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Lotz, J. B.

“A Diferença Ontológica Em Kant, Hegel, Heidegger e Tomás De


Aquino.” Revista Portuguesa De Filosofia, vol. 33, no. 1, 1977, pp. 21–36.
JSTOR, www.jstor.org/stable/40335457. Accessed 12 Mar. 2021.

A diferença ontológica
em Kant, Hee e l , H e ide e1ier
e Tomás d e Aquino•

No 70.• onwerscirio de Mo:e Maller

Terminológica e objectivamente, foi em Heidegger que a dife-


remça ontológica encontrou o seu cunho temãtico. ~ o que revela
o volume primeiro da edição completa das suas obras, publicado
recentemente com o t!Mo ,Problemas fW1damentaia da Fenome-
nologia» (c·Die Gnmdprobleme der Phlinomenologie:t, «Philn:t,
Frankfurt, 1975), reproduzindo as Lições do semestre do verão
de 1927 em iMarburgo. Surgiu portanto no ano do a,parecimento
de «Ser e Tempo» («Sein und Zeíb -SZ). Neste volume dedica-se
um longo capitulo (322-469) à diferenÇa ontológica., com o
titulo «O Problema da 'Diferença ontológica.>. Jt, aliás, o último
capitulo do volume; o piano coi:npleto das Lições compreende tr&!
partes, cada wna delu com quatro capítulos; 86 a prdmeira parte
e o ,primeiro capitulo da segunda .foram dados. Em nenhuma das
suas obras conhecidas até ao presente, Heidegger se ocupa tão
a rondo como aqui da dlferenÇa ontológica, ae bem que esta se
encontre na ba.se de todas as suas outra.s elllpOsições, eobretudo
em .:Seln und Zeib. Uma posição especial, ,neste sentido, ocupa o
pequeno opúsculo ddentidade e iDlferenÇa:t (cldentitit und
Differenz,. - JD, Pfullingen, 1957) na medida em que, desde
ai, continuando (i certo o pensamento a girar em torno da dife-
rença, porém, não vdlta esta a ser empregada como diferença

• Traduçl.o de M&ouel Losa.


Elle 11.rtlgo re.rere-ae a Kant e H~I : Heidegger e Tomãa de Aquino
vtrlo num pr6xlmo ~ a publicar no oebnero de<tic&do a Heidegger. N. do T.
lll
22 REVIS TA PORTUGUESA DE F ILOSOFIA

ootc!ógíca; pois •Ser e ente• são cipala.vraa-cl!avc da metafisica»,


ao -passo que a «origem• da diferença já ~se não pode pensar no
imbito da metafísica• (69 s.). Uma vez que co diferente provém
da di-ferença.i. (70), os membros entre os quais ela se estende,
têm que ser determinados de cada vez a partir dela. Esta é uma
visão que Heidegger a,penas sugere, sem a desenvolver, e é por
isso que a nossa e,aposição se atém à diferença enquanto onto-
lógica. que é descrita como ca d.i.!tinção de ser e ente,, (Phii.n 321).
A dll'erenÇa chama-ae onto-lógica porque o ente (;,,) encontra no
ser o fundam.ento ( lóyc;) que lhe corresponde; para ela aponta
Heidegger no texto supra mencionado, ao contar também entre as
palavras-chave da metafisica o cfundamento--fundamentado•
( cGrund-GegrUndetes>) (ID 70). Esta distinção tem consequências
no pensamento; como a razão percebe o ser, a inteligência pode
compreender o ente; a manifestação do ser ( <il'l\9,.. ) possibilita a
&88lmilação a.o ente (;p T6811,) , e nesse fenómeno nós, graças à
revelação do ser, deixamos o ente ser ele mesmo, ou seja, este é
descoberto como ele mesmo (a este ipt'Qj)Õsi to, ver sobretudo e Sdbre
a essência. da ,verdade• cVom Wesen der Wa!hrlheib - (pl.lbllcado
pela. ,primeira vez em Franlllfurt, 1943). Segundo isto, o ser é o
fundamento 4>elo qu.a l o ente é ele mesmo, ou seja, precisamente
ente e se revela como ele mesmo.
IA exiplicitação prowsóri.a da diferenÇa ontológica ganha con-
tornos mais definidos quando ~aminamos se e como é que ela
actua em outros fUósofos; é que aquilo que foi temati.zado por
Heidegger deixou já vestigios também em correntes de pensamento
masis antigas. Voltamo-nos em iprimeiro lugar :para Kant, de cuja
influêDCia profunda em Heldegger dã.o testemuniho eloquente não
81J)enas o !livro «Kant -und das Problem der Metapbyslk,. (Bonn,
1929), mas também o curso a.cima mencionado• Em Kant, a dife-
rença ontológica não tem relevã.ncia; o ente não é atingido
enquanto ente, ,porque falta a revelabllldade do ser e assim, não se
slJ!)era o esquecimento do ser. Em seguida ,passamos a Hegel, de
quem Heidegger se ocupa. tanto num importante capítulo de
«Hotzwege,. ~rankfurt, 1950) como em 1D; a segunda ,parte deste
escrito é a reda.cção de um <Seminário, que ctenta encetar uma
conversa com Hegel• (37). A distinção entre o wbso1uto e os seus
momentos leva em si a diferença ontológica; esta, porém, exacta-
mente enquanto diferenÇa, em ,virtude do movimento dialéctlco.
não encontra o seu desdobramento total, pelo quê tanto o ente
(2]
1. B. U)TZ- DIFlERIENÇlA ONTOLOGIOA IDM HEGEL 23

(?OIIDOtambém o ser ficam diminuídos ou não são totalmente asse-


gurados como éles ~róprios. Heidegger vai &)ém dos outros dois,
co.quanto ,pensa exipressamente o ente e o ser, 1bem como a res-
pectiva di!ferença, o que inclui o ,pensamento sobre a sua identi-
dade. Contudo esta, ao contrário de Hegel, não é concebida dialec-
tlcamente mas histor icamente, o que faz ,com que o tempo se mani-
feste ,como o ilorizonte que ,possfüilita a diferença e a àdentidade.
Consideram.os os três ;pensadores modernos ultimamente à •luz do
mundo espiritual da Idade Média de Tomás de Aquino, que quebra
o e9q:uecimento do ser reinante em grande esca,la, como também
atesta Gilson (L'li:tre et l'Essence, Paria, 1946) . IAssim, ele não
pensa apenas a :partir da diferença antológica aqui'lo que Heidegger
-lhe concede, mas também, do modo como então lhe era possivel,
até mesmo a 'I)l'Ó!pria diferença, coisa de que Heidegger discorda.
S. Tomás de Aquino avança através do tem,po até à eternidade.
que ié o fundamento do tempo, e ist o fu com que radi-OaJize o
pensamento mais do q ue Heidegger. - A.pós esta resumida
visão de conjunto, tratemos a,gora de desenvalver cada um dos
w tores.

I. Kant erra na diferença ontológjea

Segundo a revira111olta copernfoana operada ,por Kant, o


conhocimento não se orienta como antes, segundo as coisas; as
coisr.a é que se orientam segundo o conhecimento. Oeste modo,
as coisas são conhecidas não como são em sl, mas enquanto
d.eteronlnadas pelo conhecimento. São iportanto conheoidae como
se a.presentam ou aparecem nas condições <humanas de coll'heci-
mento (Kritik d er reinen Vermmft-Crltica da Razão Pu.r a,
XVI-X\IIIII). Segundo isto, temos o ente não enquanto ente em
aí mas pura e simplesmente enquanto aparecendo para nós. ,Por
outras palavras, só atingimos o ente enquanto objecto deter-
mi ncdo 1)0r nós, o que corresponde à •frase; t:<As condições de
possibilidade da e,aperiência são simultaneamente condições de
poss;rbilidade dos objectos da experiência.o {B 197) .
Das condições que exjstem no sujeito, a priori, preparadas
para todos os dados a posteriori, s.penas as duas faculdades
Intuitivas ;puras da sensibilidade e os doze conceitos puros ou
categorias da inteligência possuem wn signifeado constitutivo
[3)
2.t R E VISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

para o conhecimento, ao passo que às três ideias da razão cabe


uma tarefa meramente T8gwlodora. Mais propriamente, as tr&
ideias abrem o em-si enquanto q>rojectos vazios, aos qua.is 6
negada a intuição lntelectue.1 que lhes corresponde e que 011
reedha ; 8Ó Ilies é outor.gada realização no campo pr!tico, atraftll
da té moral nos postu!ladoa•
Como aqui se confirma, em Kant as manifestações referidas
ao homem paBBam para o lugar do ente; não sa.bemos se ela.a se
identificam com o em-si, porque este nos é inacesstvel. ~ o que
quer dizer o resuJtado da dedução transcendental cpor con.se-
gulnte, nenhum conhecimento a priori nos é possivel enquanto
puramente de objectos da experiência pomvel> (B 166). Deste
modo, o 'homem, pelo menos no campo teórico, fica euluido não
só do em,.,n, mas, em consequência disso, ta mbkn do metafiaico.
Fica limitado ao que Lhe é aberto pelas condições humanas
do conhecimento e, por isso, é lançado para a fiflittule que lhe
é própria, o que vem a equiva1er a excluir-se da comunicação
com as outras inte!ligências, prlncip8lknente com a intelig&lcia
abeoluta. S6 a razão pr!tica ultra.passa a finit-ude puramente
humana, está em comunicação com as outras inteligências e, por
esae meio, na sua. finitude, irrompe um momento de infinil"ude
e, com o em-si, atinge-se a metafisica.
A questão porque é que Kant se esquiva ao ente ou o reduz
a simples manifestações, encontra a resposta em que o ser não
desempenha qualquer pa,pel na constituição do conhecimento;
porque o aer- é uquecido, o ente perverte-se no «aparecente•,
ou seja, o em-ai no ipara-nós. t: certo que o ser aparece na «Critica
da Razão Pura>, submerso porém nas categoria.s; no 4.0 grupo
d.e stas - as da «modalidade• - está em 2.• lugar a tensão ,.exiiJ.
tente-não-ser• (clDasein-Niohtsein• l (B 106). Como a pail&vra
«categoria• mostra, Kant deduz, com Aristóteles, os modos lfun-
damentais do ente dos modos fundamentais de jl.tlgar ou do
afirmar. Tod&via, .Aristóteles dlferencia-se fundamentalmente de
Kant pélo facto de não classificar o ser (õv ~ êlv) entre u cate--
goria.a, mas acima delas; ele é a raiz comum de que brotam u
categorias, e na qua,I estas analogicamente se põem de acordo.
Quem coloca o aer 11a série cla.s oategorias, limita-o a 1ffll4 ordem
ao llado de outras e desconhece assim o seu significado omni-
oompreensivo. Além disso, o ser é entendido como entidade ou
essência, verifica-se uma eaaencialização do ser e ,prepara-se o
c,1
J . B. U>TZ - mFERiENÇA ONTOLOC:nOA EM HF,GEL 2S

caminho para o essencl&li.Bmo na tilosdfia; uma ,vez que as cate-


gorias são o quadro das essências que se opõem ao que é pro-
priamente ser, este tomado como categoria, deixa de aer ele pró-
prio. (A essenclalização do ser inicia-se em Suárez, uma vez que
e'le aponta como objecto da metafisica o «ens nominaJiter sump-
tum• que se idenWica com a essência mais abstracta). Ultima-
mente, o ser tomado como categoria é Qimitado, como todas as
outras categorias, à mani/eat~, e, com isso, mais uma vez
deixa de ser ele mesmo; ora o eer, segundo o seu sentido apro-
priado, diz precisamente o p6lo o.posto da simples manifestação.
- Esta nossa pequena discussão confirma o esquecimento kan-
tiano do ser, bem como a redução d.o ente à manifestação-
A falta do ser manlfesta-se claramente no carácter próprio
da razão, como Kant a &presenta ao começo. Ela SUJ'ge ainda,
é certo, como a fa.cwdade do em-si e, portanto, da metafísica; a
elevação ao ser que nela jaz escondido, não se verifica., porém,
em Kanl De facto, o alongar-se até ao em-si e ao metallsico
a.presenta-se elmplemnente como as três ideias que perma.n.ecem
projectos por não serem referidas a o ser enquanto sua raiz. Pot
isso não conseguem atingir as realidades que lhes estão subordi-
nadas; o ser também não penetra as categorias da inteligência
e, desse modo, elas atingem a.penas o aparecente e não o ente.
Assím, a razão é du'p<>jadll do que lhe~ mai-9 intimo e é degra•
dada a um a.cess6rio regulador da inteligência, em vez de ser
fundamento e font.e deia. Apontemos ainda um ccirculus vitiosus•;
porque o ser falta na razão, a Inteligência está despojada dele;
e porque o ser é estranho à inteligência, esta não pode contribuir
para a revelação do ser na razão. Por conseguinte, pars Kant
não há descoberta abstractiva ou redutiva do ser , mas 8.{)Cnaa
intuitM na contemplação intelectu.al, que Kant, com razão, nega
ao homem. Assim, c:omo no caminho descendente dn constituição,
a razão sem ser tem por consequência a inteligência sem ser,
do mesmo modo, no eamlnho da manifestação ascendente, a inte-
ligência eem ser conduz à razão sem ser, ou então a uma razão
que s6 poderia chegar ao ser através da contemplação intelectual
que não nos compete.
Kant é superado, na medida em que a r azão ibumana
enquanto razão ati11{1e o ser- e para ela o ser é-.lhe comunicado
por intermédio da inteligência, da sensibilidade e, portanto, do
mundo. Deste modo, o ser enquanto ser e q>or conseguinte o ente
[IJ
26 REVISTA PORT UGUES A DE FIL OSOFIA

enquanto ente, bem como a diferença de ambos, ficam aescgu-


rad.os, e ambos se compenetram nessa diferença, porque o l:llte
é constitufdo pelo ser e o ser é manifestado pelo ente. Lancemos
daqui de novo o olhar pa.r a a reviravolta capernicana ; quando a
razão é consid.e rada como a f aculdade do ser, logo cresce para
lá das fronteiras antrapológícas. ~ que, pelo ser, a razão tem
a sua sede no sem-limites ou ab30luto e a ela está inerente algo
de infinito, o que equivale à comunicação com todos os espiritos e
principalmente com o espírito absoluto, e consequentemente, à
participação no ponto de vi.na awolu.to. A assimi1ação das coisas
a esta razão fá-las, em virtude do ser, revelar-se precisamente
em conformidade com aquiJo que são em ai e possibilita, aes:m,
a assimilação da r azão ao ente como é em si. Esta estrutura que
indica o núcleo mais intimo do conhecer lhumano, por causa da
ligação da nossa razão à inteligência e à sensibilidade, é cons-
tantemente sobreposta ,por aqui-lo que para o ihomem é apenas
aparente, pelo quê, é necessária uma crítica constante e um.a
separação do em-si do {)Ua-nós. Falham no -verdadeiramente
humano, tanto os extremos da in!finitude radical) ou do em-si sem
para-nós, como também os extremos da •finitude radical ou do
para-nós sem em-si. Hegel aproxima-se do ,primeiro destes dois
extremos, como vamos ver; Kant entrega a razão teór ica, em
grande medida, a.o segundo extremo, enquanto só supera esse
extremo na razão prática.
Contra o que se a.caba de afirmar, pode objectar-se que o
esquecimento do ser, em Kant, não é tão profundo como aqui
se demonstrou, que o ser aparece, antes, em vários contextos
e significações que -vão além da tensão categor ial ente-não-ser.
Comecemos ,pela coiso-em-ai que para Kant il perfeitamente real
e .portanto um sendo. O n.o.sso conheeimento «refere-se a objectos.
que não são postos por ele, mas lhe são «dados» (B 33). ·I sto é
possivEII unicamente ,porque o objecto cwfecta de certa maneira
as faculdades afectivas»; temos aqui que 'Ver com o «efei to de
um objecto sobre a capacidade representativa» (B 33 s.). Ora todo
o nosso pensar se deve •.ultimamente referir a intuições, por-
tanto, à sensibilidade, em nós, pois nenhum objecto nos pode ser
dado de outra ,f orma, fB 33). Dai que os objectos r eais ou
sendo., surjam como condições de •possibilidade necessariamente
fundamentantes do nosso conhecimento. No entanto estes não
são, enquanto tais, expressamente ju.stifioo,(Ws de forma trans-
C8J
J . B. LOTZ- DIF1E&ENQA ONTOLôGIOA EM HEGEL 27

~ndental -por Kant, mas simplesmente aceites graças à collll•


c:Jncia que iprecede a sua análise, consciência para a qual Fiohte,
na.a suas dlacussões com .Ka.nt, aponta expressamente. O ser
também não é tirado dos objectos, mas é a,penas co-allngldo
implicitamente no ifa·lar sobre os objectos. Pelo que se refere ao
sentido do ser aqui tocado, o contexto mostra que ele afirma
simp~mente a realidade em oposição à possibi1idade, e q ue, por•
tanto, está limitado a ela. Em quallquer caso, este ser não desem-
penha qualquer ,pa.-pel decisivo dentro da análise transcendental.
Um segundo ponto de q>artida ,para o ser que ultrapassa as
categorias, ,poderia encontrar-se no imperativo categórico ou incon-
dicional da razão prát1ca. Ele faz e~lod.i r as fronteiras do fen6-
·meno referido apenas ao homem, e, portanto, relativo, e abre o
acesso para o em-8i, ~ara o metafisico ou absoluto. O que aqui
é justüicado transcendentalmente por Kant é, contudo, o carácter
absoluto do de1Jer, e não o do ser, é o ,carácter absoluto do crer e
nã.o o do saber . Pelo facto de Kant só considerar possível a meta-
física ,prática, nem .por isso se sugere, de modo algum, o esqueci-
mento do ser, antes, com mais razão, este se confirma; o espaço
deixado vazio por ele é preenchido por outra coisa.
Um terceiro ponto de ,partida esclarece particularmente bem
o irradiar do ser rpor ele pensado, para lá de todo o categorial ;
este ponto de partida está contido na ,frase : cSer não é nenhum
predicado real» (B 626). •Esta formulaçã.o contém o núcleo da
d.e monstração cda Impossibilidade de uma prova ontológica da
existência de IDeus• (B 620) . Aqui :há que distinguir entre •reali-
dade» e • existência» {B 625). Com a palavra realidade Kant quer
significar o âmbito das esaêncio.s, uma vez que um ,predicado real
é «um conceito de algo>, cque pode a.c.r escentar-se ao conceito
de uma coisa» (B 626) • Ao passo que ser ou existência. cé apenas
a posição, de uma coisa ou de certas determínações, em si mesma•
(B 626); ser afirma.: cesta coisa ou aquela existem• (B 625) .
Ora, urna vez que o coooeito ceigpressa unico.mente a possibili-
dade• $ 627). «todo o ser racional tem que confessar que co.da
uma. das proposições existenciais é sintética» (B 626). Por con-
seguinte, do conceito ou realidade de II)eus nunca se pode deduz.ir
ana1iticarnente o seu existir fl)aseln) ou a sua existência. Ei;ta
pode, sem dúvida, ser apelidada um «predicado lógico•, pois para
isso pode «servir t udo aquilo que se quiser», porém nunca um
predicado real (B 6.26; aceroa destas conexões trata pormenori-
[7)
28 REVI STA P OR TUG UES A DE FILOSOFIA

zadamente Heidegger, Phãn 35-107). - •Aqui o eer volta a estar


circunscrito à emtência, quer dizer, à realidade em oposição à
possibilidade. Este ser quer dizer a ,posição ab-aoluta ou subsia•
tente em si e supera, ,portanto, a existência a)aaein) que faz
parte das categorias e, desse modo, também é restringido ao
fenómeno. O ser assim determinad.o não se atinge, porém, rela-
tivamente a Deus, por meio da razão teórica, nem por meio da
prova ontológica, nem por meio de outra prova; e relativamente
às «coisas>, ele é, segundo o que se disse acima, realmente pre-
•8Uposto, mas não iuati/1Cado transcendent&Imente.
Para a.lém do que itica dito até agora, vai o ceu penso> q ue
acompanha cada conhecimento com.o seu fundamento de possi-
bi'lldade (B 131). Ele é a «unidade origina'J-aintétfoa da a.per-
cepção> (B 131) enquanto «!principio BUpremo de todo o uso da
lnteligãnci&> (B 136) ou a condição mais alta que possibilita
todo o unir do múltiplo. Nesta sl:ntese transcendental, «eu sou
consciente de mim mesmo, não como me manifesto a mim pró-
prio nem como sou em mim mesmo, mas apenas de que 30II>
(B 157). Esta. consciência não é nem um contemplar nem um
conhecer , ,mas um pensar. Na contemplação lntelectuall que não
compete ao homem, conceber-me-ia como sou em mim mesmo.
No conlbecimento t~o-me simplesmente como me manifesto a
mim próprio, porque e1e determina o eu com o awúlio do sentido
interior e do t.empo que ihe é ,próprio, está portanto dependente
da contemplação sensivel ; todavia o e meu próprio existir
(Dasein) não é manifestação (multo menos mera aparência)>
(B 157). Ao contrário, relativamente ao meu existir (Dasein).
pode falar-se de pensar, porque este existe no sujeito, no pro-
jectar a priori das condições de poBSibilidade. Tanto os conceitos
,puros da inteligência, como também as Ideias da razão, são pro-
jectados pensando, se bem que os objectos respectivos são conbe-
cidos por meio dos conceitos, mas não são atingidos por meio
das ideias. Ora, o «eu ,penso• e portanto o meu existir (Daseln),
é sempre a condição au,prema de po.,aibilidade de tcklo o c(JIM.8Cer,
razão pela qusi a consciência, que lhe está ordenada, deve
designar-se penBSr. No entanto, ,não deve passar despercebida
um.a diatinção não realçada por Kant; o pensar do eu contém o
meu existir (Dasein), ao pasao que no pensar doa conceitos e
ideias, o meu existir a)aseln) não '6 posto em evidência.

[IJ
J . B. LO'IZ - DJiFlERiENÇIA ONTOLOGa:OA EM HEGEL 29

Tai'Vez a nota que Kant ajunta ao § 25 explique como é que


u duas maneiras de pensar se relacionam- Com o facto de que
1

eu sou, está dado: ceu existo como inteligência que tem con.s-
clêneia simplesmente da sua capacidade d6 ligação,. (iB 158).
No pensar eu sei da cespontaneidade,. daqul1o que «é determi-
nante em mim>, do «meu existir (:0.asein) como de um ser autó-
nomo>; e «esta espontaneidade faz com que eu me chame inte-
ligêncJa,. (B 158). Esta cOD8Ciênci.a precede todo o determinar
de mim mesmo, que acontece at.r&vés do conhecer e portanto não
Jeva para lá do 1fenómen.o. Assim como a consciência, que deter-
mina maia de perto o meu eu, é dbjectiva, do mesmo modo &
consciência-de-fundo, que está antes de tal determinar, pode aer
designada super-objectiva. A1 mostra-se o eu simptesmente em
que ele é o fundamento de possibilidade de toda e quailquer cona-
ciênoia objectiva, e portanto, enquanto eu transcendental. Ora,
a este <1)8rtence a espontaneidade da capacidade de Hgação, porque,
de outro modo, ele não seria eu nem fundamento supremo de
i)Ossibilidade; na facttldade de ligação, além disso, estão mar-
cados os modO$ d6 ligação, quer dizer, as formas a priori. Assim,
faca indicada a conexão dos dois m.odos do pensar: o pensar do eu
compreende easencia:Jmente o projectar pensante dos princlpios a
priori de ligação; este baseia-se naquele e é imposslvel sem ele.
Como resulta de tudo isto, o conhecimento d.os fenómenos
1'.trapassa. profundame.n te a limitação aos fenómenos; porque
ele encontra o aeu possibilitar transcendental no saber-dwund.o
do aer do eu e chega. assim até dentro do em-si. Dito em forma
negativa: quem se circUDllCreve radicalmente ao fenómeno oão
pode compreender a possibilidade desse fenómeno, suprime-a
mesmo ao a,bolir o seu fundamento de possibilldade. Pelo que
toca ao nosso tema, Kant em ceu penso» fornece uma ju,3ti/icação
tran.,cetldental do ser, que anula a categoria «existir> (Dasein)
e &firm.a a posição em ai. Certamente que o eu enquanto lugar
da. revelação do ser é único no mundo, pois se relaciona consigo
mesmo pensando e, por esse meio, estã aberto no seu ser. Todavia,
a formulação do «meu próprio existir (Da.sein) » (B 157) mostra
uma dupla delimitação desta revelação; em primeiro lugar, só
o aer- -pr6prio do eu é atingido e não o ser mesmo enquanto full-
damento de todo o sendo; em segundo 1ugar, o ser fica em
conexão com e.le, delimitado à eriatência ou ao puro existir
(Oasein) como realidade em oposição à possibilidade e nisso, Kant
[IJ
30 REVISTA P OR T UGUES A DE FI L OSOFIA

é iDflueneiado e sucumbe perante a herança. da evolução filosó-


fica que ae segue ao Tomiamo. De maneira que Kant, apesar do
começo contido no «eu pensoa, é enredado pelo esquecimento do
eer, esquecimento esse que o exclui da realização da diferença.
ontológica.

II. Bee!~ dlaléetica da diferença ontológica em Hegel

Segundo Heidegger, também Hegel não saí do esquecimento


do ser. No entanto, nele, ta2 esquecimento é maia atenuado que
em Kant, e, por isso, ele se a,proxlma mais do que este da díle-
rença onto16gica. Ex,pressamente, Hegel .itupera a oposição kan-
tiana entre fenómeno e coisa-em-si; por isso o ente não é pura-
mente algo que aparece, mas é verdodeiramente um sendo. No
que aparece revela-se o em-si; aquele é preciaamente o em-ai
revelad.o, que, portanto, d.e modo nenhum permanece totalmente
inaA:essivel. Assim, o ·homem é capaz de realizar o ente enquanto
ente, ou seja, de o atingir no seu e'l!Hi. Portanto, não está ¾im i-
tado ao seu modo de ver humano e tem tudo, não a,penas como
parece ou aparece a partir do seu ponto de vista relativo. Por
conseguinte, vai além do modo de ver meramente humano e para
iá de todo o modo de ver finito e relativo e participa do ponto
de vista absoluto, ou seja, leva em si a:lguma coisa do infinito.
P or iaso está em comunicação com todas as inteligências e prin-
cipalmente com o espírito absoluto ; porque possui em si alguma
coisa da visão do egpirito absoluto, concebe o ente como ele é.
O absoluto ou Infinito no esplrito humano significa o mesmo que
o brilho do próprio 81!!1'. No horizonte do ser já sempre aberto,
mostra-se-lhe o ente enquanto sendo, e, com isso, toca a dife-
rença ontológica e entra, à. sua maneira, na realização dela.
Todavia, a particularidade deste pensar só é determinada
claramente quando se examinar e responder à.a duas pergivntaa
seguintes: 1.• - Como é que se comporta o ente, considerado
com mais exactidão, em relação a.o ser ou ao absoluto na lin-
guagem de Hegel'? ; 2.• - Como se comporta o espiri to humano
maia p.roxlmamente, em relação ao espirito 8lbso1uto'? A res-
posta a ambas as perguntas encontra-se na ãiaJéctica de Hegel.
Esta deixa-se clarificar por meio do «Aufheben und da.a
AufgehC>bene» - «Supressão (ou superação) e suprimido (conser-
vado)> - termos nos quais Hegel vê «um dos conceitos maia
[10]
J. B. WTZ-OEFERENÇ>A ONTOUXiIOA EM HEGEL 31

importantes da ruoaofia> (Loglk, edit. por G. Lasaon, Leipzig,


1923, 93) . Com o Au{heben, um dado original entra ena Wlidade
com o seu contrário», e, com Isso, o •imediato» passa a ser um
•mediato»; no mediato, o imediato enquanto tal ou a sua ime-
dlatez é superado; porém, simultaneamente a.qu ilo que nela havia
é conservado 11a unidade com o seu contrário; ambos, a 11&ber,
o dado e o contrário, são cmomentos- da unidade que os abrange
ou do mediado (Logik, 94.). Visto prepondenmtemente a partir do
Aufgehobene, o imediato ou o dado apresenta-se como o em..rl
(não equiparar ao em-si kantiano) ou como o começo não desdo-
brado. O contrário, por seu lado, surge como o para,.ai ou como
um passo de desdobramento ainda não mediado com o dado.
Finll'lmente o mediado é o em-e-para-ai, que na sua unidade con-
tém o dado e o contrário como seus momentos, e com isso o em-ai,
enriquecido pelo pa.ra-si, atinge um novo grau de si mesmo.
Pa.ra o nosso tema é instrutivo o OMO-prim.iti'tlo IUrfall),
da dia:Jéctica, com que começa a Lógica de Hegel. O dado em-si
é o ser; o para-si, seu contràrlo, é o nada ; a unidade dos dois,
ou o em-e-para-si é o devir (das Werden), no qual eles já entraram
desde sempre como seus momentos. c,A ,verdade deles é portanto
este movimento do desaparecer imediato de um no outro: o devir>
(Logik 67). Segundo isto, o ser em Hegel é o momento dialéctico
que, juntamente com o nada, constitui o devir ; ele é unicamente
enquanto devir, no sentido do movimento dia.léctico. Que conse-
quêncill.ll tem este inserir-se do ser no devir ou o primado do
devir sobre o ser, deve ser demonstrado com ma.is preoisão.
Que é que daqui r esulta nomeadamente para o modo como apa•
rece a dUerença ontológica?
O ser em Hegel manifesta-se como o abaoluto, sem que, no
entanto, ambos se identifiquem; porque o ser é simplesmente o
começo do absoluto ou este enquanto «imediato indeterminado•
(Logik 66). Deste modo o absoluto impe!le para 1á do ser, na
medida em que só é totalmente ele mesmo enquanto mediado
determinado; ele progride da «substáncia» imediata pa.ra o
.sujeito» mediado e é, portanto, «essencialmente resultado• (Phi-
nomenologie des Gelstes: PhdG, edit. por G. Lasson, Leipzig,
1921, 12 e 14). Simplificando um pouco, pode dizer-se: o ser é o
absoluto ainda não desd.obrado, e o absoluto é o aer completa-
mente desdobrado. Mas o desdobramento dA.-se através da
e reflexão no ser -outro em si mesmo• (PhdG 13). O ser inicial•

[ll)
32 REVISTA PORTUGUESA DE FILOS OF IA

mente lndetennlnado estipula, a partir de ai mesmo e face a


ai próprio, determinações que podemos designar como a rica
e,cpanaão do ente ; são os nwmemos /mitos em que o absoluto
desvenda e desenvolve a Infinita plenitude em ai escondida. O ente
ou os momentos finitos apresentam-se primeiramente ao ser ou
ao absolu.to como o cser-outro» ; aparentemente, ou o ser se perdeu
110 ente, o absoiuto lnfinit-0 nos momenroe finitos, ou ae allenou
de si mesmo. Tod8'Via mostra-se que o ser se mlLllhfesta de uma
maneira determinada no ente ou o absoiluto Infinito nos momento&
finitos, e eetá a caminho de al mesmo e através de todas eataa
figura.a se acha p.r ogresaivament.e a ai mesmo, ou cada vez li
maia ele mesmo. Resumindo: o ser, enquant-0 em-ai nio mediado,
desdobra-se dia!ecticamente ,por ,meio do ente, enquanto -para,111
de vários graus em direcção ao mediato em-e-para-si ou ao 118!'
enriquecido pelo ente, que só aasim é tota.lmente ele próprio.
O p.rooesso aqui referido torna-se claro para nós no jogo
conjunto da Inteligência e da razão. Nele, a i1tuligênoia coo-
tr8')Õe ao em-ai o para-si, ao começo indeterminado u determi•
nações ,progressivas ou até ao ser o ente; a este grau, o contra•
posto a.firma-se na sua autonomia, ainda se não reconciliou por-
tante> com o ser ou o absoluto. A filosofia da Inteligência, que,
como o nome Indica, toma a Inteligência como (Jltima instância,
dá lforça a estu oposições. Hegel adha-aa em Kant, como denotam
as antinomias que para ele são in9uperá.veis; do mesmo modo,
na metafisica tradlciona:I, cuja tensão entre o ente finito enquanto
criado e o ser infinito enquant-0 criador, ele lnte!'preta neste sen•
tido. A inteHgêneia que verdadeiramente se compreende a ai
mesma experimenta-se como caminho para a r=ão e é, por isso,
impelida para lá de ai mesna e em direcção a ela. Com isto
entramos na conci liação dos opostos; para nós, o ente unifica,ae
com o ser e os momentos finitos unifícam-ae com o absoluto.
A unidade aqui entendida ê dialbctlca, na medida em que recebe
e conserva em ai os opost-Oa, e na medida em que só ela supera
a sua separação, sem no entant-0 eliminar o conteúdo deles.
Segundo isto, a razão contêm em ai a Inteligência e não pode
realizar a sua própria conclllação sem a confrontação prece-
dellte por meio da inteligência. A ruão sem a Inteligência encon•
tra-a Hegel no j ovem Sdhelling, a quem atribui uma unidade em
que os opostos sã o apagados ou, como ele nota lmagetlcamente,
em que reina a noite que faz com que todos os gatos sejam pardos.
(U)
J. B. LOTZ- D!FElRIENQA ONTOLOGIOA EM HEGEL 33

O movimento dialéctico, que se desdobra no jogo conjunto


da inteligência e da razão, nii.o eai apenas sobre nós ou sobre o
nosso ,pensar, mas sobre a coisa mesma, como se deduz já do
capitulo anterior, mas que aqui se deve acentuar maia uma vea.
Ele pertence cao 1)róprio conteúdo como movimento imanente
dele• (PbdG 41); coo pensamento compreensivo o conceito
é o próprio mesmo do objecto•; este é co conceito que se move
e que recebe em si as suas determinações• (PbdG 41). Conse-
quentemente, a existência da unidade dialéctica do ente com o ser
é para nós o mesmo que a sua existência em si ou em ai mesmo.
Ora, para Hegel, a unidade dialéctica identifica-se enquanto uni-
dade com a identidade e enquanto dialéctlca com a dislinçã.o ou
diferença, como aparece na frase: «a identidade é pois em si
mesma absoluta não-identidade» (Logik Il 28). Dai se segue que,
na unidade dialéctica do ente e do ser com a sua identidade,
dá-se a sua di.ferença ou a diferença ontológica. E realmente, por
causa do movimento dialéctico, que nunca acaba e que não per-
mite nem um ser que lhe esteja subjacente, pré-dlaiéctlco, nem
um ser que proceda dele, pós ou super dialéctlco, a identidade
está inseparavelmente ligada à diferença, e por isso é impoaskrel
uma identidade pura ou livre de diferença. ,E, com isto, o enle
e o ser, embora aquele enquanto fundamentado radique neste
enquanto fundamento, estão referidos correlativamente um ao
outro; assim como o ente é mediado iJClo ser, do mesmo modo
o ser é mediado pelo ente. Por outras pa1a,vras: assim como o
ente s6 é ele p.r 6prio pelo ser, também o ser só é ele próprio pelo
ente. Com a Identidade pura, livre da díferença, cai o ser puro,
livre do ente; o ser inclui essencialmente o ente, do qual Igual-
mente se distingue essencialmente ; só há ser unicamente na dife-
rença ont-0lógrca, ou seja enquanto se demarca do ente do qual
está dependente.
Nesta reaiizaçii.o di.aléctica da diferença ontológica, nem o
ser é veroadeiramente ser, nem o ente verdadeiramente ente,
nem a diferença verdadeira.mente dlterença.. O ser não é verda-
Miramenfo o s,;r, porque jamais chega à identidade 'l)ura consigo
C'le!lffio e, ipor isso, jamais é totalmente ele próprio, ,porque cm
virtude da ligação necessária ao ente, a diferença que d.e marca
o ente do ser atinge mesmo o ser e, IIJ!sim, demarca--0 de si mesmo
ou a'liena -se a sl mesmo, não o deixa vir a ser ele próprio ou
impede-o pelo não-ser da plenitude de si mesmo.
J [13]
34 R EV I ST A P O R TUGUES A DE FILOSO FIA

Do mesmo modo o ente não é verdadeiramente o ente por•


que, como se pode afirmar em poucas ,pa1avras, o ser não é ve:rda•
deiramente o ser ou porque o ente se alliena necessariamente a
si mesmo por meio do ser alienado de ai mesmo. Mais exacta•
menle: o ente só se conserva na sua autonomla, ou como aquilo
111'6 é, na medida em que, enquanto separado do ser, persevera
na sua não.verdade; pelo contrário, na medida em que ele,
en.q uanlo momento suprimido (auígebobenes) no ser, adquire
a sua verdade, perd.e o. sua autonomia ou ,passo. a ser apenas
aquilo pelo qual o ser ou o absoluto é determinado desta ou daquela
forma. Portanto, o ente enquanto aquilo que é, é apenas o que
aparece ~orém num sentido diverso do de Kant) ; porque ele
mo.s tra-se somente como aparece primeiramente e não como
acaba por ser ou como é na ve:rdade. E o ente como é fl.nalmente
e na verdade, aipresenta•se de novo meramente como o que aparece
(de novo em sentido diferente), porque não é ele ,próprio mas
aquilo em que o ser se interpreta ou aparece. Na reducão do
ente ao aparecente manifestam•se as CODllElquências da dia1éctica:
assim como o ser perde o seu caricter reaJ por meio do ente,
assim o ente perde a sua realidade ou é despojado da sua r eali•
d.ade completa.
Finalmente, a dlferença não é veràodeiramettte diferença.
Por causa do nec~io cruzamento correlativo do ente e do ser,
a diferença entre eles não se pode efectuar completamente ou,
pela identidade dialéctica, o. diferença é impedida no seu efeito
total; d.e ste m.odo, tanto o ente como também o ser não são
Ubertos para si mesmos ou iguaJmente são despojados do efeito
lotai ou da expressão de si mesmos. Inversamente, ao mesmo
tempo a identidade é l.m.pedida do seu efeito tota.J pela diferença
que dialectlcamente lhe é própria, e por Isso a identidade pura
do ser consigo mesmo não se verifica. Portanto, em ,virtude do
movimento diaJéctlco, a identidade e a diferença nunca perm.i tem
uma à outra serem elas próprias; o mesmo se diga do ser e do
ente, enquanto se referem dialecticamente um ao outro.
Daquilo que se disse sobre a primeira questão, facilmente se
encontra a resposta para a segunda: como se comporta o espl•
rito humano relativamente ao esplrito absoluto? Ambos estão
igua.lmente ligados mutuamente na unidade dialéctica. O espírito
humano concebe o ente enquanto ente, porque alcança o ser;
vive da diferença ontológica que lhe está aberta. Isto só é posslvel
( 14 )
J. B. LO'l'Z - Dili1ERIENÇA ONTOLôGIOA EM HEGEL 35

graças à unidade do esplrlto humano com o espirito absoluto,


unidade pela quai participa do ponto de vista absoluto, o eer
se lhe revéla. e ele pode realizar um ente enquanto tal. Em pri-
meiro lugar, ele aparece na sua autonomia; pouco a pouco, porém,
compreende-se na sua unidade com o egpirito absoluto, ou a ai
mesmo e ao seu saber como momento dialéct1eo iw up(rito
ab8oluto e do saber absoluto. Deste, que desde o princípio estava
no seu saber como força motora intima, se aproxima cada vez
mals; só entrando no mesmo, ele supera a auto-alienação e se
torna totalmente ele próprio. - Com isto, está dado o Inverso,
a swbe.r, que o espírito ab80luto enquanto tal, se desdobra no
e$p{ri.to Ir.uma.no. Ele ex.plicita-se nos eapiritos finitos, dos quai.11
necessita para se conciiíar consigo próprio ou a fim de ser com-
pletamente ele mesmo. Também aqui existe uma correlatividade;
embora o espirlto humano, enquanto fundamentado, en<:ontre
no esplrito absoluto o seu fundamento, não é só aquele que é
mediado por este, mas também este é mediado consigo mesmo por
aquele. Pelo facto de o espirilo 'bum.ano ser suprimido (aufgebo-
ben) no espirlto absoluto e conservado nele como seu momento
dialéclico, o último adquire precisamente por meio deste momento
a determinação da sua indeterminação, ou seja, realiza, no
caminho da finHude. a sua infinitude.
Segundo Heidegger, em Hegel, ctodo o ôntico se dissolve no
ontológico• (Phãn 466). Isso confirma-se aqui, no espl.rítohumano.
que só consegue realizar o ente a ipartlr do ser, na medida em que
cede a sua autonomia e se experimenta a si mesmo como momento
dlaSéctlco do espirlto absoluto, com o quê a sua /initude 36
volatiliza.. Com isto sim1tlta.neamente o espirito absoluto adquire
o seu saber próprio, na medida em que deixa proceder de si os
seus momentos dialéctícos e, desse modo, o espirlto humano, e
assim realiza & sua. inflnltude por meio da i.nfinitízação deles, e
com isso aquel& deixa de ser tot&lmente ela. própria. Ore, o ponto
de vista a,bsoluto, originalmente, é dado unicamente com a infi-
nitude não quebrada; se pois, o esplrito absoluto só atinge a
infinitude qr.whrado, através da ,f initude, não .possui o ponto de
vista absoluto, e, ipor Isso, também o espirito ilumano não pode
participar dele e, ,por conseguinte, fica excluido do ser e do ente.
Segundo a solução dialéctica, o espírito ihumano não é f inito em
sentido total e portanto não é verdadeiramente espiríto humano;
36 REVIS1.'A PORTUGUESA DE FILOSOFIA

pelo contrário, o espirito absoluto não é, em sentido completo,


infinito, e por i sso não é verdadeiramente espírito absoluto.
Deste modo também a düerença não pode actuar na sua força
total, ou seja, de novo, ela ultimamente não é -verdadeiramente
diferença ou onto-lógica.

J. B. WTZ

( 16)
Revista Portuguesa de Filosofia

A diferença ontológica em Kant, Hegel, Heidegger e Tomás de Aquino


Author(s): J. B. Lotz
Reviewed work(s):
Source: Revista Portuguesa de Filosofia, T. 33, Fasc. 4, Heidegger (1889-1976) (Oct. - Dec., 1977),
pp. 270-284
Published by: Revista Portuguesa de Filosofia
Stable URL: http://www.jstor.org/stable/40335494 .
Accessed: 12/12/2012 11:30

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A diferenga ontologica
em Kant, Hegel, Heidegger
e Tomas de Aquino*

m. Heidegger: interpretagaotemporal da diferengaonto-


logica.

Nos dois pensadoresde que ate agorafalamos,encontramos


a diferengaontologicatocada ou incluidanoutraproblematica.
Em Heidegger, porem,a diferenga ontologicae realizadaou tema-
tisada expressamente enquantotal. Heideggernao se limitaa
pensar a partirda diferenga ontologica,pensa-aa ela mesma,
investigando ao mesmo tempoas condigoesda sua possibilidade.
Contrariamente a Kant e Hegel,conservatantoo entee o sercomo
tam'bem a propriadiferenga dos dois.Esta evidencia-sepelofacto
de o homeme, maisproximamente o seu pensamento, acompanhar
o ser ou estarem identidadecomele. Ora, o intermediario entre
o homeme o sere o tempo;temporalizando-se, o homemestajunto
do ser; e temporalizando-se o ser,este estajuntodo homem. Mas,
dadoque a comunicagao do serse operaipormeioda temporaliza-
gao, tam'bem o entese abreenquantoente,quer dizer,o homem
esta emcondigoes de deixaro enteser enteenquantotal.O tempo
possibilita,portanto,que o ser seja verdadeiramente ser,que o
enteseja verdadeiramente ente,bemcomoque a diferenga de am-
bos seja verdadeiramente diferenga - diferengaque tanto os
separacomoos une.
O caminhoque, pela tempordHzagdo, leva o homemao ser e
trilhadoem«Sere Temipo» e tambem no cursodadoporHeidegger
em 1927 «Grundprobleme der Phanomenologie». «iAconstituigao
ontologicada existencia(Dasein) fundamenta-se na temporali-
dade» (Phan 323). Esta, porem,«assumea possibilitagao da com-
* TradugSo de Manuel Losa.
(Continuagaoda pag. 36)
tl]

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LOTZ - (DdFERENQAONT0L0GICA EM HEIDEGGER 271

preensaodo ser e, desse modo,a possibilitagao da interpretagao


tematicado ser» (Phan 323). Temporalidade(Temporalitat)
«querdizero caractertemporal(Zeitlichkeit) , enquantoeste e
tornadocomo tema e consideradocondigaode possibilidadeda
compreensao do ser e da ontologia»;«deveindicarque a tempo-
ralidadena analiticaexistencialapresentao horizontea partir
do qua! compreendemos o ser» (Phan 324).
Primeiramente e em geral,o Ihomem encontra-se na impro-
priedade(Uneigentliohkeit) ou perdido(Verioreriheit) no ser-com
e no existente(das Vorhandene) . No entanto, na medidaem que
se sentepreocwpagdo (Sarge), eleva-se ao seu mais propriopoder-
-sere, portanto, a totalidadeda sua existencia.Nesse processo,
projecta-se para o futuro, determinado peloseu passadoe move-se
no presentedo momentocada vez dado. As dimensoesda sua
temporalidade assimrealizadaterno seu proprio«paraonde»,se-
gundo qual nada se revelade modoadequadoas dimensoes
o o
particulares.Este (nada) signif ica o nada de todoo entee, assim,
o diferenteemrelagaoa todoo ente,ou seja, o ser.Deste modo,o
ser'brilihano horizonte do tempocomofundamento que possibilita
esse tempo.A temporalidade (Zeitlichkeit) totalmente experimen-
tada possibilitaa compreensao do ser e manif esta-se,assim,em
conformidade com a terminologia acima usada, comotemporali-
dade (Temporalitat). E de notarque a temporalidade (Zeitlich-
a do
keit) possibilita compreensao ser, nao porem o ser mesmo.
Dai que o ser nao e produzidopela existencia, ou seja, nao e de
modonenhumcum produtodo homem»(Sdbreo Humanismo
[Hum] Frankfurt1947, 24). Correspondentemente, bem enten-
dida.a frase: «so ha ser enquantohouverexistencia»(SuZ 212)
significa: «so enquantose verificaa iluminaQao(Lichtung)do
ser,se da ao homem, ser» (Hum24). O acontecer da iluminagao e
a existencia;porema iluminagao e destino(Schickung)do ser.
Deste modo,estamosja no segundocaminhopeloqual o ser,
airavesda temporcdizagao, vemao homem. E que ele transmite-se
ao homem por destinos sempre novos e possui,assim,caracter
epocal(epobhalen)emconformidade como significado duplodesta
palavra.O ser abreconstantemente uma epoca (Epoche) novada
sua comunicacao, na medidaemque praticaa «Bpoche»,istoe, se
ou
retrai, seja, nunca se comunicatotalmente. Sendo assim,a
historiaonticado enteesta subjacente a historia ontologicado
ser.Como,no passado,o ser era entendido comosupra-historico,
[2]

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272 REVISTA PORTUGUESA DE FI'LOSOFIA

o que dizemose uma radicalizagao, antes nuncaouvida,da his-


toricidade, radicalizagao alias preparadapor Hegel e Nietzsche.
Ora, o ser que se comunica epocalmente nao se da semo homem,
esta dependente destee precisadele: comunicando-se epocalmente
projectae langa o homem.Par isso,o ser dado historicamente,
«descansano voltar-se»para o homem,«de tal formaque este
voltar-se para o homemjamaispodeajbeirar-se do serapenascomo
algo acrescentado» a do
(Sobre questao ser: Sfr Frankfurt 1956,
28). lAssimcomonao se consegueconcebero homemsemo ser,
tambemnao se podeconcebero ser semo homem ; ele e o aconte-
cer destevoltar^se;o ser nao ternuma historiaque decorreem
si, mas aconteceno homeme enquantohomem.
Por conseguinte, existeentreambosuma identidade que ulti-
mamentenao permiteque se fale deles no plural,porqueno ser
ja sempreesta co-afirmado o homeme vice-versa(Sfr 27 s.).
Na identidade ou correlagaoaqui descritanao desaparecea dife-
renga;pelocontrario, esta existena identidade, poiso sere o fun-
damentodo homem,ou seja, o ser e o que langae o homeme o
langado.Consequentemente, o liomeme o anteemque e comoque
se verifica a diferenga,ou seja, no qual, enquantoexistencia(Da-
-sein) gragas a sua existenciae insistencia, o ser se manif esta
sempre como o o
aquiloque ultrapassa.Nesseprocesso, ser,apesar
do seu ultrapassar, e finitocomoo homem, dado que consistenas
comunicagoes epocais,cada umadas quais,porcausa da «Epoche»,
e finita.Se voltamosa poros olhosno tern/pa, vemo-lo comoaquilo
que simultaneamente mantem unidos e separa o homem e o ser.
O tempomantem unidos,porqueo ser se destina(zuschickt)epo-
calmente,ou seja, gragasa temporalizagao; separa,porqueo ser
mesmopersistee, portanto, nenhumacomunicagao esgotao ser-
mesmo,quer dizer,o ser-mesmo supera toda e qualquercomunica-
gao epocal.
Aqui anuncia-seo dificil profolema de saJbercomoe que o ser
e ao mesmotempomultiplo e uno.E multiplo nas suas comunica-
goes epocais,mas e uno em si mesmo;por isso,Heideggerdesi-
gna-ocomoo mesmo,o continuo, o perseverante, que perpassa
todos os destinos e do qual estes brotam repentinamente como
rebentos, comoo imperecivel nos destinosefemeros; face a mul-
tiplicidadedestes,ele e «unico»ou seja, «o singularabsolutona
singularidade incondicionada» (Der Satz vomGrund.SvGrPful-
lingen1957,143; a este propositoe sobreos restantestextos:
13]

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LOTZ - DIPERjENQA ONTOLOGICAEM HEIDEGGER 273

compararJ. Lotz, «MartinHeideggerund Thomasvon Aqnin»,


Pfullingen 1975,sobretudo 65-73).Comose devedeterminar inais
exactamente, o ser-mesmo enquantouno,fica em aberto,pois ele
so com dificuldade e acessivel.De modosemelhante, e discutida
a,mesmaquestaona conferencia «Tempoe Ser» (ZS do ano 1962);
publicadaem «ZurSache des Denkens»,Tubingen1969,1-25): a
questaonao e abordadatematicamente, mas e deixadapor tocar
apos o desenivolvimento teratingidoo seu limite.Nas afirmag5es:
«ele ha tempose «ele ha (es gibt) ®er»,o ele (es) designa
«provavelmente algo de excelenteque nao pode ser aqui anali-
sado» (ZS 19). Desistimos«da tentativade determinar a marcha
singulardo «ele» (es) isoladamente»(ZS 19). «Isto significa,
contudo,reconhecer a incapacidadede pensarjustamenteaquilo
que aqui se devepensar»(ZS 21). TaJvezate seja «maisaconse-
lhavelnao renunciar so a resposta,mas ja a pergunta»(ZS 21).
a
Todavia, questao e levada umpoucomaispordiante,enquantoo
haverno «ele ha ser», e explicadoa partirdo acontecimento a
palavrafulcraldaquela conferencia. O ser pertenceao aconteci-
mentoe recebedele a determinagao de presenga, ou seja, com-u-
nicagao ao homem, precisamente pre-visaodo ele (es).
e da
Simultaneamente, busca-seumainformagao sobreo serdo aconte-
cimentomesmo,informagao que, evidentemente, requerum com-
preeender ou determinar de ser e que precede o acontecimento.
Aqui ameagaengolir-nos um circulo aparentemente inextricavel,
umavez que o ser deve ser a
pensado partir do acontecimento eo
acontecimento deveser pensadoa partirdo ser. Por isso, que ha
limitar-aios a considerar«comoe que nao se devepensaro acon-
tecimento» (ZS 21).
Mais umavez voltaa urgira interrogagao. O acontecimento
da como ser o tempo bem como correspondentdos dois.No
a
tempo,porem,temosque atendera quartadimensaoque,na ver-
dade, e a primeira,quer dizer,atendera «unidadedo atingir»
(das Reichen) (ZS 14), que, relativamente as outrasdimensoes,
dcminacomo«passadorade cada umapara as outras»(ZS 16) ; e
«o atingirque tudodetermina», queconforma as outrasdimensoes
no seu especificoem cada caso e, assim,as mantemtantosepa-
radas comounidas (ZS 16). 0 atingir(Reichen)compreende si-
mtdtaneamente todas as tresdimensoes;«simultaneamente» sig-
nificao seu «atingirem-se umasas outras»e naoque elas «existem
ao mesmotempo»(ZS 14). A simultaneidade do «triipliceatingir»
[4] i

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274 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

(2S 17) e talvezo acesso mais proximoao autenticoe ultimoele


(es) , que e de acessotao dificilporque,na descoberta, se encobre,
se na
ou seja, escapa comunicagao. Contudo, «discutiristo ja nao
e assuntodesta conferencia»(ZS 23). «Deste modo,o ele (es)
permaneceindeterminado, enigmatico,e nos propriosficamos
perplexos» (2S 18). O unico ser-mesmo nao encontraexplicagao.
Que signif icado tern para a nossa questaoprincipalda dife-
rengaontologicaemHeidegger, o que ate agoraficoudito?E evi-
denteque se desenhamdoispassos da problematica. No primeiro
passo,trata-sedo ser comunicMoao homemnos multiplos desti-
o
nos; segundopasso,pelocontrario, refere-se ao ser-mesmo que,
enquantouno,dominaos multiplosdestinose, dessa forma,os
ultrapassaa eles,ou seja, ao homem,de uma maneiradificilde
determinar. Por outraspalavras: ao ser que e determinado pelo
acontecimento esta subjacenteo ser pelo qual e determinadoo
acontecimento. Considerando o tempo,pode-seformular: na moda-
lidadede duragaoque e dada pormeiodo acontecimento, anuncia-
-se uma outraduragao,atravesda qual e dado o acontecimento.
Olhandoa partirda diferenga ontologica,verificamos o seguinte:
no primeiropasso, ela manifesta-se de modoincvpientey mas so
no segundopasso e que se manifestade modototal,e nessepro-
cesso,o primeiro passo e possibilitado pelo segundoe, sem este,
esta condenadoa desaparecer. Nestecontexto, abre-senovapers-
de
pectiva compreensao e de comunicaQao ser; por meiodo
de
tempo, esclarece-se apenas o modus da possibttitagao, mas nao a
sua origem.Alias,uma vez que o modusapontapara a arigem,
Heideggerao trataro primeirochega a questao do segundo;
porem,supondonela urncirculoinextricavel, deixa-aassim,sem
lhetocar.
As investigagoes realizadaspor Heideggernao passampara
la do primeiro passo,tantonoque se refereao caminhoascendente
do homempara o ser,como tambemrelativamente ao caminho
descendente do ser para o homem.Nesteprimeiro passo trata-se
do serque haibitanoente,peloqual cada entee tunentee o homem
e aquele ente distintoque, enquantoser-ai (Da-sein) realiza a
revelabilidade do ser,ou seja, em querno ser ressaltado entee
assimse descobrecomoele proprio;istoidentifica-se como acon-
tecer da diferengaontologicadescoberta.Por este meio,sem
mais,estadescoberto o serepoccd;delevaleque precisado homem,
dependedele ou esta a ele ligado,que, alem disso,e apenasurn
[5]

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LOTZ - DIFEKENQA ONTTOLOGICA
EM HEIDEGGER 275

destinofinito,ou seja, apenas uma participagao da plenitudedo


ser-mesmo o
que ultrapassa; esteultimo escapa-sena comunicagao
ou esconde-se na descoberta. Ai reside aquela identidadeentreo
ser e homemque, contrariamente a Hegel,nao se apresentacomo
dialecticamas simcomohistorica;segundoisto,a ligagaodo ser
ao homemnao e uma ligagaoaibsolutamente necessaria,mas uma
ligagaoque acontece de cada vez e que traz consigo,portanto,
umacertaeontingencia. Esta expressa-se emHeidegger quandoele
fala do «jogo» que e «umjogo elevado,mesmoo mais elevadoe
livrede toda a arbitrariedade» (SvGr 186).
Em conf ormidade como que acimase dissesobreHegel,nele,
porcausa da dialectica,a ligagaodo ser ao entee sobretudoao
homeme definitivae, porisso,do primeiro passo nao se podedis-
tinguirum segundopasso e, consequentemente, nemo ser nem
a diferenga a
chegam atingir o seu efeito(pleno. Para Heidegger,
ao contrario, o ser epocalmultiplo esta semduvidaligadoao ente
e nomeadamente ao homeme, portanto, a sua comunicagao nao e
umprocessoque decorreseparadodo homem.Contudo, nesteser,
anuncia-se o ser-mesmo, que, enquanto uno, continuo, imperecivel,
se distinguedos destinosmultiplos,descontinuos, eifemeros, e,
com isso, no primeiropasso que foi o unico a desenrolar-se, o
segundopasso nao desenroladoanuncia-secomo problemaou
questao. Para la do primeiropasso e no sentidodo segundo,
impele-nos o conhecimento de que,porcausa da Epoche,o sernao
consegueapresentar-se actuar plenamente
ou em nenhumadas
epocas; jamais ele e ele proprio, ou seja, o ser-mesmo ; mantem-se
semprealheadoa si mesmo,isto e, contrariado e quebradopelo
nao-ser,pelo que, por conseguinte, tambemo entenao e ele pro-
prio, e alheado a si mesmo e, por causa do seu caracterfragil,
ameaga escorregarpara o nao-ente.Deste modo,desenlha-se,
comosegundopasso, aquele no qual o ser se apresentae actua
plenamente, e e totalmente ele mesmo,ou seja, o ser-mesmo, ser
puro na sua plenitude inquebrada, de modo algum contrariado pelo
nao-ser.
Ora ibem : comoa ligagaoao entee nomeadamente ao homem,
trazconsigoo caracterfragildo ser,a maneiracomoa diferenga
ontologica, no primeiropasso, existeenvolvidapela ligagao,nao
e ainda adequadaa peculiaridade do ser-mesmo, istoe, nao atinge
ainda o efeitoplenoda mesmadiferenga, efeitoque corresponde
totalmente a sua peculiaridade maisintima.Mais umavez se deii-
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276 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

neia o segundopasso comoaqueleno qual actnaplenamente, isto


e, totaimente como ela mesma, a diferenga ontologica e, com isso,
o ser-mesmo mostra-se comoo nao ligadoao entee nomeadamente
ao homem,mas antes comoo des-ligadoou ab-soluto,e a dife-
rengaontologicasignifica,no mais fundo,transcendencia. Por
conseguinte, a diferenga do
ontologica primeiro passo aponta para
a do segundopasso comoseu fundamento de possifoilidade; sem
o
esta,aquela morre, que vem a a
equivaler que, sem a transcen-
denciado ser-mesmo, a diferenga do ser epocal volatiliza-see,
finalmente, tamfoem o entese desfaz.
Porque,alemdisso,como temposao dadosapenaso ser epo-
cal e a diferengaepocal,o ser-mesmo e a diferenga enquantotrans-
cendenciaabremumaoutraespeciede duragao,que se situaante-
riormente a toda a divisaoepocale, assim,significaa totalidade
indivisa,ou seja, simultaneidade ou ate mesmoeternidade. Por
conseguinte, delineia-se o segundopasso como aquele em que, a
partirdo tempo,surgea eternidade como seu fundamento mais
intimo,sem o qual, o temporealizadocomotal,ou seja, o tempo
humano,primeiramente, e, depois,todoo tempo,desaparece.Cor-
respoiidentemente, o caminho ascendente conduzo homempara o
ser so pelofactode que este avanga,no tempoou temporalizagao,
para a eternidade; do mesmomodo,o caminhodescendente conduz
do ser para o homemso pelofactode que o ser injectano tempo
ou temporalizagao uma participagaona eternidade, como forga
motrize de coesao.
Voltemosdaqui a langaros olhos para o circuloaparente-
menteinextricdvel que Heideggerencontrou no factode, por um
lado, o ser ser determinado a partirdo acontecimento e, por
outrolado,o acontecimento serdeterminado a partirdo ser.O cir-
culo permaneceinextricavel e vai desembocar numacontradigao
enquantoso uma especiede ser,nomeadamente, o ser epocal,e
tidoemvista; ao contrario, logoque se atingeo ser-mesmo trans-
cendente de que provemo acontecimento, oferece-sea solugaodo
circulo,que nao e umcirculodefeituoso,masumcirculoque reside
necessariamente na questao aqui aberta.Deste modo,tambem
a possibilitagao tantodo compreender comodo comunicar do ser
e levada para la do modode um e de outro,a origemde ambos.
£ que,sendoo modopenetrado ate ao seufundamento maisintimo,
mostra-se no tempoou temporalizagao em vez da eternidade abs-
tracta,a eternidade concreta, que coincide com o ser-mesmo trans-

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LOTZ - DIFERENQA ONTOLOGICAEM HEIDEGGER 277

cendente e que e origem.Aqui,delineiam-semaisumavez os dois


passas; no a
primeiropasso, temporalidade surgesimplesmente
comomodode possibilitagao, ao passoque o segundopasso chega
a eternidade comoo modomais profundo contidona temporali-
dade,e estemodomanif esta-seao mesmotempoinseparavelmente
comoa origem.A possibilitagao que no primeiropasso aindanao
e totalmente ela mesmae fica no fdctico,so no segundoe ela
mesma,isto e, plenamente desenroladacomoela mesma,o que e
o mesmoque fazerremontar o facticoa sua origemfundamen-
tante.Aqui brilha,a partirdo que e anteriorsegundoo tempo,o
que e anteriorsegundoa origem(temporepriuse naturaprius),
mas aqueleso por estee possibilitadoe compreendido.

IV. A diferenga em S. Tomas


ontologicacomoparticipagao,
de Aquino.
A prablematicaapenas insinuadapor Heideggere por nos
explicadadeve ser descobertano pensamento de S. Tomas de
Aquino e conduzida cuidadosamente, com auxilio dos elementos
nele encontrados, a uma solugao.Nessa taref a, pomo-nos no pro-
longamento de tres pontos de vista nos
que Heidegger oferece,
a saber: tempo,acontecimento e ele (es) ; aos tresesta subjacente
o ser segundoa sua distingaodo ente,portanto, a diferenga on-
tologica.
1. iAnossadiscussaosobreo tempocomegana aiirmagaode
Heideggerde que o simplese, no entanto,triplice«Reichen»
(atingir)que tudodetermina, abrangeas tresdimensoes do tempo
simultaneamente (ZS 14). A extensaoesta inerentea simultanei-
dade comoseu fundamento possibilitante, que determina as tres
dimensoes, de cada vez, na sua peculiaridade e, portanto,na sua
diferenga e igualmente as mantem coesasna sua unidade.A simul-
taneidade,porem,e ja desde Parmenidese com mais razao em
S. Tomas,o momento fundamental da eternidade, do qual resulta
a duragaosem comegoe sem fim,para a qual habitualmente se
voltao nossoolhar.Maisproximamente trata-se do «todo simulta-
neo» (ftotum simul), trata-seda duragaototalacumuladasemqual-
quer divisao em urnsimples;fala-setambemdo unicoinfinita-
menterico,agoraque esta, (minestans), que abrangee ultrapassa
a divisaoe pobrezados agorasque se substituem mutuamente ou
fluem(nuncfluens).
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278 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

O iiomemtem,certamente, segundoS. Tomas,o seu lugarno


no
tempo, entanto, de tal forma que viveja sempreno horizonte
do
(in horizonte) ponto de contacto de tempoe eternidade
(Summacontragentiles:ScG II, 81), ou seja, nos confins(in
confinio)de tempoe eternidade(ScG HE,61). O seu maisintimo
ultrapassao tempo(supratempus:S theol1, n, q 53, a 3 ad 3).
Nele comegaa eternidade precisamente a demarcar-se do tempoe
a distinguir-se dele.Dai que ele nao estejadirectamente no eterno,
comoqueriaPlatao,mas chegaa ele apenasmediatamente ou me-
diado pelo tempo.O eternomostra-se-lhe na medidaem que ele
experimenta o tempoate ao seu fundamento maisprofundo. Nisso,
o experimentar reflexo tempo, tempoenquantotempo,e
do do
decisivo,o que pressupoeque o homemnao se aifunda ou sogobra
no instantesingular,mas antes tem presentesmuitosde tais
momentos, ou seja, os abrangecomumunicoolhar.Mas, estando
assimporcimado instante singular,ele chegouja semprea simul-
taneidctde que esta subjacente multiplosinstantese a todos
aos
abraga,e a partirdo qual unicamente ele estaemcondigoes de rea-
lizar a sucessaoenquantotal,ou seja, o tempono suceder-se que
Ihe e proprio.Por conseguinte, o experimentar o tempoenquanto
tal,ou seja, comosucessao,incluinecessariamente o experimentar
o eternoou o simultaneo ; aqueleremetepara este comoseu fun-
damentopossibilitante. Ai ha um distinguir-se que se identifica
com a aberturada diferenga ontologica, na qual o eternose dis-
tinguedo temporalou o simultaneo do sucessivo.Todavia,como,
nesseprocesso,se tratado eternoou simultaneo, que estainerente
ao temporalou ao sucessivo,a diferenga ontologicaaqui atingiu
apenaso ©euprimeiro passo,ou seja, aindamaochegaao seu efeito
pleno.
No primeiro passo da diferenga ontologicaesta pre-delineado
o seu segundopasso que S. Tomasdesenvolve expressamente; um
vocabulopara isso e a eternidadepartkipada(aeternitasparti-
cipata: S theolI, q 10, a 2 ad 1). £ que a eternidade inerente ao
tempoparticipana eternidade o
que ultrapassa tempo, e, a
isto
eternidadeimanentepressupoea eternidadetranscendente como
seu fundamento possibilitante. No tempoesta contidoapenas
aquele minimode eternidadeque pertencea constituigaodo
tempo; do mesmomodo,na experiencia do tempoapareceprimei-
ramenteapenasaquele minimode eternidade, semo qual tal ex-
periencia nao e possivel.Neste primeiro passo,a eternidade ou o
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LOTZ - DIFERENQA ONWOLoGICA EM HEIDEGGER 279

simultaneoainda e quebrada pelo tempo ou sucessao e, desse


modo, ainda e alheada a si mesma, ainda nao e totalmenteela
mesma.O simultaneoapenas e dado na sucessao e como sucessao ;
a simultaneidadeenquanto simultaneidade,falando como Hegel,
esta ainda na abstractanao-verdade,ao passo que, segundoa sua
verdadeconcreta,ele nunca se apresentade outra formaque nao
seja na forma da sucessao. A oposigao entre simultaneoe nao-
-simultaneotorna-secontradigaodestruidora,se ambos pertencem
ao mesmo piano, ou seja, o simultaneoencontrano sucessivo a
sua unica e ultima realizagao. A contradigaoso e superada pelo
facto de o simultaneopossuir a sua realidade primeirae original
desde sempre como puro simultaneo^que descansa em si mesmo
des4igado de toda a sucessao, ou seja, aJb-solutoe, portanto,inde-
pendente dela (aeternitas subsistens). Unicamente este eternoe,
sem qualquer auto-al'heamento, totalmenteele mesmo ou total-
mentee de modo inquebrado,aquele simultaneoque coincidecom
o ser puro ou subsistentee que nos, em linguagemreligiosa,cha-
mamos Deus. O eternosujeito a divisao so e possivel atraves da
mentee de modo inquebrado,aquele simultaneoque coincidecom
este por meio da analogia, portantopor meio da diferengasem-
pre maior na coincidencia.Com o simultaneopuro ou subsistente
atinge-seo segundopasso, no qual e so no qual a diferengaonto-
iogica chega ao seu efeitopleno e se mostracomo transcendencia;
so como transcendenciaa diferengaontologica e totalmenteela
mesma e o seu primeiropasso sem este segundonao ternsubsis-
tencia.
2. O tempo provem do acontecer que, em Heidegger, se
chama acontecimentoe nos da o ser num conjunto inseparavel
como tempo.Para Heidegger,o acontecimento permaneceobscuro;
dele apenas se pode dizer que aconteceou, quando muito,o que ele
nao e. A partir de S. Tomas, porem,oferece-separa o aconteci-
mentoaimapossibilidadede interpret aqao, a saber,a da «creatio»,
da criagaoque nao e uma «mutatio»(S theolI, q 45, a 2 ad 2) .
A filosofiagrega conheceapenas a «mutatio»como *fabricar'
que leva uma materiaexistentea uma formae, assim,produzuma
coisa da natureza ou da cultura.A este fenomenoque os G^regos
denominam « Vo/?;a'(;'»,Heidegger aproxima a criagao, enten-
dendo-a como uma formade « 'iroltio-is '» ou como urnfazer. Com
isto« nao se ternsuficientemente em conta o passo verdadeira-
menteenormeque, sob a influencia do cristianismo,o pensamento
BIO]

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280 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

deu emrelacjaoaos Qregos,a saber: a elajboragao da criagdo, que


nao e uma fabricagaomas antesnmproduzirou um brotarde
caracteristicastotalmente particulares.Na criagaosurgealguma
coisa nao atravesde formasde uma materiadada anteriormente,
masatravesdumohamarparaforado nada; de modeque se poe a
totalexistenciade um entee nao apenas a formaque determina
uma materiapre-existente. Este acontecerrealiza-secomosaber
e quererde Deus e nao necessitade modoalgumde um fazer
suplementar (S fcheol
I, q 14,a 8; q 19,a 4; q 25,a 1 ad 4) ; e um
acontecerde verdadee de amore assimumacto pessoalde liber-
dade. Ai dominaa causalidadeontologica, isto e, aquela que se
estendedo ser ao ente,e nao a causalidadeonticaque vai do
onticoao onticoe que significaessencialmente «mutatio». Quando
Heideggerquer mantertoda a causalidadeafastada do aconteci-
mento,isso significaque ternclaramente em vistaa causalidade
onticada qual nao distinguea ontologica.
Assim como, segundoHeidegger,o acontecimento com o
tempoda o ser, assim tambemfornececom o ser o tempo,na
medidaem que e certoque o acontecimento mesmonao e tem-
poral,mas e temporal o ser que deleprovem, apresentaumcunho
essencialmente temporal. De modo semelhante, para S. Tomasde
Aquino, tambem a criagao e um acontecersupra-temporal comoo
eternosubsistente, ao passo que aquiloque delaprovemnao pode
ser sendotemporal(no sentidomaislato). El que, uma vez que a
puraeternidade coincidecomo ser subsistente e, porconseguinte,
excluitodoe qualquerser-criado, a criagaotrazconsigonecessa-
riamente o temporalizar do ser,e, consequentemente, tudoo que e
criadoternumcaractertemporal. Correspondentemente, os passos
do entecriadocoincidem comos diversospassos da temporaliza-
gdo; segundoS. Tomas,nesse processo,ao «aevum»enquanto
modode temporalizagao do espiritopuro,contrapoe-se o «tempus»
como modo de temporalizagao do mundocorporal.E de novo,
dentrodeste,o ser-temporalizado do dominiosub-^humano se de-
marca do temporalizar-se do homem,que, enquantorealizagao
reflexado tempo,ultrapassao acontecernao-reflexo do tempo.
A criagaoe um fenomenotao escondido,que tambemse
pode dizer dele que se mantemna reserva,isto e, permanece
escondido, ao ser descoberto. E istovale sobretudo porquea cria-
gao da ao entenao so o surgirmastambemcada momento do seu
existir,portanto, na medida em que a coisa criada 4 nao so no

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LOTZ- DIFBRENQA ONTOLOGICAEM HEEDEGGER 281

comegomas constantemente, umproduto.Nestesentido,podemos


formular que o ser postopela criagaoe identicoao devir(S theol
I, qlO4).
Comoa «creatio»assimplenamente desenroladaso comdifi-
culdadee acessivel,ficoudesconhecida para os Gregose, mesmo
mais tarde,o pensamento tornoua afastar-sedela maisque uma
vez. Em conexaocom isto,errou-sena diferenga na
ontologica,
em
medida que ela se ref
ere ao processodo ente.Nao se foi nem
vai para alemdas formasonticasda processao, porisso,procura-se
explicaro entea partirdo ente,o que,evidentemente, apenasadia
a questaoda processao,sem a resolver;istovale para o materia-
lismodialecticoe para a cienciada natureza,na medidaemque as
suas afirmagoes (porexemplosobreo eclodiroriginal)significam
algode ultimo.De igualmodo,a «creatio»e muitofrequentemente
entendidaonticamentepor aqueles que chegam a «creatio»,
enquantoDeus e tornadoaipenascomoo eaitemais elevadoe se
faz aproximar o seu criardo fazerde umartesao;e nestesentido
que o proprioHeideggerve a «creatio»quandoa classificaentre
a « 'TToirjcris
» grega.
Ao mesmotempo,porem,ele entrana diferenga ontologica,
poisdistingue da processaoonticaa prooessaoontologica na figura
do acontecimento, processoem que este nao tern que ver apenas
como formarde uma materia,mas pura e simplesmente com o
ser do ente.Nestepontoesta de acordocom S. Tomas,segundo
o qual a «creatio»se refereao ser total (totumesse) ou ao ser
absolutamente (esse absolute)(S theolI, q 45, a 4 ad 1 e q 45, a
5). Portanto,se por um lado a processaoontologicae atingida
comoi undamento de todoo agirontico,poroutrolado a diferenga
emHeideggernao podecuctuar plenamente ou apresentar-se total-
mentecomoela mesmae istoporduas razoes.Em primeiro lugar,
ele nao avangouda causalidadeonticapara a ontologica, e por
isso e que nao querinterpretar o acontecimento comocausalidade
e o deixa indeterminado. Em segundolugar,nao faz remontar o
serque provemdo acontecimento ao serde que provem o aconteci-
mento,porquelhe pareceque uma tal origemdo acontecimento
voltaa cair no entee, por isso,nao (ihepareceser adequadoao
acontecimento e lhe parecesem forgaesclarecedora. A limitagao
que isso implica a afirmagao que nao pode fazer-se remontar mais,
de que o acontecimento acontece, mantem o pensamentonum

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282 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

estadode oscilagaonada satisfatorioque impelepara la de si e o


acompanhaate ao ele («es)comoterceiropasso.
3. Na formulagao«ele ha ser» (es gibt Sein), segundo
Heidegger,o ser deve ser considerado comoo dado,o aconteci-
mentocomoo dar e o ele (es) comoo que da. Nesta ordemde
coisas,o ser esta de tal formaescondidono ente,que para Hei-
degger,o pensamento ocidentalnoseu conjunto,move-se no esque-
cimento do ser.Aindamaisprof undamente escondido do queo ser,
e, no ser,o acontecamento, mas maisescondido que nenhum outro,
e, no acontecimento, o ele (es), que Heideggerapenasnomeiae
toca, sem entrarem determinagao mais proxima.S. Tomas de
Aquino,pelocontrario, f az remontar a Deus comoCriadora «crea-
tio» correspondente ao acontecimento. Esta respostanao inte-
ressa a Heidegger,pois ele contaDeus entreos entes (Hum19
s.) e, consequentemente, fa-losubordinar ao ser; dai que valha
para ele que ele como «todo o ente nao e nemnuncae propria-
ao o «£»
mente», passo que propriamente permanecereservado
ao ser (Hum 22). Apesarde tudo,Deus mostra-secomoaquele
enteprivilegiado que so e acessivela partirda verdadedo ser
(Hum 26 e 36 s.). O textoseguinte,numa expressaoextrema-
menteousada tomaDeus comoente: «Existenciae existir(Vor-
handensein)sao mais diversosdo que, por exemplo,as determi-
nagoesdo ser de Deus e do ser do homemna ontologiatradicio-
nal. Porque estes dois entescontinuamainda a ser concebidos
como existente(Vorhandenes)»(Plhan250). A concepgaoque
aqui apareceestacertaemgrandemedidano que se referea onto-
logia pos-tomasica, que toma o homeme ate mesmoDeus em
primeiraIMia no sentidodo existentee, desse modo,persiste
numa oposigaoa existenciacaracterizada,segundoHeidegger,
pela revelaibilidade do ser, em que, contudo,ha uma traigaoa
ontologia de S. Tomas de Aquino.
QuandoS. Tomas denominaDeus urnente>isso nao sucede
nuncano sentidode Heidegger, massima maneirado «ens»trans-
cendentalque, emS. Tomas,se distingue cuidadosamente do ente
finitoe contingente (De Verql, aleq21, al). Porem,a versao
ultimae apropriadaque S. Tomasda ao misterio de todosos mis-
terios,situa-secompletamente na linha do ser. Ele distingueo
ser que competea cada um dos entes(esse suumou esse rei); o
ser-mesmo (esse ipsumou actusessendi)comoplenitude absoluta
que ainda na
permanece indeterminagao; o ser comum (esse
D13J

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LOTZ - DIFERENQA ONIT0L6GICAEM HEIDEGGER 283

commune), nomeadamente o ser-mesmo enquantotudonele con-


vem;finalmente, o ser divino subsistente(esse subsistenson esse
divinum)(S theol I, q 3, 4; q 4, 2). Aquiloque emHeidegger,
a a
se chama o ele (es) que da, S. Tomasdetermina-o como o ser
subsistente, de quernprovema «creatio»,para cuja proximidade
conduzo acontecimento de Heideggere da qual forotao ser do
ente.O ser subsistente, porem,vistoa partirde Heidegger, acom-
panha nao o existente mas a existencia,enquanto e a revelabilidade
do sermesmo, ou seja,o serna sua realizagaomaisalta.Do mesmo
modo,nao e comoo entefinitouma subsistenciaque precedea
realizagao,mas sim a realizagaopura mesma (actus purus),e
por isso e que, mais uma vez,ele acompanhaa existencia.Final-
mente,o ser subsistente e o mais escondidode todos,porque,na
sua comunicagao, persisteem si e, assim,permanence o abnsoluto
ou des^ligadode todoo ente.Isto exprime-se em S. Tomasnuma
passagemmuitasvezesmalenteindida masessential,a saber:tudo
o que e criadoesta numarelagaoreal necessariaao ser subsis-
tente,ao passo que estenao admite,para si, nenhuma relagaoreal
de3setipo; so se diz que o que cria esta relacionadocomo que e
criado,porqueeste esta referido, em relagaoreal,aquele.Dai se
segueque o ser subsistente domina forada ordemtotalda criatura
(extra totum ordinem creaturae) como o simplesmente ab-soluto,
nao incluidona redede relagoesdas criaturasentresi (S theol,I,
q 13,a 7) e, portanto, comoo de mais dificilacesso e, porconse-
guinte, muitas vezes nao atingido, tambem porHeidegger.
Aqui mostra-se a diferenga ontologicatotalmente comoela
mesma,ou seja, segundoo seu «mesmo»mais intimo, na medida
emque o ser subsistente surgecomoa transcendencia ab-soluta.
Mas esta e identicaa igualmente absolutaimanencia;a diferenga
ontologicaafirmao maximoultrapassarjuntamente coma mais
profunda penetragao. Com isto esta dada necessariamente a per-
sonalidadeabsoluta; porque o ser divinoe, por causa da sua
subsistencia, nao apenasa revelabi'lidade absoluta,mas tambema
posse absoluta de si mesmo, o e
que equivalente a auto-consciencia
absolutae a auto-disposigao e, portanto, actosfundamentals
aos
da vida pessoal. A autonomiapessoal corresponde apenas total-
mentea diferenga ontologicaplenamente expressa,ao passo que
o ele (es) nao trazconsigo,sem mais,tal autonomia. Ao mesmo
tempo consuma-se a mesma diferengaontologica relativamente
ao acontecimento, na medidaemque,a luz da personalidade abso-
0143

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284 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

luta, a causalidadeontologicase demarcaclaramentesegundo


a sua distingaoda ontica.Ela apresenta-se comoa comunicagao
do ser a partirda lit^erdadeajbsolutaou comoaibsolutoacontecer
de verdadee de amor,cuja origeme atingidaa umacomo modo.
Com estes tragosessenciais,descrevemos a «creatio»na qual
aquilo que no acontecimento se insinuava as apalpadelas,se en-
contrarealizadoe a diferengaontologicaencontrafinalmente a
sua expressaocompleta,semque nem o acontecimento degenere
numfazer,nemo ele (es) numente.
So na visao de S. Tomasde Aquino£que a diferengae defini-
tiva e verdadeiramente diferengae, por conseguinte,o ser ver-
dadeiramente o
ser e, portanto, ente verdadeiramente entee,final-
mente,o homemverdadeiramente iiomeme Deus verdadeiramente
Deus. Isto nao e aqueleDeus rebaixadoa urnente,de quernHei-
deggerdiz: «a esteDeus,o homemnao poderezarnemsacrificar».
Diantedele,«nao podecair de joelhospor temor,nem,emhonra
deste Deus, cantare dangar»(ID 70). Aproximamo-nos, antes,
daquele «Deus Divino» (BD 71) que, comoser ajbsolutodispoeo
homem,na sua grandezae nos seus limites,e que, como o tu
absoluto,o abala e o atrai,bemcomoo despertapara a adoragao
amorosae para o amoradorante.

J. B. LOTZ

DIG]

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