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O cavalo e Seu Menino – Coragem e Nobreza

A terceira das Crônicas de Nárnia narra a história de quatro personagens: Shasta,


Aravis, Bri e Huin.

Shasta e Aravis eram fugitivos. O menino fugiu de seu padrasto para não ser vendido
como escravo, e a menina fugiu de sua família devido um casamento arranjado com o vizir do
rei da Calormania, que não lhe agradava muito. Huin e Bri eram uma égua e um cavalo falantes
de Nárnia, que por muito tempo viveram entre os cavalos não falantes.

Em determinado momento da fuga de Aravis, encontra-se escondida nos aposentos


do rei da Calormania, Tisroc, e descobre que seu filho, o príncipe Rabadash, estava muito
obstinado em casar com a rainha Susana, de Nárnia, que planejou um ataque surpresa para
enfraquecer o reino de Nárnia, e assim conseguir sequestrar Susana. O desejo de Rabadash
cegou tanto seu entendimento bom senso que chegou a dizer:

“-mas eu quero a moça – bradou o príncipe. – Eu preciso da moça! Vou morrer


sem... sem aquela falsa, soberba, aquela traiçoeira filha de um cão sarnento! Já
não posso mais dormir, o melhor alimento não me apetece, os meus olhos estão
ofuscados pela beleza daquela bárbara. Preciso da rainha bárbara.”, ao ponto do
vizir dizer: “- como disse tão bem o divino poeta – observou o vizir, erguendo o
rosto um tanto empoderado -, ‘uns bons goles na fonte da razão ajudam a apagar
o fogo do coração’.”

Entretanto, o príncipe calormano não segue o conselho, e persistindo em seu desejo


irracional convence seu pai, o rei, a entrar em guerra contra Nárnia, por causa do “amor” a
uma mulher. Tendo conhecimento disso, quando pode fugir, Aravis corre ao encontro de
Shasta e conta os planos do príncipe Rabadash.

A partir disso o quarteto de protagonistas parte em uma jornada em direção a


Nárnia, em uma corrida contra o tempo para alertar os narnianos do ataque eminente, porém
essa jornada não foi nada fácil. Eles teriam que cruzar o deserto de clima variante, a noite fria
e os dias quentes, até alcançar o seu destino. A longa caminhada, e o frio seguido do calor,
pouco a pouco roubava as forças dos quatro, deixando-os a beira da desistência. E o
sofrimento só aumenta quando chegam a um oásis, onde não podem descansar, pois a
comitiva calormana avançava muito, e estava cada vez mais próximos a eles, eles tinham que
correr, e aplicar todas as forças que ainda tinham na tentativa de evitar que os calormanos
chegassem antes deles, e causassem uma guerra tola e desnecessária.

Para agravar a situação descobre que uma criatura também estava seguindo-os, e
estava bem próxima, “[...] uma criatura imensa e fulva estava atrás deles, com o corpo
roçando no chão, como um gato que se prepara para saltar a uma árvore quando um cachorro
estranho entra no quintal. E se aproximava cada vez mais.”, na frente deles, a única passagem
era um portão guardado por um eremita, e enquanto cavalgavam Huin foi atacado por um
leão, corajosamente Shasta salta de Bri, e corre ao socorro de Huin e Aravis.

“Shasta puxou os pés dos estribos, virou as pernas para o lado esquerdo, hesitou
durante um pavoroso centésimo de segundo e pulou. Doeu horrivelmente, mas,
antes der= ter consciência disso, já ia cambaleando para ajudar Aravis, Jamais
tinha feito uma coisa dessas em toda a sua vida e mal sabia o por que estava
fazendo isso naquele instante... o leão ergueu-se nas patas traseiras, imenso, e
estendeu as terríveis garras da pata direita para Aravis, que deu um grito e
rodopiou sobre a sela. O leão atingiu os ombros dela. Transtornado pelo terror,
Shasta conseguiu aproximar-se da fera, sem um porrete, sem uma pedra na mão.
Gritou, bobamente, como se o leão fosse um cachorro: ‘vai para casa! Já para
casa!’ por uma fração de segundo viu-se cara a cara com o leão, um palmo da
bocarra escancarada. Aí, para absoluto espanto, o leão, ainda sobre as patas
traseiras, refreando-se de súbito, virou-se e saiu em disparada para trás.”

C.S. Lewis nos mostra que a verdadeira nobreza não provem das pessoas nascerem
em berços de ouro, ou, em caixas de papelão, nobreza é aquela demonstrada pelo caráter que
a pessoa carrega consigo, além disso, nosso caráter é realmente medido nas situações que
devemos agir sem pensar, pois não muitas vezes as pessoas podem fingir ser o que não são.
Naquele momento Shasta, o menino que havia sido criado em um pobre lar, mostrou a
verdadeira nobreza ao demonstrar coragem ao enfrentar um leão para salvar seus amigos.
Shasta mesmo sendo pobre demonstrou mais nobreza que o príncipe Rabadash, porque
nobreza não é algo que diz respeito a posses, mas sim ao caráter, e a falsa nobreza é pomposa,
enquanto a verdadeira é sacrificial.

O caráter de Shasta ainda teria mais uma prova. Logo depois de enfrentar o leão,
Shasta e os demais correm para o abrigo do eremita, mas este o diz a Shasta que ele ainda não
pode parar, e que se seguisse correndo adiante chegaria primeiro que Rabadash e evitar o
ataque. O fadigado Shasta estava aprendendo que “A recompensa de uma boa ação é
geralmente ter de fazer uma outra boa ação, mais difícil e melhor.”, e Shasta prosseguiu.
Aqui C.S. Lewis quer nos ensinar é que Deus tem um jeito criativo de capacitar seus servos.

“Nossa experiência de ápice de Deus e a graça dele são maravilhosas, e nos


causam gratidão e regozijo. Porém Deus nunca nos deixa no ápice. Uma vez que
temos sido nutridos e aprendido a obedecer na luz do sol da presença sentida de
Deus, envoltos em sua cerca de proteção, ele então nos envia para fora do campo,
para o deserto, onde o calor da tentação suga nossa força e o refrigério espiritual
é difícil de aparecer. No deserto muitos se perdem, muitos desistem, ou, cedem as
tentações, mas aqueles que conseguem resistir, são aqueles que sabem
profundamente em seus ossos que eles não devem estar surpresos por tais
desafios e tentações, como se algo estranho estivesse acontecendo com eles.”

(Joe Rigney. Live Like a Narnian)

Essa era a lição que Shasta estava aprendendo a duras penas. Seu caráter estava
sendo moldado para que sua nobreza fosse forjada. O nosso destino é mais importante do que
a forma como caminhamos até ele. No percurso ficaremos cansados, nossas forças serão
sugadas, nos sentiremos desprotegidos e ameaçados, porém devemos lembrar que as
recompensas oferecidas por Deus são maiores que o sofrimento. O peso da glória é maior que
o fardo da dor. Enquanto Shasta corria em direção ao seu destino, lutando contra o cansaço,
Aravis, Huin e Bri descansavam com o eremita. Por causa da atitude de Shasta eles perceberam
seus erros de conduta e se arrependem deles. Em especial Bri, que ouviu do eremita:
“Você não é propriamente o grande cavalo que pensava ser, por estar vivendo
entre infelizes cavalos mudos. É claro que era mais valente e mais inteligente do
que os outros. Mas você não podia ser de outra forma. Isso não significa que será
alguém especial em Nárnia. Mas, enquanto souber que é ninguém em especial,
será um cavalo muito honrado.”

Aprendemos que nossas atitudes corretas podem influenciar pessoas a


reconhecerem seus erros, e buscarem mudança. A caminho de seu destino, Shasta encontra o
rei Luna, da Arquelândia, e conta tudo sobre o ataque calormano, e em seguida partem para
Nárnia, mas infelizmente Shasta acaba se perdendo devido o nevoeiro. Sem esperança,
perdido, sem saber como voltar, e com medo de prosseguir, o menino se encontrar com os
inimigos. Shasta se desespera e chora, e nesse momento Aslam vai ao seu encontro e o
acompanha de modo invisível, até que Shasta clama por ele, e ele aparece como leão, e seu
hálito lhe dá confiança. Aravis entende que não existiam dois leões, um mau que os perseguiu
no deserto e os atacou, e um bom que é Nárnia, mas havia apenas um só leão. O “Eu sou o
Leão - disse Aslam”:

“Fui eu o leão que o forçou a encontrar-se com Aravis. Fui eu o gato que o
consolou na casa dos mortos. Fui eu o leão que espantou os chacais para que você
dormisse. Fui eu o leão que assustou os cavalos a fim de que chegassem a tempo
de avisar o rei Luna. E fui eu o leão que empurrou para a praia a canoa em que
você dormia, uma criança quase morta, para que um homem, acordado à meia-
noite, o acolhesse. O Leão tocou a fronte de Shasta com a língua, os olhos de
ambos encontraram-se. Depois, instantaneamente, a brancura da névoa
misturou-se com o brilho ardente do Leão, num redemoinho de glória, e dos dois
sumiram. Shasta se viu só, com o cavalo, na relva de uma colina, sob um céu azul.
Todas as aves do mundo cantavam.”

Shasta havia descoberto que Aslam tinha absoluto controle de sua vida. Aslam
impediu que o menino morresse quando criança, ele também o livrou do perigo da morte, foi
seu consolador no momento necessário, foi ele quem o guiou em seus caminhos, até mesmo
nos sofrimentos. Aslam estava por trás deles. Ele foi o leão que os atacou, para que
encontrassem força e se apressassem para informar os narnianos sobre o ataque. Shasta podia
chorar diante de Aslam, demonstrar seus medos, dores e sofrimentos, pois Aslam estava por
trás de tudo, em Aslam ele encontrou alívio em suas aflições e a paz de sua alma conflituosa.

O desfecho está em Shasta já no final de suas forças conseguindo transmitir as


informações sobre o ataque, impossibilitando o sucesso dos calormanos. No final descobrimos
que Shasta era na verdade Cor, filho do rei Luna, herdeiro legitimo do trono da Arquelândia, e
irmão gêmeo de Corin, um amigo feito durante a jornada.

Cor havia sido sequestrado quando ainda era bebê, pois foi revelada uma profecia
que dizia que ele salvaria a Arquelândia do maior perigo que ela já enfrentou. Embora o Rei
Luna tenha derrotado o sequestrador, um traidor de sua corte, ele perdeu a criança. Mas,
Aslam estava por de trás dessa história, porque ele está por de trás de TODAS as histórias. O
que os homens intentaram para o mau, Aslam intentou para o bem. Tudo aconteceu de forma
ordenada para que a profecia se cumprisse.
Em um mundo de falsa humildade e nobreza, C.S. Lewis nos chama a mostrar a
verdadeira nobreza de caráter, “o mundo é um lugar complicado, mas o âmago da nobreza é
simples: sacrifício coroado com alegria” (Douglas Wilson, O Que Aprendi em Nárnia), mas
ainda que seja simples, não quer dizer que seja fácil. Também aprendemos que Cristo, na
figura de Aslam, está por de trás de todas as nossas histórias, ele tanto nos livra dos perigos de
morte, quanto nos leva para o deserto, sem nunca nos abandonar. Ele nos dá sofrimentos, mas
todos eles conduzem à esperança se buscarmos o calor de seus braços. Tais sofrimentos
podem ser mentais e fisicamente suportáveis, mas através do Espírito Santo que em nós foi
derramado encontramos força para um último esforço, e basta que encontremos a Cristo, para
que molhemos seus ombros com lágrimas de dor encontremos o consolo tão esperado. Bri
também descobriu isso quando encontrou Aslam.

“-Sem dúvida, quando falam dele como sendo um leão, estão querendo dizer que
é forte como um leão. Mas é falta de respeito. Se ele fosse um leão, seria um
animal como qualquer um de nós. Ora essa! (e Bri começou a rir.) Se fosse um
leão, teria de ter quatro patas, uma cauda, e suíças!... Rá, ru, ru. Socorro.”

Mesmo se orgulhando de ser um cavalo falante narniano, Bri não acreditava que
Aslam fosse um leão. Mas, aslam fala para ele:

“-Bri, meu pobre, meu orgulhoso e assustado cavalo, chegue perto de mim. Mais
perto, filho. Não ouse não olhar. Toque-me. Aqui estão minhas patas, aqui está a
minha cauda, aqui estão minhas suíças. Sou um verdadeiro animal.

-Aslam – disse Bri, com voz estremecida-, acho que sou um estupido.

-Feliz o cavalo que sabe disso ainda na juventude. Ou o humano.”

O orgulho de Bri foi revelado em estupidez. Não raras vezes as pessoas se orgulham
em ser cristãs, sem de fato conhecer a Cristo, assim como Bri, colocam-se como superiores aos
outros cavalos mudos, esbanjando soberba, e arrotando arrogância. Mas, assim como Tomé, a
descrença de Bri foi curada, e percebeu sua tolice. Nós também devemos buscar a Cristo para
o quanto antes a nossa tolice, pois podemos acumular estupidez durante a vida, e nos tornar
velhos insensatos. Busquemos a nobreza e evitemos a estupidez, e estejamos preparados para
os sofrimentos que estejam em nossa frente, não importa o nosso passo, mas nosso destino.
Algumas vezes correremos, em outros andaremos, e em outros, talvez até rastejar, mas Deus
está nos fortalecendo se fielmente persistimos em obediência, recebermos a coroa de glória,
para sermos verdadeiro nobres em uma nova Nárnia e Arquelândia, onde não haverá tristeza,
nem lágriamas, nem dor.

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