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Os Cinco E Os Ladrões De Castelos

Narração: Os Cinco E Os Ladrões De Castelos


Narração: Claude Voilier
ilustração: Jean Sidobre
Editorial Notícias, 7ª Edição, Lisboa, 2003.
Novas Aventuras Dos Cinco, Nº 4.
Infanto-Juvenil.
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editorialnoticias. pt
Título Original: Le Marquis Appelle Les Cinq
Tradução: Maria Da Conceição Alves
7.a Edição: Maio De 2003
Depósito Legal N.O 194 84703
Impressão E Acabamento: Tipografia Guerra
Uma Nova Aventura Das Personagens Criadas Por
Enid Blyton
Nesta colecção
1- os cinco e a operação esmeraldas
2 - os cinco no baile dos espiões
3 - os cinco e o tesouro perdido
4 - os cinco e os ladrões de castelos
5 - os cinco e a fórmula secreta
6 - os cinco na cidade secreta
7 - os cinco na televisão
8 - os cinco contra o máscara negra
9 - os cinco e o galeão de ouro
10 - os cinco e os piratas do ar
11- os cinco e a estátua falante
12 - os cinco e o mistério dos quadros roubados
13 -os cinco e os prisioneiros do castelo
14 - os cinco e a herança misteriosa
15 - os cinco na caça ao tesouro
16 - os cinco contra os fantasmas
17 - os cinco e o raio
18 -os cinco e o mistério do rubi de akbar
19 - os cinco contra o doutor ragus
20 - os cinco e o colar de pérolas
21- os cinco num cruzeiro agitado
22 - os cinco e os índios da amazónia
23 - os cinco e o tesouro do pirata
24 - os cinco e o lobisomem

Júlio! Atira-me a bola!... Tim! Pára de saltar desse


modo! Não vês que me atrapalhas?
- Olha lá, David! Como é que te atreves a falar assim ao
Tim?
E a Zé, vermelha de raiva, atirou um valente soco ao seu
primo David.
Ana, a irmã mais nova do David e do Júlio, interpôs-se
vivamente:
- Então, meninos?. Não vão começar a implicar, logo no
começo das férias! Além disso, Zé, se passas a zaragatear como um
rapaz, o teu pai não fica nada satisfeito!
- A Ana tem razão! - exclamou o Júlio, de bom humor. -
Tratemos mas é de aproveitar o bom tempo e as férias. Que sorte
estarmos, este ano, outra vez todos juntos, no Casal Kirrin!
A Zé descontraiu-se imediatamente. Pronta a zangar-se,
possuía, em contrapartida, um coração excelente e adorava os
primos. Estes, aliás, pagavam-lhe na mesma moeda.
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Como sempre no Verão, os pais da Zé recebiam os sobrinhos,
em sua casa, para passarem as férias. O tio Alberto, cientista
famoso, mas que só gostava de trabalhar em paz, detestava,
naturalmente, ser perturbado pela gritaria das crianças - estas
deviam, pois, fazer o menor barulho possível.
A Zé, que não tinha medo de nada, cuja temeridade era quase
lendária, receava, no entanto, as reprimendas paternas. Deste
modo, mantinha-se, habitualmente, tranquila.
Com os seus cabelos escuros, muito curtos, lembrava mesmo um
rapaz. Viva, muito dinâmica, era ela, na reali dade, o chefe do
pequeno grupo. O David, moreno como a Zé e da mesma idade - onze
anos -, parecia-se muito con ela. O Júlio e a Ana, ambos loiros,
tinham, respectivamente treze e nove anos e meio.
- Vamos jogar para mais longe! - propôs a Zé. - O pai não
ficaria nada contente se o incomodássemos nos seus cálculos ou se
lhe partíssemos, com a bola, um dos vidros do escritório!
As crianças afastaram-se correndo, precedidas pelo Tim que
saltava que nem um cabrito. Tim era o cão bem-amado de Zé e seu
companheiro inseparável - raramente se via um sem o outro!
A Zé e os primos entendiam- se às mil maravilhas! Tinham um
gosto em comum: adoravam desvendar enigmas policiais e esclarecer
mistérios. Já por várias vezes haviam encontrado solução para
problemas delicados. Orgulhosos com os resultados obtidos,
tinham-se denominado a si mesmos O CLuBE dos Cinco. O quinto
elemento era o Tim, claro!
O Casal Kirrin erguia-se perto do mar, próximo da aldeia
Kirrin.
Os dias dos quatro primos estavam muito cheios. A tia Clara
cuidava muito bem dos seus hóspedes, mas exigia que
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fossem pontuais à hora das refeições. Para além desta obrigação,
deixava-os completamente livres o resto do tempo.
Os Cinco aproveitavam bem a liberdade. A região oferecia
inúmeras possibilidades de se distrairem: excursões, piqueniques,
etc.
Nesse dia, depois de terem jogado à bola, os cinco
companheiros meteram-se no barco da Zé.
- Rememos até à ilha Kirrin - propôs o David
- Vamos lá jogar às escondidas!
- Com este calor? - protestou o Júlio. - Vamos antes tomar
banho na pequena enseada. Fazemos um concurso de mergulhos.
- De acordo! - aprovou a Zé, agarrando nos remos. A ilha
pertencia à Zé, que tinha muito orgulho nisso. Ninguém podia ali
desembarcar sem a sua autorização.
Os Cinco fartaram-se de se divertir todo o resto do dia. O
Júlio, calmo e ponderado por natureza, teve de reprimir por
várias vezes os entusiasmos da Zé. A imaginação da pequena
sugeria-lhe sempre iniciativas ousadas que, manda a verdad que se
diga, nem sempre eram coroadas de êxito. Nessas ocasiões, a
intervenção do ajuizado Júlio impedia uma catás trofe. Mas, na
maior parte das vezes, as invenções da Zé, (como dizia o David)
eram quase geniais e valiam-lhe admiração dos primos.
- E agora - exclamou a Zé amarrando o barco no ancoradouro
do Casal Kirrin - ainda temos uns minutos antes do jantar.
Proponho um passeio de bicicleta!
David fez uma careta.
-Que maçada - disse ele. - Estou farto do meu calhambeque! O
tio Alberto tinha prometido que nos oferecia umas bicicletas
motorizadas, se o nosso aproveitamento escolar fosse bom. Mas não
há meio de ver nada!.
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- No entanto - suspirou o Júlio - trabalhámos
excepcionalmente bem todos os quatro.
-Tem confiança no meu pai! - interveio a Zé. Embora seja
muito distraído, nunca se esquece das suas promessas!
A Zé tinha razão. No dia seguinte, depois do pequeno-almoço,
a tia Clara disse-lhes sorrindo:
- Têm uma surpresa à vossa espera, no alpendre! Vão ver
depressa!
Os cinco correram para a pequena construção coberta de hera,
que se erguia ao lado do abrigo do barco. A Zé abriu a porta, com
um gesto brusco, e imediatamente os seus rostos se iluminaram.
- Bestial! - exclamou a Zé. - O pai cumpriu a sua promessa.
Eis quatro bicicletas motorizadas, novinhas, para substituir as
nossas velhas máquinas!
- Esperemos pelo meio-dia para agradecer ao tio Alberto
- aconselhou o Júlio. - Se lá fôssemos agora arriscávamo-nos a
incomodá- lo.
- Olhem! - gritou a Zé que não cabia em si de contente. -
Até há um cesto atrás do meu selim. Meu caro Tim, não precisas de
cansar as pernas a correr ao meu lado.
- Béu! - fez Tim, que parecia compreender.
- Vamos experimentar já estas máquinas - propôs o David. -
Júlio, como já sabes andar, mostra- nos tu como é!
Durante toda a manhã as crianças familiarizaram-se com o
funcionamento das motocicletas. À hora do almoço agradeceram ao
tio Alberto. E, logo a seguir à refeição, foram passear.
- A partir de agora - disse a Zé aos primos - poderemos
visitar facilmente os arredores. A distância é nossa!.
Nos dias seguintes, as crianças decidiram explorar a
região. Nunca tinham podido ir muito longe com as bicicletas
velhas.
Nessa manhã reuniram-se no jardim, para decidirem aonde
seria a próxima excursão.
- Eu proponho que vamos para norte - disse o Júlio. É para
aí que se encontram muitos sítios interessantes.
- Também os há para o sul! - cortou o David.
- Mas não podemos ir para dois lados ao mesmo tempo!
- observou a Zé. - Vamos lá então para o norte, meus caros!
- Eu vou para onde vocês quiserem! - declarou a Ana,
conciliadora.
Tim fê-los compreender que preferia desentorpecer as pernas
que ficar sentado no cesto.
- Compreendo-te muito bem, meu menino - disse o David. -
Dèsde que temos as motorizadas, a nossa tendência é para não nos
mexermos.
- Os nossos cérebros nesta altura também não fazem muito
exercício! - declarou a Zé, com uma careta. Esperemos que as
meninges do Clube dos Cinco não se vão enferrujar, como as nossas
bicicletas antigas, que estão boas mas é para a sucata!
- Isso é verdade! - aprovou o Júlio. - Há muito tempo que
não temos nenhum enigma para resolver.
- Enquanto esperamos por ele, vamo-nos mas é embora!
- sugeriu a Zé, montando a sua motocicleta. - Anda, Tim! Nada de
conversas! Salta para o teu cesto! Hoje vamos devorar
quilómetros!
Os Cinco tinham percorrido cerca de seis quilómetros quando
viram um velho castelo aberto aos turistas, segundo dizia um
letreiro.
- Vamos visitá-lo? - propôs o David.
- Vamos! - responderam os outros em coro.
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As crianças deixaram as bicicletas num parque de
estacionamento para duas rodas, arranjado no pátio do próprio
castelo. Depois atravessaram o grande arco da entrada. Que
fresquinho que estava lá dentro! A Ana arregalou os olhos na
penumbra.
- Que é que há para ver? - sussurrou ela.
O empregado que vendia os bilhetes, instalado numa espécie
de guarita, sorriu para a jovem visitante.
- Este castelo data do século XVI - explicou ele. Além da
arquitectura e de alguns móveis da época, podem admirar objectos
de valor, expostos em vitrinas. Caixas para bombons, vasos,
fechos de cintos, jóias de ouro e de prata, usadas pelas belas
damas da corte.
A Ana era vaidosa. Ficou encantada com a ideia de poder
contemplar tão belas jóias. O Júlio pagou os bilhetes de entrada.
Quando a Zé se preparava para seguir os primos, com o Tim a
meter-se-lhe pelas pernas, o empregado interpelou-a:
- Eh! Ó, menino! - gritou ele, tomando-a por um rapaz. - Os
cães não podem entrar. Amarre-o aqui. À saída pode vir buscá-lo.
A Zé irritou-se imediatamente.
-O meu cão é muito bem comportado! - replicou, muito segura
de si. - Não ladra e não faz estragos. Além disso, eu pago a
entrada dele!
E, num gesto que pretendia ter a maior nobreza, colocou
duas moedas mesmo em frente do nariz do empregado, estu pefacto.
- Anda, Tim! Mas que coisa! Por quem te tomam eles? E a
Zé foi juntar-se aos primos, que se encontravam já reunidos em
volta de uma mesa comprida e baixa, com tampo de vidro. O David
estendeu os lábios numa careta cómica.
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-Jóias valiosas, isto? Caramba! Pechisbeque, é o que
isto é!
O Júlio, que se esforçava sempre por corrigir a linguagem, por
vezes demasiado livre, do irmão, franziu as sobrancelhas: David!
Exprime-te correctamente, está bem?... No
entanto, parece-me que tens razão! Estes objectos todos não
valem nada! Eis-nos bem longe dos tesouros anunciados pelo
empregado dos bilhetes! Não vejo qualquer jóia preciosa!
- Vamos ver mais! - propôs a Ana.
Mas nas outras vitrinas também não havia qualquer
objecto de valor.
- Que estranho! - murmurou a Zé. - E aquelas vitrinas ali,
completamente vazias, ao pé da janela, não são
menos estranhas. Olha - acrescentou ela aproximando-se
das referidas vitrinas - os fechos foram forçados... e a
tampa desta está partida.
Nesse mesmo instante, um turista que, tal como as crianças,
visitava o local, voltou-se.
- Não é de admirar que as vitrinas estejam vazias
explicou ele. - Este museu foi roubado a semana passada.
A notícia veio em todos os jornais. Eu perguntava a mim
próprio o que é que os ladrões poderiam ter deixado ficar.
Pois bem, já sei: simplesmente nada! Deviam prevenir as
pessoas à entrada. É uma vergonha fazer pagar um bilhete
para se contemplar paredes nuas e vitrinas devastadas. É uma
outra forma de roubo!
Sempre a resmungar, o homem afastou-se.
- Ouviram? - disse a Zé aos primos. - Houve recentemente um roubo
neste castelo!
- Espero que os ladrões tenham sido apanhados! - exclamou o
David.
- Vamos perguntar ao homem da entrada!
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Os cinco dirigiram-se ao empregado, que deitou um olhar
reprovador ao Tim.
Interrogado pelas crianças, não se fez rogado em fornecer
pormenores:
- É verdade - reconheceu ele. - Este castelo recebeu a
visita de ladrões bem informados, que partiram as vitrinas que
continham as jóias mais preciosas da nossa colecção. Deixaram
apenas os objectos sem valor ou difíceis de vender. Ah! Pode
dizer-se que actuaram com muita perícia, os bandidos! Trabalho
rápido e sem rastos!
- A Polícia conseguiu apanhá- los, suponho? - perguntou o
David, que gostava sempre de ver fazer justiça.
- Nem isso! - respondeu o empregado, encolhendo os ombros. -
Continuam à solta, os miseráveis! Sem contar que esta semana já
fizeram falar deles outra vez. Claro que vocês são demasiado
novos para lerem os jornais! Senão, saberiam que dois outros
castelos e um museu da região tiveram também a visita deles. Os
tipos são de se lhes tirar o chapéu! Isso, é que é bem certo!
O Júlio franziu as sobrancelhas.
- Parece-me que ouvi falar destes roubos ontem à noite, na
rádio - disse ele. - Estou agora a lembrar-me.
- Sim. A Polícia não desiste. Pergunto a mim mesmo até
aonde irá a ousadia destes bandidos.
Os Cinco retomaram o caminho para o Casal Kirrin.
Oferecendo o rosto ao vento provocado pela corrida, discutiram o
assunto que os interessava. De volta a casa, a Zé foi buscar os
jornais da semana e trouxe-os aos primos. Os quatro leram
atentamente os artigos que relatavam a pilhagem feita nos
castelos. Os sucessivos roubos pareciam ser obra de uma quadrilha
especializada, aparentemente decidida a fazer uma limpeza geral
na região. Não faltava ousadia aos bandidos!
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No dia seguinte, o tempo estava magnífico. tão bom que a tia
Clara propôs espontaneamente às crianças:
- Com um tempo destes, que me diriam, se lhes preparasse um
bom piquenique? Poderiam almoçar no campo e, à volta, tomar banho
na enseada dos Monges. Está bem abrigada do vento e das
correntes.
A Zé e os primos aceitaram com alegria - adoravam comer fora
de casa, sem cerimónias.
Foram para a cozinha ajudar a tia a preparar as sanduíches e
a encher as garrafas-termo com sumo de frutas, bem fresco. O
David tinha posto perto dele o seu pequeno rádio. De repente, a
música parou.
- Fomos há pouco informados - disse a voz do locutor
- de que o Castelo de Lencoet, situado a onze quilómetros de
Kirrin, foi esta noite assaltado por ladrões que, há já três
semanas, têm vindo a roubar nesta região, com uma ousadia
incrível. Quadros de grandes mestres, expostos na sala superior
do castelo e representando paisagens locais e marítimas, foram
levados por estes gatunos tão pouco escrupulosos. Os bandidos
actuaram com a maior segurança, sem querer saber dos dispositivos
de defesa e de alarme, e não deixando qualquer vestígio atrás de
si. Está a proceder-se a um inquéri to. Esperemos que tenha bons
resultados, pois a opinião pública começa a inquietar-se .
- Ouviram! - gritou a Zé. - A quadrilha dos ladrões dos
castelos atacou mais uma vez! Com a rapidez com que actuam, não
tardarão em acabar com todos os tesouros da região. Eu, se fósse
à Polícia...
- Não faças julgamentos apressados! - aconselhou a tia
Clara à filha.
A Zé encolheu os ombros.
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- Confesse que os investigadores não são nada expeditos! Os
bandidos até fazem troça deles! Se fosse eu...
- Podes estar certa de que eles sabem do seu ofíciocortou a
tia Clara, severamente. - E com certeza que tu não eras capaz de
fazer melhor! Estes ladrões são pessoas muito hábeis! Desde o
primeiro roubo que as estradas, os portos, os aeroportos e as
fronteiras se encontram vigiados. Mas ainda não se descobriu
qualquer vestígio do produto dos roubos. Deve estar tudo bem
escondido. e assim permanecerá, até que esta história dos
assaltos tenha caído no esquecimento.
Alguns instantes depois, as crianças e o Tim partiam à
desfilada pela estrada fora. Após terem passado pela enseada dos
Monges, viram uma pequena colina verdejante, com moitas e tufos
de tojo espalhados aqui e ali. O David propôs que se subisse até
meio da encosta, para fazerem o piquenique. Tiraram alegremente
as provisões dos sacos. O Tim corria atrás das borboletas e das
libelinhas, ladrando.
- Ana! Ajuda-me a estender a toalha! - disse a Zé. Júlio! És
capaz de abrir esta lata? David! Cuidado! Vais entornar as
bebidas! Tim! Deixa de fazer de maluco!
- Às vossas ordens, princesa!
- Muito bem, minha senhora. Eu arranjo.
- Ao seu serviço, chefe!
- Béu! Béu!
A Zé atirou um pano para cima da cabeça do David e deu uma
palmada à Ana. O Júlio atirou-lhe um soco e o Tim, entrando na
brincadeira, fingiu socorrer a sua jovem dona. A pseudodiscussão
degenerou numa batalha amigável, em cima da erva, entre
exclamações e risos.
Como era bom viver!
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Quando os Cinco acabaram o piquenique, contemplaram,
suspirando, as raras migalhas deixadas. Depois de terem comido
com tanto apetite, as crianças estavam um pouco sonolentas e
estenderam-se à sombra das árvores.
A seus pés, em baixo da pequena colina verdejante, o caminho
por que tinham vindo estendia os seus meandros paralelamente à
falésia. Para lá desta, o mar brilhava ao sol, tão calmo quanto
possível. O céu azul não tinha qualquer nuvem. Estava um tempo
maravilhoso.
A Ana havia comido tanta torta de framboesa que começava a
lamentar um pouco a sua gulodice, sentia o espírito entorpecido e
era com esforço que mantinha os olhos abertos. Apesar de tudo,
eles fecharam-se por alguns segundos.
De repente, a pequena acordou, um pouco confusa por ter
cedido ao sono. um sono que sem dúvida, havia durado pouco tempo.
Ter-se-iam os outros apercebido da sua fraqueza? Eles conversavam
e riam a seu lado. A Ana levantou-se. Foi então que lhe escapou
um grito.
- Que te aconteceu? - exclamou o Júlio, sobressaltado.
- Aquele arbusto. além. vi-o mexer! O David pôs-se logo a
troçar.
- Realmente, tens razão para gritar! - disse ele. Estão a
ver bem? Um milagre! O vento fez mexer as folhas!
- Mas é isso, justamente. Não há nem um bocadinho de vento!
- notou a Ana. - É o que me espanta. E o arbusto não se mexia
como se o vento o agitasse. Dir- se-ia que uma mão invisível se
divertia a abaná-lo!
A Zé pôs-se a rir.
- Como é bonito ter-se imaginação! - declarou ela, afagando
o Tim, estendido a seu lado. - A nossa querida Aninhas estava a
dormir beatificamente quando sonhou que se encontrava no país do
mistério... Então, imaginou ver passar o homem invisível através
da urze e do tojo, e assustou-nos com um grito!
A Ana protestou imediatamente:
- Mas eu não estava a sonhar! Vi aquele arbusto abanar...
aquele grande, ali em baixo... Oh! Olhem! Está a mexer ainda, mas
mais fracamente. Não estou ceguinha.
Um latido do Tim cortou- lhe a palavra.
O cão tinha-se lançado em direcção ao arbusto indicado pela
Ana. Ladrava como doido, andando à roda. A Zé chamou-o.
- Tim! Tim! Anda cá! Tens o diabo no corpo!
- Este cão está completamente maluco! - asseverou o David.
- Ora! Quer é fazer-se engraçado! - sugeriu o Júlio.
- Eu acho que deve ter farejado um coelho bravo - disse a
Zé. - Se tivesse coragem de me levantar - acrescentou, bocejando
- iria espreitar o teu arbusto, Ana. Talvez descobrisse uma toca!
A Ana estava convencida.
- Um coelho não abanava asssim um arbusto tão grande.
- insistiu ela. - Dir-se-ia.
- Está bem, está bem, já nos disseste! - cortou David. -
Viste alguém. invisível, rastejar na toca de coelho. É bom poder
contemplar-se o invisível, Ana! Dev ter um sexto sentido! Tomas-
te pela pitonisa de Delfos!
A Ana, intrigada e pouco forte em história antiga, ia pedir
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esclarecimentos sobre a célebre pitonisa, quando o Júlio se
levantou.
- Chega de conversa! É inútil ficarmos para aqui, se
quisermos visitar o castelo dos Arganazes!
A Zé, o David e a Ana olharam para ele, estupefactos.
- Visitar o quê?
- O castelo dos Arganazes! É uma surpresa que eu lhes
reservava. Antes de sairmos, estive a estudar o roteiro
turístico. Trata-se de um dos raros solares da região, segundo o
que eu soube não sei onde, que ainda não foi assaltado pelos
ladrões dos castelos. Pensei que podíamos lá ir dar uma
espreitadela, antes que seja também esvaziado!.
- Achas que os ladrões vão interessar-se por ele? exclamou o
David, cujos olhos brilhavam de interesse.
- Na verdade, que contém ele assim de tão valioso? perguntou
a Zé.
- Relógios, meus meninos!
Perante o ar espantado dos outros três, o Júlio desatou a
rir. - Devo precisar - acrescentou - que estes relógios são de
ouro e constituem uma colecção maravilhosa, que fez o legítimo
orgulho do proprietário do castelo, o marquês de Penlech.
- É a primeira vez que oiço falar desse castelo!
exclamou a Zé, montando a sua motocicleta.
- Chamam-lhe o Solar de Penlech. Até agora, tem estado
fechado ao público. Mas parece que o marquês está arruinado.
Assim, para poder subsistir, resolveu, se bem que com a morte na
alma, abrir as portas da sua casa aos turistas amadores de arte.
- Se ele tem falta de dinheiro - exclamou o David,
admirado - porque é que não vende os relógios de ouro? Assim
livrava-se das dificuldades.
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O Júlio abanou a cabeça.
- Esses relógios são os últimos vestígios da fortuna do
marquês. Parece que a simples ideia de se separar deles o
horroriza. Preferia morrer à fome a consentir tal. Cada um desses
relógios tem a sua história. Um deles foi dado a um dos
antepassados do marquês por Francisco e.
- Estás muito bem documentado, meu caro! - exclamou o David
rindo. - Onde foste tu pescar essa ciência toda?
- Ao roteiro, claro... Ah! Estamos a chegar! Numa volta de
caminho, as crianças viram um solar de aspecto maciço, rodeado de
fossos e protegido por muralhas que se adivinhavam muito
espessas.
- Mas, é uma verdadeira fortaleza! - exclamou a Zé.
- Lá dentro deve poder-se suportar um cerco!
Os Cinco andaram ainda um pouco mais e, quando chegaram
perto do castelo, desceram das motocicletas. Empurrando estas,
atravessaram a ponte que passava por cima do fosso. Num dos
batentes do formidável portão de entrada, um letreiro indicava as
horas da visita.
O David consultou-o.
- Óptimo - disse ele. - Acho que chegamos na melhor altura
do dia. Ainda é cedo para haver muita gente! Temo tempos de
visitar tudo tranquilamente. Venham! Entremos!
Os outros seguiram-no. O pátio do castelo não estava
arranjado. A erva crescia por entre as lajes partidas, tudo
respirava abandono.
- Ui. - murmurou a Ana com um arrepio. - Isto é
sinistro! Não me admira que os ladrões tenham menosprezado este
sítio para uma das suas visitas! Não gostava nada de andar por
este castelo à noite. Deve estar cheio de fantasmas.
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- Estes relógios valem uma fortuna e não estão bem
guardados.
Engana-se, meu rapaz! Vigio-os eu próprio! Sou o marquês de
Penlech!
O Júlio cumprimentou o proprietário do solar e apresentoú os
irmãos e a prima. O marquês pediu desculpa, sorrindo, por ter
tomado a Zé por um rapaz. A Zé retribuiu-lhe o sorriso.
- Espero que a sua colecção esteja no seguro!
- Ah, não, meu jovem amigo. quero dizer menina. O seguro de
um tesouro como este ultrapassa, infelizmente, as minhas
possibilidades. É por isso que sou eu próprio quem o guarda, com
a ajuda de Yann, o meu criado!
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O David não se pôde impedir de exclamar:
- Mas não é uma grande imprudência?
Parou, de súbito, e mordeu os lábios. O marquês perguntou:
- O que é que acha imprudente?
- Bem, deixar todos esses tesouros expostos, com uma
vigilância tão reduzida!. Claro que está sempre de olhos abertos!
Mas o que não podem é estar dia e noite alerta, o senhor e o seu
criado! Há ocasiões em que tem de comer. ou em que vão passear.
O marquês pôs-se a rir.
- Claro! Nós exercemos a nossa vigilância durante as horas
de visita. Durante o resto do tempo não temos que nos preocupar.
A minha colecção guarda-se por si própria!
A Zé olhou para ele, intrigada.
- O que é que quer dizer? - perguntou.
O marquês apontou, com um gesto, as espessas muralhas do
castelo e explicou:
- Este solar é um autêntico cofre-forte, gigantesco. Era
preciso dinamite para lhe forçar as portas ou rebentar-lhe com as
paredes. Dèsde que todas as saídas estejam fechadas, posso dormir
tranquilamente. Deste modo, não tenho qualquer medo dos ladrões!
- Mesmo assim - arriscou a Ana, timidamente - di zem que a
quadrilha dos ladrões de castelos é muito hábil. Já deve ter
ouvido falar.
O marquês teve um gesto fatalista.
- Evidentemente! Mas acho que os ladrões não querem nada
comigo. Este solar, repito, é demasiado sólido para esses
senhores.
A Zé não estava convencida.
- No seu lugar - murmurou ela - não teria assim tanta
confiança.
Desta vez o marquês pôs- se a rir.
- Não se preocupe por minha causa, gentil menina (a Zé fez
uma careta, perante este tratamento já fora de uso). Não me fio
apenas na espessura das paredes e na resistência das portas.
Fiquem sabendo que todas as fechaduras do meu castelo e todas as
minhas vitrinas de exposição possuem um sinal de alarme especial,
pronto a funcionar, à miníma intervenção suspeita. Vá, não se
preocupem mais com os meus relógios, meus filhos, e permitam- me
que lhes sirva de guia.
Encantados com o seu simpático guia, os quatro primos
admiraram tranquilamente os raríssimos relógios. O marquês soube
interessá-los, instruí-los e diverti-los ao mesmo tempo,
contando-lhes anedotas históricas, cheias de vida, relacionadas
todas com as peças da sua colecção. Quando, por fim, os Cinco se
despediram, estavam radiantes com a sua visita ao castelo- museu.
No caminho para casa, as crianças tomaram banho na enseada
dos Monges. A água estava fresca, e a Zé mergulhava, ousadamente,
do alto de um rochedo.
O Júlio parecia sonhador.
- É mais forte do que eu... - confessou o rapaz. Não consigo
deixar de pensar naqueles relógios. Tenho medo de que lhes
aconteça qualquer desgraça!
- Achas que os ladrões dos castelos serão capazes
de tentar roubá-los? - perguntou o David, chapinhando na água.
- Capazes disso e de muito mais! - exclamou a Ana.
- No lugar do marquês, eu não estava tão tranquila.
- Em todo o caso - disse a Zé - ele tem um ar muito seguro
de si!
36
Nessa noite, os Cinco, cansados de um dia tão ocupado,
dormiram, de um sono só, até ao dia seguinte. Foi um belo sol da
manhã que os acordou. A Zé, feliz, saltou da cama e sacudiu a Ana
que, sonolenta ainda, não parecia ter pressa em abrir os olhos.
- Eh! Preguiçosa! Levanta-te depressa! Já é tarde! As vozes
do David e do Júlio vinham do jardim.
- De pé, meninas!
- Temos novidades!
A Zé correu para a janela.
- Novidades? - repetiu ela. - O que é?
- Desce, que já o saberás!
A Zé e a Ana arranjaram-se rapidamente, precipitando-se para
o rés-do-chão. O David correu logo ao encontro delas,
aparentemente fora de si.
- Acabamos de ouvir as notícias na rádio - disse ele.
- E sabem qual é o acontecimento do dia?
- Ou antes, da noite! - corrigiu o Júlio.
- Já sei! - exclamou a Zé, animadamente. - O Castelo dos
Arganazes foi assaltado! Os relógios de ouro foram roubados.
Enganei-me?
- És uma verdadeira capacidade de adivinhação! - exclamou o
Júlio, rindo-se do ar decepcionado do David. Acertaste.
- Mas como é que foi? - perguntou a Ana, sentando-se com os
outros à mesa do pequeno-almoço.
- É a pergunta que fazem os polícias! - respondeu o David,
molhando uma enorme fatia de pão com manteiga no seu café com
leite. - Os gatunos ainda foram mais espertos que de costume.
Desta vez, ninguém sabe como é que se introduziram no local. Um
verdadeiro mistério!
- O que é que queres dizer? - perguntou a Zé, abrindo
38
muito os olhos. - Com certeza que forçaram as vitrinas ou
quebraram os vidros de cima, para se apoderarem dos relógios!
- Ah! Quanto a isso, sim! Fizeram um belo trabalho! replicou
o David. - E os relógios de ouro desapareceram mesmo! Mas não se
consegue perceber como é que os ladrões penetraram no castelo -
um verdadeiro e completo mistério!
- Mas como foi isso? - inquiriu a Ana, intrigada.
- Bem. imagina a sala das colecções - disse o Júlio
- tal como a viste ontem. Todas as janelas estavam obstruídas com
portadas de ferro. e nenhuma delas foi forçada. Além das janelas,
a sala só tem duas portas. Estas portas, por sua vez, também se
encontram intactas.
- A lareira? - sugeriu a Zé.
- Está condenada há vinte anos, graças aos cuidados do
marquês! Não se acende desde o tempo dos afonsinos... e o digno
proprietário do solar teme as correntes de ar. Mandou, pois,
obstruir a conduta de tiragem.
- É estranho! - murmurou a Zé. - Suponho que os sinais de
alarme não funcionaram?
- Acertaste, mais uma vez! Os bandidos cortaram os fios
eléctricos das campainhas.
- Em resumo, ninguém entroú na sala de exposição... pelo
menos aparentemente! E os ladrões assinalaram a sua passagem.
apenas pelo roubo.
- Exactamente? Se consegues perceber alguma coisa, ainda
melhor para ti!
O resto da manhã passou-se a debaterem este problema
singular: como é que os ladrões tinham conseguido roubar vitrinas
sem deixar qualquer outro vestígio da sua passagem. A sua audácia
aureolava-se com o mistério da sua última aventura!
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Levados pela curiosidade, a Zé e os primos voltaram, nesse
mesmo dia, ao Castelo dos Arganazes. Não viram o marquês, mas o
Júlio, tendo interrogado delicadamente um dos inspectores, teve a
confirmação das notícias da manhã: a quadrilha dos ladrões dos
castelos obtivera pleno êxito com aquele golpe.
- E, no entanto - confiou o polícia às crianças que ele
achava simpáticas -, há vários dias que montávamos uma guarda
discreta em volta do castelo. Estávamos alerta. Mas, bem vêem,
não serviu de nada!
Os Cinco voltaram para casa, desapontados.
Três dias mais tarde, o inquérito arrastava-se ainda. O
próprio David estava farto de escutar o posto da rádio, que se
limitava a assinalar: Nada de novo a propósito da quadrilha de
ladrões dos castelos.
A Zé propôs que o Clube dos Cinco procedesse a um inquérito
pessoal. Mas estava tanto calor que a sugestão não despertou
qualquer entusiasmo.
- Que queres tu que descubramos, se a própria Polícia se
afadiga em vão? - dissera o Júlio, bocejando.
O calor era verdadeiramente insuportável. Assim, nesse dia,
as crianças decidiram dar um passeio pelo mar.
- Vamos remar até à ilha Kirrin - disse a Zé. - depois
içamos a vela e deixamo-nos ir ao sabor do vento!
As crianças e o Tim amontoaram-se, pois, no barco da Zé e
afastaram-se da costa. Havia uma brisa suave. O céu estava sem
nuvens... excepto duas nuvens pequeninas e negras, que subiam no
horizonte.
A Zé, de um modo geral, era muito entendida nas coisas
do mar. Se se tivesse dado ao trabalho de interrogar o
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céu ou o vento (ou, mais simplesmente, de consultar o barómetro),
teria pensado em desconfiar. Mas, despreocupada, abandonou-se ao
prazer do momento.
Foi a Ana a primeira a aperceber-se da brusca mudança do
mar.
- Olhem! - exclamou ela apontando com o dedo as vagas
encrespadas e espumosas, que batiam no casco do barco. - Ondas! O
mar está todo cor de tinta. Além disso, o vento refrescou e sopra
com mais força do que há bocado.
- É mesmo verdade! - reconheceu a Zé. Dir-se-ia que vem aí uma
tempestade!
O céu cobria-se de nuvens.
No mesmo instante, uma forte rajada fez estalar a vela. A Zé
apressou-se a virar de bordo.
- Vamos regressar! - anunciou ela. - Seria perigoso
continuarmos. É melhor não cometermos imprudên...
Um ruído seco cortou-lhe a palavra. O mastro ligeiro, sem
dúvida já fatigado na sua base, acabava de se partir sob us
assaltos do vento. E caiu na água, arrastando a vela. A Zé, cheia
de sangue-frio, gritou imediatamente.
-David! Ana! Façam contrapeso, inclinando-se a estibordo.
Júlio! ajuda-me a pescar a vela, antes que fique completamente
molhada!
A Zé era sempre obedecida pelos primos, quando estavam no
mar, pois confiavam nela - por isso não discutiram. A Ana e o
David debruçaram-se, por cima da borda, o mais que puderam. A Ana
sentia muito medo mas, valentemente, fazia um esforço para não o
demonstrar. Não sem custo, a Zé e o Júlio conseguiram içar a vela
para bordo.
No mesmo instante, o David soltou um grito.
- Ana! Ana!. Oh! Ela caiu.
44
A Zé largou a vela molhada e precipitou-se. O barquito,
sacudido pelas vagas, saltava e girava sobre si mesmo. Afastava-
se de Ana que, depois de ter mergulhado involuntariamente de
cabeça nas ondas, se debatia agora entre as vagas alterosas. A Zé
pôs as mãos em frente da boca, formando como que um altifalante:
- Nada sempre na nossa direcção, Ana! Vamos ao teu encontro!
Os rapazes tinham já agarrado nos remos. Mas era em vão que
remavam, ferozmente, em direcção da Ana. A pequena, apesar dos
esforços dela e dos rapazes, afastava-se cada vez mais do barco.
Então, a Zé não hesitou: mergulhou, por sua vez, imitada pelo
Tim! Era uma loucura! Mas ela estava decidida a correr fosse que
risco fosse. Devia tentar salvar a prima, a todo o custo!
O David largou os remos e levantou-se num salto:
-Zé! Espera! Volta!
Sob o efeito da emoção, puseram-se a gesticular. Uma onda
mais forte que as outras tomou de través o barquito, já
desequilibrado, e voltou-o. O Júlio e o David encontraram-se na
água, mesmo antes de terem compreendido o que se estava a passar.
Agora os Cinco lutavam contra o mar encapelado. Era difícil
manterem-se à tona sem engolirem água salgada. A Ana, não tão boa
nadadora como os outros, engolia grand porção de água. As suas
forças declinavam de instante a instante.
De repente, apercebeu-se do Tim, não muito longe dela,
enquanto a voz da prima lhe chegava aos ouvidos:
- Coragem! - gritava a Zé.
A Ana desmaiou. Mas o Tim, como bom cão fiel, velava por
ela.
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No segundo exacto em que a Ana perdia a consciência, o bravo
animal deitou a boca à cabeleira loira da pequena, impedindo-a,
assim, de ir direita ao fundo. Infelizmente, o modo como a
apanhou era precário. As presas do cão não conseguiriam reter
durante muito tempo os cabelos finos e lisos. Estes não paravam
de escorregar. Tim era inteligente, e compreendeu que havia
qualquer coisa de melhor a fazer. Deixando os cabelos, agarrou,
com os dentes, as roupas da pequena. Mas a Ana trazia apenas uma
fina camisa por cima do fato-de-banho. O tecido rebentou,
ameaçando rasgar-se por completo. O Tim, atento, evitou puxar
demasiado e conseguiu, pelo menos, manter a náufraga no cimo das
ondas.
A Zé chegava, ofegante.
- Agarra bem, meu querido Tim!
Apanhou a Ana, inconsciente, e, penosamente, pois ela
própria já se encontrava muito cansada, pôs-se a nadar em
direcção à margem. Como esta lhe parecia longe!
As duas raparigas, uma puxando a outra, foram em breve
alcançadas pelo Júlio. A Ana voltara a si.
- Agarra-te ao meu ombro! - ordenou o irmão. Ela obedeceu.
Agarrando-se simultaneamente, ao Júlio e à prima, fez-se tão
ligeira quanto possível. A Zé, aliviada, avançava mais depressa.
O Tim seguia-os. O David juntou-se-lhes, por sua vez.
- A direito, para a costa! - gritou ele contra o vento.
- Lutemos com todas as nossas forças.
Mas a Zé era de outro parecer.
- Não! - gritou ela em resposta. - A corrente está muito
forte. Não conseguiríamos resistir. Deixemo-nos ir. Nademos
obliquamente para a margem. ( E em espírito acrescentou: -
Esperemos que possamos aguentar até lá!. Bolas . A tempestade
desencadeou-se!
Era verdade! O mar estava furioso e os raios cruzavam o céu.
O barulho dos trovões, ao rebentar, era ensurdecedor. A chuva,
que caía há já alguns minutos, era agora forte, com um barulho de
granizo.
O Júlio e a Zé, desportistas treinados, tiveram necessidade
de toda a sua resistência para fazer face à situação. Por uns
momentos, o David teve de substituir a Zé, para permitir que esta
descansasse um pouco.
A Ana batia os dentes, aterrorizada. Por fim, pouco a pouco,
a costa aproximava-se.
- Vitória! Estamos quase! - gritou o David. O Tim foi o
primeiro a ter pata sobre a margem. Mais exactamente, foi o
primeiro a içar-se para cima de um dos grandes rochedos, na base
de uma falésia a pique. Na maré-baixa, era uma praia de calhaus.
Mas, naquele momento, essa praia estava coberta pelas ondas. O
mesmo acontecia com o caminho que subia pelo flanco da falésia.
Não estaria transitável, pelo menos durante a próxima hora!
Foi o que os pequenos verificaram quando, estafados, se
juntaram ao Tim.
- Não podemos ficar aqui parados, todos molhados e ao vento!
- gritou o David, assim que recuperou alento.
- Senão apanhamos uma constipação dos diabos!
- Que é que tu queres que façamos mais? - respondeu o Júlio,
encolhendo os ombros. - O caminho da falésia não se pode, agora,
transpor.
- Não fiquemos aqui a arrefecer! - disse a Zé:
- Vamo-nos mexer um bocado. Patinharmos por aí també nos aquece!
Enquanto a Ana, demasiado fatigada, descansava ainda
mais um momento sobre o rochedo, os outros dirigiam-se para a
falésia, na base da qual se abria uma gruta.
50
Em breve, a Zé, o David e o Júlio se encontravam mesmo
defronte da entrada da gruta. De longe, não lhes tinha parecido
tão extensa nem tão imponente; vista de perto, o caso era outro.
Emanava dela uma estranha luminosidade esverdeada, provavelmente
produzida por algas a líquens fosforescentes. Esta luz iluminava
o interior da gruta de um modo misterioso. Para lá da entrada,
pequenas poças de água brilhavam no solo. A atmosfera, carregada
de iodo, dir-se-ia, possuída de uma estranha magia. A Zé propôs
logo:
- Vamos visitar a gruta! Isso ajudar-nos-á a esperar pela
hora da maré-baixa.
- Tens razão - concordou o Júlio. Lá dentro estamos, ao
abrigo do vento e da chuva.
O David chamou a irmã.
- Ana! Anda depressa! Vamos explorar esta gruta! A Ana
juntou-se ao pequeno grupo, e os Cinco penetraram na gruta, tendo
cuidado em não escorregar nas pedras molhadas. Lá fora continuava
a chover mas, caso bastante curioso, o interior da caverna estava
quente, e todos se felicitaram por isso.
O Júlio, sempre razoável e prático, ordenou, dando o
exemplo:
- Despachemo-nos em tirar as nossas roupas molhadas,
ficaremos apenas com os fatos-de-banho! Assim, evitamos talvez
apanhar uma constipação!
A Zé, o David e a Ana obedeceram.
- E agora. - começou o David.
- Béu! Béu! Béu! - fez o Tim, cortando-lhe a palavra.
- Reparem! - exclamou a Zé. - Parece que o Tim
descobriu alguma coisa. Vamos ver.
Correram para a outra extremidade da gruta.
O Tim continuava a ladrar.
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Quando a Zé chegou perto, o cão saltou para ela, e depois
pareceu indicar-lhe um ponto preciso, diante de si.
As crianças aproximaram-se e aperceberam-se, meia escondida
por trás de um rochedo vertical, de uma abertura, igualmente
vertical, que mergulhava no coração da rocha.
- Uma passagem subterrânea! - exclamou o David com
entusiasmo. - Sigamo-la! Talvez nos conduza ao ar livre, no cimo
da falésia. Assim evitamos estar à espera da baixa-mar!
- Hum! - murmurou o Júlio, avançando a cabeça com prudência.
- Não temos nada para nos iluminar.
- Ora . Vê-se o bastante para andarmos - disse a Zé.
- Venham! Vamos explorar esta passagem.
- Brr. Não estou nada tentada! - confessou a Ana, arrepiada.
- Sabe Deus o que vamos encontrar lá dentro! Sem falar nos
desabamentos que se podem produzir, arriscamo- nos a encontrar.
- Aranhas, ratazanas, ladrões, fantasmas, assassinos,
lobisomens e feiticeiras! -Completou o David. imitando o tom
choramingas da irmã. - Como podes ser tão medricas, minha menina?
- David! Cuidado com a língua! - repreendeu o Júlio.
- Então! Vocês vêm? - repetiu a Zé, impaciente. O David
enfiou-se pela passagem, atrás da prima. O Júlio e a Ana
seguiram-nos com mais hesitação. Na passagem, larga e arejada,
era fácil caminhar, mas acabava ao fim de alguns metros. As
crianças encontraram-se, depois, diante duma bifurcação. À
direita, um primeiro corredor mergulhava na terra. À esquerda, um
outro subia, com uma inclinação suave.
Os quatro primos discutiram, para concluirem sobre qual a
direcção que convinha tomar.
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- Na minha opinião - disse a Zé - não há que hesitar. Uma
vez que o nosso fim é ir ter ao cimo da falésia, subamos, pois, e
tomemos a passagem da esquerda!
- A entrada é mais estreita que a do corredor da direita!
- notou o Júlio. - Teremos mais dificuldades em progredir!
- Mas se o outro nos conduz ao inferno - disse o David,
trocista - então ainda avançamos mais!
- Esperemos que a maré baixe - sugeriu a Ana.
- Oh! Não! - exclamou a Zé. - Já começo a tremer! Estou com
pressa de ir para casa mudar de roupa! Sem contar que tenho de
alertar os guardas-costas, para eles apanharem o meu pobre barco!
Oh! E além disso, olha! o Tim fez como eu, escolheu o corredor da
esquerda. Eh! Tim! Espera por nós!
Efectivamente, o Tim tinha-se metido pelo corredor que
subia. O Júlio pensou que, apesar de tudo, o instinto do cão não
era de desprezar.
- Muito bem! - disse ele. - Sigamo-lo!
Os Cinco puseram-se a caminhar, em fila, através do estreito
corredor, mais difícil de seguir que o anterior, e as pedras
rolavam-lhes debaixo dos pés. Por várias ocasiões, a Ana deixou
escapar gritos de medo. A visibilidade era muito má. A pálida luz
esverdeada que as paredes emanavam revelava-se impotente para
dissipar completamente as sombras.
A Zé, que seguia à frente, estacou de súbito. É que o Tim,
que a precedia, fizera o mesmo.
Ela inquietou-se.
-Eh! Tim! Que foi, meu velho?...
O Tim respondeu com um Béu, particular, que a Zé interpretou
imediatamente.
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- Atenção! - disse ela aos primos que chegavam. - O Tim está
a avisar-nos de um perigo!
O David esticou o pescoço.
- Eu cá não vejo nada - disse ele, arregaalando os
olhos.
A Zé inclinou-se para a frente e, depois, esticando o pé
com precaução, tacteou o solo com a ponta da alpargata.
- O Tim fez-nos parar a tempo! - disse ela, então.
- Há um buraco mesmo à nossa frente. Se tivéssemos continuado a
andar, tínhamos caído lá dentro!
- Voltemos para trás! - suplicou a Ana.
-Nunca! Espera lá! Talvez haja maneira de contornar
esta espécie de poço!
E a Zé, encostando-se a uma das paredes do túnel, avançou de
lado, com as costas voltadas contra a rocha e tacteando o solo
com o pé... Descobriu, assim, que o buraco
ocupava apenas o centro da passagem e que era facilmente
contornável... coisa que as crianças fizeram imediatamente,
sem custo! Depois disso, o corredor continuava a subir cada
vez mais, e os Cinco foram obrigados a seguir o seu caminho, ora
completamente encurvados, ora de gatas O Tim foi
o único a achar esta posição normal.
De repente, a Zé anunciou com voz vibrante:
- Hurra! Chegámos!
Por seu lado, o Júlio, o David e a Ana exclamavam
também ao mesmo tempo:
- Bestial! Luz!
- Vejo o dia! Vamos poder sair!
- Se o orifício for bastante grande para isso! A passagem
alargava-se bruscamente. Os Cinco foram dar ao meio de uma
pequena rotunda talhada em plena rocha,
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iluminada pela luz do dia através de um orifício situado mesmo
por cima das suas cabeças. O Júlio não fez mais que levantar os
braços e içar-se, para emergir ao ar livre.
- Atenção! - gritou ele para os outros. - Vim sair no meio
de um tufo de juncos. Isto pica!
A Zé, o David e a Ana içaram-se, por sua vez, para fora do
buraco.
- Ufa! - disse o David. - Está- se muito melhor ao ar puro!
- Já não chove! - observou a Ana, toda contente. A Zé não
dizia nada. Com a fronte enrugada, olhava em redor. De repente,
perguntou:
- Este lugar não lhes lembra nada?
Surpreendidos, os primos lançaram uma olhadela rápida. O
Júlio foi o primeiro a reagir.
-Mas, claro! Estamos no cimo da falésia, mesmo no prado
inclinado onde fizemos o piquenique no outro dia. Reconheço-o
perfeitamente.
- E eu - exclamou por sua vez a Ana - reconheço o tufo de
juncos que tinha visto abanar. É este que tapa o buraco de que
acabámos de sair!
- Não me digas! - replicou a Zé, vermelha de contentamento.
-Assim, não te enganaste, Ana! Quando viste esta moita a abanar,
é porque havia mesmo alguém entre os ramos... alguém que queria
sair deste corredor subterrâneo, mas que a nossa presença obrigou
a ficar metido na toca...
A Ana abriu muito os olhos.
- Então já houve pessoas que utilizaram esta passagem?
- exclamou ela.
O David riu-se trocista.
- Se isso é pergunta que se faça . Como és idiota,
minha menina! Julgavas então que tínhamos sido os primeiros a
passar por este buraco?
A Ana abanou a cabeça.
- Não, claro. Mas há uma coisa que me parece estranha.
Porque é que a pessoa que aqui estava no outro dia, permaneceu
escondida quando eu gritei que tinha visto mexer os ramos?
- Decididamente que és bem ingénua, minha pobre Ana!
- suspirou a Zé. - Se o nosso desconhecido não se moveu do seu
esconderijo é porque desejava, sobretudo, não ser visto!
- E quando alguém se esconde desse modo
- acrescentou o David com gravidade - é porque não tem a
consciência tranquila! Estás a perceber?
A Ana estremeceu.
- Queres dizer que. que. esse desconhecido podia estar
animado de más intenções. que talvez fosse um ladrão ou...
- Ou um assassino, ou um fantasma, ou um lobisomem
- continuou David. - Ai, meu Deus, miúda! Não te vais outra vez
pôr a desfiar o teu rosário de fazer bater os dentes! Muda de
disco! Como podes ser tão medrosa, bolas .
O Júlio interveio, apaziguador:
- Penso que devia ser um caçador furtivo, que não queria ser
visto, é tudo! - declarou, enfiando os calções ainda molhados. -
Bem! e agora vamos depressa para casa. Não me interessa estar
aqui mais tempo a desafiar uma pneumonia. Despachem-se e vistam-
se!
Na verdade, os Cinco sentiam necessidade de voltar ao Casal
Kirrin. Nada impedia, porém, que, devorados pela curiosidade,
pensassem já em tornar ali, para explorarem em pormenor o
misterioso subterrâneo.
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O dia seguinte começou sob bons auspícios. O barco da Zé,
apanhado ao largo pela vedeta dos guardas- costas, foi rebocado
até Kirrin e entregue à dona. A Zé fez uma grande festa.
- Bestial! Meu pobre barquinho! Já o julgava perdido. Estou
contente por tê-lo recuperado! Que sorte! Quase que não sofreu
nada com a tempestade.
- Deixa-o secar - aconselhou o Júlio. - A seguir, se
quiseres, aproveitamos a ocasião para o pintar!
A Zé concordou alegremente. O mau tempo tinha dado lugar a
um belo sol, e, nessa manhã, as crianças decidiram voltar à
gruta, partindo desta vez do cimo da falésia. Foram buscar as
bicicletas motorizadas e puseram-se em marcha!
O vento da corrida não impedia a Zé de falar:
- Quero ter a certeza - declarou ela - de que alguém
utilizou o corredor subterrâneo para fins duvidosos, temos de
descobrir os motivos.
-A passagem liga a praia com o cimo da falésia
- notou o David. - Talvez seja usada por contrabandistas.
- Não faças dramas! - exclamou o Júlio. - A tua imaginação
perde-te, meu caro David!
- Na verdade - disse a Ana - esse corredor talvez seja
apenas um atalho conhecido pelas pessoas da região!
- Mas porque é que se escondia a pessoa que lá se encontrava
no outro dia? - insistiu a Zé. E, depois, não se esqueçam de que
existe ainda uma segunda passagem, a que desce! Quero saber aonde
conduz...
Os Cinco não tardaram a chegar ao prado, ao pé da
pequena colina.
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Quem sairia do subterrâneo?
De repente, o Tim atirou-se para a frente.
No mesmo instante, uma enorme bola de pêlo saltou da moita e
partiu correndo... como uma lebre. Era uma lebre, com efeito, e
grande! A Zé reagiu imediatamente.
-Tim! - chamou ela. - Volta imediatamente! Não tens vergonha
de meter medo ao pobre animal?
O Tim, contente por ter desentorpecido as pernas, voltou,
abanando a cauda, enquanto a lebre desaparecia.
A Ana pôs-se a rir um pouco nervosamente, depois daquele
falso alerta.
- Tive medo! - confessou ela com simplicidade.
- Bom! resmungou a Zé, descontente com o seu engano.
- Já perdemos demasiado tempo! Tens as lanternas, David? Vamos!
Quem quiser que me siga!
As quatro crianças e o Tim enfiaram-se no subterrâneo. Lá
dentro, o Júlio acendeu a lanterna. Os outros guardaram as suas,
de reserva. Puseram-se todos em fila. Desta vez, a luz da
lanterna iluminava claramente o buraco em que, na véspera, a Zé
teria caído, se não fosse o aviso do Tim. Era um afundamento do
solo que tinha, tanto quanto se podia julgar, vastas proporções.
O David agarrou numa pedra e deixou-a cair no buraco. Contou
sete segundos, antes de a ouvir bater no fundo.
- Diabo! - assobiou ele entre- dentes. - Ainda é bastante
fundo! Esta falésia deve estar tão esburacada como um queijo
gruiere!
As crianças contornaram o buraco e, ao fim de um tempo
relativamente curto, atingiram o local onde começava segundo
corredor subterrâneo.
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A Zé exclamou, triunfante:
-Eis-nos chegados à bifurcação! Vêem o segundo corredor!.
Parece mergulhar no centro da terra.
O Júlio, com autoridade, afastou a prima.
- Deixa-me passar primeiro - disse ele. - Sou o mais velho.
Sou eu quem deve correr os riscos... se os houver!
- Ora!... Este túnel deve acabar num beco sem saída!
- murmurou a Ana. - E eu não me importo nada, sabem! Estas
explorações assim, à aventura, amedrontam-me sempre um bocadinho.
- Medrosa! - exclamou o David. - Vá, Júlio! ilumina o
caminho à tua frente e avança! Nós seguimos-te!
O Júlio meteu-se pelo corredor que, para além da luz
projectada pela lanterna, não passava de um buraco escuro. A
luminosidade esverdeada do outro corredor não existia ali.
Os Cinco, caminhando em fila indiana, tinham a impressão de
descer aos infernos. A Ana sentia-se cada vez mais insegura, e
respirava mal, oprimida pela estranha atmosfera que a envolvia.
A própria Zé, tão faladora, estava calada. O Tim seguia-a,
com o focinho junto às solas da dona. De repente, o Júlio soltou
uma exclamação que fez sobressaltar os outros:
- Óptimo! O corredor alarga- se...
Era verdade. Até ali, as paredes do subterrâneo eram tão
estreitas que permitiam apenas a passagem dos jovens
exploradores; agora, não só o corredor se alargava,
efectivamente, como se arredondava também, numa espécie de sala
baixa, bastante espaçosa.
A Ana soltou um suspiro de alívio. Mas aquele momento de
alívio foi de curta duração.
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Quase a seguir, a pequena deixou escapar um grito de medo.
- Socorro! Uma mão acaba de roçar nos meus cabelos!. Oh! Lá
está ela outra vez! Júlio! David! .
Por cima da sua cabeça, um barulho, tal como um bater de
asas, ouviu-se tenuemente. A Zé e o David saltaram em frente,
iluminados pela lanterna do Júlio. A Zé começou a rir: no círculo
de luz, a cabeça loira da Ana, desnorteada, aparecia, enquanto um
inofensivo morcego, tão assustado como a sua vítima, voava à
volta dela.
- Ana! Pateta! É apenas um desgraçado morcego. Deixa de
berrar!
A Ana, envergonhada, fechou a boca. Bem, a sua vida não
estava em perigo . O morcego aflorou a lanterna do Júlio e depois
voou para o tecto! Isso foi como que um aviso e, quase
instantaneamente, dezenas de morcegos, incomodados no seu sono,
deixaram-se cair da abóbada rochosa e puseram-se a esvoaçar, em
turbilhão, na caverna, num estranho bailado mudo.
Dessa vez a Ana foi incapaz de se controlar, e largou aos
gritos estridentes. O Tim, surpreendido, pôs-se a ladrar. A Zé
ralhou com ele. O David protestou contra os morcegos.
Tudo aquilo fazia uma barulheira infernal. Foi o
Júlio como rapaz sensato e inteligente, quem resolveu a situação
do modo mais simples do mundo: tendo-se apercebido de que o
corredor continuava para lá da sala dos morcegos, meteu-se por
ali fora. Como era ele quem iluminava o caminho, os outros
precipitaram-se, muito naturalmente, no seu encalço.
Outra vez senhores do campo de batalha, os morcegos logo se
acalmaram.
Na estreita passagem, as crianças apressavam-se. A Ana, mal
refeita da sua emoção, respirava a pequenos
70
intervalos. Cada vez lhe desagradava mais a expedição. O
Júlio deteve-se um momento, para lhe perguntar, com uma ponta de
inquietação:
- Vai tudo bem, Ana? Já estás recomposta do teu susto?
Não tens um aspecto muito bom.
A pequena sorriu.
- Sinto-me muito bem, contudo. não estou segura
confessou. - O David pode fazer troça de mim, mas tenho a
impressão de que vamos ao encontro de grandes aborreci mentos.
- ABORRECIMENTOS, aborrecimentos, imentos! repetiu uma
voz cavernosa em frente dela.
- Oh! - gritou a Ana.
- OH! Oh! Oh! - repetiu a voz, como que troçando dela.
Os Cinco estacaram, petrificados, mesmo à entrada de
uma sala talhada na rocha, mais vasta ainda que a precedente. Não
viram ninguém.
- O que foi isto? - murmurou o David.
- Um eco! - exclamou a Zé, desatando a rir. - Uma coisa
tão assustadora como isso . AH! Ah! Ah!
- AH Ah Ah - fez o eco, amplificando o riso e
acrescentando-lhe uma nota quase ameaçadora.
O Tim, interdito por um momento, olhava para todos os
lados, tentando descobrir o inimigo invisível, que assim o
desafiava com a voz. Não vendo ninguém, começou:
- Béu! Béu!
É claro que o eco não o deixou sem resposta. Sob a
abóbada sonora fez-se um barulho tão ensurdecedor que a própria
Zé ficou quase aterrorizada.
O Júlio apressou-se a levar os seus companheiros atrás de
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si. A travessia da caverna dos ecos não foi tarefa fácil. Que
cavalgada! A Ana gritava de medo! O Tim ladrava. E o eco não
parava de vociferar aos ouvidos dos jovens exploradores
- era um chinfrim de rebentar os tímpanos!
Por contraste, o silêncio pareceu-lhes opressivo, quando se
viram outra vez no corredor. Este continuava numa descida. O
Júlio inquietou-se:
- Até aonde nos conduzirá ele? Pergunto a mim mesmo se não
será melhor voltarmos para trás!
- Nunca . - protestou a Zé. - Oiçam! De onde vem este ruído?
Ouvem? Parece-me que.
Interrompeu-se bruscamente, para gritar:
- Oh! Olhem!
À medida que falava havia tomado o comando da coluna, o que
lhe permitiu ser a primeira a fazer a interessante descoberta.
Pela terceira vez, o corredor alargava-se num vasto espaço. Mas,
desta vez, tratava-se de uma coisa muito diferente de uma simples
caverna!
Ali, sob os olhares dos quatro primos assustados, corria um
ribeiro subterrâneo, rapidamente, metido entre duas margens
rochosas que formavam uma espécie de cais.
- Que descoberta tão interessante! - exclamou o Júlio.
- Este sítio é muito pitoresco! - disse o David.
- Parece um cenário do teatro!
- Vamos explorá-lo! Vamos explorá-lo! - gritou a Zé, com
energia.
As crianças precipitaram-se. O tecto era alto. Podiam mexer-
se à vontade naquele vasto espaço subterrâneo. A Ana respirava
mais desafogadamente, sentia-se reviver!
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Os rapazes e as meninas pararam um momento, para contemplar
o ribeiro.
- Dir-se-ia - pensou o Júlio, em voz alta - que este curso
de água se dirige direito ao mar!
- Podes ter a certeza! - afirmou a Zé. - Se mergulhássemos
aqui acabávamos por sair na enseada aonde fomos dar quando
naufragámos.
-Não estejas tão segura disso! - replicou o David, trocista.
- O tecto podia baixar bruscamente e nós morríamos afogados,
muito antes de sairmos para o ar livre.
- Olhem lá!. - protestou a Ana. - E se falássemos de coisas
mais alegres?
A Zé não respondeu. Com os olhos presos no chão, parecia
petrificada. Por fim, murmurou:
- Olhem! Ali. Uma argola de ferro
Não se enganara. Havia uma argola de ferro metida na margem
rochosa, quase ao nível da água.
- Parece nova! - exclamou o David. - Isto prova que há
pessoas que por vezes amarram aqui um barco!
- É exactamente o que eu penso!
- Depressa! Vamos procurar outros vestígios . A Zé, tendo
acendido a sua lanterna, vasculhava tudo à esquerda e à direita.
De súbito, soltou uma exclamação. Por trás de uma saliência da
rocha, bem escondida numa concavidade do terreno, acabava de
descobrir uma caixa.
Os primos fizeram um círculo em volta dela e ajudaram-na a
tirar um grande cofre de madeira do seu esconderijo.
- E esta! murmurou o Júlio levantando a tampa. A Zé, o David
e a Ana debruçaram- se para ver. Havia três sacos dentro da
caixa!
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Devoradas pela curiosidade, as crianças inclinaram-se um
pouco mais. Que conteriam os sacos? Teriam os jovens detectives o
direito de os abrir? A Zé resolveu a questão.
- Não estamos numa propriedade privada. e desconfio que haja
marotice nisto. Vê o que há dentro dos sacos, Júlio!
O mais velho dos pequenos trazia sempre consigo o seu
canivete de escoteiro. Depois de breve hesitação, abriu-o e
cortou a corda que amarrava um dos sacos, cujo conteúdo espalhou
no chão. Então, os quatro, siderados, ficaram de boca aberta,
incapazes de articular uma palavra.
A seus pés acabavam de rolar, misturadas, moedas de ouro,
jóias preciosas, medalhas antigas.
- Um tesouro! - balbuciou a Ana, estupefacta.
- Na verdade... - confirmou o Júlio.
- Também me parece! - exclamou o David. - Estão aqui milhões
e milhões, de certeza absoluta!
Sem dizer nada, a Zé baixou-se para apanhar uma magnífica
rosa de ouro, de pétalas finamente cinzeladas, nas quais pequenos
diamantes imitavam o orvalho e cujas folhas, entre as suas
nervuras de ouro, eram constituídas por finas esmeraldas.
Um grito de admiração escapou à Ana:
- Mas. mas. - gaguejou ela - é a famosa rosa de que a rádio
tanto falou, a que foi roubada há quinze dias do Castelo de
Escola!
- Exactamente! - disse o Júlio, agarrando na jóia para a
examinar. - E isto prova que estamos, na verdade.
- no covil da quadrilha dos ladrões de castelos! concluiu a
Zé friamente.
A Ana soltou um grito. Os acontecimentos sucediam demasiado
depressa para ela.
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David, cheio de sangue-frio, abriu os dois outros sacos: um
continha rolos de telas de dimensões modestas mas que o Júlio e a
Zé, logo à primeira vista, reconheceram serem telas de mestres,
as mesmas de que tinham visto as reproduções na televisão, numa
emissão especial que se seguira ao assalto ao Castelo de Lencoet!
- Não restam dúvidas - declarou o Júlio, perdido na
contemplação das telas.
- Com efeito - exclamou a Zé - acertámos em cheio, ao vir
aqui, é a caverna dos quarenta ladrões.
- E eu, sou o Ali Babá! - brincou o David. A Ana já se tinha
recomposto um pouco. Sendo muito cuidadosa, não pôde deixar de
dizer:
- Estas pessoas são uns vândalos! Enrolarem as telas ao
contrário, com a pintura para fora!
O Júlio sorriu.
- Mas é assim mesmo que se deve fazer, minha querida,
precisamente para evitar que se estraguem.
O David sacudiu o último saco. De lá de dentro saíram...
maravilhosos relógios de ouro que rolaram em todas as direcções.
- Palavra de honra! - exclamou a Zé. - Mas são os relógios
do Castelo dos Arganazes, os que admirámos e de que o marquês de
Penlech se mostrava tão orgulhoso! Vai ficar bem contente, o bom
do senhor, quando souber que encontrámos o seu tesouro!
- Eu suponho - disse o Júlio, lentamente - que esta caverna
serve de armazém aos ladrões. É aqui que eles guardam o produto
dos roubos, sem dúvida à espera de os passar para o estrangeiro.
depois de terem desmontado as pedras das jóias, camuflado as
telas e, talvez, quem sabe, fundido os relógios de ouro!
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- Em suma - murmurou a Zé -, descobrimos o mistério
mesmo a tempo! Mais um bocado e todas estas riquezas
roubadas pelos ladrões dos castelos teriam desaparecido para
sempre. Podemos felicitar-nos!
A Ana tinha-se tornado um pouco pálida.
- Do que nos devemos felicitar sobretudo - disse ela -
foi de termos chegado ao esconderijo dos ladrões sem os
encontrarmos! Vamo-nos embora depressa!
-Nem penses nisso! - gritou o David. - Antes de mais,
temos de tornar a meter todos os objectos nos sacos e estes na
caixa. Depois tornamos a pôr esta no seu esconderijo.
- Tens razão! - aprovou o Júlio. - Nós não podemos
levar isto tudo. E, além disso, deve haver outras caixas
dissimuladas por aí.
- Claro! - corroborou a Zé. - Vamos pôr tudo outra vez
no seu lugar e vamos alertar a Polícia. É a única coisa razoável
a fazer!
Despacharam-se todos, arrastando a caixa outra vez para
o lugar onde a tinham encontrado. Tratava-se, com efeito, de não
alertar os bandidos antes de a Polícia ir tomar posse dos
objectos roubados e estender uma armadilha aos ladrões.
A Zé e os primos, tendo-se assegurado de que não
restava qualquer indício da sua passagem pela caverna,
apressaram-se a dar meia-volta e a regressar pelo caminho por
onde tinham ido.
- Pode dizer-se que a nossa expedição foi coroada de
êxito! - disse a Zé, encantada. - É preciso reconhecer que a
sorte nos sorriu. Mal tínhamos começado - e ainda por cima, por
acaso! - e eis a investigação já acabada. Daqui a pouco, os
insaciáveis bandidos estarão presos. Viva o Clube dos Cinco.
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Um rosnido do Tim fê-la parar, de súbito.
Para se despacharem mais depressa a pôr tudo em ordem, as
crianças tinham acendido as quatro lanternas. Postas mesmo no
chão ou presas nas reentrâncias das rochas, as lanternas
forneciam uma claridade bastante viva.
- Depressa! - ordenou a Zé, pronta para qualquer
eventualidade. - Apaguemos as lanternas. O Tim nunca rosna sem
motivo.
O Júlio, o David e a Ana apressaram-se a obedecer. Na
penumbra, a Zé pôs uma mão tranquilizante sobre o pescoço do cão,
cujo pêlo sentia eriçado.
- Caluda, Tim! Não faças barulho!
O inteligente animal compreendeu e calou-se. Mas manteve-se
alerta, a cabeça voltada para o lado de baixo do curso de água
subterrâneo. Os jovens detectives imitaram-no. Retinham a
respiração e abriam os olhos o mais possível, para conseguirem
perfurar as trevas. Ao fim de um momento, começaram a distinguir
vagamente o contorno das rochas à sua volta.
O Tim não se tinha movido, e olhava sempre na mesma
direcção. As quatro crianças, sustendo a respiração, escutaram
atentamente.
Primeiro não ouviram nada; depois, a Zé surpreendeu como que
um leve mergulhar.
- Barulho de remos! - murmurou ela.
Quem seria que vinha, assim, na sombra?
- Os ladrões, claro - respondeu mentalmente a Ana,
à pergunta que cada um fazia a si mesmo.
Levou a mão à boca. Precisava de toda a coragem
para não gritar de medo!
O Júlio, percebendo a angústia da irmã, passou- lhe, em
silêncio, o braço por cima dos ombros. Sentiu-a tremer
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de medo e dispôs-se a defendê-la, se fosse caso disso. De
repente, um pálido clarão dançou sobre as águas, a jusante, na
direcção em que o Tim tinha os olhos fixos.
Esta luz pôs em acção as reacções rápidas da Zé.
-Vamo-nos esconder! - lançou ela num murmúrio.
- É preciso que não nos encontrem aqui!
À medida que falava, deslizou, sem ruído, em direcção a
uma rocha saliente, sendo logo imitada pelo Tim e seguida
pelo David. A Ana conheceu um dos momentos mais penosos
da sua existência, o medo pregava-a ao chão, tirando-lhe toda
a iniciativa. O Júlio apercebeu-se do seu desnorteamento,
agarrou-a por um braço e levou-a consigo...
- Vem! - disse ele, baixinho.
A Ana não resistiu e deixou-se levar.
Agora, dissimulados por trás de um rochedo, os Cinco,
aproveitando a sombra protectora que os tornava invisíveis,
puseram a cabeça fora do seu esconderijo... e olharam de
olhos bem abertos.
A luz tornava-se cada vez mais viva. E, de repente, a
chama de uma tocha estava fixada na parte da frente de um
barco, no qual se encontravam três homens de feições patibulares.
O que remava era loiro, de compleição atlética; os outros dois,
morenos e magros, pertenciam ao tipo meridional, um deles tinha
uma barba curta.
Um murmúrio de vozes chegou às crianças, que pensavam
todas a mesma coisa:
Estes homens vêm por aqui cheios de segurança. Isso
quer dizer que conhecem perfeitamente estes lugares... Sem
dúvida alguma que se trata dos famosos ladrões dos castelos,
que ninguém conseguiu apanhar!
Desta vez, nem a própria Zé estava calma! Quanto à Ana
é melhor nem falar nisso!
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O barco aproximava-se. Em breve foi colocar-se ao longo da rocha
que fazia de cais.
O gigante loiro deixou os remos e saltou para terra. Depois
puxou o barco e, sem se apressar, pôs- se a agarrá-lo, com a
ajuda de um cabo, que passou pela grande argola de ferro.
Durante esse tempo, os seus companheiros descarregaram um
saco que parecia muito pesado.
- Olha lá, Eric! - resmungou um deles, dirigindo-se ao
gigante loiro. - Despacha-te e dá-nos uma ajuda, se isso não te
cansar muito!
O que se chamava Eric, e mais parecia um viking",
mostrou os dentes brancos, num sorriso largo.
- Pergunto a mim mesmo o que seria de vocês sem a minha
ajuda, magrizelas!
- Ter-nos-íamos arranjado muito bem - ripostou um dos
bandidos morenos. - Porque, se tu tens músculos, nós temos
cabeça. Não é, Manuel?
- Claro, José! - replicou o seu companheiro.
- Ora. Não vale a pena discutirmos! - disse o Eric.
- Alegremo-nos, antes, de ver o nosso tesouro aumentar de
dia para dia!
- Mais um ou dois castelos a limpar e fugimos para o
estrangeiro! - exclamou o José.
- Bem! enquanto esperamos, guardemos o nosso produto
desta noite!
As crianças temiam que eles as descobrissem. Se os
bandidos se lembrassem de vir na sua direcção, estavam perdidos.
Ao ver as feições sinistras dos três homens, não se
poderia esperar qualquer clemência da sua parte . O Júlio apertou
a mão da Ana, que tremia, como que para lhe comunicar
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força. A Zé, por seu lado, acalmou o Tim, que fazia tenções de
saltar.
Felizmente, os temores dos jovens detectives" não tinham
fundamento. Longe de se dirigirem para eles, os bandidos
voltaram-lhes as costas.
Levando o enorme saco, aproximava-se do esconderijo da caixa
que tinha sido descoberta pelas crianças, passaram mais
adiante, e outro esconderijo, situado um pouco mais longe,
tiraram uma segunda caixa, em tudo parecida com a primeira. Do
seu refúgio, a Zé e os primos viram-nos despejar o saco para o
interior.
A voz, de satisfação, do José chegou até eles:
- Este último assalto ainda nos rendeu mais do que os
outros. Quando fizermos a partilha, cada um de nós terá direito a
uma bela quantia!
- E bem a merecemos - replicou o Manuel. Eric desatou a rir.
- O que me diverte é pensar em todos esses polícias que
se esforçam por nos deitar a mão. Nós somos demasiado espertos
para nos deixarmos prender! O modo como entrámos no Castelo dos
Arganazes, entre outros, levanta- lhes um enigma que estão bem
longe de resolver. Ah, ah, ah!
Do seu esconderijo, a Zé cerrou os punhos. Com o seu
temperamento fogoso, sentia desejos de gritar:
Fazem mal em se felicitarem antecipadamente, seus
espertalhões! Esperem só que a gente saia daqui e então é que vão
sentir emoções fortes. Esfreguem as mãos enquanto ainda têm
tempo. Amanhã já não terão tantos motivos para cantar vitória!
O Júlio, mais razoável, contentava-se em fazer votos
para que a presença dos Cinco fosse, até ao fim, ignorada pelos
bandidos.
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O David e a Ana, assim como o Júlio, esperavam que,
terminado o seu trabalho, os bandidos se fossem logo embora, no
barco. Por isso espreitavam, com ansiedade, os mínimos gestos dos
três homens. Estes, depois de terem metido o produto do roubo no
esconderijo, voltavam agora para o embucadouro.
Que bom! Vão-se embora! " - pensou a Zé. Nesse mesmo
instante, uma coisa qualquer tocou-lhe no tornozelo e fugiu por
entre as patas do Tim. Uma ratazana!
Desta vez, a Zé não teve tempo de prever e de impedir o
reflexo do cão... O Tim, esquecendo-se de que o tinham mandado
ficar sossegado, cedeu ao seu instinto de caçador. De um salto,
atirou-se para a frente, perseguindo a ratazana e ladrando:
- Béu! Béu! Béu!
É claro que todo este barulho foi ouvido pelos bandidos, que
se preparavam para embarcar. Estupefactos, voltaram-se e viram o
Tim a perseguir uma ratazana.
- Um cão! Mas de onde diabo teria ele saído?
- E esta, hem! - gaguejou o José, que nem acreditava no que
via.
Mas o cão não estava à espera dele... A sua presa acabava de
enfiar pelo túnel por onde as crianças tinham chegado. O Tim
estava decidido a não a deixar fugir. Sem se importar com os
ladrões que, gritando e gesticulando, se lançavam na sua peugada,
desapareceu no corredor. O subterrâneo ficou imediatamente cheio
dos seus latidos.
A curiosa caçada afastou-se na seguinte ordem: primeiro a
ratazana, bem à frente; depois o Tim. Atrás o Eric, que dava
grandes passadas. Por fim, o José e o Manuel iam logo a seguir.
De súbito, ergueu-se ao longe um alarido infernal...
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As crianças, no seu esconderijo, trocaram olhares
assustados.
- Chegaram à sala dos ecos - explicou o David com uma voz
surda. - Os gritos e os latidos são amplificados.
- É horrível! - balbuciou a Ana, à beira de uma crise de
lágrimas e de nervos.
O Júlio tomou uma decisão rápida:
- Não podemos ficar aqui - declarou ele. - Dentro de um
instante os bandidos voltam para trás e põem-se à nossa procura!
- Mas eles não sabem que nós estamos aqui! - murmurou a Ana,
reprimindo um soluço.
O David teve um movimento de impaciência.
- Não sejas palerma! - disse ele. - Não percebes que esses
homens compreenderão rapidamente que o Tim não veio sozinho.
Lançaram-se atrás dele por um reflexo muito natural mas, se o
apanham, o seu primeiro cuidado será o de olharem para a coleira
e para a placa.
- O Tim não tem placa nem coleira! - murmurou a Zé.
- E se eles não o conseguirem apanhar, vêm para aqui
espiolhar. De qualquer modo, vêm procurar, descobrem-nos
e...
- Basta de conversa! - cortou o Júlio. - Insisto para que
nos escapemos imediatamente. Venham depressa!
Agarrou na Ana pelo braço e levou-a atrás dele. O David
saltou, por seu turno, do esconderijo, seguido mais lentamente
pela Zé, e correu para o irmão.
- Júlio! - disse ele. - Já pensaste?... Não podemos fugir
por onde viemos, porque os bandidos estão na passagem.
- Por isso mesmo não é no corredor que eu estava a pensar -
respondeu o Júlio calmamente. - Tenho outra ideia. Sigam-me!
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A ideia do Júlio era ao mesmo tempo simples e
engenhosa... O rapaz pensava assim:
Uma vez que o Eric e os seus cúmplices chegaram aqui
de barco, é porque o ribeiro é praticável e conduzir-nos-á ao
mar... Vistas as circunstâncias, é a única saída à nossa
disposição, uma vez que o subterrâneo nos está vedado. Quanto ao
meio de locomoção, não é preciso pensar muito: o barco que
o inimigo deixou involuntariamente ao nosso dispor! Seríamos
idiotas se não o aproveitássemos!
O David tinha completa confiança no irmão. Correndo
atrás dele, pensava por seu turno:
A situação é crítica. Mas talvez o que mais me aborreça
é ver a nossa investigação estragada. Tínhamos tido tão bons
resultados! E pensar que só nos faltava avisar a Polícia para
salvar os tesouros roubados! Foi pena que o Tim procedesse
como um imbecil mesmo no último momento... É a primeira
vez que um dos Cinco sabota o trabalho de toda a equipa!
O Júlio, arrastando sempre atrás de si a Ana, parou diante
do embarcadouro. Depois, apontando para o barco:
- Depressa! - ordenou ele. - Saltem lá para dentro!
É a nossa única hipótese de salvação! A corrente nos levará
em breve, até ao mar... E, deste modo, impedimos os ladrões
de utilizar o seu próprio meio de transporte. Talvez, com um
pouco de sorte, consigamos avisar a Polícia e voltar cá com
ela, antes que estes miseráveis tenham tempo de fugir com
tudo. Vão-lhes ser precisas muitas idas e vindas pelo
subterrâneo, antes de o conseguirem! Além disso, penso que devem
ter pressa em se salvar a eles próprios. Vamos! Despachemo-nos!
O David não hesitou. Saltou para o barco. Este, resistente
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e bem equilibrado, apenas balouçou um pouco, sob o choque.
O Júlio empurrou a Ana para a frente.
- Salta, minha querida!... Agarra-a, David!
A Ana saltou para a embarcação. O Júlio virou-se para a
Zé que, imóvel, se mantinha um pouco afastada. Perante a
atitude passiva, quase hostil da prima, habitualmente tão
dinâmica, o Júlio admirou-se e disse em voz alta:
- Então, Zé! Decides-te? O tempo voa, bem sabes! Vá!
Salta depressa!
A Zé não se mexeu. Com a fronte enrugada, respondeu:
- Vão-se embora vocês três. Eu fico.
Os outros olharam-na, admirados.
- Tu és maluca! - exclamou o David. - Que é que te
deu de repente? Queres ser apanhada pelos bandidos ou quê?
- Eu não quero ir-me embora sem o Tim. Se vocês têm
coragem para deixar o pobre animal com esses brutos, pois eu
não!
- Não te preocupes com o Tim! - disse o Júlio. - Ele
não se deixa apanhar. Foge, sem dúvida, como uma flecha
para fora do subterrâneo e corre direito ao Casal Kirrin.
- Isso é o que tu pensas! Ele vai voltar para junto de
mim... e, se eu for com vocês, não encontra ninguém! Nunca
o abandonarei.
- Mas... se ficas... talvez estejas a arriscar a tua vida!
- sustentou a Ana, aflita.
- Não me importo! O Tim nunca me abandonaria. Seria
desleal, da minha parte, se me fosse embora sem ele.
- Os teus escrúpulos só te fazem honra, Zé - disse o
Júlio, num tom seco. - Mas não é altura de discutirmos.
Tens de me obedecer!
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E, agarrando a prima pelos ombros, repetiu:
- Vá! Salta!
Como a Zé resistia, ele decidiu empregar a força...
Erguendo a prima pelo meio do corpo, quase que a fez cair
para dentro do barco.
- Agarra-a, David!
A Zé debatia-se, mas o David, ajudado pela Ana, agarrou-se a ela
e impediu-a de trepar de novo para o cais.
O Júlio apressou-se a desatar a corda e saltou, por sua vez.
Era tempo... O barco afastava-se da margem e levado pela
corrente rápida, começava a ganhar velocidade quando o Eric,
o José e o Manuel apareceram de súbito, tal como diabos,
vociferantes, vindos do corredor subterrâneo.
O José viu as crianças e gritou a plenos pulmões:
- Olhem! Eu tinha razão! O cão estava acompanhado!
O Manuel exclamou por sua vez:
- Miúdos! São miúdos!
O Eric encheu o peito de ar, e com as mãos a fazerem de
altifalante, gritou com voz de estentor:
- Eh! Vocês aí! Voltem! E depressinha!
- Podes contar com isso e vai mas é bebendo água! respondeu
o David, com mais zombaria do que elegância. Voltaremos se nos
apetecer e até acontece que não nos apetece nada!
- Cala-te, falador! E rema! - resmungou o Júlio. A Zé, muito
pálida, mantinha-se calada.
Quanto à Ana, morta de medo, batia os dentes sem
conseguir dominar-se.
- Tragam-nos outra vez o barco e não lhes faremos mal!
- disse ainda o Eric. Mas já o barco e os seus ocupantes
desapareciam de vista.
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O David pôs-se a rir.
- Eles, que se julgavam tão espertos, nada podem contra nós!
Pregámos-lhes uma bela partida! Ah, ah, ah!
O Júlio, deixando ao David o trabalho de remar, tinha-se
instalado ao leme. Pilotava habilmente a barca, que a corrente
arrastava com bastante velocidade. As gargalhadas do irmão não
encontraram eco nele, que se mantinha mudo, a fronte enrugada
pela reflexão.
- Estás com uma cara, Júlio! - lançou-lhe o David,
divertido.
- É que tenho mais juízo do que tu, meu pateta. Divertes-te
como um miúdo que acaba de pregar uma partida, sem preveres as
consequências dos teus actos!
- Mas, olha lá, não nos saímos mal desta vez, parece- me a
mim!
- Claro, isso é essencial! Mas não impede que os bandidos
nos tenham visto! Agora já sabem que conhecemos o esconderijo. Só
pensarão em fugir!
- Escuta, Júlio, eu também pensei nisso! Mas disse para mim
mesmo: no fundo, eles ignoram que nós descobrimos os objectos
roubados e que estamos a par das suas actividades criminosas. Por
isso, tomam-nos sem dúvida, por simples jovens, não muito
escrupulosos, que, divertindo-se a explorar subterrâneos,
encontraram a sua barca e roubaram-lha!
- Hum . Os ladrões são, em geral, desconfiados. Admirava-me
muito que eles não desconfiassem da verdade. Vão dar tudo por
tudo para mudarem as coisas de sítio e desaparecerem em seguida.
Só podemos desejar é sermos mais rápidos do que eles!
O David tinha deixado de rir. De repente, sentia-se
inquieto.
102
A Zé, imóvel no seu banco, não dizia nada. A Ana pousou
docemente a sua mão sobre a dela.
- Zé! - murmurou ela timidamente. - Estás zangada!
- E estou mesmo! - ripostou a Zé, retirando a mão,
rudemente. - Palavra de honra! Vocês não têm nem sombra de
piedade! São uns verdadeiros selvagens! Somos o Clube dos Cinco,
ou não? Cada um de nós é solidário com os outros, parece-me a
mim! Aos meus olhos, o abandono do Tim é uma verdadeira traição.
Nunca lhes perdoarei por me terem trazido à força!
O Júlio franziu as sobrancelhas.
- Tu exageras - disse ele. - A nossa vida é mais preciosa do
que a do Tim. Além disso, a vida dele não está ameaçada de modo
nenhum.
- Que sabes tu? - lançou a Zé com veemência.
- Aqueles brutos são muito capazes de o ter morto!
- Está descansada - disse o David, apaziguador. Com certeza
que não o apanharam!
- Também estou convencida disso - corroborou a Ana.
- Bem viste que os bandidos estavam sozinhos quando saíram do
subterrâneo.
A Zé teve um gesto de mau humor.
- Que é que isso prova? - exclamou ela. - Se tivessem morto
o Tim, não o traziam de certo com eles. Para que é que isso lhes
serviria?
- Mas de que é que lhes serviria tê-lo eliminado? replicou a
Ana, com grande bom senso. - Não, acredita-me, Zé. Estou
convencida de que o Tim se desenvencilhou muito bem. Ele é tão
esperto!.
Estas palavras reconfortantes e lisonjeadoras tocaram a Zé.
Sim, o Tim era excepcionalmente inteligente. Não era preciso
preocupar-se demasiado com ele.
104
Enquanto a Zé, reconfortada pela Ana, readquiria esperança,
o Júlio e o David amaldiçoavam a má sorte e a Ana fazia votos
para chegar ao termo da viagem debaixo da terra, sem outro
problema, e a barca continuava a deslizar rapidamente.
O curso do ribeiro, dir-se-ia, precipitava-se.
- Não percebo nada - resmungou o David entre-dentes, ao fim
de um momento. - Este ribeiro subterrâneo devia ter um curso de
água mais vagaroso uma vez que corre, segundo parece, mais ou
menos ao nível do mar.
- Tu não reparaste - disse a Zé. - Mas, se o corredor que
seguimos descia ao princípio, a seguir subia bastante. É a
inclinação da colina que explica esta corrente tão rápida.
- É verdade, o corredor subia. sobretudo entre a gruta dos
morcegos e a dos ecos - suspirou a Ana. - Eu até estava sem
fôlego.
De súbito, a Zé lançou um aviso:
- Atenção! Parece-me que vejo uma claridade lá em baixo, à
minha frente.
O David virou-se sem largar os remos.
- Hurra! - gritou ele. - É a luz do dia! A Zé e a Ana
soltaram, por sua vez, um grito. A saída do estreito canal
recortava-se, como um círculo claro, ao fim do longo túnel
sombrio que as crianças acabavam de percorrer.
- Estamos salvos! - suspirou a Ana, apertando a mão da Zé.
- Pergunto a mim mesmo aonde é que vamos dar - rresmungou a
Zé, com as sobrancelhas franzidas. - É que temos de regressar, o
mais depressa possível, ao sítio onde deixámos as nossas
motocicletas. O tempo urge!
- Pronto! Desta vez chegámos - gritou o David.
Com efeito, a barca saiu pela entrada do túnel. A maré
estava alta. Tudo correu muito bem.
Assim que a embarcação se encontrou sobre as ondas, parou um
bocado e, depois, ficou a balouçar ao sabor do mar. O David, com
os remos levantados, perguntou ao irmão:
- E agora, Júlio? Para aonde vamos? O Júlio olhou em redor.
- Estou a ver a entrada da gruta que fica na parte de baixo
da falésia - disse ele. - Mas é o caminho por ocasião do nosso
naufrágio. Vejamos: que fazer?
Em face de uma situação delicada, a Zé nunca ficava muito
tempo embaraçada.
- O mais urgente - declarou ela - é alertar a polícia. Em
seguida, é preciso ver, custe o que custar, o que vão fazer os
bandidos. e apanhá-los quando saírem do esconderijo. Por isso,
para começar, vamos pôr a Ana e o David naquela enseada, para lá
da gruta. As rochas, naquele canto, parecem fáceis de escalar. A
Ana vai a correr buscar a motocicleta dela. Em seguida. tens de
te desembaraçar, Ana! Corres à vila mais próxima e vais à procura
da Polícia. Explicas-lhe a nossa aventura e voltas aqui com eles.
Insiste, sobretudo, em que se apressem. Cada minuto conta. Quanto
a ti, David, vais vigiar a entrada do subterrâneo que fica no
meio das moitas!
- Mas. ó Júlio e tu? - perguntaram o David e a Ana.
- O Júlio fica de vigia à entrada da gruta e eu no local
onde desemboca a ribeira subterrânea, para o caso de os bandidos
resolverem sair a nado. Assim, podê-los-emos ou apanhar ou
encurralar, se tivermos sorte. Compreendido?
108
O tempo urgia. O Júlio aprovou a ideia da Zé. Pelo menos a
Ana estaria segura!
Por isso, o David tornou a mergulhar os remos na água e
dirigiu-se directamente para a pequena enseada.
A Zé não se tinha enganado: aquela baía em miniatura, com
uma praia de areia fina, raramente coberta pela maré, estava
rodeada de rochas que não ofereciam grande dificuldade para se
escalarem.
Assim que a barca acostou, o David abandonou os remos e
ajudou a Ana a saltar para terra. Depois, apressaram-se os dois a
subir até à estrada que seguia ao longo da falésia, mesmo por
cima das suas cabeças.
A Zé não perdeu tempo. Instalou-se no lugar do David,
agarrou nos remos e partiu novamente, desta vez em direcção à
gruta. Assim que lá chegou, fez escala, para deixar o Júlio
desembarcar, por sua vez.
- És tu e o David que têm mais hipóteses de ver sair os
bandidos! - disse ela. - Abre bem os olhos, Júlio!
- Conta comigo! E sê prudente, por teu lado.
- É a minha vez de te responder: conta comigo! O Júlio
abanou a cabeça e fez uma careta:
- Esta embarcação é muito pesada para se manobrar, e não me
agrada nada a ideia de te deixar sozinha.
- Cada um de nós corre um risco - respondeu a Zé,
filosófica, remando com força. - Boa sorte!
E afastou-se, remando como um velho lobo do mar, seguida
pelo olhar admirado do Júlio.
Em poucos minutos, graças à imaginação fértil da Zé, e ao seu
espírito de iniciativa, cada um tinha uma tarefa específica
tratando de a cumprir com zelo.
O David e a Ana, conscientes da importância da sua missão,
apressavam-se no flanco da falésia. Utilizavam os pés e as mãos,
para não escorregarem e passarem de um rochedo para o outro.
Ao príncipio, a escalada pareceu-lhes relativamente fácil.
Depois, a encosta tornava-se mais abrupta, e o David teve de
ajudar a irmã por várias vezes. Por fim, conseguiram chegar ao
cimo.
Não havia tempo a perder!
O David precipitou-se para o tufo de juncos espinhosos e
dissimulou-se atrás de uma árvore próxima, a fim de vigiar
discretamente a saída do subterrâneo.
Por seu lado, a Ana apressou-se a ir buscar a sua
motocicleta, e, assim que a montou, desapareceu na estrada, a
caminho de Fenic, a aldeia vizinha.
- Deus queira que os polícias acreditem em mim! - dizia ela,
à medida que avançava, os cabelos esvoaçando com o vento da
corrida. E Deus queira, sobretudo, que cheguemos a tempo de
evitar o pior! O Júlio, a Zé e o David, separados, não têm força
para enfrentar os bandidos!
O David seguiu a irmã com o olhar, até esta desaparecer numa
curva da estrada.
Bom, pensou ele, agora, muita atenção!... Vejamos! Que farei
eu, se os bandidos vêm por esta saída?. Claro está, sigo-os
discretamente. Descubro para onde se dirigem e depois volto, a
toda a velocidade, a prevenir os outros... ou posso telefonar à
Polícia ou.
Enquanto ele dava largas à sua imaginação, a Ana tinha
chegado a Fenic. Foi logo direita à esquadra da Polícia e fez ao
chefe um relato tão convincente que ele acreditou-a imediatamente
e reuniu os seus homens.
112
- Depressa! - disse-lhes ele. - Preparem-se para fazermos
uma bela caçada!
Os polícias fizeram a Ana subir para o carro-patrulha,
colocaram a motocicleta no tejadilho e, sem perder tempo, tomaram
o caminho da falésia. O chefe fervilhava de impaciência. Que
distinção para ele, se conseguisse capturar os famosos ladrões e
recuperar o produto do roubo!
O trajecto foi percorrido em tempo recorde. O David viu, com
grande alívio, surgir o carro da Polícia. Mal este parou,
precipitou-se ao seu encontro.
- Bom-dia, senhores! - disse ele aos polícias. - Uma das
saídas do subterrâneo é aqui, nestes arbustos. Mas não vi nenhum
dos bandidos sair.
- Muito bem! - disse o chefe e, virando-se para um dos seus
homens, ordenou: - Substitua este jovem! E atire para o ar, ao
primeiro alerta!
- Entendido, chefe!
Este acompanhado pelo resto do grupo, começou a descida da
falésia. O David e a Ana seguiram-nos.
O Júlio viu-os chegar e, tal como o irmão, explicou aos
polícias:
- Ninguém saiu da gruta, posso assegurá-lo! A Ana
empalideceu.
- Meu Deus - murmurou ela. - Então. a Zé deve estar sozinha
com os bandidos.
O Júlio pôs as mãos em concha e chamou para o mar:
-Zé!... Zé!... Volta!
A Zé contornou o promontório rochoso que a dissimulava. À
vista dos polícias, gritou:
- Então? Os bandidos? Viram-nos. Não? Pois eu também não!
Quer dizer que continuam dentro do subterrâneo.
- Muito bem, vamos ver! - decidiu o chefe.
114
Este teria preferido que os quatro primos não fossem também.
Mas os seus homens e ele precisavam de um guia. O Júlio ofereceu-
se logo. O David, a Zé e a Ana insistiram em acompanhá-lo. O
chefe acabou por ceder.
- Bem! - disse ele. - No fundo, penso que não há perigo.
Esses homens não devem estar armados.
Após ter encarregado um homem de vigiar, de barco, a
desembocadura do ribeiro subterrâneo, meteu-se na gruta, com as
crianças e os dois outros polícias, e todos avançaram
silenciosamente.
Ao cabo de alguns metros, o Júlio, enfiou sem hesitar, pelo
corredor descendente. Quando passaram pela gruta dos morcegos, a
Zé aconselhou a que apagassem as lanternas, para não despertar os
animais pendurados no tecto. De igual modo, na sala dos ecos,
sugeriu que andassem ainda mais silenciosamente, se possível. Por
fim, o pequeno grupo, em alerta, chegou à margem do curso de água
subterrâneo.
Até aí não tinham encontrado qualquer dos bandidos. Seria
possível que eles tivessem ficado tanto tempo no mesmo lugar?...
Mas! Para grande consternação dos quatro primos, o cais do
ribeiro estava deserto. Não havia vestígio dos bandidos, nem de
um lado nem de outro!
Esta desaparição parecia inexplicável. quase milagrosa. O
chefe franziu as sobrancelhas.
- Espero que não estejam a brincar connosco! - disse ele às
crianças. - Têm a certeza de ter visto bem?
- Temos a certeza absoluta! - explicou o Júlio, que fez
imediatamente a descrição dos bandidos.
- E os objectos roubados encontram-se naquele canto! ajudou
o David. - Vá lá ver!
Mas não! Ainda desta vez as crianças experimentaram
116
uma amarga decepção: as caixas com os tesouros tinham
desaparecido do seu esconderijo.
- No entanto - disse o David aos polícias - posso-lhes jurar
que estavam aqui os quadros e as jóias roubados nos castelos dos
arredores.
O chefe baixou-se para apanhar alguma coisa.
- Acredito - suspirou ele. - Eis uma das jóias. um relógio
de ouro. É preciso rendermo-nos à evidência. Os ladrões de
castelos fugiram, levando consigo o produto dos seus roubos!
- Mas é impossível! - gritou o Júlio. - Três de nós não
deixaram de vigiar as três saídas existentes. Esses miseráveis
devem estar escondidos em qualquer parte!
Nesse mesmo instante, um latido alegre curtou-lhe a palavra.
- Béu Béu!
A Zé cujo rosto se iluminou subitamente, soltou um grito:
- Tim!
Ela teria reconhecido o ladrar do seu cão entre mil.
Com efeito, era mesmo o Tim! Surgido não se sabe de onde,
precipitou-se nos braços da sua pequena dona, que saudou com
grandes lambidelas.
A Zé não teve coragem para ralhar com ele, estava louca de
alegria por o encontrar são e salvo. O que tinha sofrido por ele!
À medida que percorrera o subterrâneo, não deixara de esperar por
aquele encontro... E eis que, no preciso momento em que a sua
moral descia a zero, o milagre se tinha produzido: o Tim ali
estava, cheio de vida, diante de si!
Dissimulando a emoção, coçou-lhe a cabeça hirsuta, que
reclamava as suas carícias:
- Tim! Meu velho Tim! De onde saíste tu?
118
O inteligente animal pareceu compreender. Dando meia- volta,
bruscamente, precipitou-se para o local sombrio de onde acabara
de saltar.
- Béu Béu!
- Sigamo-lo! - exclamou a Zé. - Com certeza que nos quer
mostrar alguma coisa!
O Júlio, o David, a Ana e os polícias seguiram a Zé... De
súbito, esta exclamou, estupefacta:
- Olhem! Outro corredor! O Tim estava ali escondido! Vejamos
aonde é que ele nos leva! Aposto em como os bandidos fugiram por
esta saída. Oh! Que azar!
Já se estava a meter pela passagem quando o chefe lhe
embargou o passo:
- Eh lá! Calma! Sou eu e os meus homens quem deve abrir o
caminho. Toda a prudência é pouca!
As crianças tiveram de contentar-se em segui-los. Se a
entrada do túnel era estreita e quase invisível, o corredor em
si, largo e bem arejado, permitia que se circulasse livremente. O
pequeno grupo caminhou tanto tempo debaixo de terra que o chefe
começou a inquietar-se.
- Já percorremos, pelo menos, um quilómetro!
De repente, o corredor dava uma volta. e viram o Tim ao
fundo do que parecia ser um beco sem saída. Mantinha-se direito,
as patas da frente apoiadas contra a rocha.
- Béu Béu!
Avistando uma argola metida na pedra, o brigadeiro puxou-a
para si. A rocha girou, então, descobrindo uma escada secreta...
bastante íngreme... Em silêncio, o pequeno grupo começou a subir.
Que iriam encontrar no cimo dos degraus?
120
A Zé contou uns vinte degraus. Chegados ao alto, o chefe e
os seus homens pararam.
- Estamos num beco sem saída! - resmungou o primeiro. - Não
vejo diante de mim senão uma parede lisa. No entanto, deve haver
uma saída. É preciso é descobri-la!
O David esgueirou-se até perto do chefe.
- Dá-me licença? - começou ele. - Tenho uma ideia que.
Habilmente, passeou os dedos ao longo de uma dobradiça
invisível. De súbito, ouviu-se um pequeno ruído! Um painel de
secção quadrada girou sobre si mesmo. deixando ver uma fraca luz
do outro lado.
- Deixe-nos passar! - ordenou ele. - Pode ser perigoso!
Com precaução, os três homens meteram-se pela abertura. Sem
pedir autorização, as crianças seguiram- nos.
- Mas. nós estamos na sala de exposições do Castelo dos
Arganazes! - sussurrou a Ana.
Com efeito, o pequeno grupo acabava de entrar mesmo na sala
de vitrinas, onde o marquês de Penchelet, uns dias antes, dera a
admirar aos quatro primos a sua preciosa colecção. Olhando em
volta, as crianças verificaram que a entrada do subterrâneo por
onde tinham chegado se dissimulava por trás da placa da
monumental lareira.
Agora, tudo se tornava claro para os seus espíritos.
Tinha sido por aquela passagem escondida que os bandidos
haviam penetrado tão misteriosamente no castelo, para o assaltar.
Fora por ali que eles tinham levado os relógios de ouro do
marquês. E era ainda por ali que, minutos antes, haviam fugido,
levando o produto do seu roubo.
122
Claro que os polícias tinham seguido o mesmo raciocínio que
as crianças.
- Tudo se explica! - exclamou um dos guardas. - Os patifes
fugiram por ali com as jóias, as moedas de ouro, os relógios e as
telas famosas. Conheciam esta passagem e serviram-se dela na
altura. Mas pergunto a mim próprio como é que conseguiram
utilizar hoje, em pleno dia, sem que o marquês de Penlech, o
criado e os visitantes os detivessem, quando passaram?
- É fácil de perceber! - resmungou o chefe. - Precisamente
por hoje não ser dia de visitas ao castelo. E não consigo ver o
velho marquês e Yann enfrentando três bandidos resolutos.
- Meu Deus! - exclamou o Júlio, inquieto. - Talvez os
miseráveis tenham maltratado o marquês de Panlech e o seu criado!
- Vamos à procura deles! - anunciou o chefe. - E, voltando-
se para os seus homens ordenou: - Procuremos por toda a parte!
As crianças seguiram os polícias. Estes, com prudência,
asseguravam-se, à entrada de cada divisão, de que não havia
perigo. Simples questão de rotina, aliás, pois os bandidos já
deviam ir longe.
O rés-do-chão do solar revelou-se deserto. Mas, no primeiro
andar, uns sons abafados alertaram os detectives. Precipitaram-se
todos para a sala de onde partia o ruído. Era manifestamente o
quarto de dormir do marquês. O pequeno grupo parou à entrada, de
ouvidos bem abertos.
- Ali! - gritou a Zé, designando um armário de parede. O
chefe deu a volta à chave e puxou o batente. O marquês de Penlech
e o criado jaziam lado a lado no chão, estreitamente amarrados e
amordaçados.
124
- O marquês de Penlech! - exclamou o Júlio. - Depressa!
Tiremo-lo dali!
E, dando o exemplo, ajoelhou- se perto do marquês, tirou-lhe
a mordaça e cortou as cordas, com a ajuda do seu canivete.
Entretanto, o chefe libertava o Yann.
- Estão feridos? - perguntou ele aos dois homens.
- Não, não! - disse o marquês. - Mas esses miseráveis não
nos pouparam! Enquanto nos amarravam, gabaram- se do roubo dos
meus relógios. Que imprudência! Anunciaram-nos, a rir, que iam
sair pela porta principal, que não se ralavam com a Polícia, que
eram mais espertos do que ela e que não deixariam a região até
deitarem a mão a todos os seus tesouros!
O chefe ficou vermelho de cólera.
- A gabarolice perdê-los-á! - resmungou ele.
- Mas, entretanto - disse o marquês amargamente. - esses
miseráveis fogem sempre. e com os meus preciosos relógios! E
dizer que nem sequer estão no seguro! As visitas ao castelo eram
o meu único ganha-pão. A partir de agora, sou verdadeiramente um
velho arruinado!
A Ana sentiu os olhos a humedecerem-se. Aproximou-se do
marquês abatido e tomou-lhe a mão carinhosamente.
- Tenha confiança na Polícia, senhor marquês! - disse ela,
com doçura. - Pelo nosso lado, o Clube dos Cinco, faremos o
impossível para reencontrar a sua colecção.
O Júlio sorriu.
- Estás a comprometer-te muito, Ana. Nós somos apenas uns
detectives, ainda verdes.
- Mas faremos o possível para triunfar! - assegurou a Zé com
voz firme.
126
Durante os dois dias que se seguiram, a Zé e os primos
consagraram o seu tempo a acompanhar o progresso da investigação
oficial. Chegaram mesmo a ir ao castelo dos Arganazes para
encontrarem de novo o marquês e, sobretudo, parafalarem com os
detectives.
O marquês não lhes contou nada de novo. O pobre homem,
mergulhado no desespero, fazia pena. A Ana, alma terna, ficou
desolada.
O polícia, que no princípio da investigação informara as
crianças, recebeu-os desta vez, bastante friamente. Estava vexado
por ter de reconhecer a inutilidade dos seus esforços. Os Cinco
abandonaram rapidamente o castelo.
Nessa tarde, os Cinco reuniram-se no caramanchão do jardim
do Casal Kirrin.
De entrada, o Júlio mostrou- se bastante pessimista.
- Já não se ouve falar nos bandidos - suspirou ele.
Parece-me que, apesar das suas gabarolices perante o marquês,
ficaram com medo e abandonaram a região.
- Não temos a certeza! - disse a Zé. - Podem muito bem estar
agora sossegados, antes de darem novo golpe!
- Entretanto - suspirou o David - a pista está interrompida.
Não sabemos onde encontrar o Eric e os cúmplices. Sem falar nos
objectos roubados que eles levaram!
- A única coisa a fazer é esperarmos um golpe de sorte!
- murmurou a Ana, por seu turno.
No dia seguinte, as notícias locais, transmitidas por um
posto regional, pareciam dar razão à Zé... Com efeito, o locutor
anunciou que uma antiga abadia, situada a uns trinta quilómetros
de Kirrin, fora assaltada no decorrer da noite precedente.
128
Desta vez, os ousados assaltantes tinham levado um cibório
de ouro, castiçais de prata cinzelada, uma imagem de madeira
muito antiga representando uma Virgem negra, duas miniaturas de
valor e quatro vasos sagrados.
- Pronto - exclamou a Zé. - Isto prova que o Eric, o José e
o Manuel continuam nestas paragens!
- A não ser que se trate de um bando rival! - emitiu o
Júlio.
- Qual quê . Os bandidos não caçam no território dos seus
concorrentes, toda a gente o sabe! Os nossos ladrões mantêm a
palavra: não se vão embora sem terem limpo toda a região! Temos,
portanto, de os apanhar antes disso!
-Mas como? - exclamou o David. - A Polícia, perante o
desafio, já procurou em todas as grutas da costa. Explorou todas
as reentrâncias rochosas, bateu todos os arbustos. Tudo isto em
pura perda. Ah! Pode-se dizer que esses bandidos são espertos!
130
O Júlio coçou a cabeça.
- O que eu gostava de saber - disse ele - é o local onde
eles esconderam o produto dos roubos. Tinham que se despachar,
apressados como estavam! O novo esconderijo não deve, por isso,
ficar muito longe do castelo dos Arganazes!
- Além disso - acrescentou a Ana - devem tê-lo escolhido
bastante espaçoso. As caixas eram grandes!
O David corroborou:
- Deve até ser tão espaçoso que caibam eles três lá dentro,
até a Polícia ter acabado de examinar detidamente essa zona.
- A investigação está a arrastar-se - retomou o Júlio. - e
eu só vejo uma explicação: estes bandidos, segundo penso,
conhecem a região a fundo.
- Que é que tu achas, Zé? - perguntou a Ana, vendo que a
prima reflectia sem falar.
- O que eu acho? - disse lentamente a Zé. - Pois bem, no
outro dia aqueles homens entraram de barco na gruta. É provável
que esse barco, meio de locomoção silencioso e corrente na
região, lhes permita, melhor do que um carro, circular sem serem
notados. Privados da sua barca e obrigados, por um prazo de tempo
limitado, a encontrar um refúgio suficientemente grande para os
acolher a eles e aos objectos roubados, só se podiam ter
escondido na.
- Na quê? - perguntaram os três, ansiosos.
- Pois bem, na caverna onde os encontrámos! O David
arregalou os olhos.
- Queres dizer que voltaram para o seu antigo refúgio?
- Claro! É o último sítio onde pensariam ir procurá-los! A
hipótese que, em presença dos primos, a Zé acabava de emitir,
deixou estes emudecidos.
132
O Júlio foi o primeiro a recuperar a fala.
- Bem podes ter razão! - declarou ele. - Essa caverna é, com
efeito, a única em que os polícias não pensaram. Como não
encontraram lá os bandidos quando esperavam apanhá-los,
desinteressaram-se rapidamente desse sector.
- Se os bandidos voltaram, realmente, para o seu esconderijo
- lançou a Ana -, não lhes falta audácia!
- Isso já eles o demonstraram! - lembrou o David.
- Acho mesmo que têm mais atrevimento do que inteligência.
Vigiavam- se as fronteiras e suas excelências escondiam o produto
dos seus roubos mesmo a dois passos dos castelos assaltados.
Imaginava-se que eles iam fugir a toda a velocidade e, afinal,
continuam a roubar sem barulho... e sem pressas! Fizeram-se
barreiras em todas as estradas, e eles circulavam ao longo da
costa, na sua velha barcaça. Palavra de honra, não é nada de
admirar que tenham voltado ao seu poiso, como diz a Zé! Devem
mesmo sentir-se lá em segurança!
A Zé saltou do muro onde se encontrava empoleirada.
- Pois bem, não temos mais do que ir ver! - declarou ela
calmamente. - Proponho que voltemos, esta noite mesmo, à caverna
do ribeiro subterrâneo.
- Estás maluca! - exclamou a Ana, horrorizada. - Isso era
metermo-nos na boca do lobo!
- Isso é que não. Os bandidos são obrigados, com certeza, a
saírem de tempos a tempos, para se reabastecerem. Só podem fazê-
lo, pois, à noite. É por isso que à noite teremos a via livre.
Aproveitaremos para recuperar os objectos rou bados.
O Júlio disse com uma voz firme:
- Zé! Estou absolutamente de acordo com a Ana! Seria
134
uma loucura irmos lá! Vamos, antes, prevenir a Polícia! Se ela
pensar que tens razão.
A Zé cortou a palavra ao primo.
- Mas, se ela achar que eu não tenho razão, perderemos um
tempo precioso! Não, não; meu caro! Temos de ser nós a actuar!
Além disso, o Clube dos Cinco já provou que pode muito bem
desenvencilhar-se sozinho.
- Isso não é razoável! - protestou o Júlio.
- Escutem - disse o David -, combinemos o espírito de
iniciativa e o juízo. Vamos lá abaixo. mas, primeiro, deixamos um
bilhete a explicar tudo aos teus pais, Zé. Assim, se nos
acontecer alguma coisa, o tio Alberto, pelo menos, sabe onde
estamos. Que dizem?
Demorou ainda algum tempo para a Zé convencer o Júlio.
Demorou muito menos a escrever o bilhete para o pai. O resto do
dia passou-se a fixarem, febrilmente, os pormenores da expedição.
Era preciso correr o mínimo dos riscos! Encararam todas as
possibilidades!
-Quanto a mim - disse o David -, a via menos perigosa para
penetrar na caverna é o próprio rio. Os bandidos já não têm a
barca e o barco da Zé já está pronto. Indo por aí, evitamos
encontrar os bandidos, se eles ainda se encontram no seu
esconderijo. E, se os virmos de longe, só temos de dar meia-
volta: não nos poderão seguir!
- Sem dúvida - replicou o Júlio. - Mas esqueceste-te que, de
barco, levaremos muito tempo a efectuar o percurso. Ao passo que,
com as nossas motocicletas, rapidamente lá chegaremos.
- Entendido - disse a Zé. - E levaremos um atrelado para
transportar as caixas.
O David pôs-se a rir.
136
- O José e o Manuel não são tão fortes como o Eric! exclamou
ele. - Aposto em como utilizam um carrinho desdobrável para
deslocar as caixas. Iremos lá encontrá-lo!
-Se tiveres razão, tanto melhor! Mas, mesmo assim, vamos
levar o meu atrelado - decidiu a Zé. - Mais vale sermos
previdentes!
- A verdadeira previdência - resmungou o Júlio - é imaginar
que as telhas vão cair em cima da nossa cabeça. Enfim, uma vez
que está tudo decidido, partiremos, mal chegue a noite.
- Mas que diremos aos teus pais, Zé? - perguntou a Ana.
- Que vamos dar um pequeno passeio higiénico, depois do
jantar. É tudo! Não mentiremos. O ar far- nos-á bem. Sinto-me tão
nervosa!
A Zé tinha como princípio absoluto nunca mentir. Nas
ocasiões, muito raras, em que não se podia dar ao luxo de dizer
toda a verdade, pelo menos não fazia qualquer afirmação falsa. No
entanto, nessa noite, quando os Cinco se puseram a caminho, ela
sentiu alguns remorsos. Se não tivessem decidido explorar a
gruta, os Cinco sem dúvida que não teriam saído.
A tia Clara viu partir as crianças sem desconfiar. Nem mesmo
reparou que a Zé tinha ligado o reboque à sua motocicleta.
Uma vez na estrada que os levava ao seu destino ainda
longínquo, os Cinco correram velozmente. Ninguém dizia palavra, o
próprio Tim estava calado. Dir-se-ia que uma ameaça secreta
pesava sobre o pequeno grupo.
Em breve, iluminados pela lua, os Cinco chegaram ao cimo da
falésia. O cenário já lhes era familiar.
138
Depois de terem dissimulado as suas máquinas e o atrelado no
pequeno bosque de árvores vizinhas, aproximaram-se, com
precaução, da enorme moita que escondia a entrada do subterrâneo.
O Júlio esteve muito tempo de ouvido à escuta, antes de
permitir à Zé, ao David e à Ana que entrassem na gruta, atrás
dele. O Tim, claro está, não deixava a Zé, à qual se colava como
uma sombra.
- Nenhum de nós fica de sentinela? - perguntou a Ana.
- Não! - respondeu o Júlio. - Não serviria de nada.
Fiquemos, antes, juntos. Mas saibamos ouvir, e abrir bem os
olhos. Ao primeiro alerta, meia-volta a toda a velocidade!
O pequeno grupo caminhou lentamente, com mil cautelas até à
sala dos ecos, que atravessou, contendo a respiração. Até aí,
tudo bem! Não tinham encontrado ninguém e, fiando-se no silêncio
que reinava, o subterrâneo devia estar completamente vazio.
Um pouco antes de entrarem no que as crianças chamavam a caverna
dos ladrões", o Júlio ordenou uma paragem. Ele próprio partiu em
reconhecimento. para voltar em breve, de sorriso nos lábios.
- A viaestá livre - anunciou ele. - Deitei mesmo um olhar
para o esconderijo das caixas e. A Zé acertou! Os objectos
roubados foram mesmo lá postos pelos bandidos... que, neste
momento, não estão no seu covil!
Esta dupla boa notícia foi acolhida por uma explosão de
alegria silenciosa... Pelos vistos, a Zé não se enganara!...
Não restava mais que passar à acção!
Alegremente, os Cinco retomaram a marcha, em frente. As
crianças sentiam o coração bater-lhes com pancadas precipitadas.
Desta vez, enfim, iriam recolher o fruto dos seus esforços! Os
objectos roubados tinham-lhes fugido da primeira vez. Quem sabe
se ainda conseguiriam reavê-los! Esperavam não deixar passar
aquela oportunidade, quase inesperada.
A Zé congratulava-se baixinho pelo êxito dos seus projectos,
que já considerava como certo. O David pensava muito satisfeito
no resultado da sua investigação, que iria valer-lhes sem dúvida,
muita glória! A Ana, por uma vez, esqueceu os seus receios,
reconhecendo que a vitória estava muito próxima. O próprio Júlio
já considerava a partida como ganha.
Talvez o Tim fosse o único a não se sentir completamente à
vontade. De tempos a tempos, levantava o focinho para o ar, e
sentia uns cheiros estranhos. Mas isso não impressionava a Zé.
Esta sabia muito bem que os bandidos utilizavam a passagem para
entrarem e saírem!
Quando os jovens detectives e o Tim chegaram à beira do rio
subterrâneo, as crianças, num impulso comum, precipitaram-se para
os esconderijos das caixas - muito próximos um do outro. O
tesouro estava mesmo ali, no seu lugar inicial.
Bestial! - exclamou a Zé.
- Vejam, não me enganei! - gritou o David por seu lado. -
Eis um pequeno carrinho desmontável, que nos vai ajudar a. a
mudar os móveis!
E soltou uma gargalhada. Foi neste preciso instante que o
Júlio reparou na atitude estranha do Tim.
O Tim tinha-se detido no local onde se abria a passagem
invisível. a que conduzia ao Castelo dos Arganazes. Com uma das
patas da frente erguida, o focinho virado para a entrada do
subterrâneo, cheirava o ar com pequenos intervalos.
142
- Olha para o teu cão; Zé! - disse o Júlio. - Dir-se-ia que
está inquieto.
- Ora - resmungou a Zé, que ajudava o David a colocar uma
caixa no carrinho. - Deve ter cheirado alguma ratazana. Vem
depressa ajudar-nos. Esta caixa é pesada como o diabo. Cuidado
com os pés, Ana!
O Júlio, com uma vaga apreensão, juntou-se aos outros. Não
sem dificuldade, os quatro primos arrumaram a caixa no ligeiro
veículo. De repente, um latido sonoro do Tim fê-los sobressaltar.
Daquela vez, arrancados à sua apaixonante tarefa, a Zé, o
David e a Ana voltaram a cabeça. O Júlio, já alerta, tinha
saltado. Estava pálido.
- Os bandidos! - murmurou ele. - Depressa! Fujamos! Mas os
Cinco não tiveram tempo de se pôr em fuga. Do subterrâneo que
ligava a gruta ao Castelo dos Arganazes, acabavam de surgir os
três homens que eles julgavam muito longe dali.
Eric, o primeiro, precipitou-se sobre o Júlio. Num abrir e
fechar de olhos, amarrou-o, com auxílio de uma corda fina.
Depois, o colosso agarrou o David.
Durante este tempo, o Manuel tinha deitado o casaco por cima
da cabeça do Tim para o imobilizar. O José, por seu lado, fazia o
melhor que podia com a Zé que, a pontapés e unhadas, se debatia
como um demónio, e claro está que não foi a mais forte.
Quando, por fim, os Cinco se encontraram reduzidos à
impotência, o Eric largou uma gargalhada formidável.
- Então, miúdos! Julgavam que podiam continuar a rir-se de
nós, como nós nos rimos da Polícia? Não nos conhecem
144
bem se vê! Outro dia roubaram-nos a nossa barca, mas ei-los em
nosso poder, mais a porcaria do vosso cão!
- Cala-te, fala-barato! - intimidou o José com ar sombrio. -
Estes miúdos surpreenderam-nos mesmo numa má altura. mesmo no
momento em que nos íamos embora com o produto do roubo. Não sei o
que vamos fazer com eles.
Deitou um olhar furioso à Zé e acrescentou: - Se não me
dominasse, torcia-lhes o pescoço, a todos! Este rapaz mordeu-me,
como um danado que é!
Desta vez, a Zé nem reparou que a tomavam por um rapaz. O
seu falhanço tornava-a louca de raiva.
- Tenho pena de não lhe ter arrancado a mão com uma dentada!
- gritou ela. - Mas a Polícia apanhá- los-á, mais cedo ou mais
tarde, seus tratantes!
-Põe-lhes uma mordaça, a cada um, Eric! - disse o José, com
um ar cansado.
Enquanto o colosso o fazia, o Manuel resmungou por sua vez:
- Sempre posso matar o cão!
A Zé estremeceu. Mas o José abanou a cabeça.
- Não! - disse ele. - Nada de violência inútil... contra
ninguém! No entanto, se deixo as crianças aqui, arriscam-se a
morrer de fome. E, se as encontram, já se sabe que correm de novo
atrás de nós. Ora, por muito estranho que possa parecer, tenho
tanto receio dos miúdos como dos polícias! Vamos, está decidido
Levamo-los connosco!
Os ladrões de castelos, empurrando os prisioneiros à sua
frente, meteram-se pela passagem subterrânea por onde as crianças
tinham vindo. O Manuel fechava a marcha. Tinha enfiado o Tim
dentro de um saco que levava ao ombro. Foi
146
em vão que o animal se mexeu e procurou libertar-se, estava muito
apertado para o conseguir.
A Zé não abandonara a sua cólera. O Júlio estava
consternado. O David não conseguia refazer-se da sua surpresa.
Quanto à Ana, estava meia-morta de medo, as pernas ameaçavam
deixá-la cair.
Pergunto a mim mesma onde nos levam estes malandros! -
pensava a Zé.
Intrigava-a também saber por que saída iriam os bandidos ter
ao ar livre. Se tivessem com eles um barco, fá-lo-iam sem dúvida,
pela gruta que dava para o mar. Mas, se tinham à sua disposição
um carro, então subiriam até à estrada da falésia, e foi o que
aconteceu. O Eric teve de recorrer a toda a sua força para puxar,
no corredor ascendente, pelo carro com as duas caixas.
Uma vez lá em cima, os ladrões dos castelos içaram as
crianças para fora do subterrâneo. A lua brilhava, muito clara.
- Por aqui! - ordenou o José, lacónico.
Todos o seguiram para lá de um pequeno bosque. Aí, quase
invisível pela sombra da folhagem, estacionavam duas viaturas.
- Ainda temos sorte em ter dois carros à nossa disposição! -
resmungou o Manuel.
- Bem sabes como o José é previdente! - replicou o Eric,
trocista. Depois, dando um encontrão aos prisioneiros
acrescentou: - Vá, miúdos! Subam!
Durante duas horas, os dois carros rolaram um atrás do
outro. Não estava suficientemente claro para que as crianças
pudessem reconhecer a paisagem. Ao fim de alguns
148
quilómetros, a Ana, extenuada e cheia de vontade de chorar,
adormeceu.
O Júlio e o irmão encontravam- se, com o Eric, na segunda
viatura. A Ana e a Zé iam instaladas no banco de trás da
primeira. O José conduzia. O Manuel, sentado a seu lado, virava-
se de vez em quando para trás.
- Olha! - disse ele, ao ver que a Ana tinha fechado os olhos
-, a miúda adormeceu!
Também ele julgava que a Zé era um rapaz. A sua reflexão deu
uma ideia à Zé. Passados uns momentos, deixou cair a cabeça e
fingiu adormecer, por seu turno.
O Manuel voltou-se, pouco depois.
O miúdo também já está a ressonar! - anunciou ele, pouco
cerimoniosamente. - Que alívio! Ele sozinho é mais recalcitrante
do que os outros três juntos!
- Só fico tranquilo - disse o José - quando chegarmos e os
vir fechados à chave.
Como ele parecia pouco desejoso de continuar a conversa, o
Manuel absteve-se de falar. Então, a Zé, com mil cuidados, e
aproveitando todos os solavancos do caminho, tratou de libertar
uma das mãos. Quando o conseguiu, tirou - não sem grande
dificuldade - o lenço do bolso. Ainda com mais dificuldade,
tratou de deitar o quadrado de tecido para a estrada, através do
vidro, meio aberto.
- Sempre será um indício para os que se puserem à nossa
procura - pensou ela. - Agora um pouco mais longe, deixarei cair
a minha pulseira de identidade, depois o meu porta-moedas.
Mas, ai! o Manuel não deu tempo à Zé de pôr em execução o
seu projecto.
150
- Ah, meu demónio! Querias brincar ao pequeno polegar, hem?
Isso não, meu rapaz!
Tinha agarrado a Zé pelo pulso e sacudia-a rudemente. A Ana
acordou sobressaltada e aterrorizada. Durante o resto da viagem,
o Manuel vigiou atentamente as duas primas. A Zé estava, mais que
nunca, furiosa.
Por fim chegaram. As crianças, empurradas para fora dos
carros, olharam em volta. A lua iluminava uma casa branca e
comprida. Não se via mais nenhuma habitação em redor. Aquela casa
isolada devia ter sido escolhida de propósito pelo José e pelos
seus cúmplices, preocupados em esconder de olhos indiscretos as
suas idas e vindas.
O Eric empurrou as crianças para a frente.
- Despachem-se e entrem. Não temos tempo a perder! Fê-los
atravessar uma entrada com o chão coberto de lajes e, depois,
ordenou-lhes que subissem as escadas. A casa tinha dois andares.
Um terceiro lance de degraus, muito íngremes, levava ao sótão -
foi para aí que o Eric empurrou os pequenos. Ajudado pelo Manuel,
tirou- lhes as mordaças e as cordas que os amarravam.
- Aqui, podem berrar, se quiserem! Ninguém os ouve. Boa-
noite!
O Manuel atirou com o saco onde estava o Tim, para os pés da
Zé. Depois, os dois homens desapareceram, fechando a porta à
chave, atrás de si. A Zé apressou-se a libertar o pobre Tim.
-Nada a fazer para sairmos! - reconheceu o Júlio
sombriamente. - Tentemos dormir um pouco. Amanhã reflectiremos.
Esgotados, os Cinco estenderam-se no chão e fecharam os
olhos.
152
Entretanto, no Casal Kirrin, o tio Alberto e a tia Clara
estavam bem longe de imaginar os perigos que ameaçavam a sua
filha e os seus sobrinhos!
Nessa noite, a tia Clara, como estava cheia de dores de
cabeça, foi deitar-se cedo. O marido, pelo contrário, tinha
trabalhado até muito tarde na sua difícil obra, no calmo refúgio
do escritório.
A tia Clara, antes de adormecer, pensou que as crianças não
tardariam a regressar. Quanto ao marido, este nem sequer sabia
que as crianças tinham saído.
Inquieta, na manhã seguinte, por ver que as crianças não
desciam à hora do pequeno-almoço, a tia Clara subiu ao quarto da
filha e da Ana. A primeira coisa que viu foi as camas por abrir e
um sobrescrito colocado bem à vista sobre a colcha. Tomou
conhecimento da mensagem.
- Alberto - exclamou ela, com voz rouca. - Oh . Meu Deus. É
horrível. Aconteceu uma desgraça às crianças!
O marido acorreu e encontrou-a enterrada num sofá. Ela
estendeu-lhe o bilhete com mão trémula: - Lê!
O tio Alberto obedeceu e depois exclamou:
- São doidos! Porque é que não nos disseram nada? Eu teria
alertado a Polícia!
- Depressa, Alberto! Depressa! Temos de ir em socorro deles.
- Acalma-te! Vou ocupar-me imediatamente do assunto. Desceu
as escadas apressadamente, entrou de rompante no escritório e
pegou no telefone. Um instante mais tarde, todas as esquadras dos
arredores estavam prevenidas.
Um verdadeiro pequeno exército tomou o caminho para a
falésia.
154
Os salvadores, estimulados pelo tio Alberto, louco de
inquietação, não levaram muito tempo a fazer o percurso.
Estava um tempo magnífico. O sol brilhava alegremente no
céu, indiferente à angústia que apertava o coração de cada um.
Chegados ao cimo da falésia, os polícias tomaram todas as
precauções necessárias para a captura dos bandidos e a
salvaguarda das crianças. Uma parte das forças da ordem desceu
para a praia, a fim de bloquear a entrada da gruta. Uma vedeta da
guarda costeira, alertada, já se encontrava a vigiar a
desembocadura do rio subterrâneo. O resto do grupo enfiou-se no
subterrâneo que se abria no meio da moita de juncos espinhosos.
O tio Alberto insistiu em seguir os salvadores.
- A minha filha e os meus sobrinhos encontram-se nessa
caverna - disse ele aos polícias. - Sou incapaz de esperar cá
fora, sossegadamente, pelo resultado desta expedição...
O capitão da força policial foi obrigado a aceder ao seu
desejo.
- Muito bem - disse ele. - Mas trate de não fazer qualquer
ruído. Temos de apanhar os bandidos de surpresa. E há o problema
da segurança das crianças!
Todo este rigor de precauções não serviu, porém, para nada.
Quando os polícias e o tio Alberto chegaram, por fim, à beira do
rio subterrâneo não encontraram ninguém.
Os bandidos e as crianças tinham desaparecido. Em vão
espreitaram em todos os corredores e em todas as reentrânci das
rochas: nada se encontrou. a não ser, num canto, a fita com que
nesse dia, por capricho, a Ana tinha atado os cabelos. O tio
Alberto estava desesperado!
156
Completamente extenuados e quebrados pela emoção, os
pequenos, deitados no chão duro da sua prisão, dormiram de um
sono só até ao alvorecer.
O David foi o primeiro a abrir os olhos. Espantado, olhou em
volta, sem saber onde estava. Depois recordou-se. Sacudiu os
outros.
- De pé! De pé! Temos de sair daqui, custe o que custar! Mas
mais depressa se dizia do que se podia fazer.
- Estudemos o local! - propôs o Júlio.
Foi coisa rápida. A inspecção deu a saber aos quatro primos
que o seu sótão-prisão tinha apenas duas saídas: a porta, fechada
à chave e excepcionalmente sólida, e uma janela que dava para o
telhado, e muito alta.
- Estamos bonitos . - suspirou o Júlio.
- O que. que vão fazer connosco? - gaguejou a Ana, cujos
dentes batiam.
A Zé deu-lhe um encontrão.
- Oh! Não vais começar com as tuas palermices,! Sabem, estou
furiosa por tê-los arrastado para esta aventura! A culpa foi
minha. sou demasiado impulsiva. Devia ter desconfiado, ouvido os
conselhos do Júlio.
- Não te desculpes! - respondeu este, bondosamente.
- Eu podia ter-te impedido de agir. A culpa é tanto tua como
minha. David. serve-me de escada, meu caro! Vou tentar espreitar
por aquela janela. É uma sorte o tecto ser tão baixo! Mas não,
sequer, temos uma mesa ou uma cadeira para nos pormos em cima!
O David ajudou o irmão a subir. Com as duas mãos,
o Júlio agarrou-se ao rebordo da janela e esticou o pescoço.
- Batatas!. - disse então. - Não vejo nada. um campo
deserto.
158
Não sabendo onde se encontravam, as crianças aplicaram-se a
surpreender os ruídos da casa.
A Zé, de joelhos no chão, agarrou no Tim pelo pescoço.
- Ouve! - disse ela. - Ouve!
O cão arrebitou as orelhas, mas permaneceu calado.
- Parece-me que não há ninguém! - suspirou a Zé. A casa está
silenciosa. Os bandidos devem ter saído.
- Então não é aqui o seu verdadeiro refúgio? - murmurou a
Ana. - Apenas um ponto de passagem?
- Não. Eu acho que a toca deles é aqui.
- Mas, então, porque é que se foram embora?
- Vão talvez fugir, para o estrangeiro, com o produto dos
roubos - sugeriu o Júlio.
- Sim - disse a Zé. - Tens certamente, razão. De repente, o
Tim rosnou. As crianças imobilizaram-se.
- Vem aí alguém! - sussurrou o David.
Um passo ligeiro fez estalar os degraus da escada. A chave
girou na fechadura. Apareceu uma mulher de aspecto rebarbativo:
- Tomem! - disse ela, pousando um cesto no chão. Têm aqui de
comer até amanhã.
E, dizendo isto, desapareceu tão rapidamente como tinha
entrado, fechando a porta à chave. A Zé cerrou os punhos.
- Somos uns imbecis! - gritou a rapariga. - Devíamos ter
caído em cima dela, todos ao mesmo tempo. Nós cinco...
O barulho surdo da porta de entrada sacudiu a casa. O David,
ajudado pelo Júlio, içou-se até à janela.
- A nossa carcereira acaba de sair! - anunciou ele. Afasta-
se pelo caminho em direcção à aldeia que vejo lá ao longe.
O David saltou para o chão e coçou a cabeça.
-Que fazer? - murmurou ele, perplexo. - A casa parece estar
vazia, mas nós estamos aqui fechados.
- Só podemos esperar! - suspirou a Ana, tristemente.
- A estas horas o tio Alberto e a tia Clara já devem ter
encontrado o bilhete da Zé. Eles vão prevenir a Polícia.
- Sim - disse o Júlio. - Os homens devem ir direitos à
caverna. e não encontram lá ninguém. Isso não nos adianta nada.
- Deixa de falar e actua! - resmungou a Zé. - Uma vez que
temos de nos desenvencilhar sozinhos, comecemos pela evasão!
Os primos olharam para ela, espantados:
- Mas como?
- Tu tens jeito de mãos, Júlio, e. acabo de ver que a nossa
carcereira deixou a chave na fechadura... pelo lado de fora,
claro. Mas isso não te atrapalha, pois não?
O Júlio soltou um grito de contentamento.
- Tens razão! Não é a primeira vez que recupero uma chave
com a ajuda de... Oh! mas não tenho nem jornal nem lápis!
- Pois não - disse o David - mas tens aqui um cartão chato e
um bocado de arame!
À medida que falava, tirou esses dois objectos dos detritos
acumulados a um canto do sótão.
O Júlio não perdeu tempo. Ajoelhou-se diante da porta e pôs-
se ao trabalho. Para começar, fez deslizar o cartão debaixo da
porta, tendo o cuidado de deixar um bocado suficiente para o
poder puxar. Depois, com a ajuda do arame, escarafunchou na
fechadura, empurrando a chave que acabou por cair sobre o cartão,
no exterior. Só lhe faltava puxar o cartão para si, para ter a
chave.
162
- Vamo-nos evadir pelo telhado!
O Júlio e a Ana não reagiram imediatamente. Mas a Zé pôs-se
instantaneamente em expectativa.
-Formidável! - gritou ela. - És verdadeiramente genial, meu
caro David! Com efeito, não há outra solução!
- Eh lá! Calma! - exclamou o Júlio. - Querem partir o
pescoço ou quê?
-Claro que não! - replicou a Zé. - Eu não sou sensível a
vertigens. Tenho sangue-frio. e o David é como eu! Vais ajudá-lo
a subir, Júlio, e depois a seguir vou eu. Uma vez lá em cima, vai
ser o diabo não conseguirmos descer. Depois, voltamos para vos
libertar.
O David e a Zé não desistiam. O Júlio acabou por ceder. A
Ana, trémula, estava tão desejosa de fugir que, por uma vez,
aprovou o projecto ousado do irmão e da prima.
O Júlio ajudou o David e a Zé a içarem-se para a janelinha,
mesmo até ao telhado.
- Até já! - gritou-lhes a Zé, antes de desaparecer.
Em breve, ela e o David, curvados, quase de gatas, andavam
por cima do pau-de-fileira do telhado, tendo muito cuidado em não
escorregarem. Um passo em falso e era a queda no vazio.
- Zé! - murmurou o David, passado um momento.
Como vamos descer?
- Anda!. Sigamos este declive com cuidado. Deve haver uma
goteira desse lado!
A Zé não se enganara. Mas a empresa era perigosa: se
os dois primos se largassem, tinham, se não morressem, pelo menos
a perspectiva de partir um braço ou uma perna.
- Tanto pior! - disse a Zé, entre dentes. - Temos
de conseguir, a todo o custo!
164
À Zé e ao David foram precisas todas as forças, toda a
vontade e toda a destreza para terem êxito na perigosa descida.
Agarrados ao tubo de escoamento de águas que ligava o telhado ao
solo, procuravam, com os pés e as mãos, assegurar pontos de apoio
firmes. Por vezes, os dedos e as solas dos sapatos escorregavam.
Tinham, então, apenas tempo para se agarrar. Por felicidade, em
nenhum momento, perderam o sangue-frio.
Por fim, tocaram na terra! A Zé sentiu-se cheia do
sentimento da sua vitória. Sem dúvida que o Júlio, um pouco
pesado, e a Ana, demasiado medrosa, teriam sido incapazes de
cometer tal proeza! Quanto ao Tim. o pobre teria dificuldades
enormes em seguir a sua dona!
- E agora, David, trata-se de encontrarmos um meio de nos
introduzirmos de novo dentro de casa.
Foi mais fácil do que pensavam. Com efeito, se as portas e
as janelas se encontravam bem fechadas, o alçapão da cave do
carvão não tinha cadeado. Graças a esse esquecimento, o David e a
Zé puderam introduzir-se facilmente no subsolo. Nem sequer se
sujaram, pois a cave estava vazia há já muito tempo. Contornando
a caldeira que ocupava o centro, os dois primos dirigiram-se para
a pequena escada que conduzia a uma porta de madeira.
- Deus queira que a porta não esteja fechada! - suspirou a
Zé, inquieta.
Felizmente, os seus receios eram infundados. A porta estava
apenas no trinco. O David abriu-a. As duas crianças foram ter a
uma vasta cozinha, ladrilhada, que dava directamente para a
entrada.
Olharam um para o outro, sorrindo. A partida estava ganha!
Daí em diante, o David e a Zé não perderam um segundo:
166
precipitaram-se para a escada, cujos degraus subiram a quatro e
quatro.
Chegados diante da porta do sótão, o David apanhou a chave
caída no patamar e libertou o Júlio, a Ana e o Tim.
A Ana chorava de alegria. O Tim ladrava. O Júlio deu uma
grande palmada no ombro do irmão e da prima.
- Bravo! - disse-lhes ele, com voz comovida. - Os meus
parabéns! E, agora, depressa! Antes de fugirmos, exploremos
totalmente a casa.
Foi uma inspecção rápida, pois o tempo urgia. A vasta
habitação tinha o aspecto de uma quinta muito moderna. O José, o
Eric e o Manuel só a tinham escolhido, sem dúvida, à falta de
melhor, até à sua próxima partida para o estrangeiro.
- Se eles trouxeram os objectos roubados para cá
- murmurou o Júlio - devem estar escondidos em qualquer parte. Os
bandidos, com certeza, que não andam com as caixas atrás de si
para todos os sítios para onde vão.
As salas dos andares e do rés-do-chão nada revelaram aos
jovens detectives, não tinham qualquer mistério. Mas, no subsolo,
o que parecia ser a adega levantou-lhes um problema.
Com efeito, a porta maciça estava provida de três fechaduras
mecânicas, enormes, novinhas, cujo aço brilhava agressivamente,
na penumbra, como um desafio.
- Ah Ah - murmurou a Zé. - Estes fechos foram postos
recentemente, e para quê senão para proteger um tesouro?.
- Sim! - disse o Júlio. - Os objectos roubados foram sem
dúvida, aqui fechados, provisoriamente, à espera de atravessarem
a fronteira.
- Depressa! - sussurrou a Ana. - Vamo-nos embora
prevenir a Polícia!
168
Subiram velozmente a escada da cave, atravessaram a entrada
a correr, tiraram rapidamente os ferrolhos à maciça porta de
entrada e encontraram-se lá fora.
- Ufa! Livres enfim! - murmurou o Júlio, todo contente. -
Que prazer respirar o ar puro do campo, a plenos pulmões!
- Por favor, Júlio! - suplicou a Ana. - Despachemo-nos!
Tenho pressa em estar longe daqui. Supõe que esses bandidos
voltam. Ou aquela mulher.
- Não te rales mais, minha menina! - respondeu-lhe o David.
- As provisões que a nossa carcereira nos levou deviam durar até
amanhã (disse ela), isso significa, sem dú vida, que ela não
voltará antes!
- Hum! Não temos a certeza! Ela partiu a pé e,
provavelmente, não foi muito longe - murmurou a Zé, que já ia
pelo caminho fora. - Em todo o caso, um bom conselho... Abramos
os olhos! Se virmos uma figura suspeita dirigindo-se para nós,
temos de nos esconder nos campos em redor. Não tenho vontade de
ser novamente feita prisioneira!
As crianças continuaram a andar em silêncio. A paisagem em
volta não lhes lembrava nada. O caminho - uma estrada secundária
- parecia estender-se até ao infinito. Apenas se conseguia
perceber, ao longe, a flecha do campanário de uma aldeia.
Agora, o sol já ia bastante alto no céu. As crianças suavam.
O Tim arfava.
- Com este passo, ficaremos extenuados antes de chegarmos -
declarou a Zé. - Vamos pedir boleia!
- É muito arriscado! - exclamou o Júlio. - Supõe que parava
a viatura dos bandidos. Além disso, não há nenhum carro à vista!
Como para o contrariar, ouviu-se de súbito o ruído de um
motor.
170
Os Cinco viraram-se com vivacidade. Um carro veloz, comprido
e baixo, vinha na sua direcção. É evidente que aquele carro de
desporto não se assemelhava nada ao carro dos bandidos.
A Zé não hesitou. Colocou-se no meio da estrada e agitou os
braços. O bólide aproximou-se, travou e parou. Lá dentro estava
um jovem ao volante.
- Olá, rapaziada! - disse ele, em tom jovial. - Que se
passa? Perderam o autocarro?
- Não, senhor - respondeu delicadamente o Júlio, avançando.
- Trata-se de algo mais grave... Pode deixar-nos na aldeia mais
próxima? Queremos ir à esquadra da Polícia.
- À esquadra? - repetiu o condutor, admirado. - Bem! Uma vez
que não se trata de uma fuga, claro, claro que irei...
À medida que iam percorrendo o caminho, as crianças
explicaram em algumas palavras o que se passava. Muito
interessado, o seu novo amigo acompanhou-os à esquadra, para
confirmar a declaração deles, precisando o local onde os tinha
encontrado.
Nunca aquela calma esquadra de aldeia fora teatro de tal
movimento.
Como o tio Alberto tinha alertado a Polícia de todos os
sítios, os bravos guardas já se encontravam ao corrente da
aventura das crianças. Assim, começaram por enviar mensagens
destinadas aos seus colegas de Kirrin: era preciso tranquilizar
rapidamente os pais da Zé.
Depois, com auxílio de reforços mandados a toda a
pressa, organizou-se uma expedição para apanhar os bandidos numa
armadilha.
-Temos necessidade de vocês - disse o capitão
às crianças, encantadas - para nos indicarem onde se encontra a
quinta que vamos cercar.
172
Em breve o pequeno grupo estava pronto para a partida.
Patrice Bartier, o jovem que tão prontamente havia transportado
os Cinco, pediu para fazer parte da expedição.
- Se quiser - propôs ele ao capitão da Polícia - torno a
levar estes jovens no meu carro. Assim, até terá mais espaço para
os seus homens!
O capitão não teve coragem de recusar aquela oferta tão
espontânea.
- Aceito de bom grado, senhor!
A Zé e os primos, por seu lado, não acharam nada melhor que
sentarem-se de novo ao pé do seu amigo de fresca data. O Tim fez-
se pequenino aos pés da Zé. é uma maneira de dizer, claro! Ele
deixara perceber, claramente, que se recusava a ir na parte de
trás.
O carro branco arrancou, seguido pelos três carros pretos da
Polícia.
Era importante chegar à quinta antes do regresso dos
bandidos - e, se possível, da mulher -, a fim de lhes preparar a
armadilha.
Tudo se passou pelo melhor. As crianças mostraram aos
polícias a construção que lhes tinha servido de cárcere. O
capitão, acompanhado por dois homens, assegurou-se de que ninguém
tinha ali ido desde a partida das crianças. Depois, mandou
esconder os carros por trás de um vasto telheiro. Por fim, dispôs
metade dos seus efectivos no exterior, camuflados atrás de
árvores e de moitas.
- Agora - disse ele às crianças - é a nossa vez de brincar!
Entremos depressa! Vocês, jovens, sobem para o primeiro andar com
o sr. Bartier. Aí estarão abrigados. Nós estenderemos a ratoeira
em que esses miseráveis cairão. Despachemo-nos . E não esqueçamos
de fechar bem a porta da entrada.
174
Em breve, apertados no patamar do primeiro andar, os Cinco e
Patrice espreitavam, com curiosidade, através das barras do
corrimão.
Ninguém se mexia.
- Os polícias foram para a entrada, prontos a saltar sobre
os bandidos, quando eles chegarem - murmurou o Júlio.
-É ridículo! - suspirou a Ana no mesmo tom. O Eric e os
outros podem muito bem voltar só amanhã. ou mesmo mais tarde
ainda!
- Sim, mas a mulher não tardará a chegar! - assegurou a Zé.
- Não se esqueçam de que saíu a pé. Repito que não deve ter ido
muito longe, e é com isso que os polícias contam.
- Caluda! - sussurrou o Patrice. - Escutem. No andar por
baixo das crianças, o silêncio da entrada tinha sido perturbado
por um aviso, lançado a meia-voz pelo polícia encarregado de
vigiar:
-Atenção, chefe! Vejo uma figura de mulher na estrada. Ah!
Ela dirige-se para aqui!
O capitão aproximou-se, lesto, do polícia postado junto da
janela situada ao lado da porta. O polícia passou os binóculos ao
seu superior.
- Veja o senhor mesmo, capitão!
O capitão olhou e sorriu.
Depois, chamou a Zé.
- Depressa! - disse ele. - Olhe também, e diga-me se a
reconhece.
- Sim - respondeu a Zé. - É a nossa carcereira.
- Volte para junto dos seus companheiros e, sobretudo, não
se mexam e não façam barulho. A mulher chega aí num instante.
A Zé obedeceu. Os Cinco, uns contra os outros,
176
esperaram, com o coração a bater, o desenrolar dos
acontecimentos.
A Ana, um pouco angustiada, apertou o braço do irmão mais
velho.
- Júlio! Tenho medo!
- Caluda! Cala-te.
- Que se irá passar?
- Os polícias irão, muito simplesmente, prender o nosso
carcereiro de saias. É cúmplice dos ladrões dos castelos, bem
merece o que lhe vai acontecer!
As crianças deixaram de sussurrar no patamar. Em baixo, na
entrada, os polícias, imóveis e mudos, estavam prontos a
actuar...
No silêncio geral, ouviram- se passos que, pelo lado de
fora, se aproximavam. Uma chave girou na fechadura. De onde
estavam, as crianças viram o fecho mexer. O batente da porta
abriu-se. A luz dourada do Sol entrou a rodos, brilhando sobre o
ladrilhado.
Sem desconfiar, a carcereira das crianças entrou. Tudo se
passou então com uma rapidez brutal. Surgidos da penumbra fresca,
dois polícias agarraram na mulher pelos pulsos e dominaram-na.
A mulher debatia-se furiosamente.
- Quem são vocês? Que me querem?
- Quem somos nós? O nosso uniforme indica-o claramente. O
que queremos? Saber quem é você!
- Não direi nada! Não têm o direito. - guinchou a mulher,
furiosa.
- Acha que não? - disse o capitão da Polícia, aproximando-
se. - Cuidado com o que responder. Prendo-a por cumplicidade com
os ladrões dos castelos, talvez você até seja um membro activo do
bando!
178
- Não percebo o que estão a dizer! - gritou a mulher.
- Nego tudo, absolutamente tudo!
- Mesmo ter mantido estas crianças presas no seu sótão?
- respondeu o capitão, designando com a mão os Cinco agrupados no
patamar.
A mulher ergueu os olhos e atirou um olhar rancoroso às
crianças. Depois, encolhendo os ombros:
- Nem sequer sei quem eles são! - declarou ela.
- Simplesmente, as testemunhas de acusação! Nesse mesmo
instante, um barulho de motor soou do lado de fora. O polícia dos
binóculos, que tinha retomado o seu posto por trás da janela,
advertiu o superior:
- Vem aí um carro. com três homens dentro. Uma espécie de
gigante loiro e dois morenos, um dos quais barbudo.
- São eles! - exclamou a Zé. - São os nossos raptores!
- Daqui a pouco, meninos, têm de os identificar
oficialmente. Por agora, fiquem lá em cima... E a senhora nem uma
palavra para avisar os seus cúmplices, senão.
Aí, o capitão puxou a mulher para trás. O silêncio reinou de
novo. As crianças e Patrice esperavam, ofegantes. O desenlace
aproximava-se. Seria ele conforme aos seus votos?
Ouviu-se a viatura dos bandidos parar, próximo da casa:
Depois, a voz de Eric elevou-se, forte:
-Eh! Miriam! - chamou ele. - Estás aí? Tem novidade.
Partimos amanhã!
À medida que falava, o bandido empurrou a porta: A mulher -
Miriam - a quem ninguém prestava atenção - soltou-se, de súbito,
com um gesto brusco e gritou:
- Cuidado! Fujam! Está aqui a Polícia!
180
Houve um breve segundo de silêncio, e depois ouviu-se os
bandidos a fugir. Furioso, o capitão da Polícia levou um apito à
boca.
Este sinal era destinado a alertar os polícias que se
encontravam lá fora. Mas o tempo de estes contornarem o edifício
permitiu que os bandidos se afastassem. O capitão e os seus
homens lançaram-se-lhes no encalce.
Já os Cinco e Patrice abalavam escada a baixo e saíam, por
sua vez, pela porta.
O espectáculo que se lhes oferecia fê-los parar um segundo:
diante deles, os bandidos fugiam em direcção ao carro, arumado um
pouco mais à frente, sob as árvores.
Num abrir e fechar de olhos, a Zé compreendeu que eles iriam
conseguir escapar aos seus perseguidores, cujos veículos ainda se
encontravam na parte de trás do edifício.
Não hesitou um segundo.
Designando os fugitivos com o dedo, ordenou ao Tim:
- Vai, Tim! Vai lá! Morde-lhes, meu querido cão!
O Tim não se fez rogado. Em três saltos lançou-se atrás dos
ladrões dos castelos.
O Eric ouviu-o e voltou- se. O bandido levantou um braço,
num movimento de defesa. mesmo a tempo de proteger a garganta -
as presas do Tim iam mesmo fechar-se sobre ela!
- Vá, larga-me! Estúpido animal! - gritou o Eric,
gesticulando e procurando libertar o antebraço, onde uma dolorosa
pressão se fazia sentir.
Em vão! - o Tim não abandonava a presa. Entretanto, os
polícias tinham alcançado o homem e o animal.
Assim que agarraram o Eric, o Tim, deixando de se interessar
por este, precipitou-se atrás dos outros dois bandidos.
Detestava, sobretudo, o Manuel, que o tinha fechado dentro de um
saco!
182
Assim que o Manuel, que se voltava, viu as presas
ameaçadoras e os olhos brilhantes do Tim, sentiu um medo tão
violento que o animal não teve qualquer dificuldade em vencer
aquele miserável adversário. Ao primeiro choque, o Manuel,
aterrorizado pela emoção, rolou, desmaiado, no solo.
Faltava o José. O bandido, sem se preocupar com os seus
cúmplices, tinha alcançado o carro. Saltando para o assento, foi-
lhe fácil pôr o motor em marcha, que ainda estava quente. A
viatura arrancou.
Os polícias deixaram escapar uma exclamação de
desapontamento. O Patrice, o Júlio, o David e a Ana,
consternados, abanaram a cabeça. Apenas a Zé não se considerou
vencida.
- Vai, Tim! - gritou ela, de longe, ao seu cão. O animal
quase tinha alcançado o carro quando este lhe escapou. Talvez o
cão tivesse abandonado a luta se não fosse a ordem da dona. Mas,
galvanizado pela voz da Zé, fez um último esforço.
Acelerou bruscamente a sua corrida e, com um salto vigoroso,
saltou para o carro, cuja porta, José, na sua precipitação, se
esquecera de fechar. O carro não ia ainda muito depressa. Para se
defender, o José foi obrigado a deixar o volante. A situação não
melhorou, para ele... Privado de condutor, o carro foi embater
numa árvore. José, com a comoção, saíu do automóvel, lutando
sempre com o intrépido Tim. O capitão e os homens chegavam, um
pouco ofegantes. Só lhes restava prender o chefe dos assaltantes
dos castelos... que o Tim lhes deixou, em estado lastimoso.
Alguns instantes mais tarde, o capitão da Polícia, radiante
contemplava o Eric, a Miriam, o José e o Manuel que, de algemas
nos pulsos, faziam uma triste figura.
184
- E agora - decidiu ele depois de ter felicitado
calorosamente a Zé e o bravo Tim - e agora, jovens, vou levá-los
à aldeia, onde o tio vos irá buscar. Mas antes, vamos explorar o
covil destes malandros!
Os jovens detectives não se tinham enganado. A
exploração da cave - cujas três fechaduras não resistiram aos
polícias - permitiu que se descobrissem todos os preciosos
tesouros roubados, nos castelos da região, pelo José e pela sua
quadrilha.
- Eis os relógios de ouro do marquês de Penlech!
exclamou a Zé, toda contente. - Como ele vai ficar radiante por
recuperá-los!
Um pouco mais tarde, depois de se terem despedido de
Patrice Bartier, os cinco e os polícias, encontraram o tio
Alberto, que acabava de chegar, apresentou à filha e aos
sobrinhos um rosto irritado.
- Se estão à espera que os felicite - gritou ele. -
enganam- se redondamente. A tua mãe, Zé, tem estado doente de
medo, por causa dessa loucura toda. Quanto a ti, Júlio, como mais
velho, devias ter um pouco mais de juízo. Nunca te perdoarei o
pânico que causaram à tia Clara!
As crianças baixaram a cabeça, perante aquela
descompostura.
Foi em vão que o capitão da Polícia, surpreendido com
tanta severidade, tentou acalmar o tio Alberto. Este nada quis
ouvir.
- Vocês serão castigados - declarou ele às crianças,
quando os levava de carro para o Casal Kirrin. - E, para começar,
confisco-lhes as motocicletas que a Polícia me devolveu. Quanto
ao Tim, ficará amarrado até ao fim das férias. Tenho dito!
186
Nunca as férias tinham parecido tão lúgubres à Zé e aos
primos... Havia dois dias que se consumiam no Casal Kirrin, sem
sequer terem coragem de brincar.
A Zé, irada, recusava-se a abandonar o Tim, acorrentado à
sua casota. O Júlio, o David e a Ana faziam-lhe companhia.
- Não é justo! - suspirou o David. - Graças a nós, os
assaltantes estão presos, os museus recuperaram os seus
tesouros... e o marquês de Penlech os seus relógios.
- Olha! É mesmo ele que ali vem! - exclamou a Ana, olhando
para o lado do portão.
Com efeito, era o marquês de Penlech, fresco e elegante como
um jovem. Soubera pelo capitão da Polícia, que os seus jovens
heróis, como ele lhes chamava, estavam em sarilhos e vinha tentar
pagar a sua dívida de reconhecimento.
Como agiu ele para dobrar o severo tio Alberto e obter a
suspensão geral dos castigos? Nunca ninguém o soube ao certo.
Mas, depois de ter conversado com os pais da Zé, voltou ao
jardim, sorrindo e agitando na mão a chave do alpendre onde se
encontravam fechadas as motocicletas.
- Soltem depressa esse cão e vão dar um bom passeio!
- disse ele às crianças, loucas de alegria.
A Zé atirou-se-lhe simplesmente ao pescoço.
- Obrigada! Mil vezes obrigada! - gritou ela impulsivamente.
- Não tem de quê! - replicou ele, sorrindo. - Parece-me que,
se alguém tem de agradecer, sou eu... Muito obrigado pois, de
todo o meu coração, jovens! E muito obrigado também a ti, meu
bravo cão!
E, muito cerimoniosamente, o marquês apertou a pata ao Tim.
188

Fim

ilustração: Jean Sidobre


Editorial Notícias, 7ª Edição, Lisboa, 2003.
Novas Aventuras Dos Cinco, Nº 4.
Infanto-Juvenil.
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unicamente à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual.
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editorialnoticias. pt
Título Original: Le Marquis Appelle Les Cinq
Tradução: Maria Da Conceição Alves
7.a Edição: Maio De 2003
Depósito Legal N.O 194 84703
Impressão E Acabamento: Tipografia Guerra
Uma Nova Aventura Das Personagens Criadas Por
Enid Blyton
Nesta colecção
1- os cinco e a operação esmeraldas
2 - os cinco no baile dos espiões
3 - os cinco e o tesouro perdido
4 - os cinco e os ladrões de castelos
5 - os cinco e a fórmula secreta
6 - os cinco na cidade secreta
7 - os cinco na televisão
8 - os cinco contra o máscara negra
9 - os cinco e o galeão de ouro
10 - os cinco e os piratas do ar
11- os cinco e a estátua falante
12 - os cinco e o mistério dos quadros roubados
13 -os cinco e os prisioneiros do castelo
14 - os cinco e a herança misteriosa
15 - os cinco na caça ao tesouro
16 - os cinco contra os fantasmas
17 - os cinco e o raio
18 -os cinco e o mistério do rubi de akbar
19 - os cinco contra o doutor ragus
20 - os cinco e o colar de pérolas
21- os cinco num cruzeiro agitado
22 - os cinco e os índios da amazónia
23 - os cinco e o tesouro do pirata
24 - os cinco e o lobisomem

Júlio! Atira-me a bola!... Tim! Pára de saltar desse


modo! Não vês que me atrapalhas?
- Olha lá, David! Como é que te atreves a falar assim ao
Tim?
E a Zé, vermelha de raiva, atirou um valente soco ao seu
primo David.
Ana, a irmã mais nova do David e do Júlio, interpôs-se
vivamente:
- Então, meninos?. Não vão começar a implicar, logo no
começo das férias! Além disso, Zé, se passas a zaragatear como um
rapaz, o teu pai não fica nada satisfeito!
- A Ana tem razão! - exclamou o Júlio, de bom humor. -
Tratemos mas é de aproveitar o bom tempo e as férias. Que sorte
estarmos, este ano, outra vez todos juntos, no Casal Kirrin!
A Zé descontraiu-se imediatamente. Pronta a zangar-se,
possuía, em contrapartida, um coração excelente e adorava os
primos. Estes, aliás, pagavam-lhe na mesma moeda.
5
Como sempre no Verão, os pais da Zé recebiam os sobrinhos,
em sua casa, para passarem as férias. O tio Alberto, cientista
famoso, mas que só gostava de trabalhar em paz, detestava,
naturalmente, ser perturbado pela gritaria das crianças - estas
deviam, pois, fazer o menor barulho possível.
A Zé, que não tinha medo de nada, cuja temeridade era quase
lendária, receava, no entanto, as reprimendas paternas. Deste
modo, mantinha-se, habitualmente, tranquila.
Com os seus cabelos escuros, muito curtos, lembrava mesmo um
rapaz. Viva, muito dinâmica, era ela, na reali dade, o chefe do
pequeno grupo. O David, moreno como a Zé e da mesma idade - onze
anos -, parecia-se muito con ela. O Júlio e a Ana, ambos loiros,
tinham, respectivamente treze e nove anos e meio.
- Vamos jogar para mais longe! - propôs a Zé. - O pai não
ficaria nada contente se o incomodássemos nos seus cálculos ou se
lhe partíssemos, com a bola, um dos vidros do escritório!
As crianças afastaram-se correndo, precedidas pelo Tim que
saltava que nem um cabrito. Tim era o cão bem-amado de Zé e seu
companheiro inseparável - raramente se via um sem o outro!
A Zé e os primos entendiam- se às mil maravilhas! Tinham um
gosto em comum: adoravam desvendar enigmas policiais e esclarecer
mistérios. Já por várias vezes haviam encontrado solução para
problemas delicados. Orgulhosos com os resultados obtidos,
tinham-se denominado a si mesmos O CLuBE dos Cinco. O quinto
elemento era o Tim, claro!
O Casal Kirrin erguia-se perto do mar, próximo da aldeia
Kirrin.
Os dias dos quatro primos estavam muito cheios. A tia Clara
cuidava muito bem dos seus hóspedes, mas exigia que
6
fossem pontuais à hora das refeições. Para além desta obrigação,
deixava-os completamente livres o resto do tempo.
Os Cinco aproveitavam bem a liberdade. A região oferecia
inúmeras possibilidades de se distrairem: excursões, piqueniques,
etc.
Nesse dia, depois de terem jogado à bola, os cinco
companheiros meteram-se no barco da Zé.
- Rememos até à ilha Kirrin - propôs o David
- Vamos lá jogar às escondidas!
- Com este calor? - protestou o Júlio. - Vamos antes tomar
banho na pequena enseada. Fazemos um concurso de mergulhos.
- De acordo! - aprovou a Zé, agarrando nos remos. A ilha
pertencia à Zé, que tinha muito orgulho nisso. Ninguém podia ali
desembarcar sem a sua autorização.
Os Cinco fartaram-se de se divertir todo o resto do dia. O
Júlio, calmo e ponderado por natureza, teve de reprimir por
várias vezes os entusiasmos da Zé. A imaginação da pequena
sugeria-lhe sempre iniciativas ousadas que, manda a verdad que se
diga, nem sempre eram coroadas de êxito. Nessas ocasiões, a
intervenção do ajuizado Júlio impedia uma catás trofe. Mas, na
maior parte das vezes, as invenções da Zé, (como dizia o David)
eram quase geniais e valiam-lhe admiração dos primos.
- E agora - exclamou a Zé amarrando o barco no ancoradouro
do Casal Kirrin - ainda temos uns minutos antes do jantar.
Proponho um passeio de bicicleta!
David fez uma careta.
-Que maçada - disse ele. - Estou farto do meu calhambeque! O
tio Alberto tinha prometido que nos oferecia umas bicicletas
motorizadas, se o nosso aproveitamento escolar fosse bom. Mas não
há meio de ver nada!.
8
- No entanto - suspirou o Júlio - trabalhámos
excepcionalmente bem todos os quatro.
-Tem confiança no meu pai! - interveio a Zé. Embora seja
muito distraído, nunca se esquece das suas promessas!
A Zé tinha razão. No dia seguinte, depois do pequeno-almoço,
a tia Clara disse-lhes sorrindo:
- Têm uma surpresa à vossa espera, no alpendre! Vão ver
depressa!
Os cinco correram para a pequena construção coberta de hera,
que se erguia ao lado do abrigo do barco. A Zé abriu a porta, com
um gesto brusco, e imediatamente os seus rostos se iluminaram.
- Bestial! - exclamou a Zé. - O pai cumpriu a sua promessa.
Eis quatro bicicletas motorizadas, novinhas, para substituir as
nossas velhas máquinas!
- Esperemos pelo meio-dia para agradecer ao tio Alberto
- aconselhou o Júlio. - Se lá fôssemos agora arriscávamo-nos a
incomodá- lo.
- Olhem! - gritou a Zé que não cabia em si de contente. -
Até há um cesto atrás do meu selim. Meu caro Tim, não precisas de
cansar as pernas a correr ao meu lado.
- Béu! - fez Tim, que parecia compreender.
- Vamos experimentar já estas máquinas - propôs o David. -
Júlio, como já sabes andar, mostra- nos tu como é!
Durante toda a manhã as crianças familiarizaram-se com o
funcionamento das motocicletas. À hora do almoço agradeceram ao
tio Alberto. E, logo a seguir à refeição, foram passear.
- A partir de agora - disse a Zé aos primos - poderemos
visitar facilmente os arredores. A distância é nossa!.
Nos dias seguintes, as crianças decidiram explorar a
região. Nunca tinham podido ir muito longe com as bicicletas
velhas.
Nessa manhã reuniram-se no jardim, para decidirem aonde
seria a próxima excursão.
- Eu proponho que vamos para norte - disse o Júlio. É para
aí que se encontram muitos sítios interessantes.
- Também os há para o sul! - cortou o David.
- Mas não podemos ir para dois lados ao mesmo tempo!
- observou a Zé. - Vamos lá então para o norte, meus caros!
- Eu vou para onde vocês quiserem! - declarou a Ana,
conciliadora.
Tim fê-los compreender que preferia desentorpecer as pernas
que ficar sentado no cesto.
- Compreendo-te muito bem, meu menino - disse o David. -
Dèsde que temos as motorizadas, a nossa tendência é para não nos
mexermos.
- Os nossos cérebros nesta altura também não fazem muito
exercício! - declarou a Zé, com uma careta. Esperemos que as
meninges do Clube dos Cinco não se vão enferrujar, como as nossas
bicicletas antigas, que estão boas mas é para a sucata!
- Isso é verdade! - aprovou o Júlio. - Há muito tempo que
não temos nenhum enigma para resolver.
- Enquanto esperamos por ele, vamo-nos mas é embora!
- sugeriu a Zé, montando a sua motocicleta. - Anda, Tim! Nada de
conversas! Salta para o teu cesto! Hoje vamos devorar
quilómetros!
Os Cinco tinham percorrido cerca de seis quilómetros quando
viram um velho castelo aberto aos turistas, segundo dizia um
letreiro.
- Vamos visitá-lo? - propôs o David.
- Vamos! - responderam os outros em coro.
12
As crianças deixaram as bicicletas num parque de
estacionamento para duas rodas, arranjado no pátio do próprio
castelo. Depois atravessaram o grande arco da entrada. Que
fresquinho que estava lá dentro! A Ana arregalou os olhos na
penumbra.
- Que é que há para ver? - sussurrou ela.
O empregado que vendia os bilhetes, instalado numa espécie
de guarita, sorriu para a jovem visitante.
- Este castelo data do século XVI - explicou ele. Além da
arquitectura e de alguns móveis da época, podem admirar objectos
de valor, expostos em vitrinas. Caixas para bombons, vasos,
fechos de cintos, jóias de ouro e de prata, usadas pelas belas
damas da corte.
A Ana era vaidosa. Ficou encantada com a ideia de poder
contemplar tão belas jóias. O Júlio pagou os bilhetes de entrada.
Quando a Zé se preparava para seguir os primos, com o Tim a
meter-se-lhe pelas pernas, o empregado interpelou-a:
- Eh! Ó, menino! - gritou ele, tomando-a por um rapaz. - Os
cães não podem entrar. Amarre-o aqui. À saída pode vir buscá-lo.
A Zé irritou-se imediatamente.
-O meu cão é muito bem comportado! - replicou, muito segura
de si. - Não ladra e não faz estragos. Além disso, eu pago a
entrada dele!
E, num gesto que pretendia ter a maior nobreza, colocou
duas moedas mesmo em frente do nariz do empregado, estu pefacto.
- Anda, Tim! Mas que coisa! Por quem te tomam eles? E a
Zé foi juntar-se aos primos, que se encontravam já reunidos em
volta de uma mesa comprida e baixa, com tampo de vidro. O David
estendeu os lábios numa careta cómica.
14
-Jóias valiosas, isto? Caramba! Pechisbeque, é o que
isto é!
O Júlio, que se esforçava sempre por corrigir a linguagem, por
vezes demasiado livre, do irmão, franziu as sobrancelhas: David!
Exprime-te correctamente, está bem?... No
entanto, parece-me que tens razão! Estes objectos todos não
valem nada! Eis-nos bem longe dos tesouros anunciados pelo
empregado dos bilhetes! Não vejo qualquer jóia preciosa!
- Vamos ver mais! - propôs a Ana.
Mas nas outras vitrinas também não havia qualquer
objecto de valor.
- Que estranho! - murmurou a Zé. - E aquelas vitrinas ali,
completamente vazias, ao pé da janela, não são
menos estranhas. Olha - acrescentou ela aproximando-se
das referidas vitrinas - os fechos foram forçados... e a
tampa desta está partida.
Nesse mesmo instante, um turista que, tal como as crianças,
visitava o local, voltou-se.
- Não é de admirar que as vitrinas estejam vazias
explicou ele. - Este museu foi roubado a semana passada.
A notícia veio em todos os jornais. Eu perguntava a mim
próprio o que é que os ladrões poderiam ter deixado ficar.
Pois bem, já sei: simplesmente nada! Deviam prevenir as
pessoas à entrada. É uma vergonha fazer pagar um bilhete
para se contemplar paredes nuas e vitrinas devastadas. É uma
outra forma de roubo!
Sempre a resmungar, o homem afastou-se.
- Ouviram? - disse a Zé aos primos. - Houve recentemente um roubo
neste castelo!
- Espero que os ladrões tenham sido apanhados! - exclamou o
David.
- Vamos perguntar ao homem da entrada!
16
Os cinco dirigiram-se ao empregado, que deitou um olhar
reprovador ao Tim.
Interrogado pelas crianças, não se fez rogado em fornecer
pormenores:
- É verdade - reconheceu ele. - Este castelo recebeu a
visita de ladrões bem informados, que partiram as vitrinas que
continham as jóias mais preciosas da nossa colecção. Deixaram
apenas os objectos sem valor ou difíceis de vender. Ah! Pode
dizer-se que actuaram com muita perícia, os bandidos! Trabalho
rápido e sem rastos!
- A Polícia conseguiu apanhá- los, suponho? - perguntou o
David, que gostava sempre de ver fazer justiça.
- Nem isso! - respondeu o empregado, encolhendo os ombros. -
Continuam à solta, os miseráveis! Sem contar que esta semana já
fizeram falar deles outra vez. Claro que vocês são demasiado
novos para lerem os jornais! Senão, saberiam que dois outros
castelos e um museu da região tiveram também a visita deles. Os
tipos são de se lhes tirar o chapéu! Isso, é que é bem certo!
O Júlio franziu as sobrancelhas.
- Parece-me que ouvi falar destes roubos ontem à noite, na
rádio - disse ele. - Estou agora a lembrar-me.
- Sim. A Polícia não desiste. Pergunto a mim mesmo até
aonde irá a ousadia destes bandidos.
Os Cinco retomaram o caminho para o Casal Kirrin.
Oferecendo o rosto ao vento provocado pela corrida, discutiram o
assunto que os interessava. De volta a casa, a Zé foi buscar os
jornais da semana e trouxe-os aos primos. Os quatro leram
atentamente os artigos que relatavam a pilhagem feita nos
castelos. Os sucessivos roubos pareciam ser obra de uma quadrilha
especializada, aparentemente decidida a fazer uma limpeza geral
na região. Não faltava ousadia aos bandidos!
18
No dia seguinte, o tempo estava magnífico. tão bom que a tia
Clara propôs espontaneamente às crianças:
- Com um tempo destes, que me diriam, se lhes preparasse um
bom piquenique? Poderiam almoçar no campo e, à volta, tomar banho
na enseada dos Monges. Está bem abrigada do vento e das
correntes.
A Zé e os primos aceitaram com alegria - adoravam comer fora
de casa, sem cerimónias.
Foram para a cozinha ajudar a tia a preparar as sanduíches e
a encher as garrafas-termo com sumo de frutas, bem fresco. O
David tinha posto perto dele o seu pequeno rádio. De repente, a
música parou.
- Fomos há pouco informados - disse a voz do locutor
- de que o Castelo de Lencoet, situado a onze quilómetros de
Kirrin, foi esta noite assaltado por ladrões que, há já três
semanas, têm vindo a roubar nesta região, com uma ousadia
incrível. Quadros de grandes mestres, expostos na sala superior
do castelo e representando paisagens locais e marítimas, foram
levados por estes gatunos tão pouco escrupulosos. Os bandidos
actuaram com a maior segurança, sem querer saber dos dispositivos
de defesa e de alarme, e não deixando qualquer vestígio atrás de
si. Está a proceder-se a um inquéri to. Esperemos que tenha bons
resultados, pois a opinião pública começa a inquietar-se .
- Ouviram! - gritou a Zé. - A quadrilha dos ladrões dos
castelos atacou mais uma vez! Com a rapidez com que actuam, não
tardarão em acabar com todos os tesouros da região. Eu, se fósse
à Polícia...
- Não faças julgamentos apressados! - aconselhou a tia
Clara à filha.
A Zé encolheu os ombros.
20
- Confesse que os investigadores não são nada expeditos! Os
bandidos até fazem troça deles! Se fosse eu...
- Podes estar certa de que eles sabem do seu ofíciocortou a
tia Clara, severamente. - E com certeza que tu não eras capaz de
fazer melhor! Estes ladrões são pessoas muito hábeis! Desde o
primeiro roubo que as estradas, os portos, os aeroportos e as
fronteiras se encontram vigiados. Mas ainda não se descobriu
qualquer vestígio do produto dos roubos. Deve estar tudo bem
escondido. e assim permanecerá, até que esta história dos
assaltos tenha caído no esquecimento.
Alguns instantes depois, as crianças e o Tim partiam à
desfilada pela estrada fora. Após terem passado pela enseada dos
Monges, viram uma pequena colina verdejante, com moitas e tufos
de tojo espalhados aqui e ali. O David propôs que se subisse até
meio da encosta, para fazerem o piquenique. Tiraram alegremente
as provisões dos sacos. O Tim corria atrás das borboletas e das
libelinhas, ladrando.
- Ana! Ajuda-me a estender a toalha! - disse a Zé. Júlio! És
capaz de abrir esta lata? David! Cuidado! Vais entornar as
bebidas! Tim! Deixa de fazer de maluco!
- Às vossas ordens, princesa!
- Muito bem, minha senhora. Eu arranjo.
- Ao seu serviço, chefe!
- Béu! Béu!
A Zé atirou um pano para cima da cabeça do David e deu uma
palmada à Ana. O Júlio atirou-lhe um soco e o Tim, entrando na
brincadeira, fingiu socorrer a sua jovem dona. A pseudodiscussão
degenerou numa batalha amigável, em cima da erva, entre
exclamações e risos.
Como era bom viver!
22
Quando os Cinco acabaram o piquenique, contemplaram,
suspirando, as raras migalhas deixadas. Depois de terem comido
com tanto apetite, as crianças estavam um pouco sonolentas e
estenderam-se à sombra das árvores.
A seus pés, em baixo da pequena colina verdejante, o caminho
por que tinham vindo estendia os seus meandros paralelamente à
falésia. Para lá desta, o mar brilhava ao sol, tão calmo quanto
possível. O céu azul não tinha qualquer nuvem. Estava um tempo
maravilhoso.
A Ana havia comido tanta torta de framboesa que começava a
lamentar um pouco a sua gulodice, sentia o espírito entorpecido e
era com esforço que mantinha os olhos abertos. Apesar de tudo,
eles fecharam-se por alguns segundos.
De repente, a pequena acordou, um pouco confusa por ter
cedido ao sono. um sono que sem dúvida, havia durado pouco tempo.
Ter-se-iam os outros apercebido da sua fraqueza? Eles conversavam
e riam a seu lado. A Ana levantou-se. Foi então que lhe escapou
um grito.
- Que te aconteceu? - exclamou o Júlio, sobressaltado.
- Aquele arbusto. além. vi-o mexer! O David pôs-se logo a
troçar.
- Realmente, tens razão para gritar! - disse ele. Estão a
ver bem? Um milagre! O vento fez mexer as folhas!
- Mas é isso, justamente. Não há nem um bocadinho de vento!
- notou a Ana. - É o que me espanta. E o arbusto não se mexia
como se o vento o agitasse. Dir- se-ia que uma mão invisível se
divertia a abaná-lo!
A Zé pôs-se a rir.
- Como é bonito ter-se imaginação! - declarou ela, afagando
o Tim, estendido a seu lado. - A nossa querida Aninhas estava a
dormir beatificamente quando sonhou que se encontrava no país do
mistério... Então, imaginou ver passar o homem invisível através
da urze e do tojo, e assustou-nos com um grito!
A Ana protestou imediatamente:
- Mas eu não estava a sonhar! Vi aquele arbusto abanar...
aquele grande, ali em baixo... Oh! Olhem! Está a mexer ainda, mas
mais fracamente. Não estou ceguinha.
Um latido do Tim cortou- lhe a palavra.
O cão tinha-se lançado em direcção ao arbusto indicado pela
Ana. Ladrava como doido, andando à roda. A Zé chamou-o.
- Tim! Tim! Anda cá! Tens o diabo no corpo!
- Este cão está completamente maluco! - asseverou o David.
- Ora! Quer é fazer-se engraçado! - sugeriu o Júlio.
- Eu acho que deve ter farejado um coelho bravo - disse a
Zé. - Se tivesse coragem de me levantar - acrescentou, bocejando
- iria espreitar o teu arbusto, Ana. Talvez descobrisse uma toca!
A Ana estava convencida.
- Um coelho não abanava asssim um arbusto tão grande.
- insistiu ela. - Dir-se-ia.
- Está bem, está bem, já nos disseste! - cortou David. -
Viste alguém. invisível, rastejar na toca de coelho. É bom poder
contemplar-se o invisível, Ana! Dev ter um sexto sentido! Tomas-
te pela pitonisa de Delfos!
A Ana, intrigada e pouco forte em história antiga, ia pedir
26
esclarecimentos sobre a célebre pitonisa, quando o Júlio se
levantou.
- Chega de conversa! É inútil ficarmos para aqui, se
quisermos visitar o castelo dos Arganazes!
A Zé, o David e a Ana olharam para ele, estupefactos.
- Visitar o quê?
- O castelo dos Arganazes! É uma surpresa que eu lhes
reservava. Antes de sairmos, estive a estudar o roteiro
turístico. Trata-se de um dos raros solares da região, segundo o
que eu soube não sei onde, que ainda não foi assaltado pelos
ladrões dos castelos. Pensei que podíamos lá ir dar uma
espreitadela, antes que seja também esvaziado!.
- Achas que os ladrões vão interessar-se por ele? exclamou o
David, cujos olhos brilhavam de interesse.
- Na verdade, que contém ele assim de tão valioso? perguntou
a Zé.
- Relógios, meus meninos!
Perante o ar espantado dos outros três, o Júlio desatou a
rir. - Devo precisar - acrescentou - que estes relógios são de
ouro e constituem uma colecção maravilhosa, que fez o legítimo
orgulho do proprietário do castelo, o marquês de Penlech.
- É a primeira vez que oiço falar desse castelo!
exclamou a Zé, montando a sua motocicleta.
- Chamam-lhe o Solar de Penlech. Até agora, tem estado
fechado ao público. Mas parece que o marquês está arruinado.
Assim, para poder subsistir, resolveu, se bem que com a morte na
alma, abrir as portas da sua casa aos turistas amadores de arte.
- Se ele tem falta de dinheiro - exclamou o David,
admirado - porque é que não vende os relógios de ouro? Assim
livrava-se das dificuldades.
28
O Júlio abanou a cabeça.
- Esses relógios são os últimos vestígios da fortuna do
marquês. Parece que a simples ideia de se separar deles o
horroriza. Preferia morrer à fome a consentir tal. Cada um desses
relógios tem a sua história. Um deles foi dado a um dos
antepassados do marquês por Francisco e.
- Estás muito bem documentado, meu caro! - exclamou o David
rindo. - Onde foste tu pescar essa ciência toda?
- Ao roteiro, claro... Ah! Estamos a chegar! Numa volta de
caminho, as crianças viram um solar de aspecto maciço, rodeado de
fossos e protegido por muralhas que se adivinhavam muito
espessas.
- Mas, é uma verdadeira fortaleza! - exclamou a Zé.
- Lá dentro deve poder-se suportar um cerco!
Os Cinco andaram ainda um pouco mais e, quando chegaram
perto do castelo, desceram das motocicletas. Empurrando estas,
atravessaram a ponte que passava por cima do fosso. Num dos
batentes do formidável portão de entrada, um letreiro indicava as
horas da visita.
O David consultou-o.
- Óptimo - disse ele. - Acho que chegamos na melhor altura
do dia. Ainda é cedo para haver muita gente! Temo tempos de
visitar tudo tranquilamente. Venham! Entremos!
Os outros seguiram-no. O pátio do castelo não estava
arranjado. A erva crescia por entre as lajes partidas, tudo
respirava abandono.
- Ui. - murmurou a Ana com um arrepio. - Isto é
sinistro! Não me admira que os ladrões tenham menosprezado este
sítio para uma das suas visitas! Não gostava nada de andar por
este castelo à noite. Deve estar cheio de fantasmas.
30
- Estes relógios valem uma fortuna e não estão bem
guardados.
Engana-se, meu rapaz! Vigio-os eu próprio! Sou o marquês de
Penlech!
O Júlio cumprimentou o proprietário do solar e apresentoú os
irmãos e a prima. O marquês pediu desculpa, sorrindo, por ter
tomado a Zé por um rapaz. A Zé retribuiu-lhe o sorriso.
- Espero que a sua colecção esteja no seguro!
- Ah, não, meu jovem amigo. quero dizer menina. O seguro de
um tesouro como este ultrapassa, infelizmente, as minhas
possibilidades. É por isso que sou eu próprio quem o guarda, com
a ajuda de Yann, o meu criado!
32
O David não se pôde impedir de exclamar:
- Mas não é uma grande imprudência?
Parou, de súbito, e mordeu os lábios. O marquês perguntou:
- O que é que acha imprudente?
- Bem, deixar todos esses tesouros expostos, com uma
vigilância tão reduzida!. Claro que está sempre de olhos abertos!
Mas o que não podem é estar dia e noite alerta, o senhor e o seu
criado! Há ocasiões em que tem de comer. ou em que vão passear.
O marquês pôs-se a rir.
- Claro! Nós exercemos a nossa vigilância durante as horas
de visita. Durante o resto do tempo não temos que nos preocupar.
A minha colecção guarda-se por si própria!
A Zé olhou para ele, intrigada.
- O que é que quer dizer? - perguntou.
O marquês apontou, com um gesto, as espessas muralhas do
castelo e explicou:
- Este solar é um autêntico cofre-forte, gigantesco. Era
preciso dinamite para lhe forçar as portas ou rebentar-lhe com as
paredes. Dèsde que todas as saídas estejam fechadas, posso dormir
tranquilamente. Deste modo, não tenho qualquer medo dos ladrões!
- Mesmo assim - arriscou a Ana, timidamente - di zem que a
quadrilha dos ladrões de castelos é muito hábil. Já deve ter
ouvido falar.
O marquês teve um gesto fatalista.
- Evidentemente! Mas acho que os ladrões não querem nada
comigo. Este solar, repito, é demasiado sólido para esses
senhores.
A Zé não estava convencida.
- No seu lugar - murmurou ela - não teria assim tanta
confiança.
Desta vez o marquês pôs- se a rir.
- Não se preocupe por minha causa, gentil menina (a Zé fez
uma careta, perante este tratamento já fora de uso). Não me fio
apenas na espessura das paredes e na resistência das portas.
Fiquem sabendo que todas as fechaduras do meu castelo e todas as
minhas vitrinas de exposição possuem um sinal de alarme especial,
pronto a funcionar, à miníma intervenção suspeita. Vá, não se
preocupem mais com os meus relógios, meus filhos, e permitam- me
que lhes sirva de guia.
Encantados com o seu simpático guia, os quatro primos
admiraram tranquilamente os raríssimos relógios. O marquês soube
interessá-los, instruí-los e diverti-los ao mesmo tempo,
contando-lhes anedotas históricas, cheias de vida, relacionadas
todas com as peças da sua colecção. Quando, por fim, os Cinco se
despediram, estavam radiantes com a sua visita ao castelo- museu.
No caminho para casa, as crianças tomaram banho na enseada
dos Monges. A água estava fresca, e a Zé mergulhava, ousadamente,
do alto de um rochedo.
O Júlio parecia sonhador.
- É mais forte do que eu... - confessou o rapaz. Não consigo
deixar de pensar naqueles relógios. Tenho medo de que lhes
aconteça qualquer desgraça!
- Achas que os ladrões dos castelos serão capazes
de tentar roubá-los? - perguntou o David, chapinhando na água.
- Capazes disso e de muito mais! - exclamou a Ana.
- No lugar do marquês, eu não estava tão tranquila.
- Em todo o caso - disse a Zé - ele tem um ar muito seguro
de si!
36
Nessa noite, os Cinco, cansados de um dia tão ocupado,
dormiram, de um sono só, até ao dia seguinte. Foi um belo sol da
manhã que os acordou. A Zé, feliz, saltou da cama e sacudiu a Ana
que, sonolenta ainda, não parecia ter pressa em abrir os olhos.
- Eh! Preguiçosa! Levanta-te depressa! Já é tarde! As vozes
do David e do Júlio vinham do jardim.
- De pé, meninas!
- Temos novidades!
A Zé correu para a janela.
- Novidades? - repetiu ela. - O que é?
- Desce, que já o saberás!
A Zé e a Ana arranjaram-se rapidamente, precipitando-se para
o rés-do-chão. O David correu logo ao encontro delas,
aparentemente fora de si.
- Acabamos de ouvir as notícias na rádio - disse ele.
- E sabem qual é o acontecimento do dia?
- Ou antes, da noite! - corrigiu o Júlio.
- Já sei! - exclamou a Zé, animadamente. - O Castelo dos
Arganazes foi assaltado! Os relógios de ouro foram roubados.
Enganei-me?
- És uma verdadeira capacidade de adivinhação! - exclamou o
Júlio, rindo-se do ar decepcionado do David. Acertaste.
- Mas como é que foi? - perguntou a Ana, sentando-se com os
outros à mesa do pequeno-almoço.
- É a pergunta que fazem os polícias! - respondeu o David,
molhando uma enorme fatia de pão com manteiga no seu café com
leite. - Os gatunos ainda foram mais espertos que de costume.
Desta vez, ninguém sabe como é que se introduziram no local. Um
verdadeiro mistério!
- O que é que queres dizer? - perguntou a Zé, abrindo
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muito os olhos. - Com certeza que forçaram as vitrinas ou
quebraram os vidros de cima, para se apoderarem dos relógios!
- Ah! Quanto a isso, sim! Fizeram um belo trabalho! replicou
o David. - E os relógios de ouro desapareceram mesmo! Mas não se
consegue perceber como é que os ladrões penetraram no castelo -
um verdadeiro e completo mistério!
- Mas como foi isso? - inquiriu a Ana, intrigada.
- Bem. imagina a sala das colecções - disse o Júlio
- tal como a viste ontem. Todas as janelas estavam obstruídas com
portadas de ferro. e nenhuma delas foi forçada. Além das janelas,
a sala só tem duas portas. Estas portas, por sua vez, também se
encontram intactas.
- A lareira? - sugeriu a Zé.
- Está condenada há vinte anos, graças aos cuidados do
marquês! Não se acende desde o tempo dos afonsinos... e o digno
proprietário do solar teme as correntes de ar. Mandou, pois,
obstruir a conduta de tiragem.
- É estranho! - murmurou a Zé. - Suponho que os sinais de
alarme não funcionaram?
- Acertaste, mais uma vez! Os bandidos cortaram os fios
eléctricos das campainhas.
- Em resumo, ninguém entroú na sala de exposição... pelo
menos aparentemente! E os ladrões assinalaram a sua passagem.
apenas pelo roubo.
- Exactamente? Se consegues perceber alguma coisa, ainda
melhor para ti!
O resto da manhã passou-se a debaterem este problema
singular: como é que os ladrões tinham conseguido roubar vitrinas
sem deixar qualquer outro vestígio da sua passagem. A sua audácia
aureolava-se com o mistério da sua última aventura!
40
Levados pela curiosidade, a Zé e os primos voltaram, nesse
mesmo dia, ao Castelo dos Arganazes. Não viram o marquês, mas o
Júlio, tendo interrogado delicadamente um dos inspectores, teve a
confirmação das notícias da manhã: a quadrilha dos ladrões dos
castelos obtivera pleno êxito com aquele golpe.
- E, no entanto - confiou o polícia às crianças que ele
achava simpáticas -, há vários dias que montávamos uma guarda
discreta em volta do castelo. Estávamos alerta. Mas, bem vêem,
não serviu de nada!
Os Cinco voltaram para casa, desapontados.
Três dias mais tarde, o inquérito arrastava-se ainda. O
próprio David estava farto de escutar o posto da rádio, que se
limitava a assinalar: Nada de novo a propósito da quadrilha de
ladrões dos castelos.
A Zé propôs que o Clube dos Cinco procedesse a um inquérito
pessoal. Mas estava tanto calor que a sugestão não despertou
qualquer entusiasmo.
- Que queres tu que descubramos, se a própria Polícia se
afadiga em vão? - dissera o Júlio, bocejando.
O calor era verdadeiramente insuportável. Assim, nesse dia,
as crianças decidiram dar um passeio pelo mar.
- Vamos remar até à ilha Kirrin - disse a Zé. - depois
içamos a vela e deixamo-nos ir ao sabor do vento!
As crianças e o Tim amontoaram-se, pois, no barco da Zé e
afastaram-se da costa. Havia uma brisa suave. O céu estava sem
nuvens... excepto duas nuvens pequeninas e negras, que subiam no
horizonte.
A Zé, de um modo geral, era muito entendida nas coisas
do mar. Se se tivesse dado ao trabalho de interrogar o
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céu ou o vento (ou, mais simplesmente, de consultar o barómetro),
teria pensado em desconfiar. Mas, despreocupada, abandonou-se ao
prazer do momento.
Foi a Ana a primeira a aperceber-se da brusca mudança do
mar.
- Olhem! - exclamou ela apontando com o dedo as vagas
encrespadas e espumosas, que batiam no casco do barco. - Ondas! O
mar está todo cor de tinta. Além disso, o vento refrescou e sopra
com mais força do que há bocado.
- É mesmo verdade! - reconheceu a Zé. Dir-se-ia que vem aí uma
tempestade!
O céu cobria-se de nuvens.
No mesmo instante, uma forte rajada fez estalar a vela. A Zé
apressou-se a virar de bordo.
- Vamos regressar! - anunciou ela. - Seria perigoso
continuarmos. É melhor não cometermos imprudên...
Um ruído seco cortou-lhe a palavra. O mastro ligeiro, sem
dúvida já fatigado na sua base, acabava de se partir sob us
assaltos do vento. E caiu na água, arrastando a vela. A Zé, cheia
de sangue-frio, gritou imediatamente.
-David! Ana! Façam contrapeso, inclinando-se a estibordo.
Júlio! ajuda-me a pescar a vela, antes que fique completamente
molhada!
A Zé era sempre obedecida pelos primos, quando estavam no
mar, pois confiavam nela - por isso não discutiram. A Ana e o
David debruçaram-se, por cima da borda, o mais que puderam. A Ana
sentia muito medo mas, valentemente, fazia um esforço para não o
demonstrar. Não sem custo, a Zé e o Júlio conseguiram içar a vela
para bordo.
No mesmo instante, o David soltou um grito.
- Ana! Ana!. Oh! Ela caiu.
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A Zé largou a vela molhada e precipitou-se. O barquito,
sacudido pelas vagas, saltava e girava sobre si mesmo. Afastava-
se de Ana que, depois de ter mergulhado involuntariamente de
cabeça nas ondas, se debatia agora entre as vagas alterosas. A Zé
pôs as mãos em frente da boca, formando como que um altifalante:
- Nada sempre na nossa direcção, Ana! Vamos ao teu encontro!
Os rapazes tinham já agarrado nos remos. Mas era em vão que
remavam, ferozmente, em direcção da Ana. A pequena, apesar dos
esforços dela e dos rapazes, afastava-se cada vez mais do barco.
Então, a Zé não hesitou: mergulhou, por sua vez, imitada pelo
Tim! Era uma loucura! Mas ela estava decidida a correr fosse que
risco fosse. Devia tentar salvar a prima, a todo o custo!
O David largou os remos e levantou-se num salto:
-Zé! Espera! Volta!
Sob o efeito da emoção, puseram-se a gesticular. Uma onda
mais forte que as outras tomou de través o barquito, já
desequilibrado, e voltou-o. O Júlio e o David encontraram-se na
água, mesmo antes de terem compreendido o que se estava a passar.
Agora os Cinco lutavam contra o mar encapelado. Era difícil
manterem-se à tona sem engolirem água salgada. A Ana, não tão boa
nadadora como os outros, engolia grand porção de água. As suas
forças declinavam de instante a instante.
De repente, apercebeu-se do Tim, não muito longe dela,
enquanto a voz da prima lhe chegava aos ouvidos:
- Coragem! - gritava a Zé.
A Ana desmaiou. Mas o Tim, como bom cão fiel, velava por
ela.
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No segundo exacto em que a Ana perdia a consciência, o bravo
animal deitou a boca à cabeleira loira da pequena, impedindo-a,
assim, de ir direita ao fundo. Infelizmente, o modo como a
apanhou era precário. As presas do cão não conseguiriam reter
durante muito tempo os cabelos finos e lisos. Estes não paravam
de escorregar. Tim era inteligente, e compreendeu que havia
qualquer coisa de melhor a fazer. Deixando os cabelos, agarrou,
com os dentes, as roupas da pequena. Mas a Ana trazia apenas uma
fina camisa por cima do fato-de-banho. O tecido rebentou,
ameaçando rasgar-se por completo. O Tim, atento, evitou puxar
demasiado e conseguiu, pelo menos, manter a náufraga no cimo das
ondas.
A Zé chegava, ofegante.
- Agarra bem, meu querido Tim!
Apanhou a Ana, inconsciente, e, penosamente, pois ela
própria já se encontrava muito cansada, pôs-se a nadar em
direcção à margem. Como esta lhe parecia longe!
As duas raparigas, uma puxando a outra, foram em breve
alcançadas pelo Júlio. A Ana voltara a si.
- Agarra-te ao meu ombro! - ordenou o irmão. Ela obedeceu.
Agarrando-se simultaneamente, ao Júlio e à prima, fez-se tão
ligeira quanto possível. A Zé, aliviada, avançava mais depressa.
O Tim seguia-os. O David juntou-se-lhes, por sua vez.
- A direito, para a costa! - gritou ele contra o vento.
- Lutemos com todas as nossas forças.
Mas a Zé era de outro parecer.
- Não! - gritou ela em resposta. - A corrente está muito
forte. Não conseguiríamos resistir. Deixemo-nos ir. Nademos
obliquamente para a margem. ( E em espírito acrescentou: -
Esperemos que possamos aguentar até lá!. Bolas . A tempestade
desencadeou-se!
Era verdade! O mar estava furioso e os raios cruzavam o céu.
O barulho dos trovões, ao rebentar, era ensurdecedor. A chuva,
que caía há já alguns minutos, era agora forte, com um barulho de
granizo.
O Júlio e a Zé, desportistas treinados, tiveram necessidade
de toda a sua resistência para fazer face à situação. Por uns
momentos, o David teve de substituir a Zé, para permitir que esta
descansasse um pouco.
A Ana batia os dentes, aterrorizada. Por fim, pouco a pouco,
a costa aproximava-se.
- Vitória! Estamos quase! - gritou o David. O Tim foi o
primeiro a ter pata sobre a margem. Mais exactamente, foi o
primeiro a içar-se para cima de um dos grandes rochedos, na base
de uma falésia a pique. Na maré-baixa, era uma praia de calhaus.
Mas, naquele momento, essa praia estava coberta pelas ondas. O
mesmo acontecia com o caminho que subia pelo flanco da falésia.
Não estaria transitável, pelo menos durante a próxima hora!
Foi o que os pequenos verificaram quando, estafados, se
juntaram ao Tim.
- Não podemos ficar aqui parados, todos molhados e ao vento!
- gritou o David, assim que recuperou alento.
- Senão apanhamos uma constipação dos diabos!
- Que é que tu queres que façamos mais? - respondeu o Júlio,
encolhendo os ombros. - O caminho da falésia não se pode, agora,
transpor.
- Não fiquemos aqui a arrefecer! - disse a Zé:
- Vamo-nos mexer um bocado. Patinharmos por aí també nos aquece!
Enquanto a Ana, demasiado fatigada, descansava ainda
mais um momento sobre o rochedo, os outros dirigiam-se para a
falésia, na base da qual se abria uma gruta.
50
Em breve, a Zé, o David e o Júlio se encontravam mesmo
defronte da entrada da gruta. De longe, não lhes tinha parecido
tão extensa nem tão imponente; vista de perto, o caso era outro.
Emanava dela uma estranha luminosidade esverdeada, provavelmente
produzida por algas a líquens fosforescentes. Esta luz iluminava
o interior da gruta de um modo misterioso. Para lá da entrada,
pequenas poças de água brilhavam no solo. A atmosfera, carregada
de iodo, dir-se-ia, possuída de uma estranha magia. A Zé propôs
logo:
- Vamos visitar a gruta! Isso ajudar-nos-á a esperar pela
hora da maré-baixa.
- Tens razão - concordou o Júlio. Lá dentro estamos, ao
abrigo do vento e da chuva.
O David chamou a irmã.
- Ana! Anda depressa! Vamos explorar esta gruta! A Ana
juntou-se ao pequeno grupo, e os Cinco penetraram na gruta, tendo
cuidado em não escorregar nas pedras molhadas. Lá fora continuava
a chover mas, caso bastante curioso, o interior da caverna estava
quente, e todos se felicitaram por isso.
O Júlio, sempre razoável e prático, ordenou, dando o
exemplo:
- Despachemo-nos em tirar as nossas roupas molhadas,
ficaremos apenas com os fatos-de-banho! Assim, evitamos talvez
apanhar uma constipação!
A Zé, o David e a Ana obedeceram.
- E agora. - começou o David.
- Béu! Béu! Béu! - fez o Tim, cortando-lhe a palavra.
- Reparem! - exclamou a Zé. - Parece que o Tim
descobriu alguma coisa. Vamos ver.
Correram para a outra extremidade da gruta.
O Tim continuava a ladrar.
52
Quando a Zé chegou perto, o cão saltou para ela, e depois
pareceu indicar-lhe um ponto preciso, diante de si.
As crianças aproximaram-se e aperceberam-se, meia escondida
por trás de um rochedo vertical, de uma abertura, igualmente
vertical, que mergulhava no coração da rocha.
- Uma passagem subterrânea! - exclamou o David com
entusiasmo. - Sigamo-la! Talvez nos conduza ao ar livre, no cimo
da falésia. Assim evitamos estar à espera da baixa-mar!
- Hum! - murmurou o Júlio, avançando a cabeça com prudência.
- Não temos nada para nos iluminar.
- Ora . Vê-se o bastante para andarmos - disse a Zé.
- Venham! Vamos explorar esta passagem.
- Brr. Não estou nada tentada! - confessou a Ana, arrepiada.
- Sabe Deus o que vamos encontrar lá dentro! Sem falar nos
desabamentos que se podem produzir, arriscamo- nos a encontrar.
- Aranhas, ratazanas, ladrões, fantasmas, assassinos,
lobisomens e feiticeiras! -Completou o David. imitando o tom
choramingas da irmã. - Como podes ser tão medricas, minha menina?
- David! Cuidado com a língua! - repreendeu o Júlio.
- Então! Vocês vêm? - repetiu a Zé, impaciente. O David
enfiou-se pela passagem, atrás da prima. O Júlio e a Ana
seguiram-nos com mais hesitação. Na passagem, larga e arejada,
era fácil caminhar, mas acabava ao fim de alguns metros. As
crianças encontraram-se, depois, diante duma bifurcação. À
direita, um primeiro corredor mergulhava na terra. À esquerda, um
outro subia, com uma inclinação suave.
Os quatro primos discutiram, para concluirem sobre qual a
direcção que convinha tomar.
54
- Na minha opinião - disse a Zé - não há que hesitar. Uma
vez que o nosso fim é ir ter ao cimo da falésia, subamos, pois, e
tomemos a passagem da esquerda!
- A entrada é mais estreita que a do corredor da direita!
- notou o Júlio. - Teremos mais dificuldades em progredir!
- Mas se o outro nos conduz ao inferno - disse o David,
trocista - então ainda avançamos mais!
- Esperemos que a maré baixe - sugeriu a Ana.
- Oh! Não! - exclamou a Zé. - Já começo a tremer! Estou com
pressa de ir para casa mudar de roupa! Sem contar que tenho de
alertar os guardas-costas, para eles apanharem o meu pobre barco!
Oh! E além disso, olha! o Tim fez como eu, escolheu o corredor da
esquerda. Eh! Tim! Espera por nós!
Efectivamente, o Tim tinha-se metido pelo corredor que
subia. O Júlio pensou que, apesar de tudo, o instinto do cão não
era de desprezar.
- Muito bem! - disse ele. - Sigamo-lo!
Os Cinco puseram-se a caminhar, em fila, através do estreito
corredor, mais difícil de seguir que o anterior, e as pedras
rolavam-lhes debaixo dos pés. Por várias ocasiões, a Ana deixou
escapar gritos de medo. A visibilidade era muito má. A pálida luz
esverdeada que as paredes emanavam revelava-se impotente para
dissipar completamente as sombras.
A Zé, que seguia à frente, estacou de súbito. É que o Tim,
que a precedia, fizera o mesmo.
Ela inquietou-se.
-Eh! Tim! Que foi, meu velho?...
O Tim respondeu com um Béu, particular, que a Zé interpretou
imediatamente.
56
- Atenção! - disse ela aos primos que chegavam. - O Tim está
a avisar-nos de um perigo!
O David esticou o pescoço.
- Eu cá não vejo nada - disse ele, arregaalando os
olhos.
A Zé inclinou-se para a frente e, depois, esticando o pé
com precaução, tacteou o solo com a ponta da alpargata.
- O Tim fez-nos parar a tempo! - disse ela, então.
- Há um buraco mesmo à nossa frente. Se tivéssemos continuado a
andar, tínhamos caído lá dentro!
- Voltemos para trás! - suplicou a Ana.
-Nunca! Espera lá! Talvez haja maneira de contornar
esta espécie de poço!
E a Zé, encostando-se a uma das paredes do túnel, avançou de
lado, com as costas voltadas contra a rocha e tacteando o solo
com o pé... Descobriu, assim, que o buraco
ocupava apenas o centro da passagem e que era facilmente
contornável... coisa que as crianças fizeram imediatamente,
sem custo! Depois disso, o corredor continuava a subir cada
vez mais, e os Cinco foram obrigados a seguir o seu caminho, ora
completamente encurvados, ora de gatas O Tim foi
o único a achar esta posição normal.
De repente, a Zé anunciou com voz vibrante:
- Hurra! Chegámos!
Por seu lado, o Júlio, o David e a Ana exclamavam
também ao mesmo tempo:
- Bestial! Luz!
- Vejo o dia! Vamos poder sair!
- Se o orifício for bastante grande para isso! A passagem
alargava-se bruscamente. Os Cinco foram dar ao meio de uma
pequena rotunda talhada em plena rocha,
58
iluminada pela luz do dia através de um orifício situado mesmo
por cima das suas cabeças. O Júlio não fez mais que levantar os
braços e içar-se, para emergir ao ar livre.
- Atenção! - gritou ele para os outros. - Vim sair no meio
de um tufo de juncos. Isto pica!
A Zé, o David e a Ana içaram-se, por sua vez, para fora do
buraco.
- Ufa! - disse o David. - Está- se muito melhor ao ar puro!
- Já não chove! - observou a Ana, toda contente. A Zé não
dizia nada. Com a fronte enrugada, olhava em redor. De repente,
perguntou:
- Este lugar não lhes lembra nada?
Surpreendidos, os primos lançaram uma olhadela rápida. O
Júlio foi o primeiro a reagir.
-Mas, claro! Estamos no cimo da falésia, mesmo no prado
inclinado onde fizemos o piquenique no outro dia. Reconheço-o
perfeitamente.
- E eu - exclamou por sua vez a Ana - reconheço o tufo de
juncos que tinha visto abanar. É este que tapa o buraco de que
acabámos de sair!
- Não me digas! - replicou a Zé, vermelha de contentamento.
-Assim, não te enganaste, Ana! Quando viste esta moita a abanar,
é porque havia mesmo alguém entre os ramos... alguém que queria
sair deste corredor subterrâneo, mas que a nossa presença obrigou
a ficar metido na toca...
A Ana abriu muito os olhos.
- Então já houve pessoas que utilizaram esta passagem?
- exclamou ela.
O David riu-se trocista.
- Se isso é pergunta que se faça . Como és idiota,
minha menina! Julgavas então que tínhamos sido os primeiros a
passar por este buraco?
A Ana abanou a cabeça.
- Não, claro. Mas há uma coisa que me parece estranha.
Porque é que a pessoa que aqui estava no outro dia, permaneceu
escondida quando eu gritei que tinha visto mexer os ramos?
- Decididamente que és bem ingénua, minha pobre Ana!
- suspirou a Zé. - Se o nosso desconhecido não se moveu do seu
esconderijo é porque desejava, sobretudo, não ser visto!
- E quando alguém se esconde desse modo
- acrescentou o David com gravidade - é porque não tem a
consciência tranquila! Estás a perceber?
A Ana estremeceu.
- Queres dizer que. que. esse desconhecido podia estar
animado de más intenções. que talvez fosse um ladrão ou...
- Ou um assassino, ou um fantasma, ou um lobisomem
- continuou David. - Ai, meu Deus, miúda! Não te vais outra vez
pôr a desfiar o teu rosário de fazer bater os dentes! Muda de
disco! Como podes ser tão medrosa, bolas .
O Júlio interveio, apaziguador:
- Penso que devia ser um caçador furtivo, que não queria ser
visto, é tudo! - declarou, enfiando os calções ainda molhados. -
Bem! e agora vamos depressa para casa. Não me interessa estar
aqui mais tempo a desafiar uma pneumonia. Despachem-se e vistam-
se!
Na verdade, os Cinco sentiam necessidade de voltar ao Casal
Kirrin. Nada impedia, porém, que, devorados pela curiosidade,
pensassem já em tornar ali, para explorarem em pormenor o
misterioso subterrâneo.
62
O dia seguinte começou sob bons auspícios. O barco da Zé,
apanhado ao largo pela vedeta dos guardas- costas, foi rebocado
até Kirrin e entregue à dona. A Zé fez uma grande festa.
- Bestial! Meu pobre barquinho! Já o julgava perdido. Estou
contente por tê-lo recuperado! Que sorte! Quase que não sofreu
nada com a tempestade.
- Deixa-o secar - aconselhou o Júlio. - A seguir, se
quiseres, aproveitamos a ocasião para o pintar!
A Zé concordou alegremente. O mau tempo tinha dado lugar a
um belo sol, e, nessa manhã, as crianças decidiram voltar à
gruta, partindo desta vez do cimo da falésia. Foram buscar as
bicicletas motorizadas e puseram-se em marcha!
O vento da corrida não impedia a Zé de falar:
- Quero ter a certeza - declarou ela - de que alguém
utilizou o corredor subterrâneo para fins duvidosos, temos de
descobrir os motivos.
-A passagem liga a praia com o cimo da falésia
- notou o David. - Talvez seja usada por contrabandistas.
- Não faças dramas! - exclamou o Júlio. - A tua imaginação
perde-te, meu caro David!
- Na verdade - disse a Ana - esse corredor talvez seja
apenas um atalho conhecido pelas pessoas da região!
- Mas porque é que se escondia a pessoa que lá se encontrava
no outro dia? - insistiu a Zé. E, depois, não se esqueçam de que
existe ainda uma segunda passagem, a que desce! Quero saber aonde
conduz...
Os Cinco não tardaram a chegar ao prado, ao pé da
pequena colina.
64
Quem sairia do subterrâneo?
De repente, o Tim atirou-se para a frente.
No mesmo instante, uma enorme bola de pêlo saltou da moita e
partiu correndo... como uma lebre. Era uma lebre, com efeito, e
grande! A Zé reagiu imediatamente.
-Tim! - chamou ela. - Volta imediatamente! Não tens vergonha
de meter medo ao pobre animal?
O Tim, contente por ter desentorpecido as pernas, voltou,
abanando a cauda, enquanto a lebre desaparecia.
A Ana pôs-se a rir um pouco nervosamente, depois daquele
falso alerta.
- Tive medo! - confessou ela com simplicidade.
- Bom! resmungou a Zé, descontente com o seu engano.
- Já perdemos demasiado tempo! Tens as lanternas, David? Vamos!
Quem quiser que me siga!
As quatro crianças e o Tim enfiaram-se no subterrâneo. Lá
dentro, o Júlio acendeu a lanterna. Os outros guardaram as suas,
de reserva. Puseram-se todos em fila. Desta vez, a luz da
lanterna iluminava claramente o buraco em que, na véspera, a Zé
teria caído, se não fosse o aviso do Tim. Era um afundamento do
solo que tinha, tanto quanto se podia julgar, vastas proporções.
O David agarrou numa pedra e deixou-a cair no buraco. Contou
sete segundos, antes de a ouvir bater no fundo.
- Diabo! - assobiou ele entre- dentes. - Ainda é bastante
fundo! Esta falésia deve estar tão esburacada como um queijo
gruiere!
As crianças contornaram o buraco e, ao fim de um tempo
relativamente curto, atingiram o local onde começava segundo
corredor subterrâneo.
66
A Zé exclamou, triunfante:
-Eis-nos chegados à bifurcação! Vêem o segundo corredor!.
Parece mergulhar no centro da terra.
O Júlio, com autoridade, afastou a prima.
- Deixa-me passar primeiro - disse ele. - Sou o mais velho.
Sou eu quem deve correr os riscos... se os houver!
- Ora!... Este túnel deve acabar num beco sem saída!
- murmurou a Ana. - E eu não me importo nada, sabem! Estas
explorações assim, à aventura, amedrontam-me sempre um bocadinho.
- Medrosa! - exclamou o David. - Vá, Júlio! ilumina o
caminho à tua frente e avança! Nós seguimos-te!
O Júlio meteu-se pelo corredor que, para além da luz
projectada pela lanterna, não passava de um buraco escuro. A
luminosidade esverdeada do outro corredor não existia ali.
Os Cinco, caminhando em fila indiana, tinham a impressão de
descer aos infernos. A Ana sentia-se cada vez mais insegura, e
respirava mal, oprimida pela estranha atmosfera que a envolvia.
A própria Zé, tão faladora, estava calada. O Tim seguia-a,
com o focinho junto às solas da dona. De repente, o Júlio soltou
uma exclamação que fez sobressaltar os outros:
- Óptimo! O corredor alarga- se...
Era verdade. Até ali, as paredes do subterrâneo eram tão
estreitas que permitiam apenas a passagem dos jovens
exploradores; agora, não só o corredor se alargava,
efectivamente, como se arredondava também, numa espécie de sala
baixa, bastante espaçosa.
A Ana soltou um suspiro de alívio. Mas aquele momento de
alívio foi de curta duração.
68
Quase a seguir, a pequena deixou escapar um grito de medo.
- Socorro! Uma mão acaba de roçar nos meus cabelos!. Oh! Lá
está ela outra vez! Júlio! David! .
Por cima da sua cabeça, um barulho, tal como um bater de
asas, ouviu-se tenuemente. A Zé e o David saltaram em frente,
iluminados pela lanterna do Júlio. A Zé começou a rir: no círculo
de luz, a cabeça loira da Ana, desnorteada, aparecia, enquanto um
inofensivo morcego, tão assustado como a sua vítima, voava à
volta dela.
- Ana! Pateta! É apenas um desgraçado morcego. Deixa de
berrar!
A Ana, envergonhada, fechou a boca. Bem, a sua vida não
estava em perigo . O morcego aflorou a lanterna do Júlio e depois
voou para o tecto! Isso foi como que um aviso e, quase
instantaneamente, dezenas de morcegos, incomodados no seu sono,
deixaram-se cair da abóbada rochosa e puseram-se a esvoaçar, em
turbilhão, na caverna, num estranho bailado mudo.
Dessa vez a Ana foi incapaz de se controlar, e largou aos
gritos estridentes. O Tim, surpreendido, pôs-se a ladrar. A Zé
ralhou com ele. O David protestou contra os morcegos.
Tudo aquilo fazia uma barulheira infernal. Foi o
Júlio como rapaz sensato e inteligente, quem resolveu a situação
do modo mais simples do mundo: tendo-se apercebido de que o
corredor continuava para lá da sala dos morcegos, meteu-se por
ali fora. Como era ele quem iluminava o caminho, os outros
precipitaram-se, muito naturalmente, no seu encalço.
Outra vez senhores do campo de batalha, os morcegos logo se
acalmaram.
Na estreita passagem, as crianças apressavam-se. A Ana, mal
refeita da sua emoção, respirava a pequenos
70
intervalos. Cada vez lhe desagradava mais a expedição. O
Júlio deteve-se um momento, para lhe perguntar, com uma ponta de
inquietação:
- Vai tudo bem, Ana? Já estás recomposta do teu susto?
Não tens um aspecto muito bom.
A pequena sorriu.
- Sinto-me muito bem, contudo. não estou segura
confessou. - O David pode fazer troça de mim, mas tenho a
impressão de que vamos ao encontro de grandes aborreci mentos.
- ABORRECIMENTOS, aborrecimentos, imentos! repetiu uma
voz cavernosa em frente dela.
- Oh! - gritou a Ana.
- OH! Oh! Oh! - repetiu a voz, como que troçando dela.
Os Cinco estacaram, petrificados, mesmo à entrada de
uma sala talhada na rocha, mais vasta ainda que a precedente. Não
viram ninguém.
- O que foi isto? - murmurou o David.
- Um eco! - exclamou a Zé, desatando a rir. - Uma coisa
tão assustadora como isso . AH! Ah! Ah!
- AH Ah Ah - fez o eco, amplificando o riso e
acrescentando-lhe uma nota quase ameaçadora.
O Tim, interdito por um momento, olhava para todos os
lados, tentando descobrir o inimigo invisível, que assim o
desafiava com a voz. Não vendo ninguém, começou:
- Béu! Béu!
É claro que o eco não o deixou sem resposta. Sob a
abóbada sonora fez-se um barulho tão ensurdecedor que a própria
Zé ficou quase aterrorizada.
O Júlio apressou-se a levar os seus companheiros atrás de
72
si. A travessia da caverna dos ecos não foi tarefa fácil. Que
cavalgada! A Ana gritava de medo! O Tim ladrava. E o eco não
parava de vociferar aos ouvidos dos jovens exploradores
- era um chinfrim de rebentar os tímpanos!
Por contraste, o silêncio pareceu-lhes opressivo, quando se
viram outra vez no corredor. Este continuava numa descida. O
Júlio inquietou-se:
- Até aonde nos conduzirá ele? Pergunto a mim mesmo se não
será melhor voltarmos para trás!
- Nunca . - protestou a Zé. - Oiçam! De onde vem este ruído?
Ouvem? Parece-me que.
Interrompeu-se bruscamente, para gritar:
- Oh! Olhem!
À medida que falava havia tomado o comando da coluna, o que
lhe permitiu ser a primeira a fazer a interessante descoberta.
Pela terceira vez, o corredor alargava-se num vasto espaço. Mas,
desta vez, tratava-se de uma coisa muito diferente de uma simples
caverna!
Ali, sob os olhares dos quatro primos assustados, corria um
ribeiro subterrâneo, rapidamente, metido entre duas margens
rochosas que formavam uma espécie de cais.
- Que descoberta tão interessante! - exclamou o Júlio.
- Este sítio é muito pitoresco! - disse o David.
- Parece um cenário do teatro!
- Vamos explorá-lo! Vamos explorá-lo! - gritou a Zé, com
energia.
As crianças precipitaram-se. O tecto era alto. Podiam mexer-
se à vontade naquele vasto espaço subterrâneo. A Ana respirava
mais desafogadamente, sentia-se reviver!
74
Os rapazes e as meninas pararam um momento, para contemplar
o ribeiro.
- Dir-se-ia - pensou o Júlio, em voz alta - que este curso
de água se dirige direito ao mar!
- Podes ter a certeza! - afirmou a Zé. - Se mergulhássemos
aqui acabávamos por sair na enseada aonde fomos dar quando
naufragámos.
-Não estejas tão segura disso! - replicou o David, trocista.
- O tecto podia baixar bruscamente e nós morríamos afogados,
muito antes de sairmos para o ar livre.
- Olhem lá!. - protestou a Ana. - E se falássemos de coisas
mais alegres?
A Zé não respondeu. Com os olhos presos no chão, parecia
petrificada. Por fim, murmurou:
- Olhem! Ali. Uma argola de ferro
Não se enganara. Havia uma argola de ferro metida na margem
rochosa, quase ao nível da água.
- Parece nova! - exclamou o David. - Isto prova que há
pessoas que por vezes amarram aqui um barco!
- É exactamente o que eu penso!
- Depressa! Vamos procurar outros vestígios . A Zé, tendo
acendido a sua lanterna, vasculhava tudo à esquerda e à direita.
De súbito, soltou uma exclamação. Por trás de uma saliência da
rocha, bem escondida numa concavidade do terreno, acabava de
descobrir uma caixa.
Os primos fizeram um círculo em volta dela e ajudaram-na a
tirar um grande cofre de madeira do seu esconderijo.
- E esta! murmurou o Júlio levantando a tampa. A Zé, o David
e a Ana debruçaram- se para ver. Havia três sacos dentro da
caixa!
76
Devoradas pela curiosidade, as crianças inclinaram-se um
pouco mais. Que conteriam os sacos? Teriam os jovens detectives o
direito de os abrir? A Zé resolveu a questão.
- Não estamos numa propriedade privada. e desconfio que haja
marotice nisto. Vê o que há dentro dos sacos, Júlio!
O mais velho dos pequenos trazia sempre consigo o seu
canivete de escoteiro. Depois de breve hesitação, abriu-o e
cortou a corda que amarrava um dos sacos, cujo conteúdo espalhou
no chão. Então, os quatro, siderados, ficaram de boca aberta,
incapazes de articular uma palavra.
A seus pés acabavam de rolar, misturadas, moedas de ouro,
jóias preciosas, medalhas antigas.
- Um tesouro! - balbuciou a Ana, estupefacta.
- Na verdade... - confirmou o Júlio.
- Também me parece! - exclamou o David. - Estão aqui milhões
e milhões, de certeza absoluta!
Sem dizer nada, a Zé baixou-se para apanhar uma magnífica
rosa de ouro, de pétalas finamente cinzeladas, nas quais pequenos
diamantes imitavam o orvalho e cujas folhas, entre as suas
nervuras de ouro, eram constituídas por finas esmeraldas.
Um grito de admiração escapou à Ana:
- Mas. mas. - gaguejou ela - é a famosa rosa de que a rádio
tanto falou, a que foi roubada há quinze dias do Castelo de
Escola!
- Exactamente! - disse o Júlio, agarrando na jóia para a
examinar. - E isto prova que estamos, na verdade.
- no covil da quadrilha dos ladrões de castelos! concluiu a
Zé friamente.
A Ana soltou um grito. Os acontecimentos sucediam demasiado
depressa para ela.
78
David, cheio de sangue-frio, abriu os dois outros sacos: um
continha rolos de telas de dimensões modestas mas que o Júlio e a
Zé, logo à primeira vista, reconheceram serem telas de mestres,
as mesmas de que tinham visto as reproduções na televisão, numa
emissão especial que se seguira ao assalto ao Castelo de Lencoet!
- Não restam dúvidas - declarou o Júlio, perdido na
contemplação das telas.
- Com efeito - exclamou a Zé - acertámos em cheio, ao vir
aqui, é a caverna dos quarenta ladrões.
- E eu, sou o Ali Babá! - brincou o David. A Ana já se tinha
recomposto um pouco. Sendo muito cuidadosa, não pôde deixar de
dizer:
- Estas pessoas são uns vândalos! Enrolarem as telas ao
contrário, com a pintura para fora!
O Júlio sorriu.
- Mas é assim mesmo que se deve fazer, minha querida,
precisamente para evitar que se estraguem.
O David sacudiu o último saco. De lá de dentro saíram...
maravilhosos relógios de ouro que rolaram em todas as direcções.
- Palavra de honra! - exclamou a Zé. - Mas são os relógios
do Castelo dos Arganazes, os que admirámos e de que o marquês de
Penlech se mostrava tão orgulhoso! Vai ficar bem contente, o bom
do senhor, quando souber que encontrámos o seu tesouro!
- Eu suponho - disse o Júlio, lentamente - que esta caverna
serve de armazém aos ladrões. É aqui que eles guardam o produto
dos roubos, sem dúvida à espera de os passar para o estrangeiro.
depois de terem desmontado as pedras das jóias, camuflado as
telas e, talvez, quem sabe, fundido os relógios de ouro!
80
- Em suma - murmurou a Zé -, descobrimos o mistério
mesmo a tempo! Mais um bocado e todas estas riquezas
roubadas pelos ladrões dos castelos teriam desaparecido para
sempre. Podemos felicitar-nos!
A Ana tinha-se tornado um pouco pálida.
- Do que nos devemos felicitar sobretudo - disse ela -
foi de termos chegado ao esconderijo dos ladrões sem os
encontrarmos! Vamo-nos embora depressa!
-Nem penses nisso! - gritou o David. - Antes de mais,
temos de tornar a meter todos os objectos nos sacos e estes na
caixa. Depois tornamos a pôr esta no seu esconderijo.
- Tens razão! - aprovou o Júlio. - Nós não podemos
levar isto tudo. E, além disso, deve haver outras caixas
dissimuladas por aí.
- Claro! - corroborou a Zé. - Vamos pôr tudo outra vez
no seu lugar e vamos alertar a Polícia. É a única coisa razoável
a fazer!
Despacharam-se todos, arrastando a caixa outra vez para
o lugar onde a tinham encontrado. Tratava-se, com efeito, de não
alertar os bandidos antes de a Polícia ir tomar posse dos
objectos roubados e estender uma armadilha aos ladrões.
A Zé e os primos, tendo-se assegurado de que não
restava qualquer indício da sua passagem pela caverna,
apressaram-se a dar meia-volta e a regressar pelo caminho por
onde tinham ido.
- Pode dizer-se que a nossa expedição foi coroada de
êxito! - disse a Zé, encantada. - É preciso reconhecer que a
sorte nos sorriu. Mal tínhamos começado - e ainda por cima, por
acaso! - e eis a investigação já acabada. Daqui a pouco, os
insaciáveis bandidos estarão presos. Viva o Clube dos Cinco.
82
Um rosnido do Tim fê-la parar, de súbito.
Para se despacharem mais depressa a pôr tudo em ordem, as
crianças tinham acendido as quatro lanternas. Postas mesmo no
chão ou presas nas reentrâncias das rochas, as lanternas
forneciam uma claridade bastante viva.
- Depressa! - ordenou a Zé, pronta para qualquer
eventualidade. - Apaguemos as lanternas. O Tim nunca rosna sem
motivo.
O Júlio, o David e a Ana apressaram-se a obedecer. Na
penumbra, a Zé pôs uma mão tranquilizante sobre o pescoço do cão,
cujo pêlo sentia eriçado.
- Caluda, Tim! Não faças barulho!
O inteligente animal compreendeu e calou-se. Mas manteve-se
alerta, a cabeça voltada para o lado de baixo do curso de água
subterrâneo. Os jovens detectives imitaram-no. Retinham a
respiração e abriam os olhos o mais possível, para conseguirem
perfurar as trevas. Ao fim de um momento, começaram a distinguir
vagamente o contorno das rochas à sua volta.
O Tim não se tinha movido, e olhava sempre na mesma
direcção. As quatro crianças, sustendo a respiração, escutaram
atentamente.
Primeiro não ouviram nada; depois, a Zé surpreendeu como que
um leve mergulhar.
- Barulho de remos! - murmurou ela.
Quem seria que vinha, assim, na sombra?
- Os ladrões, claro - respondeu mentalmente a Ana,
à pergunta que cada um fazia a si mesmo.
Levou a mão à boca. Precisava de toda a coragem
para não gritar de medo!
O Júlio, percebendo a angústia da irmã, passou- lhe, em
silêncio, o braço por cima dos ombros. Sentiu-a tremer
84
de medo e dispôs-se a defendê-la, se fosse caso disso. De
repente, um pálido clarão dançou sobre as águas, a jusante, na
direcção em que o Tim tinha os olhos fixos.
Esta luz pôs em acção as reacções rápidas da Zé.
-Vamo-nos esconder! - lançou ela num murmúrio.
- É preciso que não nos encontrem aqui!
À medida que falava, deslizou, sem ruído, em direcção a
uma rocha saliente, sendo logo imitada pelo Tim e seguida
pelo David. A Ana conheceu um dos momentos mais penosos
da sua existência, o medo pregava-a ao chão, tirando-lhe toda
a iniciativa. O Júlio apercebeu-se do seu desnorteamento,
agarrou-a por um braço e levou-a consigo...
- Vem! - disse ele, baixinho.
A Ana não resistiu e deixou-se levar.
Agora, dissimulados por trás de um rochedo, os Cinco,
aproveitando a sombra protectora que os tornava invisíveis,
puseram a cabeça fora do seu esconderijo... e olharam de
olhos bem abertos.
A luz tornava-se cada vez mais viva. E, de repente, a
chama de uma tocha estava fixada na parte da frente de um
barco, no qual se encontravam três homens de feições patibulares.
O que remava era loiro, de compleição atlética; os outros dois,
morenos e magros, pertenciam ao tipo meridional, um deles tinha
uma barba curta.
Um murmúrio de vozes chegou às crianças, que pensavam
todas a mesma coisa:
Estes homens vêm por aqui cheios de segurança. Isso
quer dizer que conhecem perfeitamente estes lugares... Sem
dúvida alguma que se trata dos famosos ladrões dos castelos,
que ninguém conseguiu apanhar!
Desta vez, nem a própria Zé estava calma! Quanto à Ana
é melhor nem falar nisso!
86
O barco aproximava-se. Em breve foi colocar-se ao longo da rocha
que fazia de cais.
O gigante loiro deixou os remos e saltou para terra. Depois
puxou o barco e, sem se apressar, pôs- se a agarrá-lo, com a
ajuda de um cabo, que passou pela grande argola de ferro.
Durante esse tempo, os seus companheiros descarregaram um
saco que parecia muito pesado.
- Olha lá, Eric! - resmungou um deles, dirigindo-se ao
gigante loiro. - Despacha-te e dá-nos uma ajuda, se isso não te
cansar muito!
O que se chamava Eric, e mais parecia um viking",
mostrou os dentes brancos, num sorriso largo.
- Pergunto a mim mesmo o que seria de vocês sem a minha
ajuda, magrizelas!
- Ter-nos-íamos arranjado muito bem - ripostou um dos
bandidos morenos. - Porque, se tu tens músculos, nós temos
cabeça. Não é, Manuel?
- Claro, José! - replicou o seu companheiro.
- Ora. Não vale a pena discutirmos! - disse o Eric.
- Alegremo-nos, antes, de ver o nosso tesouro aumentar de
dia para dia!
- Mais um ou dois castelos a limpar e fugimos para o
estrangeiro! - exclamou o José.
- Bem! enquanto esperamos, guardemos o nosso produto
desta noite!
As crianças temiam que eles as descobrissem. Se os
bandidos se lembrassem de vir na sua direcção, estavam perdidos.
Ao ver as feições sinistras dos três homens, não se
poderia esperar qualquer clemência da sua parte . O Júlio apertou
a mão da Ana, que tremia, como que para lhe comunicar
88
força. A Zé, por seu lado, acalmou o Tim, que fazia tenções de
saltar.
Felizmente, os temores dos jovens detectives" não tinham
fundamento. Longe de se dirigirem para eles, os bandidos
voltaram-lhes as costas.
Levando o enorme saco, aproximava-se do esconderijo da caixa
que tinha sido descoberta pelas crianças, passaram mais
adiante, e outro esconderijo, situado um pouco mais longe,
tiraram uma segunda caixa, em tudo parecida com a primeira. Do
seu refúgio, a Zé e os primos viram-nos despejar o saco para o
interior.
A voz, de satisfação, do José chegou até eles:
- Este último assalto ainda nos rendeu mais do que os
outros. Quando fizermos a partilha, cada um de nós terá direito a
uma bela quantia!
- E bem a merecemos - replicou o Manuel. Eric desatou a rir.
- O que me diverte é pensar em todos esses polícias que
se esforçam por nos deitar a mão. Nós somos demasiado espertos
para nos deixarmos prender! O modo como entrámos no Castelo dos
Arganazes, entre outros, levanta- lhes um enigma que estão bem
longe de resolver. Ah, ah, ah!
Do seu esconderijo, a Zé cerrou os punhos. Com o seu
temperamento fogoso, sentia desejos de gritar:
Fazem mal em se felicitarem antecipadamente, seus
espertalhões! Esperem só que a gente saia daqui e então é que vão
sentir emoções fortes. Esfreguem as mãos enquanto ainda têm
tempo. Amanhã já não terão tantos motivos para cantar vitória!
O Júlio, mais razoável, contentava-se em fazer votos
para que a presença dos Cinco fosse, até ao fim, ignorada pelos
bandidos.
90
O David e a Ana, assim como o Júlio, esperavam que,
terminado o seu trabalho, os bandidos se fossem logo embora, no
barco. Por isso espreitavam, com ansiedade, os mínimos gestos dos
três homens. Estes, depois de terem metido o produto do roubo no
esconderijo, voltavam agora para o embucadouro.
Que bom! Vão-se embora! " - pensou a Zé. Nesse mesmo
instante, uma coisa qualquer tocou-lhe no tornozelo e fugiu por
entre as patas do Tim. Uma ratazana!
Desta vez, a Zé não teve tempo de prever e de impedir o
reflexo do cão... O Tim, esquecendo-se de que o tinham mandado
ficar sossegado, cedeu ao seu instinto de caçador. De um salto,
atirou-se para a frente, perseguindo a ratazana e ladrando:
- Béu! Béu! Béu!
É claro que todo este barulho foi ouvido pelos bandidos, que
se preparavam para embarcar. Estupefactos, voltaram-se e viram o
Tim a perseguir uma ratazana.
- Um cão! Mas de onde diabo teria ele saído?
- E esta, hem! - gaguejou o José, que nem acreditava no que
via.
Mas o cão não estava à espera dele... A sua presa acabava de
enfiar pelo túnel por onde as crianças tinham chegado. O Tim
estava decidido a não a deixar fugir. Sem se importar com os
ladrões que, gritando e gesticulando, se lançavam na sua peugada,
desapareceu no corredor. O subterrâneo ficou imediatamente cheio
dos seus latidos.
A curiosa caçada afastou-se na seguinte ordem: primeiro a
ratazana, bem à frente; depois o Tim. Atrás o Eric, que dava
grandes passadas. Por fim, o José e o Manuel iam logo a seguir.
De súbito, ergueu-se ao longe um alarido infernal...
92
As crianças, no seu esconderijo, trocaram olhares
assustados.
- Chegaram à sala dos ecos - explicou o David com uma voz
surda. - Os gritos e os latidos são amplificados.
- É horrível! - balbuciou a Ana, à beira de uma crise de
lágrimas e de nervos.
O Júlio tomou uma decisão rápida:
- Não podemos ficar aqui - declarou ele. - Dentro de um
instante os bandidos voltam para trás e põem-se à nossa procura!
- Mas eles não sabem que nós estamos aqui! - murmurou a Ana,
reprimindo um soluço.
O David teve um movimento de impaciência.
- Não sejas palerma! - disse ele. - Não percebes que esses
homens compreenderão rapidamente que o Tim não veio sozinho.
Lançaram-se atrás dele por um reflexo muito natural mas, se o
apanham, o seu primeiro cuidado será o de olharem para a coleira
e para a placa.
- O Tim não tem placa nem coleira! - murmurou a Zé.
- E se eles não o conseguirem apanhar, vêm para aqui
espiolhar. De qualquer modo, vêm procurar, descobrem-nos
e...
- Basta de conversa! - cortou o Júlio. - Insisto para que
nos escapemos imediatamente. Venham depressa!
Agarrou na Ana pelo braço e levou-a atrás dele. O David
saltou, por seu turno, do esconderijo, seguido mais lentamente
pela Zé, e correu para o irmão.
- Júlio! - disse ele. - Já pensaste?... Não podemos fugir
por onde viemos, porque os bandidos estão na passagem.
- Por isso mesmo não é no corredor que eu estava a pensar -
respondeu o Júlio calmamente. - Tenho outra ideia. Sigam-me!
94
A ideia do Júlio era ao mesmo tempo simples e
engenhosa... O rapaz pensava assim:
Uma vez que o Eric e os seus cúmplices chegaram aqui
de barco, é porque o ribeiro é praticável e conduzir-nos-á ao
mar... Vistas as circunstâncias, é a única saída à nossa
disposição, uma vez que o subterrâneo nos está vedado. Quanto ao
meio de locomoção, não é preciso pensar muito: o barco que
o inimigo deixou involuntariamente ao nosso dispor! Seríamos
idiotas se não o aproveitássemos!
O David tinha completa confiança no irmão. Correndo
atrás dele, pensava por seu turno:
A situação é crítica. Mas talvez o que mais me aborreça
é ver a nossa investigação estragada. Tínhamos tido tão bons
resultados! E pensar que só nos faltava avisar a Polícia para
salvar os tesouros roubados! Foi pena que o Tim procedesse
como um imbecil mesmo no último momento... É a primeira
vez que um dos Cinco sabota o trabalho de toda a equipa!
O Júlio, arrastando sempre atrás de si a Ana, parou diante
do embarcadouro. Depois, apontando para o barco:
- Depressa! - ordenou ele. - Saltem lá para dentro!
É a nossa única hipótese de salvação! A corrente nos levará
em breve, até ao mar... E, deste modo, impedimos os ladrões
de utilizar o seu próprio meio de transporte. Talvez, com um
pouco de sorte, consigamos avisar a Polícia e voltar cá com
ela, antes que estes miseráveis tenham tempo de fugir com
tudo. Vão-lhes ser precisas muitas idas e vindas pelo
subterrâneo, antes de o conseguirem! Além disso, penso que devem
ter pressa em se salvar a eles próprios. Vamos! Despachemo-nos!
O David não hesitou. Saltou para o barco. Este, resistente
96
e bem equilibrado, apenas balouçou um pouco, sob o choque.
O Júlio empurrou a Ana para a frente.
- Salta, minha querida!... Agarra-a, David!
A Ana saltou para a embarcação. O Júlio virou-se para a
Zé que, imóvel, se mantinha um pouco afastada. Perante a
atitude passiva, quase hostil da prima, habitualmente tão
dinâmica, o Júlio admirou-se e disse em voz alta:
- Então, Zé! Decides-te? O tempo voa, bem sabes! Vá!
Salta depressa!
A Zé não se mexeu. Com a fronte enrugada, respondeu:
- Vão-se embora vocês três. Eu fico.
Os outros olharam-na, admirados.
- Tu és maluca! - exclamou o David. - Que é que te
deu de repente? Queres ser apanhada pelos bandidos ou quê?
- Eu não quero ir-me embora sem o Tim. Se vocês têm
coragem para deixar o pobre animal com esses brutos, pois eu
não!
- Não te preocupes com o Tim! - disse o Júlio. - Ele
não se deixa apanhar. Foge, sem dúvida, como uma flecha
para fora do subterrâneo e corre direito ao Casal Kirrin.
- Isso é o que tu pensas! Ele vai voltar para junto de
mim... e, se eu for com vocês, não encontra ninguém! Nunca
o abandonarei.
- Mas... se ficas... talvez estejas a arriscar a tua vida!
- sustentou a Ana, aflita.
- Não me importo! O Tim nunca me abandonaria. Seria
desleal, da minha parte, se me fosse embora sem ele.
- Os teus escrúpulos só te fazem honra, Zé - disse o
Júlio, num tom seco. - Mas não é altura de discutirmos.
Tens de me obedecer!
98
E, agarrando a prima pelos ombros, repetiu:
- Vá! Salta!
Como a Zé resistia, ele decidiu empregar a força...
Erguendo a prima pelo meio do corpo, quase que a fez cair
para dentro do barco.
- Agarra-a, David!
A Zé debatia-se, mas o David, ajudado pela Ana, agarrou-se a ela
e impediu-a de trepar de novo para o cais.
O Júlio apressou-se a desatar a corda e saltou, por sua vez.
Era tempo... O barco afastava-se da margem e levado pela
corrente rápida, começava a ganhar velocidade quando o Eric,
o José e o Manuel apareceram de súbito, tal como diabos,
vociferantes, vindos do corredor subterrâneo.
O José viu as crianças e gritou a plenos pulmões:
- Olhem! Eu tinha razão! O cão estava acompanhado!
O Manuel exclamou por sua vez:
- Miúdos! São miúdos!
O Eric encheu o peito de ar, e com as mãos a fazerem de
altifalante, gritou com voz de estentor:
- Eh! Vocês aí! Voltem! E depressinha!
- Podes contar com isso e vai mas é bebendo água! respondeu
o David, com mais zombaria do que elegância. Voltaremos se nos
apetecer e até acontece que não nos apetece nada!
- Cala-te, falador! E rema! - resmungou o Júlio. A Zé, muito
pálida, mantinha-se calada.
Quanto à Ana, morta de medo, batia os dentes sem
conseguir dominar-se.
- Tragam-nos outra vez o barco e não lhes faremos mal!
- disse ainda o Eric. Mas já o barco e os seus ocupantes
desapareciam de vista.
100
O David pôs-se a rir.
- Eles, que se julgavam tão espertos, nada podem contra nós!
Pregámos-lhes uma bela partida! Ah, ah, ah!
O Júlio, deixando ao David o trabalho de remar, tinha-se
instalado ao leme. Pilotava habilmente a barca, que a corrente
arrastava com bastante velocidade. As gargalhadas do irmão não
encontraram eco nele, que se mantinha mudo, a fronte enrugada
pela reflexão.
- Estás com uma cara, Júlio! - lançou-lhe o David,
divertido.
- É que tenho mais juízo do que tu, meu pateta. Divertes-te
como um miúdo que acaba de pregar uma partida, sem preveres as
consequências dos teus actos!
- Mas, olha lá, não nos saímos mal desta vez, parece- me a
mim!
- Claro, isso é essencial! Mas não impede que os bandidos
nos tenham visto! Agora já sabem que conhecemos o esconderijo. Só
pensarão em fugir!
- Escuta, Júlio, eu também pensei nisso! Mas disse para mim
mesmo: no fundo, eles ignoram que nós descobrimos os objectos
roubados e que estamos a par das suas actividades criminosas. Por
isso, tomam-nos sem dúvida, por simples jovens, não muito
escrupulosos, que, divertindo-se a explorar subterrâneos,
encontraram a sua barca e roubaram-lha!
- Hum . Os ladrões são, em geral, desconfiados. Admirava-me
muito que eles não desconfiassem da verdade. Vão dar tudo por
tudo para mudarem as coisas de sítio e desaparecerem em seguida.
Só podemos desejar é sermos mais rápidos do que eles!
O David tinha deixado de rir. De repente, sentia-se
inquieto.
102
A Zé, imóvel no seu banco, não dizia nada. A Ana pousou
docemente a sua mão sobre a dela.
- Zé! - murmurou ela timidamente. - Estás zangada!
- E estou mesmo! - ripostou a Zé, retirando a mão,
rudemente. - Palavra de honra! Vocês não têm nem sombra de
piedade! São uns verdadeiros selvagens! Somos o Clube dos Cinco,
ou não? Cada um de nós é solidário com os outros, parece-me a
mim! Aos meus olhos, o abandono do Tim é uma verdadeira traição.
Nunca lhes perdoarei por me terem trazido à força!
O Júlio franziu as sobrancelhas.
- Tu exageras - disse ele. - A nossa vida é mais preciosa do
que a do Tim. Além disso, a vida dele não está ameaçada de modo
nenhum.
- Que sabes tu? - lançou a Zé com veemência.
- Aqueles brutos são muito capazes de o ter morto!
- Está descansada - disse o David, apaziguador. Com certeza
que não o apanharam!
- Também estou convencida disso - corroborou a Ana.
- Bem viste que os bandidos estavam sozinhos quando saíram do
subterrâneo.
A Zé teve um gesto de mau humor.
- Que é que isso prova? - exclamou ela. - Se tivessem morto
o Tim, não o traziam de certo com eles. Para que é que isso lhes
serviria?
- Mas de que é que lhes serviria tê-lo eliminado? replicou a
Ana, com grande bom senso. - Não, acredita-me, Zé. Estou
convencida de que o Tim se desenvencilhou muito bem. Ele é tão
esperto!.
Estas palavras reconfortantes e lisonjeadoras tocaram a Zé.
Sim, o Tim era excepcionalmente inteligente. Não era preciso
preocupar-se demasiado com ele.
104
Enquanto a Zé, reconfortada pela Ana, readquiria esperança,
o Júlio e o David amaldiçoavam a má sorte e a Ana fazia votos
para chegar ao termo da viagem debaixo da terra, sem outro
problema, e a barca continuava a deslizar rapidamente.
O curso do ribeiro, dir-se-ia, precipitava-se.
- Não percebo nada - resmungou o David entre-dentes, ao fim
de um momento. - Este ribeiro subterrâneo devia ter um curso de
água mais vagaroso uma vez que corre, segundo parece, mais ou
menos ao nível do mar.
- Tu não reparaste - disse a Zé. - Mas, se o corredor que
seguimos descia ao princípio, a seguir subia bastante. É a
inclinação da colina que explica esta corrente tão rápida.
- É verdade, o corredor subia. sobretudo entre a gruta dos
morcegos e a dos ecos - suspirou a Ana. - Eu até estava sem
fôlego.
De súbito, a Zé lançou um aviso:
- Atenção! Parece-me que vejo uma claridade lá em baixo, à
minha frente.
O David virou-se sem largar os remos.
- Hurra! - gritou ele. - É a luz do dia! A Zé e a Ana
soltaram, por sua vez, um grito. A saída do estreito canal
recortava-se, como um círculo claro, ao fim do longo túnel
sombrio que as crianças acabavam de percorrer.
- Estamos salvos! - suspirou a Ana, apertando a mão da Zé.
- Pergunto a mim mesmo aonde é que vamos dar - rresmungou a
Zé, com as sobrancelhas franzidas. - É que temos de regressar, o
mais depressa possível, ao sítio onde deixámos as nossas
motocicletas. O tempo urge!
- Pronto! Desta vez chegámos - gritou o David.
Com efeito, a barca saiu pela entrada do túnel. A maré
estava alta. Tudo correu muito bem.
Assim que a embarcação se encontrou sobre as ondas, parou um
bocado e, depois, ficou a balouçar ao sabor do mar. O David, com
os remos levantados, perguntou ao irmão:
- E agora, Júlio? Para aonde vamos? O Júlio olhou em redor.
- Estou a ver a entrada da gruta que fica na parte de baixo
da falésia - disse ele. - Mas é o caminho por ocasião do nosso
naufrágio. Vejamos: que fazer?
Em face de uma situação delicada, a Zé nunca ficava muito
tempo embaraçada.
- O mais urgente - declarou ela - é alertar a polícia. Em
seguida, é preciso ver, custe o que custar, o que vão fazer os
bandidos. e apanhá-los quando saírem do esconderijo. Por isso,
para começar, vamos pôr a Ana e o David naquela enseada, para lá
da gruta. As rochas, naquele canto, parecem fáceis de escalar. A
Ana vai a correr buscar a motocicleta dela. Em seguida. tens de
te desembaraçar, Ana! Corres à vila mais próxima e vais à procura
da Polícia. Explicas-lhe a nossa aventura e voltas aqui com eles.
Insiste, sobretudo, em que se apressem. Cada minuto conta. Quanto
a ti, David, vais vigiar a entrada do subterrâneo que fica no
meio das moitas!
- Mas. ó Júlio e tu? - perguntaram o David e a Ana.
- O Júlio fica de vigia à entrada da gruta e eu no local
onde desemboca a ribeira subterrânea, para o caso de os bandidos
resolverem sair a nado. Assim, podê-los-emos ou apanhar ou
encurralar, se tivermos sorte. Compreendido?
108
O tempo urgia. O Júlio aprovou a ideia da Zé. Pelo menos a
Ana estaria segura!
Por isso, o David tornou a mergulhar os remos na água e
dirigiu-se directamente para a pequena enseada.
A Zé não se tinha enganado: aquela baía em miniatura, com
uma praia de areia fina, raramente coberta pela maré, estava
rodeada de rochas que não ofereciam grande dificuldade para se
escalarem.
Assim que a barca acostou, o David abandonou os remos e
ajudou a Ana a saltar para terra. Depois, apressaram-se os dois a
subir até à estrada que seguia ao longo da falésia, mesmo por
cima das suas cabeças.
A Zé não perdeu tempo. Instalou-se no lugar do David,
agarrou nos remos e partiu novamente, desta vez em direcção à
gruta. Assim que lá chegou, fez escala, para deixar o Júlio
desembarcar, por sua vez.
- És tu e o David que têm mais hipóteses de ver sair os
bandidos! - disse ela. - Abre bem os olhos, Júlio!
- Conta comigo! E sê prudente, por teu lado.
- É a minha vez de te responder: conta comigo! O Júlio
abanou a cabeça e fez uma careta:
- Esta embarcação é muito pesada para se manobrar, e não me
agrada nada a ideia de te deixar sozinha.
- Cada um de nós corre um risco - respondeu a Zé,
filosófica, remando com força. - Boa sorte!
E afastou-se, remando como um velho lobo do mar, seguida
pelo olhar admirado do Júlio.
Em poucos minutos, graças à imaginação fértil da Zé, e ao seu
espírito de iniciativa, cada um tinha uma tarefa específica
tratando de a cumprir com zelo.
O David e a Ana, conscientes da importância da sua missão,
apressavam-se no flanco da falésia. Utilizavam os pés e as mãos,
para não escorregarem e passarem de um rochedo para o outro.
Ao príncipio, a escalada pareceu-lhes relativamente fácil.
Depois, a encosta tornava-se mais abrupta, e o David teve de
ajudar a irmã por várias vezes. Por fim, conseguiram chegar ao
cimo.
Não havia tempo a perder!
O David precipitou-se para o tufo de juncos espinhosos e
dissimulou-se atrás de uma árvore próxima, a fim de vigiar
discretamente a saída do subterrâneo.
Por seu lado, a Ana apressou-se a ir buscar a sua
motocicleta, e, assim que a montou, desapareceu na estrada, a
caminho de Fenic, a aldeia vizinha.
- Deus queira que os polícias acreditem em mim! - dizia ela,
à medida que avançava, os cabelos esvoaçando com o vento da
corrida. E Deus queira, sobretudo, que cheguemos a tempo de
evitar o pior! O Júlio, a Zé e o David, separados, não têm força
para enfrentar os bandidos!
O David seguiu a irmã com o olhar, até esta desaparecer numa
curva da estrada.
Bom, pensou ele, agora, muita atenção!... Vejamos! Que farei
eu, se os bandidos vêm por esta saída?. Claro está, sigo-os
discretamente. Descubro para onde se dirigem e depois volto, a
toda a velocidade, a prevenir os outros... ou posso telefonar à
Polícia ou.
Enquanto ele dava largas à sua imaginação, a Ana tinha
chegado a Fenic. Foi logo direita à esquadra da Polícia e fez ao
chefe um relato tão convincente que ele acreditou-a imediatamente
e reuniu os seus homens.
112
- Depressa! - disse-lhes ele. - Preparem-se para fazermos
uma bela caçada!
Os polícias fizeram a Ana subir para o carro-patrulha,
colocaram a motocicleta no tejadilho e, sem perder tempo, tomaram
o caminho da falésia. O chefe fervilhava de impaciência. Que
distinção para ele, se conseguisse capturar os famosos ladrões e
recuperar o produto do roubo!
O trajecto foi percorrido em tempo recorde. O David viu, com
grande alívio, surgir o carro da Polícia. Mal este parou,
precipitou-se ao seu encontro.
- Bom-dia, senhores! - disse ele aos polícias. - Uma das
saídas do subterrâneo é aqui, nestes arbustos. Mas não vi nenhum
dos bandidos sair.
- Muito bem! - disse o chefe e, virando-se para um dos seus
homens, ordenou: - Substitua este jovem! E atire para o ar, ao
primeiro alerta!
- Entendido, chefe!
Este acompanhado pelo resto do grupo, começou a descida da
falésia. O David e a Ana seguiram-nos.
O Júlio viu-os chegar e, tal como o irmão, explicou aos
polícias:
- Ninguém saiu da gruta, posso assegurá-lo! A Ana
empalideceu.
- Meu Deus - murmurou ela. - Então. a Zé deve estar sozinha
com os bandidos.
O Júlio pôs as mãos em concha e chamou para o mar:
-Zé!... Zé!... Volta!
A Zé contornou o promontório rochoso que a dissimulava. À
vista dos polícias, gritou:
- Então? Os bandidos? Viram-nos. Não? Pois eu também não!
Quer dizer que continuam dentro do subterrâneo.
- Muito bem, vamos ver! - decidiu o chefe.
114
Este teria preferido que os quatro primos não fossem também.
Mas os seus homens e ele precisavam de um guia. O Júlio ofereceu-
se logo. O David, a Zé e a Ana insistiram em acompanhá-lo. O
chefe acabou por ceder.
- Bem! - disse ele. - No fundo, penso que não há perigo.
Esses homens não devem estar armados.
Após ter encarregado um homem de vigiar, de barco, a
desembocadura do ribeiro subterrâneo, meteu-se na gruta, com as
crianças e os dois outros polícias, e todos avançaram
silenciosamente.
Ao cabo de alguns metros, o Júlio, enfiou sem hesitar, pelo
corredor descendente. Quando passaram pela gruta dos morcegos, a
Zé aconselhou a que apagassem as lanternas, para não despertar os
animais pendurados no tecto. De igual modo, na sala dos ecos,
sugeriu que andassem ainda mais silenciosamente, se possível. Por
fim, o pequeno grupo, em alerta, chegou à margem do curso de água
subterrâneo.
Até aí não tinham encontrado qualquer dos bandidos. Seria
possível que eles tivessem ficado tanto tempo no mesmo lugar?...
Mas! Para grande consternação dos quatro primos, o cais do
ribeiro estava deserto. Não havia vestígio dos bandidos, nem de
um lado nem de outro!
Esta desaparição parecia inexplicável. quase milagrosa. O
chefe franziu as sobrancelhas.
- Espero que não estejam a brincar connosco! - disse ele às
crianças. - Têm a certeza de ter visto bem?
- Temos a certeza absoluta! - explicou o Júlio, que fez
imediatamente a descrição dos bandidos.
- E os objectos roubados encontram-se naquele canto! ajudou
o David. - Vá lá ver!
Mas não! Ainda desta vez as crianças experimentaram
116
uma amarga decepção: as caixas com os tesouros tinham
desaparecido do seu esconderijo.
- No entanto - disse o David aos polícias - posso-lhes jurar
que estavam aqui os quadros e as jóias roubados nos castelos dos
arredores.
O chefe baixou-se para apanhar alguma coisa.
- Acredito - suspirou ele. - Eis uma das jóias. um relógio
de ouro. É preciso rendermo-nos à evidência. Os ladrões de
castelos fugiram, levando consigo o produto dos seus roubos!
- Mas é impossível! - gritou o Júlio. - Três de nós não
deixaram de vigiar as três saídas existentes. Esses miseráveis
devem estar escondidos em qualquer parte!
Nesse mesmo instante, um latido alegre curtou-lhe a palavra.
- Béu Béu!
A Zé cujo rosto se iluminou subitamente, soltou um grito:
- Tim!
Ela teria reconhecido o ladrar do seu cão entre mil.
Com efeito, era mesmo o Tim! Surgido não se sabe de onde,
precipitou-se nos braços da sua pequena dona, que saudou com
grandes lambidelas.
A Zé não teve coragem para ralhar com ele, estava louca de
alegria por o encontrar são e salvo. O que tinha sofrido por ele!
À medida que percorrera o subterrâneo, não deixara de esperar por
aquele encontro... E eis que, no preciso momento em que a sua
moral descia a zero, o milagre se tinha produzido: o Tim ali
estava, cheio de vida, diante de si!
Dissimulando a emoção, coçou-lhe a cabeça hirsuta, que
reclamava as suas carícias:
- Tim! Meu velho Tim! De onde saíste tu?
118
O inteligente animal pareceu compreender. Dando meia- volta,
bruscamente, precipitou-se para o local sombrio de onde acabara
de saltar.
- Béu Béu!
- Sigamo-lo! - exclamou a Zé. - Com certeza que nos quer
mostrar alguma coisa!
O Júlio, o David, a Ana e os polícias seguiram a Zé... De
súbito, esta exclamou, estupefacta:
- Olhem! Outro corredor! O Tim estava ali escondido! Vejamos
aonde é que ele nos leva! Aposto em como os bandidos fugiram por
esta saída. Oh! Que azar!
Já se estava a meter pela passagem quando o chefe lhe
embargou o passo:
- Eh lá! Calma! Sou eu e os meus homens quem deve abrir o
caminho. Toda a prudência é pouca!
As crianças tiveram de contentar-se em segui-los. Se a
entrada do túnel era estreita e quase invisível, o corredor em
si, largo e bem arejado, permitia que se circulasse livremente. O
pequeno grupo caminhou tanto tempo debaixo de terra que o chefe
começou a inquietar-se.
- Já percorremos, pelo menos, um quilómetro!
De repente, o corredor dava uma volta. e viram o Tim ao
fundo do que parecia ser um beco sem saída. Mantinha-se direito,
as patas da frente apoiadas contra a rocha.
- Béu Béu!
Avistando uma argola metida na pedra, o brigadeiro puxou-a
para si. A rocha girou, então, descobrindo uma escada secreta...
bastante íngreme... Em silêncio, o pequeno grupo começou a subir.
Que iriam encontrar no cimo dos degraus?
120
A Zé contou uns vinte degraus. Chegados ao alto, o chefe e
os seus homens pararam.
- Estamos num beco sem saída! - resmungou o primeiro. - Não
vejo diante de mim senão uma parede lisa. No entanto, deve haver
uma saída. É preciso é descobri-la!
O David esgueirou-se até perto do chefe.
- Dá-me licença? - começou ele. - Tenho uma ideia que.
Habilmente, passeou os dedos ao longo de uma dobradiça
invisível. De súbito, ouviu-se um pequeno ruído! Um painel de
secção quadrada girou sobre si mesmo. deixando ver uma fraca luz
do outro lado.
- Deixe-nos passar! - ordenou ele. - Pode ser perigoso!
Com precaução, os três homens meteram-se pela abertura. Sem
pedir autorização, as crianças seguiram- nos.
- Mas. nós estamos na sala de exposições do Castelo dos
Arganazes! - sussurrou a Ana.
Com efeito, o pequeno grupo acabava de entrar mesmo na sala
de vitrinas, onde o marquês de Penchelet, uns dias antes, dera a
admirar aos quatro primos a sua preciosa colecção. Olhando em
volta, as crianças verificaram que a entrada do subterrâneo por
onde tinham chegado se dissimulava por trás da placa da
monumental lareira.
Agora, tudo se tornava claro para os seus espíritos.
Tinha sido por aquela passagem escondida que os bandidos
haviam penetrado tão misteriosamente no castelo, para o assaltar.
Fora por ali que eles tinham levado os relógios de ouro do
marquês. E era ainda por ali que, minutos antes, haviam fugido,
levando o produto do seu roubo.
122
Claro que os polícias tinham seguido o mesmo raciocínio que
as crianças.
- Tudo se explica! - exclamou um dos guardas. - Os patifes
fugiram por ali com as jóias, as moedas de ouro, os relógios e as
telas famosas. Conheciam esta passagem e serviram-se dela na
altura. Mas pergunto a mim próprio como é que conseguiram
utilizar hoje, em pleno dia, sem que o marquês de Penlech, o
criado e os visitantes os detivessem, quando passaram?
- É fácil de perceber! - resmungou o chefe. - Precisamente
por hoje não ser dia de visitas ao castelo. E não consigo ver o
velho marquês e Yann enfrentando três bandidos resolutos.
- Meu Deus! - exclamou o Júlio, inquieto. - Talvez os
miseráveis tenham maltratado o marquês de Panlech e o seu criado!
- Vamos à procura deles! - anunciou o chefe. - E, voltando-
se para os seus homens ordenou: - Procuremos por toda a parte!
As crianças seguiram os polícias. Estes, com prudência,
asseguravam-se, à entrada de cada divisão, de que não havia
perigo. Simples questão de rotina, aliás, pois os bandidos já
deviam ir longe.
O rés-do-chão do solar revelou-se deserto. Mas, no primeiro
andar, uns sons abafados alertaram os detectives. Precipitaram-se
todos para a sala de onde partia o ruído. Era manifestamente o
quarto de dormir do marquês. O pequeno grupo parou à entrada, de
ouvidos bem abertos.
- Ali! - gritou a Zé, designando um armário de parede. O
chefe deu a volta à chave e puxou o batente. O marquês de Penlech
e o criado jaziam lado a lado no chão, estreitamente amarrados e
amordaçados.
124
- O marquês de Penlech! - exclamou o Júlio. - Depressa!
Tiremo-lo dali!
E, dando o exemplo, ajoelhou- se perto do marquês, tirou-lhe
a mordaça e cortou as cordas, com a ajuda do seu canivete.
Entretanto, o chefe libertava o Yann.
- Estão feridos? - perguntou ele aos dois homens.
- Não, não! - disse o marquês. - Mas esses miseráveis não
nos pouparam! Enquanto nos amarravam, gabaram- se do roubo dos
meus relógios. Que imprudência! Anunciaram-nos, a rir, que iam
sair pela porta principal, que não se ralavam com a Polícia, que
eram mais espertos do que ela e que não deixariam a região até
deitarem a mão a todos os seus tesouros!
O chefe ficou vermelho de cólera.
- A gabarolice perdê-los-á! - resmungou ele.
- Mas, entretanto - disse o marquês amargamente. - esses
miseráveis fogem sempre. e com os meus preciosos relógios! E
dizer que nem sequer estão no seguro! As visitas ao castelo eram
o meu único ganha-pão. A partir de agora, sou verdadeiramente um
velho arruinado!
A Ana sentiu os olhos a humedecerem-se. Aproximou-se do
marquês abatido e tomou-lhe a mão carinhosamente.
- Tenha confiança na Polícia, senhor marquês! - disse ela,
com doçura. - Pelo nosso lado, o Clube dos Cinco, faremos o
impossível para reencontrar a sua colecção.
O Júlio sorriu.
- Estás a comprometer-te muito, Ana. Nós somos apenas uns
detectives, ainda verdes.
- Mas faremos o possível para triunfar! - assegurou a Zé com
voz firme.
126
Durante os dois dias que se seguiram, a Zé e os primos
consagraram o seu tempo a acompanhar o progresso da investigação
oficial. Chegaram mesmo a ir ao castelo dos Arganazes para
encontrarem de novo o marquês e, sobretudo, parafalarem com os
detectives.
O marquês não lhes contou nada de novo. O pobre homem,
mergulhado no desespero, fazia pena. A Ana, alma terna, ficou
desolada.
O polícia, que no princípio da investigação informara as
crianças, recebeu-os desta vez, bastante friamente. Estava vexado
por ter de reconhecer a inutilidade dos seus esforços. Os Cinco
abandonaram rapidamente o castelo.
Nessa tarde, os Cinco reuniram-se no caramanchão do jardim
do Casal Kirrin.
De entrada, o Júlio mostrou- se bastante pessimista.
- Já não se ouve falar nos bandidos - suspirou ele.
Parece-me que, apesar das suas gabarolices perante o marquês,
ficaram com medo e abandonaram a região.
- Não temos a certeza! - disse a Zé. - Podem muito bem estar
agora sossegados, antes de darem novo golpe!
- Entretanto - suspirou o David - a pista está interrompida.
Não sabemos onde encontrar o Eric e os cúmplices. Sem falar nos
objectos roubados que eles levaram!
- A única coisa a fazer é esperarmos um golpe de sorte!
- murmurou a Ana, por seu turno.
No dia seguinte, as notícias locais, transmitidas por um
posto regional, pareciam dar razão à Zé... Com efeito, o locutor
anunciou que uma antiga abadia, situada a uns trinta quilómetros
de Kirrin, fora assaltada no decorrer da noite precedente.
128
Desta vez, os ousados assaltantes tinham levado um cibório
de ouro, castiçais de prata cinzelada, uma imagem de madeira
muito antiga representando uma Virgem negra, duas miniaturas de
valor e quatro vasos sagrados.
- Pronto - exclamou a Zé. - Isto prova que o Eric, o José e
o Manuel continuam nestas paragens!
- A não ser que se trate de um bando rival! - emitiu o
Júlio.
- Qual quê . Os bandidos não caçam no território dos seus
concorrentes, toda a gente o sabe! Os nossos ladrões mantêm a
palavra: não se vão embora sem terem limpo toda a região! Temos,
portanto, de os apanhar antes disso!
-Mas como? - exclamou o David. - A Polícia, perante o
desafio, já procurou em todas as grutas da costa. Explorou todas
as reentrâncias rochosas, bateu todos os arbustos. Tudo isto em
pura perda. Ah! Pode-se dizer que esses bandidos são espertos!
130
O Júlio coçou a cabeça.
- O que eu gostava de saber - disse ele - é o local onde
eles esconderam o produto dos roubos. Tinham que se despachar,
apressados como estavam! O novo esconderijo não deve, por isso,
ficar muito longe do castelo dos Arganazes!
- Além disso - acrescentou a Ana - devem tê-lo escolhido
bastante espaçoso. As caixas eram grandes!
O David corroborou:
- Deve até ser tão espaçoso que caibam eles três lá dentro,
até a Polícia ter acabado de examinar detidamente essa zona.
- A investigação está a arrastar-se - retomou o Júlio. - e
eu só vejo uma explicação: estes bandidos, segundo penso,
conhecem a região a fundo.
- Que é que tu achas, Zé? - perguntou a Ana, vendo que a
prima reflectia sem falar.
- O que eu acho? - disse lentamente a Zé. - Pois bem, no
outro dia aqueles homens entraram de barco na gruta. É provável
que esse barco, meio de locomoção silencioso e corrente na
região, lhes permita, melhor do que um carro, circular sem serem
notados. Privados da sua barca e obrigados, por um prazo de tempo
limitado, a encontrar um refúgio suficientemente grande para os
acolher a eles e aos objectos roubados, só se podiam ter
escondido na.
- Na quê? - perguntaram os três, ansiosos.
- Pois bem, na caverna onde os encontrámos! O David
arregalou os olhos.
- Queres dizer que voltaram para o seu antigo refúgio?
- Claro! É o último sítio onde pensariam ir procurá-los! A
hipótese que, em presença dos primos, a Zé acabava de emitir,
deixou estes emudecidos.
132
O Júlio foi o primeiro a recuperar a fala.
- Bem podes ter razão! - declarou ele. - Essa caverna é, com
efeito, a única em que os polícias não pensaram. Como não
encontraram lá os bandidos quando esperavam apanhá-los,
desinteressaram-se rapidamente desse sector.
- Se os bandidos voltaram, realmente, para o seu esconderijo
- lançou a Ana -, não lhes falta audácia!
- Isso já eles o demonstraram! - lembrou o David.
- Acho mesmo que têm mais atrevimento do que inteligência.
Vigiavam- se as fronteiras e suas excelências escondiam o produto
dos seus roubos mesmo a dois passos dos castelos assaltados.
Imaginava-se que eles iam fugir a toda a velocidade e, afinal,
continuam a roubar sem barulho... e sem pressas! Fizeram-se
barreiras em todas as estradas, e eles circulavam ao longo da
costa, na sua velha barcaça. Palavra de honra, não é nada de
admirar que tenham voltado ao seu poiso, como diz a Zé! Devem
mesmo sentir-se lá em segurança!
A Zé saltou do muro onde se encontrava empoleirada.
- Pois bem, não temos mais do que ir ver! - declarou ela
calmamente. - Proponho que voltemos, esta noite mesmo, à caverna
do ribeiro subterrâneo.
- Estás maluca! - exclamou a Ana, horrorizada. - Isso era
metermo-nos na boca do lobo!
- Isso é que não. Os bandidos são obrigados, com certeza, a
saírem de tempos a tempos, para se reabastecerem. Só podem fazê-
lo, pois, à noite. É por isso que à noite teremos a via livre.
Aproveitaremos para recuperar os objectos rou bados.
O Júlio disse com uma voz firme:
- Zé! Estou absolutamente de acordo com a Ana! Seria
134
uma loucura irmos lá! Vamos, antes, prevenir a Polícia! Se ela
pensar que tens razão.
A Zé cortou a palavra ao primo.
- Mas, se ela achar que eu não tenho razão, perderemos um
tempo precioso! Não, não; meu caro! Temos de ser nós a actuar!
Além disso, o Clube dos Cinco já provou que pode muito bem
desenvencilhar-se sozinho.
- Isso não é razoável! - protestou o Júlio.
- Escutem - disse o David -, combinemos o espírito de
iniciativa e o juízo. Vamos lá abaixo. mas, primeiro, deixamos um
bilhete a explicar tudo aos teus pais, Zé. Assim, se nos
acontecer alguma coisa, o tio Alberto, pelo menos, sabe onde
estamos. Que dizem?
Demorou ainda algum tempo para a Zé convencer o Júlio.
Demorou muito menos a escrever o bilhete para o pai. O resto do
dia passou-se a fixarem, febrilmente, os pormenores da expedição.
Era preciso correr o mínimo dos riscos! Encararam todas as
possibilidades!
-Quanto a mim - disse o David -, a via menos perigosa para
penetrar na caverna é o próprio rio. Os bandidos já não têm a
barca e o barco da Zé já está pronto. Indo por aí, evitamos
encontrar os bandidos, se eles ainda se encontram no seu
esconderijo. E, se os virmos de longe, só temos de dar meia-
volta: não nos poderão seguir!
- Sem dúvida - replicou o Júlio. - Mas esqueceste-te que, de
barco, levaremos muito tempo a efectuar o percurso. Ao passo que,
com as nossas motocicletas, rapidamente lá chegaremos.
- Entendido - disse a Zé. - E levaremos um atrelado para
transportar as caixas.
O David pôs-se a rir.
136
- O José e o Manuel não são tão fortes como o Eric! exclamou
ele. - Aposto em como utilizam um carrinho desdobrável para
deslocar as caixas. Iremos lá encontrá-lo!
-Se tiveres razão, tanto melhor! Mas, mesmo assim, vamos
levar o meu atrelado - decidiu a Zé. - Mais vale sermos
previdentes!
- A verdadeira previdência - resmungou o Júlio - é imaginar
que as telhas vão cair em cima da nossa cabeça. Enfim, uma vez
que está tudo decidido, partiremos, mal chegue a noite.
- Mas que diremos aos teus pais, Zé? - perguntou a Ana.
- Que vamos dar um pequeno passeio higiénico, depois do
jantar. É tudo! Não mentiremos. O ar far- nos-á bem. Sinto-me tão
nervosa!
A Zé tinha como princípio absoluto nunca mentir. Nas
ocasiões, muito raras, em que não se podia dar ao luxo de dizer
toda a verdade, pelo menos não fazia qualquer afirmação falsa. No
entanto, nessa noite, quando os Cinco se puseram a caminho, ela
sentiu alguns remorsos. Se não tivessem decidido explorar a
gruta, os Cinco sem dúvida que não teriam saído.
A tia Clara viu partir as crianças sem desconfiar. Nem mesmo
reparou que a Zé tinha ligado o reboque à sua motocicleta.
Uma vez na estrada que os levava ao seu destino ainda
longínquo, os Cinco correram velozmente. Ninguém dizia palavra, o
próprio Tim estava calado. Dir-se-ia que uma ameaça secreta
pesava sobre o pequeno grupo.
Em breve, iluminados pela lua, os Cinco chegaram ao cimo da
falésia. O cenário já lhes era familiar.
138
Depois de terem dissimulado as suas máquinas e o atrelado no
pequeno bosque de árvores vizinhas, aproximaram-se, com
precaução, da enorme moita que escondia a entrada do subterrâneo.
O Júlio esteve muito tempo de ouvido à escuta, antes de
permitir à Zé, ao David e à Ana que entrassem na gruta, atrás
dele. O Tim, claro está, não deixava a Zé, à qual se colava como
uma sombra.
- Nenhum de nós fica de sentinela? - perguntou a Ana.
- Não! - respondeu o Júlio. - Não serviria de nada.
Fiquemos, antes, juntos. Mas saibamos ouvir, e abrir bem os
olhos. Ao primeiro alerta, meia-volta a toda a velocidade!
O pequeno grupo caminhou lentamente, com mil cautelas até à
sala dos ecos, que atravessou, contendo a respiração. Até aí,
tudo bem! Não tinham encontrado ninguém e, fiando-se no silêncio
que reinava, o subterrâneo devia estar completamente vazio.
Um pouco antes de entrarem no que as crianças chamavam a caverna
dos ladrões", o Júlio ordenou uma paragem. Ele próprio partiu em
reconhecimento. para voltar em breve, de sorriso nos lábios.
- A viaestá livre - anunciou ele. - Deitei mesmo um olhar
para o esconderijo das caixas e. A Zé acertou! Os objectos
roubados foram mesmo lá postos pelos bandidos... que, neste
momento, não estão no seu covil!
Esta dupla boa notícia foi acolhida por uma explosão de
alegria silenciosa... Pelos vistos, a Zé não se enganara!...
Não restava mais que passar à acção!
Alegremente, os Cinco retomaram a marcha, em frente. As
crianças sentiam o coração bater-lhes com pancadas precipitadas.
Desta vez, enfim, iriam recolher o fruto dos seus esforços! Os
objectos roubados tinham-lhes fugido da primeira vez. Quem sabe
se ainda conseguiriam reavê-los! Esperavam não deixar passar
aquela oportunidade, quase inesperada.
A Zé congratulava-se baixinho pelo êxito dos seus projectos,
que já considerava como certo. O David pensava muito satisfeito
no resultado da sua investigação, que iria valer-lhes sem dúvida,
muita glória! A Ana, por uma vez, esqueceu os seus receios,
reconhecendo que a vitória estava muito próxima. O próprio Júlio
já considerava a partida como ganha.
Talvez o Tim fosse o único a não se sentir completamente à
vontade. De tempos a tempos, levantava o focinho para o ar, e
sentia uns cheiros estranhos. Mas isso não impressionava a Zé.
Esta sabia muito bem que os bandidos utilizavam a passagem para
entrarem e saírem!
Quando os jovens detectives e o Tim chegaram à beira do rio
subterrâneo, as crianças, num impulso comum, precipitaram-se para
os esconderijos das caixas - muito próximos um do outro. O
tesouro estava mesmo ali, no seu lugar inicial.
Bestial! - exclamou a Zé.
- Vejam, não me enganei! - gritou o David por seu lado. -
Eis um pequeno carrinho desmontável, que nos vai ajudar a. a
mudar os móveis!
E soltou uma gargalhada. Foi neste preciso instante que o
Júlio reparou na atitude estranha do Tim.
O Tim tinha-se detido no local onde se abria a passagem
invisível. a que conduzia ao Castelo dos Arganazes. Com uma das
patas da frente erguida, o focinho virado para a entrada do
subterrâneo, cheirava o ar com pequenos intervalos.
142
- Olha para o teu cão; Zé! - disse o Júlio. - Dir-se-ia que
está inquieto.
- Ora - resmungou a Zé, que ajudava o David a colocar uma
caixa no carrinho. - Deve ter cheirado alguma ratazana. Vem
depressa ajudar-nos. Esta caixa é pesada como o diabo. Cuidado
com os pés, Ana!
O Júlio, com uma vaga apreensão, juntou-se aos outros. Não
sem dificuldade, os quatro primos arrumaram a caixa no ligeiro
veículo. De repente, um latido sonoro do Tim fê-los sobressaltar.
Daquela vez, arrancados à sua apaixonante tarefa, a Zé, o
David e a Ana voltaram a cabeça. O Júlio, já alerta, tinha
saltado. Estava pálido.
- Os bandidos! - murmurou ele. - Depressa! Fujamos! Mas os
Cinco não tiveram tempo de se pôr em fuga. Do subterrâneo que
ligava a gruta ao Castelo dos Arganazes, acabavam de surgir os
três homens que eles julgavam muito longe dali.
Eric, o primeiro, precipitou-se sobre o Júlio. Num abrir e
fechar de olhos, amarrou-o, com auxílio de uma corda fina.
Depois, o colosso agarrou o David.
Durante este tempo, o Manuel tinha deitado o casaco por cima
da cabeça do Tim para o imobilizar. O José, por seu lado, fazia o
melhor que podia com a Zé que, a pontapés e unhadas, se debatia
como um demónio, e claro está que não foi a mais forte.
Quando, por fim, os Cinco se encontraram reduzidos à
impotência, o Eric largou uma gargalhada formidável.
- Então, miúdos! Julgavam que podiam continuar a rir-se de
nós, como nós nos rimos da Polícia? Não nos conhecem
144
bem se vê! Outro dia roubaram-nos a nossa barca, mas ei-los em
nosso poder, mais a porcaria do vosso cão!
- Cala-te, fala-barato! - intimidou o José com ar sombrio. -
Estes miúdos surpreenderam-nos mesmo numa má altura. mesmo no
momento em que nos íamos embora com o produto do roubo. Não sei o
que vamos fazer com eles.
Deitou um olhar furioso à Zé e acrescentou: - Se não me
dominasse, torcia-lhes o pescoço, a todos! Este rapaz mordeu-me,
como um danado que é!
Desta vez, a Zé nem reparou que a tomavam por um rapaz. O
seu falhanço tornava-a louca de raiva.
- Tenho pena de não lhe ter arrancado a mão com uma dentada!
- gritou ela. - Mas a Polícia apanhá- los-á, mais cedo ou mais
tarde, seus tratantes!
-Põe-lhes uma mordaça, a cada um, Eric! - disse o José, com
um ar cansado.
Enquanto o colosso o fazia, o Manuel resmungou por sua vez:
- Sempre posso matar o cão!
A Zé estremeceu. Mas o José abanou a cabeça.
- Não! - disse ele. - Nada de violência inútil... contra
ninguém! No entanto, se deixo as crianças aqui, arriscam-se a
morrer de fome. E, se as encontram, já se sabe que correm de novo
atrás de nós. Ora, por muito estranho que possa parecer, tenho
tanto receio dos miúdos como dos polícias! Vamos, está decidido
Levamo-los connosco!
Os ladrões de castelos, empurrando os prisioneiros à sua
frente, meteram-se pela passagem subterrânea por onde as crianças
tinham vindo. O Manuel fechava a marcha. Tinha enfiado o Tim
dentro de um saco que levava ao ombro. Foi
146
em vão que o animal se mexeu e procurou libertar-se, estava muito
apertado para o conseguir.
A Zé não abandonara a sua cólera. O Júlio estava
consternado. O David não conseguia refazer-se da sua surpresa.
Quanto à Ana, estava meia-morta de medo, as pernas ameaçavam
deixá-la cair.
Pergunto a mim mesma onde nos levam estes malandros! -
pensava a Zé.
Intrigava-a também saber por que saída iriam os bandidos ter
ao ar livre. Se tivessem com eles um barco, fá-lo-iam sem dúvida,
pela gruta que dava para o mar. Mas, se tinham à sua disposição
um carro, então subiriam até à estrada da falésia, e foi o que
aconteceu. O Eric teve de recorrer a toda a sua força para puxar,
no corredor ascendente, pelo carro com as duas caixas.
Uma vez lá em cima, os ladrões dos castelos içaram as
crianças para fora do subterrâneo. A lua brilhava, muito clara.
- Por aqui! - ordenou o José, lacónico.
Todos o seguiram para lá de um pequeno bosque. Aí, quase
invisível pela sombra da folhagem, estacionavam duas viaturas.
- Ainda temos sorte em ter dois carros à nossa disposição! -
resmungou o Manuel.
- Bem sabes como o José é previdente! - replicou o Eric,
trocista. Depois, dando um encontrão aos prisioneiros
acrescentou: - Vá, miúdos! Subam!
Durante duas horas, os dois carros rolaram um atrás do
outro. Não estava suficientemente claro para que as crianças
pudessem reconhecer a paisagem. Ao fim de alguns
148
quilómetros, a Ana, extenuada e cheia de vontade de chorar,
adormeceu.
O Júlio e o irmão encontravam- se, com o Eric, na segunda
viatura. A Ana e a Zé iam instaladas no banco de trás da
primeira. O José conduzia. O Manuel, sentado a seu lado, virava-
se de vez em quando para trás.
- Olha! - disse ele, ao ver que a Ana tinha fechado os olhos
-, a miúda adormeceu!
Também ele julgava que a Zé era um rapaz. A sua reflexão deu
uma ideia à Zé. Passados uns momentos, deixou cair a cabeça e
fingiu adormecer, por seu turno.
O Manuel voltou-se, pouco depois.
O miúdo também já está a ressonar! - anunciou ele, pouco
cerimoniosamente. - Que alívio! Ele sozinho é mais recalcitrante
do que os outros três juntos!
- Só fico tranquilo - disse o José - quando chegarmos e os
vir fechados à chave.
Como ele parecia pouco desejoso de continuar a conversa, o
Manuel absteve-se de falar. Então, a Zé, com mil cuidados, e
aproveitando todos os solavancos do caminho, tratou de libertar
uma das mãos. Quando o conseguiu, tirou - não sem grande
dificuldade - o lenço do bolso. Ainda com mais dificuldade,
tratou de deitar o quadrado de tecido para a estrada, através do
vidro, meio aberto.
- Sempre será um indício para os que se puserem à nossa
procura - pensou ela. - Agora um pouco mais longe, deixarei cair
a minha pulseira de identidade, depois o meu porta-moedas.
Mas, ai! o Manuel não deu tempo à Zé de pôr em execução o
seu projecto.
150
- Ah, meu demónio! Querias brincar ao pequeno polegar, hem?
Isso não, meu rapaz!
Tinha agarrado a Zé pelo pulso e sacudia-a rudemente. A Ana
acordou sobressaltada e aterrorizada. Durante o resto da viagem,
o Manuel vigiou atentamente as duas primas. A Zé estava, mais que
nunca, furiosa.
Por fim chegaram. As crianças, empurradas para fora dos
carros, olharam em volta. A lua iluminava uma casa branca e
comprida. Não se via mais nenhuma habitação em redor. Aquela casa
isolada devia ter sido escolhida de propósito pelo José e pelos
seus cúmplices, preocupados em esconder de olhos indiscretos as
suas idas e vindas.
O Eric empurrou as crianças para a frente.
- Despachem-se e entrem. Não temos tempo a perder! Fê-los
atravessar uma entrada com o chão coberto de lajes e, depois,
ordenou-lhes que subissem as escadas. A casa tinha dois andares.
Um terceiro lance de degraus, muito íngremes, levava ao sótão -
foi para aí que o Eric empurrou os pequenos. Ajudado pelo Manuel,
tirou- lhes as mordaças e as cordas que os amarravam.
- Aqui, podem berrar, se quiserem! Ninguém os ouve. Boa-
noite!
O Manuel atirou com o saco onde estava o Tim, para os pés da
Zé. Depois, os dois homens desapareceram, fechando a porta à
chave, atrás de si. A Zé apressou-se a libertar o pobre Tim.
-Nada a fazer para sairmos! - reconheceu o Júlio
sombriamente. - Tentemos dormir um pouco. Amanhã reflectiremos.
Esgotados, os Cinco estenderam-se no chão e fecharam os
olhos.
152
Entretanto, no Casal Kirrin, o tio Alberto e a tia Clara
estavam bem longe de imaginar os perigos que ameaçavam a sua
filha e os seus sobrinhos!
Nessa noite, a tia Clara, como estava cheia de dores de
cabeça, foi deitar-se cedo. O marido, pelo contrário, tinha
trabalhado até muito tarde na sua difícil obra, no calmo refúgio
do escritório.
A tia Clara, antes de adormecer, pensou que as crianças não
tardariam a regressar. Quanto ao marido, este nem sequer sabia
que as crianças tinham saído.
Inquieta, na manhã seguinte, por ver que as crianças não
desciam à hora do pequeno-almoço, a tia Clara subiu ao quarto da
filha e da Ana. A primeira coisa que viu foi as camas por abrir e
um sobrescrito colocado bem à vista sobre a colcha. Tomou
conhecimento da mensagem.
- Alberto - exclamou ela, com voz rouca. - Oh . Meu Deus. É
horrível. Aconteceu uma desgraça às crianças!
O marido acorreu e encontrou-a enterrada num sofá. Ela
estendeu-lhe o bilhete com mão trémula: - Lê!
O tio Alberto obedeceu e depois exclamou:
- São doidos! Porque é que não nos disseram nada? Eu teria
alertado a Polícia!
- Depressa, Alberto! Depressa! Temos de ir em socorro deles.
- Acalma-te! Vou ocupar-me imediatamente do assunto. Desceu
as escadas apressadamente, entrou de rompante no escritório e
pegou no telefone. Um instante mais tarde, todas as esquadras dos
arredores estavam prevenidas.
Um verdadeiro pequeno exército tomou o caminho para a
falésia.
154
Os salvadores, estimulados pelo tio Alberto, louco de
inquietação, não levaram muito tempo a fazer o percurso.
Estava um tempo magnífico. O sol brilhava alegremente no
céu, indiferente à angústia que apertava o coração de cada um.
Chegados ao cimo da falésia, os polícias tomaram todas as
precauções necessárias para a captura dos bandidos e a
salvaguarda das crianças. Uma parte das forças da ordem desceu
para a praia, a fim de bloquear a entrada da gruta. Uma vedeta da
guarda costeira, alertada, já se encontrava a vigiar a
desembocadura do rio subterrâneo. O resto do grupo enfiou-se no
subterrâneo que se abria no meio da moita de juncos espinhosos.
O tio Alberto insistiu em seguir os salvadores.
- A minha filha e os meus sobrinhos encontram-se nessa
caverna - disse ele aos polícias. - Sou incapaz de esperar cá
fora, sossegadamente, pelo resultado desta expedição...
O capitão da força policial foi obrigado a aceder ao seu
desejo.
- Muito bem - disse ele. - Mas trate de não fazer qualquer
ruído. Temos de apanhar os bandidos de surpresa. E há o problema
da segurança das crianças!
Todo este rigor de precauções não serviu, porém, para nada.
Quando os polícias e o tio Alberto chegaram, por fim, à beira do
rio subterrâneo não encontraram ninguém.
Os bandidos e as crianças tinham desaparecido. Em vão
espreitaram em todos os corredores e em todas as reentrânci das
rochas: nada se encontrou. a não ser, num canto, a fita com que
nesse dia, por capricho, a Ana tinha atado os cabelos. O tio
Alberto estava desesperado!
156
Completamente extenuados e quebrados pela emoção, os
pequenos, deitados no chão duro da sua prisão, dormiram de um
sono só até ao alvorecer.
O David foi o primeiro a abrir os olhos. Espantado, olhou em
volta, sem saber onde estava. Depois recordou-se. Sacudiu os
outros.
- De pé! De pé! Temos de sair daqui, custe o que custar! Mas
mais depressa se dizia do que se podia fazer.
- Estudemos o local! - propôs o Júlio.
Foi coisa rápida. A inspecção deu a saber aos quatro primos
que o seu sótão-prisão tinha apenas duas saídas: a porta, fechada
à chave e excepcionalmente sólida, e uma janela que dava para o
telhado, e muito alta.
- Estamos bonitos . - suspirou o Júlio.
- O que. que vão fazer connosco? - gaguejou a Ana, cujos
dentes batiam.
A Zé deu-lhe um encontrão.
- Oh! Não vais começar com as tuas palermices,! Sabem, estou
furiosa por tê-los arrastado para esta aventura! A culpa foi
minha. sou demasiado impulsiva. Devia ter desconfiado, ouvido os
conselhos do Júlio.
- Não te desculpes! - respondeu este, bondosamente.
- Eu podia ter-te impedido de agir. A culpa é tanto tua como
minha. David. serve-me de escada, meu caro! Vou tentar espreitar
por aquela janela. É uma sorte o tecto ser tão baixo! Mas não,
sequer, temos uma mesa ou uma cadeira para nos pormos em cima!
O David ajudou o irmão a subir. Com as duas mãos,
o Júlio agarrou-se ao rebordo da janela e esticou o pescoço.
- Batatas!. - disse então. - Não vejo nada. um campo
deserto.
158
Não sabendo onde se encontravam, as crianças aplicaram-se a
surpreender os ruídos da casa.
A Zé, de joelhos no chão, agarrou no Tim pelo pescoço.
- Ouve! - disse ela. - Ouve!
O cão arrebitou as orelhas, mas permaneceu calado.
- Parece-me que não há ninguém! - suspirou a Zé. A casa está
silenciosa. Os bandidos devem ter saído.
- Então não é aqui o seu verdadeiro refúgio? - murmurou a
Ana. - Apenas um ponto de passagem?
- Não. Eu acho que a toca deles é aqui.
- Mas, então, porque é que se foram embora?
- Vão talvez fugir, para o estrangeiro, com o produto dos
roubos - sugeriu o Júlio.
- Sim - disse a Zé. - Tens certamente, razão. De repente, o
Tim rosnou. As crianças imobilizaram-se.
- Vem aí alguém! - sussurrou o David.
Um passo ligeiro fez estalar os degraus da escada. A chave
girou na fechadura. Apareceu uma mulher de aspecto rebarbativo:
- Tomem! - disse ela, pousando um cesto no chão. Têm aqui de
comer até amanhã.
E, dizendo isto, desapareceu tão rapidamente como tinha
entrado, fechando a porta à chave. A Zé cerrou os punhos.
- Somos uns imbecis! - gritou a rapariga. - Devíamos ter
caído em cima dela, todos ao mesmo tempo. Nós cinco...
O barulho surdo da porta de entrada sacudiu a casa. O David,
ajudado pelo Júlio, içou-se até à janela.
- A nossa carcereira acaba de sair! - anunciou ele. Afasta-
se pelo caminho em direcção à aldeia que vejo lá ao longe.
O David saltou para o chão e coçou a cabeça.
-Que fazer? - murmurou ele, perplexo. - A casa parece estar
vazia, mas nós estamos aqui fechados.
- Só podemos esperar! - suspirou a Ana, tristemente.
- A estas horas o tio Alberto e a tia Clara já devem ter
encontrado o bilhete da Zé. Eles vão prevenir a Polícia.
- Sim - disse o Júlio. - Os homens devem ir direitos à
caverna. e não encontram lá ninguém. Isso não nos adianta nada.
- Deixa de falar e actua! - resmungou a Zé. - Uma vez que
temos de nos desenvencilhar sozinhos, comecemos pela evasão!
Os primos olharam para ela, espantados:
- Mas como?
- Tu tens jeito de mãos, Júlio, e. acabo de ver que a nossa
carcereira deixou a chave na fechadura... pelo lado de fora,
claro. Mas isso não te atrapalha, pois não?
O Júlio soltou um grito de contentamento.
- Tens razão! Não é a primeira vez que recupero uma chave
com a ajuda de... Oh! mas não tenho nem jornal nem lápis!
- Pois não - disse o David - mas tens aqui um cartão chato e
um bocado de arame!
À medida que falava, tirou esses dois objectos dos detritos
acumulados a um canto do sótão.
O Júlio não perdeu tempo. Ajoelhou-se diante da porta e pôs-
se ao trabalho. Para começar, fez deslizar o cartão debaixo da
porta, tendo o cuidado de deixar um bocado suficiente para o
poder puxar. Depois, com a ajuda do arame, escarafunchou na
fechadura, empurrando a chave que acabou por cair sobre o cartão,
no exterior. Só lhe faltava puxar o cartão para si, para ter a
chave.
162
- Vamo-nos evadir pelo telhado!
O Júlio e a Ana não reagiram imediatamente. Mas a Zé pôs-se
instantaneamente em expectativa.
-Formidável! - gritou ela. - És verdadeiramente genial, meu
caro David! Com efeito, não há outra solução!
- Eh lá! Calma! - exclamou o Júlio. - Querem partir o
pescoço ou quê?
-Claro que não! - replicou a Zé. - Eu não sou sensível a
vertigens. Tenho sangue-frio. e o David é como eu! Vais ajudá-lo
a subir, Júlio, e depois a seguir vou eu. Uma vez lá em cima, vai
ser o diabo não conseguirmos descer. Depois, voltamos para vos
libertar.
O David e a Zé não desistiam. O Júlio acabou por ceder. A
Ana, trémula, estava tão desejosa de fugir que, por uma vez,
aprovou o projecto ousado do irmão e da prima.
O Júlio ajudou o David e a Zé a içarem-se para a janelinha,
mesmo até ao telhado.
- Até já! - gritou-lhes a Zé, antes de desaparecer.
Em breve, ela e o David, curvados, quase de gatas, andavam
por cima do pau-de-fileira do telhado, tendo muito cuidado em não
escorregarem. Um passo em falso e era a queda no vazio.
- Zé! - murmurou o David, passado um momento.
Como vamos descer?
- Anda!. Sigamos este declive com cuidado. Deve haver uma
goteira desse lado!
A Zé não se enganara. Mas a empresa era perigosa: se
os dois primos se largassem, tinham, se não morressem, pelo menos
a perspectiva de partir um braço ou uma perna.
- Tanto pior! - disse a Zé, entre dentes. - Temos
de conseguir, a todo o custo!
164
À Zé e ao David foram precisas todas as forças, toda a
vontade e toda a destreza para terem êxito na perigosa descida.
Agarrados ao tubo de escoamento de águas que ligava o telhado ao
solo, procuravam, com os pés e as mãos, assegurar pontos de apoio
firmes. Por vezes, os dedos e as solas dos sapatos escorregavam.
Tinham, então, apenas tempo para se agarrar. Por felicidade, em
nenhum momento, perderam o sangue-frio.
Por fim, tocaram na terra! A Zé sentiu-se cheia do
sentimento da sua vitória. Sem dúvida que o Júlio, um pouco
pesado, e a Ana, demasiado medrosa, teriam sido incapazes de
cometer tal proeza! Quanto ao Tim. o pobre teria dificuldades
enormes em seguir a sua dona!
- E agora, David, trata-se de encontrarmos um meio de nos
introduzirmos de novo dentro de casa.
Foi mais fácil do que pensavam. Com efeito, se as portas e
as janelas se encontravam bem fechadas, o alçapão da cave do
carvão não tinha cadeado. Graças a esse esquecimento, o David e a
Zé puderam introduzir-se facilmente no subsolo. Nem sequer se
sujaram, pois a cave estava vazia há já muito tempo. Contornando
a caldeira que ocupava o centro, os dois primos dirigiram-se para
a pequena escada que conduzia a uma porta de madeira.
- Deus queira que a porta não esteja fechada! - suspirou a
Zé, inquieta.
Felizmente, os seus receios eram infundados. A porta estava
apenas no trinco. O David abriu-a. As duas crianças foram ter a
uma vasta cozinha, ladrilhada, que dava directamente para a
entrada.
Olharam um para o outro, sorrindo. A partida estava ganha!
Daí em diante, o David e a Zé não perderam um segundo:
166
precipitaram-se para a escada, cujos degraus subiram a quatro e
quatro.
Chegados diante da porta do sótão, o David apanhou a chave
caída no patamar e libertou o Júlio, a Ana e o Tim.
A Ana chorava de alegria. O Tim ladrava. O Júlio deu uma
grande palmada no ombro do irmão e da prima.
- Bravo! - disse-lhes ele, com voz comovida. - Os meus
parabéns! E, agora, depressa! Antes de fugirmos, exploremos
totalmente a casa.
Foi uma inspecção rápida, pois o tempo urgia. A vasta
habitação tinha o aspecto de uma quinta muito moderna. O José, o
Eric e o Manuel só a tinham escolhido, sem dúvida, à falta de
melhor, até à sua próxima partida para o estrangeiro.
- Se eles trouxeram os objectos roubados para cá
- murmurou o Júlio - devem estar escondidos em qualquer parte. Os
bandidos, com certeza, que não andam com as caixas atrás de si
para todos os sítios para onde vão.
As salas dos andares e do rés-do-chão nada revelaram aos
jovens detectives, não tinham qualquer mistério. Mas, no subsolo,
o que parecia ser a adega levantou-lhes um problema.
Com efeito, a porta maciça estava provida de três fechaduras
mecânicas, enormes, novinhas, cujo aço brilhava agressivamente,
na penumbra, como um desafio.
- Ah Ah - murmurou a Zé. - Estes fechos foram postos
recentemente, e para quê senão para proteger um tesouro?.
- Sim! - disse o Júlio. - Os objectos roubados foram sem
dúvida, aqui fechados, provisoriamente, à espera de atravessarem
a fronteira.
- Depressa! - sussurrou a Ana. - Vamo-nos embora
prevenir a Polícia!
168
Subiram velozmente a escada da cave, atravessaram a entrada
a correr, tiraram rapidamente os ferrolhos à maciça porta de
entrada e encontraram-se lá fora.
- Ufa! Livres enfim! - murmurou o Júlio, todo contente. -
Que prazer respirar o ar puro do campo, a plenos pulmões!
- Por favor, Júlio! - suplicou a Ana. - Despachemo-nos!
Tenho pressa em estar longe daqui. Supõe que esses bandidos
voltam. Ou aquela mulher.
- Não te rales mais, minha menina! - respondeu-lhe o David.
- As provisões que a nossa carcereira nos levou deviam durar até
amanhã (disse ela), isso significa, sem dú vida, que ela não
voltará antes!
- Hum! Não temos a certeza! Ela partiu a pé e,
provavelmente, não foi muito longe - murmurou a Zé, que já ia
pelo caminho fora. - Em todo o caso, um bom conselho... Abramos
os olhos! Se virmos uma figura suspeita dirigindo-se para nós,
temos de nos esconder nos campos em redor. Não tenho vontade de
ser novamente feita prisioneira!
As crianças continuaram a andar em silêncio. A paisagem em
volta não lhes lembrava nada. O caminho - uma estrada secundária
- parecia estender-se até ao infinito. Apenas se conseguia
perceber, ao longe, a flecha do campanário de uma aldeia.
Agora, o sol já ia bastante alto no céu. As crianças suavam.
O Tim arfava.
- Com este passo, ficaremos extenuados antes de chegarmos -
declarou a Zé. - Vamos pedir boleia!
- É muito arriscado! - exclamou o Júlio. - Supõe que parava
a viatura dos bandidos. Além disso, não há nenhum carro à vista!
Como para o contrariar, ouviu-se de súbito o ruído de um
motor.
170
Os Cinco viraram-se com vivacidade. Um carro veloz, comprido
e baixo, vinha na sua direcção. É evidente que aquele carro de
desporto não se assemelhava nada ao carro dos bandidos.
A Zé não hesitou. Colocou-se no meio da estrada e agitou os
braços. O bólide aproximou-se, travou e parou. Lá dentro estava
um jovem ao volante.
- Olá, rapaziada! - disse ele, em tom jovial. - Que se
passa? Perderam o autocarro?
- Não, senhor - respondeu delicadamente o Júlio, avançando.
- Trata-se de algo mais grave... Pode deixar-nos na aldeia mais
próxima? Queremos ir à esquadra da Polícia.
- À esquadra? - repetiu o condutor, admirado. - Bem! Uma vez
que não se trata de uma fuga, claro, claro que irei...
À medida que iam percorrendo o caminho, as crianças
explicaram em algumas palavras o que se passava. Muito
interessado, o seu novo amigo acompanhou-os à esquadra, para
confirmar a declaração deles, precisando o local onde os tinha
encontrado.
Nunca aquela calma esquadra de aldeia fora teatro de tal
movimento.
Como o tio Alberto tinha alertado a Polícia de todos os
sítios, os bravos guardas já se encontravam ao corrente da
aventura das crianças. Assim, começaram por enviar mensagens
destinadas aos seus colegas de Kirrin: era preciso tranquilizar
rapidamente os pais da Zé.
Depois, com auxílio de reforços mandados a toda a
pressa, organizou-se uma expedição para apanhar os bandidos numa
armadilha.
-Temos necessidade de vocês - disse o capitão
às crianças, encantadas - para nos indicarem onde se encontra a
quinta que vamos cercar.
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Em breve o pequeno grupo estava pronto para a partida.
Patrice Bartier, o jovem que tão prontamente havia transportado
os Cinco, pediu para fazer parte da expedição.
- Se quiser - propôs ele ao capitão da Polícia - torno a
levar estes jovens no meu carro. Assim, até terá mais espaço para
os seus homens!
O capitão não teve coragem de recusar aquela oferta tão
espontânea.
- Aceito de bom grado, senhor!
A Zé e os primos, por seu lado, não acharam nada melhor que
sentarem-se de novo ao pé do seu amigo de fresca data. O Tim fez-
se pequenino aos pés da Zé. é uma maneira de dizer, claro! Ele
deixara perceber, claramente, que se recusava a ir na parte de
trás.
O carro branco arrancou, seguido pelos três carros pretos da
Polícia.
Era importante chegar à quinta antes do regresso dos
bandidos - e, se possível, da mulher -, a fim de lhes preparar a
armadilha.
Tudo se passou pelo melhor. As crianças mostraram aos
polícias a construção que lhes tinha servido de cárcere. O
capitão, acompanhado por dois homens, assegurou-se de que ninguém
tinha ali ido desde a partida das crianças. Depois, mandou
esconder os carros por trás de um vasto telheiro. Por fim, dispôs
metade dos seus efectivos no exterior, camuflados atrás de
árvores e de moitas.
- Agora - disse ele às crianças - é a nossa vez de brincar!
Entremos depressa! Vocês, jovens, sobem para o primeiro andar com
o sr. Bartier. Aí estarão abrigados. Nós estenderemos a ratoeira
em que esses miseráveis cairão. Despachemo-nos . E não esqueçamos
de fechar bem a porta da entrada.
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Em breve, apertados no patamar do primeiro andar, os Cinco e
Patrice espreitavam, com curiosidade, através das barras do
corrimão.
Ninguém se mexia.
- Os polícias foram para a entrada, prontos a saltar sobre
os bandidos, quando eles chegarem - murmurou o Júlio.
-É ridículo! - suspirou a Ana no mesmo tom. O Eric e os
outros podem muito bem voltar só amanhã. ou mesmo mais tarde
ainda!
- Sim, mas a mulher não tardará a chegar! - assegurou a Zé.
- Não se esqueçam de que saíu a pé. Repito que não deve ter ido
muito longe, e é com isso que os polícias contam.
- Caluda! - sussurrou o Patrice. - Escutem. No andar por
baixo das crianças, o silêncio da entrada tinha sido perturbado
por um aviso, lançado a meia-voz pelo polícia encarregado de
vigiar:
-Atenção, chefe! Vejo uma figura de mulher na estrada. Ah!
Ela dirige-se para aqui!
O capitão aproximou-se, lesto, do polícia postado junto da
janela situada ao lado da porta. O polícia passou os binóculos ao
seu superior.
- Veja o senhor mesmo, capitão!
O capitão olhou e sorriu.
Depois, chamou a Zé.
- Depressa! - disse ele. - Olhe também, e diga-me se a
reconhece.
- Sim - respondeu a Zé. - É a nossa carcereira.
- Volte para junto dos seus companheiros e, sobretudo, não
se mexam e não façam barulho. A mulher chega aí num instante.
A Zé obedeceu. Os Cinco, uns contra os outros,
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esperaram, com o coração a bater, o desenrolar dos
acontecimentos.
A Ana, um pouco angustiada, apertou o braço do irmão mais
velho.
- Júlio! Tenho medo!
- Caluda! Cala-te.
- Que se irá passar?
- Os polícias irão, muito simplesmente, prender o nosso
carcereiro de saias. É cúmplice dos ladrões dos castelos, bem
merece o que lhe vai acontecer!
As crianças deixaram de sussurrar no patamar. Em baixo, na
entrada, os polícias, imóveis e mudos, estavam prontos a
actuar...
No silêncio geral, ouviram- se passos que, pelo lado de
fora, se aproximavam. Uma chave girou na fechadura. De onde
estavam, as crianças viram o fecho mexer. O batente da porta
abriu-se. A luz dourada do Sol entrou a rodos, brilhando sobre o
ladrilhado.
Sem desconfiar, a carcereira das crianças entrou. Tudo se
passou então com uma rapidez brutal. Surgidos da penumbra fresca,
dois polícias agarraram na mulher pelos pulsos e dominaram-na.
A mulher debatia-se furiosamente.
- Quem são vocês? Que me querem?
- Quem somos nós? O nosso uniforme indica-o claramente. O
que queremos? Saber quem é você!
- Não direi nada! Não têm o direito. - guinchou a mulher,
furiosa.
- Acha que não? - disse o capitão da Polícia, aproximando-
se. - Cuidado com o que responder. Prendo-a por cumplicidade com
os ladrões dos castelos, talvez você até seja um membro activo do
bando!
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- Não percebo o que estão a dizer! - gritou a mulher.
- Nego tudo, absolutamente tudo!
- Mesmo ter mantido estas crianças presas no seu sótão?
- respondeu o capitão, designando com a mão os Cinco agrupados no
patamar.
A mulher ergueu os olhos e atirou um olhar rancoroso às
crianças. Depois, encolhendo os ombros:
- Nem sequer sei quem eles são! - declarou ela.
- Simplesmente, as testemunhas de acusação! Nesse mesmo
instante, um barulho de motor soou do lado de fora. O polícia dos
binóculos, que tinha retomado o seu posto por trás da janela,
advertiu o superior:
- Vem aí um carro. com três homens dentro. Uma espécie de
gigante loiro e dois morenos, um dos quais barbudo.
- São eles! - exclamou a Zé. - São os nossos raptores!
- Daqui a pouco, meninos, têm de os identificar
oficialmente. Por agora, fiquem lá em cima... E a senhora nem uma
palavra para avisar os seus cúmplices, senão.
Aí, o capitão puxou a mulher para trás. O silêncio reinou de
novo. As crianças e Patrice esperavam, ofegantes. O desenlace
aproximava-se. Seria ele conforme aos seus votos?
Ouviu-se a viatura dos bandidos parar, próximo da casa:
Depois, a voz de Eric elevou-se, forte:
-Eh! Miriam! - chamou ele. - Estás aí? Tem novidade.
Partimos amanhã!
À medida que falava, o bandido empurrou a porta: A mulher -
Miriam - a quem ninguém prestava atenção - soltou-se, de súbito,
com um gesto brusco e gritou:
- Cuidado! Fujam! Está aqui a Polícia!
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Houve um breve segundo de silêncio, e depois ouviu-se os
bandidos a fugir. Furioso, o capitão da Polícia levou um apito à
boca.
Este sinal era destinado a alertar os polícias que se
encontravam lá fora. Mas o tempo de estes contornarem o edifício
permitiu que os bandidos se afastassem. O capitão e os seus
homens lançaram-se-lhes no encalce.
Já os Cinco e Patrice abalavam escada a baixo e saíam, por
sua vez, pela porta.
O espectáculo que se lhes oferecia fê-los parar um segundo:
diante deles, os bandidos fugiam em direcção ao carro, arumado um
pouco mais à frente, sob as árvores.
Num abrir e fechar de olhos, a Zé compreendeu que eles iriam
conseguir escapar aos seus perseguidores, cujos veículos ainda se
encontravam na parte de trás do edifício.
Não hesitou um segundo.
Designando os fugitivos com o dedo, ordenou ao Tim:
- Vai, Tim! Vai lá! Morde-lhes, meu querido cão!
O Tim não se fez rogado. Em três saltos lançou-se atrás dos
ladrões dos castelos.
O Eric ouviu-o e voltou- se. O bandido levantou um braço,
num movimento de defesa. mesmo a tempo de proteger a garganta -
as presas do Tim iam mesmo fechar-se sobre ela!
- Vá, larga-me! Estúpido animal! - gritou o Eric,
gesticulando e procurando libertar o antebraço, onde uma dolorosa
pressão se fazia sentir.
Em vão! - o Tim não abandonava a presa. Entretanto, os
polícias tinham alcançado o homem e o animal.
Assim que agarraram o Eric, o Tim, deixando de se interessar
por este, precipitou-se atrás dos outros dois bandidos.
Detestava, sobretudo, o Manuel, que o tinha fechado dentro de um
saco!
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Assim que o Manuel, que se voltava, viu as presas
ameaçadoras e os olhos brilhantes do Tim, sentiu um medo tão
violento que o animal não teve qualquer dificuldade em vencer
aquele miserável adversário. Ao primeiro choque, o Manuel,
aterrorizado pela emoção, rolou, desmaiado, no solo.
Faltava o José. O bandido, sem se preocupar com os seus
cúmplices, tinha alcançado o carro. Saltando para o assento, foi-
lhe fácil pôr o motor em marcha, que ainda estava quente. A
viatura arrancou.
Os polícias deixaram escapar uma exclamação de
desapontamento. O Patrice, o Júlio, o David e a Ana,
consternados, abanaram a cabeça. Apenas a Zé não se considerou
vencida.
- Vai, Tim! - gritou ela, de longe, ao seu cão. O animal
quase tinha alcançado o carro quando este lhe escapou. Talvez o
cão tivesse abandonado a luta se não fosse a ordem da dona. Mas,
galvanizado pela voz da Zé, fez um último esforço.
Acelerou bruscamente a sua corrida e, com um salto vigoroso,
saltou para o carro, cuja porta, José, na sua precipitação, se
esquecera de fechar. O carro não ia ainda muito depressa. Para se
defender, o José foi obrigado a deixar o volante. A situação não
melhorou, para ele... Privado de condutor, o carro foi embater
numa árvore. José, com a comoção, saíu do automóvel, lutando
sempre com o intrépido Tim. O capitão e os homens chegavam, um
pouco ofegantes. Só lhes restava prender o chefe dos assaltantes
dos castelos... que o Tim lhes deixou, em estado lastimoso.
Alguns instantes mais tarde, o capitão da Polícia, radiante
contemplava o Eric, a Miriam, o José e o Manuel que, de algemas
nos pulsos, faziam uma triste figura.
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- E agora - decidiu ele depois de ter felicitado
calorosamente a Zé e o bravo Tim - e agora, jovens, vou levá-los
à aldeia, onde o tio vos irá buscar. Mas antes, vamos explorar o
covil destes malandros!
Os jovens detectives não se tinham enganado. A
exploração da cave - cujas três fechaduras não resistiram aos
polícias - permitiu que se descobrissem todos os preciosos
tesouros roubados, nos castelos da região, pelo José e pela sua
quadrilha.
- Eis os relógios de ouro do marquês de Penlech!
exclamou a Zé, toda contente. - Como ele vai ficar radiante por
recuperá-los!
Um pouco mais tarde, depois de se terem despedido de
Patrice Bartier, os cinco e os polícias, encontraram o tio
Alberto, que acabava de chegar, apresentou à filha e aos
sobrinhos um rosto irritado.
- Se estão à espera que os felicite - gritou ele. -
enganam- se redondamente. A tua mãe, Zé, tem estado doente de
medo, por causa dessa loucura toda. Quanto a ti, Júlio, como mais
velho, devias ter um pouco mais de juízo. Nunca te perdoarei o
pânico que causaram à tia Clara!
As crianças baixaram a cabeça, perante aquela
descompostura.
Foi em vão que o capitão da Polícia, surpreendido com
tanta severidade, tentou acalmar o tio Alberto. Este nada quis
ouvir.
- Vocês serão castigados - declarou ele às crianças,
quando os levava de carro para o Casal Kirrin. - E, para começar,
confisco-lhes as motocicletas que a Polícia me devolveu. Quanto
ao Tim, ficará amarrado até ao fim das férias. Tenho dito!
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Nunca as férias tinham parecido tão lúgubres à Zé e aos
primos... Havia dois dias que se consumiam no Casal Kirrin, sem
sequer terem coragem de brincar.
A Zé, irada, recusava-se a abandonar o Tim, acorrentado à
sua casota. O Júlio, o David e a Ana faziam-lhe companhia.
- Não é justo! - suspirou o David. - Graças a nós, os
assaltantes estão presos, os museus recuperaram os seus
tesouros... e o marquês de Penlech os seus relógios.
- Olha! É mesmo ele que ali vem! - exclamou a Ana, olhando
para o lado do portão.
Com efeito, era o marquês de Penlech, fresco e elegante como
um jovem. Soubera pelo capitão da Polícia, que os seus jovens
heróis, como ele lhes chamava, estavam em sarilhos e vinha tentar
pagar a sua dívida de reconhecimento.
Como agiu ele para dobrar o severo tio Alberto e obter a
suspensão geral dos castigos? Nunca ninguém o soube ao certo.
Mas, depois de ter conversado com os pais da Zé, voltou ao
jardim, sorrindo e agitando na mão a chave do alpendre onde se
encontravam fechadas as motocicletas.
- Soltem depressa esse cão e vão dar um bom passeio!
- disse ele às crianças, loucas de alegria.
A Zé atirou-se-lhe simplesmente ao pescoço.
- Obrigada! Mil vezes obrigada! - gritou ela impulsivamente.
- Não tem de quê! - replicou ele, sorrindo. - Parece-me que,
se alguém tem de agradecer, sou eu... Muito obrigado pois, de
todo o meu coração, jovens! E muito obrigado também a ti, meu
bravo cão!
E, muito cerimoniosamente, o marquês apertou a pata ao Tim.
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Fim

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