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Olá pessoal! Primeiramente, gostaria que trocassem os nomes da história.

Me chamo
Patric e sou de Caxias do Sul, RS. Minha história se passa em 2012, ano em que troquei de
emprego e comecei a trabalhar em um escritório de auditoria. Eu tinha 20 anos na época e a
chance de poder viajar a trabalho me parecia uma ótima ideia, visto que eu nunca havia
viajado de avião e nem feito grandes distâncias até então.
Iniciei as atividades na empresa em uma terça-feira, e basicamente não fiz nada
produtivo até o final da semana, devido ao fato de estar em treinamentos e afins. Eis que na
sexta-feira, uma hora antes do término do expediente, Rangel (o coordenador do setor)
chegou na minha mesa portando alguns papéis e disse:
- Segunda de manhã você irá para São Paulo e ficará 15 dias, para auditar documentos em um
arquivo morto de um cliente. Esteja às 6:00 no aeroporto que lá você encontrará o Alexsander,
um colega nosso que irá te acompanhar na viagem.
Estava muito nervoso com a viagem, porém o que me confortava é que iria
acompanhado deste colega, que já estava na empresa há algum tempo então provavelmente
tinha experiência com viagens. Ledo engano. É aí que o “já ouviu falar em marketing multi
nível?” começou a planejar como desgraçaria a minha viagem.
Chegou o dia da viagem, estava no aeroporto aguardando quando vi chegar o
Alexsander. Ele era extremamente magro e alto, e vestia roupas ao menos dois números
maiores que o dele. Era careca e tinha olhos muito grandes, sendo extremamente parecido
com um Társio (pequeno mamífero que ficou famoso na internet por um vídeo arregalando os
olhos). Quando chegou perto para me cumprimentar, exalava um cheiro que era uma mistura
de cigarro, mau hálito e alguma outra coisa estranha que eu preferia nem tentar identificar.
A viagem até SP foi tranquila, difícil foi aguentar aquele cheiro o trajeto todo. Ao
chegarmos em São Paulo, pegamos um táxi em direção ao hotel que haviam reservado para
nós. Chegamos em frente ao lugar e notamos que na calçada havia diversas mulheres paradas,
com roupas mais curtas ou chamando os homens que passavam. Estranhei um pouco, mas
decidi ignorar, pois deveria ser algo relativo à localidade em que estávamos. Entramos no hotel
e fomos até o balcão.
Ao dizer para o homem atrás do balcão que possuíamos uma reserva e o nome da
empresa, ele nos comentou que na verdade aquele lugar era um motel e que eles não faziam
reservas, que estavam com todos os quartos cheios no momento mas que se esperássemos ele
nos colocaria em dois quartos. Alexsander agradeceu e comentou que iríamos aguardar lá fora.
Ao sairmos do lugar, Alexsander surtou. Começou a falar com voz alterada e
esganiçada que não ficaria em um motel de jeito nenhum, que aquele lugar era um antro de
prostituição. Resolvemos então ligar para a secretária da empresa, que comentou que devido
a existência de diversas feiras ao mesmo tempo na cidade, eles não conseguiram encontrar
vagas em nenhum hotel e aquela era nossa única opção. Por mim estava ok, mas Alexsander
estava irredutível.
O plano de Alexsander era de irmos trabalhar e logo após o término do expediente
caminhar em busca de um hotel com vagas. Novamente, imaginei que ele saberia o que estava
fazendo. Novamente, fui enganado pelo “velho de saia”.
Estávamos no bairro Cambuci e o arquivo morto da empresa ficava em um depósito na
Sé. Após o primeiro dia de trabalho em um lugar que ficava no segundo andar de uma
funilaria, com cheiros horríveis, sons muito altos e apenas um banquinho para sentar e
procurar notas fiscais, iniciamos a jornada em busca de um hotel. Carregando as malas
conosco, caminhamos e passamos por muitos hotéis, até um certo lugar na Liberdade aonde
encontramos um hotel que havia sim vagas e a diária era muito barata. Barata até demais.
Diante da recusa do Alexsander de sequer chegar perto de um motel, decidimos nos hospedar
neste hotel que encontramos, em um quarto com duas camas de solteiro (procedimento
padrão da empresa em que trabalhávamos).
Após realizar o check-in, nos dirigimos até o elevador e ao lado dele havia um pequeno
cartaz feito a mão dizendo: “É PROIBIDO LEVAR TALHERES PARA O QUARTO”. Ao chamar o
elevador, notei que era um daqueles modelos bem antigos, em que a porta é aberta
manualmente, tendo que esperar o elevador chegar no andar para entrarmos. Deveria ter
utilizado a técnica do Rafael e ter saído correndo neste momento, mas estava tão cansado que
decidi encarar. Afinal, não deveria ser tão ruim né? Ao pensar nisso, estava fazendo uma
aposta com o “chifre pequeno” e sem saber, já havia perdido.
Entrei primeiro no quarto e logo após a entrada, notei que haviam algumas marcas de
mãos nas paredes, manchas escuras que pareciam estar ali desde o início dos tempos. Fiquei
imaginando se seriam de sangue ou fezes, e lembrei do cartaz ao lado do elevador falando dos
talheres. O quarto tinha cheiro de mofo, era escuro, sujo e parecia pertencer a um prédio
abandonado.
Como entrei antes que o Alexsander, corri para verificar as camas. Em uma delas havia
manchas nos lençóis, e foi exatamente esta que deixei para Alexsander, afinal pelo que tinha
observado durante o dia, higiene parecia ser algo não tão importante para ele.
Após organizarmos as coisas, decidi tomar um banho. No banheiro, tanto as paredes
quanto o chão eram cobertos por um azulejo azul, que parecia muito antigo. O local aonde
estava o chuveiro era um quadrado de concreto com cerca de 1m de altura, e acima dele havia
uma cortina de plástico, sendo que a pessoa que desejava entrar deveria escalar de alguma
forma este concreto para poder tomar banho.
Resolvi dormir e notei que Alexsander também iria dormir, sem ter tomado banho e
com a roupa que estava vestindo o dia todo. Nada mais me surpreendia, então peguei no
sono. Acordei no meio da noite com um barulho de uma pessoa correndo pesadamente no
corredor, indo e voltando. Fui até a porta e no corredor havia um rapaz portador de síndrome
de down, que me olhou assustado e voltou correndo para o seu quarto.
Tentei dormir novamente, mas não conseguia por sentir um vento frio dentro do
quarto. Notei que um dos vidros da janela estava quebrado, o ar condicionado era de parede e
quando fui ligar descobri que era só a frente dele que estava na parede, não havia nada atrás.
Coloquei uma jaqueta, uma calça jeans e deitei novamente, apenas aceitando a minha
miserável existência.
Na manhã seguinte, fomos até a área do café da manhã para ver quais eram as opções.
No buffet, havia apenas pão, queijo e um presunto que era mais escuro do que normalmente
um presunto é (só me veio em mente que deveria ser feito de carne humana). Ao lado, uma
mesinha com café e um suco de uma cor marrom. Com o estômago devidamente embrulhado,
ainda fiquei ali para acompanhar o Alexsander que comia como se não houvesse amanhã.
Pensei que talvez não haveria mesmo.
Enquanto aguardava o Alexsander e seu desjejum, comecei a observar os outros
hóspedes que estavam na área do café. De um lado, quatro senhores em uma mesa dividindo
um único pão francês. Na nossa frente havia uma mulher que parecia fugitiva de algum filme
clássico, com um casaco grande, echarpe, chapéu e óculos escuros, que não parava de olhar
para todos os lados enquanto comia nervosamente. No outro lado, sozinho, estava o rapaz que
encontrei no corredor a noite, molhando um pão no suco marrom e comendo alegremente.
Me senti em um cenário de filme de terror bizarro, ou como se estivesse ido longe demais e
entrado no lado estranho do youtube.
Saindo de lá, comentei que não ficaria um minuto a mais naquele lugar, que voltaria
para o motel e isto gerou uma discussão entre mim e Alexsander. Para resolver o impasse,
ligamos para a empresa e ameaçamos voltar para casa a não ser que arrumassem algum outro
lugar para ficarmos. Após descrever e enviar fotos das instalações, eles prometeram buscar
outro local e nos retornar brevemente.
Uma hora depois, nos retornaram dizendo que conseguiram apenas para o dia
seguinte dois apartamentos studio em um hotel ótimo na Aclimação, que ficaríamos lá no
restante das duas semanas para compensar o local ruim aonde estávamos. Isso me confortou
e concordei em passar mais uma noite (em claro) naquele lugar que parecia uma sala de
espera para o inferno.
No dia seguinte, estava devidamente instalado no hotel novo e curtindo o conforto.
Acreditava que agora sim estava livre do sofrimento e que tudo daria certo, mas o “pele de
galinha na sopa” ainda tinha uma última carta na manga: depois de tomar banho e relaxar por
um tempo, fui até a sacada do hotel para apreciar um pouco a vista e, quando olho para o
lado, vejo em outra sacada Alexsander totalmente pelado, de pé com as pernas bem afastadas,
tomando um Toddynho com uma mão e com a outra mão na cintura, olhando para o
horizonte. Quase dez anos depois, ainda acordo no meio da noite assustado com pesadelos
proporcionados por esta visão.
Gostaria de agradecer pelo ótimo trabalho de vocês, que sempre me traz alegria e
ajuda os meus dias a serem mais leves. Um abraço a todos!

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