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fi~::· ÉMILE BRÉHIER

Tomo I
(Fase.,I) I
/

Este livro de ~mile Bréhier, professor da

L~LrT~ T·!. 0/ ~.}1R,


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Faculdade de Letras da Universidade de Paris,
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r e um dos mais portentosos pensadores con-
temporâneos, que a EDITORA MESTRE JOU
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se sente orgulhosa de apresentar na tradução


I
DA..
I de Eduardo Sucupira Filho, constitui.a primeira I.
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parte do Tomo I,compreendendo a Introdução
'e o Período .Helêntco.
Trata-se, conquanto já esteja na 9.a edição
I
I

I
:
FlljO'SO~FI)~.
d original, da mais recente InSTORIA DA
,f, FILOSOF~ publicada na Europa. ~ umtra- TOMO PRIMEIRO
. .~'I
.balho erudito, didático, claro. Como pretende'
o Autor, seu desígnio é de uma obra elementar, A Antigüidade e a Idade Média
adequada ao uso como texto escolar univer-
sitário. I
Na Introdução, Bréhíer refere-se à contro-
vertida questão da origem oriental ou ocidental
da Filosofia. Em qualquer hipótese, admite, Introdução -, Período- Helênico
.como é geralmente aceito, que a reflexão filo-
s6fica, tal qual a entendemos no Ocidente, só
alcançou sua maturidade na Grécía, a partir de
Arístôteles (385-323aC), fundadot da escola
Tradução de
peripatética e uma das inteligências mais vastas EDUARDO SUCllPlRA FILHO
de que se' tem notícia; mesmo' admitindo-se
Tales, dois séculos antes, como "primeiro fi-
lósofo". .
No Período Helênico,o catedrático aborda:
os pré-socrâtícos, S6crates, Platão e a Acade-
mia e Arist6teles e o Liceu.
O Plano geral da- obra prevê i o Tomo I, I
subdividido em .três fascículos, da Antigüidade I
até a Idade Média,' o· Tomo n, em quatro
'1
: fascículos, as filosofias moderna e eontempo- I
rãnea, e ainda dois suplementos: A Filosofia I
V;;~/,
no Oriente, de P. Masson-Oursel. e a Filosofia
.Bizantina por B. Tatakis.
Se a missão da História é outorgar veraci- I
dade e inteligibilídade
atinge-a, soberanamente.
aos fatos, o Autor I
!
I

I EDITORA MESTRE. JOU .


1o:~i':J SÃO PAULO

I
Primeira edição em francês 1938
Nona e-diçãoem francês................................... 1967
Primeira edição em castelhanc 1962
Primeira edição em português 1977

INTRODUÇÃO
TíTULO OR!GINAL

mSTOIRE DE LA PHILOSOPHIE

E· M certas ocasiões, a. história da filosofia poderia ter-se revelado


. como empecilho ao pensamento vivo, urna carga e um obstáculo
para quem se lançasse à busca da verdade. "Não creias no passado! -
referia-se Emerson à natureza. Eu te entrego um mundo novo, pela pri-
meira vez. Nos momentos de lazer, sonhas que existe atrás de ti história,
literatura e ciência bastantes para esgotar o 'pensamento e prescrever-te o
futuro, e, também, todo o futuro. Nos momentos de lueidez, verás que
nada ainda foi escrito."! Palavras de pioneiro conquistador, que
manifesta surdo rancor pelo passado em face da liberdade do futuro. É
também, em outro sentido, ti liberdade de espírito que Descartes procla-
mava contra as forças do passado, ao reconstruir, desde os, alicerces, o
edifício da. filosofia.
Ha, em verdade, múltiplas razões para temer o passado, quando se
pretende permanecer no presente e nele eternízar-se, como se apenas a
permanência criasse algum direito. Mas a história é, precisamente, a dis-
ciplina que encara o passado como tal, e que, quanto mais o penetra,
mais percebe, em cada um desses momentos, uma originalidade sem pre-
cedentes e que jamais retomará. Longe de ser um entrave, a história é,
pois, em filosofia, como em tudo, verdadeira libertação. Ela só, pela va-
riedade de vistas que proporciona ao espírito humano, pode desarraigar
preconceitos e deter os juizos prematuros.
Contudo, é possível uma visão de conjunto do passado filosófico?
APÔNIS Não correrá o risco de, em virtude de sua enorme complicação de fatos,
ser muito difícil, se não seleciona e prefere somente abandonar-se ao rit-
mo de pensamentos indefinidamente múltiplos, ou ainda superficial, se
escolhe? É certo que não se pode representar o passado sem, de qualquer
maneira, classificar os fatos; esta classificação implica certos postulados.
A própria idéia de levar a cabo urna história da filosofia supõe, com
© Presses Universitaires de France. Paris .. efeito, que foram admitidos e resolvidos, pelo menos provisoriamente, os
Direitos autorais reservados para 05 países de língua portuguesa pela três problemas seguintes:
EDITORA MESTRE JOU
Rua Guaipá, 51g - Vila Leopoldina Autobiographie, I, 273, tradução francesa de R. Michaud.
São Paulo

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8 Émíle Bréhier História da Filosofia 9

I Quais as origens e quais as fronteiras da filosofia? A filosofia céu era ainda inominado, e embaixo, tampouco a terra tinha nome, do
Apsou primigênio, pai, e da tumultuosa Tiamat, a mãe de todos, todas
nasceu no século VI a.C; nas cidades jônicas, como admite a tradição
as águas se confundiam numa." I Esses textos são suficientes, ao menos
que remonta a Aristóteles, ou teve origem mais antiga, nos países gregos
ou orientais? O historiador da filosofia pode e deve limitar-se a seguir o para nos convencer que Tales não foi o inventor de uma cosmogonia ori-
ginal: as imagens cosmogónicas, que, talvez, determinou, existiam desde
desenvolvimento da filosofia na Grécia e nos países de civilização greco-
muitos séculos. Pressentimos que a filosofia dos primeiros fisiólogos da
-romana, ou deve estender suas vistas às civilizações do Oriente?'
li. Em segundo lugar, até que ponto e em que medida o pensamen- Jônia podia ser uma forma nova de um tema extremamente antigo.
As pesquisas. mais recentes sobre a história das matemáticas condu-
to filosófico teve desenvolvimento' suficientemente autônomo para tor-
nar-se objeto de uma história distinta da de outras disciplinas intelectu- zem à conclusão análoga. Desde 1910, G. Milhaud escrevia: "Os materi-
ais? Não está ele demasiadamente ligado às ciências, à arte, à religião, à ais acumulados nas matemáticas pelos orientais e os egípcios eram, deci-
didamente, mais importantes e mais ricos como não se suspeitava, ainda,'
vida política, para que se possa fazer das doutrinas filosóficas objeto de
há uma dezena de anos." 2
uma pesquisa separada?
III. Finalmente, pode-se falar de uma evolução regular ou de um Finalmente, os trabalhos de antropólogos sobre as sociedades infe-
riores introduzem novos dados que vêm complicar, ainda mais, o proble-
progresso da filosofia? Ou, então, o pensamento humano possui, desde o
começo, todas as soluções possíveis dos problemas que apresenta, e não ma da origem da filosofia. Encontram-se, com efeito, na filosofia grega,
traços intelectuais que não têm analogia senão em uma mentalidade pri-
faz senão repetir-se indefinidamente? Ou, ainda, os sistemas se substi-
tuem uns aos outros de maneira arbitrária e contingente? . .I)litiva. As noções empregadas pelos primeiros filósofos, como as de des-
tino, justiça, alma, deus, não foram criadas ou elaboradas por eles; são
Desses três problemas pensamos que não existe qualquer solução ri- idéias populares, representações coletivas que encontraram. São, parece,
gorosa, e todas as soluções, que se pretendem aplicar, contêm postulados noções. que lhesserviam de 'esquemas ou de categorias para conceber a
natureza exterior. 'A idéia que os fisiólogos jônios faziam da ordem da
implícitos. É, portanto, indispensável tomar posição acerca dessas ques-
tôes, se se deseja abordar a história da filosofia. O único partido possível natureza; como um agrupamento regular de seres ou de forças às quais o
é separar, explicitamente, os postulados contidos na solução que admitir- destino soberano impõe limites, deve-se à transferência' da ordem social
no mundo exterior. A filosofia não é, talvez, em seus começos, senão
mos.
uma vasta metáfora social. Fatos tão estranhos, como o simbolismo nu-
I mérico dos pitagóricos, que admitiam que "tudo é número", explicar-se-
-iam por essa forma de pensamento, que um filósofo alemão denominava,
A primeira questão, a das origens, permanece sem solução precisa. .' recentemente, de "pensamento morfológico-estrutural" dos primitivos, o
Ao lado dos que, com Aristóteles, fazem de .Tales, no século VI a.c., o qual opuriha ao pensamento funcional baseado sobre o princípio de cau-
primeiro filósofo, havia já, na Grécia, historiadores que faziam remontar . salidade, como a tribo norte-americana dos zunis atribui à sua raça uma
além do helenismo, até aos bárbaros, as origens da filosofia. Diógenes divisão em sete partes, a divisão, em sete, da aldeia, das regiões do rnun-
Laércio, no prefácio de sua Vidas dos Filósofos, fala-nos da antigüidade . do, dos elementos, do tempo, assim os pitagóricos ou mesmo Platâo, no
fabulosa da filosofia entre os persas e entre os egípcios. Desde a Antigüi- Tímeu, inventam, continuamente, correspondências numéricas da mes-
dade, portanto, as duas teses se defrontam: a filosofia é uma' invenção ma ordem.! A semelhança, afirmada no Timeu, entre os intervalos dos
dos gregos ou uma herança que receberam dos "bárbaros"? planetas e a escala musical parece-nos inteiramente arbitrária, e a lógica
Parece que os orientalistas, à medida que nos desvelam as civiliza-
ções pré-helênicas, tais como a mesopotâmica e a egípcia, com as quais
as cidades da Jônia, berço da filosofia grega, tiveram contato, dão razão
à segunda das teses. É impossível não se perceber a afinidade de pensa- I DELAPORTE, La Mésopotamíe, "Bibliothêque de synthése historique",
1923, p. 152.
mento entre a conhecida tese do primeiro filósofo grego, Tales, segundç 2 r hístoíre de Ia pensée scíentifique Paris 1910p.
Nouvelles études sur
a qual todas as coisas são feitas da água, e o começo do Poema da Cria- 127: l ' , ,
ção, escrito muitos séculos antes na Mesopotámia. "Quando, no alto, o. 3 CASSIRER, Díe Bf5gríffsforlJl im "f77ythischen Denken, Lípsía, 1922.
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10. Émile Bréhier


História da Filosofia 11

,, escapa-nos, tanto quanto a da participação, estudada por L. Lévy-Bruhl o mundo greco-rornano, depois cristão, de uma parte, e o mundo extre-
em seus trabalhos sobre a mentalidade primitiva.
li Assim sendo, os primeiros sistemas filosóficos dos gregos não se-
riam, de modo algum, primitivos; não seriam senão a forma elaborada
mo oriental, de outra, tiveram desenvolvimento intelectual completa-
mente independente um do outro: neste caso, seria possível fazer abstra-
ção da filosofia do Extremo Oriente em uma exposição da filosofia oci-
I r..,
de um pensamento bem mais antigo. Indubitavelmente, é nessa mentali- dental. A situação está "bem longe de ser clara: desde logo, para a Anti-
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dade que se deveria buscar a origem verdadeira do pensamento filosófico
ou, pelo menos, de um de seus aspectos. I A. Comte nào se enganara ao
considerar como raiz da representação filosófica do universo aquilo que
güidade, as relações comerciais fáceis, a partir de Alexandre até a inva-
são dos árabes, entre o mundo greco-romano e o Extremo Oriente, tor-
naram possíveis as relações intelectuais. Disso não temos testemunhos
chamava de fetichismo. Agora que, mediante o folclore e os estudos so- apreciáveis. Os gregos, viajantes ou filósofos, muito escreveram sobre a
bre os povos não civilizados, se tem um conhecimento mais preciso e po- Índia dessa época; os restos dessa literatura, particularmente nos II e III
sitivo do estado de espírito dos primitivos, pressente-se melhor tudo o , ~
1 séculos de nossa era, dão testemunho, pelo menos, de viva curiosidade
que subsiste na metafísica evoluída dos gregos. pelo pensamento indiano. De outra parte, na alta Idade Média, desenvol-
Destarte, os primeiros "filósofos" da Grécia nada tiveram, verda- veu-se, no mundo muçulmano, uma filosofia, cujo essencial se consti-
deiramente, que inventar; trabalharam sobre representações complexas e tuía, certamente, do pensamento grego, aristotélico ou neoplatônico, mas
ricas. mas também confusas, as quais dificilmente podemos imaginar. que, entretanto, não parecia haver-se formado sem sofrer, em várias
Mais do que inventar, necessitavam desenovelar e selecionar, ou melhor, oportunidades, a influência da vizinhança indiana. Ver-se-a que lugar
a invenção consistia no próprio discernimento. Melhor se poderia com- ocupou essa filosofia árabe na' cristandade, desde o século XIII até o
preendê-Ias, sem dúvida, se se soubesse o que rejeitaram. em vez de sa- XVI. É, portanto, uma questão muito importante saber quais os graus e
ber o que conservaram. De outra parte, vê-se reaparecer, âs vezes, repre- os limites dessa influência, direta ou indireta. Mas é também uma ques-
sentações rejeitadas,e o pensamento primitivo subjacente desenvolve tão muito difícil: a influência da Grécia sobre o Extremo Oriente, hoje
contínuo esforço, que, em certasocasiões, tem êxito, para ultrapassar os provada em matéria de arte, tem sido, sem dúvida, muito forte no do-
diques que o encerram. mínio intelectual e muito mais forte que a influência inversa da India so-
Se, apesar dessas advertências, preferimos começar nossa história a bre o helenismo. Dada a incerteza de datas da literatura indiana, as se-
partir de Tales, não é porque desconheçamos a Iongapré-história em que melhanças entre o pensamento grego e indiano não podem atestar de
se elaborou o pensamento filosófico; é somente pela razão prática de que qual das duas provém a influência. Parece que só por influxo grego che-
os documentos epigráficos das civilizações mesopotámicas são pouco nu- garam os hindus a dar à exposição de suas idéias o caráter sistemático e
merosos e de difícil acesso, e também porque os documentos sobre os ordenado que nossos hábitos intelectuais, herdados dos gregos, nos fa-
povos selvagens não nos podem fornecer indicações sobre o que tenha si- zem considerar como inseparáveis da própria noção de filosofia. .r
do a Grécia primitiva. . Apesar dessas dificuldades, uma história da filosofia não tem o di-
*~.* rei to' de ignorar o pensamento extremo oriental: assim, à parte das indi-
cações que remos dado sobre as influências do Oriente, à medida em que
se manifestam no Ocidente, pedimos ao conhecido especialista do pensa-
A questão das fronteiras da história da filosofia, conexa à das ori- mento hindu, ao mesmo tempo filósofo, P. Masson-Oursel, I completar
gens, tampouco se pode resolver com exatidão. E inegável que tem havi- essa História, expondo o desenvolvimento da filosofia no Médio e Extre-
do, em certas épocas, nos países do Extremo Oriente e, sobretudo, na In- mo Oriente. 2
3'
.. )1 dia, verdadeira floração de sistemas filosóficos Mas, trata-se de saber se
'.

I Ver sobre o assunto o impressionante livro de F. M. CORNFORD. From I P. MASSON-OURSEL, Esquisse d'une histoire de Ia philosophie índienne,
religion to ~hilosophy, Lond;es,. 1912. [ef. É. BRÉHIER, "Une nouvelle théorie sur Paris, !923; ver, também, sua contribuição à Indeantique et Ia Civilisation indienne,
les origines de Ia philosophie grecque", Études de Phllosophie antique, Paris, 1955, 1933. Cf. OLTRAMARE, Histoire des idées théosopbiques dens tInde, 2 vols.,
1907 e 1923. .
pp. 33-43.J
2 [Ver o primeiro 'fascículo suplementar: La Philosophie en Orient.}
Émile Sréhier História da Filosofia 13
12

II história das técnicas, de onde surgiram e que elas aperfeiçoam. Não há


lei científica que não seja, sob outro ponto de vista, regra de ação sobre
Nosso segundo problema é o referente ao grau de independência da as coisas; a filosofia é pura especulação, mero esforço para compreender,
história da filosofia acerca da história das outras disciplinas intelectuais. sem outra preocupação.
Mas recusamo-nos a apresentá-Ia dogrnaticamente, como se se tratasse Seria aceitável tal solução, se não tivesse por conseqüência imediata
de cindir o complexo das relações da filosofia, tomada como coisa em si eliminar da história da filosofia todas as doutrinas que levam em conta a
com a religião, a ciência ou a política. Queremos apresentá-Ia e resolvê-Ia crença, a intuição, intelectual ou não, o sentimento, isto é, as doutrinas
historicamente, o que significa não admitir solução simples e uniforme. principais; implica, pois, uma opinião restrita sobre a filosofia, mais do
A história da filosofia, se quiser ser fiel, não pode ser a história abstrata que uma visão exata de sua história. Isolar uma doutrina do movimento
das idéias e dos sistemas, separados das intenções de seus autores e da at- de idéias que a determinou, do sentimento e da intencionalidade que a di-
mosfera moral e social de onde provieram. É impossível negar que, em rigem, considerá-Ia como um teorema que exige prova, é substituir por
diferentes épocas, a filosofia gozou de posição muito diferente, naquilo um pensamento morto um pensamento vivo e significativo. Não é pos-
que se poderia chamar de regime intelectual do tempo. No decurso da sível compreender uma noção filosófica senão com relação ao conjunto
história, encontramos filósofos que, sobretudo, são sábios; outros, refor- de que ela faz parte. Quantos matizes diferentes, por exemplo, há no sen-
madores sociais, como Augusto Comte, ou mestres de moral, como os tido do famoso: "Conhece-te a ti mesmo!" Para Sócrates, o conhecimen-
filósofos estóicos, ou pregadores, como os cínicos. Há, entre eles, medi- to de si significa o exame dialético e a comprovação de suas próprias opi-
tadoressolitários, profissionais do pensamento especulativo, como Des- niões; para Santo Agostinho, é um meio de alcançar o conhecimento de
cartes ou Kant, ao lado de homens que visam à influência prática ime- Deus pela imagem da Trindade que encontramos em nós; para Descar-
diata, como Voltaire. A meditação pessoal é, às vezes, simples reflexão tes, é como uma aprendizagem da certeza; para os upanishads da Índia, é
sobre si; outras vezes, confina com o êxtase. o conhecimento da identidade do eu e do princípio universal. Como,
Não é exclusivamente por influência do temperamento pessoal que pois, apreender essa noção e dar-lhe um sentido, independentemente dos
eles são diferentes, mas por causa do que a sociedade, em cada época, fins para os quais a utilizamos?
exige de um filósofo. O nobre romano, que procura um diretor de cons- Uma das maiores dificuldades que se possa opor à idéia de uma his-
ciência, os papas do século X111, que vêem no ensino filosófico da Uni- tória abstrata dos sistemas é o fato que se poderia chamar deslocamento
versidade de Paris um meio de afirmação do cristianismo, os enciclope- do nível das doutrinas. Para dar um exemplo significativo, pensemos nas
distas, que querem pôr fim à opressão das forças do passado, pedem à fi- ardorosas polêmicas, que continuaram por séculos,sobre os limites dos
. losofia coisas muito diferentes. Ela se faz, alternativamente, missionária, domínios da fé e da razão. Poder-se-ia encontrar bom número de doutri-
crítica, doutrinal. rias consideradas, em certo momento, como fé revelada e, em outros, co-
Dir-se-á que são acidentes. Pouco importa o que a sociedade preten- mo doutrinas de razão. A secura e a pobreza da filosofia propriamente
de fazer da filosofia. O que é importante é o que ela continua sendo em dita, na alta Idade Média, são compensadas pelos tesouros da vida espiri-
meio às diferentes intenções dos que a utilizam. Quaisquer que sejam as tual que, da filosofia pagã, se transferiram para os escritos teológicos de
divergências, não há filosofia senão quando há pensamento racional isto Santo Ambrósio e Santo Agostinho. A afirmação da imaterialidade da
é, um pensamento capaz de auto crítica e de esforço para justificar-se me- alma, -provada racionalmente por Descartes, é, para Locke, uma verdade
diante razões. Essa aspiração a um valor racional não é, como se poderia de fé. Nada mais surpreendente do que á transposição que Spinoza fez
pensar, um traço característico' e permanente para justificar essa história sofrer à noção religiosa de vida eterna, interpretando-a mediante noções
abstrata de doutrinas, essa "história da razão pura", como diz Kant inspiradas no cartesianismo! De tais fatos, facilmente multiplicáveis, re-
quem dela. esboçou a idéia? I Suficiente para distinguir a filosofia da sulta que não se caracteriza suficientemente uma filosofia indicando as
crença religiosa, esse traço diferencia-a, também, das ciências positivas, doutrinas que sustenta; importa, muito mais, ver em que espírito ela as
porque a história das ciências positivas é completamente inseparável da sustém e a que regime mental pertence.
Isso significa que a filosofia não poderia viver separada do resto da
vida espiritual, que se manifesta, ademais, nas ciências, na religião, na
Crítica da Razão Pura, "Metodologia transcendental", capo IV. arte, na vida moral ou social. O filósofo dá-se conta de todos os valores
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14 Emile 8réhier Historie da Filosofia í5


I:

espirituais de seu tempo para aprová-Ios, criticá-Ios ou transformá-I os. ca moderna. Nossa história da filosofia nasceu, verdadeiramente, na épo-
Não existe filosofia onde não existe esforço por ordenar hierarquicamen- ca do Renascimento, ao serem descobertos, no Ocidente, os compiladores
te os valores, dos fins da Antigüidade: Plutarco, cujos escritos compõem um tratado
Será, pois, preocupação constante do historiador da filosofia perma- Sobre as Opiniões dos Filósofos, Sexto Empírico, Estobeu, os Es-
necer em contato com a história política gera] e a história de todas as trõmetos, de Cle~ente de Alexandria, e, sobretudo, as Vidas dos Fi-
disciplinas do espírito, antes do que pretender isolar a filosofia como téc- lósofos, de Diógenes Laércio, que reúne, em inexprimível desordem,
nica independente das outras. fragmentos de todas as obras antigas de história da filosofia, a partir dos
Essas relações com outras disciplinas espirituais não são, de modo trabalhos dos discípulos de Aristóteles. Para esses autores, abriam-se,
nenhum, uniformes e invariáveis, mas apresentam-se de feitio diferente, acima da diversidade de seitas antigas, da sucessão de escolarcas e das
segundo as épocas e os pensadores. A especulação filosófica pode ser re- próprias escolas, perspectivas que haviam escapado, inteiramente, ao
lacionada, às vezes, com a vida religiosa, outras vezes, com as ciências pensamento medieval. As primeiras histórias imitaram, sem alterá-Ias,
positivas, com a política e a moral, algumas vezes, com a arte. Há mo- essas compilações; foram tratados, como o de Burleus, sobre as Vidas
mentos em que predomina o valor de uma das disciplinas, enquanto ou- dos Filósofos (J 477).
tras quase se eclipsam. Assim, no transcurso da Antigüidade Clássica, Deduz-se disso que a história se limita, a princípio, à filosofia anti-
assistimos, em geral, a um decréscimo gradual das ciências, acompanha- ga ou, mais exatamente, ao período que vai até o primeiro século de nos-
do pelo papel crescente da religião: enquanto, na época de Platão, a evo- sa era, isto é, até a época em que, geralmente, se detêm os compiladores
lução das matemáticas envolve um interesse muito particular para o his- a que aludimos. A história da filosofia antiga posterior introduz-se, em
toriador, no tempo de Plotino, a invasão das religiões orientais de salva- verdade, graças ao estudo direto das grandes obras neoplatônicas, mas a
ção exige maior atenção, É o momento em que devemos apresentar o Antigüidade se encontra, desse modo, completamente separada da Idade
problema, ainda tão difícil de resolver, da influência real do cristianismo Média, e a idéia de que pudesse haver continuidade de uma à outra esca-
sobre a filosofia. A época atual vê, em torno da filosofia, uma luta de' in- pa completamente. Esta separação é tão denunciada, que Jônsio, coletan-
fluências bastante áspera para que essa meditação sobre o passado não se do as fontes da história da filosofia, se limita a mencionar, isso em 1649,
torne inteiramente inútil. à exceção de curto capítulo, escritores antigos que escreveram sobre a
história da filosofia (De Scriptoribus historiae philosophicae, livro
III IV, 1649). Não obstante, per essa época, a história da filosofia do medie- -
vo começara a ser estudada por si mesma: Launoi escrevia uma história
Há um terceiro problema, acerca do qual o historiador da filosofia, das escolas medievais. J
evidentemente, é obrigado a tomar posição. Dispõe a filosofia de uma lei A história da filosofia é, portanto, nesse momento, mais do que pu-
de desenvolvimento, ou a sucessão de sistemas é contingente e depende tra coisa, a história das seitas; Desse modo, interpreta-a Bacon nos pla-
do acaso de temperamentos individuais? Esta questão situa-se entre ou- nos que traça acerca das ciências. 2 A história das seitas constitui, para
tras importantes: a história da filosofia tem, atrás de si, longo passado, ele, uma parte, a última, da história literária. Esta, em seu conjunto, tem
que lhe pesa surdamente; particularmente, sob o ponto que nos interessa, por objeto mostrar a origem, o progresso, os retrocessos e os renasci-
das tradições, às quais não pode, mais ou menos, deixar de acomodar-se. mentos das "doutrinas e artes". "Que se acrescentem a ela, diz Bacon. as
São tradições, que desejamos destacar para conveniente apreciação. seitas e as controvérsias mais célebres de que se ocuparam os doutos; que
A idéia de considerar a história da filosofia no conjunto e unidade de se enumerem os autores, livros, escolas, os seguidores dos chefes de es-
seu desenvolvimento é relativamente recente. É um aspecto das doutri- cola, as academias, sociedades, _colégios, as congregações." Esse plano
nas acerca do "progresso do espírito humano", que vieram à luz em fins baconiano é perfilhado por Georges Horn, autor da primeira história ge-
do século XViII. De um lado, a filosofia positiva de Augusto Comte e, ral da filosofia, que expressa seu desenvolvimento, desde as origens até o
de outro, a filosofia de Hegel incluem, como elemento necessário, uma
história das tentativas filosóficas da humanidade: o espírito humano não
se define isolando-se de sua própria história. 1 De Scholis celebrioribus seu a Carolo magno seu post Cerotum per occi-
dentem instaura tis, 1672. -
Essa não foi absolutamente a história da filosofia na aurora da épo- 2 De Dignitate et augmentis scientiarum, Iiv. II, cap. IV.

-I

~---------~--~
16 Émí/e Brehier História da Filosofia 17

século XVIII. No prefácio, citá Bacon: e o 'título completo da obra indica Destarte, de toda a erudição do Renascimento, não se recolhe mais
bem sua característica baconiana. Historiee phi/osophicae /ibri sep- do que um resultado: a fragmentação do pensamento filosófico em uma
tem, quibus de origine, successione, sectis et vita phi/osophorum infinidade de seitas; ou se escolhe uma dessas seitas, convertendo-se em
ab orbe condito ad nostram eetetem eqitur. J O que interessa ao au- s.ectário-, ou s~ as destrói, ~ada uma pela que lhe é oposta, e se acaba cép-
tor é menos a análise e o conhecimento preciso' do conteúdo das doutri- tico. Nao havia como fugir a essa fatalidade, senão separando completa-
nas do que sua enumeração e seqüência; manifesta, a respeito da história mente a filosofia da filologia. o que foi o empreendimento dos grandes
da filosofia propriamente dita, a posição que a história da Igreja tem pensadores do século XVII. Desde 1645, observa Horn, com grande
acerca dos dogmas: e assim, como não existe, nesse momento, história acerto, que seu século. com Descartes e Hobbes, é o século dos filósofos.
dos dogmas, não existe, tampouco, verdadeira história da filosofia. ao pa_sso,que o precedente havia sido o dos filólogos. O que se quer, ago-
. Em verdade, o objetivo dos homensdo Renascimento não é o de in- ra, nao e mais restaurar uma seita, nem substituir uma seita nova pelas
formar-se do passado, mas restaurá-lo e fazer remontar o espírito às suas antigas, mas encontrar. acima da opinião sectária, na própria natureza
fontes vivas. Dessa maneira, apaixonam-se pela seita que estudam; não do espírito humano, as origens da verdadeira filosofia.
se é historiador do platonismo sem ser, ao mesmo tempo, platônico, Há, . Nessas condições novas, ou bem a história da filosofia continuará a
portanto, em relação a essa atitude, platônicos e estóicos, epicuristas e ser, pura e simplesmente. história de seitas, e então adstringir-se-á a enu-
acadêmicos, e mesmo pré-socráticos. A história retira desses recontros o merar erros ou aberrações do espírito humano, tornando-se aborrecida
maior resultado: Marsílio Ficino dá a conhecer Platão ePlotino, na pri- erudição, ou então deverá transformar profundamente perspectivas e
meira metade do século XVII, Justo Lípsio estuda com atenção e classi- métodos.
fica o conjunto de textos conhecidos sobre os estóicos; Bérigard, em seu O tema comum dos racionalistas dos séculos XVII e XVIII é que a
Circulus Pisenus, chama atenção para os primeiros físicos da Grécia, história da filosofia se assemelha a uma espécie de museu das extrava-
Gassendi intenta dar um retrato fiel de Epicuro.? gâncias do espírito humano. Para explicar tão desfavorável julgamento
Nesses trabalhos dos "sectários", mais do que nos trabalhos de pura sobre o passado, é preciso ver de que modo as histórias da filosofia ha-
erudição, é onde se deve procurar a história propriamente dita das dou- viam apresentado essa questão. No grande trabalho de Brucker, Historia
trinas. Uma dessas seitas apresenta, em relação ao ponto de vista de que critica phi/osophiae (I 741-44), que, até fins do século XVIII e em par-
nos ocupamos, especial importância, é a dos acadêmicos e pirrónicos, ticular entre os enciclopedistas, é a obra mais utilizada, se encontra um
um dos argumentos tradicionais do cepticismo é, com efeito, a existência esquema tradicional do desenvolvimento histórico, que provém da Cida-
da diversidade de seitas; e uma das fontes principais do historiador reside de de Deus, de Santo Agostinho J e vem sobrevivendo aos séculos: a fi-
no grande tratado de Sexto Empírico: Contra os Dogmáticos, editado e losofia parte do começo dó mundo; os gregos mentiram ao afirmar que
traduzido, em parte, por Henry Estienne, em 1562. Sexto Empírico ali eram os primeiros filósofos; em realidade, tomaram suas doutrinas a
expõe, demoradamente, as variações de opinião acercado mesmo assun- Moisés, ao Egito e à Babilônia. A primeira idade da filosofia não é, por-
to. Há, nessa época, muitos acadêmicos, mas nenhum deixa de utilizar o tanto, a idade grega, mas a idade bárbara. Quase todos os historiadores,
mesmo processo. 3 até Brücker, começam por uma longa série de capítulos sobre "a filosofia
bárbara": a filosofia.' que tem origem divina; é transmitida aos patriarcas
judeus, depois aos babilônios, aos magos caldêus, aos egípcios, aos etío-
Lugduni Batavorum, apud J, .Elzevirium, 1645. pes, aos indianos e até mesmo aos germanos. Só depois é que os gregos
2 FICINO, Theologia pletonice, 1482; BÉRIGARD, Circulus pisanus; de ve- recolheram essas tradições, que se desvaneceram lentamente e degenera-
tere et peripatetica pbitosophie, 1643, 2." ed., 1661; JUSTO LIPSIO, Manuductio
ad philosophiam stoice m, Physiologia Stoicorum, 1604; GASSENDI, Com- ram entre eles, em uma infinidade de seitas; levaram, de um lado, ao
mentarius de vits, moribus et placitis Epicuri seu animadversiones in decimum cepticismo da Nova Academia, que é a extinçâo da filosofia, de outro la-
librum Diogenis Laertii, 1649; Syntagma philosophiae Epicuri, 1659;cf. ainda MA- do, ao neoplatonismo, que se esforça por corromper a filosofia cristã.
GNENO. Democritus reviviscens, 1648.
3 Cf., por .exemplo, GUY DE BRUES. Les dialogues contre les nouveaux
académiciens. Paris, 1557, onde, em um diálogo entre Bàif e Ronsard, o autor expõe I Liv. VIII, capo IX; comparar cOm CLEMENTE DE ALEXANDRIA.
as diversas opiniões dos filósofos "que não trazem senão confusão a nossos espíritos" (p, Estrómatos, liv. I. no início; Justo LÍPSIO no começo. de seu Manuductio ed

I
65). physiologiam stoicam. utiliza esses textos.
18 ÉmiJe Bréhier Historie da Filosofia

Em uma palavra, a história da filosofia é a história de uma deca- Alheia ao espírito de facção, chegará facilmente a ser companheira da
gradual e contínua do espírito humano. A prova de tal decadência verdade." Tal espírito de conciliação e ecletismo, que encontra en1 Leib-
evidencia-se pelo número de seitas, que substituíram a unidade original. niz, no século X\/II, um ilustre representante, 1 anima a grande Historie
O pensamento grego, em especial, não é ponto de partida nem significa critica phitosophiae, de Brücker.? a fonte em que todos os escritores
DI!;íZreSSo; o livre curso da fantasia individual influiu decisivamente e da segunda metade do século XVIII se abeberaram dos conhecimentos
Qua~e destruiu o Que as tradições orientais conservavam ainda de verda- de história da filosofia. O verdadeiro papel da história é dar a conhecer
de. Os gregos não têm, de modo algum, nas velhas histórias da filosofia, os caracteres que distinguem a verdadeira filosofia da falsa. F1.. história. da
fi situação e o valor que pretenderão mais tarde. Essa crítica dos gregos é filosofia "desenvolve uma espécie de história da inteligência humana" e
oriunda dos Padres da Igreja. Quase todos os filósofos do século XVIII, mostra "qual o poder da inteligência, de que maneira foi arrancada às
especialmente V oltaíre, que não cessa de escarnecer de PIamo, aderem trevas e iluminada pela luz da verdade, como chegou, através de acasos e
plenamente ao velho preconceito. E há mais; prevalecem as mesmas res- provas, ao conhecimento da verdade e da felicidade, por entre que mean-
tricões acerca da filosofia moderna; tal e a substância do Treité des sys- dros ela se transviou, de que maneira foi reconduzida ao caminho real". 3
ie,~7es, de Condillac ( 1749), segundo c qual todos os sistemas filosóficos A história das seitas não é, portanto, senão um meio de nos libertarmos
são fruto da "imaginação". "Um filósofo sonha facilmente. Quantos sis- das seitas. O ecletísrno de Brücker penetra na Enciclopédia,' Diderot, no
ternas se fizeram? Quantos não serão feitos? Se ao menos se encontrasse artigo Ecletis mo, louva o eclético "que ousa pensar de si mesmo e fazer
algum que fosse aceito, uniformemente, por todos os partidários! Mas de todas as filosofias, que analisou sem contemplação e parcialidade,
que confiança podem inspirar esses sistemas que sofrem mil mudanças, uma particular e doméstica".
ao DilSS8.f por milhares de diferentes mãos?" I Mas sincretismo e ecletismo não são a única maneira de interpretar
. Tal é, no decurso do século XVIII, o julgamento final da filosofia o passado e dominar a diversidade de seitas. Tem-se procurado também,
sobre seu próprio passado, e que resulta do conflito entre uma concepção mantendo desde logo essa diversidade, encontrar entre elas um vinculo e
de história datando do Renascimento e uma nova concepção da filosofia. continuidade histórica. Em obra um pouco anterior à de Brücker, Des-
Simultaneamente, por movimento inverso, desde o século XVII, a con- landes protesta contra a idéia de uma história de seitas." "Coletar, isola-
cepção histórica e a perspectiva sob a qual se considera o passado se damente, os diversos sistemas de filósofos antigos e modernos, penetrar
transformam. O novo tema centra-se na idéia de que a unidade do espíri- o detalhe de suas ações, fazer análises exatas de shas obras, acolher suas
to humano permanece visível através da diversidade de seitas. Desde o sentenças, apotegmas, e mesmo palavras mordazes, é precisamente o que
começo do século XVII (1609), em seu Concífiator phitosophicus, Go- a história da filosofia contém de menos instrutivo. O principal, a meu
clénio esforçava-se por classificar as contradições das seitas em cada juizo, é remontar à origem dos principais pensamentos dos homens, exa-
questão. Mas ressalta essa lista de antinomias apenas para resolvê-Ias e minar-Ines a variedade infinita e, ao mesmo tempo, a relação imper-
mostrar que eram somente aparentes. Esse "sincretismo". que afirma a ceptível, as conexões delicadas que têm entre si. É fazer ver como
concord.incia do. pensamento filosófico consigo próprio, é considerado esses pensamentos surgiram uns depois dos outros c, muitas vezes, uns
por HOf.D como o verdadeiro resultado da história da filosofia. 2 dos outros, é relembrar as opiniões de antigos filósofos e mostrar que
A esse sincretismo, que dissimula as diferenças entre as seitas, liga- eles não podiam, efetivamente, dizer senão aquilo que disseram."
-se o ecletismo que, por sua vez, se situa acima das seitas, mas que, em
lugar de agrupar, seleciona e diferencia. "Não existe senão uma seita, já
dissera Justo Lípsio, na qual poderíamos nos inscrever com segurança: 3.
I Ver também ].-c. STURM, Phitosopbie ectectice, i686, e Physica ectec-
seita eclética, a que lê com aplicação e seleciona com discernimento. tice, J 697-1722, e J.-B. DU HAMEL, De conserisu veteris et novae philosophiee,
1663; visão conjunta da história da filosofia, de Leibniz, Oeuvres, ed, Gerhardt, t VII,
pp. !46·156.
2 Jacobi Bruckeri bistorie critico philosopbiee a mundi incunebulis
ad nostrem ..eetetem perducte, Lípsia, 1742-44, 5 vols.
3 BRUCKER, pp. 10-2L
1 Oeuvres compietes, Paris, 1803; t III, pp. 7, 27. 4 Histoire critique de /a philosophie, que trata de sua origem, progresso e
2 Histeria philosophice, Leida, 1645, p. 323. diversas revoluções que sofreu até nossos dias: Amsterdã. 1737; t. I, pp. 3. 5.
Emile Bréhier 21
20 História da Filosofia

Esses esforços para desembaraçar a história da filosofia da poeira dê-Ias porque, ao julgá-Ias, os críticos se adstringiam aos princípios pos-
das seitas encontram, naturalmente, apoio entre os teóricos do progresso. teriores de uma das quatro seitas metafísicas principais, ou porque se ha-
Para Condorcet, a divisão da filosofia em seitas é um estado necessário, viam acostumado aos métodos da filosofia popular, que consistiam em
mas transitório, do qual a filosofia se liberta pouco a pouco, tendendo a prejulgar as investigações mais profundas segundo os oráculos do senso
"não mais admitir senão verdades provadas", e não apenas opiniões. comum," I
Nessa perspectiva histórica, a Grécia desfruta de .u~~ situaç~o ~spe~i~l, Esse é o programa de Reinhold que Tennemann seguiu em sua his-
porque a espécie humana deve nela reconhecer a iniciadora, cUJOgemo tória da filosofia, 2 e que não deve pressupor, segundo seu ponto de vista,
lhe abriu todos os caminhos da verdade". I qualquer idéia da filosofia, Não é senão o esboço da formação gradual da
O helenismo deixa de ser considerado como decadência, para ser filosofia, dos esforços da razão por realizar a idéia de uma ciência das
iniciação. Assim se estabelece um quadro do desenvolvimen.to histórico leis da natureza e da liberdade,
da filosofia, onde se vislumbra uma filosofia puramente OCIdental, que Mas o princípio de unidade interna apresenta-se de duas maneiras:
começa com os pensadores gregos da Jônia, e cujo tipo se encon~ra em de uma parte, como princípio de uma classificação de doutrinas, que se
Sócrates, que desejava "não fazer adotar pelos homens um novo SIstema gaba de fazer caber todas as seitas possíveis em um pequeno número de
e submeter-Ihes a imaginação à sua, mas ensinar-lhes a fazer uso da tipos, dependente da natureza do espírito. De outra parte, como um de-
própria razão". E essa é a filosofia que, após o longo eclipse da I~ade senvolvimento gradual, de que cada doutrina importante constitui um
MédÍa, se realiza plenamente com Descartes. Termina, a~sIm, a mI~ce- momento necessário.
lânea da pretensa filosofia bárbara e oriental e as acusaçoes de plagI~to O primeiro ponto de vista é o de J,-M. de Gerando. 3 Ele declara,
contra os gregos. Em compensação, é preciso salientar tudo o que deixa positivamente, que abandona, por ser de uma só vez estéril e impossível,
de fora esse esquema referente aos progressos do espírito humano, tão o antigo método de história das seitas, "As, opiniões filosóficas que
difundido em finais do século XVIII e que, em suma, continuou sendo o ocorreram nos diversos países e nas diversas idades são de tal modo
de nossos historiadores de filosofia: todo o cristianismo e·toco o Oriente. variadas e tão numerosas, que a mais sábia e fiel recopilação não fará
. Os pensadores do século XVIII têm procurado. int-:oduzir unida~e e \senão provocar desordem e confusão em nossas idéias e oprimir-nos sob
continuidade na história da filosofia. Ora, toda a primeira parte do secu- o peso de uma erudição estéril, a menos que aproximações preparadas
10 XIX foi testemunha de um esforço para construir o que não havia si- com felicidade venham orientar a atenção.': 4 A "história narrativa" é
do senão delineado. Busca-se, agora, um princípio devinculaçâo interna preciso substituir, segundo as expressões de Bacon, a "história indutiva e
que permita compreender em si mesmas as doutrinas e delas ap_reen?~r a comparada," Ela consiste, primeiramente, em determinar. o menor
significação histórica. Protesta-se contra a irreflexão com qu~ sao reJeIta- número de questões primitivas, às quais deve responder cada sistema;
. das, por absurdas,' idéias que não são as nossas, em~ora. sejam .as~ectos. após as respostas, pode-se apreender o espírito de cada um deles e
necessários do espírito humano. O que faltava de maior importancia aos agrupá-Ios em classes naturais, Feita essa classificação, poder-se-á
historiadores era o sentido histórico, a percepção delicada das nuanças do compará-los, destacar-lhes os pontos divergentes, e, finalmente,
passado. É o que ressalta muito bem Reinhol~, em. artigo de 1791 sob.re considerando cada um deles como outras tantas experiências sobre a
o conceito de história da filosofia: "A razao, dIZ ele, pela qual a hIS- marcha do espírito humano, julgar qual ó melhor. De fato, a questão
tória da filosofia aparece nos manuais como história d~ lo~cura dos ho- primitiva, que dá à de Gérandoa base de sua classificação, é a da
mens mais do que de sua sabedoria, pela qual os mais ~elebres e, fre- natureza do conhecimento humano. A história dos sistemas torna-se um
-qüentemente, os mais meritórios da Antigüidade são iniuriados da forma
mais indigna e suas visões mais profundas do santuano da verda~e mal
interpretadas e julgadas como os mais crassos dos erros -,- reside em
que eram mal compreendidas suas idéias,. e que mal se devia compreen- 1 iJber den Begrif der Geschichte der Philosophie, em FULLEBORN,
Beitrage zur Geschichte der Philosophie, I, 1791, p. 33. ~
2 Geschichte der Philosophie, Lípsia, 1798-1819, 11 vols.
3 Histoire comparée des svstémes de philosophie relativement aux princi-
1 Esquisse d' uritebteeu historique des proqrés de r esprit humain (escrito pes des connaissances humaines, Paris, ano XII, 1804, 3 vols. -
em 1793); quarta e nona épocas. 4 Introdução, p. 23
Émile 8réhier História da Filosofia - ------. --- 23

.. ensaio de filosofia experimental", que submete à prova o valor de cada a Antigüidade, pelo protestantismo, que condenava a Idade Média, e pelo
solução dada ao problema da origem do conhecimento. deísmo, que negava toda filiação". O pensamento de Cornte vincula-se ao
O método de Victor Cousin não se adapta muito ao de J.-M. de ~?vimento geral que vimos desenvolver-se no século XVIII contra a
Gérando. E uma espécie de meio-termo entre o método do botânico, que ~dela de uma história da filosofia tida como simples enumeração de seitas
'classifica as plantas, por família, e a explicação psicológica que as I
(, . incoerentes. "A continuidade dinâmica" (p, 27) impede-nos de acreditar
relaciona aos fatos primitivos do espírito humano. "O que perturba e que jamais tenham havido "mudanças radicais" nas opiniões humanas;
desencoraja, diz ele no início do curso de i 829, nos começos da história estas. se modificam em virtude do mesmo impulso que continua
da filosofia, é a prodigiosa quantidade de sistemas pertencentes a todos modificando-as, ou seja, o impulso para uma subordinação crescente de
os países e em todos os tempos." A seguir, "características, diferentes ou nossos juízos à ordem objetiva. Cada uma dessas etapas tem seu luear
semelhantes, desprenderam-se de si mesmas e reduziram essa multidão normal e necessário. A "lógica puramente subjetiva" (p. 31) do fetich~ta
infinita de sistemas a um pequeno número de sistemas principais que que anima os fenômenos "é, desde a origem, tão normal como o são
compreendem todos os outros". Depois da classificação, vem a hoje os melhores métodos científicos".
explicação. Essas grandes famílias de sistemas procedem do esoírito > Essa visão de marcha contínua, que não pode retroceder, leva
humano. Eis porque o espírito humano, tão constante para si mesmo ~0trlte a transformar, inteiramente, o valor que os historiadores do
como a natureza, os reproduz incessantemente. A história da filosofia seculo XVIII davam a cada período do passado, especialmente, ao
retoma, finalmente, à psicologia, que, como ponto de partida de toda sã pensamento grego e ao da Idade Média. Protesta, formalmente, contra as
filosofia, "proporciona à história a mais segura luz". I Domina-se, pois, "irra~io~ais hipóteses de alguns eruditos sobre uma pretensa
a história, negando-a, uma vez que se substitui o desenvolvimento das antenondade do estado positivo para o estado teológico" (D. 73), alusão,
doutrinas em sua duração pela classificação das mesmas. . sem dúvida, a uma objeção que se pode extrair da ciênci~ positiva: dos
. O segundo ponto de vista que permite introduzir unidade na gregos em relação ao pensamento medieval. Essas hipóteses, acrescenta
história da filosofia é o da conexão dinâmica entre os sistemas, onde "têm sido destruídas írrevogavelmente=á base de melhor erudição". A
; cada um surge como. um momento necessário de uma história única. A união da teologia e da metafísica, que caracteriza o medievo, união que,
história da filosofia não faz aqui senão refletir as tendências gerais do aos olhos dos escritores protestantes.rcomo Brücker, e dos enciclopedisc. ..•
começo do século XIX, que deu nascimento às ciências morais e sociais. tas, constitui um escândalo e uma aliança monstruosa, é precisamente 0'-
Já não se crê que a história geral se oriente para o êxito de determinada que determina a superioridade da Idade Média sobre a Antigüidade, e o"
.religiâoou de um império, mas progride para uma civilização coletiva que prepara a Idade Moderna. A teologia sem metafísica é
.quérinteressa à -.humanidade inteira. Do mesmo modo, a história da necessariamente, o politeísmo, e este "constitui oúnicoe_verdadeir~ ...
filosofia não se orienta em benefício de uma seita; tem uma lei irnanente estado teológico, em que a imaginação livremente prevalece. "6 .'
que se pode reconhecer por uma observação direta. . monoteísmo resulta sempre de uma teologia essencialmente metafísica,
"Nenhuma ciência poderia ser compreendida sem sua própria .que restringe a ficção mediante o raciocínio".
história, que é sempre inseparavel da história geral da humanidade't.? e Comte entende, pois, por filosofia, menos os sistemas técnicos de
.não há observação que condense mais claramente as idéias de Augusto especialistas da filosofia do que um estado mental difundido através da
Comte sobre a história intelectual: impossibilidade de separar o presente ~oc!e?ade, o qual manifestar-se-á tão bem ou melhor nas instituições
do passado, de considerar. a situação atual da inteligência de outra jurídicas, nas obras literárias ou de arte do que nos sistemas dos
maneira senão inclusa no progresso dinâmico, no qual se originou. dos filósofos. Um sistema filosófico determinado poderá, é certo, mostrar,
estados passados; impossibilidade de separar a história do desen- com especial clareza, esse estado. de espírito, porque concentra traços
volvimento intelectual da do conjunto da civilização. O positivismo esparsos alhures e os situa em plena luz; I mas não será estudado senão a
afirma a "continuidade humana" negada pelo "catolicismo, que maldizia titulo de símbolo ou sintoma. O que interessa aos historiadores animados

I Cf. Politique positive, 4. a ed., t. IIi, p. 34, sobre a necessidade de fixaçâo de


I Histoire générale de Ia philosophie, 4.' ed., Paris, 1867, p. 4. . crenças em um ensinamento. "A anarquia moderna pôde suscitar o sonho subversivo de
2 Svstéme de Potitique positive (1851-54), Paris, Cres, 1921, t. IlI, p. 2. uma fé sem órgão."
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História da Filosofia 25

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posiuvista são as "representações coletivas",
liaridades individuais não conseguem sua atenção a não ser quando
eE~:::: ção em que o Renascimento deixara a história da filosofia; o passado não
mais se opõe ao presente, mas o condiciona, e, justificado por ele, não
. tl refletem o coletivo. Daí, uma mudança de método, que se exprime pelo faz mais que desenvolver a unidade de um plano sistemático e preconce-
J.' escasso cuidado que se obtém do pormenor em qualquer questão técnica bido. Toda a evolução da história da filosofia até nossos dias repousa so-
bre uma discussão desse postulado.
!I ~ de filosofia, O que interessa são os teoremas fundamentais do filósofo, o
ll conteúdo de sua opinião, e não a verdade. absoluta. Cada sistema de Com efeito, o conhecimento da.lei imanente a esse desenvolvimento
opiniões está em relação com uma época,e extrai dessa relação a única não é o resultado da observação e da indução históricas. A unidade da fi-
~g justificação que poderia pretender. losofia, em Hegel, não é uma comprovação, mas um postulado. É um
1:\ Antes de Augusto Comte, Hegel manifestou igual cuidado ao fazer postulado que não pode ser aceito senão com a filosofia de que faz parte.
~~ apologia dos sistemas, mostrando que sua diversidade não se opunha à A história apresenta-se, assim, sem prevenções? 'Todo homem, a um
'i unidade do espírito. "A história da filosofia, diz ele, I torna claro, nas di- simplesjulgamento, em presença do espetáculo que oferece a história da
versas fiJosofias emergentes, que não há mais do que uma filosofia com filosofia, terá dela, de imediato, uma idéia singularmente diversa da que
diversos graus de desenvolvimento, e também, que os princípios particu- pretenderia o sofisma da filosofia hegeliana." Renouvier, que formula es-
lares sobre os quais se apóia um sistema não são senão ramos de um só e sa opinião, I vai, com efeito, além do ecletismo francês, além de Hegel e
mesmo conjunto. A filosofia ulterior é o resultado de todas as filosofias Diderot, à tradição do sectarismo, contra a qual se insurgiram os séculos
precedentes e deve conter os principios de todas essas filosofias. "Não se XVIII e XIX, porque não correspondia ao desejo apaixonado de unidade
trata quer do sectarismo que excomunga, quer do cepticismo que explora do espírito humano. Segundo Renouvier, a divisão dos filósofos em sei-
as divergências de sistemas para repudiá-losern bloco; sectarismo e cep- tas opostas não é um acidente histórico, resultante de preconceitos tem-
ticismo supõem que existem muitas filosofias; e a história mostra que porários e que as "Luzes" farão desaparecer, mas um fenômeno normal
não existe senão uma. "Para justificar o desprezo da filosofia, admite-se que se funda na constituição do espírito humano, "Durante vinte e cinco
que existem filosofias diferentes, de que cada uma é uma filosofia e não séculos, manifestaram-se no Ocidente as maiores, oposições entre os fi-
a filosofia, como se existissem cerejas que não fossem frutos." A história lósofos. Sem dúvida, a controvérsia e o progresso dos conhecimentos po-
da filosofia é o desenvolvimento' de um "único espírito vivo", que toma sitivos puderam eliminar algumas questões e suprimir certas divergên-
posse de si mesmo, e não faz senão expor, no tempo, o que a própria fi- cias, mas a maior parte e as mais graves de todas não fizeram senão re-
losofia, "liberta de circunstâncias históricas exteriores, expõe., em estado troceder ou transferir-se para outro lugar." O espírito humano é de natu-
puro, como elemento de pensamento". reza antinômica; a controvérsia dominante é a que existeentre a doutri-
Unidade do espírito humano e continuidade de seu desenvolvimen- na da liberdade e a do determinismo. A essa controvérsia se reduzemvse-
to, tais são' as convicções a prior; que se impõem ao historiador, antes gundo Renouvier, todas as outras, e é possível classificar todos os siste-
mesmo que ele tenha iniciado sua pesquisa, e lhe põem às mãos o fio que mas, inserindo cada um deles em uma ou outra dessas doutrinas. Além
lhe permitirá orientar-se. O que essa tese supõe é a existência de uma es- disso, não é previsível que uma tendência possa jamais convencer a outra
pécie de a priori histórico, a priori que consiste na natureza do espírito e com razões constrangedoras. Assim se explica e se justifica a existência
cujo conhecimento não é, de modo algum, avaliado pelos métodos his- de seitas. O erro do ecletismo e do hegelianismo é terem visto unicamen-
tóricos. A história da filosofia é a história das manifestações do Espírito: te nas seitas, ora um extrato arbitrário da fantasia, ora um momento ne-
como tal, está livre de contingências e acidentes; o historiador está certo 'cessário, mas totalmente provisório no desenvolvimento do pensamento.
de encontrar um vínculo dialético entre os sistemas que se sucedem. 2 Do ponto de vista de Renouvier, a história da filosofia congela-se
Com Hegel e Cornte, encontramo-nos no extremo oposto da situa- num diálogo intemporal entre duas teses contraditórias e sempre renas-
centes; entre uma e outra época não há diferenças, filosoficamente, im-
portantes; as "variações da terminologia, a diversidade de relações sob as

I Encvctopedie (1817), Einleitung, § 13, 14.


2 De modo análogo, COMTE fundamenta, por fim (Politique positive, t. IID,
sua lei dos três estados,' não sobre uma induçâo histórica, mas sobre li natureza do 1 Esquisse d'une clessiticetion svstémetioue des doctrines philo,sóphiques,
espírito humano:; " -o ' "La Critique religieuse", julho, 1882, p, 184. .
26 Émile Bréhier
Historie da Filosofia' 27

ouais se pode abordar cada problema" e que permitem "dar forma e ex- simples, que diferença apresentam o estado de nossas fontes relativas à
pressões novas a opiniões em realidade antigas", eis a única matéria de filosofia antiga, com suas raras 'obras originais e o estado das fontes da
que dispõe a história como tal. Tem, em compensação, quadros perma- filosofia medieval ou moderna, cuja abundância assombra a imaginação.
nentes, os mesmos que permitem "a classificação sistemátic:.a de dout::i- O trabalho de crítica e de interpretação de textos deve .seguir, nos dois
nas"; mas esses quadros são exigências do pensamento e nao fatos his- casos, 'métodos diferentes, e isto implica hábitos mentais muito diferen-
tóricos. A única iniciativa que resta ao espírito .humano é, não a constru- tes para que se não possa ufanar de possuí-Ios simultaneamente. Outro-
ção de sistemas, que, no essencial, são predeterminados (analogame~te, tanto poder-se-ia dizer de períodos bem mais curtos, como o estoicismo e
como em Gérando ou Cousin), mas a adoção livre de uma das duas dire- o epicurisrno, por exemplo, conhecidos através de fragmentos de textos,
ções possíveis. A originalidade não está, como se crê, na invenção inte- que não podem ser estudados da mesma maneira que o sistema de Aris-
lectual de um sistema, mas na atitude da vontade a respeito de sistemas tóteles. cujo ensinamento foi integralmente conservado.
preformados. . De outra parte, as conclusões do filólogo, quando se trata de inter-
, O ponto de vista de Renouvier já assinala o abandono da doutrina pretar um pensamento e de ajustar-lhe o sentido, são sempre provisórias
de pretensa necessidade histórica. Sua própria época e, mais ainda a nos- ou estão à mercê de um novo descobrimento ou de .novo contato, As in-
sa, proporcionam-nos o espetáculo de uma espécie de desagregação de ~ .
terpretações de sistemas antigos, como o platonismo, ou mesmo as dou-
i
grandes sínteses históricas. Nosso tempo manifesta repulsa para com as trinas modernas, como as de Descartes ou de Kant, são inumeráveis. Co-
grandes construções, sejam elas hegelianas ou positivistas. Os sinais ex~e- mo encontrar um ponto de apoio sólido para uma construção sintética?
riores desse estado de espírito manifestam-se nas obras relevantes da hIS- Às exigências do método filológico acresce uma segunda razão, tal-
tória da filosofia, que não mais .são histórias de conjunto, porém obras li- vez mais imperiosa ainda, para dissuadir-nos da ambição de descrever o
mitadas a um período, como a Filosofia dos Gregos, ,de Edouard Zeller, conjunto do passado filosófico. Cornte e Hegel, e mesmo Renouvier,
ou a uma nação ou problema, tal como o Sistema.rjo,~Mundo de Piatão ocupam-se da filosofia e não de filósofos. Quer considerem essas repre-
a Copérnico, de Duhem, ou então as compilações filológicas, como os sentações do universo estudado como quadros eternos impostos pela
Fragmentos dos Pré-socráticose os Doxógrafos Gregos, de H. ~iels própria natureza da razão, ou como espécies de representações coletivas,
ou ainda, as monografias de Hamelin, sob os títulos de Systeme evoluindo coletivamente e transformando-se com a sociedade, fazem da
d'Àristote ou Systéme de Descartes. As histórias gerais da filosofia filosofia algo de impessoal;' ou, pelo menos, a expressão pessoal que um
possuem um método mais analítico do que sintético e visam mais a com- filósofo proporciona dos pensamentos de seu tempo não é senão aciden-
pilar resultados de trabalhos utilizados nas monografias do qu~ a desc~- tal. O essencial, doutra pane, está nesse dictamen racional ou social, es-
brir uma lei imanente de desenvolvimento, como Sejam a Philosophie pécie de deidade, à qual se submetem naturalmente as consciências indi-
analytique de t'histoire, de Renouvier, História da Filosotie Euro- viduais,sejam as de um PIamo ou de um Descartes.
péia,de Weber; Histoire de Ia Philosophie par problémes, de Janet e Logo, a história da filosofia evolveu como história em geral; a rni-
Séailles e, mais claramente, a grande História da Filosofia, de Ue- núcia consagrada á pesquisa das origens não se explicaria sem a vontade
berweg, que não se propõe mais do que manter o leitor ao corrente dos do historiador de apreender o que há de individual, de irredutível, de pes-
trabalhos originais sobre cada questão. soal no/passado; suas pesquisas seriam inteiramente inúteis, se se tratas- ,
As causas dessa situação, que é nova, são deduas espécies: a pri- se, como outrora, de determinar tipos ou leis. De que serviria um exem-
meira o imenso labor filológico, que, desde 1850, aproximadamente, plar novo de um tipo já conhecido, se o exemplar não envolvesse valor
graças a edições críticas, a descobertas de textos, a coletâneas de frag- em si mesmo e naquilo que o diferencia?
mentos, ao mesmo tempo em que orientava e enriquecia nossa informa- Essa preferência do individual, que é, talvez, o traço predominante
ção, tornava difíceis ou mesmo impossíveis as visões de conjunto de que de nossa crítica literária, faz-nos ver o passado sob perspectiva inteira-
.se jactavam os historiadores de antanho. Não poderia ser de outra for- mente nova. Não mais se trata de "seitas", como no Renascimento, nem
ma, se se pensa nas condições do método filológico: segundo seu ponto
de vista, os períodos da história se distinguem menos pelos acontecímen-
tos positivos que assinalariam seu começo e fim do que pela natureza e . I No que concerne a Renouvier, certamente a escolha de uma das duas doutrinas
opostas é pessoal e livre; mas as doutrinas entre as quais a escolha se exerce são inteira-
. situação das fontes que nos dão a conhecer. Tomando-se um exemplo mente determinadas.
História da Filosofia 29
28 Émile Brébier

de "sistemas", como em Cousin,ou ainda de "mentalidades coletivas" vos do pensamento filosófico, vê seu desejo de unidade abalado pelo te-
que o historiador tenta atingir; são indivíduos, em toda riqueza variada mor de não ser exato e de deixar escapar a própria substância da história.
do espírito. Platão, Descartes ou Pascal não são expressões de seu meio De fato, esse vigoroso espírito deixou uma admirável série de monogra-
nem momentos históricos, mas verdadeiros criadores. O que impressio- fias, cujo título I já assinala a dificuldade, talvez, insuperável, que deveria
na, à primeira vista, é a descontinuidade de seus esforços. Não há, obser- ter encontrado ao escrever uma história geral da filosofia.
va Windelband, progresso contínuo "já que cada um dos grandes siste- A mesma hesitação. entretanto mais dissimulada. revela-se em
mas dá fórmula novaao problema e resolve-o como se os outros não ti- Windelband.? O desenvolvimento da filosofia, como ele reconhece no
vessem existido".' seu prefácio, deriva de três fatores, ou melhor; deriva de três histórias
É de acrescentar que essas duas ràzões, exigências do método filo- justapostas:
lógico e pesquisa do individual, se bem que se oponham uma e outra à
síntese histórica', não orientam o'espírito no mesmo sentido. O filólogo 12) História pragmática, ou seja, evolução interna da filosofia, bas~-
tende a procurar afinidade entre pensamentos e fórmulas; esta tendência ando-se no desacordo entre as soluções antigas e as novas representações
às vezes, se torna exagerada se não se subordina à preferência e ao senti- da realidade.
do de pensamentos vivos, e leva a fazer, de uma doutrina nova, um mo- 22) História em relaçãocom a história da cultura, em que a filoso-
saico de doutrinas passadas, até confundir o inventor com o compilador. fia recebe seus problemas de idéias que dominam a civilização de uma
Por uma atitude inversa, o crítico não quer buscar nas doutrinas senão a época. .
multiplicidade, e reveste a história das idéias de um estilo impressionista, 3") Finalmente, história das individualidades.
manifestando preferência pela variedade das idéias, mais do que pela uni-
dade profunda que ela poderia encerrar. Sob o primeiro aspecto, a história tem uma espécie de lei de desen-
Às diversidades puramente doutrinais da Idade Antiga e medieval, volvimento. Mas qual é exatamente o alcance desse aspecto em relação
a Idade Moderna. ajunta outra: a diversidade dos conteúdos nacionais, aos dois outros. que fazem depender de numerosos acasos o curso da vi-
que emprestam suacaracterística a cada uma das filosofias, inglesa, ale- da espiritual. o autor não nos deixa pressentir.
mã ou francesa. E preciso ter presente, ainda, a imensa complexidade da Seria essa a situação definitiva da história da filosofia? Deve-se
cultura moderna, a ponto de dissolver-se, como previa e receava Au- abandonar toda esperança de ser ela mesma filosófica para converter-se
gusto Comte, em uma série de culturas especiais e técnicas, cada uma em um capítulo da filologia e da crítica literária? Está condenada a osci-
das quais absorve a vida e as possibilidades de um homem. O filósofo, li- lar, perpetuamente, entre o método do mosaico e o método impressionis-
I

mitando-se a um dos aspectos dessa cultura, é hoje lógico ou epistemólo- ta. incapaz de fazer nada melhor do que conciliar os dois métodos um
go, filósofo de matemáticas ou filósofo de religião, sem que haja nítida com o outro?
correlação e, menos ainda, unidade entre um e outro ponto de vista. Os- Sem dúvida, e apesar das aparências. subsiste "algo das idéias de
cila-se entre uma cultura geral, que é superficial, e uma cultura profun- Comte ou de Hegel. Eles nos ensinaram a ver nos sistemas de filosofia
da, que é restrita. . . do passado mais do que seitas herméticas ou fantasias individuais. aspec-
Não se registram diversidades doutrinais irredutíveis à razão: diver- tos do espírito humano. Aprenderam a aceitar o passado intelectual intei-
sidades devidas a diferenças de personalidades, de caráter nacional, e mo- ramentea sério e compreenderam melhor que outros a solidariedade in-
dos e graus de cultura? Como poderá o historiador inserir no mesmo telectual das gerações. Não obstante a crise que atinge a história da filo-
plano doutrinas de proveniência tão diversa? . sofia. não se pode remediá-Ia retomando uma dessas fórmulas gerais de
Vemos, também, os melhores historiadores de nosso tempo hesitar desenvolvimento, caras aos positivistas e aos hegelianos. Tudo que. re-
quanto ao método a seguir. Como exemplo, Victor Delbos.? que, sem centemente. foi tentado nesse sentido é irrealizável ou, pelo menos. pre-
renunciar à idéia de um encadeamento racional entre os aspectos sucessi-
I Figures et doctrines de philosophes. Paris. 1919: 4a philosophie trençeise,
1 Geschichte der Philosophie, Friburgo, 1892. idem.
2 La méthode en histoire de Ia philosophie, art. 2.", "Revue de métaphysique 2 Geschichtç der Phitosophie, Friburgo, 1892. p. 9.
et de morale", 1917, pp. 279-289. .
30 Émile Bréhier História da Filosofia 31

maturo. I Como os dois primeiros problemas que apresentamos, este ter- estudos pormenorizados podem dar idéia de seus meandros. Ainda que
ceiro não pode ser resolvido senão de maneira aproximativa e provisória, possa dar tal idéia, tampouco pari eles a obra da crítica filológica é des-
com todas as incertezas que comporta a história. trutiva,: mas, ao contrário, só nos mostra vários dos esquemas possíveis
, É de notar, em primeiro lugar, que a erudição filológica, se existe; de desenvolvimento, onde o apriorismo histórico não vê mais do que
como assinalamos, faz desabar a construção comtista ou hegeliana e nos um. Tanto pode haver marcha do pensamento para desacordos maiores,
conduz na via de uma solução positiva. À medida que se avança no co- dissipando-se numa poeira de seitas, opostas umas às outras, como na
nhecimento íntimo e detalhado do passado, vê-se melhor que as novas Grécia, no período subseqüente à morte de Sócrates, quanto, pelo con-
doutrinas 'encontram seu ponto de inserção nas doutrinas anteriores, e se trário, caminhar para a unidade do pensamento, para o acordo quase
estabelecemcontinuidades e transições onde antes não se viam senào ra- completo, a exemplo da segunda metade do século XVIII, em que domi-
dical originalidade e absoluta oposição. Fórmulas gerais, como as de nava ° empirismo inglês. O pensamento filosófico, ou se faz móvel, su-
Comte ou de Hegel, para osq uais o desenvolvimento deve proceder por gestivo, transformando-se em método da vida espiritual, segundo uma
oposição franca e nítida, tornam-se um mau sinal da realidade matizada direção mental, como em Sócrates ou Platão, ou adquire a feição de uma
que nos mostra a história. Em compensação, essa continuidade de espíri- doutrina decisiva, com resposta pronta a todas as questões, pretendendo
tos que revela a crítica histórica não poderia exprimir-se por uma. lei ge- impô-Ia mediante uma dialética irrefutável, como em tempos da Escolas-
ral e deve propor-se como objeto mil buscas de detalhe. A idéia de estu- tica. Há momentos em que o pensamento intelectual, parecendo fatigado,
dar, em sua continuidade e gênese, os sistemas do mundo de Platão a renuncia a afirma.r o próprio valor e cede o passo a doutrinas que dese-
Copérnico não poderia ocorrer aos historiadores imbuídos da idéia de jam atingir a realidade pela intuição, sentimento ou revelação. Tal, por
oposição radical entre a Antigüidade e a Idade Média. Foi necessária a exemplo, o intelectualismo do século XVIII, confiante na razão, seguido
maravilhosa erudição de Duhem para reencontrar, através daquele tem- de perto pela orgia romântica, alternância bastante instrutiva e, talvez,
po, a continuidade de dois ou três temas de pensamento. O sentido favo- uma lei geral dá história do pensamento. I Vê-se, por esses exemplos, co-
rável que a história da filosofia da Idade Média encontrou não se baseia mo a crítica, por si só, sem qualquer a priori, permitirá classificar e or-
somente em motivos estranhos ao interesse da história, mas em verda- denar os sistemas.
deiras descobertas, que mostram sua união com a filosofia moderna. O A história permitirá, ainda, até certo ponto, julgá-los. Com efeito, o
abandono do método a.priori,longe de prejudicar a idéia de unidade da valor de um sistema não independe do impulso espiritual que o criou. As
filosofia e da inteligência, permitiu dar-lhe um sentido mais amplo e doutrinas filosóficas não são coisas, mas pensamentos, temas de medita-
concreto, conquanto mais difícil para traduzir em fórmulas, dado que ção que se propõem para a posteridade e' cuja fecundidade jamais se
, não é a unidade de um plano que se realiza aos poucos, mas uma série de .esgota, senão em aparência, direções mentais que podem sempre ser
esforços originais, e invenções múltiplas. retomadas. As idéias de que tais doutrinas são feitas não são os materiais
Em segundo lugar, o abandono da idéia de progresso fatal, que do- inertes de um edifício mental que poderia ser demolido, e cujos materiais
minou a história da filosofia até 1850, não foi menos favorável a uma seriam reaproveitados em outras construções; são germes que se querem
exata apreciação do desenvolvimento filosófico. A idéia de um desenvol- desenvolver e pretendem ser um "bem capaz de comunícação"." Ora, a
vimento incessante e contínuo é inteiramente contrária à realidade his- pesquisa histórica deve permitir-nos captar o impulso original e a manei-
tórica: Bacon vira mais claro que seus discípulos do século XVIII, quan- ra pela qual se desenvolve,quando cessa, e se renova: a história não está
do mencionava,ao lado das fases de progresso, períodos de regressão e terminada; é, o que jamais deve esquecer o historiador do pensamento.
de estancamento, seguidos de renascimentos. A verdade é que a curva da Platão ou Aristóteles, Descartes ou .Spinoza nunca deixaram de estar
vida intelectual, se se pode assim dizer, é extremamente complexa, e só

1 Cf CAZAMIAN, L'Evolution psychologique de Ia littérature en Angle-


I Dentre essas tentati.vas, uma que julgamos interessante é a Philosophie com- terre, Paris, ! 920, pp, 4 sq. - Cf. indicações sobre as variações regulares de estilo em .
perée, de P. MASSON-OURSEL (Paris, 1923), que intenta destacar uma lei de desen- filosofia, em minha obra, La Phílosqphie et son pessé, 1940, p. 8. Acerca dessa noção
volvimento, comparando a marcha geral do pensamento filosófico na Europa e no Ex- de estilo, ver a notável obra de JOEL, Wandlungen der Weltanschauung, Tubinga,
tremo Oriente, Ver, também, a engenhosa interpretação da história, por J. DE 1928, p. 5'1 .
GAULTIER, Mercure de France, 1.0 de janeiro de 1923, p. 11. 2 SPINOZA, De emendatione intellectus, começo.
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32 Émi/e 8réhier História da Filosofia 33

vivos. Um dos maiores serviços que a .história pode prestar é, sem A presente obra propõe-se apresentar um esboço tão claro como
dúvida, mostrar de que maneira uma doutrina se transforma de modo vivo desse trabalho. Foi inspirada no desejo de servir de orientação nesse
bem diferente, segundo os casos. Acontece, às vezes, que a doutrina, imenso passado da filosofia, que as investigações históricas detalhadas
fazendo-se permanente, obstina-se em dogrna, e acaba por impor-se: revelam, cada dia, mais complexas e diferenciadas. Do mesmo modo,
assim, após três séculos de existência, o estoicismo, em Epicteto, é uma julgou-se indispensável proporcionar ao leitor os meios de avaliar a
lei que não necessita ser demonstrada. Acontece, também, que um tema fidelidade desse esboço e determinar-lhe os traços: eis porque cada
filosófico, tentando fixar-se em doutrina, converte-se em dogrna, acaba capítulo é acompanhado de remissões aos textos mais importantes e
por esgotar-se em uma espécie de complicação e maneír ismo, que faz seguido de bibliografia sumária, indicando, com as edições, os autores,
pensar nas brilhantes decadências' de escolas artísticas de fórmulas já as obras e artigos que consideramos essenciais.
gastas. A filosofia jônica, por exemplo, ao tempo de Platão, reduziu-se
aos balbucios dos últimos heraclíteos, os quais, por medo de deter o rio
fluente das coisas, não mais querem utilizar a linguagem. Ou ainda, a BIBLIOGRAFIA GERAL
descrição das coisas inteligíveis, nos últimos neoplatônicos, como Proclo
e Damasio, chega a uma minuciosa precisão, que obriga a reconhecer
I. OBRAS GERAIS
todo o artifício de técnico profissional e falta de sinceridade. Outro tanto
poder-se-ia dizer das últimas formas dos sistemas de Fichte e Schelling. BRUNSCHVICG, L., Les é tapes de Ia philosophie ma théma tique, 19 I 2;
Vêem-se, assim, nascer, como categorias históricas, móveis, L'Expérience hurneine et Ia ceuselité physique, 1922; Le Proqres de Ia Cons-
modificáveis, temas gerais de pensamento que devem substituir as cience dans Ia Philosophie occidente!e, 1927.
categorias .maciças que usaram, em outro tempo, os historiadores CHEVALIER, J., Histoire de Ia pensée, t. I a IV, Paris, 1955-1966.
DAUMAS, M., Histoire de Ia Science("Encyclopédie de Ia Píéiade"), Paris, 1957;
ecléticos ou hegelianos. Histoire générale des tecbniques, t. I, Paris, 1962.
Essas três breves indicações excluem a possibilidade de terminar DELBOS, V., Figures et doctrines de philosophes, 1918.
essa introdução, nada formulando que se assemelhe a uma lei de desen- DUHEM, P., Le svstéme du Monde de Platon à Copernic, 10 vols., Paris, 1915-
volvimento do pensamento filosófico. Não se trata de construir, mas -1959.
ENRIQUEZ, F. e SANTILLANA, G. de, Storia dei Pensiero scientitico, vol, I, "Il
somente de descrever. O que já não se pode fazer é escrever a história
mondo antíco", Milão; 1932 (trad. parcial de Herrnann, J'vols., "Actualités Scien-
como um profeta obsoleto, como se se quisesse dar a impressão de que o tífiques", 1936).
pensamento surgia aos poucos e se realizava progressivamente. Não mais FRANCK, Adolphe, Dictionneire des sciences philosopbiques, 1885.
podemos admitir com Aristóteles, pai da história da filosofia, que a KNEALE, M. e W., The development of logic, Oxford, 1962.
história se orienta para uma doutrina que contém em potência. A KOYRÉ, A., Études d' histoire de Ia pensée philosophique, Paris, 1961.
RENOUVIER, Ch., Philosophie analytique de t'bis toire, 4 vols., 1896-1897.
história da filosofia nos ensina que o pensamento filosófico não é uma REVISTAS. - Revue philosophique(desde 1876), de méthephvsique et de rnorele
dessas realidades estáveis que, uma vez descobertas, subsistem como (desde 1893), des sciences ottilosoptiioues et théologiques (desde 1911), de
invenção técnica. Esse pensamento está, incessantemente, posto em dis- philosophie (desde 1900); Archiv tur die Geschichte der Philosoph ie (desde 1886);
cussão, continuamente em perigo de perder-se em fórmulas que, ao fixá- .Archives de philosophie (desde 1923); Mind (desde 1876); Revue d'Histoire de
Ia ptülosoohie (1927-1929).
10, o atraiçoam. A vida espiritual não reside senão no trabalho, e não na RIV AUD, A., Histoire de Ia pbilosopbie, t. I a IV, Paris, 1948-1962.
posse de uma pretensa verdade adquirida. I SCHUHL, P.-M., GOLDSCHMIDT, etc., Études sur t'histoire de Ia philosophie, en
nommage à Martial Guéroult, Paris, 1964.

I Sobre as questões de método em história da filosofia, ver minha obra, La Phi-


losophie et son passé; 1949, pp, 1-78. Cf., também, em Activité philosophique en L'histoire et se philoscphie, Paris, 1952; La filosofia della storia della Filosofia,
France et aux États-Unis, 1950, t. I: G. BOAS, L'Histoire de Ia philosophie (pp. 30- por E. CASTELLI,E. GOUHIE~, M. GUEROULT etc., Arquivo de Filosofia, Roma-
49)"e t. Il, meu artigo: L'Esprit de l' histoire de Ia philosophie en Frsnce (pp, 64-75); -Milão, 1954; V. DE MAGALHAES-VILHENA, Filosofia e História, 1956; Panora-
e ainda o prefácio de J. ORTEGA Y GASSET (emespanhol) na tradução espanhola des- ma do Pensamento Filosófico, I, Lisboa, 1959, P.-M. SCHUHL, "Transmissão, esta-
ta História, Buenos Aires, 1944. Cf. R. MONDOLFO, "Problemas e métodos de inves- belecimento, edição de textos filosóficos" (Encyclopédie trençeise, t. XIX, 1957. 20.
tigação na história da filosofia", editado por MESTRE lOU, 1969; H. GOUHIER, 12); e Études platoniciennes, Paris, 1960, pp. 48·61. . .
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Parte HI, seção I (4." ed., 1909) e 2 (5." ed., 1923), Die necheristotelische
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m. IDADE MÉDIA

Beitraege zur Gesehichte der Philosophie des Mittelalters


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(Texto e parecer), por í
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