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07/08/2017 Direita e Esquerda: o que esses termos significam na política, afinal?

Direita e Esquerda: o que esses termos significam na


política, afinal?
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03/11/2016

Com a queda da União Soviética e hegemonia do capitalismo por meio da globalização, muitos dizem hoje que
os termos esquerda e direita não possuem muito sentido. Esse tipo de afirmação demonstra um certo
desconhecimento (ou mesmo má-fé sobre essa questão) a respeito da origem desses termos, além de
confundir sua suposta superação com as mudanças pelas quais passaram alguns grupos políticos, quando estes
em nenhum momento deixaram de se encaixar nessa definição clássica.

A esquerda e a direita vão muito além do contexto da Guerra Fria. São termos que, na verdade,
englobam variadas vertentes, das mais radicais às mais moderadas, e que não pertencem à dicotomia que existiu
entre socialismo real, capitaneada pela extinta União Soviética, e capitalismo, capitaneado pelos EUA. Assim como
é um erro decretar o seu fim, baseando-se na sua aparente diluição observada na política representativa.

Então, o que exatamente esses termos significam? Realmente são termos datados para definir quem é quem na
política atualmente? Ou esses termos nada mais são que uma forma, simplificada, mas prática, de definir a nossa
postura diante do status quo, o que os deixa mais atuais do que nunca antes?

A Revolução Francesa e a origem da Esquerda e da Direita

Assembleia francesa em 1789: os representantes do status quo à direita; os representantes do povo à


esquerda.

As origens da oposição política “esquerda x direita” remontam à Revolução Francesa, devido


às posições físicas que os partidários de certas reivindicações e propostas ocupavam na Assembleia.

Em 1789, o então novo ministro, Necker, convenceu o rei a convocar a Assembleia dos Estados Gerais, que não
se reunia desde 1614. Os que ficavam à direita do rei na assembleia eram os que defendiam a antiga ordem.
Eram compostos basicamente por aristocratas (nobreza) e o Clero. Eles defendiam a ordem estabelecida da
época, o status quo, isto é, a classe dominante e o direito hereditário ao poder.[1]
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Quem ficava à esquerda, o chamado Terceiro Estado, defendia a igualdade de condições dentro da sociedade,
independentemente dos privilégios concebidos pela hereditariedade que a aristocracia tinha (lembremos que na
antiga ordem Feudal, somente os nobres poderiam ter posses). Essa posição era composta por representantes de
98% da população francesa, entre eles os que futuramente seriam chamados de Jacobinos e os Girondinos.
Quem ficava do lado direito defendia a conservação do poder pela classe dominante, e quem ficava do
lado esquerdo defendia a igualdade de condições.

Portanto, a burguesia , representada pelos Girondinos, ficava à esquerda da assembléia formando um único bloco
composto também pelos trabalhadores da cidade e pelo campesinato, todos reivindicando igualdade social e a
quebra da ordem feudal. No futuro, a igualdade conquistada será suficiente para o primeiro grupo (burguesia), mas
o segundo continuará reivindicando igualdade.[2]

“A pressão externa resultou, internamente, numa radicalização revolucionária. A unidade inicial do terceiro estado
contra os aristocratas desapareceu, cedendo lugar a uma complexa composição político-partidária, na qual se
destacariam dois partidos: 1) os girondinos, formados pela alta burguesia que defende as conquistas da revolução,
mas não quer mais avanços nas concessões aos trabalhadores e às classes pobres, os chamados sans-culottes; e
2) os jacobinos, pequena e média burguesia que, sob a liderança de Robespierre, quer mais avanços, contando
com o apoio das massas populares.” [3]

O rei, mediante a radicalização da revolução, começa a apoiar os Girondinos, que passam para a direita nas
assembleias seguintes. É a partir dessas assembleias, com os Girondinos sentados à direita, que “nasce” a
concepção histórica de “direita x esquerda” e entendemos esse evento como marco inicial da polarização politica
que usamos até hoje. Direita e esquerda, como são entendidas hoje, tem sua origem remetida neste ponto da
revolução.

O objetivo aqui não é uma descrição profunda dos eventos que formaram a Revolução Francesa, portanto, para
mais detalhes, estão disponíveis links abaixo deste texto.

Quando os termos esquerda e direita passam a definir o posicionamento político diante do


status quo

A Comuna de Paris.

Após vários eventos, os Girondinos tomam o poder e colocam na liderança da primeira república francesa, por
meio de um golpe de estado, o oficial Napoleão Bonaparte. Inicia-se o período Bonapartista na Europa,
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Napoleão proclama-se imperador em maio de 1804 e parte para uma série de conquistas territoriais e, inspirado
pelo Império Romano, tenta unificar a Europa sob um único líder.

Após a queda de Napoleão e da desfragmentação de suas conquistas territoriais, houve o aniquilamento de


praticamente todas as monarquias absolutistas na Europa, assim como o fim dos privilégios da antiga ordem feudal
e quase todas as colônias europeias na América tornaram-se independentes.[4] A geopolítica ocidental se
remodelava em torno de uma “nova” classe dominante, exclusiva e absoluta, a Burguesia.[5] O termo “esquerda x
direita” começava a ser usado pelos escritores da época, e sempre respeitando a seguinte premissa:

Direita: conservação do status quo e defesa dos ideais da classe dominante, tendo ela adotado costumes voltado
ao mercado, no entanto, vale ressaltar, que não abandonou os antigos costumes estamentais, que valorizavam o
prestígio como elemento hierárquico de distinção social.

Esquerda: mudança no status quo e reivindicação da igualdade perante a classe dominante, ou de concessão de
maiores direitos sociais e econômicos.

Perceba que a direita, representada pela burguesia, valorizava o prestígio como elemento hierárquico, portanto a
igualdade conquistada na Revolução Francesa foi parcial, e não beneficiou totalmente os 98% de franceses que se
colocavam à esquerda nesse período revolucionário.

Em 1848, na Europa, aconteceram as primeiras grandes movimentações populares contra essa nova classe
dominante, os trabalhadores se levantaram contra a burguesia, reivindicando igualdade social. Portanto
a burguesia, nesse contexto, configurada como classe dominante, com a premissa de conservar a atual ordem
social, foi definitivamente empurrada para direita, assim como seus defensores.

Sempre que uma ideologia ou movimento politico surgia pela defesa do capital, pela liberdade parcial conquistada
na revolução francesa e pela conservação do status quo, ele era classificado como de direita, e, se um movimento
surgisse contra o capital, reivindicando ampla liberdade e contra o status quo [6], era imediatamente classificado
como de esquerda. No Manifesto Comunista, de 1848, Marx já classifica a burguesia como direita (e ele não foi o
primeiro). O surgimento ou o crescimento de um movimento dentro da esquerda proporcionalmente faria surgir ou
crescer um movimento oposto na direita, e vice-versa.

Com as movimentações operárias, a Liga dos Comuns e a crescente influência de Marx, a esquerda passa a
incorporar a ampla defesa dos direitos trabalhistas (proletários).

O debate acerca da Social-Democracia e a Revolução Russa de 1917 reforçam qualquer defesa pelo
Capitalismo para a direita.

A emergência do Keynesianismo pós Crise de 1929 e dos Estados de bem-estar social, com suas politicas
intervencionistas, reforçam a oposição entre liberdade de mercado e intervenção do Estado na economia.
Logo, esse conceito de liberdade econômica só é reforçado na direita como uma oposição ao estado de bem-
social, que automaticamente passa a configurar na esquerda (principalmente defendido pela Social-Democracia).

O objetivo deste breve histórico foi mostrar que o liberalismo é de direita, mas nem toda a direita é liberal,
porque existem algumas questões fundamentais: a burguesia, a conservação do status quo e a defesa do
capitalismo. Os reacionários monarquistas também estavam na direita. Portanto, um Estado ditatorial, com
políticas de controle da economia, apoiado e sustentado por uma parte da elite burguesa, com o propósito de
realizar intervenções estatais visando a manutenção e/ou a ampliação dos privilégios dessa elite burguesa, não
seria Liberal (por motivos óbvios), mas isso não descaracterizaria sua posição no espectro político, que é
de direita, assim como seria de direita um partido que defendesse esses pontos em seu plano de governo.

Marx exemplifica bem como a ordem burguesa, mediante a crise do capital, e, consequentemente, a perda do
controle das massas, desembocaria em um regime capitalista duro, tirano, a fim de entregar-se aos seus negócios
privados sob a proteção de um governo forte e autoritário. Deste modo, fica claro que a intervenção estatal não
pode ser classificada diretamente como uma política de esquerda, porque tudo depende de qual é o objetivo que
essa política intervencionista se propõe.

Ainda, como o historiador Boris Fausto salienta:


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“[…] essas noções [direita e esquerda] não constituem abstrações imutáveis, aplicáveis a qualquer situação
histórica e a qualquer país. Mais ainda, pelo menos uma parte de seus conteúdos transita da direita para a
esquerda e vice-versa, o que significa a impossibilidade de se estabelecer fronteiras rígidas do espectro político.
Tendo em vista essas ressalvas, autores como René Rémond, ao lidar com a questão, preferem falar em “direitas”
no plural, distinguindo umas das outras para maior clareza. Rémond introduz pontos de gradação — o centro, o
centro-direita, o centro-esquerda —, recusando um esquema binário que lhe parece não dar conta da fisionomia
das diversas correntes políticas. Passando ao contexto brasileiro, a partir das primeiras décadas do século XX,
para estabelecer uma data, podemos identificar alguns princípios comuns a um leque de correntes que, por suas
concepções, formam o espectro político da direita. Os principais deles me parecem ser a defesa de uma ordem
autoritária, a repulsa ao individualismo em todos os campos da vida social e política, o apego às tradições, o papel
relevante do Estado na organização da sociedade. Esse recorte exemplificativo deixa portanto de incluir a ideologia
liberal, mesmo a mais conservadora na “família da direita”, dadas suas concepções sobre a soberania e a
representação.” [7]

Vale lembrar que neste texto tratamos da origem histórica dos termos “direita e esquerda”, fizemos uma definição
básica desses posicionamentos políticos, porém eles possuem uma maior complexidade, além de possuírem
ramificações, das quais trataremos em futuros artigos.

Referências:

• SCIELO – PARTIDOS, PROGRAMAS E O DEBATE SOBRE ESQUERDA E DIREITA NO BRASIL


• UOL Educação – Revolução Francesa (2): Direita e esquerda: contenção e radicalização

Para saber mais:

• BEUD, Michel – História do Capitalismo


• MARX, Karl – O 18 Brumário de Luís Bonaparte
• BOBBIO, Norberto – Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política

Notas:

[1] Na época da Revolução Francesa, esse domínio estava totalmente desgastado e seriamente ameaçado pela
burguesia.
[2] É necessário frisar que foi considerado o contexto social da França na época tratada, pois o poder da burguesia
como classe variava muito entre os países europeus, tanto é que considera-se a primeira revolução burguesa da
História a Revolução de Avis em Portugal no século XIV.
[3] Parágrafo retirado desse texto http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/revolucao-francesa-2-direita-e-
esquerda-contencao-e-radicalizacao.htm
[4] A independência dos EUA é anterior à Revolução Francesa, e marca o aprofundamento das revoluções
burguesas no mundo.
[5] A ascensão burguesa nesse caso não sugere uma ruptura drástica, já que a formação e ascensão da burguesia
remontam 500 anos de história até a Revolução Francesa.
[6] Ser um grupo de esquerda contra o status quo não implicava diretamente em querer uma mudança drástica da
sociedade, já que dentro desses grupos permeavam os chamados reformistas de esquerda (os utópicos, por
exemplo) que propunham mudanças em setores chaves da sociedade, mas sempre com a premissa de que essas
reformas gerariam igualdade social.
[7] O pensamento nacionalista autoritário: (1920-1940) (Descobrindo o Brasil)” de Boris Fausto.

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