1520), passa pelos primórdios da
ciência e pelos grandes filósofos de todos os tempos, como
Kant, Hegel e o popular Jean-Paul Sartre, até a pornografia
e os meios de comunicação. Na realidade, Francis Schaeffer
deseja que o cristão supere o senso comum e aprimore a
capacidade de argumentação e discernimento. "Cada geração
da Igreja, em cada contexto, tem a responsabilidade cristã
de comunicar os evangelhos numa linguagem compreensível,
levando em consideração a época e formas de pensamento
daquele contexto", declara Schaeffer.

Lá pelas tantas, ele mostra a importância da Reforma


Protestante, fala sobre o bravo Lutero, que se levanta contra
as distorções religiosas de sua época, depois chega ao grande
cérebro de João Calvino, autor das Institutas que atraem
inúmeros olhos em busca de direção. De acordo com os
reformadores, o homem é incapaz de produzir a própria
salvação e não existe esforço moral que estabeleça um
relacionamento com Deus.

No último livro da trilogia, intitulado "O Deus que


se Revela", ele entra nos campos da metafísica (sobre a
existência), da moral e da epistemologia (sobre o
conhecimento). Em relação à metafísica, a grande questão é
que as coisas existem, não o contrário. O nada é incapaz de
formatar o mundo. Para Schaeffer, determinados estudiosos
erram ao afirmar que o homem é apenas uma série de reações
químicas e físicas, o que o nivelaria a um motor de carro.
Antes, porém, existe algo de grandioso no homem, pois
somos a imagem e semelhança de Deus. A expressão
"imagem e semelhança" nos coloca diante de um Deus
78 A Marca do Cristão

pessoal, criador e infinito. Mais ainda: a correlação de


passagens bíblicas revela a Trindade, isto é, aponta para uma
unidade e diversidade pessoais, vindas de uma ordem
superior. O que isso tem a ver com a gente? Revela um
sentido na existência humana, as pessoas não são obras do
acaso. Deus não está em silêncio, Ele fala com o homem.

Vamos aprofundar um pouco mais. Uma origem


impessoal extirparia a moral propriamente dita. Quer dizer,
eliminaria todos os padrões que definem o certo e o errado.
Mas a existência pessoal de Deus dá o norte: o caráter do
Criador é a moral absoluta do universo. Por isso os seres
humanos de todas as épocas sempre sentiram que existe uma
diferença entre certo e errado. Nesse ponto, muitos
perguntam: "então por que o homem é cruel?" O homem é
uma espécie de aberração. Quem acha que aberração é um
termo muito forte, pode trocá-lo por anormal, é menos
chocante. Pois bem. Deus não criou o homem desse jeito.
A raça humana se distorceu com a Queda (Gn 3), o que não
significa que tudo esteja perdido. A solução está na cruz de
Cristo.

E as páginas do livro continuam virando. Embora a


maior parte das pessoas não perceba, existe uma questão
epistemológica atrás do conflito de gerações, explica o autor.
O problema é que cada geração enxerga o conhecimento
dum jeito. Para explicar a origem dessas visões díspares,
Schaeffer cita filósofos gregos, positivistas, pintores,
escritores e até hippies dos anos de 1960 que buscaram, por
meio das drogas, um sentido para o mundo. Ele afirma que
somente o cristianismo oferece um conjunto de pressupostos
que dá conta das necessidades em questão, pois se baseia na
Bíblia, que não responde exaustivamente a todas as questões
Perdão 79

filosóficas, mas certamente revela a verdadeira verdade


como dizia o pensador a verdade real em que podemos
-

confiar.

Num só fôlego, ele escreveu: "você poderá ir até o


fim do mundo e nunca precisará temer, como os antigos
temiam, cair no abismo ou que os dragões o devorem. Você
poderá levar o seu debate intelectual até o fim, pois o
cristianismo não é verdadeiro apenas nos seus dogmas, não
é verdadeiro somente no que Deus disse nas escrituras, mas
também é verdadeiro em relação ao que existe, você nunca
cairá no abismo do fim do mundo!" ("O Deus que se Revela”,
pág. 56).

A ÚNICA MARCA VERDADEIRA

Vamos olhar de novo os textos bíblicos que indicam


tão claramente a marca do cristão:

"Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns


aos outros; assim como Eu vos amei; que dessa mesma
maneira tenhais amor uns para com os outros. Através deste
testemunho todos reconhecerão que sois meus discípulos:
se tiverdes amor uns pelos outros" (João 13.34-35KJA).
"Para que todos sejam um, Pai, como tu estás em
mim e Eu em ti. Que eles também estejam em nós, pa-ra
que o mundo creia que tu me enviaste" (João 17.21KJA).

Podemos concluir que nós, os cristãos, somos


exortados a amar a todos os homens, amando-os como a nós
mesmos, seguindo o exemplo do samaritano que amou ao
homem ferido. Também concluímos que devemos amar a
todos os nossos irmãos, os cristãos verdadeiros, maneira
que o mundo possa ver. Isso significa demonstrar amor aos
80 A Marca do Cristão

irmãos em meio às nossas diferenças — grandes ou pequenas


- amando-os mesmo quando nos custar alguma coisa,
amando-os mesmo em tempos de tremenda tensão
emocional, amando-os de maneira que o mundo possa ver.
Em resumo, devemos praticar e exibir a santidade e o amor
de Deus, pois se não fizermos assim, vamos entristecer o
Espírito Santo.

O amor e a unidade é a prova do amor é a


marca que Cristo deu aos cristãos para usarem diante do
mundo. Somente com essa marca o mundo saberá que os
cristãos são, de fato, cristãos, e que Jesus foi enviado pelo
Pai.

BIBLIOGRAFIA

SCHAEFFER, Francis A. A morte da razão. 1ª ed.


São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.

O Deus que intervém. 1ª ed. São Paulo:


Editora Cultura Cristã, 2002.

O Deus que se revela. 1ª ed. São Paulo:


Editora Cultura Cristã, 2002.

Verdadeira espiritualidade. 1ª ed. São Paulo:


Editora Fiel, 1980.
Este não é o maior livro de Francis Schaeffer, mas é o melhor. E você terá a chance de
comprovar isso durante a leitura e vivência da mensagem aqui contida.
Desde que deixei a Editora Abril, há muitos anos, para me tornar um editor cristão, so
nhava em publicar os 23 grandes livros que reúnem a maior parte da obra escrita por Schaeffer.
Contudo, havia chegado tarde ao clube. Outros "missionários-editores", posto que naquela
época não eram muitos os "editores-cristãos-profissionais" com formação universitária, já ha
viam garantido os direitos de publicação de toda a produção literária desse notável mestre e au
tor evangélico, ainda que não tivessem publicado toda a coleção, como fez a editora americana
Crossway no início dos anos 90.
Mas como pertenço a uma geração que aprendeu a sonhar e acreditar em seus so
nhos, sempre alimentei a esperança de que ainda publicaria uma obra de Schaeffer em
nossa língua e cultura. Um dia, aproveitando uma visita à Crossway, indaguei se não ha
veria mesmo mais nada de Schaeffer que pudesse ter o copyright brasileiro. Foi quando
depois de um tempo de buscas no arquivo morto (ainda não havia tanta informatização
assim nos EUA), tive a grata surpresa: "The Mark of the Christian" estava livre para
aquisição dos direitos.
Ao chegar ao Brasil soube que circulava nos meios acadêmicos, de forma despretensiosa,
uma tradução desse livro. Falei com seu editor cristão, mas ele respondeu: "Quem?”, “Eu não
sei de nada!" e continuou a distribuir. Coisas deste mundo.

Bem, muitas outras provações ocorreram marchas e demarchas - mas, enfim, A


Marca do Cristão está em suas mãos, num trabalho notável de edição e hipertexto do
teólogo, jornalista e tradutor Julio Scarparo.
Quero aproveitar e fazer justiça a um dos mais ilustres teólogos brasileiros; quem mais e
melhor conseguiu traduzir em nosso contexto os princípios bíblicos ministrados por Schae
ffer, pagando o preço da sua coerência como gente e cristão.
No momento em que homenageamos Francis Schaeffer pelos 25 anos de sua morte,
Caio Fábio D'Araújo Filho, o querido pastor Caio, que muito influenciou personalida
des ilustres como Ariovaldo Ramos, Guilherme Kerr, Paulo Solonca, Osmar Ludovido,
Ricardo Gondim, Rubem Amorese, Ricardo Barbosa, Ed René Kivitz e tantos outros,
nos dá a honra de abrir esta obra singular.
Só resta, portanto, desejar a você, querido leitor, uma boa e marcante leitura!

Oswaldo Paião
Editor

Press

Site: www.abbapress.com.br
E-mail: abbapress@abbapress.com.br 97885781570071

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