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Direito do Consumidor

Bruno de Mattos Ávila Nolasco

Índice do Conteúdo
Índice do Conteúdo.....................................................................................................................................1
Introdução...................................................................................................................................................3
Avaliação.................................................................................................................................................3
Legislação................................................................................................................................................3
Bibliografia...............................................................................................................................................3
Breve Panorama do Direito do Consumidor................................................................................................3
Princípios.....................................................................................................................................................5
Princípio do Protecionismo do Consumidor............................................................................................5
Princípio da Vulnerabilidade....................................................................................................................6
Princípio da Hipossuficiência...................................................................................................................6
Princípio da Equivalência Negocial..........................................................................................................6
Princípio da boa-fé objetiva.....................................................................................................................6
Princípio da Função Social do Contrato...................................................................................................7
Princípio da reparação integral do dano..................................................................................................8
Relação de Consumo...................................................................................................................................9
Elementos Subjetivos..............................................................................................................................9
Consumidor Direto..............................................................................................................................9
Consumidor por Equiparação............................................................................................................10
Fornecedor Direto.............................................................................................................................11
Fornecedor por Equiparação.............................................................................................................11
Elementos Objetivos..............................................................................................................................12
Vício e Fato do Produto ou Serviço............................................................................................................12
Teoria da Qualidade..............................................................................................................................12
Corpos Estranhos em Embalagens de Gênero Alimentício: Vício ou Fato?............................................13
Graus de Perigo.....................................................................................................................................13
Recall.....................................................................................................................................................14
Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto........................................................................................14
Responsabilidade civil do Comerciante pelo Fato do Produto...........................................................14
Nova Tecnologia: produtos mais novos acarretam o defeito dos antigos?.......................................15
Excludentes de Responsabilidade no caso de Fato de Produto.........................................................16
Responsabilidade Civil pelo Fato do Serviço..........................................................................................16
Serviços Essenciais.............................................................................................................................17
Novas Tecnologias: serviços mais modernos geram defeito nos antigos?.........................................17
Profissionais Liberais..........................................................................................................................17
Excludentes de Responsabilidade no caso de Fato de Serviço..........................................................18
Prazo Prescricional no Fato do Produto e no Fato do Serviço: igual, quinquenal..................................19
Responsabilidade Civil pelo Vício do Produto ou do Serviço.................................................................19
Há prazo de garantia legal no CDC?...................................................................................................19
Direito do Consumidor

Responsabilidade pelo vício do Produto............................................................................................20


Responsabilidade do Comerciante pelo Vício do Produto.................................................................22
Responsabilidade pelo vício do Serviço.............................................................................................22
Oferta e Publicidade..................................................................................................................................22
Limitações..............................................................................................................................................24
Peças de Reposição...............................................................................................................................25
Venda por Telefone ou por Serviço Postal.............................................................................................25
Responsabilidade sobre a Oferta e a Publicidade..................................................................................25
Princípios Norteadores da Publicidade..................................................................................................25
Defesas Processuais do Consumidor.........................................................................................................27
Inversão do ônus da prova....................................................................................................................27
Inversão judicial do ônus probatório.................................................................................................27
Inversão legal do ônus da prova........................................................................................................28
Inversão Convencional.......................................................................................................................28
Produção de provas periciais e Inversão do ônus da prova...............................................................28
Cláusula de Eleição de Foro...................................................................................................................28
Chamamento ao Processo.....................................................................................................................29
Conversão em Resultado Prático Equivalente.......................................................................................29
Responsabilidade de algumas espécies societárias...........................................................................30
Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores.......................................................................................31
Natureza Jurídica...................................................................................................................................31
Requisitos..............................................................................................................................................31
Limites...................................................................................................................................................32
Bancos Negativos do Fornecedores.......................................................................................................33
Cobrança de Dívidas..................................................................................................................................33
Regras de Proteção Contratual do Consumidor........................................................................................33
Modificação e Revisão Contratual.........................................................................................................33
Cláusula limitativa de Direito.................................................................................................................34
Interpretação das Cláusulas Contratuais...............................................................................................34
Declarações de Vontade........................................................................................................................34
Direito de Arrependimento...................................................................................................................34
Práticas Abusivas...................................................................................................................................35
Cláusulas Abusivas.................................................................................................................................36
Quitação antecipada do Débito.........................................................................................................37
Cláusula Penal....................................................................................................................................37
Cláusula Resolutória..........................................................................................................................37
Vedação da Cláusula de Decaimento.................................................................................................37
Crimes Contra as Relações de Consumo....................................................................................................38
Crimes Previstos no Código de Defesa do Consumidor.........................................................................38
Tutela Coletiva...........................................................................................................................................40
Espécies.................................................................................................................................................40
Transindividuais Coletivos de Titularidade da Sociedade..................................................................40
Transindividuais Coletivos de Titularidade de Pessoas Determinadas...............................................41
Individuais Homogêneos...................................................................................................................41
Legitimidade..........................................................................................................................................42
Competência.........................................................................................................................................42
Regime de Coisa Julgada da Tutela Coletiva..........................................................................................42
Custas e Gratuidade..............................................................................................................................43

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Direito do Consumidor

Termo de Ajustamento de Conduta - TAC.............................................................................................43

27.01.15

Introdução
As notas de aula apresentadas neste material têm finalidade meramente acadêmica e são baseadas nas
exposições do professor Samuel Cortes, na PREMERJ, bem como de consultas à bibliografia relacionada
abaixo.

Avaliação

Legislação

Bibliografia
SOBRENOME, Nome do Autor; Título do Livro, ed., 20XX;

Breve Panorama do Direito do Consumidor


A forma de produção mudou: tornou-se em massa. Da mesma forma, o consumo se tornou em massa,
os contratos de adesão (nas quais o consumidor não tem qualquer ingerência) e a existência de danos
também passaram a ser em massa. Neste contexto, a disparidade de armas entre as partes contratantes
é uma realidade: o consumidor encontra-se em uma posição de inferioridade perante ao fornecedor.
Essa desigualdade de forças é a causa, não raras vezes, do enriquecimento do mais forte, o fornecedor,
e do empobrecimento e enfraquecimento do consumidor. Foi, então, que o Estado viu a necessidade de
fazer uma política de defesa ao consumidor. De maneira textual, John Kennedy, presidente dos EUA,
afirmou há sua época que os consumidores teriam, a partir de então, quatro direitos básicos, adotados
atualmente no Brasil pelo CDC:
 Direito à segurança: todo consumidor tem o direito básico de ter no mercado de consumo
produtos e serviços que não ofereçam risco à sua segurança e saúde, de onde surgiu a
responsabilidade pelo fato de produto ou do serviço;
 Direito a um consumo consciente, de onde veio a preocupação da oferta e da publicidade no
nosso CDC, de modo a evitar os efeitos da técnica de marketing agressiva;
 Direito à informação: correlato ao direito supra, trata-se do direito mais importante do
consumidor, que é o de ser informado de tudo aquilo que envolve um produto ou serviço;
 Direito de ser ouvido: de onde surgiram os serviços de atendimento ao consumidor.

Verdadeiramente, se formos fazer um resumo do Código de Defesa do Consumidor brasileiro, podemos


ver que esses quatro direitos básicos, que são os que melhor expressam a política de defesa daquele
que é a parte vulnerável da relação de consumo, o consumidor.

No Brasil, somente com a Constituição Federal de 1988 que a defesa do consumidor foi alçada à política
de Estado, tendo como pedra de toque o desequilíbrio da relação consumerista. Não se trata, pois, de
uma defesa de privilégios ou prerrogativas irrestritas do consumidor, mas de um meio para fazer o

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Direito do Consumidor

princípio constitucional da isonomia (art. 5o, caput, CF), possibilitando a paridade de armas em uma
relação que estava fadada ao desequilíbrio, à injustiça, pois.

Outro artigo constitucional a ser destacado é o 5 o, XXXII, pelo qual o Estado promoverá, na forma da lei
(através dela e de diversos outros atores), a defesa do consumidor, que é, pois, uma garantia
fundamental (de terceira geração, para grande parte dos autores) 1, que, por ser cláusula pétrea, não
pode ser suprimida, nem por Emenda Constitucional (art. 60, §4 o, CF). Isso demonstra o espaço que o
CDC tem no ordenamento jurídico pátrio. Além disso, temos o art. 170, V, da CF, que trata dos princípios
da ordem econômica, tendo como escopo a defesa do consumidor, o que quer dizer que a ordem
econômica só se desenvolve de maneira constitucional se a defesa do consumidor for respeitada.

Com efeito, tudo isso nos leva a questionar se o CDC seria uma lei qualquer. O Código de Defesa do
Consumidor veio à lume para regulamentar dispositivo constitucional, tendo status constitucional,
portanto. Trata-se de um microssistema com regras e princípios especiais e peculiares que servem para
tutelar a pessoa do consumidor (e, pois, a dignidade humana, não mais o patrimônio, conforme o CC de
1916 fazia), ante sua posição de fragilidade frente ao mercado de consumo. Diz-se que se trata de um
microssistema, porque, dentro dele, temos regras de Direito Civil, de Processo Civil, inclusive coletivo (o
CDC se aplica como regra geral em casos tais), de Direito Penal (ao tipificar crimes próprios de relação de
consumo), de Direito Processual Penal e de Direito Administrativo.

Com efeito, essa noção de microssistema, junto àquela de regulamentação de dispositivo constitucional,
são de extrema importância para explicar o status que o CDC ocupa no ordenamento jurídico brasileiro,
de direito fundamental, o que tem relevância maior em eventual conflito normativo.

Trabalhando o sistema jurídico de forma piramidal, na forma da teoria pura do Direito, de Kelsen, onde
a Constitucional Federal estaria no topo da pirâmide, no meio a Lei Ordinária e a Lei Complementar (que
estão no mesmo nível hierárquico, só se alterado a matéria em cada qual tratada) e na base os Decretos
e afins, não poderia o CDC ser tratado como uma Lei Ordinária comum, mas sim como uma norma que
esteja em qualquer lugar entre o Código Civil e a Constituição Federal, por ser uma legislação que tem
como missão implementar uma norma constitucional; em suma, o CDC é considerada uma norma
supralegal e infraconstitucional. Isso porque, hierarquicamente falando está no meio da base, mas
axiologicamente, valorativamente falando seria superior às leis. Aliás, é certo dizer que o CDC é uma
norma principiológica, eis que trabalha com condutas, não trazendo uma linha sequer sobre contratos
de transporte, por exemplo.

Portanto, prevalecerá o CDC em eventual conflito aparente de normas, ainda que o CC seja posterior a
ele, por ser uma lei especial em razão da pessoa que ele busca proteger, e não em razão da matéria de
que eventualmente trata, aplicando-se em toda e qualquer relação (desequilibrada) em que de um lado
haja um consumidor e um fornecedor assim conceituados; e isso mesmo que houver lei especial em
razão da matéria, afinal, como já vimos, o CDC é uma lei especial em razão da pessoa que busca
proteger, sem falar que é um meio de efetivação do dispositivo constitucional de tutela do consumidor e
da dignidade humana. Só que sempre temos de ter em mente que a finalidade do CDC é equilibrar a
uma relação jurídica (a de consumo), não se aplicando quando ela estiver devidamente equilibrada,
pois. Mas como saber se há desequilíbrio? Há desequilíbrio quando há vulnerabilidade. E como saber se
1
A primeira geração de direitos fundamentais é a de direitos civis e políticos, ligados ao valor liberdade; a segunda,
de direitos sociais e econômicos, ligados ao valor igualdade; a terceira ligados a direitos transgeracionais, que
abarcam todas as gerações, inclusive as que estão por vir, servindo de fundamento, por exemplo, à proteção do
meio ambiente e, também, do consumidor.

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Direito do Consumidor

há vulnerabilidade? Há vulnerabilidade quando há um consumidor presente nesta relação, que passa a


ser entendida com relação de consumo; com efeito, o enquadramento de uma pessoa nos conceitos de
consumidor previstos no CDC aponta a vulnerabilidade, porque todo consumidor é, por natureza,
vulnerável.

De toda forma, a teoria do diálogo das fontes, adotada no art. 7o, CDC, permite a aplicação de diplomas
normativos distintos a uma mesma relação jurídica, de modo a assegurar primados constitucionais, no
caso a defesa do consumidor e a dignidade humana. Por exemplo, na aplicação conjunta do CBA e do
CDC, ainda que tenha naquela codificação a previsão de indenização tarifada, ela não deve ser
observada, mas sim a reparação integral do dano, que é um princípio consumerista. Mas temos que ter
cuidado com a aplicação da referida teoria, para, sob o despeito de tutelar o consumidor, não nos
afastarmos das peculiaridades da relação jurídica regulamentada por outra lei.

Como toda e qualquer norma jurídico, o CDC não retroage para atingir situações jurídica anteriores à
sua entrada em vigor – princípio da irretroatividade das normas (art. 5 o, XXXVI, CF). Mas alcançará os
efeitos de relações de tratos sucessivos, convém dizer.

Princípios
Servindo de vetores de interpretação das demais regras e também como fundamentação das mesmas,
temos os princípios. Então, mais do que conhecer as regras do CDC, temos que conhecer seus princípios.
Aqui, faremos uma síntese dos principais princípios, muitos dos quais estão dispostos no art. 6 o do CDC.

Princípio do Protecionismo do Consumidor


Disposto no art. 1o do CDC, dispõe que a legislação consumerista visa tutelar o consumidor, que é a
parte vulnerável da relação, com normas de ordem pública (natureza jurídica das normas do CDC, que
não podem ser afastadas, nem as partes dela dispor, nem mesmo o consumidor, sendo inclusive taxadas
como abusivas as cláusulas que assim o façam. Também por se tratarem de normas de ordem pública, o
juiz pode e deve aplicá-las de ofício, a exemplo da norma que dispõe sobre a inversão do ônus da prova
ou da abusividade de cláusula contratual ou sobre a desconsideração da pessoa jurídica, com a ressalva
da Súmula 381 do STJ, pela qual, embora toda doutrina taxe de inconstitucional, não poderia o juiz
afastas de ofício as cláusulas que por ventura sejam abusivas especificamente nos contratos bancários.
Outra questão a se notar ligada a essa natureza de ordem pública, é o efeito translativo, que parte da
doutrina diz decorrer do efeito devolutivo, pelo qual até mesmo o tribunal pode conhecê-las de ofício,
mesmo que não tenham sido levantadas no recurso; uma quase exceção a isso está nos tribunais
superiores, onde há quem entenda que não poderiam ser conhecidas de ofício, em vista do requisito
constitucional do prequestionamento, mas certo é que há quem defenda que bastaria que qualquer
matéria tenha sido presquestionada para o tribunal superior que ele poderia se manifestar sobre
qualquer outra, aplicando-as de ofício, por serem normas de ordem pública) e de interesse social. Isso
tudo apresenta um Estado Social em contraposição ao Estado Liberal, que não intervinha nas relações
privadas.

Também por isso os direitos previstos no CDC não podem ser diminuídos, apenas aumentados.

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Direito do Consumidor

Princípio da Vulnerabilidade
O art. 4o do CDC reconhece a vulnerabilidade do consumidor, que já tinha sido destacada pelo texto
constitucional. Todo consumidor é, por natureza, vulnerável, pouco importando seu poderia econômico.
Se o sujeito é, pois, conceituado como consumidor, certo é que será considerado vulnerável.

A vulnerabilidade comporta algumas espécies, podendo ser:


 Técnica: a principal delas, que é quando o consumidor não tem conhecimento específico sobre
determinado produto ou serviço, sobre sua forma de produção ou tecnologia ali inserida. Busca
ser equilibrada pelo dever de informação, que deve chegar ao consumidor. Não é, pois, dever
do consumidor buscar informação, mas sim do fornecedor o de passá-la, informando sobre as
características, modos de utilização, riscos e perigos, conforme art. 31 do CDC, sob pena de se
dizer que o consumidor teve frustradas suas expectativas, gerando ao fornecedor o dever de
indenizar;
 Jurídica: ausência de conhecimentos específicos acerca de determinado ramo do conhecimento,
e não apenas do Direito, apesar de a nomenclatura nos levar a crer apenas neste sentido;
 Socioeconômica: leva em consideração não só o maior poderio econômico do fornecedor, mas a
sua posição de destaque na cadeia de consumo, também – por isso socio(+)econômica. No RJ,
por exemplo, a prestação de serviço de energia elétrica cabe apenas à Light, o que faz surgir ao
menos uma vulnerabilidade, a social;
 Informacional: Ausência de prestação de informações, especialmente as essenciais ao produto
ou serviço, que o consumidor precisa ter para contratar ou não um ou outro. Esta espécie de
vulnerabilidade foi criada por Cláudia Lima Marques, mas alguns autores entendem que poderia
ser enquadrada essencialmente na vulnerabilidade técnica.

Princípio da Hipossuficiência
Se a vulnerabilidade é um conceito jurídico e uma presunção absoluta, a hipossuficiência é um conceito
fático (a ser demonstrado no caso concreto) e traz uma presunção relativa (pode ser afastado no caso
concreto). Tal princípio é voltado à defesa do consumidor em juízo – art. 6o, VIII, CDC, não sendo, pois,
obrigatória a inversão probatória judicial, caso não seja necessária ou pertinente, isto é, caso não seja
demonstrada em juízo a hipossuficiência do consumidor (geralmente a inversão do ônus da prova
verifica-se, fundamenta-se na vulnerabilidade técnica; outro ponto que convém ser destacado é a
inversão legal do ônus da prova, que será estudada adiante, a qual já nasce invertida). Tal conceito está,
então, relacionado a maior ou menor dificuldade de o consumidor produzir determinada prova em juízo.

Princípio da Equivalência Negocial


Previsto no art. 6o, II, CDC, assegura que os consumidores devem ser tratados de forma igualitária na
contratação, o que se dirige especialmente a consumidores que estejam numa posição ainda maior de
vulnerabilidade, a exemplo de crianças e idosos.

Também em razão do princípio da equivalência negocial, no STJ vem prevalecendo a ideia de que é
abusiva a conduta do fornecedor que cobra preços diferenciados ao consumidor que opta por pagar por
um serviço ou produto no cartão, e não em espécie.

Princípio da boa-fé objetiva


Enquanto a boa-fé subjetiva, que é a boa-fé clássica, está ligada à intenção do contratante, a boa-fé
objetiva, prevista no art. 4o, III, CDC, e no art. 422, CC, é uma regra de conduta, pautada por padrões

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Direito do Consumidor

éticos de comportamento, na lealdade e transparência que contratantes têm de ter uns com os outros.
Trata-se de uma cláusula aberta, para melhor se adaptar à flexibilidade social e regional e ao longo dos
tempos, afinal, o que numa época ou local era ou é um padrão ético, noutra época ou local pode ou não
ser um padrão ético de comportamento.

Embora seja uma via de mão dupla, a ser observada por todos, isto é, tanto pelo consumidor quanto
pelo fornecedor, a boa-fé do consumidor é presumida, mas a do fornecedor deve ser provada no caso
concreto, cabendo, ainda, ao este (fornecedor) provar, eventualmente, que o consumidor agiu sem a
boa-fé objetiva que era devida. Assim, v.g., o simples fato de o consumidor cometer suicídio nos dois
primeiros anos de vigência de um contrato de seguro de vida não é prova suficiente para afastar sua
boa-fé, cabendo ao fornecedor tomar as condutas e precauções necessárias, como a feitura de exames,
para que possa demonstrar o contrário.

A inobservância da boa-fé objetiva, também chamada de violação objetiva do contrato, pode ter duas
consequências: (i) a rescisão contratual; (ii) ou o afastamento do dever de reparar o dano, numa análise
objetiva, independente da culpa, pois.

O princípio da boa-fé objetiva, assim como o princípio da função social do contrato, é uma cláusula
implícita a todo e qualquer contrato, seja ele de consumo ou não.

Ademais, essa boa-fé objetiva exerce algumas funções no ordenamento jurídico: (i) interpretativa das
cláusulas contratuais – art. 113 do CC; (ii) limitadora do direito subjetivo, que vem a ser o uso abusivo
do direito em desacordo com as funções sociais e a boa-fé – art. 187 do CC e arts. 39 e 51 do CDC; (iii)
integradora, chamada por alguns de função de criação de deveres anexos, o que quer dizer que a
cláusula da boa-fé objetiva, por ser implícita e, assim, integrar todos os contratos, especialmente os de
consumo, faz nascer deveres anexos de transparência, confiança, cooperação 2 e informação, essa última
por parte do fornecedor, como já vimos. Disso, também decorrem o venire contra factum proprium, que
é a proibição de adoção de comportamento contraditório, o tu quoque, pelo qual quem descumpriu
uma regra legal ou contratual não pode exigir do outro o seu cumprimento, a supressio e a surressio,
que são respectivamente da perda (supressão) de determinado direito pelo seu não exercício e o
nascimento (surgimento) de um direito em razão da prática reiterada de um ato, e, ainda, o duti to
mitigate de loss, pelo qual os parceiros contratuais devem buscar minimizar os prejuízos um do outro.

Por isso tudo é que se diz que a boa-fé objetiva é o coração do direito do consumidor.

Princípio da Função Social do Contrato


No art. 2.035, parágrafo único, do Código Civil, temos assegurada a função social do contrato, que é, na
função clássica do contrato como sendo a principal fonte de obrigações, nada menos que a sua utilidade
não apenas às partes contratantes, mas também à sociedade em que estão inseridas. Atende à função
ou à finalidade social o contrato que chega ao seu termo final, adimplido, porque gera circulação de
riqueza. Daí que o magistrado tem de ser preocupar em mais que rescindir, em preservar o negócio
jurídico, para que seja efetivado o princípio da função social.

O princípio da função social é um dos chamados princípios sociais do contrato. A antes regente pacta
sunt servanda passou a ser mudada pelo dirigismo contratual, pelo Estado Social, que passou a ingressar
2
Falta com boa-fé, portanto, por exemplo, o consumidor que atualiza a sua mudança de endereço junto ao
fornecedor que lhe envia boletos

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Direito do Consumidor

no conteúdo contratual; daí foi que surgiram diversos princípios sociais do contrato, que não eliminam,
e sim mitigam os princípios clássicos do contrato (boa-fé subjetiva e liberdade contratual).

Duas são as facetas do princípio da função social do contrato, uma interna e outra externa. Se é verdade
que a função social, como princípio social do contrato, veio para mitigar os princípios clássicos, também
é verdade que na sua conceituação clássica o contrato estaria relacionado à liberdade de contratar das
partes; mas a faceta interna do princípio da função social do contrato faz justamente mitigar isso, mitiga
a pacta sunt servanda, a força obrigatória dos contratos, só que em busca da conservação do negócio
jurídico, com as possibilidade de revisão ou modificação do contrato – art. 6o, V, do CDC.

A teoria do adimplemento substancial também permite a busca da conversação do negócio jurídico, ao


retirar, em alguns casos, do fornecedor o direito que teria de rescindir o negócio pelo inadimplemento
do consumidor, facultando àquele tão somente buscar o direito de crédito inerente ao inadimplemento
do consumidor. Ressalta-se que a referida teoria se aplica somente a negócios jurídicos quase que
substancialmente adimplidos, o que se verificará em cada caso concreto (ex: pagamento de 59 de 60
parcelas).

Já na sua faceta externa, o princípio da função social do contrato mitiga o princípio da relatividade, pelo
qual o contrato só produziria efeitos entre os contratantes, passando a produzir efeitos não apenas às
partes contratantes, mas também a terceiros não integrantes da relação contratual. Como exemplo
clássico temos o contrato de seguro em que a vítima do dano, que não tem relação jurídica com a
seguradora do causador do dano, pode, ele mesmo, buscar a indenização diretamente (mas não
exclusivamente) em face da seguradora – responsabilidade solidária e chamamento ao processo (e não
denunciação à lide), sendo certa a necessidade de se ter o causador do dano (isto é, o segurado) no polo
passivo da demanda, afinal, o contrato de seguro visa atender interesses do segurado, não se tratando
de estipulação em favor de terceiro; pensar o contrário, afirma o STJ, seria admitir que seja retirado da
seguradora seu direito constitucional à ampla defesa; além disso, certo é que a responsabilidade da
segurador não é integral, estando limitada aos termos contratuais, à apólice do seguro.

Princípio da reparação integral do dano


Previsto no art.6o, VI, CDC, assegura como direito básico ao consumidor 3 o direito à reparação integral
do dano.

Desse princípio, extraem-se três consequências em termos de responsabilidade civil do fornecedor: (i) a
primeira delas é que, como regra, a responsabilidade é objetiva, pouco importando a culpa; (ii) em
regra4, também a responsabilidade civil do fornecedor é solidária, independente de ter o fornecedor
que participou da atividade de produção econômica ter praticado ou não o ato danoso; (iii) a teoria da
perda de uma chance, pela qual o STJ tem entendido que o bem jurídico tutelado é a própria chance
perdida, ainda que o evento danoso não venha a ocorrer; assim, a simples retirada da chance, a chance
perdida seria por si só capaz de fazer nascer o dano e o dever de o indenizar. Por exemplo, o fato de o
médico esquecer de recolher as células tronco na única chance de retirada do cordão umbilical seria
capaz de gerar o dever de indenizar, pela simples perda da chance, ainda que a perda do cordão
umbilical não cause em momento algum dano ao bebê. O mesmo se aplica à negativa por plano de
saúde de autorização de colocação de algum aparelho no paciente requerida pelo médico, entendendo-

3
A parte relacionada a danos coletivos, difusos, será estudada em momento oportuno, convém dizer.
4
O CDC costuma usar a expressão “os fornecedores“ para apontar a responsabilidade solidária, especificando, por
exemplo, “o fabricante“, em casos diversos.

8
Direito do Consumidor

se que o fato de ser sido retirada a chance de a pessoa ter vida, ainda que ela tenha morrido por outra
causa, seja causa suficiente a causar o dever de indenizar. Ressalta-se, porém, que a chance perdida
tem de ser séria e concreta, não bastando a mera possibilidade.

Relação de Consumo
A relação jurídica de consumo é referência fundamental em matéria de defesa do consumidor, porque
trouxe um novo foco em sua defesa, retirando-o da esfera obrigacional ou contratual (na qual vigorava o
princípio da relatividade contratual, da obrigatoriedade, do pacta sunt servanda, do risco do consumidor
e da responsabilidade civil subjetiva)5 e colocando-o em campo bem mais amplo, a partir de elementos
subjetivos (de quem seriam consumidor e fornecedor) e outros protetivos, a exemplo da independência
contratual (embora o aspecto contratual não deixe de ter importância, deixou de “mandar” na relação
consumerista), da responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores e da teoria do risco do serviço -
tudo isso influenciando diretamente o mercado de consumo em proteção ao consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor não conceituou propriamente a relação jurídica de consumo, mas
sim seus elementos. Essa afirmativa, embora num primeiro momento possa revelar uma carga negativa,
é, pelo contrário, positiva, eis que possibilita a atualização da aplicação da legislação consumerista ao
longo do tempo e das necessidades sociais.

Os elementos que compõem uma relação de consumo são de duas ordens: subjetivos (consumidor e
fornecedor) e objetivos (produtos e serviços).

Elementos Subjetivos
O consumidor, tido como um dos elementos subjetivos da relação de consumo, pode ser de duas
espécies, a saber, o consumidor direto (também conhecido como consumidor padrão, previsto no art.
2o, CDC) e o consumidor equiparado (arts. 2o, parágrafo único, 17 e 29, CDC).

Também falamos em fornecedor direto (art. 3o) e, modernamente, a partir de uma teoria criada pelo
professor Leonardo Bessa, em fornecedor equiparado.

Se numa relação se apresentarem consumidor e fornecedor assim conceituados pela lei, será tida como
uma relação de consumo, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, em razão da vulnerabilidade
daquele (vale lembrar que, se a pessoa se encontrar como consumidora, ela é naturalmente tida como
vulnerável), com sua normas e princípios protetivas. Do contrário, não se enquadrando as partes nos
conceitos ligados que abaixo serão mais bem estudados, não há que se falar em relação de consumo e
consequente serão inaplicáveis os princípios e regras da legislação consumerista.

Consumidor Direto
É toda pessoa física ou jurídica 6 (neste ponto, é importante destacar que a limitação da indenização a ser
recebida pelo consumidor só pode se dar quando se tratar de pessoa jurídica como consumidora, jamais
pessoa física - art. 51 do CDC) que mantém relação jurídica com o fornecedor como destinatária final
(ou assim considerada) – art. 2o, caput, do CDC.
5
Pelos princípios da relatividade e da obrigatoridade, quem não fazia parte do contrato não poderia ser
responsabilizado. E, com base na responsabilidade civil subjetiva, muitos comerciantes se eximiam do dever de
indenizar, dizendo-se apenas revendedores.
6
Há uma parcela da doutrina que encontra resistência em admitir a pessoa jurídica como consumidora. Mas certo
é que o consumidor, então, ela pode ser consumidora.

9
Direito do Consumidor

É justamente em cima da expressão “destinatário final” que surgem as teorias que buscam explicar e
delinear o conceito de consumidor direto:
 Teoria Maximalista (minoritária): mais ampliativa do instituto, para esta teoria o CDC serve para
regulamentar a prática do consumo apenas, sendo destinatário final o fático, aquele que retira
o produto ou serviço da cadeia de produção, pouco importando a finalidade que será dada,
aplicando-se a legislação consumerista a todo e qualquer conflito daí decorrente.

 Teoria Minimalista ou Finalista (majoritária, adotada pelo STJ, como regra geral): por ser mais
restritiva, é mais focada em casos que haveria de fato uma relação de consumo. Visando tutelar
o consumidor não profissional, que é aquele que adquire produto ou serviço para necessidade
pessoal sua, a presente teoria entende como destinatário final quem ao mesmo tempo que
retira o produto ou o serviço da cadeira de produção (destinatário final fático) não os usa com o
fim de suprir uma necessidade profissional (destinatário final econômico, não intermediário).
Pessoas jurídicas, ao contrário do que se pode pensar, também se enquadrariam neste conceito,
quando o produto ou serviço que adquirem não servem em nada para a atividade fim, eis que,
mesmo se ausentes, a atividade se desenvolveria normalmente, que é o caso de não utilização
dos mesmos como insumo ou como implemento da atividade profissional. Pela presente teoria,
por exemplo, o taxista não poderia ser consumidor do veículo que adquiriu para exercer seu
ofício. Ora, conclui-se, então, que, apesar de sua boa intenção, esta teoria gerar em alguns casos
injustiças sociais e contratuais, em especial no que diz respeito a pequenas pessoas jurídicas e a
pessoas físicas profissionais. Para superar problemáticas dessa monta, o STJ tem aplicado
excepcionalmente a teoria minimalista aprofundada ou maximalista mitigada, infra.

 Teoria Minimalista Aprofundada ou Maximalista Mitigada (também aplicada pelo STJ, só que
não como regra, e sim com exceção): em respeito a uma análise teleológica do CDC, que visa
tutelar a fragilidade do consumidor, pela presente teoria entende-se que, ainda que o produto
ou serviço tenha sido contratado para suprir uma necessidade profissional, poderia ser a
pessoa que os adquiriu considerada destinatária final dos mesmos, isto é, sua consumidora. Isso
porque, a despeito da prática de consumo intermediário, a relação jurídica estaria
desequilibrada, vulnerável, devendo, portanto, ser aplicado o CDC, para que ela se equilibre. Só
que quando o consumidor empresário de porte médio adquire um produto nesses moldes,
deve provar a sua vulnerabilidade, uma evidente desproporção de forças (em clara exceção à
regra de presunção de vulnerabilidade do consumidor). Ressalta-se, porém, que o empresário
de porte pequeno tem a seu favor a presunção de vulnerabilidade; e que o empresário de
grande parte já desfruta de uma relação paritária, pois presumidamente poderia suprir eventual
déficit com a contratação de profissionais, não fazendo jus às benesses do CDC, ao menos até
que se prove o contrário no caso concreto.

Finalmente, é importante destacar que essas teorias não se aplicam ao conceito de consumidor por
equiparação, infra, apenas à hipótese de consumidor direto.

Consumidor por Equiparação


São três as espécies de consumidor por equiparação:

 O conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 2 o, parágrafo único, do CDC, é


aquele que aponta a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo

10
Direito do Consumidor

nas relações de consumo. É este o dispositivo que autoriza a tutela coletiva dos consumidores
pelos legitimados a fazê-lo, mediante ações coletivas.

 O consumidor equiparado previsto no art. 17, CDC, são todas as vítimas determinadas de um
evento danoso, do acidente de consumo, que estiveram, pois, diante de um fato (e não de um
vício)7 de produto ou serviço.

 O conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29, CDC, é o que trata das pessoas,
determináveis ou não, expostas à pratica comerciais, a exemplo da publicidade.

Fornecedor Direto
Consideram-se fornecedores diretos as pessoas elencadas no art. 3 o, do CDC, que são aquelas que
desenvolvem atividade com habitualidade, mediante remuneração direta ou indireta.

repare que o conceito de fornecedor não está relacionado ao lucro, mas sim à remuneração , de modo
que, por exemplo, determinadas atividades filantrópicas poderiam ser consideras como desenvolvidas
por um fornecedor. Com efeito, se existe habitualidade e remuneração, ainda que indireta, existe ali um
fornecedor.

Existe quem entenda que o Poder Público poderia ser encaixado sempre como fornecedor, pois não
haveria (ou não deveria haver) diferença entre, por exemplo, o serviço hospitalar privado e o público.
Mas a doutrina majoritária é no sentido de que o Poder Público só é conceituado como fornecedor
quando o serviço for prestado por ele diretamente e também quando houver remuneração direta pelo
usuário do serviço8. Ressalta-se, porém, que quando o serviço for prestado por concessionária não há
dúvidas: trata-se de relação de consumo, pela existência de um fornecedor (concessionária) e de um
consumidor (particular usuário do serviço prestado – indiretamente – pelo Poder Público).

Fornecedor por Equiparação


Pela teoria do professor Leonardo Bessa, que está em ascensão e tem sido explorada pela professora
Cláudia Lima Marques, existe a figura do fornecedor por equiparação, que é aquele que, embora não
tenha relação jurídica direta com o consumidor, a sua atividade é dependente, é conexa, é relacionada a
ela pela cadeia de consumo; também é considerado fornecedor por equiparação aquele que faz as vezes
de um intermediador de consumo.

Exemplo de fornecedor por equiparação estão no SPC e SERASA. Outro exemplo, ainda mais claro e que
vem sendo usado por Cláudia Lima Marques, é o do empregador que firma contrato de seguro com uma
seguradora em benefício de seus empregados. Notam-se três figuras: empregador, seguradora e
empregador. A natureza da relação entre empregador e empregados é de trabalho, estando fora da
incidência da legislação consumerista (art. 3 o, §2o, CDC; art. 114, I, CF). Mas à relação entre a seguradora
e o empregador, assim como à relação entre a seguradora e os empregados, por haver uma estipulação
em favor de terceiros (empregados), no caso de eventual conflito de interesse aplicar-se-á o CDC. No

7
Fato do produto ou serviço ocorre quando um defeito existente em no produto ou serviço gera dano a
consumidores, do que seria melhor falar em “responsabilidade pelos acidentes de consumo”, que se fundamenta
não na responsabilidade contratual ou extracontratual, mas tão somente em razão da existência de uma relação
jurídica de consumo, seja ela contratual ou não. Já o vício do produto ou serviço está ligado à inadequação.
8
Isso, porém, não significa dizer que, quando não houver remuneração direta pelo usuário, o serviço não deva ser
prestado com qualidade pelo Poder Público.

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Direito do Consumidor

primeiro caso, não há duvidas da relação de consumo existente (há de um lado o fornecedor de serviço,
a seguradora; e do outro um consumidor desse serviço, o empregador). No segundo, o CDC também se
aplica, pelo mesmo motivo, só que com a peculiaridade de que os empregados poderão incluir também
no polo passivo de eventual demanda o seu empregador, não com base na relação de trabalho, o que é
vedado pela lei, mas sim com base em uma relação de consumo, considerando que a intermediação que
o empregador fez entre seguradora e empregados fê-lo um fornecedor por equiparação.

Elementos Objetivos
Os elementos objetivos não são o que de fato determinam uma relação de consumo, podendo estar em
qualquer outra. Quem tem esse condão de determinar a existência de uma relação de consumo são os
elementos subjetivos, acima estudados. Mas isso não tira a importância de estudarmos os elementos
objetivos da relação de consumo, a saber, os produtos e os serviços.

Os produtos encontram-se previstos no art. 3 o, §1o, do CDC: qualquer bem, móvel ou imóvel, material
ou imaterial. O que se destaca é a necessidade de respeitarem a confiança legítima do consumidor. No
mais, há de se ressaltar que o simples recebimento de um produto não solicitado (art. 39, III), embora
seja considerada prática abusiva, por si só e em regra não gera dano moral, mas certo é que, por não ter
sido solicitado, o produto passa a ser considerado como amostra grátis, não havendo que se falar em
obrigação de pagamento por parte do consumidor (art. 39, IV e parágrafo único). Assim, por exemplo, se
a pessoa, a despeito de não ter solicitado nada, recebe em sua casa um tablet de uma operadora de
serviço de internet e telefonia móvel junto com um chip de plano de internet, o produto não pode ser
dela cobrado, passando à sua esfera patrimonial gratuitamente, mas, caso a pessoa venha a inserir o
chip no aparelho, entende-se que ela concordou com a prestação do serviço de internet móvel, cujo
pagamento será devido; o trablet, ainda assim, continua entendido como amostra grátis. Outro exemplo
é o do cartão de crédito enviado sem solicitação, que não poderá ter anuidade cobrada, ainda que
utilizado, devendo apenas eventuais compras efetuadas ser pagas.

Já os serviços estão conceituados no art. 3o, §2o, CDC, como sendo qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo – sempre mediante remuneração, seja ela direta ou indireta (essa remuneração
não significa, pois, necessariamente pagamento, mas qualquer vantagem que o fornecedor obtenha em
razão da prestação do serviço, o que se entende por serviços aparentemente gratuitos, que, ao
contrário dos puramente gratuitos, são considerados como de fato um serviço, eis que remunerados;
nota-se que os ”serviços” puramente gratuitos sequer são considerados serviços, eis que neles não há
qualquer obtenção de vantagem por parte de quem os pratica, só de quem deles desfruta).

03.02.15

PEGAR INÍCIO DA AULA??? ESTUDO POSTERIOR JÁ REALIZADO.

Vício e Fato do Produto ou Serviço


Teoria da Qualidade
Pela teoria da qualidade, que pode ser extraída do art. 8 o do CDC, nos produtos ou serviços podem ser
vistos uma adequação e uma segurança (ou uma inadequação ou uma insegurança, quando lhes faltaria
qualidade), o que nos ajudará a diferenciar o que é um vício ou o que é um fato do produto ou serviço.
Quando estivermos diante de uma inadequação, que envolve apenas o produto ou serviço e não os
extrapola, teremos um vício de qualidade ou de quantidade do produto ou serviço – arts. 18 a 25.

12
Direito do Consumidor

Quando estivermos diante de uma insegurança, que é gerada por um defeito que causa dano ao
consumidor (não se restringindo, pois, ao próprio produto ou serviço, mas indo além deles), teremos o
que a doutrina costuma chamar de “acidente de consumo“, que irá configurar o denominado fato do
produto ou serviço – arts. 12 a 17.

Nota-se que só há que se falar em fato do produto ou sérvio quando houver um dano que ultrapasse a
própria coisa, atingindo outra coisa ou pessoa. Noutros termos, sempre que o problema for intrínseco à
própria coisa e não a ultrapassar, falaremos não em fato, mas em vício do produto ou do serviço.

Mas isso não quer dizer que no vício não pode haver dano, porque pode, sim. Só que, ao contrário do
que ocorre no fato, no vício o dano será sempre posterior à sua constatação. É o típico exemplo de
fornecedores de produtos ou serviço que tratam com desleixo o consumidor, após este o informar da
existência de um vício (de uma inadequação, pois) no produto ou serviço a ele prestado.

A importância em diferenciar vício de fato está, principalmente, nos prazos para reclamar do fornecedor
alguma prestação ou exigir algo em juízo, bem como na responsabilidade a que se sujeita o fornecedor.

Corpos Estranhos em Embalagens de Gênero Alimentício: Vício ou Fato?


Encontrar corpos estranhos em embalagens do gênero alimentício configura vício ou fato do produto? A
questão, ainda que não fosse incontroversa, tinha uma corrente mais forte; atualmente, porém, uma
nova corrente tem mostrado sua força: (i) a antiga corrente entendia que, caso não tivesse ocorrido o
consumo do produto, seria um vício; se houvesse o consumo do mesmo, porém, tratar-se-ia de fato do
produto; (ii) a nova corrente, que encontra base no art. 8 o do CDC, pelo qual, em regra, os produtos e
serviços não podem causar riscos à segurança ou à saúde dos consumidores, defende que, uma vez que
esses produtos expõem a vida do consumidor a um risco desproporcional e que isso ultrapassa a esfera
de normalidade de um produto, violado estaria o dever jurídico primário de segurança, causando-se,
assim, a simples exposição a risco da saúde do consumidor em dano, ainda que potencial. Para estes,
portanto, mesmo que não tenha havido o consumo efetivo, haverá fato do produto, e não vício.

Mas há de se ressaltar que, apesar de sua força, a decisão judicial dada nesse sentido o foi pela via do
Recurso Especial normal, e não em Recurso Repetitivo, não sendo vinculante, pois. Sem falar que vai de
encontro, contraria a doutrina básica da responsabilidade civil, pelo qual, para que haja o dever de
reparar, é necessária a existência de uma conduta, de um dano efetivo e do nexo causal, ligando-os, não
sendo suficiente, para tanto, a simples exposição a perigo, isto é, o simples dano em potencial.

Graus de Perigo
Partindo da premissa do próprio art. 8 o do CDC, de que todo e qualquer produto ou serviço pode ter
certa periculosidade9, a doutrina classificou os graus de perigo em:
 Periculosidade Inerente: natural a determinados produtos, como químicos e fogos de artifício.
Do contrário, inclusive, tornar-se-iam inadequados (viciados): “a faca tem de cortar“. Eventual
insegurança e dano decorrente deles, portanto, não faz com que o produto seja considerado
viciado, a não ser por falta de informação clara, adequada, ostensiva, precisa e em língua
portuguesa, em especial ao que concerne ao modo de uso e aos riscos que pode oferecer à
saúde e à segurança do consumidor, na forma dos arts. 6 o, III, e 31, ambos do CDC.
9
Com efeito, ao permitir, ainda que sob certas condições, a existência de produtos e serviços no mercado de
consumo que possam gerar risco à saúde ou à vida do consumidor, considerando sua natureza, o CDC, em seu art.
8o, admite a existência periculosidade em determinados produtos e serviço, o que estudaremos neste tópico.

13
Direito do Consumidor

 Periculosidade Adquirida: é aquele risco que extrapola a normalidade, a previsibilidade. É a que


é gerada por um defeito do produto ou serviço, defeito esse que comporta três espécies, as
quais devem ser analisadas de maneira autônoma, independente: (i) defeito de projeto ou de
concepção, relacionado à má formulação do produto na sua origem, o que acaba por causar um
dano em série; (ii) defeito de fabricação ???; (iii) e defeito de comercialização, que nada mais é
do que um vício de informação, por ausência de informação ou por uma informação deficitária.
Entendidas essas espécies, é de se destacar que sem defeito não há que se falar em acidente de
consumo – no caso concreto, a prova de que não houve defeito cabe ao fornecedor, sendo
presumida relativamente sua existência em favor do consumidor.

 Periculosidade Exagerada: são aqueles produtos ou serviço que, levando em consideração a sua
natureza e o seu destinatário, nem mesmo o dever de informação é capaz de minimizar os risco
que oferece à segurança e à saúde do consumidor. Pelo art. 10 do CDC, há impossibilidade de
comercialização dos mesmos, como ocorre no caso de produtos que não possam ser ingeridos
por crianças de 0-10 anos, quando de nada adiantaria a prestação dessa informação: as crianças
o ingeririam de qualquer forma.

Recall
Verdadeiramente, o dever de informação deve ser observado nas três fases: pré-contratual, contratual e
pós-contratual. Nesse sentido, considerando que o recall é nada menos do que uma manifestação desse
dever de informação e também da boa-fé objetiva, é correto afirmar que ele seria uma imposição legal,
e não uma mera liberalidade do fornecedor, encontrando-se prevista no parágrafo único do art. 10 do
CDC, pelo qual é devedor do fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução
no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, comunicar tanto as
autoridades competente quanto o consumidor, mediante anúncio publicitário, e efetuar o conserto do
defeito (que pode ser ainda um vício ou, a depender do caso, ter se transformado em fato). Aliás, deixar
de efetivar o recall no Brasil, ainda que não haja um dano efetivo ao consumidor, configura crime,
sendo réu o responsável pelo mesmo (isso porque todos os crimes previstos no CDC são crimes de mera
conduta), e não a pessoa jurídica (que só poderia praticar crime ambiental).

Ademais, o recall não fasta o dever de indenizar, porque de qualquer forma estaria atingido o dever
jurídico primário de segurança, constante do art. 8 o do CDC.

Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto


Iniciada no art. 12 do CDC, temos a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, que é objetiva,
por defeitos extrínsecos (que extrapolam o produto ou serviço, causando um dano efetivo a outro ou a
outrem) que os mesmos possam apresentar. E só recai sobre alguns fornecedores, e não sobre toda a
cadeira de fornecedores, mais especificamente sobre fabricante, produtor, construtor e importador.

Responsabilidade civil do Comerciante pelo Fato do Produto


O defeito de comercialização (do vendedor) é autônomo, estando ligado ao dever de informação, o que
se extrai da expressão “bem como” constante do art. 12, caput, CDC. Isso significa dizer que, em um
primeiro momento, o comerciante não tem responsabilidade pelo fato 10 do produto – ou melhor, que

10
O contrário ocorre no regramento pelo vício do produto ou serviço (art. 18, CDC), onde a responsabilidade do
comerciante é solidária, e não subsidiária.

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Direito do Consumidor

sua responsabilidade não é solidária, apenas subsidiária, tornando-se solidária somente quando das
hipóteses do art. 13 do CDC.

Entende-se, geralmente, que, a despeito de subsidiária, a responsabilidade do comerciante pelo fato do


produto será objetiva, mesmo que no caso de produto perecível, por aplicação da teoria do risco do
empreendimento, afinal, normalmente o comerciante é o mais acessível ao consumidor, ressalvada,
porém, a possibilidade de incidência de alguma das excludentes de responsabilidade do art. 12, §3 o,
rompendo-se, assim, o nexo de causalidade.

Mas há quem entenda que o art. 13 do CDC prevê, na verdade, a responsabilidade civil subjetiva do
comerciante pelo fato do produto, notadamente em razão da necessidade de prova da conservação
inadequada de produto perecível. Ainda não tenha o comerciante tido culpa na fabricação, teve na
comercialização do produto. Ressalta-se, porém, que a hipótese permite com facilidade o deferimento
de requerimento pelo consumidor de inversão do ônus da prova, na forma do art. 6º, inciso VIII, do CDC.

De toda forma, admitindo-se a responsabilização civil do comerciante pelo fato do produto, o direito de
regresso pode ser buscado mediante o instrumento processual de ação autônoma de regresso (arts. 13,
parágrafo único, e 88, CDC). Não há que se falar em denunciação à lide em relações de consumo (em
nenhuma relação de consumo, diga-se, por interpretação extensiva dos dispositivos ora citados), em
razão da responsabilidade objetiva e do princípio da reparação integral do dano 11, que restariam
prejudicados pelo maior grau de cognição e do maior tempo que o juiz levaria para analisar a questão,
mas será válido o chamamento ao processo da seguradora (apenas da seguradora, convém atentar),
porque neste caso surgiria mais uma opção para que o consumidor venha ser integralmente e
tempestivamente reparado pelo dano – art. 101, II, CDC.

Nova Tecnologia: produtos mais novos acarretam o defeito dos antigos?


Não se considera o produto defeituoso pelo fato de outro de maior qualidade ter sido colocado no
mercado de consumo (arts. 12, §2o, do CDC).
Mas e se esse produto ”antigo” vier a causar risco à segurança ou à saúde do consumidor? Neste caso,
há certa discussão relacionada ao que se chama de risco do desenvolvimento, que é aquele risco gerado
pela colocação de novo produto, mais moderno, no mercado de consumo, tornando os anteriores mais
antigos ultrapassados, obsoletos. Entende-se que, ao colocar um produto ou mesmo um serviço no
mercado de consumo, diante do avançar da ciência, eles devem ser o que há de mais seguro no
momento. A discussão é se esse risco poderia ser atribuído ao fornecedor ou ao consumidor. Por óbvio,
tem-se que quem deve suportá-lo é o fornecedor, e não o consumidor, no caso de violação do dever
primário de segurança, numa clara aplicação da teoria do risco do empreendimento.

No §3o do art. 12, há uma inversão do ônus da prova ope legis (na qual é desnecessária a inversão pelo
juiz) em desfavor do fornecedor quando se tratar de fato do produto (e também de fato do serviço,
conforme veremos a frente), cabendo a ele o ônus de demonstrar a inexistência de um defeito. No caso
concreto, portanto, caberá ao consumidor apenas provar o acidente de consumo, o dano daí decorrente
e o nexo causal, mas não o defeito no produto (nem mesmo a culpa, num primeiro momento), que é
presumido em seu favor e até está por detrás do acidente de consumo, mas com ele não se confunde
(com efeito, uma coisa é o acidente em si, outra é a causa desse acidente). Mas também não podemos
esquecer que até mesmo em relação a esses deveres probatórios o consumidor, a depender do caso,

11
“ Pelo princípio em referência, o consumidor deve ser integralmente e tempestivamente reparado pelo dano.

15
Direito do Consumidor

poderá se valer da inversão judicial (ope judicis, dependente, pois, de decisão judicial), que é eventual e
facultativa, encontrando-se presente no art. 6 o, VIII, do CDC.

Excludentes de Responsabilidade no caso de Fato de Produto


As causas excludentes de responsabilidade do fornecedor, que buscam afastar a ideia de que o defeito
foi por si causado, de que o fato do produto não foi causado pelo fornecedor, rompem o nexo de
causalidade. Estão previstas no art. 12, §3 o, do CDC, não se responsabilizando o fornecedor quando esse
provar que: (i) não colocou o produto no mercado; (ii) que, embora tenha colocado o produto no
mercado, o defeito inexiste; (iii) conduta exclusiva do consumidor ou de terceiro como fator único do
dano, caso em que o dano até existe, mas não é atribuível ao fornecedor.

Contudo, é bom lembrarmos do fortuito interno, onde não se afastará o dever de indenizar por parte do
fornecedor: estará presente quando houver algo além do que se legitimamente esperava de um serviço
prestado, o que deve ser demonstrado pelo consumidor no caso concreto. Mas o fortuito externo, por
sua vez, rompe o nexo de causalidade. É o caso concreto que dirá se é caso de fortuito interno ou de
fortuito externo: por exemplo, se há roubo à mão armada dentro de um transporte público, entende-se
pela configuração do fortuito externo, pois o que se poderia esperar desse serviço seria tão somente o
levar da pessoa de um ponto a outro, ainda que isso não seja imune a críticas, não havendo que se falar
em dever de indenizar por parte da concessionária, no geral; mas, se esse criminoso armado adentrou
ao ônibus no momento em que esse parou fora do seu ponto, poderia se cogitar de responsabilidade,
pois neste caso se entende que, já que o motorista se prestou a descumprir as regras pré-estabelecidas
de transporte público, ao menos assumiu o risco de isso acontecer.

De todo modo, quando trabalhamos com excludentes de responsabilidade envolvendo transportador de


serviço, temos de fazer referência ao art. 735 do Código Civil de 2002, pelo qual o transportador tem o
dever de transportar coisas ou pessoas de maneira incólume até o seu destino. Isso porque essa é uma
norma mais benéfica ao consumidor e, por isso, deve ser aplicada, não se afastando a responsabilidade
civil do fornecedor quando de acidente com passageiro por culpa de terceiro, contra o qual aquele tem
ação regressiva.

Nas excludentes de responsabilidade em geral, também é possível trabalhar com o art. 945 do CC/02,
que trata da possibilidade de se minorar o dever de indenizar (pelo fornecedor) quando houver culpa
concorrente da vítima (isto é, do consumidor).

Responsabilidade Civil pelo Fato do Serviço


Algumas das noções mencionadas na responsabilidade civil pelo fato do produto também se aplicam à
responsabilidade civil pelo fato do serviço, mas não todas. Aqui, por exemplo, temos uma diferença
primordial: todos aqueles que de alguma maneira participam da cadeia de consumo são igualmente
responsáveis pelo serviço, independente da demonstração de culpa – é dizer, a responsabilidade civil
pelo fato do serviço é sempre solidária (art. 14 do CDC).

Em regra, essa responsabilidade também é objetiva, salvo quando se tratar de profissional liberal.

Serviços Essenciais
No art. 22 do CDC, que trata dos serviços essenciais, temos a necessidade de sua continuidade. Mas,
como se sabe, é possível a interrupção dos mesmos pelo inadimplemento do consumidor, em razão de
sua natureza onerosa, desde que observados alguns limites/requisitos, a saber:

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Direito do Consumidor

 O débito que gera a interrupção deve ser de natureza pessoal, e não propter rem;
 Prévia notificação do consumidor que está em débito, informando-o sobre o possível
corte no fornecimento do serviço essencial no caso de não pagamento, o que pode ser
feito até mesmo na própria conta, na própria fatura;
 Deve se fundamentar em débitos atuais, dos três últimos meses, de acordo com a
jurisprudência pátria;
 Deve respeitar o princípio da dignidade humana, considerando especialmente o estado
de saúde do consumidor; o aviso de que há um consumidor debilitado ali residindo é de
ônus do consumidor, devendo ser feito no momento em que for feita a notificação
acerca da possibilidade de corte pelo inadimplemento;
 Não pode ser feito quando houver eventual fraude imputada ao consumidor.

Novas Tecnologias: serviços mais modernos geram defeito nos antigos?


Não se considera o serviço ”antigo” defeituoso pela adoção de novas técnicas (art. 14, §2 o, CDC).

Mas e se esse serviço ”antigo” vier a causar risco à segurança ou à saúde do consumidor? Neste caso, há
certa discussão relacionada ao que se chama de risco do desenvolvimento, que é aquele risco gerado
pela colocação de novo serviço, mais técnico, no mercado de consumo, tornando os anteriores mais
antigos ultrapassados, obsoletos. Entende-se que, ao colocar um serviço ou mesmo um produto no
mercado de consumo, diante do avançar da ciência, eles devem ser o que há de mais seguro no
momento. A discussão é se esse risco poderia ser atribuído ao fornecedor ou ao consumidor. Por óbvio,
tem-se que quem deve suportá-lo é o fornecedor, e não o consumidor, no caso de violação do dever
primário de segurança, numa clara aplicação da teoria do risco do empreendimento.

No §3o do art. 14, também temos uma inversão do ônus da prova ope legis (na qual é desnecessária a
inversão pelo juiz) em desfavor do fornecedor quando se tratar de fato do serviço (no fato do produto é
o mesmo raciocínio, conforme vimos), cabendo a ele o ônus de demonstrar a inexistência de um defeito.
No caso concreto, portanto, caberá ao consumidor apenas o acidente de consumo, o dano daí
decorrente e o nexo causal, mas não o defeito no serviço em si (nem mesmo a culpa, num primeiro
momento), que é presumido em seu favor e até está por detrás do acidente de consumo, mas com ele
não se confunde (com efeito, uma coisa é o acidente em si, outra é a causa desse acidente).

Mas também devemos lembrar que até mesmo em relação a esses deveres probatórios o consumidor, a
depender do caso, poderá se valer da inversão judicial (ope judicis, dependente de decisão judicial), que
é eventual e facultativa, encontrando-se presente no art. 6 o, VIII, do CDC.

Profissionais Liberais
Na forma do art. 14, §4 o, é subjetiva a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, considerados
prestadores de serviço. Tem-se por profissional liberal aquele que presta um serviço de maneira pessoal
(em caráter personalíssimo) e sem subordinação.

Sabemos que pode existir obrigação de meio ou de resultado. Na obrigação de meio, o profissional se
obriga a se valer de todos os meios e técnicas disponíveis. Já na obrigação de resultado, como a do
transportador e a que envolve a cirurgia plástica embelezadora, o profissional se obriga não apenas a se
valer de todos os meios e técnicas disponíveis, mas de atingir o resultado que se espera legitimamente,
dentro do que é possível (e não o que o consumidor queria necessariamente, vale dizer).

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Direito do Consumidor

De toda forma, o fato de a obrigação ser de meio ou de resultado não altera a natureza subjetiva da
responsabilidade civil do profissional liberal. O elemento culpa pode estar em uma ou em outra, o que
difere é que na obrigação de meio temos a chamada culpa provada pelo consumidor, enquanto que na
obrigação de resultado a culpa é presumida, podendo ser afastada pelo fornecedor no caso concreto.

Ressalta-se, no entanto, que, se, por exemplo, o médico (pessoa natural, ou física) trabalha em hospital
(pessoa jurídica) a situação pode variar, a depender da causa de pedir (se envolver erro médico ou se
envolver falha na prestação de outros serviços). Quando houver falha na prestação de serviço, não há
dúvidas de que estamos diante de uma responsabilidade objetiva do hospital, com base no art. 14,
caput, do CDC. Mas pode o hospital ser responsabilizado por erro médico? Sim, desde que observados
os seguintes requisitos: (i) vínculo direto ou indireto entre o médico e o hospital; (ii) se a causa de pedir
for erro médico, deve ser comprovada de culpa do médico na demanda promovida em face do hospital
– é a responsabilidade objetiva por ato de outrem; se não provada a culpa do médico, porém, haverá
ainda responsabilidade do hospital, só que na modalidade subjetiva.

Raciocínio parecido pode ser trabalhado com a questão do plano de saúde, cuja responsabilidade é
solidária, eis que obriga que o consumidor se valha de uma rede de hospitais previamente estabelecida.
Situação diversa é a do seguro saúde, em que o próprio consumidor procura seu médico de confiança e
requer a restituição do valor gasto, quando não haverá que se falar em responsabilidade solidária.

Nesses três últimos casos mencionados, será possível o exercício do direito regressivo (no primeiro caso,
de médico e hospital, porém, será necessário que o hospital demonstra a culpa, o erro do médico).

Excludentes de Responsabilidade no caso de Fato de Serviço


Também na responsabilidade do fornecedor de serviços temos causas excludentes de responsabilidade,
que buscam afastar a ideia de que o defeito foi por si causado, de que o fato do serviço não foi causado
pelo fornecedor, rompendo-se o nexo de causalidade. Estão previstas no art. 14, §3 o, do CDC, não se
responsabilizando o fornecedor de serviço quando esse provar que: (i) tendo prestado o serviço, o
defeito inexiste; (ii) houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro como fator único do dano, caso
em que o dano até existe, mas não é atribuível ao fornecedor.

Também aqui é bom lembrarmos do fortuito interno, onde não se afastará o dever de indenizar por
parte do fornecedor: estará presente quando houver algo além do que se legitimamente esperava de
um serviço prestado, o que deve ser demonstrado pelo consumidor no caso concreto; como exemplo
podemos citar a Súmula 479 do STJ, pela qual as instituições financeiras respondem objetivamente pelos
danos gerador por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiro no âmbito de
operações bancárias, o que se justifica na medida em que o controle da fraude deve ser por quem dá
comodidade ao consumidor, como no caso de cartões oferecidos pelo fornecedor, que sem dúvida
diminuem seus custos com funcionários.

Mas o fortuito externo, por sua vez, como já vimos, rompe o nexo de causalidade, cabendo ao caso
concreto dizer se estamos diante de hipótese de fortuito interno ou de fortuito externo.

Prazo Prescricional no Fato do Produto e no Fato do Serviço: igual, quinquenal.


Tanto no fato do produto quanto no fato do serviço, aplicar-se-á o prazo prescricional quinquenal (de
cinco anos) do art. 27, CDC, contado não do cometimento do ato ilícito (como ocorreria no Código
Civil), mas sim do conhecimento do dano e da sua autoria.

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Direito do Consumidor

Há uma tendência a se aplicar essa norma a outras hipóteses previstas no CDC. Exceção certa, porém,
estaria no caso de o segurado buscar a indenização securitária quando a seguradora nega esse direito:
antes, até existia certa controvérsia, havendo quem entendia que se aplicaria aquele prazo quinquenal,
mas atualmente se entende, de forma pacífica, que essa negativa, por se tratar de um inadimplemento
contratual, atrai o prazo prescricional de um ano próprio do Direito Civil – art. 206, §1 o, II, CC/02, a não
ser que se trate de seguro de vida, quando o legitimado sobrevivente terá dez anos para fazê-lo, pelo
prazo geral da codificação civil – previsto no art. 205 do CC/02.

Responsabilidade Civil pelo Vício do Produto ou do Serviço


Com regramento iniciado no art. 18 do CDC e com paralelo nos vícios redibitórios do CC (são próximos
os institutos, mas não iguais, preocupando-se o CDC mais com os vícios de difícil observância e com os
de quantidade), temos o vício do produto e o vício do serviço.

Como vimos, a lei dispõe que qualquer produto ou serviço deve ser adequado, isto é, deve oferecer um
mínimo de desempenho e de qualidade, legitimamente esperados pelo consumidor. Aqui, no entanto, é
importante lembrar que o problema não ultrapassa a própria coisa, é intrínseco apenas a ela. Se vier a
ultrapassá-la, causando dano ao consumidor, será aplicado o regramento do fato do produto ou serviço,
antes estudado.

Há prazo de garantia legal no CDC?


Prazos objetivos de garantia obrigatória legal, que não afastam a contratual facultativa e ao contrário do
que ali ocorre, inexistem no Código de Defesa do Consumidor – é o que se extrai da leitura do art. 4 o, II,
alínea “d“. Com efeito, a norma fala em garantia dos produtos e serviços, que devem guardar padrões
adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, mas não delimita um prazo para isso.

Assim, o que temos é uma garantia legal de adequação, de que o produto ou serviço colocado no
mercado de consumo deverá fornecer a qualidade, segurança, durabilidade e desempenho de esperado,
durante todo o período que a doutrina convencionou chamar de vida útil12 do produto ou serviço, um
conceituo jurídico aberto que levará em consideração a utilização e localização dos mesmos.

No máximo, o que temos é um prazo decadencial (e não um prazo de garantia legal, frisa-se) para o
consumidor reclamar junto ao fornecedor a respeito do vício do produto ou do serviço ou para ajuizar
eventual ação, o qual será contado a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução do
serviço, no caso de vício de aparente ou fácil constatação (art. 26, §1o, CDC), ou a partir do surgimento
do vício, ou melhor, da constatação desse defeito, no caso de vício oculto (art. 26, §3o).

Aliás, é importante dizer que vício oculto é também um conceito jurídico aberto, podendo, no caso
concreto, por exemplo, dependendo das características de produto, da forma de comercialização e do
conhecimento do consumidor a respeito do mesmo, um vício aparente se transformar em oculto.

Voltando ao raciocínio, aquele prazo para reclamar será de 30 dias, em se tratando de fornecimento de
produtos ou serviços não duráveis, ou de 90 dias, em se tratando de fornecimento de produtos ou
serviços duráveis – art. 26, incisos I e II, respectivamente, do CDC. É esse o prazo que o consumidor tem
12
Em termos argumentativos, pode-se numa ação concreta dizer que o a garantia legal deveria ser ao menos o
dobro da garantia contratual – um critério objetivo, que prima pela proporcionalidade e razoabilidade.

19
Direito do Consumidor

para reclamar junto ao fornecedor do vício ou mesmo para ajuizar eventual ação. Majoritariamente na
doutrina, há a ideia de interrupção desse prazo (90 dias para reclamar junto ao fornecedor a respeito de
um produto durável + 90 para o ajuizamento da ação), mas a jurisprudência vem aplicando a suspensão
dos mesmos (assim, por exemplo, se o consumidor informar ao fornecedor sobre o vício de um produto
durável no 45o dia, o prazo ficará suspenso até a resposta negativa inequívoca por parte do fornecedor,
na forma do §2o, I, do art. 26, do CDC, voltando a contar a partir de então, tendo o consumidor mais 45
dias para ajuizar a ação). Com efeito, essa divergência se dá em razão da expressão “obstam“ constante
do §2o do art. 26, com a qual o legislador deixou em aberta a discussão sobre se queria interromper ou
suspender tal prazo; a despeito de ser ele decadencial, e não prescricional, é possível a suspensão ou
interrupção de um prazo decadencial, o que se conclui quando da leitura da expressão “salvo disposição
legal em contrário“ (... “não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou
interrompem a prescrição“) do art. 207 do CC/02.

Aproveitando o apontamento ao §2 o do art. 26, convém mencionar que, pelo seu inciso III (o inciso II foi
vetado), a instauração de inquérito civil é outra hipótese que obsta (que interrompe ou suspende, a
depender da corrente adotada) a decadência, até seu encerramento.

No mais, a garantia legal independe de termo expresso (arts. 24, CDC), pouco importando a contratual,
que é nada mais do que instrumento de marketing do fornecedor, sendo inclusive nula a cláusula que
afasta aquela em razão desta (arts. 24, parte final, 50 e 51, inciso I, todos do CDC).

Dessa forma, se acontecer algum vício durante o prazo de garantia contratual, ele será de considerado
como um vício fabricação. Se após esse prazo, mas dentro da vida útil do produto ou do serviço, ainda
haverá o direito à garantia legal de adequação e desempenho, quando, salvo inversão judicial do ônus
da prova, deverá o consumidor comprovar judicialmente que é adquirente ou usurário de um produto
ou serviço com vício.

Por fim, entende-se que durante o prazo de garantia contratual não corre o prazo decadencial para
reclamar do vício, o que nos permite afirmar que, se o vício do produto ou serviço surgir dentro do
prazo de garantia contratual, só após o seu término é que passa a ser contado o prazo para reclamar.

Responsabilidade pelo vício do Produto


A responsabilidade pelo vício do produto é objetiva e solidária, alcançando todos os fornecedores, sem
distinção, respondendo por ela, pois, todos os que contribuíram de alguma forma para a inserção do
produto no mercado de consumo, isto é, todas as figuras descritas no art. 3º, CDC, independentemente
de culpa.

As modalidades de vício do produto, que geram o dever de reparar, constam do caput do art. 18, CDC,
para o qual se remete o leitor. Nessa mesma norma, temos o primeiro direito (na verdade, veremos que
se trata de um direito-dever) que o consumidor tem quando está diante de um vício do produto, que é
o de “exigir a substituição das partes viciadas” por outras originais e de acordo com as recomendações
do fabricante, tendo o fornecedor – uma única vez – o prazo de trinta dias (em regra, visto que o
mesmo poderá ser reduzido a sete e majorado em até cento e oitenta dias, na forma do §2 o do art. 18,
valendo, ainda, atentar que o prazo menor que trinta dias deve vir destacado, sob pena de nulidade, por
violação ao princípio da transparência, que é um dever anexo da boa-fé objetiva, prevista no art. 4 o, III,
CDC, e no art. 422, CC/02), depois do qual, aí sim, o consumidor poderá (trata-se de uma faculdade sua,
e não do fornecedor) escolher uma das opções descritas nos incisos do §1 o da referida norma, sem

20
Direito do Consumidor

prejuízo, ainda, de eventual indenização pela não utilização do produto durante o período de reparo
(art. 6o, VI, CDC).

Nota-se que primeiro o consumidor tem de esperar aquele prazo de, em regra, trinta dias, para apenas
depois poder se valer de suas faculdades legais; por isso é que acima se disse que estamos propriamente
diante de um direito-dever.

Enfim, não sendo sanado o vício dentro daquele prazo, pode o consumidor alternativamente exigir à sua
escolha (§1º, art. 18, CDC):
 I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso,
quando o consumidor deverá complementar o valor ou ser restituído, a depender do maior ou
menor preço desse novo produto;
 II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de
eventuais perdas e danos, que não são os que decorrem diretamente do vício, porque, se assim
fosse, estaríamos diante de um fato, e não de um vício;
 III – o abatimento proporcional do preço.

Ressalta-se que, dependendo da natureza do vício, poderá o consumidor escolher por essas alternativas
imediatamente, ou seja, sem a necessária observância daquele prazo para o vício ser sanado (§3 o do art.
18). Essa escolha imediata de suas faculdades pelo consumidor se dará quando a reparação, tamanho o
vício, puder comprometer a qualidade, ou quando, ainda que não interfira em nada na funcionalidade, a
substituição significar a diminuição do valor de mercado do bem, ou, também, quando se tratar de um
produto essencial (que é mais um conceito jurídico indeterminado, variando de caso a caso, mas certo é
que o aparelho celular, por exemplo, vem sendo entendido como um produto essencial a todos).

Além disso, temos o vício de quantidade, que não precisa observar aquele prazo de (em regra) trinta
dias para ser sanado, podendo o consumidor se valer diretamente das faculdades constantes do art. 19
do CDC. O vício de serviço também não precisa observar tal prazo (o vício do serviço será analisado em
tópico separado, porém, em prol da didática). Um outro caso é o de produtos que, a despeito de
funcionais e adequados, estejam em desacordo com o informe publicitário a eles inerentes, quando,
considerando a força vinculante da oferta, que no CDC é inclusive irretratável), também não haverá
necessidade de observância de prazo para serem sanados. Em todos esses casos citados, o consumidor
poderá se valer diretamente das suas faculdades legais.

Nota-se que, tamanhas são as exceções, que a opção direta acaba por se tornar a regra.

Exceções à responsabilidade: arts. 18, §5 o, 19, §2o, CDC???

Responsabilidade do Comerciante pelo Vício do Produto


Ao contrário do que ocorre na responsabilidade civil pelo fato do produto, na pelo vício do produto o
comerciante tem sua responsabilidade tida como objetiva, sempre, e solidária, ressalvado o exercício
eventualmente de direito de regresso.

Mas há de se mencionar que no Brasil um trabalho se desenvolve no sentido de excluir do comerciante a


responsabilidade pelo vício do produto, o que vem sendo aceito inclusive pelo Ministério Público. Nesse
sentido, o prazo para troca do produto seria mesmo de sete dias, conforme estampado na nota fiscal do
comerciante. No entanto, conforme o professor José Acyr, aceitar isso seria um absurdo, de modo que o

21
Direito do Consumidor

comerciante seria sim responsável por trocar o produto viciado não apenas no prazo convencionado,
mas também durante a garantia legal (que não tem um prazo objetivo, conforme veremos), seja para
troca do mesmo, seja para encaminhamento para a assistência técnica. Afinal, o comerciante é o
fornecedor que o consumidor tem mais fácil acesso e os arts. 18 e ss., que tratam da responsabilidade
pelo vício de produto ou de serviço, não faz qualquer distinção entre seus fornecedores. Também vale
lembrar que garantia, até mesmo a legal, é tida como acessória ao produto, ou seja, se o comerciante
vende o produto ao consumidor, sendo esse o contrato principal, ele é seguido pelo seu acessório. Por
último, não podemos esquecer que o comerciante tem em seu favor o direito regressivo, o que não o
deixaria suportar eventual prejuízo por si não causado.

Responsabilidade pelo vício do Serviço


Na mesma linha do art. 18, que prevê a responsabilidade pelo vício do produto, está o art. 20, que prevê
a responsabilidade pelo vício do serviço. Constatado que seja o vício do serviço, o consumidor poderá
exigir do fornecedor alternativamente e à sua escolha as seguintes opções, só que aqui sem necessidade
de observância à prazo algum para que o vício no serviço seja sanado, mas diretamente:
 I – a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível, o que poderá ser feito por
terceiros, por conta e risco do fornecedor, conforme §1º do art. 20, CDC;
 II – restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de
eventuais perdas e danos;
 III – abatimento proporcional do preço.

10.02.15

Oferta e Publicidade
Os contratos de consumo são formados basicamente por três fases: tratativas, propostas e aceitação:
 A primeira fase, das tratativas, é quando ocorrem as negociações preliminares, na verdade
antecedem o contrato. Por não gerar obrigação, qualquer das partes pode abortar a
negociação, salvo quando constatada má-fé, que poderia, conforme a jurisprudência pátria,
gerar o dever de indenizar (mas não o de contratar), por responsabilidade extracontratual, ou
aquiliana, pois ainda não temos um contrato;
 A segunda fase é a das propostas, que se dá quando o proponente (ou policitante, que em
termos de relação de consumo pode ser lido como fornecedor) manifesta vontade de contratar
ao oblato (isto é, com o consumidor), já com a presença de todos os elementos necessários para
a formação do negócio proposto, principalmente o preço. Esta segunda fase já é capaz de gerar
responsabilidade civil pré-contratual, se não observado um comportamento ético e correto,
isto é, s não observada a boa-fé objetiva, ensejando vinculação e, inclusive, execução específica
(art. 422 do CC/02; e arts. 6º, 9º, 30, 31, 36, 37, 39, 46, 47 e 48, do CDC), impondo-se o dever de
contratar. Para efeito de relação de consumo proposta pode ser entendida como oferta, mas
tecnicamente os institutos não se confundem: proposta é a manifestação do proponente
dirigida ao oblato no sentido de celebrar o contrato com pessoa determinada, com todos os
elementos essenciais do contrato; na oferta essa “proposta” é feita ao público em geral, isto é, a
pessoas indeterminadas, ainda que direcionada a um público específico de consumidores,
também com todos os elementos necessários ao contrato, sob pena de se configurar mera
publicidade, que se dirige a pessoas indeterminadas de forma ainda mais ampla e também deve
observar o patamar ético da boa-fé objetiva. De todo modo, se a oferta se inserir no plano da
publicidade, obrigará o publicitante a todos os dados divulgados, que integrarão, vincularão o
contrato, sendo inclusive nula qualquer disposição em sentido contrário, salvo se mais vantajosa

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Direito do Consumidor

ao consumidor. Demais, vale atentar que a propaganda não é tratada na codificação


consumerista, dada a ausência de viés comercial na mesma.
 Por último, temos a aceitação, que ocorre quando o oblato (ou seja, quando o consumidor)
concorda integralmente com a proposta ou, para efeito de relação de consumo, com a oferta. É
quando nasce a responsabilidade civil contratual, que, em se tratando de relação de consumo,
deverá observar os ditames da Lei 8.078/90, que traz como regra a responsabilidade objetiva.

Vimos que oferta e publicidade inserem-se na segunda fase da formação do contrato, que ainda é pré-
contratual, mas em nada dispensa o dever de informação, relacionado ao princípio da boa-fé objetiva,
especialmente pelo fato de que o fornecedor procura fazer com que o consumidor consuma seu
produto ou serviço, não raro mediante técnicas agressivas de marketing. No art. 6 o, IV, CDC, temos como
direito básico do consumidor de proteção contra publicidade enganosa e abusiva, em razão do escopo
básico de um consumo consciente. Além disso, no art. 4 o, VI, temos o princípio da lealdade publicitária,
coibindo-se e proibindo de forma eficiente todos os abusos praticados no mercado de consumo, que
podem causar prejuízo ao consumidor. Nota-se que o consumidor não visa vedar qualquer prática de
marketing, apenas impor limites mediante regulamentação, de modo a evitar que o consumidor seja
levado a erro e galgue prejuízos.

O tema oferta e publicidade começa especificamente a ser regulamentado a partir do art. 29 do CDC. Já
no art. 30 temos o princípio da vinculação do informe publicitário. Se comparado com o código civil,
refere-se à fase das tratativas, de negociações preliminares, que embora lá não produzam efeitos
jurídicos pela adoção da teoria da vontade, podendo a oferta ser até mesmo revogada, certo é que aqui
nas relações de consumo produzirão efeitos desde já, mesmo que não haja contrato – é o princípio da
boa-fé objetiva aplicado na fase pré-contratual, notadamente em decorrência do venire contra factum
proprium (proibição da adoção de comportamento contraditório), o que revela a adoção da teoria da
declaração: uma vez tornada publica a oferta ou a publicidade, entra em cena a força vinculante , não
podendo ser revogadas, seja pelo anunciante ou por quem delas se beneficia de alguma maneira.

Mas ser irrevogável não significa que não pode sofrer limitações. Verdadeiramente, a oferta pode sofrer
limitações tanto no que concerne ao seu conteúdo quanto no efeito temporal. Bom, será irrevogável,
ainda que por ventura possa sofrer limitações, toda informação suficientemente precisa; é isso que
vincula o fornecedor, entendendo-se como informação suficiente precisa aquela que o consumidor não
precisa realizar qualquer juízo de valor para verificar sua precisão.

É daí que a doutrina afirma que a técnica de marketing conhecida como puffing, que é o exagero, o
enaltecer das características ou qualidades de um produto, não teria força vinculante, pois esse exagero
não seria uma informação suficientemente precisa, salvo no que diz respeito ao preço, afinal, o preço é
um elemento objetivo, é uma informação suficientemente precisa, não requerendo qualquer juízo de
valor para ser entendida.

A informação, para ter força vinculante, também precisa criar no consumidor a legítima expectativa de
adquirir produtos ou contratar serviços tal como lhe fora ofertado. Sem essa legítima expectativa, não
podemos falar em boa-fé, tampouco em força vinculante, pois. O conhecimento de um consumidor
específico sobre determinado produto ou serviço pode nutrir ou não essa legítima expectativa, a qual
revela ou não o respeito à boa-fé objetiva, permitindo ou não a presença da vinculação da oferta, no
caso concreto.

23
Direito do Consumidor

Geralmente, diante dessas situações o fornecedor se defende afirmando a existência de um erro


grosseiro ou de uma errata, para afastar especialmente a legítima expectativa do consumidor. No que
tange ao erro grosseiro, se cometido pelo fornecedor, deve ser por ele suportado, uma vez que o risco ;e
totalmente seu, não podendo ser suportado pelo consumidor – teoria do risco do empreendimento. E a
realização de errata nada mais é que o cumprimento do direito de informação, no mesmo meio de
comunicação, para se conferir a mesma difusão da informação, não eximindo, via de regra, o fornecedor
da informação anterior, a não ser que esse prove que o consumidor teve acesso à errata, dela se
informando antes da realização do negócio jurídico, quando conseguirá afastar a legitima expectativa do
consumidor e, consequentemente, eximir-se de sua responsabilidade. Nota-se que esses argumentos só
terão relevância quando não houver que se falar em legítima expectativa, valendo como meros
argumentos de reforço, não tendo relevância quando presente a legítima expectativa do consumidor.

Nessa temática, então, além da boa-fé objetiva do fornecedor, deverá ser analisada a boa-fé objetiva
do consumidor, para que se possa concluir no caso concreto se a oferta ou a publicidade em abstrato
terão ou não força vinculante. Quando tiver força vinculante, o consumidor poderá, alternativamente à
sua escolha, exigir o cumprimento forçado da obrigação nos termos da oferta ou publicidade (aliás, é
conforme o art. 47 do CDC, que, se o informe publicitário integrar o contrato a ser celebrado e eventual
contrato posteriormente firmado tiver cláusula diversa, ela de nada valerá, em razão da legítima
expectativa do consumidor de contratar tal como ofertado e da força vinculante da oferta e publicidade
– interpretação mais favorável ao consumidor), aceitar outro produto ou serviço ou, ainda, rescindir o
contrato e, mesmo se o contrato já tiver sido extinto, pedir perdas e danos – art. 35, CDC. Mas, quando
não presente a boa-fé do consumidor, não haverá que se falar em legítima expectativa, tampouco em
força vinculante ou responsabilidade do fornecedor.

Limitações
Afirmar que a oferta e, em certa medida, que a publicidade são irrevogáveis e, partindo da premissa de
que estão produzindo efeitos no caso concreto, não significa dizer que não poderão sofrer limitações,
pois poderão sim, conforme dito anteriormente. São consideradas válidas as seguintes limitações:
 Quando o próprio informe publicitário trouxer em si a informação clara, adequada e precisa
da informação limitadora, o que nos permite concluir, por exemplo, que aquelas pequenas
letras ao final de uma oferta, por exemplo, não têm qualquer consequência na formação do
negócio jurídico, configurando publicidade abusiva. Na forma do art. 38 do CDC, o ônus da prova
da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária caberá ao fornecedor –
trata-se essa de uma inversão legal probatória 13, independente de manifestação do juiz, valendo
ressaltar que o direito de informação, para ser considerado como cumprido plenamente, deve
conter as características, modo de utilização e riscos que possam oferecer à saúde e à segurança
do consumidor, além, é claro, do preço.
 Conforme entendimento jurisprudencial, em promoções pode-se limitar a quantidade máxima
de produtos que o consumidor pode impor ao fornecedor nos moldes como ofertado ao que
for necessário a suprir a necessidade do núcleo familiar daquele, o que variará de acordo com
cada caso concreto. Para além disso, os preços devem ser os normalmente praticados. Ressalta-
se que não pode o fornecedor impor quantidade mínima, apenas máxima ao consumidor – art.
39, 1o, CDC, a não ser que a quantidade mínima seja aquela que rotineiramente seja praticada
no mercado de consumo, como de venda de quatro potes de iogurte em conjunto. Ressalta-se,

13
São apenas três as hipóteses de inversão legal do ônus da prova: arts. 38 (informe publicitário), 12, §3 o (fato do
produto), art. 14, §3o (fato do serviço), CDC. Em outros casos, a inversão será judicial, necessitando de autorização
do juízo.

24
Direito do Consumidor

porém, que, se a promoção levar em conta a quantidade de produtos, o consumidor até poderá
os comprar em menor quantidade, de forma separada e unitária, só que não mais no preço
promocional.

Peças de Reposição
Os fabricantes ou importadores deverão assegurar a oferta de peças de reposição novas, originais e de
acordo com as especificações técnicas do fabricante, enquanto não cessar a fabricação ou importação
do produto. Ainda quando cessadas, a oferta de peças de reposição deve ser mantida por um período
razoável de tempo, assim considerado o período de vida útil do produto, que variará de acordo com o
caso concreto – art. 32, caput e parágrafo único, CDC. A violação desse art. 32 tem como consequência a
aplicação do regramento do vício do produto, lá do art. 18 do CDC, considerando o art. 21 da mesma
codificação consumerista.

Venda por Telefone ou por Serviço Postal


Para facilitar a busca do consumidor por reparação de eventual dano sofrido, deve estar bem informado
o nome do fabricante e endereço em caso de venda por telefone ou por serviço postal – art. 33 do CDC,
valendo ressaltar que é proibida a publicidade por telefone, se a chamada for onerosa ao consumidor
que a origina – parágrafo único da referida norma.

Responsabilidade sobre a Oferta e a Publicidade


A agência de publicidade, o garoto propaganda ou o meio de informação (exemplo: canal de televisão
anunciante) têm responsabilidade por eventual publicidade enganosa? O STJ hoje, majoritariamente,
vem entendendo que não, ficando essa responsabilidade objetiva e limitada ao próprio anunciante. No
entanto, temos doutrina em sentido diverso, como a do professor Flávio Tartuce, conforme quem
haveria responsabilidade de todos os demais atores, e não apenas do anunciante, mas inclusive dele,
por aplicação do art. 34 do CDC – seria, portanto, a responsabilidade objetiva e solidária; há, ainda, o
entendimento exarado em votos minoritários no próprio STJ, de acordo com os quais deve ser verificado
se aqueles atores sabiam ou deveriam saber que a publicidade era enganosa, sendo a responsabilidade
solidária e subjetiva caso a resposta seja positiva; mas o anunciante continuaria com a responsabilidade
objetiva.

Princípios Norteadores da Publicidade


Como vimos antes, a oferta é mais direcionada, voltada a um publico específico de consumidores, ainda
que indeterminados. Já a publicidade é algo maior, voltada a toda a coletividade de consumidores,
havendo alguns princípios que a norteiam:
 Principio da identificação do informe publicitário (art. 36, CDC), pelo qual o consumidor tem o
direito de saber de antemão que aquilo que está sendo informado é uma forma de publicidade,
sob pena de ser considerada abusiva. Pouco importa a forma da publicidade, se em propaganda
ou mesmo em teaser, ela deve ser identificada claramente como tal. Isso significa dizer que é
vedada a publicidade clandestina, disfarçada e, portanto, a mensagem subliminar, que, sem
perceber, entra no subconsciente do consumidor. Nem toda lesão abusiva será capaz de trazer
ao consumidor um dano individualizado, mas poderá lesionar os consumidores como um todo,
difusamente, atraindo, dessa forma, a possibilidade de ações coletivas pelos legitimados. No
mais, o grande problema deste princípio é sua compatibilização com o merchandising, o que
hoje vem sendo feito a partir da informação nos créditos de programas de que se trata uma

25
Direito do Consumidor

propaganda, para que se cumpra o princípio da identificação de informe publicitário e não se


configure a mensagem subliminar.

 Princípio da Transparência da Fundamentação (parágrafo único do art. 36 do CDC), que cuja


inobservância pode gerar inclusive crime contra as relações de consumo, a depender de qual,
um crime de mera conduta, não sendo necessário que o consumidor individual ou
coletivamente considerado sofra de fato um dano para que reste configurado. Por tal princípio,
todos os consumidores, individualmente ou coletivamente considerados, devem ter acesso à
informação que sustentam a veracidade da informação de uma publicidade. Exemplo clássico é
o do Sabão em Pó Omo, que seria capaz de deixar a roupa mais branca que os demais produtos;
seu fornecedor deve ter dados comprobatórios a respeito disso, aos quais o consumidor deve
ter pleno acesso.

 Princípio da vedação à publicidade enganosa ou abusiva (art. 37 do CDC): pouco importa se o


fornecedor sabia ou não que era a publicidade enganosa (que é aquela que é capaz14 de induz o
consumidor a erro, por ato comissivo, quando traz de fato informações inverídicas, ou por ato
omissivo, quando deixa de prestar as informações essenciais ao produto, aquelas indispensáveis
à formação do convencimento do consumidor no que concerne à aquisição do ou não do
produto ou serviço- §§1o e 3o) ou abusiva (é aquela que, ainda que verdadeira, ou seja, ainda
que não enganosa, viola valores sociais, através de um rol exemplificativo previsto no §2 o do art.
37 do CDC; é para essas e outras funções que serve o CONAR – Conselho Nacional de Auto-
Regulamentação, entidade privada formada por entidades que atuam na área do marketing que
julgará conflitos de natureza ética entre os fornecedores que se utilizam desse meio; as decisões
desse órgão não vinculam o Poder Judiciário, mas acabam servindo como padrão de julgamento
ao juízo. Nota-se, assim, que conflitos dessa natureza são julgados de forma mista, tanto pelo
CONAR quanto pelo Poder Judiciário), devendo o fornecedor ser responsabilizado civil ou
penalmente pelas mesmas.

 Princípio da Correção do Desvio Publicitário, que é efetivado através de um instituto chamado


pela lei de contrapropaganda ou, mais tecnicamente, de contrapublicidade (arts. 56, XII, 60, do
CDC), que nada mais é que uma sanção no sentido de impor ao anunciante a obrigação de
lançar uma norma informação, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, ao
público de consumidores no sentido de que a publicação anterior era enganosa ou abusiva, o
que, na prática, acaba sendo terrível ao fornecedor em termos de confiança no mercado de
consumo. A contrapublicidade pode ser determinada por decisão administrativa ou judicial. Da
leitura dessas artigos, chegamos mais uma vez à conclusão de que o Código de Defesa do
Consumidor é um microssistema de defesa do consumidor, a parte mais vulnerável na relação
de consumo.

Defesas Processuais do Consumidor


De nada adiantaria uma gama de direitos, se não existissem instrumentos processuais para efetivá-los,
buscando equilibrar a relação entre consumidor e fornecedor, agora na seara processual.

14
Basta, pois, a potencialidade de induzir o consumidor destinatário da publicidade a erro, não sendo necessário o
erro efetivo.

26
Direito do Consumidor

Inversão do ônus da prova


O primeiro dos grandes institutos processuais a favor do consumidor é a inversão do ônus da prova. Por
isso mesmo é que não pode se cogitar em inversão do ônus da prova em desfavor do consumidor.

A regra estática do ônus da prova consta do art. 333 do CPC e não leva em consideração características
do caso concreto, sendo na verdade uma regra de julgamento, que serve para que o juiz não deixe de
julgar; por ser uma regra de julgamento, só terá aplicação na sentença. Assim, na dúvida, não estando o
fato controvertido devidamente comprovado, o juiz se valerá dessa regra para proferir sua decisão, o
que quer dizer que, se o autor não provar o fato constitutivo de seu direito, a ação será improcedente.
Essa noção, que podemos chamar de teoria da carga estática da prova, é também trazida pelo CDC.

Mas essa regra pode ser invertida pelo instrumentos processuais favoráveis ao consumidor previstos no
CDC, ao que chamamos de teoria da carga dinâmica da prova, que tem como premissa o fato de que o
processo civil deve se preocupar não mais apenas com a verdade processual, mas que também deve
buscar a verdade dos fatos. Visto que em algumas situações aquela divisão estática do ônus da prova
não seria capaz de gerar um processo justo, levando em consideração que as relações sociais são
dinâmicas, passou-se a admitir a alteração do ônus processual probatório em desfavor de quem tem
menos dificultada a produção da prova, até mesmo em relações paritárias quanto mais em relações de
consumo. Essa inversão judicial do ônus da prova, porém, não mais pode ser feita na própria sentença,
mas num momento anterior adequado. Por esse raciocínio, a inversão judicial do ônus da prova não é
considerada uma regra de julgamento, mas uma regra de procedimento. Ressalta-se que a inversão
legal do ônus da prova, por outro lado, é sim uma regra de julgamento, e não uma mera regra de
procedimento, como a inversão judicial, só se aplicando nestas três hipóteses: do art. 38, do art. 12, §3 o,
e do art. 14, §3o, CDC, que nada mais implicam do que na inversão da regra disposta no art. 333 do CPC,
na sua leitura ao contrário, devendo ser considerada e aplicada, portanto, na própria sentença,
evitando-se o non liquet (o “não está claro“). Vale dizer que quando as normas de inversão legal do ônus
da prova são aplicadas seria até um equivoco a fundamentação no art. 6 o, VIII, do CDC, necessário só no
que diz respeito à inversão judicial do ônus da prova.

Inversão judicial do ônus probatório


A inversão judicial, também conhecida como ope iudices, decorre não da lei, mas sim de uma decisão
judicial, de natureza interlocutória, com fundamento no art. 6 o, VIII, CDC, não podendo, de acordo com
o entendimento majoritário, tal se dar apenas na própria sentença, sob pena de se ferir os princípios do
contraditório da ampla defesa. Também pode se dar de ofício, não com base no art. 6 o, VIII, mas no art.
1o do CDC, por ser essa uma norma de ordem pública.

Há controvérsia quanto ao momento ideal para se efetivar a inversão judicial do ônus da prova:
 No despacho liminar positivo, quando se verificam as condições da ação;
 Na decisão saneadora: seria o momento mais adequado, eis que é aqui se delimita qual o ponto
controvertido da demanda, isto é, quais as matérias que serão objeto de prova.

Os requisitos alternativos (não precisam ser preenchidos conjuntamente, diante da expressão “ou“; é
esse o entendimento majoritário, havendo quem entenda, como o professor Alexandra Câmara, porém,
que os requisitos seriam mesmos cumulativos, sob o argumento de que em outros casos o legislador
quis dizer “e“ ao invés de “ou“, tal qual ocorre no art. ??? do CPC), que autorizam a inversão judicial do
ônus da prova, a qual é facultativa, são (art. 6o, VIII):

27
Direito do Consumidor

 Verossimilhança, uma alegação aparentemente verdadeira, mesmo que ao final se constante


que não o era.
 Hipossuficiência, aqui relacionada à dificuldade na produção da prova diante de falta de
conhecimento específico ou de poderio econômico;

Inversão legal do ônus da prova


Quando a lei determina a inversão do ônus da prova, que independerá, pois, de inversão pelo juízo,
podendo (ou melhor, devendo) o juiz a ela se referir tão somente na sentença. Ocorre especificamente
em três hipóteses: art. 38, do art. 12, §3 o, e do art. 14, §3o, todos do CDC.

Inversão Convencional
Quando as próprias partes convencionam inverter aquela carga estática do ônus da prova prevista no
art. 333 do CPC, o que não poderá jamais se dar em prejuízo do consumidor.

Produção de provas periciais e Inversão do ônus da prova


A inversão do ônus da prova por si só implica inversão do custeio da prova pericial, do pagamento dos
honorários periciais? Há controvérsia. Sérgio Cavalieri entende que sim, do contrário seria dizer que “o
legislador deu com uma mão e tirou com outra“. Mas o entendimento majoritário é no sentido de que
não a inversão do ônus da prova não implica inversão do seu custeio, devendo um produzir e o outro
custear, por aplicação do art. 33 do CPC.

Apesar de teoricamente o entendimento majoritário ser assim, na prática acaba ocorrendo o contrário,
pois o ônus de provar o fato controvertido continua com aquele que deveria produzir a prova (isto é,
com o fornecedor), e não com quem deveria a custear (consumidor).

Finalmente, o adiantamento desse custeio poderá ser restituído em razão dos ônus sucumbenciais, seja
em favor do autor ou do réu (isto é, do consumidor ou do fornecedor), a depender de uma sentença de
procedência ou improcedência proferida num caso concreto.

24.02.15

Cláusula de Eleição de Foro


Quando o consumidor for o autor da demanda, o que é a maioria dos casos, poderá abrir mão do foro
privilegiado que a lei lhe confere, podendo optar por seu domicílio (art. 101, I, do CDC) ou pela regra de
competência geral do código de processo civil, que é o domicílio do réu (art. 94 do CPC), devendo ser
observado, porém, que por domicílio do réu se entende onde se encontra estabelecida a sua sede ou na
filial, agência ou sucursal onde a obrigação tenha que ser cumprida ou que o negócio jurídico tenha sido
praticado15, sob pena de ser violada a regra do juiz natural.

Mas as partes também podem eleger cláusula de eleição de foro, inclusive em contrato de adesão, se
e quando que isso for beneficiar o consumidor, jamais em seu detrimento, sob pena de restar ferido o
art. 51, IV, do CDC, que tem como nula de pleno direito a mesma.

15
Diferente ocorre nos juizados especiais cíveis, onde a demanda pode ser ajuizada de fato em qualquer lugar
onde o réu exerça atividade econômica ou mantenha estabelecimento, agência, filial ou sucursal (art. 4 o, I, da Lei
9.099/95).

28
Direito do Consumidor

Indaga-se, porém, se o juiz poderia afastar a cláusula de eleição de foro prejudicial ao consumidor em
um contrato de adesão. O melhor entendimento é que sim, não havendo que se falar em preclusão do
juízo nesse sentido, considerando que as normas do CDC são de ordem pública. Fundamentam esse
entendimento o art. 112, parágrafo único, do CPC, e o art. 1 o, CDC. Confirmar isso???

Finalmente, é importante dizer que o inciso I do art. 101 do CDC também é aplicado em termos de ações
coletivas, não apenas em demandas individuais. Sempre que houver sentença de interesse difuso sendo
proferida, os que se sentirem lesados poderão executar e liquidar o dano individualmente no foro de
seu próprio domicílio. Com efeito, o STJ vem afastando a limitação territorial do art. ??? do CDC,
aplicando de forma ampla e irrestrita o art. 101, inciso I, do CDC.

Chamamento ao Processo
No art. 101, II, do CDC, temos a possibilidade de chamamento ao processo por parte do fornecedor que
houver contratado seguro, que, diante da responsabilidade solidária que se criou, poderá invocar o
coobrigado, compor o polo passivo da demanda, formando, assim, um litisconsórcio passivo facultativo
e ulterior.

Mas há de se ressaltar que em toda e qualquer relação de consumo é vedada a denunciação lide – art.
80 do CDC.

Conversão em Resultado Prático Equivalente


Pelo art. 84, CDC, nas ações que tenham por objeto ação de fazer ou não fazer, o juiz poderá determinar
não propriamente a tutela específica da obrigação, mas outras que assegurem o resultado prático
equivalente ao inadimplemento. Com efeito, tal norma já foi dotada de maior importância prática para
ser estudada em módulo de defesa do consumidor, na medida em que o código de processo civil nos
trouxe um regramento mais amplo e aplicável, nesse sentido, a todas as relações, sejam de consumo ou
não, na forma dos arts. 461 e 461-A do CPC.

Desconsideração da Personalidade Jurídica


Em termos de relação jurídica de consumo, aplicamos a regra do art. 28 do CDC, e não a do art. 50 do
CPC, para a desconsideração da personalidade jurídica, uma ficção jurídica que possibilita a quebra da
regra empresarial de que os patrimônios da pessoa jurídica não se confundem com os de seus sócios,
ingressando-se de modo eventual no patrimônio pessoal destes pelas obrigações inadimplidas daquela,
em respeito ao princípio consumerista da reparação integral do dano.

Por ser uma medida excepcional, voltada ao caso concreto, deve observar os seguintes requisitos, que
têm, em termos de relação de consumo, os olhos voltados ao consumidor, vulnerável por natureza:
 Só é cabível na fase de execução, pouco importando seu tipo, por mero incidente processual,
sem necessidade de ação autônoma, apenas a demonstração da presença inequívocas dos
requisitos legais que autorizam a medida e desde que observado o princípio do contraditório,
aqui diferido, após a desconsideração da personalidade jurídica e da efetivação, por exemplo,
de eventual bloqueio online, para que a medida seja eficaz no caso concreto. Como se dá por
decisão interlocutória, é possível ser impugnada através de agravo de instrumento.
 Esgotamento das tentativas de localização de bens da pessoa jurídica. De forma contrária é o
Direito Empresarial, onde deve ser demonstrado o esgotamento dos próprios bens da pessoa
jurídica, e não as tentativas de os localizar.

29
Direito do Consumidor

 Sempre que a personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos


do consumidor - §5o do art. 28. O STJ entende hoje que a expressão “qualquer forma“ deve ser
interpretada não à luz do caput da norma, mas de maneira autônoma, razão pela qual tem se
afirmado que o CDC adotou a teoria menor dos requisitos da desconsideração da personalidade
jurídica, da mesma forma que a CLT, aplicando-se o dispositivo em questão de forma analógica
nas relações de trabalho. Na teoria maior, seria exigido o elemento subjetivo, a saber, a fraude,
o dolo, a intenção deliberada de se valer da pessoa jurídica para fraudar os credores, em abuso
da personalidade jurídica, por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial. Com efeito, isso
não é exigido pela teoria menor, de acordo com a qual basta o inadimplemento da obrigação
por parte da pessoa jurídica, para que se desconsidere a sua personalidade, sendo atingida de
forma eventual a pessoa dos sócios, em regra os que têm poder de administração.
 Nas relações jurídicas de consumo, a lei, ao contrário do que ocorre no código civil, não exige o
prévio requerimento, podendo a desconsideração da personalidade jurídica ser declarada de
ofício pelo juiz, considerando que as normas da legislação consumerista são de ordem pública –
art. 1o c/c art. 28, §5o, do CDC.

Na desconsideração inversa da personalidade jurídica, que ocorre também no direito do consumidor,


ainda que seja mais clara sua presença no Direito de Família, a obrigação é do sócio e a sua pessoa é que
será desconsiderada, atacando o patrimônio da pessoa jurídica, para que se busque o adimplemento da
obrigação. Diante de uma relação de consumo, com vimos, aplica-se a teoria menor, isto é, os mesmos
requisitos da desconsideração regular da personalidade jurídica, em benefício do princípio da reparação
integral do dano e da vulnerabilidade do consumidor.

Ademais, é possível a desconsideração da personalidade jurídica em sede de juizados especiais, por se


tratar de mero incidente processual.

Responsabilidade de algumas espécies societárias


Por serem também tratadas no art. 28, CDC, convém falarmos da responsabilidade de algumas espécies
societárias, afinal, o tema está estritamente ligado à desconsideração da personalidade jurídica.

As empresas que compõem o mesmo grupo respondem de maneira subsidiária, desde que aos olhos
do consumidor esse esquema esteja claro, evidenciando que não se trata de um único fornecedor - §2 o
do art. 28, CDC. O grande exemplo é o da UNIMED, que, apesar de se dividir em UNIMED RIO, UNIMED
LESTE FLUMINENSE e etc., aos olhos do consumidor, por haver abrangência nacional, trata-se de uma
coisa só, sendo a responsabilidade, pois, solidária, e não subsidiária.

No entanto, as sociedades consorciadas, que são aquelas que se reúnem para o desenvolvimento de um
empreendimento específico, têm responsabilidade solidária no que tange a esse empreendimento -
§3o do art. 28 do CDC.

As sociedades coligadas, em que uma delas não têm poder de gestão, de administração, por sua vez, só
responderão por culpa – responsabilidade subjetiva, na forma do §4o do art. 28 do CDC e da Lei 6.404.

Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores


O assunto começa a ser regulamentado a partir do art. 43 do CDC, podendo esses bancos de dados ser
positivos (regulados pela Lei 12.414 de 2011, trata-se da reunião de informações no que concerne ao
adimplemento do consumidor para fins de concessão de crédito e suas condições, especialmente no que

30
Direito do Consumidor

diz respeito à estipulação de taxas de juros; vale dizer que tem o STJ, em alguns casos, considerando a
forma como é feita essa pontuação, entendido pela configuração de danos morais) ou negativos (são os
relacionados à informações de inadimplência, cuja regulamentação encontra-se no CDC; é, por exemplo,
o caso do SPC, SERASA e afins).

Natureza Jurídica
Na forma do §4o do art. 43 do CDC, a natureza jurídica dos bancos de dados (negativos) é de entidades
de caráter público, ainda que órgão seja pessoa jurídica de direito privado. A grande relevância disso é a
possibilidade de se impetrar habeas data, quando negada a informação requerida, especialmente em se
considerando que a informação é um direito básico do consumidor – art. 5 o, LXXII, da CF, e art. 6 o, III, do
CDC.

Requisitos
Falando em direito básico do consumidor, temos também o direito e a proteção ao nome. Por isso é que
devem alguns requisitos ser observados para que o nome seja validamente incluído nesses cadastros
restritivos de crédito, sob pena de se mostrar violado esse direito básico do consumidor, que também
constitui um direito da personalidade:
 Deve haver relação jurídica que justifique a negativação. Verdadeiramente, inexistindo relação
jurídica, não há que se falar em negativação legítima, mas indevida, que por lesar um direito da
personalidade, configura o dano moral in re ipsa.
 Prévia notificação: antes que o nome seja incluído nos cadastros, é necessária uma notificação
de que tal será feito, o que, de acordo com o STJ, é de obrigação dos próprios órgãos restritivos
de crédito. Parte da doutrina entende que ao fornecedor também caberia fazê-lo. No mais,
ainda conforme o STJ, a notificação prévia independe de AR (Avisto de Recebimento), bastando
que a correspondência seja encaminhada ao endereço fornecido pelo consumidor, em razão do
dever de cooperação e do princípio da boa-fé objetiva. Outro entendimento do STJ quanto à
prévia notificação, é que, havendo convenio dos órgãos restritivos com os tribunais de justiça,
não será necessário o envio de correspondência pra que se proceda à negativação, facilitando-
se, assim, o trâmite da informação, que já era pública e do conhecimento de todos, de modo
que, na prática, pela simples consulta a tais cadastros, pode-se constatar se a pessoa tem ou
não contra si uma execução. De toda forma, quem tem a obrigação de excluir o nome do
consumidor dos cadastros negativos é o fornecedor, a não ser no caso de protesto, quando o
consumidor deverá buscar com o fornecedor um documento nesse sentido e o levar ao órgão de
banco de dados negativo, para que se proceda a exclusão da negativação de seu nome.

Se tais requisitos não forem cumpridos, ainda que estejamos diante de um devedor, haverá notificação
indevida, capaz de causar dano moral in re ipsa (pela força do próprio fato), em vista da violação do
nome, verdadeiro direito da personalidade, e da informação, direito básico do consumidor.

Também é capaz de gerar o dano moral in re ipsa a ausência de retificação dos cadastros inexatos, no
prazo de cinco dias úteis, ainda que a notificação tenha sido válida – §3o do art. 43 do CDC. Esse prazo
de cinco dias úteis é o que o STJ vem aplicando de maneira analógica para as situações em que o nome
do consumidor deve ser retirado dos cadastros, se configuradas uma das hipóteses de exclusão.

Na forma da criticada Súmula 385 do STJ, se preexistente legítima negativação, a indevida e posterior
negativação não gera dano moral indenizável, pois o nome já fora validamente manchado, só cabendo
a retirada dessa posterior negativação. Ressalta-se, porém, que tal deve ser feito no prazo de cinco dias,

31
Direito do Consumidor

como visto anteriormente, sob pena de se configurar dano moral. Ainda neste diapasão, também há de
ser dito que, sendo controvertida a negativação anterior, como no caso de estar sendo discutida sua
legitimidade em juízo, deve ser afastada a aplicação do entendimento em questão.

Limites
Os limites para que o nome se mantenha validamente nos cadastros restritivos de crédito estão nas suas
hipóteses de exclusão, sendo elas:
 Pelo simples pagamento do débito, devendo a retirada se dar em até cinco dias úteis, sob pena
de ser considerada indevida a manutenção, capaz de gerar dano moral. Como é o fornecedor
quem deve fazer a exclusão, a ele convém que o consumidor informe o pagamento.
 Ainda que não haja o pagamento, as que forem de período superior a cinco anos – contados do
inadimplemento da obrigação – isto é, desde quando já poderia ter sido feita a inscrição nos
cadastros restritivos, e não da efetiva inscrição. E mais: se o prazo prescricional, relacionado à
pretensão da cobrança da obrigação materializada no título (que é diferente da força executiva
do título), for menor, deverá a exclusão ser feita antes mesmo desse prazo de cinco anos. Mas
essa exclusão do nome dos cadastros restritivos pelo decurso do tempo não significa dizer que a
pessoa deixará de ser devedora, apenas que seu nome será excluído de tais cadastros e que por
tal dívida não poderá haver outra negativação, ficando, pois, ressalvada a cobrança da dívida
pelos meios legítimos, observado o prazo prescricional da mesma, é claro. De toda forma, essa
regra deve ser compatibilizada com o §5 o do art. 43 do CDC, pelo qual, se ultrapassado o prazo
prescricional da força executiva do título16, não podem ser fornecidas quaisquer informações
que impeçam ou dificultam novo acesso ao crédito junto a fornecedores, quando o título
executivo passará a ter simples valor probatório, como outra prova qualquer. Finalmente, deve
ser ressaltado que, para cobrar o obrigado principal, a lei faculta o protesto pelo fornecedor,
como um instrumento de coerção ao consumidor, mas em sendo secundárias as obrigações, o
protesto é necessário e será válido enquanto não prescrita a cobrança da obrigação (e não a sua
força executiva); falamos isso porque, se ultrapassado tal prazo prescricional, eventual protesto
será considerado indevido, faria as vezes de ação de execução, gerando dano moral in re ipsa.

Bancos Negativos do Fornecedores


É importante mencionar que os órgãos públicos de defesa do consumidor mantêm cadastros atualizados
de reclamações feitas em desfavor dos fornecedores de produtos e serviços – art. 44, caput, do CDC, em
respeito ao direito básico de informação do consumidor.

Cobrança de Dívidas
No exercício do direito de cobrar pelo fornecedor são impostos limites, conforme arts. 42 e 71 do CDC
(esta norma prevê inclusive como infração penal tal conduta, tamanha sua gravidade), que devem ser
lidos à luz do art. 187 do CC/02, sob pena de ser considerada abusiva a cobrança, justificando o dano
moral: verdadeiramente, não poderá o consumidor ser exposto ao ridículo, de forma vexatória ou
mesmo desarrazoada, ou a ser submetido a constrangimento ou a ameaça.

16
Com efeito, o prazo prescricional de cobrança da obrigação materializada no título difere do prazo da força
executiva do título. Aquele já conhecemos, mas para entendermos melhor este podemos nos valer do exemplo do
cheque, título cambial que tem força executiva por seis meses, contados do término do prazo de apresentação,
que é de trinta dias, se emitido na praça de pagamento, ou de sessenta dias, se a emissão se deu fora da praça de
pagamento – após a soma desses prazos, o cheque deixará de ser considerado título executivo, na forma do art. 59
da Lei 7.357 de 1985.

32
Direito do Consumidor

Conforme parágrafo único do art. 42 do CDC, o consumidor cobrado em quantia indevida, de forma
injustificada, e que a tenha pago17, terá direito à repetição do indébito de forma dobrada – essa dobra
tem natureza punitiva, e não reparatória, o que quer dizer, caso o fornecedor restitua em juízo o valor
indevidamente cobrado, não terá direito à devolução do excedente, referente à dobra. Com efeito, a
dobra deveria ser analisada apenas de forma objetiva (pela presença de cobrança em quantia indevida e
do pagamento da mesma), mas o STJ tem entendido que é também necessário que o fornecedor saiba
que a cobrança é indevida (elemento subjetivo), sob pena de se considerar o engano justificado por
parte do fornecedor, que impõe a devolução de maneira simples, e não em dobro, o que, diga-se,
prejudica em muito a aplicabilidade da norma em questão.

Majoritariamente, entende-se que a supramencionada norma tem aplicação tanto nas cobranças
judiciais quanto nas extrajudiciais, isto é, em juízo ou fora dele, cabendo a devolução em dobro daquilo
que foi cobrado e pago de maneira indevida em qualquer dessas plataformas. Essa discussão nasceu
porque lá no Código Civil, em seus arts. 876, 884 e 940, basta a cobrança judicial indevida, ainda que não
haja o respectivo pagamento, para teremos a aplicação das sanções previstas em lei. Mas certo é que o
CDC, ao contrário do CC, não restringiu expressamente a aplicação do seu art. 42, parágrafo único, ao
âmbito judicial, ampliando-se, assim, sua aplicação ao âmbito extrajudicial.

Regras de Proteção Contratual do Consumidor


Modificação e Revisão Contratual
Na forma do art. 6o, inciso V, do CDC, o consumidor tem direito à modificação ou à revisão das cláusulas
contratuais não abusivas18 que não estejam economicamente justas em relação à prestação oposta. A
eventual decisão que modificar as cláusulas contratuais tem efeito retroativo (ex tunc), já a que
eventualmente as revisar não (ex nunc), considerando que naquele caso há problema na origem do
contrato (estabelecimento de prestações desproporcionais) e neste não (fatos supervenientes que vêm
a tornar as cláusulas excessivamente onerosas).

O evento que gera a possibilidade e justifica a modificação ou a revisão do contrato de consumo é,


considerando a adoção pelo CDC da teoria da quebra da base objetiva do negócio jurídico, a simples
superveniência de um fato, previsível ou imprevisível, extraordinário ou não, que acarrete a excessiva
onerosidade do consumidor, alterando o equilíbrio contratual, isso, é claro, desde que o fato não esteja
relacionado com o próprio objeto do contrato, sendo uma alea. Em rumo diferente segue o Código Civil
de 2002, que, em seus arts. 317 e 478, adotou a teoria da imprevisão, sendo necessário um evento
futuro natureza imprevisível que gere uma excessiva onerosidade, para que se opere a modificação ou a
revisão de cláusulas contratuais; noutros termos, para a codificação civil, quando as premissas fáticas
não tiverem se modificado, deve o contrato ser cumprido na forma como fora contratado.

Pode o fornecedor buscar a modificação ou a revisão contratual quando se tornar excessivamente


mais vantajosa ao consumidor? Sim, pois o próprio CDC, aponta pelo equilíbrio da relação, na forma do
seu art. 51, §2o, mas para tanto o fornecedor deverá se valer da teoria da imprevisão.
17
No Código Civil (nos seus arts. 876 e 884), basta a cobrança judicial indevida, ainda que não haja o respectivo
pagamento, que teremos a aplicação das sanções previstas em lei. Aliás, foi daí que nasceu a discussão da
aplicação judicial e extrajudicial da questão no CDC: entende-se majoritariamente que em ambos os casos, pois, ao
contrário do código civil, a legislação consumerista não restringiu expressamente a aplicação da norma.
18
Se fossem abusivas, as cláusulas seriam nulas de pleno direito, não produzindo quaisquer efeitos – art. 51, CDC.

33
Direito do Consumidor

Cláusula limitativa de Direito


Integrando o regramento que concerne ao direito de informação, temos que os contratos de consumo
não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de
seu conteúdo ou se seus instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu
conteúdo e de seu alcance – art. 46 do CDC. Noutros termos, pode até haver cláusula limitativa de
direito, inclusive em contratos de adesão, desde que observada tanto a prévia e devida informação,
estando especialmente em destaque, quanto a função social do contrato – arts. 6o, III, 31 e 54, §§3 o e
4o, do CDC.

Interpretação das Cláusulas Contratuais


Na dúvida, devem as cláusulas contratuais ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor,
em razão da vulnerabilidade que lhe é reconhecida constitucionalmente – art. 47, CDC, e art. 5 o, XXXII,
CF, observada, é claro, a já estudada legítima expectativa do consumidor.

Declarações de Vontade
O art. 48 do CDC, mais uma vez aponta pela informação vinculando o fornecedor, assegurando que as
declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações
de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica.

Direito de Arrependimento
Pode o consumidor desistir do contrato, no prazo de sete dias, a contar de sua assinatura ou do ato do
recebimento do produto ou serviço (isso porque é nesses momentos que o consumidor pode exercer o
seu direito de reflexão quanto ao produto ou ao serviço adquirido), quando a transação se der fora do
estabelecimento, o que hoje se dá hoje geralmente através da internet.

Trata-se de um direito potestativo do consumidor e de um estado de sujeição do fornecedor, pouco


importando o motivo ou mesmo a existência de eventual vício, para que se volte ao status quo ante,
devendo ser imediatamente devolvida a quantia paga pelo produto ou serviço, de forma corrigida e
atualizada.

É disso que trata o art. 49 do CDC, que prima pelo consumo consciente do consumidor, o que significa
dizer que o consumidor pode ter até mesmo usado o produto e mesmo assim ainda poderá optar pela
sua devolução (mas, a depender do uso ou desgaste, certo é que deverá haver o abatimento no preço),
desistindo do contrato.

Ainda que não tão pacífico, existe o entendimento de que, uma vez que o consumidor pode, no prazo
em referência, desistir do contrato, extinguindo-o e recebendo a quantia paga, poderá também efetuar
a troca do produto, mantendo-se a relação contratual. Com efeito, quem pode mais, pode menos.

Também no prazo referido, não pode ser cobrado frete para a devolução ou troca do produto, pois, se
por uma questão de comodidade o fornecedor optou por estar no comércio eletrônico, também deverá
arcar com os ônus daí decorrentes.

Finalmente, ultrapassado que seja aquele prazo de sete dias, sem que haja manifestação do direito de
arrependimento por qualquer meio (por questão probatória, é melhor que se faça por escrito, diga-se),
incidirá o regramento do vício ou do fato do produto ou do serviço.

34
Direito do Consumidor

05.03.15

Práticas Abusivas
As práticas abusivas constam do art. 39 do CDC c/c art. 187 do CC, sendo assim consideradas aquelas
que, de modo direito e no sentido vertical da relação de consumo (isto é, do fornecedor ao consumidor)
19
, afetem o bem-estar do consumidor (Antônio Herman V. Benjamin). Por detrás delas está nada mais
do que a aplicação do princípio da boa-fé objetiva. Com efeito, abusividade é sinônimo de ilegalidade.

Como sanção às práticas abusivas, além de sanções administrativas (como, por exemplo, a cassação de
licença e a suspensão da atividade) e penais (capítulos XII e XIII do CDC), gera-se o dever de indenizar
pelos danos causados, inclusive os morais (art. 6º, inciso VII, do CDC) e também podem impor a
despersonalização da personalidade jurídica da empresa (art. 28). Além disso, é sabido que, por serem
abusivas, são nulas de pleno direito, podendo o juiz determinar a abstenção ou prática de conduta, sob
a força de preceito cominatório (art. 84, CDC).

Podem as práticas abusivas ser classificadas, do prisma do momento em que se manifestam no processo
econômico, em produtivas (é, v.g., abusiva a prática produtiva de produtos ou serviços em desrespeito
às normas técnicas – art. 39, VIII, do CDC) ou comerciais (como a “venda casa” – inciso I do art. 39); e,
no âmbito jurídico-contratual, em contratuais (se aparecerem no interior do contrato), pré-contratuais
(se atuarem na fase de propostas) ou pós-contratuais (se manifestarem-se após a contratação) – tudo
isso consubstancia prática abusiva, que tem rol exemplificativo no art. 39 do CDC, podendo ser
encontradas ainda noutros artigos desse mesmo codex ou em legislação esparsa, eis que não se limitam
ao CDC. Do citado rol não taxativo descatam-se, além das já mencionadas, as seguintes cláusulas
abusivas:
 Inciso III – envio de produto ou prestação de serviço não solicitados, que tem por consequência
a configuração de amostra grátis, não impondo a obrigação de pagamento – parágrafo único do
art. 39
 Inciso VI – Executar serviços sem prévio orçamento e autorização expressa do consumidor. Na
forma do art. 40 do CDC c/c art. 30, o orçamento, por ser uma oferta, tem força vinculante pelo
prazo de dez dias (entende-se, ainda, que, desde que haja respeito à informação, estando de
maneira clara e adequada, esse prazo pode ser reduzido, o que afasta a legítima expectativa do
consumidor no período após o estabelecido e informado adequadamente; mas há quem diga
que o prazo só poderia ser aumentado, em razão do fato de as normas de direito do consumidor
serem de ordem pública, na forma do art. 1 o do CDC, sendo dez dias o mínimo que o
consumidor tem para formar sua convicção e praticar um consumo consciente) e sua ausência
tem por consequência a não obrigação de pagar pelo serviço, que será considerado amostra
grátis. Mas, ainda que não se tenha havido a informação prévia, isto é, o orçamento prévio, é
possível que exista a obrigação de pagar no caso concreto, quando decorrente de práticas
anteriores praticadas pelas partes – é a boa-fé objetiva aplicada em face do consumidor. As
práticas emergenciais também podem constituir uma exceção a isso, vale dizer.

Cláusulas Abusivas
Mais uma vez voltadas à boa-fé objetiva, temos que o fornecedor até tem o direito de elaborar cláusulas
contratuais, mas jamais poderá abusar desse direito, sob pena de se configurar cláusula abusiva, que é

19
A relação fornecedor-fornecedor, embora reflitam indiretamente no consumidor, pode configurar praticar de
concorrência desleal, que não se confunde com prática abusiva.

35
Direito do Consumidor

nula de pleno direito – estamos, nesse sentido, diante de uma nulidade absoluta (art. 169, CC), que não
convalescem no tempo, nem produzem quaisquer efeitos, ainda que pretéritos.

As cláusulas abusivas podem estar presentes em qualquer fase do contrato. Para termos ideias de quais
são as cláusulas consideradas abusivas, vale trazer à colação o art. 51 do CDC, que tem rol meramente
exemplificativo, e não taxativo, admitindo diversas outras hipóteses, tendo assim sido disposto só para
consolidar e especificar situações comuns da realidade concreta da jurisprudência da época, muitas das
quais ainda se repetem, infelizmente. São abusivas e, portanto, nulas de pleno direito, as seguintes
cláusulas, dentre outras (art. 51):
 Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer
natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações
de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser
limitada, em situações justificáveis;
 Subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste
Código;
 Transfiram responsabilidades a terceiros;
 Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Eis a cláusula
geral, que permite que outras hipóteses não previstas no art. 51 sejam ditas como cláusula
abusiva, sendo assim consideradas as que potencializam o já natural desequilíbrio da relação
de consumo, estabelecendo desvantagem exagerada em desfavor do consumidor (§1º, III) ou
que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor (inciso XV). Exemplo disso
é o aumento nas prestações de um plano de saúde de um já aderente pelo simples avanço da
idade, devendo para o STJ a mudança de faixa etária estar também ligada ao aumento do risco,
para que não seja considerada discriminatória e abusiva. Outro exemplo é a multa moratória,
relacionada ao inadimplemento relativo, que não pode ser superior a dois por cento (art. 52,
(§1o), em regra, podendo ser elevada quando na prática for pequeno o valor, para que atinja sua
finalidade.
 Estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
 Determinem a utilização compulsória de arbitragem;
 Imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
 Deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
 Permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
 Autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja
conferido ao consumidor;
 Obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual
direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
 Autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato,
após sua celebração;
 Infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
 Estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. Aqui, encontra-se outra
cláusula aberta, que admite o reconhecimento de diversas outras cláusulas abusivas que não as
constantes do rol da norma em comento;
 Possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

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Direito do Consumidor

A nulidade de uma cláusula abusiva não invalida o restante do contrato (§2o do art. 51) a não ser que,
observados os esforços de integração, dele decorra ônus excessivo ao consumidor, quando o contrato
não poderá subsistir.

Quitação antecipada do Débito


o
No §2 do art. 52 temos a possibilidade de quitação antecipada do débito, tendo o consumidor direito
ao abatimento proporcional de juros e encargos remuneratórios.

Cláusula Penal
O limite da cláusula penal compensatória, relacionada ao inadimplemento absoluto como prefixação de
perdas e danos, a ser aplicado numa relação jurídica de consumo consta dos arts. 412 e 413 do Código
Civil, aqui aplicáveis pelo diálogo das fontes, diante da ausência de norma expressa no CDC. Não poderá
exceder o próprio valor da obrigação principal (mas há quem entenda que o limite não poderia exceder
os dois por centos do art. 52, §1º, do CDC), nem ser cumulada com perdas e danos (ao contrário do que
ocorria na cláusula penal moratória, por sua vez relacionada ao inadimplemento relativo – art. 411),
salvo nessa segunda hipótese se houver convenção em sentido diverso pelas partes (art. 416, parágrafo
único), quando a cumulação com perdas e danos poderia ocorrer, desde que o credor prove o prejuízo
excedente.

No mais, o juiz deve de ofício reduzir a cláusula penal compensatória quando for excessivamente
onerosa, considerando-se que se trata de uma norma de ordem pública (o art. 413 é nesse sentido).

Cláusula Resolutória
A cláusula resolutória é admitida, ainda que nos contratos de adesão, desde que a opção de resolver o
contrato parte do consumidor, o que significa dizer que o consumidor tem o direito de purgar a mora,
devendo ser notificado previamente antes da resolução – art. 54, §2 o. Conforme entendimento do STJ,
tal direito não se aplica mais aos contratos de alienação fiduciária de bens móveis, regulados pelo
Decreto-Lei 911/69, quando o consumidor enfrentará a busca e apreensão, salvo se pagar todo o
contrato de financiamento, isto é, aquilo que deve mais o que falta pagar.

Vedação da Cláusula de Decaimento


Conforme art. 53, nos contratos de compra e venda de móveis e imóveis pagos em prestações, bem
como nos de alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas de
decaimento, sendo impossível a perda ou retenção total das parcelas já pagas, sendo, porém, possível
a perda de parte desse valor, de dez a quinze por cento, a depender do caso concreto.

Conforme entendimento do STJ, a devolução deve se dar de maneira imediata, pouco importando quem
deu causa à extinção contratual, que, se motivada pela mora do consumidor, deve observar o desconto
supra referido e, se pelo fornecedor, com a integral devolução do valor no exato momento em que o
contrato foi descumprido.

Crimes Contra as Relações de Consumo


Na forma do art. 61, os crimes contra as relações de consumo não se esgotam no Código de Defesa do
Consumidor, podendo também ser encontrados em legislações especiais, notadamente na Lei 8.137/90,
que traz os crimes contra a ordem econômica, bem como no próprio Código Penal, a exemplo do crime
de estelionato, que também expõe o consumidor a risco. De todo modo, o bem jurídico é sempre o
mesmo, a saber, a relação jurídica de consumo, considerando que nem sempre o consumidor individual

37
Direito do Consumidor

será atingido por tais práticas, sendo certo que tais crimes serão sempre de mera conduta (porque
basta a prática da conduta para que ela se configure, ainda que não venha a resultar em dano ao
consumidor) e de perigo abstrato (a simples prática da conduta já seria capaz de expor as relações de
consumo a um perigo, ainda que abstratamente considerado), bem como de ação penal pública
incondicionada (pelos entes legitimados do art. 82) 20, ora permitindo a modalidade culposa, ora apenas
a dolosa.

Outra noção básica é que, pelo menos nos crimes previstos no CDC, as penas são de até dois anos, isto
é, são crimes de menor potencial lesivo, a atrair a Lei 9.099/95. Por ter pouca consequência na esfera
jurídica do fornecedor, de grande importância é o art. 78 do CDC, que permite a aplicação de eventual
pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos de maneira alternativa ou cumulada com multa.
Uma pena diferenciada é a contrapropaganda, outra é a prestação de serviços à comunidade (e não ao
consumidor, uma vez, como já vimos, o bem protegido por tais tipos penais não é o consumidor, mas as
relações jurídicas de consumo como um todo).

Também no art. 76 do CDC temos uma noção importante, a de circunstâncias agravantes dos crimes
tipificados na codificação consumerista, sem prejuízo das previstas no CP, podendo ser citado como
exemplo o inciso I, pelo qual considera-se mais grave o crime praticado em detrimento de menor de
dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência mental, interditadas ou não.

O sujeito ativo de um crime contra as relações jurídicas de consumo pode ser qualquer pessoa natural,
o fornecedor que não pessoa jurídica, pois no direito brasileiro esta só pode cometer crime ambiental.
Por exemplo, só poderia ser responsabilizado penalmente pelos mesmos o caixa de de cadastro
restritivo de créditos que cobra para prestar informações, mas não o órgão em si.

Crimes Previstos no Código de Defesa do Consumidor


Relacionados à responsabilidade subjetiva, e não mais objetiva, são eles, todos crimes formais, que não
dependem de dano efetivo para se configurarem:

 Art. 63 do CDC, que busca punir a conduta de deixar de informar ao consumidor acerca da
periculosidade de produto ou serviço (em claro desrespeito ao art. 8 o, que trata da informação
prévia). A punição se dá em razão da violação da boa-fé objetiva na fase pré-contratual da. Há a
previsão de modalidade culposa para tal conduta (§2º do art. 63).

 Art. 64 do CDC, que busca punir a conduta de deixar de efetuar o recall (previsto no art. 10).
Aqui, a punição se dá em razão da violação da boa-fé objetiva na fase pós-contratual. Como não
há previsão na modalidade culposa, sendo necessária a comprovação de todos os elementos de
uma responsabilidade subjetiva, notadamente o dolo.

 Art. 65 do CDC, que também pode ser trabalhado junto ao art. 10, buscando punir a conduta de
executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando as determinações da autoridade
competente, ainda que não haja dano efetivo, pois, vale lembrar, os crimes do CDC são formais.
Discutisse a de aplicação de concurso de crime: se material, formal ou continuado.

20
Não há, pois, legitimidade do consumidor individual para ajuizar tais ações (quanto muito notificar as práticas),
nem possibilidade assistência de acusação pelo mesmo, uma vez que o bem jurídico tutelado não é o consumidor
propriamente dito, mas as relações jurídicas de consume como um todo.

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Direito do Consumidor

 Art. 66 do CDC, que pune a prática de informação enganosa de forma dolosa, sendo permitida
também a punição a título de culpa (§2 o), o que demonstra seu trabalhar em conjunto com o
art. 31, também do CDC. Caso haja de fato dano, aplica-se o art. 7 o, VII, da Lei 8.137/90.

 Art. 67 do CDC, que pune a prática de publicidade enganosa ou abusiva, sendo conjugada com
o ilícito do art. 37, §§1 o e 2o. Diferencia-se da norma supramencionada na medida em que
aquele trabalha com informações direcionadas a consumidores determinados, ao passo que
este com informações veiculadas de maneira difusa, cuja público são pessoas indeterminadas,
que não podem ser identificadas no caso concreto, sendo, então, toda a coletividade de
pessoas. Outra diferença está em que o art. 67 é necessariamente doloso, não havendo previsão
de modalidade culposa.

 Art. 68 do CDC, que pune a prática especial de publicidade enganosa ou abusiva feita em face
de consumidores com o fim de os induzir a se portar de forma prejudicial ou perigosa à sua
saúde ou segurança. Diferencia-se da norma anterior, na medida que este é um tipo especial de
publicidade abusiva, só tendo lugar quando a publicidade abusiva for na modalidade de induzir
o consumidor a se portar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança, devendo
trabalhar, pois, só com a parte do art. 37, §1 o, que vai nesse sentido.

 Art. 69 do CDC, que deve ser trabalhado com o art. 36, parágrafo único, punindo a conduta de
desrespeito à informação técnica e científica que dão base à publicidade, presumindo a sua
abusividade quando não forem prestados.

 Art. 70 do CDC, que deve ser conjugado com os arts. 21 e 32, punindo a conduta de empregar
na reparação de produtos peça ou componente de reposição usados, sem autorização prévia
do consumidor, mas sempre atendendo as especificações técnicas (se estiverem em desacordo
com as mesmas, a autorização do consumidor de nada servirá). Repare que a norma que tipifica
o crime em questão não fala em peça original, cuja não utilização só terá como consequência a
configuração da prática de um ilícito civil, e não de penal. Outra observação que devemos
insistir em fazer é que o crime se configurará mesmo que a peça usada venha a funcionar, pois
os crimes previstos na codificação consumerista são meramente formais e de perigo abstrato.

 Art. 71 do CDC, que deve ser trabalhado com o art. 42, veda a utilização, na cobrança de
dívidas, de condutas que exponham o consumidor a ridículo.

 Art. 72 do CDC, que trabalha com os arts. 43 e 44, pune a conduta que impede ou dificulta o
acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros restritivos de
crédito.

 Art. 73 do CDC, que trabalha com o art. 43, §3 o, pune a conduta que deixa de, no prazo de cinco
dias, retificar a informação sobre o consumidor constante do cadastro restritivo.

 Art. 74 do CDC, que trabalha com o art. 50, punindo quem deixar de entregar ao consumidor o
termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara do seu conteúdo,
tenha ou não o produto vício.

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Direito do Consumidor

Tutela Coletiva
O escopo da tutela coletiva é conferir maior segurança social e celeridade processual, tendo como
premissa o direito processual coletivo. Aliás, falando nisso, é bom termos em mente que os pontos que
aqui brevemente estudaremos não se limitam às relações de consumo, aplicando-se a todos os direitos
de natureza coletiva, pertencentes à coletividade. Diversas são as leis que tratam do tema: Constituição
Federal, Código de Defesa do Consumidor, Lei de Ação Popular (Lei 4.717/65), Lei de Ação Civil Pública
(Lei 7.347/85), Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) e Lei do Mandado de Segurança (Lei
12.016/09) – todas regulamentando regras processuais voltadas à tutela coletiva, compondo o que a
doutrina chama de microssistema de processo coletivo.

As regras gerais desse microssistema de processo coletivo são compostas pela Lei de Ação Civil Pública
(art. 21) e pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 90). Na omissão desse núcleo duro, dessas regras
gerais, buscaremos a solução dentro das outras leis que compõe o microssistema de processo coletivo, o
que significa dizer que elas terão aplicação subsidiária, ao passo que o código de processo civil só terá
aplicação residual, desde que compatível com todo o microssistema de processo coletivo.

Quando a coletividade estiver no polo ativo teremos a ação coletiva ativa. Quando estiver no passivo,
teremos a ação coletiva passiva, acerca da qual se discute a existência (no plano prático, existe sim) e o
regime de coisa jugada (isto é, de que forma a sentença valerá, quem alcançará).

Os direitos coletivos que são objeto de tutela de um processo coletivo não são todos (ao contrário do
consumidor individual, que jamais pode se ver afastado do acesso à justiça, especialmente ao judiciário),
mas só os que estão descritos nos incisos do art. 81: (i) interesses ou direitos difusos transindividuais
de natureza indivisível de que sejam titulares a sociedade compreendida como um todo; (ii) interesses
coletivos transindividuais de titularidade de pessoas determinadas; (iii) interesses ou direitos
individuais homogêneos.

Espécies
Transindividuais Coletivos de Titularidade da Sociedade
Um dos direitos coletivos que podem ser objeto de tutela em processo coletivo são os transindividuais
de natureza indivisível de que sejam titulares a sociedade, que é composta de pessoas indeterminadas,
que estejam ligadas por circunstâncias fáticas (e não por um negócio jurídico) – art. 81, inciso I, do CDC.
Ressalta-se que, ao contrário do que dá a entender a norma citada, os titulares do direito difuso não são
pessoas indeterminadas, mas sim a sociedade, que é composta de pessoas indeterminadas ou cuja
determinação é difícil de se fazer no caso concreto.

Nesse sentido, a solução da tutela coletiva atingirá toda a sociedade de uma maneira geral, ainda que
a pessoa individualmente não concorde com a mesma.

Transindividuais Coletivos de Titularidade de Pessoas Determinadas


No inciso II do art. 81 do CDC, temos que também podem ser objeto de tutela coletiva os interesses
coletivos transindividuais de pessoas determinadas. Só que aqui o titular não é a sociedade, mas uma
comunidade (um grupo, categoria ou classe) que também será toda ela atingida pela decisão. A ligação
dessas pessoas aqui se dá não por uma circunstância fática, mas por uma relação jurídica base.

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Direito do Consumidor

Individuais Homogêneos
No art. 81, inciso III, do CDC, temos que também podem ser objeto de tutela coletiva os interesses ou
direitos individuais homogêneos. Sua tutela foi inaugurada pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo
assim considerados os direitos de natureza inicialmente individual e divisível (isto é, de titularidade de
pessoas determinadas), mas que decorrem de uma origem comum, não necessariamente de um
mesmo fato, mas de alguns fatos entrelaçados, passando, por uma ficção jurídica, a ser considerados
como direitos coletivos, sendo, pois, tutelados pelo microssistema de processo coletivo. De acordo com
o STJ, é necessário haver um número relevante de pessoas lesadas e também uma relevância social a
justificar a aplicação da tutela coletiva.

A possibilidade surge sempre que for possível no caso concreto o ajuizamento de ação em litisconsórcio
facultativo. Mas, para que seja proposta a ação coletiva, é sempre necessário o ajuizamento da mesma
pelos legitimados do art. 82 do CDC, que serão estudados posteriormente. A ação coletiva que envolva
direitos individuais homogêneos tem uma peculiaridade, que são seus dois momentos: a primeira fase
será a de propositura pelos legitimados citados, que buscarão o reconhecimento e declaração do dever
genérico e ilíquido de indenizar (art. 95) e a segunda é a de habilitação dos beneficiados na ação, para
liquidarem a dívida e a executarem (art. 97). Sendo assim, ultrapassada a etapa de conhecimento que
não levará em consideração os aspectos individuais de cada um para que o escopo da tutela coletiva
seja atendido, especialmente a celeridade e economia, chegaremos à etapa de execução, quando a
condenação genérica virá a se individualizar, podendo aí sim cada um dos lesados, individualmente
considerados, em nome próprio, liquidar e executar o seu dano, em até cinco anos, contados do
momento em que for amplamente divulgado esse título executivo judicial – é aquilo que a doutrina
chama de liquidação imprópria, pois, além da liquidação, é necessária a demonstração de que a pessoa
se enquadra em tal moldura, para que execute efetivamente os valores, o que será feito no foro do
domicílio dos próprios consumidores??? (arts. 101, I, e 103, §3 o, do CDC; e art. 475-B do CPC). Ainda na
forma do art. 97 do CDC e também do seu art. 98, a liquidação e a execução poderão ser coletivas, pelos
legitimados do art. 82, conjuntamente e sem prejuízo à liquidação e à execução pelos consumidores
individuais, que terão preferência no pagamento (art. 99), ou se decorrido o prazo de um ano sem que
haja habilitação dos interessados em número compatível com a gravidade do dano, sendo em ambos os
casos o produto da indenização destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (art. 100, caput e
parágrafo único) – a execução coletiva também é conhecida por reparação fluida, porque visa impedir o
enriquecimento sem causa; ressalta-se que essa fluid recovery só tem aplicação nos direitos individuais
homogêneos. Finalmente, também é importante mencionar que, se a sentença da ação coletiva não for
de procedência, mas sim de improcedência, não haverá óbice para que os consumidores ajuízem suas
ações individuais.

Não se pode cogitar de assistência por parte dos consumidores individualmente considerados nas ações
coletivas, a não ser quando se tratar de ação coletiva de direitos individuais homogêneos, que, como
têm claramente identificados os seus titulares, esses podem ingressar como assistente dos legitimados
para o ajuizamento das ações coletivas, constantes do art. 82, na forma do art. 94 do CDC.

Legitimidade
A legitimidade ao ajuizamento de ações coletivas é concorrente e disjuntiva, não inibindo a atuação de
um a dos demais (art. 82, CDC). A natureza dessa legitimidade é extraordinária por substituição
processual (art. 6o, CPC), pois defendem em nome próprio interesse alheio. Também tem legitimidade a
Defensoria Pública, como instituição autônoma, conforme previsão expressa no art. 5 o da Lei 7.437/85.

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Direito do Consumidor

Competência
Em termos de competência para o julgamento de uma ação coletiva temos o art. 93 do CDC, aplicável a
todas as espécies de direito coletivo, apesar de inserido no capítulo referente aos direitos individuais
homogêneos. Bom, a natureza jurídica do fornecedor é importante para o efeito de verificação da
competência da Justiça Federal (art. 109, I, da CF), ainda que o dano atinja apenas determinado Estado
ou região. Da mesma forma, importante é a extensão do dano real e potencial para o efeito de fixação
da competência da Justiça Estadual (art. 93 do CDC): em caso de dano local, a competência será da
comarca mais próxima de onde ocorreu ou deva ocorrer o dano; em caso de dano regional, no foro da
capital do Estado ou no do Distrito Federal; em caso de dano de âmbito nacional, a competência será do
STJ – art. 93 do CDC.

Aproveitando o ensejo, importante mencionar que no art. 104 do CDC temos a concomitância de ação
coletiva com ações individuais, não havendo que se falar em litispendência, mas segundo o STJ deverá o
juiz suspender a demanda individual até que se julgue a coletiva.

Regime de Coisa Julgada da Tutela Coletiva


As seguintes regras gerais quanto aos efeitos da coisa julgada devem ser são observadas:
 A decisão favorável beneficiará todo o grupo de pessoas, determináveis ou indetermináveis;

 Sendo o pedido julgado improcedente por insuficiência de provas, é possível renovar a ação
com idêntico fundamento, desde que se tenha nova prova;

 Terá eficácia erga omnes a sentença em ação coletiva em defesa de direitos coletivos, exceto
no caso de julgamento improcedente por ausência de provas, quando não serão atingidos os
consumidores individualmente considerados (art. 103, I, do CDC). Essa regra se aplica também
na ação que se dê em defesa dos direitos coletivos de titularidade de pessoas determinadas,
mas nela falaremos em eficácia ultra partes (inciso II). Na ação coletiva em defesa dos direitos
individuais homogêneos, a decisão genérica, prolatada na primeira fase, reconhecendo a
responsabilidade do réu, também beneficia a todos os consumidores (art. 95), tanto é que na
fase posterior (art. 97), em que se faz a habilitação individual e a averiguação do montante
devido, não há necessidade de nova sentença condenatória.

 Vimos anteriormente que, em princípio, não se pode cogitar de assistência pelos consumidores
individualmente considerados, a não ser quando se tratar de ação coletiva que envolva direitos
individuais homogêneos, que, como têm claramente identificados os seus titulares, eles podem
ingressar como assistente dos legitimados do art. 82 para a ação coletiva, na forma do art. 94 do
CDC, o que também significa dizer que a coisa julgada sempre atingir tais assistentes, seja ela
de procedência ou de improcedência, salvo neste caso a que se der por ausência de provas.

Há controvérsia a respeito do art. 16 da LACP, introduzido pela Lei 9.494/97, pelo qual a sentença civil
faria coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator. Porém, para Ada
Pellegrina Grinover “limitar abrangência da coisa julgada nas ações civis públicas significa multiplicar
demandas”, não sendo, pois, razoável tal limitação ao órgão prolator. A despeito dessa fundamentação
consistente, a jurisprudência ainda diverge a respeito do assunto.

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Direito do Consumidor

Custas e Gratuidade
As ações coletivas são gratuitas, não havendo que se falar em recolhimento de custas processuais,
emolumentos, honorários periciais e outras despesas, nem condenação em honorários de advogados
quando a parte autora for uma associação (art. 87 do CDC; e art. 18 da LACP), inclusive as execuções de
natureza coletiva serão gratuitas, salvo as de natureza individuais de interesses e direitos individuais
homogêneos, uma vez que neste caso os valores recolhidos não se destinam a um fundo de interesses
difusos mediante execução coletiva, mas sim individualmente por cada consumidor, que isoladamente
serão considerados e beneficiados.

Termo de Ajustamento de Conduta - TAC


Uma característica de grande importante da tutela coletiva é a indisponibilidade, não podendo o titular
dela dispor. O chamado Termo de Ajustamento de Conduta pode até ser feito, mas porque não tem
natureza acordo, nem qualquer detrimento na tutela do direito coletivo.

Com efeito, além da ação coletiva e com o objetivo de se evitar o seu ajuizamento, poderá ser ajustado
o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, com fundamento no art. 5º, §6º, LACP, por órgãos públicos
legitimados, como o MP e a DP, para que as partes se comprometem a adequar sua conduta, sob pena
de multa pecuniária, aqui indispensável e inafastável, vez que decorrente de exigência legal, observada
na expressão “mediante cominações”. Nota-se que o TAC é uma solução extrajudicial, de iniciativa de
órgão público, com objetivo de cessação de determinada conduta considerada lesiva aos consumidores;
não se trata de transação, pois não existem concessões mútuas, mas de ajustamento de conduta à lei; o
legitimado apenas se compromete a não ajuizar ação coletiva, pela eventual perda do seu objeto. Por
fim, importante atentar que o TAC não cabe em se tratando de pretensões individuais, nem nos direitos
individuais homogêneos.

Exemplo de caixa de observação:


Título da observação
Texto da observação. Texto da observação. Texto da observação. Texto da observação. Texto da
observação. Texto da observação. Texto da observação. Texto da observação. Texto da observação.
Texto da observação.

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