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Condutas Vedadas, Abusos

de Poder e Captação
Ilícita de Sufrágio
Elaboração

Rogério de Moraes Silva

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


SUMÁRIO

SUMÁRIO............................................................................................................................................3

Apresentação...................................................................................................................................4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa......................................................................5

Introdução.....................................................................................................................................7

Unidade Única
Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio......................................... 9

CAPÍTULO 1
Condutas vedadas aos agentes públicos em campanha....................................................... 9

Capítulo 2
Captação ilícita de sufrágio................................................................................................... 22

Capítulo 3
Abuso de poder......................................................................................................................... 26

Para (não) Finalizar.......................................................................................................................30

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................31
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo
de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam
verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do
curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não
receber a certificação.

Para (não) Finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução

Após o processo de reconstitucionalização do Brasil, o Direito Eleitoral passou a ter cada vez
mais destaque no cenário nacional. Presenciamos, cotidianamente, o ajuste da legislação, as
alterações jurisprudenciais e a evolução da doutrina. Imersos em uma cultura política que convive
tradicionalmente com a falta de formação para a cidadania e com a presença de inúmeros ilícitos
eleitorais nas campanhas, a opinião pública passou a exigir combate mais eficaz e punições mais
severas a tais práticas.

De fato, no entorno do processo eleitoral, vários podem ser os comportamentos desviantes:


irregularidades na propaganda eleitoral, no uso da máquina pública, na gestão financeira dos
recursos de campanha, na conquista do voto do eleitor mediante a captação ilícita de sufrágio, no
comportamento dos meios de comunicação social, entre outros.

Na intenção de enfrentar esses ilícitos, o Direito Eleitoral apresenta um modelo sancionatório, que
passa por fixação de multa, cassação de registro ou de diploma, decretação de inelegibilidade, de
improbidade administrativa, suspensão de repasse de verbas do Fundo Partidário, sanções penais.

Nesta disciplina, analisaremos dois tipos específicos de ilícitos – as chamadas condutas vedadas e a
captação ilícita de sufrágio – e estudaremos o instituto do abuso de poder que pode configurar-se,
concretamente, em:

»» abuso de poder econômico;

»» abuso de poder político;

»» abuso de poder dos meios de comunicação social.

Nem todo ilícito eleitoral caracteriza abuso de poder. Em outras palavras, é possível
existir determinada prática irregular que, apesar de reprovável e merecedora de sanção,
não assume os contornos mais graves da figura do abuso. Assim, o instituto do abuso
de poder em Direito Eleitoral pressupõe situação qualificadora do mero ilícito e insta à
comprovação da lesividade potencializada da conduta irregular.

A distinção é de extrema relevância, uma vez que as sanções aplicadas variarão conforme o calibre
do ilícito, a fim de serem compatíveis com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Ilícitos isolados, de baixa lesividade, devem ser apenados em proporção distinta daqueles dotados
de gravidade, de amplo impacto. Estes, por exemplo, levam à decretação de inelegibilidade dos
responsáveis, enquanto os primeiros, não. Para ilustrar:

Representação. Conduta vedada. Inauguração de obra pública. 1. Este Tribunal


Superior já firmou entendimento no sentido de que, quanto às condutas vedadas do
art. 73 da Lei no 9.504/1997, a sanção de cassação somente deve ser imposta em casos
mais graves, cabendo ser aplicado o princípio da proporcionalidade da sanção em
relação à conduta. 2. Com base nos princípios da simetria e da razoabilidade, também

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deve ser levado em consideração o princípio da proporcionalidade na imposição
da sanção pela prática da infração ao art. 77 da Lei das Eleições. 3. Afigura-se
desproporcional a imposição de sanção de cassação a candidato à reeleição ao cargo
de deputado estadual que comparece em uma única inauguração, em determinado
município, na qual não houve a presença de quantidade significativa de eleitores
e onde a participação do candidato também não foi expressiva. [...]” (AgR-RO
890235/12/TSE)

Passemos, então, à análise dos ilícitos em espécie (condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio),
para, em seguida, detalharmos um pouco mais a figura do abuso. A fim de facilitar a leitura, confira
a breve lista de abreviações:

»» Constituição da República  CR/88

»» Lei no 9.504/1997 (Lei das Eleições)  LE

»» Lei no 4.737/1965 (Código Eleitoral)  CE

»» Lei no 9.096/1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos)  LOPP

»» LC 64/90 (Lei das Inelegibilidades)  LI

Objetivos da Disciplina
»» Analisar as espécies de conduta vedada previstas no art. 73 e seguintes da Lei
no 9.504/1997.

»» Detalhar os requisitos configuradores da captação ilícita de sufrágio prevista no art.


41-A da Lei no 9.504/1997.

»» Entender o instituto do abuso de poder em Direito Eleitoral, distinguindo-o dos demais


ilícitos.

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Unidade Única
Condutas vedadas, abusos de poder e
captação ilícita de sufrágio

CAPÍTULO 1
Condutas vedadas aos agentes públicos
em campanha

A proteção à isonomia das candidaturas


Um dos princípios mais caros do Direito Eleitoral e dos sistemas democráticos é o da isonomia
das candidaturas. Para que o eleitor possa formar adequadamente seu juízo de valor, é importante
que tenha franco acesso às opções políticas em jogo. O ordenamento jurídico deve coibir ações que
prejudiquem a liberdade das campanhas e o favorecimento irregular de determinados candidatos
ou partidos.

A história brasileira, contudo, registra grande variedade de práticas que violam o princípio. A
mais comum e mais antiga delas é o uso da própria estrutura estatal e da função pública em
prol de determinado candidato. O coronelismo e o patrimonialismo são dois fenômenos ainda
arraigados em várias partes do Brasil, provando que a política é definida, muitas vezes, pelo voto
de cabresto, pelo favorecimento com benesses públicas, pelo uso da máquina administrativa como
se privada fosse.

A legislação eleitoral possui normas específicas para regular esse tema – nomeadamente os artigos
73 e seguintes da LE. Estão aí as chamadas Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em
Campanha, uma lista de comportamentos proibidos e de regras de cautela, com vistas a proteger
o eleitor da manipulação eleitoral, promovida pela via do poder e da função públicos.

O conceito de agente público no contexto das


condutas vedadas
Importante mencionar que tais condutas proibidas não se referem apenas às praticadas por agentes
estatais. O legislador foi cuidadoso nesse ponto e ampliou o conceito para incluir todo aquele que,
de algum modo, ao se relacionar com a esfera estatal, possa utilizar-se dessa situação privilegiada
para influenciar a disputa em favor de si mesmo ou de seu apadrinhado.

Esse ponto fica nítido quando lemos o próprio conceito legal de agente público para fins de vedação
da prática das condutas vedadas, instituído pelo art. 73, §1o da LE:

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UNIDADE Única Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio

§ 1o Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda
que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta,
ou fundacional.

Isto é, o requisito essencial para configuração do agente é possuir qualquer vínculo com a
Administração Pública, seja ele remunerado ou não, transitório ou permanente. O conceito abrange,
assim, servidores públicos, agentes políticos, detentores de cargo de confiança, prestadores de
serviço etc.

As condutas vedadas em espécie


A Lei no 9.504/1997 instituiu uma lista razoável de condutas proibidas, cuja normativa foi sendo
ajustada ao longo dos anos. A configuração prevista inicialmente pelo legislador sofreu importantes
modificações com a Lei no 9.840/1999 e, em especial, com as Leis 11.300/2006 e 12.034/2009,
conhecidas com 1ª e 2ª Minirreformas Eleitorais.

Os objetivos dessas alterações foram, sobretudo, criar novas proibições e racionalizar o sistema
sancionatório previsto. Como se verá mais à frente, apesar dos avanços, ficaram ainda questões
pendentes, principalmente no que tange à assistematicidade do regime punitivo em relação aos
vários tipos de condutas vedadas.

Passemos, na sequência, a abordá-las individualmente. Peço licença para reproduzir o texto legal
que vai acrescido dos meus comentários. Como vimos, o art. 73 inaugura a série, e seu caput define
uma proibição genérica:

São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes
a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: Art.
73, I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens
móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização
de convenção partidária;

Uma das práticas mais usuais na tradição política brasileira: usar o patrimônio público em benefício
das campanhas eleitorais. Os exemplos são os mais variados: usar carros das Secretarias para
distribuir material de campanha, usar ônibus escolares públicos para transportar eleitores para
comícios, ceder imóvel para fixação de comitê eleitoral, usar a intranet da Prefeitura para disparar
e-mails com mensagens de campanha etc.

É importante atentar-se para o fato de que o tipo aqui analisado faz referência aos bens sujeitos aos
entes públicos não apenas em razão do vínculo de propriedade. Fala-se em bens pertencentes,
logo, a qualquer título. Incluem-se, assim, aqueles que se encontram na mera posse, em regime de
empréstimo ou mediante contrapartida financeira, de modo permanente ou transitório.

Existem algumas exceções. Vamos a elas.

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Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio UNIDADE Única

1. O próprio inciso menciona a primeira: ressalvada a realização de convenção


partidária. É que o art. 8o, §2o da Lei dispõe expressamente: “Para a realização
das convenções de escolha de candidatos, os partidos políticos poderão usar
gratuitamente prédios públicos, responsabilizando-se por danos causados com a
realização do evento.”.

2. Nas dependências do Poder Legislativo, a legislação autoriza a realização de propaganda


eleitoral, sujeita a aprovação e regulamentação pela Mesa Diretora do órgão (art. 37,
§3o da LE).

3. Para os chefes do Poder Executivo em campanha de reeleição (prefeitos, governadores


e presidentes), permite-se o uso da residência oficial para encontros e reuniões de
campanha, desde que o evento não se transforme em ato público (art. 73, §2o, da LE).
O mesmo artigo prevê o uso de transporte oficial pelo presidente da República em
campanha (o avião presidencial, por exemplo), desde que se faça o ressarcimento das
despesas ao Erário, em respeito às regras previstas no art. 76, da LE.

Por fim, a caracterização da conduta vedada em comento demanda prova da utilização eleitoral.
É preciso demonstrar o liame entre a prática da conduta e o objetivo de beneficiar candidato.

[...]. Conduta vedada. Utilização de imóvel público. Gravação de programa eleitoral.


Biblioteca pública. Mera captação de imagens. Benefício a candidatura. Não
caracterização. 1. Para configuração da conduta vedada descrita no art. 73, I, da Lei
no 9.504/97, é necessário que a cessão ou utilização de bem público seja feita em
benefício de candidato, violando-se a isonomia do pleito. 2. O que a lei veda é o uso
efetivo, real, do aparato estatal em prol de campanha, e não a simples captação de
imagens de bem público. 3. Ausente o benefício a determinada candidatura, não
há como se ter por violada a igualdade entre aqueles que participaram da disputa
eleitoral. [...] (Rp 326725/12/TSE)

Art. 73, II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas,
que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos
que integram;

Para o bom exercício funcional, a Administração Pública coloca materiais e serviços à disposição de
certos agentes, como cotas de correios, de impressão de material gráfico etc. Na prática, a questão
envolve mais diretamente o uso das prerrogativas parlamentares para fins de comunicação e
divulgação de atos ligados ao exercício do mandato, como expedição dos boletins parlamentares e
demais serviços gráficos.

As comunicações político-parlamentares devem ser vistas como um modo de prestação de contas


ao eleitorado, por meio das quais o agente político informa suas atividades, projetos, ideias.
Em determinadas circunstâncias, o limite que separa o lícito (comunicação política) do ilícito
(propaganda eleitoral) é rompido, configurando-se aconduta vedada. Portanto, publicar materiais
impressos acima das quotas de volume definidas no regimento interno das Casas, por exemplo,
pode configurar o tipo previsto, sobretudo em ano eleitoral.

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UNIDADE Única Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio

O ponto mais controvertido diz respeito à possibilidade ou não de configuração da conduta vedada
em razão do conteúdo da comunicação política. A principal regra a observar é a proibição de
pedido de voto ou apoio eleitoral. Curioso notar que as últimas reformas legislativas têm ampliado
o espectro de posicionamento político-eleitoral por parte dos pré-candidatos em período de pré-
campanha, o que impacta no comportamento dos agentes políticos e do uso que fazem dos canais
de comunicação oficial.

Até o advento da Lei no 12.034/2009, era bastante rígido o controle sobre a manifestação eleitoral
antecipada. À exceção do chamado ato de mera promoção pessoal, muito utilizado por agentes
políticos (mensagens de condolência, felicitações, faixas comemorativas etc.), as manifestações que,
expressa ou implicitamente, pudessem ser consideradas eleitorais eram reprimidas com veemência.

A Lei no 12.034/2009 incluiu, na LE, o art. 36-A, destacando algumas condutas que não poderiam
ser enquadradas como propaganda extemporânea, entre elas a divulgação de atos parlamentares
e debates legislativos. Em 2013, a Lei no 12.891 (3ª Minirreforma Eleitoral) alterou novamente o
dispositivo, fazendo constar expressamente, no inciso IV, que não será considerada propaganda
eleitoral, podendo haver cobertura de mídia, “a divulgação de atos de parlamentares e debates
legislativos, desde que não se faça pedido de votos”.

Desse modo, apesar de certa polêmica, entendemos que a conduta vedada aqui analisada se
configura, quanto ao conteúdo da manifestação, apenas nos casos de propaganda eleitoral expressa.

Art. 73, III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta
federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para
comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante
o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

Prática também muito usual é a famosa utilização de pessoas pertencentes ao quadro funcional do
Estado para, em horário de trabalho, fazer campanha. Em alguns municípios, por exemplo, é muito
comum o uso da Secretaria de Educação para esse propósito, instigando-se os superintendes de
ensino, diretores de escola e professores a, em horário de aula, influenciar os estudantes em favor
de determinado candidato.

Fora do expediente, como é óbvio, o servidor tem toda liberdade para participar ativamente de
campanhas, o que inclui horários de folga, descanso, licença remunerada ou não, férias e congêneres.

Art. 73, IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político
ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou
subvencionados pelo Poder Público;

Esse dispositivo prevê o uso direcionado de benesses públicas em benefício de campanhas políticas,
em regra, de apadrinhados eleitorais. Por isso, essa prática é mais comumente adotada não pelo
próprio candidato, mas por outro agente, em seu benefício. É o caso, por exemplo, nas eleições
municipais, de ações do governador em prol de candidato a prefeito.

Difere da conduta prevista no §10o (a ser analisada detidamente mais abaixo) porque, neste último
caso, o foco é a regulação da própria existência de programas sociais em ano eleitoral, enquanto, no
caso em tela, o foco é o desvirtuamento eleitoreiro dos programas.

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Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio UNIDADE Única

Art. 73,V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa,
suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício
funcional e, ainda, ex-officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na
circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob
pena de nulidade de pleno direito, ressalvados: a) a nomeação ou exoneração de cargos
em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança; b) a nomeação para
cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas
e dos órgãos da Presidência da República; c) a nomeação dos aprovados em concursos
públicos homologados até o início daquele prazo; d) a nomeação ou contratação
necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais,
com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo; e) a transferência ou
remoção ex-officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários.

O dispositivo refere-se à gestão de pessoas na administração pública, com vistas a evitar perseguições
ou outorga de privilégios com objetivos eleitoreiros. O período de proibição é de três meses antes
da data da eleição até a posse dos eleitos. Aliás, como veremos abaixo, os três meses anteriores ao
pleito mereceram grande atenção do legislador. Nesse período, a cautela deve ser redobrada e, por
isso, vários comportamentos passaram a ser proibidos.

Ainda quanto ao inciso, a limitação quanto à gestão de pessoas fica restrita às circunscrições cujos
cargos estejam em disputa. Nas eleições municipais, portanto, não há impedimento, por exemplo,
para contratação, admissão e demissão sem justa causa de quadros para a Administração Pública
estadual.

As exceções legais que escapam à proibição são, resumidamente: os cargos comissionados; a


nomeação de membros do Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Conta e órgãos da
Presidência; os nomeados para concursos, desde que estes tenham sido homologados até a véspera
do período vedado; os cargos para serviços públicos essenciais, desde que haja autorização prévia e
expressa do Chefe do Poder Executivo; e os agentes de segurança, excluídos os guardas municipais.

Dessas exceções legais, a mais discutida é a nomeação para concursos públicos. Não é por existir
um processo eleitoral em curso que a Administração Pública deva estagnar. Inexiste restrição,
portanto, para a realização de concurso público em ano de eleições. Mesmo no período vedado,
o Ente pode promover o certame. O que a legislação veda é a nomeação dos aprovados nos três
meses anteriores ao pleito, a não ser que o concurso tenha sido homologado até antes dessa data.

Não podemos nos esquecer das exceções construídas pela jurisprudência. Entendeu-se, assim, ser
possível gerir pessoas no serviço público, mesmo no período vedado, nos casos de contratação de
mão de obra terceirizada e de estagiário (salvo nos casos de burla com finalidade eleitoral), demissão
por justa causa, exoneração e transferência voluntárias.

A Justiça Eleitoral é competente para análise da ilegalidade do ato, podendo anular os atos
irregulares e, como consequência, até mesmo determinar a reintegração ou a remoção do servidor.
Não obstante, eventuais reinvindicações trabalhistas devem ser questionadas junto à Justiça do
Trabalho, assim como indenizações por danos materiais e morais atraem a competência da Justiça
Comum Federal ou Estadual, a depender do caso.

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UNIDADE Única Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio

Art. 73, VI - nos três meses que antecedem o pleito:a) realizar transferência voluntária
de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob
pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir
obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e
com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de
calamidade pública;

É preciso ter cuidado com as transferências de recursos entre entes federativos que não sejam
derivadas de determinações legais ou judiciais, a fim de se bloquear o direcionamento político-
eleitoral dos recursos públicos às vésperas da eleição. Por isso, as chamadas “transferências
voluntárias” não podem, em regra, ser realizadas nesse período.

São duas as exceções previstas em leis.

A mais simples refere-se às situações de emergência e calamidade pública, justificáveis por si só.
Há, ainda, outra exceção que merece olhar mais apurado. Trata-se da transferência voluntária para
fazer face a custos de obra ou de serviço, objetos de convênios e parcerias entre os entes. Nesse caso,
alguns requisitos precisam ser cumpridos para garantir a legalidade do repasse:

a. obrigação formal preexistente, consubstanciada em instrumento jurídico próprio;

b. cronograma prefixado, para evitar parcerias de última hora, com déficit de planejamento;
e

c. mais polêmico, o serviço ou a obra deve estar em andamento.

A principal questão em relação a este último critério é: a partir de que momento o serviço ou a obra
podem ser considerados em andamento? Basta a abertura do processo de contratação, via licitação
ou inexigibilidade/dispensa ou necessita-se do início da execução material do serviço ou da obra?
Há decisões oscilantes da Justiça Eleitoral sobre o tema, muito embora haja uma tendência
de se considerar a segunda opção como a mais correta. Isto é, repassada verba federal para o Estado
asfaltar rodovia, só não será considerado conduta vedada se a transferência for concomitante ou
posterior às operações concretas de engenharia.

Art. 73,VI, a, da Lei 9.504/1997. Convênio celebrado com o governo do estado para a
pavimentação de ruas e construção de casas populares. Transferência voluntária dos
recursos no período vedado, destinados à execução de obra fisicamente iniciada nos
três meses que antecedem o pleito.

Resolução-TSE n. 21.878, de 2004. À União e aos Estados é vedada a transferência


voluntária de recursos até que ocorram as eleições municipais, ainda que resultantes
de convênios ou outra obrigação preexistente, quando não se destinem à execução de
obras ou serviços já iniciados fisicamente. (REspe 25.324/06/TSE)

Veja que a vedação não alcança repasses para entidades privadas, tais como ONGs e OSCIPs, para,
em nome do Poder Público, realizar programas sociais. Contudo, se houver algum desvio eleitoral,
a ilegalidade poderá configurar as hipóteses previstas no art. 73, IV e §10, da LE.

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Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio UNIDADE Única

Art. 73,VI - nos três meses que antecedem o pleito:b) com exceção da propaganda
de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade
institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos
federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração
indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida
pela Justiça Eleitoral;

A chamada propaganda institucional é regulada pelo art. 37, §1o, da CR/1988 que dispõe:

A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos
deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo
constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de
autoridades ou servidores públicos.

No Brasil, o volume de verbas gasto com essa modalidade de propaganda é bastante exagerado,
assim como é grande o número de fraudes e desvios de recursos no processo de contratação. Para
evitar que a propaganda institucional sirva como instrumento de influência eleitoral, o legislador
preferiu proibi-la nos três meses que antecedem o pleito.

É muito interessante perceber que o que se proíbe é “autorizar publicidade institucional”. O


verbo indica, pois, a vedação de novas propagandas institucionais, não se referindo diretamente
às propagandas realizadas em período permitido. Não obstante, é muito comum, inclusive por
iniciativa do próprio órgão público envolvido, apagar, suspender, tapar essas últimas. É o caso das
placas de obras públicas com partes escondidas por tinta ou faixas (normalmente a logomarca da
gestão), de sites institucionais na internet com funcionalidade reduzida (páginas oficiais e canais
nas redes sociais suspensos).

Se formos analisar por um ângulo estrito, essas precauções parecem desnecessárias. Ocorre, porém,
que ainda é muito usual a criação de logomarcas que caracterizam visualmente determinada gestão.
Uma vez criadas, boa parte dos gestores determina sua aposição nos ônibus, nas repartições públicas,
nas propagandas institucionais etc.

Não há uma proibição legal clara em relação ao uso desses símbolos, mas há uma tendência em
restringi-los. Um importante precedente foi estabelecido em 2008, no julgamento do Recurso
Extraordinário 191.668, pelo STF. Na ocasião, o STF entendeu que o slogan “Administração
Popular” inscrito nas propagandas institucionais do município de Porto Alegre feria o princípio da
impessoalidade, uma vez que vinculava a propaganda ao partido no poder.

De todo modo, no Direito Eleitoral é possível explorar juridicamente a não suspensão


dessa publicidade durante o período vedado a depender do caso concreto. Não faz
sentido, por exemplo, a Câmara de Vereadores ter que retirar o seu canal jornalístico
do YouTube por receio de que, eventualmente, apareça a logo em uma determinada
entrevista ou matéria.

Não obstante, em termos de consultoria jurídica, é sempre bom ter cautela, já que existem decisões
bastante restritivas quanto à matéria, entendendo que a manutenção da publicidade institucional
no período vedado configura ilícito.

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UNIDADE Única Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio

Veja:

[...]. - Configura propaganda institucional vedada a manutenção de placas de obras


públicas colocadas anteriormente ao período previsto no art. 73, VI, b, da Lei das
Eleições, quando delas constar expressões que possam identificar autoridades,
servidores ou administrações cujos cargos estejam em disputa na campanha eleitoral.
[...]. (ED-ED-AgR-AI 10.783/10/TSE)

Voltando ao dispositivo legal, ele menciona a existência de duas exceções legais:a primeira, relativa
aos casos em que o órgão produz bens ou presta serviços em regime de concorrência privada. Nessas
hipóteses, não se pode restringir o acesso à propaganda, sob pena de violar o princípio da livre
concorrência, bem como lesar patrimonialmente o anunciante. A segunda refere-se à publicidade
em casos de grave e urgente necessidade pública, tal como nas campanhas de vacinação, de combate
a enfermidades etc. Nesta última hipótese, a lei reserva à Justiça Eleitoral a competência para
decidir se autoriza ou não a propaganda. Por isso, torna-se obrigatório peticionar ao foro eleitoral
competente, solicitando a realização da publicidade antes de veiculá-la.

Art. 73,VI - nos três meses que antecedem o pleito: c) fazer pronunciamento em
cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério
da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das
funções de governo;

Dispositivo de simples interpretação. O uso das comunicações oficiais via cadeia integrada de rádio
e televisão, no período vedado, fica sujeito à análise e à aprovação da Justiça Eleitoral. A proibição
aqui se limita à esfera das circunscrições sujeitas à disputa eleitoral.

Art. 73,VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior,
despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais,
ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos
gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente
anterior à eleição.

Na tentativa de limitar os gastos com publicidade institucional nos anos eleitorais, o legislador
previu um teto máximo de despesas sob essa rubrica. É necessário que o órgão anunciante calcule
duas médias de gastos: primeira, a dos últimos três anos; segunda, a do último ano. A menor
média encontrada fixa o teto de gastos para o ano eleitoral, lembrando que, em virtude do já
estudado inciso VI,b, essa modalidade de publicidade torna-se proibida a partir dos três meses
anteriores ao pleito.

Para exemplificar, tomemos o caso hipotético de uma Secretaria de Comunicação de determinado


Estado da Federação. Somando os recursos gastos entre 1o/1/2011 e 31/12/2013, a média anual foi
de R$15 milhões. Focando apenas o ano de 2013, de janeiro a dezembro foram despendidos R$11
milhões em publicidade institucional. Nesse caso, a menor média é R$11 milhões, pelo que este será
o limite de gastos da Secretaria no ano de 2014. Na prática, o resultado é curioso, pois esse valor
poderá ser gasto integralmente no primeiro semestre, uma vez que, como vimos, torna-se proibida
a veiculação de novas propagandas institucionais a partir do início de julho do ano eleitoral.

16
Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio UNIDADE Única

Art. 73,VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos


servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao
longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7o desta Lei e
até a posse dos eleitos.

A revisão de remuneração de servidores públicos se sujeita a um amplo tratamento normativo


constitucional e infraconstitucional. Segundo a Constituição da República, a remuneração dos
servidores públicos somente poderá ser fixada ou alterada por lei específica, “assegurada revisão
geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices” (art. 37, X).

Trata-se aqui, propriamente, de uma das espécies de revisão de remuneração, intitulada Revisão
Geral. Essa modalidade tem por finalidade atualizar o valor da remuneração de todos os servidores
públicos, independentemente das respectivas áreas de atuação. O objetivo central é recompor o valor
real da remuneração, tendo em vista a perda do seu poder aquisitivo frente à inflação, admitindo-se,
em certas circunstâncias, aplicação de percentuais de ajuste superiores aos índices inflacionários.

Decorre do artigo a fixação de um período vedado, quando se proíbe a revisão geral que exceda
a perda inflacionária verificada ao longo do ano da eleição. O prazo a que se refere a parte final
da norma em comento é de 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao pleito que, no ano de 2014,
corresponderá ao dia 8 de abril.

Em resumo: após 8/4/2014, nas circunscrições eleitorais próprias (Estados e União), só será
possível praticar aumento de despesa com funcionalismo público na modalidade de revisão geral da
remuneração se forem asseguradas concomitantemente as seguintes condições:

a. aplicação de índices oficiais de reajustes;

b. garantia da mera recomposição do valor da remuneração;

c. perda inflacionária medida no período entre 1o de janeiro e a data da concessão do


reajuste.

Apesar dessas vedações, urge ressaltar que a Revisão Geral não se confunde com outra modalidade,
aqui denominada de Revisão Setorial. Enquanto aquela tem por destinatário a integralidade dos
servidores, esta focaliza determinado segmento. Enquanto a primeira objetiva, em regra, recompor
a perda inflacionária, esta almeja proceder à reestruturação de determinada carreira.

Nesse sentido, a proibição aqui analisada não alcança a revisão setorial, relativamente a determinada
categoria de servidores, cuja remuneração, plano de carreira e estrutura funcional demandam
revalorização profissional.

Tal entendimento se escora na jurisprudência do TSE. Na Consulta 772/2002 (Resolução


21.054/2002), a Corte aprovou por unanimidade o voto do Ministro Relator Fernando Neves,
dispondo que:

a aprovação, pela via legislativa, de proposta de reestruturação de carreira de servidores


não se confunde com revisão geral de remuneração e, portanto, não encontra obstáculo
na proibição contida no art. 73, inciso VIII, da Lei no 9.504, de 1997.

17
UNIDADE Única Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio

Independentemente do tipo de revisão, se geral ou setorial, há outras normas a observar, sob pena
de inconstitucionalidade e ilegalidade da medida.

O artigo 169, §1o, da Constituição determina que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de
remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem
como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, só poderão ser feitas se houver prévia
dotação orçamentária e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias.

É preciso observar, ainda, outras duas vedações previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF.

1. Respeito ao limite máximo de gastos com pessoal

A LRF, na intenção de conter o inchaço desmesurado das folhas de pagamento com


pessoal, previu percentuais máximos a serem respeitados pelos entes da Federação,
relativamente a cada um dos três Poderes, Tribunais de Conta e Ministério Público. É
o que determinam seus artigos 19 e 20.

Por outro lado, o art. 22, parágrafo único, inciso III da mesma lei proíbe alteração
de estrutura de carreira que implique aumento de despesa quando o total da despesa
com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) dos respectivos percentuais
previstos no art. 20.

2. Observância de data-limite para aprovação de lei que implique aumento de despesa


com pessoal no último ano do mandato

O artigo 21, parágrafo único da LRF, determina que, no ano eleitoral e no âmbito da entidade
federativa cujos cargos eletivos estão em disputa, o aumento de despesas com pessoal só será válido
se aprovado até 4 de julho.

Resumindo os pontos centrais relativos ao inciso em comento:

»» em cada ano eleitoral, é permitida, até 181 dias antes da eleição (abril, em regra),
revisão geral para todo funcionalismo público, com base em índice de reajuste superior
ao da inflação;

»» após esse prazo, é permitida revisão geral para todo o funcionalismo público, com base
em índice oficial de inflação e limitada ao período compreendido entre 1o de janeiro do
ano eleitoral e a data da efetiva concessão;

»» não há vedação para revisão setorial, desde que:

›› prevista em lei específica;

›› aprovada até 4 de julho;

›› não atingido o limite de 95% (noventa e cinco por cento) dos percentuais máximos
que os Poderes ou órgãos podem despender em gastos com pessoal, considerados
ainda os limites específicos previstos na LRF para cada ente federado;

18
Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio UNIDADE Única

›› presente dotação orçamentária;

›› existente autorização via Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Sobre o tema, os que tiverem interesse em maior aprofundamento podem checar meu parecer
publicado na Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.

Art. 73, § 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita
de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos
de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados
em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o
Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira
e administrativa. § 11. Nos anos eleitorais, os programas sociais de que trata o § 10
não poderão ser executados por entidade nominalmente vinculada a candidato ou
por esse mantida.

Diferentemente da proibição contida no já estudado art. 73, IV, essa vedação não se refere à proibição
de manipulação eleitoreira mediante distribuição de benesses, mas se refere à própria existência
depolíticas públicasde cunho social em ano eleitoral. Isto é, excetuando-se os casos de calamidade
pública e de estado de emergência, não é possível criar programa de distribuição gratuita de bens,
valores ou benefícios em ano de eleições.

Como é óbvio e já ressaltado, a Administração Pública não pode parar exclusivamente porque há
disputa em vista. Por isso é que se permite a continuidade da execução de programas sociais em
ano eleitoral, desde que eles tenham sido aprovados por lei e com execução orçamentária iniciada no
ano anterior. Esta a principal questão a reter: proíbe-se a criação, mas não a execução de programa
anteriormente criado.

Alguns exemplos muito usuais de programas irregulares criados no ano eleitoral: titularização gratuita
de terras, concessão de cestas básicas, entrega de kits com material esportivo, concessão de isenção de
impostos, entre tantos outros. Todos que atuamos na área conhecemos casos curiosíssimos, como o
do prefeito, candidato à reeleição que, em setembro, mediante decreto municipal concede isenção de
IPTU para todos os aposentados e pensionistas com propriedade no município.

No contexto da proibição, o §11 veda que a execução dos programas sociais seja feita por entidade
mantida por candidato ou com seu nome, mediante parcerias e convênios com o Poder Público.

Art. 75. Nos três meses que antecederem as eleições, na realização de inaugurações é
vedada a contratação de shows artísticos pagos com recursos públicos.

O artigo tem por finalidade vedar o uso de dinheiro público em eventos que poderiam ser
maliciosamente agendados às vésperas da eleição para atrair grande público. Perceba que o
dispositivo menciona inaugurações, o que não significa que festas tradicionais não possam obter
apoio institucional e mesmo financeiro por parte do ente público.

Art. 77. É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem
o pleito, a inaugurações de obras públicas.

19
UNIDADE Única Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio

A primeira versão textual do artigo utilizava o verbo “participar”nas inaugurações e restringia-se a


candidatos ao Poder Executivo. Com a Lei no 12.034/2009, a redação foi alterada. O verbo passou a
ser “comparecer”,e a proibição se estendeu a todo candidato.

Nas eleições de 2010, o rigor com essa conduta foi mais forte, pelo que bastava a presença física para
configuração do tipo. Atualmente, é imperioso demonstrar a ocorrência de benefício eleitoral, não
sendo suficiente a prova simples da presença no local da inauguração. Assim, uma foto isolada em
que o candidato aparece caminhando na rua em frente à Praça inaugurada possui baixa consequência
jurídica, ao passo que a existência de áudio com manifestação do mestre de cerimônias agradecendo
a presença do candidato já importa danos maiores.

Aqui também é importante distinguir inaugurações de eventos públicos. A lei não veda o
comparecimento a eventos públicos, desde que não haja inauguração, uma vez que isso faz parte da
atividade corriqueira dos gestores.

Recurso contra expedição de diploma. Provas incontestes. Ausência. Função


administrativa. Exercício regular. Preceitos legais. Violação. Ausência. Provimento
negado. A participação em evento público, no exercício da função administrativa, por
si só, não caracteriza ‘inauguração de obra pública’. Ausentes provas incontestes da
utilização da máquina administrativa com finalidade eleitoreira, nega-se provimento
ao recurso contra expedição do diploma. (Ac. 608/04/TSE)

Sistema sancionatório
Apesar das alterações promovidas pelas reformas legislativas recentes, não há uniformidade no
regime sancionatório aplicável às condutas vedadas. Há, na prática, dois “pacotes” punitivos
distintos: um Geral, aplicável à maior parte dos tipos previstos; e outro Especial, restrito a apenas
duas condutas específicas.

Regime Geral

Para todas as condutas previstas nos incisos e no parágrafo 10o do artigo 73 da LE, a legislação prevê
o conjunto das seguintes consequências:

a. suspensão imediata da conduta (art. 73, §4o, LE);

b. multa, duplicada por reincidência (art. 73, §§4o e 6o, LE);

c. cassação do registro ou do diploma (art. 73, §5o, LE);

d. improbidade administrativa (art. 73, §7o, LE);

e. exclusão do Partido do repasse do Fundo Partidário (art. 73, §9o, LE);

f. inelegibilidade, no caso de cassação do registro ou do diploma (art. 1o, I, “j”, LI).

20
Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio UNIDADE Única

Regime Especial
Não obstante, há dois tipos legais que se sujeitam a um pacote sancionatório diferenciado. É o caso
das condutas vedadas previstas no artigo 75 (proibição de contratação de shows) e no artigo 77
(comparecimento a inaugurações de obras públicas), ambos da Lei 9.504/1997. Nesses casos, a lei
prevê apenas três consequências:

a. suspensão imediata da conduta, no caso do art. 75, LE (art. 75, parágrafo único, LE);

b. cassação do registro ou do diploma, em ambos os casos (art. 75, parágrafo único c/c
art. 77, parágrafo único, LE);

c. inelegibilidade, no caso de cassação do registro ou do diploma (art. 1o, I, j, LI).

Segmentação das penas e reforma legislativa


É um fenômeno comum no Direito, inclusive comparado à possibilidade de segmentação das penas
aplicáveis aos ilícitos a depender do grau de lesividade destes. Por mais que o ordenamento desenhe
um amplo conjunto de sanções, sua aplicação integral aos casos concretos não se faz de modo
automático. Isso significa que ilícitos menores devem se sujeitar a penas menores, enquanto ilícitos
graves atraem o sancionamento à máxima potência. No fundo, a questão envolve a aplicação dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, usuais na jurisprudência das Cortes brasileiras,
em especial, do Supremo Tribunal Federal.1

Assim o é também quanto ao instituto da conduta vedada. Ambos os regimes sancionatórios, Geral
e Especial, admitem a possibilidade de aplicação parcial das consequências previstas. Em outras
palavras, uma conduta vedada de baixa gravidade poderá ser apenada tão somente com multa,
excluindo-se as demais sanções, ao passo que condutas lesivas poderão atrair o pacote completo.

A título de exemplo, podemos citar o conhecido caso do prefeito, candidato à reeleição, que foi
processado por abuso de poder e pela prática da conduta vedada do art. 73, I , da LE , mas cuja
prova acostada aos autos resumia-se a uma única folha timbrada do Município com rascunhos de
campanha. Nesse caso, sequer a multa foi aplicada, indeferindo-se integralmente o pedido.2

Quanto ao que chamamos regime sancionatório especial, não há sentido algum para sua
manutenção. É preciso uniformizar essa questão, viabilizando ao aplicador o conjunto
completo de consequências para que ele possa, à luz do caso concreto, medir a aplicação
ponderada das sanções.

Aliás, o regime específico é hoje um imenso problema para os juízes eleitorais, na medida em que,
apesar de prever apenas duas sanções comuns às condutas vedadas, gera consequências gravíssimas:
cassação do registro ou do diploma e inelegibilidade. Ou seja, a legislação não dá ao magistrado
margem de discricionariedade para aplicar sanções menos graves, como multa. Ou ele aplica as
piores sanções do Direito Eleitoral ou deixa o comportamento ilícito sem qualquer punição.

Por isso, urge alterar a lei para uniformizar o regime sancionatório incidente sobre as condutas
vedadas, extinguindo-se o regime especial.
1 A título de exemplo, ver: AgR-AI 486.439/08, ADI 855 /09

2 Ac. 25.073/05/TSE.

21
Capítulo 2
Captação ilícita de sufrágio

Generalidades
Outra das grandes mazelas da tradição política brasileira é a compra de votos, juridicamente
conhecida como captação ilícita de sufrágio. A prática da cessão do voto em troca de benesses
é, individualmente considerada, uma das piores chagas da democracia, uma vez que destrói a
autonomia política dos cidadãos.

No final da década de 1990, amplo espectro de associações civis e de movimentos sociais brasileiros
empreendeu campanha de reforma legislativa para fortalecer o combate a esse ilícito. O resultado
foi a inclusão do art. 41-A na LE, tipificando a conduta e prevendo pena de multa e de cassação do
registro ou do diploma do candidato.

Apenas em 2010, com o advento da Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), foi prevista decretação de
inelegibilidade para os que tiverem o registro ou o diploma cassado pela prática do ilícito, criando,
então, uma situação mais adequada de resposta contra a compra de votos.

Requisitos legais
São três os requisitos legais para configuração do tipo.

1. Conduta definida (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem)

O princípio diretamente violado pela prática do ilícito é o da liberdade de voto do


eleitor. A conduta pressupõe que a atratividade do bem ou da vantagem ofertados mina
a autonomia de vontade do cidadão, restringindo sua liberdade de escolha.

2. Conduta dirigida ao eleitor

O destinatário da conduta é o eleitor, logo, o alistado em pleno exercício dos direitos


políticos e hábil a votar no candidato que, por meio próprio ou mediante interposta
pessoa, oferece a benesse.

O ilícito não se configura quando o destinatário da promessa está, por exemplo, com
direitos políticos suspensos ou quando não vota na circunscrição eleitoral do candidato.

[...] Na espécie, foi comprovado que a pessoa beneficiada com a doação de um saco de
cimento e com promessa de recompensa estava, à época dos fatos e das Eleições 2008,
com os direitos políticos suspensos, em razão de condenação criminal transitada em
julgado. Logo, não há falar em violação à liberdade do voto de quem, por determinação
constitucional, (art. 15, III, da Constituição), está impedido de votar, motivo pelo
qual a conduta descrita nos autos é atípica.[...] (HC 672/10)

22
Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio UNIDADE Única

3. Finalidade de obtenção do voto

A conduta deve visar obrigatoriamente a conquista do voto, devendo ser clara a


finalidade eleitoral almejada.

Em 2009, a Lei 12.034 reformou o dispositivo legal, incluindo alguns pontos


anteriormente não previstos, sobretudo no que tange a questões de cunho processual.
Não deixou de prever, contudo, outra hipótese material de ocorrência do ilícito no novo
§2o, do art. 41-A: as sanções previstas também se aplicam àqueles que praticarem atos
de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. Com isso, a lei
passou a punir o amedrontamento, a coação feita sobre o eleitor por grupos e facções
direcionadas eleitoralmente.

Evolução jurisprudencial
Todos nós sabemos que a realidade do mundo, da vida é muito mais complexa do que a dos textos
legais. Em matéria política e cultural envolvendo eleições, a diversidade das situações concretas é
ainda mais pujante.

Exatamente por isso, a Justiça Eleitoral acabou se deparando com fatos distintos, casos especiais
que acabaram por promover alteração no entendimento das Cortes em relação ao desenho dos
requisitos configuradores do ilícito. A jurisprudência caminhou no sentido de tornar mais rigorosa a
punição da compra de votos, abarcando materialmente situações derivadas indiretamente do texto
legal. Vejamos essa evolução em relação a cada um dos três requisitos legais vistos acima.

1. Conduta praticada por interposta pessoa

Em algumas hipóteses, o candidato poderá ser responsabilizado ainda que a conduta


seja praticada por terceiro. Não é necessário, portanto, que o candidato tenha
participação direta para que sofra as consequências legais. Obviamente, é preciso ficar
provada a anuência deste com a prática do ilícito.

[...]. Captação ilícita de sufrágio. Participação direta. Prescindibilidade. Anuência.


Comprovação. [...]. 1. No tocante à captação ilícita de sufrágio, a jurisprudência desta
c. Corte Superior não exige a participação direta ou mesmo indireta do candidato,
bastando o consentimento, a anuência, o conhecimento ou mesmo a ciência dos
fatos que resultaram na prática do ilícito eleitoral, elementos esses que devem ser
aferidos diante do respectivo contexto fático [...]. No mesmo sentido: Conforme
já pacificado no âmbito desta Corte Superior, para a caracterização da infração
ao art. 41-A da Lei das Eleições, é desnecessário que o ato tenha sido praticado
diretamente pelo candidato, mostrando-se suficiente que, evidenciado o benefício,
haja dele participado de qualquer forma ou com ele consentido [...]. 2. Na espécie,
semanas antes do pleito de 2008, eleitores de baixa renda foram procurados em suas
residências por uma pessoa não identificada que lhes ofereceu, em troca de votos,
vales-compra a serem utilizados em supermercado cujo um dos proprietários era o

23
UNIDADE Única Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio

recorrente Euri Ernani Jung. De posse dos vales, os eleitores eram autorizados a fazer
a troca das mercadorias diretamente com a gerente do estabelecimento. 3. Não se
trata, na espécie, de mera presunção de que o candidato detinha o conhecimento da
captação ilícita de sufrágio, mas sim de demonstração do seu liame com o esquema
de distribuição de vales-compra e troca por mercadorias no supermercado do qual
era um dos proprietários. [...] (AgR-Respe 35.692/10/TSE)

2. Desnecessária identificação individual do beneficiário

A depender das circunstâncias, considera-se praticado o ilícito quando, ainda que não
individualizado o eleitor beneficiado, exista oferecimento de benefício pessoal concreto.
Um exemplo é a oferta de material de construção feita em reunião com representantes
de associação de bairro e dirigida, de modo genérico, aos associados.

[...]. Captação de sufrágio do art. 41-A da Lei no 9.504/97. [...]. 1. Na linha da


jurisprudência desta Corte, estando comprovado que houve captação vedada de
sufrágio, não é necessário estejam identificados nominalmente os eleitores que
receberam a benesse em troca de voto, bastando para a caracterização do ilícito a
solicitação do voto e a promessa ou entrega de bem ou vantagem pessoal de qualquer
natureza. [...]. (REspe 25.256/06/TSE)

Nesse ponto, é preciso ter muita atenção para a distinção entre promessas aptas a
configurar o ilícito e promessas válidas próprias do jogo eleitoral. Todo candidato
apresenta algum plano de campanha. São pautas, projetos, estratégias, perspectivas
apresentadas aos eleitores com a intenção de conquistar o voto. As promessas normais
não podem ser coibidas, pois são efeitos naturais das plataformas políticas.

[...]. Representação. Captação ilícita de sufrágio. 1. A exposição de plano de governo


e a mera promessa de campanha feita pelo candidato relativamente ao problema de
moradia, a ser cumprida após as eleições, não configura a prática de captação ilícita
de sufrágio. 2. Não há como se reconhecer a conduta descrita no art. 41-A da Lei no
9.504/97 quando, a despeito do pedido de voto, não ficou comprovado o oferecimento
de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza. [...] (AgR-AI 196.558/10/TSE)

[...] As promessas genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e


privados, não são capazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei no 9.504/97. [...]
(AgR-AI 4.422/03/TSE)

3. Desnecessário pedido explícito de voto

Existem determinados casos em que, muito embora não haja pedido explícito de
voto, este se presume. São situações excepcionais, em que todos os demais critérios se
configuram (concessão de benesse a eleitores), à exceção da externalização do pedido.
Contudo, a circunstância revela de modo claro para os envolvidos que se trata de
tentativa de conquista de voto pela outorga de bens ou vantagens.

O caso mais famoso no Direito Eleitoral brasileiro é o do oferecimento de curso pré-


vestibular gratuito em período eleitoral para todos os alunos:

24
Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio UNIDADE Única

RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE


SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N 9.504/97. DESNECESSIDADE DE NEXO
DE CAUSALIDADE. ANUÊNCIA DO CANDIDATO. 1. Manutenção em período
eleitoral de “cursinho pré-vestibular” gratuito e outras benesses, às vésperas da
eleição, revelam o intuito do candidato em obter votos. 2. Para caracterização
da conduta ilícita é desnecessário o pedido explícito de votos, basta a anuência
do candidato e a evidência do especial fim de agir. (RO 773/04/TSE)

Em 2009, a Lei no 12.034 deixou essa questão ainda mais clara ao inserir o parágrafo
1o no art. 41-A: “Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido
explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir”.

Não podemos nos esquecer, ainda, da chamada compra da abstenção eleitoral. Já


houve casos em que o aliciante, ao se deparar com a negativa do eleitor em votar
em determinado candidato, propõe, então, que o eleitor não vote no opositor e se
abstenha de exercer seu direito, mediante recompensa. Configurada está, igualmente,
a captação ilícita de sufrágio.

[...] resta configurada a violação ao art. 41-A da Lei no 9.504/97 mesmo em caso
de pagamento para abstenção do voto, posição que demonstra a preocupação
desta Corte com a efetiva repressão do ilícito. [...](REspe 25.878/2007/TSE)

2.4 Sanções
A punição à compra de votos prevê as seguintes consequências:

a. multa de um mil a cinquenta mil UFIR (art. 41-A, caput, LE);

b. cassação do registro ou do diploma (art. 41-A, caput, LE);

c. inelegibilidade, no caso de cassação do registro ou do diploma (art. 1o, I, j, LI).

Aqui também existe a possibilidade de segmentação das penas a depender da amplitude e da


gravidade do ilícito. É possível, assim, decidir apenas pela multa nos casos de ilícitos mais leves.

25
Capítulo 3
Abuso de poder
Como vimos, o abuso de poder caracteriza-se por ilícitos qualificados dotados de lesividade
potencializada. Em princípio, todo ilícito eleitoral pode, a depender das circunstâncias, assumir as
vestes de abuso. Uma coisa é, por exemplo, a prova de empréstimo do carro oficial para o advogado
do candidato comparecer, em uma única ocasião, à Justiça Eleitoral, o que atrai o art. 73, I, LE e
implicará, possivelmente, apenas sanção pecuniária. Outra coisa é restar provado o uso massivo e
regular dos veículos pertencentes à Prefeitura para distribuir material de campanha ao longo de
todo o período eleitoral. Uma coisa é a prova isolada de uma única promessa de pagamento de
R$500,00 para comissão de formatura em troca de voto; outra coisa é a prova da existência de
esquema de distribuição de cestas básicas com recursos particulares para obtenção de voto.

O que se quer ressaltar é que as hipóteses de abuso de poder devem atrair a totalidade das sanções
previstas legalmente, não sendo cabível a alegação de razoabilidade e de proporcionalidade. O mais
difícil, contudo, é qualificar a prova concreta como sendo hábil a descrever uma situação abusiva ou
meramente irregular.

Até antes da aprovação da LC135/10 (Lei da Ficha Limpa), existia um veio identificador que ajudava
na distinção entre o que poderia ser considerado mero ilícito e aquilo que deveria ser qualificado
como abusivo: a chamada “potencialidade” do dano. O critério foi construído jurisprudencialmente
e fazia referência à possibilidade de o ato irregular influenciar no resultado das eleições. Isto é,
configurava abuso quando o fato tivesse sido influente o suficiente para gerar o resultado das
urnas. Deveria haver, assim, uma conexão entre a eleição do candidato beneficiado e aquele fato ou
conjunto de fatos específicos. Alguns exemplos:

Recurso contra expedição de diploma. Art. 262, IV, do Código Eleitoral. Prefeito.
Abuso de poder político. Inauguração de escola municipal. Conduta. Candidato.
Participação. Objeto. Representação. Art. 77 da Lei no 9.504/97. [...] 2. A prática
de uma das condutas vedadas pela Lei 9.504/97, mesmo que já tenha sido objeto de
representação, pode vir a ser apurada em investigação judicial e ensejar a aplicação
do disposto no art. 22 da LC 64/90, desde que seja demonstrada potencialidade de a
prática influir na disputa eleitoral. 3. Reexame de matéria fática em recurso especial.
Impossibilidade. Agravo de instrumento improvido. (Ac. 4.511/04/TSE)

[...]. Investigação judicial. Art. 22 da Lei Complementar no 64/90. Abuso de poder.


Utilização indevida dos meios de comunicação social. Jornal. Suplementos. Matérias.
Publicidade institucional. Entrevista. Governador. 1. Não cabe à Justiça Eleitoral
julgar eventual prática de ato de improbidade administrativa, o que deve ser apurado
por intermédio de ação própria. Precedente: Ac. no 612. 2. Tratando-se de fato
ocorrido na imprensa escrita, tem-se que o seu alcance é inegavelmente menor em
relação a um fato sucedido em outros veículos de comunicação social, como o rádio
e a televisão, em face da própria característica do veículo impresso de comunicação,
cujo acesso à informação tem relação direta ao interesse do eleitor. 3. Na investigação
judicial, é fundamental se perquirir se o fato apurado tem a potencialidade para

26
Condutas vedadas, abusos de poder e captação ilícita de sufrágio UNIDADE Única

desequilibrar a disputa do pleito, requisito essencial para a configuração dos ilícitos a


que se refere o art. 22 da Lei de Inelegibilidades. [...]. (Ac. 725/2005/TSE)

A LC 135/2010 incluiu o inciso XVI no artigo 22 da LI com a seguinte redação: “para a configuração
do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas
apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.”

A alteração provocou imediata discussão na doutrina, e o entendimento majoritário foi no sentido


de que a nova redação tornava mais fácil a punição dos ilícitos, pois prescindia da difícil presunção
de potencialidade para caracterização do abuso. Bastava, assim, que as circunstâncias fossem
consideradas graves, independentemente de qualquer elucubração quanto à suposta influência no
resultado do pleito.

Ocorre que o termo “gravidade” não deixa de ser, também, um conceito jurídico indeterminado e dá
azo a interpretações subjetivas. O que é uma circunstância grave?

Com a aplicação da Ficha Limpa nas eleições de 2012, o TSE teve oportunidade de se posicionar
sobre o tema. Apesar da mudança legislativa, para fins de aplicação das penalidades mais graves,
tais como cassação de registro ou de diploma e decretação de inelegibilidade, a Corte continuou a
destacar a imprescindibilidade da demonstração do impacto social, da lesividade qualificada do
ilícito. Por outras palavras, mesmo que o requisito da potencialidade tenha sido substituído pelo
da gravidade, a análise das situações concretas tende a averiguar a ofensividade do ilícito. Há
mesmo casos de utilização da velha terminologia:

[...] Segundo a jurisprudência do TSE, o ato de improbidade administrativa praticado


em momento anterior ao registro de candidatura também pode configurar, em tese, a
prática de abuso do poder político, desde que presente a potencialidade para macular
o pleito, hipótese que inaugura a competência material da Justiça Eleitoral como órgão
responsável pela lisura das eleições. Precedentes.[...] (REspe65.807/2013/TSE)

Sobre esse ponto, não deixe de conferir o artigo de Marcus Vinícius Furtado Coêlho,
presidente do Conselho Federal da OAB, intitulado “A Gravidade das Circunstâncias no
Abuso de Poder Eleitoral”.

Voltando à análise das hipóteses materiais configuradoras do abuso de poder, é preciso lembrar que,
em princípio, todo ilícito eleitoral tem potencialidade de se revestir, concretamente, em conduta
abusiva. Tudo vai depender, como vimos, das circunstâncias concretas, nomeadamente em relação
à amplitude da lesividade da conduta.

Para facilitar o enquadramento dogmático, a legislação, a doutrina e a jurisprudência tipificaram


três possibilidades.

1. Abuso de Poder Político

Tem por base ilícitos em que prepondera o uso da máquina pública e das prerrogativas
de autoridade em favor de candidatos, coligações e partidos políticos. As condutas
vedadas, estudadas detalhadamente acima, representam sua espécie primordial.

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2. Abuso de Poder Econômico

É caracterizado, essencialmente, pelo descumprimento das regras relativas à gestão


financeira dos recursos em campanha. Envolve em especial as normas relativas à
arrecadação de recursos e aos gastos eleitorais, em todas as suas modalidades. Na
prática, os exemplos mais usuais são os seguintes:

›› recebimento de recursos de fontes vedadas;

›› utilização de verba não contabilizada (“caixa-dois”);

›› compra de votos;

›› gastos ilícitos na contratação de equipes de campanha;

›› propaganda eleitoral irregular e abusiva, entre outros.

O tema é objeto de análise da disciplina Arrecadação e Aplicação de Recursos


em Campanha Eleitoral.

3. Abuso de Meios de Comunicação Social

Os meios de comunicação social são ferramentas importantes para a formação da


convicção política do eleitor, pois são fontes de informação com grande difusão entre a
população. Sua utilização em campanhas de valorização ou difamação de candidatos é
reprimida, em regra, pela legislação eleitoral.

A mídia deve atuar com grau de isenção de modo a não desequilibrar a campanha e,
por isso, deve-se ter cautela ainda maior em relação à mídia televisiva e radiofônica.
Por serem instrumentos de massa, o legislador criou um conjunto de restrições
de modo a tentar coibir a manipulação. É o caso, por exemplo, da proibição de
propaganda paga em rádio e TV, bem como a vedação de declaração de apoio
a candidatos.

No caso da mídia impressa, as cautelas são menores, pelo que se admite venda de
espaços publicitários, bem como se permite a manifestação de apoio expresso a
campanhas, desde que as circunstâncias envolvendo este apoio não sejam capazes para
desequilibrar a disputa.

O tema é objeto de análise da disciplina Propaganda Eleitoral e Pesquisas Eleitorais.

Por último, é preciso destacar um efeito curioso da prática do abuso de poder em suas
distintas modalidades: a cassação do registro ou do diploma do candidato beneficiado
é efeito natural da condenação, independentemente de sua culpa ou participação na
prática do ilícito. Isso porque como ilícito é abusivo, isto é, dotado de lesividade
potencializada, presume-se que a normalidade, a legitimidade e a lisura das eleições
foram afetadas.

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[...]. 3. Embora não fosse agente público, o recorrente foi beneficiário direto da conduta
abusiva de seu irmão, servidor da FUNAI, que agindo nessa qualidade desequilibrou
e comprometeu a legitimidade do pleito. É o quanto basta para a configuração do
abuso de poder político com a cassação de seu registro de candidatura, tal como
previsto no art. 22, XIV, da LC 64/1990. 4. Conforme jurisprudência do e. TSE, o
abuso de poder pode ser apurado tanto em relação ao beneficiário como em relação
ao autor, porquanto o que se busca preservar é a lisura do pleito. (AAG no 7.191/BA,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 26/9/2008). [...]. (ED-REspe 37.250/2010/TSE)

A inelegibilidade, contudo, não pode ser atribuída àquele que não praticou o ilícito. Esse
é um ponto de alta relevância e que vem sendo descurado em alguns casos concretos.
Não se pode ter como efeito automático a restrição aos direitos políticos passivos
daquele que não teve responsabilidade direta na prática abusiva. Em casos como esse, é
aconselhável que na decisão judicial conste a exclusão da decretação da inelegibilidade
para o candidato no próprio dispositivo do acórdão, ainda que provocada mediante
interposição de embargos de declaração.

[...] Deve ser feita distinção entre o autor da conduta abusiva e o mero beneficiário
dela, para fins de imposição das sanções previstas no inciso XIV do art. 22 da LC
64/90. Caso o candidato seja apenas benificiário da conduta, sem participação direta
ou indireta nos fatos, cabe eventualmente somente a cassação do registro ou do
diploma, já que ele não contribuiu com o ato. [...] (REspe 13.068/2013/TSE)

A propósito, as questões processuais envolvendo a apuração dos ilícitos serão vistas na disciplina
Contencioso Eleitoral.

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Para (não) Finalizar
Abuso de Poder Religioso
As igrejas e as associações religiosas, como todo movimento social e representativo, têm o direito
de tentar influenciar a esfera política para implementar uma agenda normativa próxima de seus
interesses e convicções. Isso envolve, como é óbvio, apoio a candidaturas. Desde que as pautas
políticas sejam compatíveis com os princípios republicano e laico (o que muitas vezes não ocorre),
não há porque afastar tais movimentos do jogo político.

Quanto a isso, não há dúvidas. Contudo, há situações em que os líderes religiosos (pastores,
padres etc.) impõem determinadas opções de voto aos fiéis. São verdadeiras imposições porque
acompanhadas de ameaças ou de promessas capazes de violar o princípio da liberdade de consciência
do eleitor.

Nesses casos, não estaria configurada uma figura típica de conduta abusiva?

No universo jurídico, a questão é nova e de difícil comprovação, mas não deveríamos nos preocupar
com esse fato?

Pense nisso.

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REFERÊNCIAS
Bibliografia Básica
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Eleições: Abuso de poder. Brasília: Edição do Autor, 2006.

GARCIA, Emerson. Abuso de poder nas eleições: meios de coibição. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006.

REIS, Márlon Jacinto. Uso eleitoral da máquina administrativa e captação ilícita de sufrágio.


São Paulo: FGV Editora, 2006.

SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Uso da máquina pública nas campanhas eleitorais:
as condutas vedadas aos agentes públicos. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008.

Bibliografia Complementar
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. A gravidade das circunstâncias no abuso de poder eleitoral.In
AGRA, Walber de Moura e BARRETO, Ricardo de Oliveira Paes (orgs.). Prismas do direito eleitoral:
80 anos do Tribunal Eleitoral de Pernambuco. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

SANTOS, Adelcio Machado dos; PIACENTINI, Luciane. A captação ilícita de sufrágio. Ponto de


Vista Jurídico, v. 1, n. 1, p. 47-61, 2012.

OLIVEIRA, Alexandre Afonso Barros. Abuso de poder político e econômico. 2010.Disponível em:


<http://www.tse.gov.br/eje/html/artigo.html>.

OLIVEIRA, Marco Aurélio Bellizze.  Abuso de poder nas eleições: a inefetividade da ação de
investigação judicial eleitoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

PEREIRA, Rodolfo Viana. Limites e possibilidades da revisão da remuneração de servidores


em ano eleitoral. Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais, edição especial, ano XXIX, p. 93-105.

RIBEIRO, Fávila. Abuso de poder no Direito Eleitoral. São Paulo: Editora Forense, 2001.

SANTIAGO, Rafael da Silva. Captação ilícita de sufrágio: aspectos doutrinários e o retrato da


jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.  Orbis Revista Científica, v. 3, n. 1, p. 203-231,
2012.

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