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ROTEIRO AUDIO VISUAL

ABERTURA DE SÉRIE.

APRESENTAÇÃO DE ELENCO

APRESENTAÇÃO DO COLÉGIO COMEÇANDO NA IMAGEM GOOGLE MAPS E


VAI APROXIMANDO ATÉ CHEGARMOS NA IMAGEM DO COLÉGIO.

NA IMAGEM DO COLÉGIO - TEM UMA FAIXA OU LEGENDA:

“POR CONTA DA PANDEMIA DE COVID 19 NOSSAS AULAS IRÃO


ACONTECER NO MODO HÍBRIDO”

EPISÓDIO 1 – “O diálogo cria base para colaboração”

APRESENTAÇÃO DO ELENCO DO EPISÓDIO

DONA SILVANA PEGA FICHA DE CADA UM .... ENTRA FOTO DE


APRESENTAÇÃO PERSONAGEM/ARTISTA DO EPISÓDIO.

(Ouve-se o sinal.)

ABRE-SE A REUNIÃO VIRTUAL

Todos os professores na tela falando ao mesmo tempo.

“Absurdo, fim da picada, etc...”. Clima tenso. Whitaker muta todos os microfones.
Pausa. Professores param de falar.

WHITAKER – Afinal de contas, o que incomoda vocês?

ALVARO – Bom, é mais fácil falar o que não incomoda!

Os professores na tela apoiam. “Boa, Alvaro! Não tá fácil, experimenta pra ver o que
é, etc...”

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O Incômodo dos professores
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WHITAKER – Pelo amor de Deus! Estamos aqui como amigos, fundamentalmente.


Afinal, somos amigos, não somos?

MARIANA – Nós somos colegas! Amizade é outro departamento!

FERNANDA – Eu sou amiga de todo mundo!

MARIANA – Não seja hipócrita, Fernanda!

FERNANDA – Tem razão. Eu sou amiga de todo mundo, menos da Mariana!

Novos protestos na tela dessa vez censurando a grosseria. “Pega leve, vai começar
de novo, etc...”. Whitaker muta todos os microfones. Pausa. Professores param de
falar.

Amigos ou colegas?

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OLIVÉRIO – Um minuto! Eu preciso estudar esse texto antes de dar a minha


próxima aula, portanto eu gostaria de saber se essa reunião vai ser remunerada.

MAGDA – Essa é uma boa pergunta!

WHITAKER – Quem pode te responder isso é a Sociedade Mantenedora, Olivério.

ALVARO – Ótimo. Vamos perguntar também por que não recebemos o dissídio da
categoria estabelecido pelo sindicato depois que a Sociedade Mantenedora
aumentou a mensalidade dos alunos.

WHITAKER – O aumento da mensalidade acompanhou a evolução da inflação.

MAGDA – Na realidade, o aumento foi acima da inflação.

WHITAKER – A Sociedade Mantenedora reajustou a mensalidade levando em conta


o prognóstico da inflação acumulada!

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ALVARO – Ótimo! Se a Sociedade Mantenedora sabe tanto sobre a inflação
acumulada, então ela sabe que o nosso salário está defasado!

MAGDA – Os pais dos alunos ficaram putos com o aumento da mensalidade!

ALVARO – E nós também, por conta da ausência do repasse do aumento!

WHITAKER – Um minuto! Eu devo lembrá-los que, no ano passado, vocês


receberam aumento acima do dissídio.

ALVARO – O que a gente recebeu foi um adicional por hora de reunião.

WHITAKER – Bem lembrado. Essa reunião já está paga, Olivério.

Protestos gerais. “Eu disse, era só o que faltava, etc...”. Whitaker muta todos os
microfones. Pausa. Professores param de falar.

Todos bem pagos e bem cobrados ou “A mantenedora é uma ótima pagadora”

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OLIVÉRIO – Essa aqui, até onde eu sei, é uma reunião extraordinária, Whitaker.

WHITAKER – Engano seu, Olivério! Como vocês sabem, as reuniões pedagógicas


podem ser realizadas dentro do horário dos intervalos, o que inclui o intervalo entre
a chegada dos professores e o início da primeira aula. Que horas são, Mariana?

MARIANA (INSERTE DE RELÓGIO ÁS 7.20 H) – Sete e vinte da manhã!

WHITAKER – Ótimo. Essa é uma reunião ordinária.

ALVARO – E bota “ordinária” nisso.

WHITAKER – Não vamos interpretar de maneira equivocada a língua portuguesa.


Tá aqui o Danilo, professor de Literatura que pode nos dar o real significado da
palavra “ordinária”.

DANILO – (INSERTE DE DANILO ABRINDO O DICIONÁRIO E LENDO A


DEFINIÇÃO DE ORDINÁRIA) “Ordinária, adjetivo: aquilo que é irrelevante,
repetitivo, insignificante e desnecessário”.

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OLIVÉRIO – Nunca as nossas reuniões foram tão bem definidas.

FERNANDA – Boa, Olivério!

Reuniões (extra)ordinárias?

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FERNANDA – Ah, ah, ah…

MARIANA – Isso não tem graça nenhuma!

FERNANDA – Claro que tem! O Danilo levantou, o Olivério deu a cortada! O humor
é uma ciência matemática!

MARIANA – Concordo. Quanto mais cretina é a pessoa, maior é a gargalhada.

(Todos protestam de novo. “Essas duas não param, pelo amor de Deus, etc.”)
Whitaker muta todos os microfones. Pausa. Professores param de falar.

Round 1 F x M: Alfinetada

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WHITAKER – Por favor! Como é que vocês querem falar do bem comum se não
existe uma convivência harmoniosa aqui dentro?

FERNANDA – A convivência é harmoniosa!

WHITAKER – Harmoniosa como, se não existe o diálogo?

MAGDA – Sempre existiu o diálogo!

WHITAKER – Eu estou tentando estabelecer o diálogo!

ALVARO – O diálogo está aberto, Whitaker!

WHITAKER – Aberto como, se ninguém me escuta?

MARIANA – Vamo todo mundo calar a boca e deixar o Whitaker falar sobre a falta
de diálogo?

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WHITAKER – Eu quero repetir a pergunta pra cada um individualmente, começando
pela Magda e depois passando pela Mariana e assim por diante...

desarmonizados.com

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WHITAKER – Então, vamos lá: Magda, o que mais te incomoda nesse momento?

MAGDA – O novo namorado da minha filha.

Protestos gerais: “não é disso que ele está falando, de novo esse assunto, etc”.
Whitaker muta todos os microfones. Pausa. Professores param de falar.

ALVARO – Isso não é pertinente nesse momento, Magda!

MAGDA – Eu tive que expulsar o moleque da minha casa semana passada!

FERNANDA – Por que você fez isso?

MAGDA – Os dois estavam trancados no quarto e minha filha ainda está na oitava
série.

OLIVÉRIO – Eu achei que ela era mais velha!

MAGDA – Todo mundo acha, por causa do peitão!

MARIANA – Eu também tinha esse problema na idade dela. Na época, eu achava


que era uma solução. Até engravidar com dezessete anos!

MAGDA (aflita) – O problema é que eu estou sozinha na criação dessa menina! O


meu ex-marido foi morar no Acre! Como é que minha filha pode contar com um pai
que mora no Acre?

MARIANA – Como eu gostaria que o meu marido morasse no Acre...

Puberdade preocupante e o pai que mora no Acre!!!

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ALVARO – Um minuto! Podemos retomar o foco? Porque o que tá claro é o
seguinte: nós somos professores! Não estamos falando de infelicidade e sim de
exaustão! Não dá pra confundir uma coisa com a outra!

DANILO – Às vezes, dá.

WHITAKER – Não vamos desviar do assunto, Danilo!

DANILO – Eu to exausto e infeliz! É uma conjunção que está acabando comigo!

ALVARO (levantando e andando na frente da camera) – Eu sou um professor! Eu


não estou reclamando de ser professor. Pelo contrário, eu me sinto bem, sendo um
professor! Eu me sinto poderoso na sala de aula, verdadeiramente. Sou detentor do
saber, então eu me sinto sábio. Compartilho o saber, então eu me sinto generoso.
Estou na contramão da mesquinharia do mundo moderno, então eu me sinto rico.

DANILO – Isso tudo é lindo, Álvaro, mas os alunos estão impossíveis!

MARIANA – E a carga horária tá estendida!

MAGDA – (MOSTRAR A FOTO DA FILHA) E eu tenho uma filha adolescente, não


preciso falar mais nada.

Protestos. “De novo, Magda? Porra, obsessão, etc...” Whitaker muta todos os
microfones. Pausa. Professores param de falar.

O que te incomoda? Ou Excesso de trabalho e a infelicidade no ofício.

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WHITAKER – Um minuto! Eu acho bacana que a Magda esteja nesse movimento


corajoso de desabafo, expondo uma chaga familiar numa reunião de trabalho
porque, essencialmente, o que eu senti de maneira profunda no ano passado é que
os problemas da vida pessoal de cada um acabaram interferindo no bom
rendimento profissional da equipe. Ou tô errado?

FERNANDA – Tá errado.

WHITAKER (impaciente) – Tô errado, por que, saco?

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FERNANDA – De que vida pessoal você tá falando? Aqui ninguém pára em casa!

DANILO – Dependendo da casa, isso é uma vantagem.

WHITAKER – Nós temos que pensar nessa escola como uma grande embarcação.
Se eu sou uma vela, cada um de vocês é um remo! Tá na hora de vestir a camisa e
entender que o coletivo se sobrepõe!

ALVARO – Whitaker, me desculpa, a gente reconhece as suas boas intenções...

O que é vida pessoal com um trabalho desses? OU Pessoalmente profissional


/ profissionalmente pessoal

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ALVARO – Mas é que esse teu linguajar de mundo corporativo é insuportável! Isso
aqui é uma instituição de ensino e não uma corretora de seguros, porra!

MAGDA – Fala da máquina de café!

WHITAKER – Qual o problema da máquina de café?

INSERTE DA MÁQUINA DE CAFÉ – SUGESTÃO ADRIANO.

MARIANA – Ah, sim. Tá todo mundo puto com a máquina de café!

WHITAKER – E estão putos, por quê? Vocês ganharam uma máquina de café
importada da Itália!

ÁLVARO – Mas agora, a gente tem que pagar pelo café!

WHITAKER – “Pagar” é uma palavra muito dura! Eu prefiro o termo “contribuição”!


Afinal, são apenas dois reais pelo cafézinho!

ALVARO – Puta que pariu...

WHITAKER – Vai ver quanto custa na padaria!

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MAGDA – Eu fiz as contas! Se eu tomo três cafezinhos, que é o mínimo que eu
preciso por período de trabalho, isso tudo no fim do mês representa mais de
duzentos reais no meu orçamento!

OLIVÉRIO – Ai!

FERNANDA – O que foi, Olivério?

OLIVÉRIO – Eu sempre sinto uma pontada quando penso em valores que


extrapolam meu salário...

ALVARO – Whitaker, você avise a Sociedade Mantenedora que nós vamos boicotar
essa máquina de café até devolverem o nosso café coado!

WHITAKER – Você fala isso porque não provou o café com essência de canela que
é o meu preferido: Fratello Capuchim!

MAGDA – O café da copeira era aguado, mas era de graça!

WHITAKER - A máquina de café é sintomática dos novos tempos, tratem de se


acostumar! E muita coisa ainda vai mudar esse ano, eu estou avisando.

Não quero pagar pelo café! OU Me devolve meu café aguado, porra!!!

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WHITAKER - Inclusive, por isso, a Dona Silvana irá falar com todos vocês daqui a
pouco.

Choque. Todos se entreolham. (CLOSES DOS PROFESSORES COM RECEIO DA


D. SILVANA) O nome de Dona Silvana representa o terror.
(INSERTE DONA SILVANA (INSTITUICIONAL DA ESCOLA)

OLIVÉRIO - A Silvana...Vem pra cá?

FERNANDA - Pode-se saber o motivo?

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MAGDA - Os rumores estavam certos!

WHITAKER - Que rumores?

MAGDA - Os rumores de demissão!

WHITAKER - Se a presidente da Sociedade Mantenedora quer falar com vocês,


isso não significa que alguém necessariamente vai ser mandado embora.

FERNANDA - Também não significa necessariamente que a gente vai ganhar um


cafuné na cabeça!

MAGDA - A Dona Silvana só aparece nessa escola quando um de nós vai ser
demitido!
A predadora capitalista: Dona Silvana.

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MAGDA - Todo mundo lembra da Professora Teresa!

FERNANDA - Coitada da Teresa!

WHITAKER - A demissão foi a melhor coisa para a Professora Teresa.

MARIANA - Deve ter sido mesmo, já que ela tentou se matar depois disso.

WHITAKER - Caso vocês tenham se esquecido, a Professora Teresa tinha


problemas com a bebida.

MAGDA - Quarenta anos de magistério. Qualquer um desenvolve um vício depois


de tanto tempo dando aula.
(INSERTE PROFA. TERESA) ???

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“Um brinde a Teresa: A professora demitida por ser bêbada

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WHITAKER - Alias, falando nisso, você continua fumando, Magda?

MAGDA - Tô tentando parar.

WHITAKER - Desde quando?

MAGDA - Desde que eu comecei.

(INSERTE DE MAGDA APAGANDO O CIGARRO NO CINZEIRO CHEIO DE


BITUCAS)

WHITAKER - Magda, olha o exemplo! Você é uma professora de adolescentes! É


um absurdo que você ainda seja fumante!

MAGDA - A culpa não é minha! Eu era uma atleta na juventude!

WHITAKER - E o que aconteceu depois?

MAGDA - Virei professora!


O vício de Magda OU Lecionar é criar vícios.

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ALVARO - Ok! E o que a Silvana vem fazer no colégio hoje, Whitaker?

WHITAKER - A Dona Silvana vem porque hoje é uma data especial, ou vocês se
esqueceram?

Silêncio. Todos se esqueceram.

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(INSERTE CLOSE DE ROSTO DE PROFESSORES)

WHITAKER (impaciente.) - Hoje é o aniversário desse colégio e na última reunião,


eu disse que teríamos um evento comemorativo no intervalo do período vespertino,
com a execução do hino nacional!

FERNANDA - Você disse isso na última reunião?

WHITAKER - Claro que eu disse, mas, como sempre, ninguém deu a mínima pro
palhaço aqui!

ALVARO - Ninguém deu a mínima porque esse tipo de evento comemorativo é uma
bobagem!

WHITAKER - A Sociedade Mantenedora não concorda com você e quer que essa
data seja reverenciada a partir de hoje conforme manda a tradição!

FERNANDA - Que tradição? A gente nunca comemorou o aniversário do colégio!

WHITAKER - É uma tradição recente que começa agora!

ALVARO - Puta que pariu…

WHITAKER - Aliás, Magda, eu quero que você faça a introdução do hino nacional.

MAGDA - Oi?

WHITAKER - Você não sabe tocar flauta doce?

MARIANA - Melhor cantar só a primeira parte, como na Copa do Mundo!

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WHITAKER - Nunca! Isso aqui é uma escola de tradição e a gente vai cantar o hino
de fio a pavio. E não se preocupem que eu vou mandar a secretária puxar a letra do
hino completa na internet pra gente ler aquela parte do "lábaro que ostentas" que
ninguém nunca sabe de cor, mesmo.

MAGDA - Pelo amor de Deus, Whitaker! A única coisa que eu sei tocar na flauta
doce é ''Asa Branca"!

MAGDA MOSTRA A FLAUTA DOCE

FERNANDA - Calma, Magda...

ALVARO (indignado.) - Calma, nada, Fernanda! A Magda tem todo direito de ficar
nervosa porque é o que eu estou falando faz tempo! Além das aulas, nós somos
obrigados a assumir funções que não nos dizem respeito! Ou não é um absurdo que
a Magda tenha sido escalada pra ensaiar um número musical sem formação na
área?

MAGDA - Pra tocar o hino na frente dos alunos eu preciso de um tempo pra praticar,
Whitaker!

WHITAKER - Quanto tempo?

MAGDA - Dois anos, no mínimo.

WHITAKER - Ok, boa piada! Agora vamo finalizar essa conversa que a gente tem
muito o que fazer ainda! Fechando a programação, depois do hino, a Dona Silvana
vai dizer algumas palavras e a cantina vai servir cachorro quente de graça pra todo
mundo, inclusive pra vocês! Olha só que mordomia! Vai ser uma farra! Alguém tem
mais alguma proposta?

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ALVARO - Whitaker. Você começou essa reunião querendo discutir as relações
dentro da equipe e agora tá finalizando com a programação de um evento
mequetrefe?

WHITAKER- Mundo moderno, meu querido! São muitas pautas dentro de uma
mesma reunião.

Parabéns pra escola, menos para os professores.

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ALVARO - Então, eu proponho uma nova pauta!

WHITAKER - Que pauta?

ALVARO - A elaboração de uma lista de reivindicações que nós iremos apresentar


para Dona Silvana, aproveitando a presença dela na escola hoje.

Toca o sinal. Todos se levantam, imediatamente.


Salvo pelo gongo!

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WHITAKER - Fica pra depois porque agora é hora do cumprimento do nosso


sacerdócio! Boas aulas e que a minha frase motivacional inspire a atuação de todos
no dia de hoje.

FERNANDA - Que frase motivacional?

WHITAKER - A frase do Américo Silva, que eu escrevi na lousa: “Viver é renascer a


cada dia, entusiasticamente"!

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WHITE BOARD – DO ZOOM – JÁ COM A FRASE MODIFICADA - "Por quê que eu
vim?"

OLIVÉRIO - Alguém apagou a frase e escreveu outra.

WHITAKER (lendo.) - "Por quê que eu vim?" Quem escreveu essa bobagem no
lugar da minha frase?

DANILO - Fui eu!


A frase modificada OU frases tolas demais para serem lidas.

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DANILO - Passei uma noite difícil por causa da minha mulher.

MARIANA - Não foi pior do que a noite dela!

DANILO - Como é que você sabe?

MARIANA - A Suely me ligou. Ela é minha melhor amiga, me conta tudo!

DANILO - Todos vocês são testemunhas do meu drama! A Suely desabafa com a
minha colega de trabalho que agora fica me tratando mal, achando que eu sou um
canalha!

MARIANA - Quem sou eu pra julgar, não é mesmo? Eu só dou bons conselhos pra
Suely, como, por exemplo, ficar de olho em você!
Fiscal do casamento alheio.

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TODOS VÃO SE LEVANTANDO PARA ARRUMAR A SALA PARA A CHEGADA
DOS ALUNOS.

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ALVARO (ENCARANDO A CAMERA E SE APROXIMANDO) - A lista é grande,
Whitaker! A Silvana vai ter que nos ouvir! Nós somos professores brasileiros e
temos todos os motivos do mundo pra reclamar!

Álvaro sai, Whitaker fica sozinho e esfrega os olhos.


(INSERTE DE DELÍRIO DO WITHAKER OUVINDO D. SILVANA)
Professor tem voz OU A lista de reivindicações

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CENA 2- “Quando o homem compreende a sua realidade pode levantar


hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode
transformá-la e o seu trabalho pode criar um mundo próprio, seu EU e as suas
circunstâncias.” (Paulo Freire)

FERNANDA E DANILO TROCANDO MENSAGENS NO WHATS UP - SEXTING


TOCA O SINAL NA SALA DOS PROFESSORES,
ENTRAM NA REUNIÃO DO ZOOM ÁLVARO COM MARIANA.

ALVARO (sacudindo um calhamaço) - Olha isso! Eu tenho noventa provas pra


corrigir! Como é que um professor pode render em sala de aula trabalhando dessa
maneira nos horários extra-classe?

MARIANA - Na minha antiga escola, eu achava que tava morrendo de tanto


trabalhar! Aí, eu pedi demissão, fiquei em casa e achei que tava morrendo por conta
do vazio na minha vida sem propósito! A conclusão é que, independentemente de
onde você está, você está sempre morrendo de qualquer jeito!

ALVARO - A gente fica aqui, mendigando repasse do aumento da mensalidade pro


nosso salário de fome, mas eu só vou acreditar no futuro do Brasil quando professor
ganhar salário de alto-executivo!

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ENTRA OLIVÉRIO NO ZOOM
OLIVÉRIO - Vai começar de novo...

ALVARO (levantando, tomado E CAMINHANDO NA SALA) - Eu sei que isso é uma


utopia inalcançável! Qualquer utopia é inalcançável, mas a função da utopia é te
botar andando pra frente, como dizia o Galeano!
ENTRA FERNANA
ALVARO: A minha luta é por um piso salarial de trinta mil reais por mês! Trinta mil
reais por mês é o mínimo que eu mereço! Trinta mil reais por mês é o mínimo que
qualquer professor de ensino básico merece. E digo mais: se o professor trabalha
na periferia é trinta mil, mais auxílio insalubridade! Não é sensacional, Olivério?

OLIVÉRIO – (CLOSE DELE DESENHANDO O CÉREBRO) Eu vou pedir auxílio


insalubridade por ter que te aguentar, Álvaro...

FERNANDA - Tudo bem, Alvaro! Enquanto não vem esse aumento, eu vou te pagar
um café da máquina nova.

ALVARO - Não, não, não, não, não e não! Nós temos que boicotar essa máquina,
Fernanda! Você acha isso justo? Antes, nós tínhamos uma cafeteira aqui à nossa
disposição! Agora, somos obrigados a pagar dois reais pra beber um cafezinho
miserável nessa máquina nojenta! Pagar pelo nosso café é uma indignidade! Isso
também tem que ser dito pra Dona Silvana!

OLIVÉRIO – (PEGANDO O LIVRO DIDÁTICO) Será que vocês poderiam fazer um


pouco de silêncio pra eu estudar esse capítulo? Se não vou ser obrigado a fechar o
áudio dessa reunião.

FERNANDA - Tamo na hora do intervalo! Descansa um pouco, Olivério!

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OLIVÉRIO - Eu estou me aprimorando como professor! Eu não tenho alternativa a
não ser me aprimorar como professor se eu pretendo ser um professor até o final da
minha vida!

ALVARO (corrigindo provas) - É o que eu tô dizendo: salário de alto executivo! É o


mínimo! O mínimo!
A insalubridade da educação dentro da mantenedora OU salário utópico.

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ENTRA DANILO

MARIANA - O que que você estava fazendo que demorou tanto para entrar na
reunião, Danilo?

DANILO - Preenchendo os diários de classe.

MARIANA - A Fernanda também? Ela demorou pra entrar...

FERNANDA - Também.

MARIANA - E onde estão os diários que vocês preencheram?

DANILO (incomodado.) - Eu também preciso de um café!

FERNANDA – Me encontra no corredor que eu te empresto uma moeda...

MARIANA - O Danilo te pagou hoje?

FERNANDA – Escuta aqui, sua...


Round 2 F x M: Diário de classe “sexual”.

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OLIVÉRIO (impaciente, mostrando o livro na câmera.) - Silêncio, por favor! Esse
tópico é complicado!

ALVARO - Tópico complicado? Você tá lendo "Biologia Básica, Volume 2", Olivério!
“Um tópico complicado” Vol. I

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Entra Magda, nervosíssima no Zoom.

MAGDA - Pronto! Ela provocou, ela pediu, ela que aguente!

ALVARO - O que aconteceu?

MAGDA - Afoguei o celular da Olívia Bertholini!

INSERTE DE TODAS AS MAGDAS AFOGANDO CELULAR

ALVARO - Afogou o celular?

MAGDA - Afoguei! Confisquei o celular e enfiei dentro do meu copo d'água!

FERNANDA - Meu deus do céu...

DANILO - Justo a líder dos arruaceiros!

ALVARO - Por que você fez isso?

MAGDA - Porque ela me deixa louca! O celular tocou duas vezes no meio da
aula! Eu tava me segurando, mas aí ela se recusou a copiar as fórmulas que
eu coloquei na lousa porque disse que depois tirava uma foto! Aí eu disse:
“então, fotografa agora, Olívia”! Peguei o celular e taquei no meu copo d'água!

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Todos aplaudem.

DANILO - Eu sempre sonhei em fazer isso com aquela folgada, mas nunca tive
coragem.

FERNANDA - E o que que ela disse?

MAGDA - Ela não precisou dizer nada, porque imediatamente começou o


levante! Um reclamava, o outro completava! Todo mundo em sintonia! Uma
turma que mal se olha na cara! Playboy que não fala com nerd, metaleiro que
não fala com gótico, patricinha que não fala com emo! Mas na hora de se
rebelar contra a professora, todo mundo fica unido!

OLIVÉRIO - A raiva é agregadora! Se as pessoas cultivassem mais a raiva, nós


viveríamos num mundo de união!

MAGDA – Então, eu disse: “A culpa da morte desse celular é de vocês! Porque o


celular morreu agora, mas há muito tempo que eu me mato por essa turma! Olhem
as minhas mãos! Isso aqui é alergia à pó de giz! Olhem pra essa dermatite que eu
tenho por causa dessa lousa, por causa dessas fórmulas, por causa de vocês, seus
ingratos! Ingratos!"

FERNANDA - Calma, Magda…

MAGDA - Foi quando a Olívia disse que ia fazer um vodú contra mim.

FERNANDA - Ela tava brincando.

MAGDA - Brincando onde? (TIK TOK OLIVIA) Aquele cabelo azul! Aquela acne
disseminada naquela pele albina! A Olívia é uma bruxa!

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FERNANDA - Eu vou levar uma água pra você...

MAGDA – Não precisa. Não tô reclamando, não! Acho bom que eles fiquem
revoltados! Eu prefiro a Olívia Bertholini possessa comigo do que dormindo na
carteira!

DANILO - O bocejo de um aluno é mais agressivo que um xingamento!

MAGDA - A indiferença é o verdadeiro bullying! Por isso eu matei aquele celular!


Agora aquela garota me odeia, mas não me ignora! Ah, ah, ah! (vasculhando na
bolsa.) O problema é o vudú! Eu tenho medo de vudú! Se não fosse o vudú, tava
tudo bem!
O afogamento do celular OU a raiva faz a união.

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MAGDA - Cadê meu cigarro, porra?

MARIANA - Não pode fumar aqui na escola!

MAGDA - Eu vou fumar no banheiro!

MARIANA - Não pode fumar no banheiro também!

MAGDA - Então me dá um café, merda!

ALVARO - Café é dois reais!

MAGDA - Eu tô sem dinheiro! Mariana, troca um bilhete de metrô pra mim?

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MARIANA - Eu não pego metrô porque eu tenho carro!

MAGDA (num berro) - Será que não existe um pingo de coleguismo aqui dentro?

DANILO - Vamo todo mundo se acalmar, pelo amor de Deus!


Sem fumo e sem café: A equação contra a Magda.

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SILÊNCIO. PROFESSORES EXAUSTOS.CLOSE DE EXAUSTÃO

FERNANDA - Não sei vocês, mas eu preciso de férias!

OLIVÉRIO - Daqui a pouco chega! Quando o ano começa, eu sei que o ano vai ser
longo. Ao mesmo tempo, todos os anos que eu passei lecionando passaram
voando. Desde que virei professor, minha vida tem sido assim: longa e rápida.
Vida longa, férias curtas.

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Entra Whitaker, animado. Os professores estranham a ausência de Silvana.

WHITAKER - Bom dia a todos, novamente!

ALVARO - Opa! Cadê a Dona Silvana, Whitaker? Você disse que ela iria falar com
a gente no intervalo!

WHITAKER - A Dona Silvana não pode vir porque ela está num compromisso
profissional.

ALVARO - Que compromisso profissional?

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WHITAKER - Ela conseguiu um encaixe pra retocar a escova no cabelereiro.

INSERTE D. SILVANA NO SALÃO DE CABELEREIRO

ALVARO - E isso é um compromisso profissional?

WHITAKER - Claro que é! Ela foi a um cabeleireiro profissional. Mas, não se


preocupem, porque eu intercedi por vocês e a Dona Silvana garantiu que irá
conversar com os professores na hora do almoço.

OLIVÉRIO - Seria ótimo conversar com ela na hora do almoço, se a gente não
almoçasse nessa hora.

WHITAKER - Relaxa que vai ser um papo rápido!

ALVARO - Acho que não, Whitaker, porque eu andei conversando com a equipe
entre uma aula e outra e a nossa lista de reivindicações tá cada vez maior!

INSERTE LISTA DE REINVINDICAÇÕES

WHITAKER - E é por isso que eu estou aqui! Vamos excluir alguns itens porque a
Dona Silvana tem pouco tempo já que ela quer preparar um discurso pra ser lido
depois da execução do hino nacional que a Magda vai tocar.

MAGDA - Ai, meu Deus. Tem mais isso...

WHITAKER - Vai treinando, fofa!

MAGDA - Fofa?
Reunião com Silvana: cabelo antes e professores depois.

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WHITAKER - Quem me troca uma nota de cinquenta pra eu pegar um cafezinho ali
no corredor?

FERNANDA - Pois é! Esse é um dos itens da lista! Cortar o cafezinho foi uma puta
sacanagem!

WHITAKER - Quem cortou o cafezinho? A Sociedade Mantenedora instalou essa


máquina de café expresso no corredor! O grão é importado e a máquina é italiana!

FERNANDA - Mas agora a gente tem que pagar pelo cafezinho!

Devolve meu café aguado II

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WHITAKER - Quem é honesto, paga. Quem é malandro, sonega.

FERNANDA - Do que você tá falando?

TRILHA DE INVESTIGAÇÃO

WHITAKER - Eu não ia tocar no assunto porque, definitivamente, isso é uma coisa


muito desagradável, mas o fornecedor passou na minha sala pra fazer uma
denúncia...

FERNANDA - Que denúncia?

WHITAKER – Alguém tem adulterado a máquina pra pegar cafezinho de graça!

FERNANDA – Você tá insinuando que eu tô roubando café, Whitaker?

WHITAKER – Não falei que foi você, Fernanda, falei que foi alguém.

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FERNANDA – Alguém que poderia ser eu!

WHITAKER – Alguém que poderia ser qualquer um!

FERNANDA – De quem você tá falando?

WHITAKER – De todo mundo!

MAGDA (interrompendo seu ensaio na flauta.) – Eu inclusa?

FERNANDA – Retire o que disse!

WHITAKER – Se a carapuça serviu.

ALVARO – Isso dá processo, hein?

FERNANDA – I’ve never been so humiliated! (LEGENDA EM PORTUGUÊS – Eu


nunca fui tão humilhada!)

ALVARO – Essa é uma acusação muito séria!

WHITAKER – Não tô acusando ninguém!

ALVARO – Ninguém aqui é o ladrão, porra!

DANILO (numa confissão agoniada) – Fui eu!

WHITAKER – Danilo!
INSERTE DE DANILO COLOCANDO O CLIPS NA MÁQUINA DE CAFÉ)

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DANILO – Eu tava doido por um café, mas tava sem dinheiro. Aí, eu coloquei um
clipe no bucal e o café saiu de graça.

ALVARO – É sério isso?

DANILO – Descobri por acaso.

MAGDA – Tá louco, Danilo?

DANILO – Desculpa.

MAGDA – Como é que você não ensina esse tipo de esquema pros seus colegas
de trabalho?

DANILO – Eu fiquei com vergonha.

MAGDA – Você não é um de nós.

WHITAKER – Eu sinto muito, Danilo, mas vou ter que encaminhar seu caso pra
Comissão Disciplinar da Sociedade Mantenedora.

INSERTE D. SILVANA COM PAPEL NA MÃO ESCRITO “COMISSÃO


DISCIPLINAR DA SOCIEDADE MANTENEDORA NOVA VANGUARDA)

ALVARO – Isso é impossível! (INSERTE DO ALVARO TENTANDO BURLAR A


MÁQUINA ) Eu tentei e o clipe não encaixa no bucal...

DANILO – É porque tem que cortar o clipe na metade!

OLIVÉRIO - E eu, subestimando a inteligência desse menino…

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WHITAKER (levantando-se e caminhando pela sala.) – Eu me sinto profundamente
envergonhado por vocês e desde já eu convoco uma reunião extraordinária e não
remunerada para a discussão desse ato ilícito incompatível com... (escutando a
Magda mandar áudio para Danilo. Todos escutam)

MAGDA– (GRAVANDO AUDIO NO CELULAR COM O MICROFONE DA REUNIÃO


ABERTO) Danilo, você me encontra no corredor para tentar pegar um café de graça
pra mim?

WHITAKER – Vocês perderam completamente o limite!

MAGDA - Eu preciso de um café pra me acalmar, Whitaker!

O roubo da cafeína OU sabotando a máquina de café

___________________________________________________________________

MAGDA - Uma aluna vai fazer um vudú contra mim! Tá bom pra você?

OLIVÉRIO - Olha lá, hein! Isso é intolerância religiosa!

ALVARO – Calma, Magda. Se desejar o mal de professor desse certo, tava todo
mundo aqui aposentado por invalidez.

Intolerância Religiosa

___________________________________________________________________

ALVARO - Como o Antônio!

MARIANA – Aliás, que saudade do Antônio, hein?

INSERTE DE FOTO DO ANTÔNIO NA SALA DE AULA.

OLIVÉRIO – Alguém sabe do Professor Antônio?

ALVARO – Depois do infarto, o Antônio sumiu do mapa.

FERNANDA – O Antônio era um gênio!

OLIVÉRIO – Essa escola nunca mais vai ter um professor como o Antônio!

ALVARO – O Antônio era referência de ética e comprometimento com o ensino!

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DANILO – Desculpa, mas eu quero lembrar que eu entrei no lugar do Antônio.

WHITAKER – E daí?

DANILO – Daí que todo mundo sempre coloca o Antônio nas nuvens, mas ninguém
fala nada do meu trabalho!

FERNANDA – Sim! O que é uma injustiça porque o Danilo tem muito carisma com
os alunos!

DANILO – Obrigado, Fernanda…

MARIANA – Claro. Mas dá pra comparar com o Antônio?

ALVARO – Dá!

MAGDA – Claro que não.

MARIANA – O Antônio era um Deus do carisma!

OLIVÉRIO – Enfartou em sala de aula. (INSERTE DE ENFARTO DO ANTÔNIO)

Começou a passar mal depois de dar um esporro em quem, mesmo?

WHITAKER – Roberto Querosene?

INSERTE FOTO ROBERTO QUEROSENE

FERNANDA – Juliana Bergamota?

INSERTE FOTO JULINA BERGAMOTA

MAGDA – Não foi naquele japonês, que comia terra?

ALVARO – Não! Foi no Pedro Silverinha!

INSERTE FOTO PEDRO SILVEIRINHA (FOTO COM CHIFRINHO ....)

Manifestações. Todos detestavam o Pedro Silverinha.

OLIVÉRIO – Ah, sim. Aquele moleque era de matar.

MAGDA – E quase matou, mesmo!

FERNANDA – Ah, ah, ah, ah...

WHITAKER – Vamos respeitar o Antônio!

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ALVARO – Quem desrespeitou o Antônio foi a Sociedade Mantenedora, quando
mandou o Antônio embora!

WHITAKER- Alvaro! Depois do enfarto, o Antônio não conseguia sequer tomar um


copo d’água sozinho!

ALVARO – Ainda assim, foi uma injustiça! Porque o Antônio sequelado é melhor do
que qualquer um de nós com boa saúde!

MAGDA – Viva o Antônio!

TODOS – Viva!

Viva o Antônio! OU Antônio, o grande.

___________________________________________________________________

DANILO (num grito contido) – Chega!

FERNANDA – Calma, Danilo...

DANILO – Calma nada! Quer saber o que tá incomodando, então eu te digo


Whitaker! O que incomoda é a falta de reconhecimento do nosso trabalho! Porque
eu leciono cotidianamente vitimado pela exaustão! E é na exaustão que eu dou as
minhas melhores aulas! Porque é na exaustão que eu me reinvento pra não
sucumbir à apatia, num movimento heroico que não é reconhecido por ninguém! Por
ninguém!

OLIVÉRIO – Nós somos professores! A falta de reconhecimento é praticamente


uma exigência na carreira acadêmica.

WHITAKER – Ok! Todo mundo desabafou, podemos voltar a falar do que realmente
interessa?

DANILO – Olha aí! É o que eu te digo, Fernanda! Nesse ambiente de sofrimento,


ninguém escuta ninguém!

“Ai de mim!” - Danilo.

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WHITAKER – Mas agora eu vou te escutar, Danilo! Eu e toda a comunidade
escolar! Porque eu pensei que seria bacana dar uma animada no nosso evento de
aniversário…

ALVARO – De novo, essa merda…

WHITAKER – Então, Danilo, após o discurso da Dona Silvana e a execução do hino


nacional na flauta da Magda, eu gostaria que você declamasse um poema…

DANILO – Ah, não…

WHITAKER – Declama que o povo gosta! Você é ou não é professor de literatura?

DANILO – Mas que poema você quer?

WHITAKER – Um poema bonito.

DANILO – Algum outro critério que não seja estético?

ALVARO – Fala aquele do Maiacovsky!

WHITAKER – Qual do Maiacovsky?

DANILO – “No caminho com Maiacovsky”!

WHITAKER – Eu prefiro um poema nacional.

DANILO – Mas esse é nacional. É do Eduardo Alves da Costa.

WHITAKER – Mas não era do Maiacovsky?

Magda toca Asa Branca na flauta. Danilo declama.

DANILO – “Na primeira noite,

Eles se aproximam

E colhem uma flor de nosso jardim

E não dizemos nada...”

WHITAKER – Ok, lembrei. Esse não!

DANILO – “Na segunda noite

Já não se escondem,

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Pisam nas flores,

Matam nosso cão.

E não dizemos nada...”

(DANILO RECITANDO E WITHAKER MUTA DANILO)

WHITAKER – Muito bem, chega! Mudei de idéia. Ninguém vai declamar porcaria
nenhuma! Vai do hino nacional pro cachorro quente e fim de papo!

Um poema bonito

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ALVARO – O que interessa agora é fazer nossa lista de exigências!

MAGDA – Eu preciso de orientação da coordenação pedagógica! Existe uma aluna


querendo fazer um vudú contra mim!

WHITAKER – E por que ela quer fazer isso?

MAGDA – Porque eu afoguei o celular dela!

WHITAKER – Como é que é?

MAGDA - Enfiei o celular no meu copo d’agua!

INSERTE FOTO CELULAR DENTRO DO COPO DE ÁGUA

WHITAKER – Enlouqueceu Magda? Agora os pais vão querer processar a escola!

ALVARO – A Professora Magda foi desrespeitada pela aluna em sala de aula!

WHITAKER – Porra! Dá ponto negativo, mas não destrói o celular da menina! Era
um IPhone?

MAGDA – Acho que era…

WHITAKER – Que modelo? Porque se era o IPhone 12 a gente tá fudido!

OLIVERIO - “Ela tá certa.

ALVARO - Os caras tão sem limite

FERNANDA - Tem que tomar uma atitude”.

30
O afogamento do celular, Parte II

___________________________________________________________________

DANILO CONSEGUE SE DESMUTAR E FALA.

DANILO (aumentando o tom de voz) – “Mas dentro de mim, com a potência de um


milhão de vozes, o coração grita – MENTIRA!”

CONSTRANGIMENTO GERAL COM O DESTEMPERO. TODOS SE OLHAM.


CLOSE DE OLHARES. DANILO RESPIRA FUNDO. WHITAKER ESFREGA OS
OLHOS.

WHITAKER – Muito bem, Danilo. Obviamente você não está bem do ponto de vista
emocional. Isso não seria um problema, mas na última semana você chegou
atrasado quatro vezes e, nesse caso, quem se prejudica são os alunos.

FERNANDA – O Danilo chega atrasado, mas se propõe a ficar até mais tarde!

MARIANA – A pergunta é: fazendo o quê?

DANILO – Não precisa me defender, Fernanda! Eu já entendi que os boatos sobre


demissão são por minha causa.

MAGDA – Você está sabendo de alguma coisa, Whitaker?

WHITAKER – Ninguém vai ser demitido, pelo amor de Deus!

DANILO – Vai ser ótimo sair dessa escola pelo bem da minha saúde física e mental!

FERNANDA – O Danilo é um professor brilhante!

Danilo precisa de terapia

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MARIANA – E quem te perguntou?

FERNANDA – Eu não preciso da sua autorização para elogiar o desempenho de um


colega de trabalho.

MARIANA – Desempenho em que área?

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FERNANDA - Chega! Eu estou sendo perseguida por essa mulher e esta situação
está ficando insustentável, Whitaker!

WHITAKER – Por que você está perseguindo a sua colega, Mariana?

MARIANA – Eu não concordo em determinadas atitudes da Fernanda.

WHITAKER – Essas atitudes dizem respeito ao exercício profissional da professora


Fernanda?

MARIANA – Depende de que profissão você está falando.

FERNANDA – Chega! Eu cheguei no meu limite! Who do you think you are? Who
do you think I am? A clown? A stupid clown? (LEGENDA: “Quem voce pensa....)

DANILO – Calma, Fernanda

FERNANDA - I' m tired! I' m sick and tired! LEGENDA:.....


Round 3 F x M: “Mariana não autorizou”

___________________________________________________________________

Fernanda sai da reunião .

DANILO - Eu não tenho estrutura emocional pra lidar com esse tipo de pressão! Eu
fiz o curso de letras! Eu desenvolvi a minha sensibilidade entrando em contato com
os maiores autores da humanidade!

OLIVÉRIO - (enfiando a cabeça embaixo de um livro.) É sempre assim, todos os


dias! Um quebra pau atrás do outro! (para Magda, num berro.) Pára com essa
flauta!

Magda obedece, assustada.


Surtos

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OLIVÉRIO - Eu tenho um texto pra ler antes de dar a minha aula pro segundo
colegial! Ou será que ninguém mais tem respeito por um professor que quer fazer o
seu trabalho direito?

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MARIANA - Você com essa mania de leitura enche o saco, Olivério!

OLIVÉRIO - Eu sou um professor! Eu tenho que ler!

ALVARO - Porra, mas,"Biologia Básica, Volume 2", Olivério?

OLIVÉRIO - Isso é problema meu, caralho!

WHITAKER- Pelo amor de Deus! O que que está acontecendo aqui entre vocês?
Alguém vai atrás da Fernanda pra oferecer um copo d'água!

Mariana se levanta.

WHITAKER - Obviamente, não você, Mariana!


Tópico complicado, Vol. II

___________________________________________________________________
DANILO (seboso, se aproximando de Whitaker.) - Whitaker! Me escuta! Eu preciso
falar com a Silvana pessoalmente!

WHITAKER - Ela vai falar com todos vocês!

DANILO - Eu preciso falar com ela em particular.

WHITAKER - Falar o que?

DANILO - Não preciso dizer porque é particular!

WHITAKER - Ok! Entendi. Todos estão chafurdados em problemas de ordem


emocional! Isso é normal! Nós somos seres humanos! Vocês querem um psicólogo
de plantão? Porque eu posso solicitar a contratação de um psicólogo pra vocês!

ALVARO - Ninguém aqui precisa de psicólogo nenhum, Whitaker!

DANILO - Eu preciso de um psicólogo!

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Todos precisam de psicólogo OU Quer psicólogo, bem?

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ALVARO - O que nós precisamos é definir a nossa lista de exigências que...

Volta Fernanda. Olhos inchados.

WHITAKER - Está mais calma, Fernanda?

FERNANDA - I'm fine, thank you. LEGENDA:....

WHITAKER - Talvez seja melhor você voltar pra casa.

FERNANDA- Eu nunca deixei de dar uma aula por conta de nenhum problema
pessoal meu, Whitaker. Nem quando morreu a minha avó! Os alunos tinham exame
de segunda época, eu saí do crematório e vim ministrar a prova...

Fernanda se emociona. INSERTE CREMATÓRIO..

DANILO - A Fernanda é um ser humano maravilhoso!

FERNANDA - Minha avó fumegando e eu lecionando! Vocês sabem o que é isso?

MAGDA - Eu sei. Ano passado, eu cremei minha cachorra e vim dar reposição de
trigonometria!

DANILO - A Fernanda é o exemplo! Esqueçam o Antônio que foi embora e olhem


pra ela! Pra ela!
Não importa quem morreu OU Sem luto ou sem aula.

___________________________________________________________________

Toca o sinal. Todos se levantam, imediatamente.

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OLIVÉRIO - Mais uma aula. Há trinta anos eu levanto da cadeira assim que toca
um sinal.

MARIANA - Às vezes eu tô em casa, toca o telefone e eu digo "boa tarde, classe!".

MAGDA (arrumando suas coisas.) - É preciso amar o mau aluno! O amor é


exercício de insistência! Eu odeio a Olivia Bertholini com todas as minhas forças,
mas ainda vou descobrir alguma coisa que me apaixone naquela criatura abjeta!

DANILO - Vamos lá! Vamos lá! Eu gosto de lecionar pra adolescentes! Eu dialogo
bem com os adolescentes ...

MAGDA - Se a Olívia consegue conviver consigo mesma, mesmo sendo um traste


daqueles, no mínimo a Olívia é uma adolescente de coragem! Eu preciso dizer isso
na cara dela! "É preciso coragem pra ser você, Olívia ...

TODOS VÃO SAINDO.... DANILO FICA SÓ.

DANILO - Vamo lá! Os problemas são importantes para o crescimento! As piores


fases da minha vida foram as que eu não tinha problemas pra resolver. Na
juventude, por exemplo! Eu não tinha preocupações e estava sempre angustiado
naquela felicidade toda! Eu preciso de problemas na minha vida pra entender o
tamanho da minha força, (SE DÁ CONTA QUE ESTÁ SÓ) É... vamos lá!

Crônicas de um professor OU É preciso amar o mau aluno.

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CENA 3- “Se a educação não for provocativa, não constrói, não cria, não se
inventa, só se repete.”

(Sérgio Cortela)

Logo após o almoço. Todos fazendo ações em suas salas, menos Danilo e
Fernanda. Olivério lê seu livro e faz anotações num caderninho Continua apagando
o desenho do cérebro.

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ALVARO - Vamo lá! Daqui a pouco eu vou promover mais uma aula interativa onde
só eu abro a boca! Tô querendo fomentar o debate em sala de aula, mas os alunos
não falam nada! Eu insisto porque a ignorância precisa sair do pedestal, como se
ela fosse uma espécie de antídoto para o sofrimento na carona daquela teoria que
diz "não sei, então eu não sofro"! Eu amo esses alunos! E eu quero que eles saibam
e eu quero que eles sofram! É o melhor que eu posso fazer por eles!

MARIANA - Eles estão sofrendo com você, eu tenho certeza, Alvaro.

Pra saber, tem que sofrer.

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Entra Magda, aflita.

MAGDA - A Dona Silvana tá aí! Cruzei com ela no corredor: (INERTE DE D.


SILVANA PASSANDO) a cara tá péssima, mas a escova tá ótima! Escrevam o que
eu digo! Antes de terminar o dia, alguém vai receber a bomba! E eu aposto em mim
mesma! Eu mereço! Sou uma professora em crise com a profissão!

OLIVÉRIO - Se o critério for crise pessoal, tá todo mundo na rua, Magda.

MAGDA - Esse meu descontrole com a Olívia foi sintomático! Há vinte anos que eu
ensino as mesmas coisas e sempre do mesmo jeito. Até os meus esporros nos
alunos, eu conheço de cor. Eu sempre uso as mesmas palavras, as mesmas
inflexões. Há vinte anos eu falo as mesmas coisas. E repito. As mesmas coisas.
Repito, repito, repito e repito. As mesmas coisas! As mesmas coisas! Como é que
eles me aguentam?

MARIANA - É uma pergunta difícil de responder.

ALVARO- Calma, Magda. Não adianta sofrer por antecipação.

As mesmas coisas, as mesmas coisas.

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ALVARO - Nós temos que aproveitar que o Whitaker não entrou na reunião pra
entrar num acordo sobre o que nós vamos exigir da Dona Silvana! E olha... Tem que
ser todo mundo junto! Porque a união é a nossa força!

MARIANA - O Danilo e a Fernanda ainda não voltaram do almoço!

ALVARO - Foda-se! Vamo seguir em frente que aqueles dois não acrescentam
muito, mesmo! Eu, honestamente, acho que um dos nossos maiores problemas é
que existe um número absurdo de horas extraclasse que são consumidas em
assuntos de caráter administrativo que não nos dizem respeito!

MARIANA - Agora você tá reclamando de integrar a Comissão de Eventos, Álvaro?

ALVARO - Eu reclamo disso também! Pra organizar uma simples festa junina, as
nossas reuniões foram intermináveis!

MARIANA - É porque você polemiza tudo!

ÁLVARO – Eu não polemizo nada, Mariana. A única coisa é que eu me recusei a


fazer a brincadeira da cadeia na festa junina!

MARIANA - É o que eu tô dizendo...

ALVARO (puto.) - Com cadeia não se brinca, porra! Eu sou professor de História!
Você sabe quantas pessoas foram torturadas nos porões da ditadura?

MAGDA - Bom, já que o assunto é tortura, eu quero dizer que eu não vou mais
participar da Comissão do Livro Didático porque a Comissão Financeira presidida
pelo Olivério me sabota!

OLIVÉRIO - Eu não tenho culpa! A Comissão Financeira perdeu verba depois que
foi sabotada pela Comissão de Matrículas, presidida pela Mariana.

MARIANA - Quem preside a Comissão de Matrículas é a Fernanda. Eu sei porque a


Comissão de Eventos sabotou essa Comissão também.

MAGDA - É a comissão de Álvaro.

OLIVÉRIO - Porra, Álvaro, fim da picada...

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ALVARO - Um minuto! Um minuto! É o que eu tô dizendo! Por conta das
Comissões, estamos chafurdados em disputas políticas mesquinhas que
representam um desgaste desnecessário dentro da equipe!

MAGDA - Então, eu proponho a criação de uma Comissão de Confraternização que


promova eventos em caráter descontraído entre todos nós.

ALVARO - Vamo falar sério, Magda!

MAGDA - Eu estou falando sério! Que tal um bingo?

ALVARO - A minha proposta é a extinção sumária de todas as Comissões!

OLIVÉRIO - ''Epa, aí também não, tá louco, A/varo?

MARIANA - Isso é muito radical! Enlouqueceu, Alvaro? Integrar as comissões


representa abono no holerite.

ALVARO - Mariana! Se a Sociedade Mantenedora repassar o aumento da


mensalidade em forma de dissídio, nós vamos poder abrir mão do abono! Faça as
contas, Magda, você que é professora de matemática...

MAGDA - Já fiz e não compensa! O dissídio ficaria em seis por cento e a Comissão
é sete e meio!

MARIANA - As Comissões continuam!

Danilo entra sorrindo, junto com Fernanda na reunião.

ALVARO - Então é assim? Salve-se quem puder?

Comissão do caos OU Parabéns populista!

___________________________________________________________________

DANILO – Salve-se quem puder, mas o amor é a boia!

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MAGDA – Do que está falando, Danilo?

DANILO (escrevendo no quadro branco da reunião ou no chat) – “O... amor... é...


a... boia!”.

MARIANA – Quando você diz “boia”, se refere ao alimento ou à salvação?

DANILO – Essa é a genialidade da frase. Eu falo das duas coisas. O amor que
alimenta e salva ao mesmo tempo...

MARIANA – Vamo ver se a boia te salva agora, Danilo. Porque tua mulher telefonou
e eu disse que você estava no almoxarifado, junto com a Fernanda.

DANILO (lívido) – Mas... Eu não estava no almoxarifado junto com a Fernanda...

MARIANA – Ah, estava! Eu vi! Eu fui pegar as bexigas pro aniversário da escola e lá
estava você, conferindo o material didático...

FERNANDA – (com terror no olhar) – Meu deus do céu! eu vou vomitar!

MARIANA – Eu já vomitei, obrigada.

FERNANDA – Qual é seu problema, Mariana? What the hell? What the hell? What
the… (LEGENDA...)

Fernanda tem uma ânsia e levanta e vai para o banheiro.

INSERTE FERNANDA VOMITANDO NO BANHEIRO).

MAGDA – Alguém me explica o que tá acontecendo?

MARIANA – Provavelmente a Fernanda está grávida!

MAGDA – Que bom! A Fernanda merece toda a felicidade do mundo!

MARIANA – Resta saber quem é o pai!

DANILO (possesso) – Escuta aqui, Mariana! Eu aguentei demais! Agora você vai ter
que me ouvir!

A bóia furada

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___________________________________________________________________

Entra Whitaker na reunião. Dessa vez, bem mais agitado.

WHITAKER - Eu sabia! Eu estou sempre escutando os gritos de vocês no corredor!


Olha o mau exemplo pros alunos! Não tem um dia de reunião que eu não encontro
alguém descontrolado!

OLIVÉRIO (enfiando a cara no livro) – Será que eu poderia ter um pouco de paz
para preparar a minha aula, pelo amor de deus?

WHITAKER – Acho que não, Olivério! A Dona Silvana já está na escola, resolvendo
questões administrativas na secretaria e dentro de poucos minutos vai estar aqui
com vocês. Magda, você ainda está almoçando???

MAGDA – A cantina é barulhenta demais!

WHITAKER – Não interessa! É lá que vocês tem que comer!

MAGDA – Mas os alunos ficam tripudiando da minha marmita!

WHITAKER – Nossa reunião não é refeitório, Magda! Daqui a pouco você vai usar o
quê de guardanapo? A lista de chamada?

Magda recolhe a louça, nervosa.

A bóia da Magda

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WHITAKER (reparando na lousa) – E que frase idiotia é essa: “O amor é a boia”?

DANILO – Não é idiota! A boia, no caso, significa a salvação e o alimento e...

WHITAKER – Apaga essa merda! É o meu que tá na reta! Eu sou o diretor dessa
escola e não consigo saber o que vocês querem da Sociedade Mantenedora!
Acabei de levar uma chamada da Dona Silvana porque ela acha que não tenho
controle sobre a minha equipe!

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INSERTE WITHAKER LEVANDO CHAMADA DE D. SILVANA... PROPOSTA
ADRIANO)

MARIANA (irônica) – Que injustiça...

WHITAKER (ofendido) – E mais! A sua decoração do palco pro evento de


aniversário foi reprovada, Mariana! A Dona Silvana sentiu falta das bexigas!

MARIANA – Eu não tive culpa! Pergunta pro Danilo porque não tem bexiga!

WHITAKER – O que que você fez com as bexigas, Danilo?

DANILO – Eu... Decidi que eu quero declamar um texto! Sobre a morte! É do Edgar
Allan Poe: “Enterrado Vivo”!

WHITAKER – Ninguém vai declamar nada!

DANILO – Eu me identifico com esse texto!

WHITAKER (apagando o White board) – Problema seu, saco! Quanto mais rápido
for esse evento, melhor pra todos nós!

Falta paciência e bexigas OU Bexigas ou camisinhas?

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WHITAKER - Vocês já decidiram o que vão reivindicar pra Dona Silvana?

ALVARO – Whitaker! Nós decidimos que precisamos de uma nova reunião entre os
professores pra definirmos a nossa lista de exigências...

WHITAKER – Não há mais tempo! Vocês discutem o tempo todo e não chegam a
lugar nenhum! Pra mim, chega! Eu não vou aliviar pra ninguém! Daqui a pouco a
Dona Silvana está aí pra conversar cinco minutos com vocês! É o tempo que ela
tem!

ALVARO (indignado) – Cinco minutos pra conversar com o corpo docente que dá o
sangue por essa instituição? Isso é uma indignidade!

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WHITAKER – Eu já tô com o saco na lua! Porque enquanto você estão no bem-bom
dando aula, as bombas estão estourando na minha mão!

INSERTE WITHAKER....

MAGDA (ofendida) – Quem tá no “bem-bom”, Whitaker? Eu acabei de ter uma crise


de nervos porque uma turma se rebelou contra mim!

WHITAKER – Eu sei, Magda! Os alunos andam se rebelando contra os professores


e não é à toa! Vocês estão insatisfeitos com a Sociedade Mantenedora? Que bom.
Porque a Sociedade Mantenedora também está muito insatisfeita com vocês!

MAGDA (em pânico) – Os boatos da demissão! É por isso que a Dona Silvana veio!

ALVARO – Não precisa estabelecer esse terrorismo, Whitaker! As nossas


reivindicações são justas!

WHITAKER – O momento é péssimo para reivindicações, Álvaro! Hoje é aniversário


da escola, mas ninguém aqui tem motivos pra comemorar! Esse ano foi terrível: as
matrículas caíram, a inadimplência aumentou com o aumento da mensalidade, e o
pior de tudo: os resultados dos alunos estão abaixo do esperado! A gente não
rankeia ninguém no Enem! Não aprova ninguém na Fuvest! E pra mim, tudo isso
está diretamente ligado ao péssimo relacionamento que existe entre vocês!
Portanto, assumam suas responsabilidades antes de fazerem as suas exigências
descabidas!

Whitaker sai.

Reivindicações ou demissões OU Quem tá no “bem-bom”???

___________________________________________________________________

Silêncio, Olivério, que durante todo o diálogo anterior se conteve, explode.

OLIVÉRIO – Chega! Isso é o fim da picada Eu tenho trinta anos de magistério pra
ser tratado desse jeito!

ALVARO – Calma, Olivério!

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OLIVÉRIO – Eu sou um professor! Eu ainda sou um professor! Alguém precisa dizer
na cara desta mulher que nós não aceitaremos mais esse tipo de tratamento!

DANILO – Eu me ofereço em sacrifício! Façam a lista de xingamentos! Eu xingo e


vou embora! Quero ser demitido faz tempo! Saio dessa escola e escrevo o meu
romance!

OLIVÉRIO – A escolha não vai ser sua, Danilo! Nós somos igualmente tratados feito
lixo, mas a questão é que o professor é indispensável!

MAGDA – O professor é indispensável!

ALVARO – O professor é indispensável!

DANILO – O professor é indispensável!

INSERTE DE ALUNOS DESRESPEITANDO O PROFESSOR....

MARIANA – Alguém mais vai falar que o professor é indispensável?

OLIVÉRIO – Na minha opinião, Álvaro, a lista de exigências deve se resumir a um


único item: estabilidade no emprego. Se sai um, sai todo mundo. Só assim
poderemos ter a tranquilidade pra fazer as nossas reivindicações!

ALVARO – Ok! Eu proponho uma votação: quem estiver a favor da proposta do


Olivério, levanta a mão.

Todos levantam a mão, menos Mariana,(inerte de Mariana sem levantar a mão)

ALVARO (solene) – Está decidido pelo voto da maioria. A demissão de um é a


paralisação de todos!

Todos aplaudem.

O professor é indispensável? Lista interminável não feita.

___________________________________________________________________

Entra Whitaker, volta pra reunião soturno.

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WHITAKER – Ok. Dona Silvana não vem. Mas ela quer falar com você, Olivério.

OLIVÉRIO – Falar o quê?

WHITAKER – Aí é uma questão administrativa. Eu sou somente um porta-voz.

OLIVÉRIO – Eu tenho uma aula pra preparar...

INSERTE DE OLIVÉRIO PREPARANDO AULAS COM OS LIVROS

WHITAKER – Deixa pra preparar amanhã.

OLIVÉRIO – Amanhã eu preparo as aulas de depois de amanhã.

WHITAKER – A Dona Silvana está te esperando.

OLIVÉRIO – Vamos deixar pra outro dia, por favor...

WHITAKER – Eu sinto muito, Olivério...

“Eu não quero ir!!!” OU “Eu sinto muito, Olivério”

___________________________________________________________________

Fernanda entra na reunião, magoadíssima.

FERNANDA – Muito obrigada, Danilo! Eu pus os bofes pra fora e você não foi nem
ver como eu estava! Aliás, ninguém foi me socorrer! (INSERTE DA FERNANDA NO
BANHEIRO DEPOIS DE VOMITAR) Eu poderia ter me afogado no meu próprio
vômito, como a vocalista do The Mamas and the Papas, mas vocês simplesmente
não se importam! Aliás, ninguém se importa com ninguém aqui dentro! Em que tipos
de seres humanos vocês se transformaram, hein? What kind of human beings,
mother fuckers? (LEGENDA....)

Ninguém responde. Misto de tristeza com tensão. Toca o sinal. Apaga-se a luz.

Ninguém se importa com ninguém OU “What kind of human beings?”

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44
CENA 4- “A leitura do mundo precede a leitura da palavra” "É necessário
cuidar da ética para não anestesiarmos a nossa consciência e começarmos a
achar que tudo é normal”

Pouco antes do intervalo do período vespertino. Mariana e Danilo, sozinhos na Sala


dos Professores.

DANILO – Como você percebeu, essa é uma situação muito delicada, Mariana. Eu
nem estou preocupado comigo. Eu só não quero que a Fernanda seja exposta.

MARIANA – Claro. E pra evitar a exposição da Fernanda, vocês fazem sexo na


escola...

DANILO – Como eu disse, é uma situação muito delicada...

MARIANA – Eu gostaria que você soubesse que eu me sinto com a obrigação moral
de relatar a baixaria que testemunhei no almoxarifado à Sociedade Mantenedora. E
se eu não fiz isso até agora, é por uma questão de respeito à Suely, que é minha
amiga de longa data e que ficará mal falada depois que essa sujeira toda vier à
tona!

DANILO (aumentando o tom) – Eu realmente gostaria que você tivesse a dignidade


de não se envolver nesse assunto, Mariana.

MARIANA – Quem é você pra falar de dignidade? Eu tenho pena da Suely!

DANILO (numa explosão) – Chega Mariana! Você me viu com a Fernanda! Agora
você já sabe! O que que você está esperando para ligar para minha mulher? Liga!
Vai ser um favor! Conta tudo! Porque essa carreira e esse meu casamento são
mentiras que eu acumulo na minha vida! Mas o vento da mudança está soprando
através dos seus lábios! Anda! Denúncia! Vai ser bom pra mim! Eu preciso de uma
ruptura definitiva pra chafurdar no sofrimento e colher a matéria-prima do meu
romance! A arte genuína nasce da dor! Todos os grandes escritores foram
sofredores convictos, então a infelicidade é produtiva! Vai! Liga pra Suely e
consolida a sua vingança contra mim, já que você me odeia tanto!

MARIANA – Não era você que queria preservar a Fernanda?

45
DANILO – Eu queria. Eu quero. Eu não tive culpa. Eu...

Danilo tem uma crise de tosse.

MARIANA (altiva) – As coisas vão mudar profundamente aqui dentro dessa escola,
Danilo. E sua vida também, eu garanto. Mas, pra que a pressa? Vamos aguardar o
rumo dos acontecimentos...

DANILO – Eu não aguento mais essa situação... Ninguém aguentaria... Eu tenho


asma! A minha saúde só tem piorado nos últimos tempos...

Danilo chora e tosse na sua fragilidade.

Covardia de um vitimista.

___________________________________________________________________

Entram Magda e Álvaro, sorridentes.

MAGDA – Parecia um milagre, Alvaro! Eu entrei na sala e estava escrito na lousa


em letras garrafais: “Desculpa Dona Magda.”. E em cima da minha mesa, tinha um
Sonho de Valsa. Eu acho que foi a Olivia que comprou! Essa turma é muito fofa. A
gente reclama de tudo, mas não existe lugar onde eu mais goste de estar do que na
frente dos meus alunos...

MARIANA – Cuidado que o bombom pode ser parte do vudú!

ALVARO – Não começa, Mariana...

MAGDA - Escuta aqui, Mariana! Eu não vou entrar mais no seu jogo porque eu sou
uma pessoa que valoriza a harmonia, o entendimento e o amor! Eu valorizo o amor,
tá ouvindo, sua filha da puta?

Paz e amor, filha da puta!

___________________________________________________________________

Entra Olivério. Estranho. Os professores se entreolham.

ALVARO – O que a Silvana queria falar com você, Olivério?

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OLIVÉRIO (sentando-se à mesa e abrindo um livro) – Nada. Ela apenas queria me
parabenizar pelo trabalho.

ALVARO – Não acredito!

OLIVÉRIO – Pois deveria. Eu fiz por merecer. Trinta anos de magistério! Trinta anos
apostando na transformação do ser humano e na melhoria do mundo por
consequência! Eu me olho no espelho e me pergunto: “cadê aquele viço, cadê
aquela beleza espanhola?”. Tudo se esvaiu em trinta anos dedicados ao futuro do
Brasil. E daí? Foi um investimento! Quem colhe é o mundo! Qual o problema? Isso é
a mais pura abnegação! Vocês não acham que eu mereço os parabéns por tudo
isso?

MAGDA – Se tem alguém aqui que merece os parabéns, esse alguém é você,
Olivério!

ALVARO – Isso não faz nenhum sentido.

“Parabéns” Olivério: Fiz por merecer.

___________________________________________________________________

ALVARO - A Dona Silvana nunca parabenizou nenhum de nós!

OLIVÉRIO – Talvez porque vocês não mereçam.

DANILO – Ei! Não precisa ser agressivo com seus colegas!

OLIVÉRIO – Ninguém aqui é mais agressivo do que você com suas lamúrias,
Danilo.

DANILO – Eu estou vivendo uma fase terrível na minha vida pessoal, Olivério!

OLIVÉRIO – Isso não te dá o direito de ser chato! Todo mundo sofre, mas todo
mundo esconde o sofrimento! O sofrimento dissimulado é o mínimo que se pode
esperar de um ser humano decente!

DANILO – Eu exijo que você me respeite! Aliás, eu exijo respeito de todo mundo! Eu
sou um professor desse colégio!

47
OLIVÉRIO – Você pode saber muito de literatura, mas não sabe nada sobre ser um
professor! (elevando a voz.) Porque saber é uma coisa e ensinar é outra!

ALVARO – Vamo todo mundo se acalmar?

DANILO (agressivo) – Escuta aqui! Eu não vou ser tratado dessa maneira por um
professor que faz tempo que não ensina nada direito pra ninguém!

OLIVÉRIO – Do que você tá falando?

DANILO – Os seus alunos se queixaram pra mim!

OLIVÉRIO – Se queixaram do que?

DANILO – Eles dizem que você é confuso!

OLIVÉRIO (avançando, possesso.) – Eles tem razão. Eu tô confuso agora. Não sei
se te dou uma porrada ou se te cuspo na cara!

Alvaro entra no meio dos dois.

ÁLVARO – Pelo amor de Deus! Vocês são professores! Cadê a civilidade?

MAGDA – Calma, Olivério! Eu nunca te vi nesse estado...

Entra Fernanda.

OLIVÉRIO (se contendo) - Eu estou ótimo. Meu trabalho foi reconhecido. Não que
eu precise! Minha filosofia sempre foi não esperar o reconhecimento. Mas se o
reconhecimento vem, eu estou no lucro. Agora, com licença que eu preciso preparar
a minha aula.

Quem é mais professor?

___________________________________________________________________

FERNANDA – Olivério! Você tá bem?

OLIVÉRIO – Mas por que todo mundo fica me perguntando isso? Eu nunca estive
melhor!

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FERNANDA – Eu fui falar com a Regina da Contabilidade e ela estava puxando a
sua ficha!

ALVARO – Puxando a ficha do Olivério, por que?

FERNANDA – Não sei. Mas quando eu perguntei, ela começou a chorar!

ALVARO – O que você conversou com a Silvana, Olivério?

OLIVÉRIO – Eu preciso de concentração, pelo amor de Deus!

Entra Whitaker.

WHITAKER – O que você está fazendo, Olivério?

OLIVÉRIO - Por que ninguém me deixa em paz? Eu só quero preparar a minha aula
para daqui a pouco!

WHITAKER – Nós combinamos que seria melhor você ir embora por hoje, Olivério!

OLIVÉRIO – Nós combinamos que eu iria fazer aquilo que fosse o melhor para os
alunos.

WHITAKER – Claro! Porque é preciso pensar nos nossos alunos,


fundamentalmente!

OLIVÉRIO - Claro! Porque é preciso pensar nos nossos alunos, Whitaker!

ALVARO – Do que vocês estão falando?

MAGDA – Mandaram o Olivério embora! Foi isso, Olivério? Fala!

Silêncio. INSERTE DA D.SILVANA ENTREGANDO CARTA PARA OLIVÉRIO

WHITAKER – O Colégio Nova Vanguarda será sempre grato...

ALVARO – Puta que pariu!

MAGDA – Eu falei que aquela mulher tava aqui pra isso!

FERNANDA – Qual a justificativa, Whitaker?

49
DANILO – Por que ele e não eu?

OLIVÉRIO – Não se preocupem comigo. Eu fiz um acordo vantajoso.

DANILO – Era nisso que eu estava interessado!

MAGDA – Você está a quatro anos de se aposentar...

OLIVÉRIO (com o rosto no livro) – Parece que vou ter que antecipar meus planos.

FERNANDA – Isso é um absurdo!

OLIVÉRIO – Eu quero preparar a minha aula e vocês estão atrapalhando a minha


concentração!

ALVARO – Olivério! Como é que você se sujeita a preparar uma aula depois de ter
sido demitido?

WHITAKER – Olivério... Eu quero dizer que eu sempre fui contra sua demissão...

ALVARO – Sempre foi? Então você sabia desde quando?

MAGDA – O Olivério é o melhor de todos nós!

ALVARO – Muito bem, Whitaker! Acho que o mínimo que essa mulher deve ao
corpo docente é uma satisfação imediata sobre os motivos que levaram à saída do
Olivério!

WHITAKER – Isso diz respeito somente ao Olivério e à Sociedade Mantenedora!

ALVARO – Isso diz respeito a todos nós!

MAGDA - Isso mesmo!

DANILO - Nós temos o direto de saber.”

FERNADA – Isso é uma injustiça com o Olivério!

Demissão de Olivério: Trinta anos de magistério chegaram ao fim


___________________________________________________________________

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WHITAKER (num berro.) – Muito bem. Eu explico. (recobrando o controle.) No início
do ano, a Sociedade Mantenedora encomendou uma pesquisa de desempenho do
corpo docente à Education Workers Performance Institute levando em conta
critérios de aproveitamento, barra, nota, barra, presença.

INSERTE EDUCATION WORKERS PERFORMANCE INSTITUTE (VÍDEO DO


ADRIANO)

E, lamentavelmente, segundo essa pesquisa, o Olivério foi o último professor na


classificação geral...

FERNANDA – Como assim? O Olivério é ótimo!

MAGDA – E que instituto cretino é esse que eu nunca ouvi falar?

MARIANA – Escuta... Quem ficou em primeiro lugar?

WHITAKER – A primeira foi a Magda.

MAGDA – Ah, obrigada.

ALVARO – Isso é ridículo...

MAGDA – Pera lá. Não vamos menosprezar todo um trabalho da Education


Workers...

A lista... OU Quem vai para o paredão?

___________________________________________________________________

Toca o sinal.

WHITAKER – Infelizmente, o sinal tocou. Vamos todos para o pátio, celebrar o


aniversário dessa escola. Não se esqueçam de manter o distanciamento social e
usarem suas máscaras. Depois, falaremos sobre esse assunto. E você está
dispensado por hoje, Olivério.

OLIVÉRIO (decidido) – Não. Eu quero cantar o hino nacional.

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MAGDA – Whitaker, me desculpa. Eu não vou conseguir tocar flauta depois de uma
notícia dessas!

WHITAKER – Não se preocupe com isso, Magda. Dá o tom que o pessoal vai na
capela.

OLIVÉRIO – Depois do evento, eu tenho que dar aula pro terceiro colegial!

WHITAKER – O Danilo assumirá o terceiro colegial no seu lugar!

OLIVÉRIO – Eu tenho todas as condições de dar aula, Whitaker!

WHITAKER – Essa é uma decisão da Sociedade Mantenedora, Olivério. Vamos


para o pátio, que os alunos estão esperando!

TENSÃO. ÁLVARO VIRA DE COSTAS. E DEPOIS TODOS VIRAM DE COSTAS


PARA A CAMERA. WHITAKER TENSO.

WHITAKER - Ok. Eu compreendo a revolta de vocês. Eu também compartilho desse


sentimento, mas estamos submetidos às decisões administrativas que extrapolam o
envolvimento afetivo que temos uns com os outros, portanto, vamos para o pátio, eu
já disse!

O levante dos sentados

___________________________________________________________________

TENSÃO. ÁLVARO VIRA DE COSTAS. E DEPOIS TODOS VIRAM DE COSTAS


PARA A CAMERA. WHITAKER TENSO ATÉ QUE OLIVÉRIO SE LEVANTA,
DECIDIDO.

OLIVÉRIO – Eu vou.

FERNANDA - Onde você vai, Olivério?

OLIVÉRIO - Celebrar o aniversário da nossa escola.

ALVARO - Olivério! Nós concordamos que paralisaríamos as nossas atividades se


um de nós fosse demitido.

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OLIVÉRIO - Eu lembro. Fui eu que fiz essa proposta.

ALVARO - Pois bem. Aconteceu. Você foi demitido. Agora, ninguém mais trabalha!

OLIVÉRIO - O combinado foi que os remanescentes da equipe iriam paralisar suas


atividades. O demitido pode fazer o que quiser. Eu quero cantar o hino agora e
quero dar aula depois! A aula que eu preparei até às três da manhã cujo tema
dialoga diretamente com a minha situação: a extinção dos dinossauros!

WHITAKER - Você não está bem, Olivério! Seria uma irresponsabilidade minha
permitir que você assuma as suas atividades nesse estado!

OLIVÉRIO - Eu não estou bem? Olhe pra sua equipe, Whitaker! Um se comporta
como um sindicalista de porta de fábrica na Sala dos Professores. A outra, tem
medo de vudú! Uma faz da vida do asmático depressivo um inferno e aquela ali tá
vomitando a cada dez minutos! O único em condições de assumir as próprias
atividades sou eu! Aliás, assumir as minhas atividades nesse momento é a única
coisa que eu posso fazer por mim mesmo pra não enlouquecer!

ALVARO - Não faça isso, Olivério! Estamos todos em greve por você a partir de
agora!

WHITAKER - A Dona Silvana está na escola! Se vocês insistirem nessa paralisação,


as consequências serão seríssimas!

ALVARO - Serão mesmo! Porque pela primeira vez, nós vamos ser ouvidos!

DANILO - Eu apoio a greve!

FERNANDA - Me too! (LEGENDA...)

MAGDA - Posso pensar um pouco?

OLIVÉRIO - Eu furo essa greve e vou cantar o hino!

WHITAKER - Você fica onde está, Olivério! E vocês, saiam de onde estão!

ALVARO - Ninguém se mexe, porra!

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MAGDA - Eu preciso que alguém decida por mim! Todas as decisões que eu tomo
por mim mesma são sempre equivocadas!

OLIVÉRIO (num grito.) - Eu quero cantar o hino!

WHITAKER - Abaixa o tom de voz, Olivério!

ALVARO (noutro grito.) - O Olivério perdeu a razão junto com o emprego! E nós
estamos seguindo pelo mesmo caminho!

OLIVÉRIO (quase num surto.) - Eu quero dar aula! Eu fiquei até às três da manhã
fazendo o desenho do brontossauro, porra!

INSERTE DO DESENHO DO OLIVÉRIO (DANIEL E SIBILA)

O meu autorretrato! O herbívoro vitimado pelo predador!

WHITAKER - Meça suas palavras pra não sofrer as consequências!

OLIVÉRIO - Que consequências? Vocês já me demitiram! O que mais a Sociedade


Mantenedora pode fazer comigo? Dar outro pé na outra banda da minha bunda?

WHITAKER (ficando de pé em frente à câmera.) - Você não está bem e sabe muito
bem disso!

ALVARO - Senta aí, Whitaker!

WHITAKER - Opa! Eu sento se eu quiser!

MAGDA - Eu não aguento mais ouvir esses gritos!

WHITAKER- Vocês estão enlouquecendo!

ALVARO- Estamos mesmo! E a Sociedade Mantenedora é diretamente responsável


por isso!

Parar ou não parar

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Toca o sinal de novo.

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OLIVÉRIO - Há trinta anos eu me levanto da cadeira assim que toca um sinal. Se eu
não levantar agora, eu não levanto nunca mais!

Álvaro se coloca na frente da porta.

ALVARO - Daqui ninguém sai, eu já disse! Nós precisamos chegar num acordo!

WHITAKER- O acordo pra mim tá claro!

ALVARO - E qual é o acordo?

WHITAKER - Eu mando, vocês obedecem!

FERNANDA - Um minuto! Eu tenho uma proposta! Vamos lá pra fora! A gente canta
o hino nacional e antes do discurso da Silvana, comunicamos aos alunos que o
Olivério foi demitido.

WHITAKER - Enlouqueceu, Fernanda?

FERNANDA - O Olivério foi vítima de uma injustiça e é preciso que os alunos


saibam disso!

WHITAKER - Vocês estão querendo incitar a revolta no corpo estudantil!

FERNANDA - Ninguém incita nada. A gente só comunica e espera o resultado!

ALVARO - A Fernanda tá certa! A Silvana precisa ter uma demonstração pública do


carinho que os alunos têm pelo Olivério!

OLIVÉRIO - Eu não quero que vocês comuniquem nada!

WHITAKER - A demissão do Olivério é uma decisão administrativa que se baseia


em números da Education Workers Performance Institute...

FLASH DO EDUCATION WORKERS PERFORMANCE INSTITUTE

ALVARO - Whitaker! Manda a Dona Silvana enfiar esse instituto no rabo!

WHITAKER- Você perdeu a compostura, Alvaro!

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ALVARO (possesso.) - Não! Eu perdi a contundência do meu discurso porque eu
me aburguesei no medo de perder esse emprego! Mas um homem não pode ser a
contradição entre aquilo que ele pensa e aquilo que ele faz! Eu andava quieto
demais porque antes qualquer um me desmascarava! Mas agora, eu vou lutar pelo
o que acredito que é certo aqui dentro! E o certo é o Olivério continuar nessa
equipe!

OLIVÉRIO - Vocês não têm nada a ver com isso!

WHITAKER - A Dona Silvana prometeu que vai conversar com todos vocês no final
do dia!

ALVARO - Mentira! Ela não vai conversar nada! O máximo que ela vai fazer é
mandar outro recado através de você, Whitaker e disso nós já estamos de saco
cheio! A Silvana tem que nos escutar, porque se hoje é o Olivério, amanhã qualquer
um de nós também pode ser vítima de uma injustiça!

DANILO - Injustiça, não!

WHITAKER - Não houve injustiça nenhuma!

ALVARO - Então foi sacanagem!

DANILO - Sacanagem, não!

ALVARO - E se foi sacanagem, isso fundamenta a nossa decisão conjunta de entrar


em greve a partir de agora, porra!

Os professores aplaudem em apoio.

O certo é o Olivério ficar na equipe.

___________________________________________________________________

Mariana ergue a voz.

MARIANA - Mas será que ninguém percebeu que o Olivério tá doente?

OLIVÉRIO - Fica quieta, Mariana!

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MARIANA - Fala logo de uma vez, Olivério!

MAGDA - Doente do quê?

MARIANA - Vocês não repararam? O Olivério esquece tudo. Por isso esse esforço
na preparação das aulas! As mesmas aulas que ele dá há trinta anos e que, agora,
ele precisa recapitular todo santo dia antes de entrar na sala de aula!

MAGDA - Isso é verdade, Olivério?

OLIVÉRIO (aflito.) - Claro que não! Se eu esqueço alguma coisa é por conta do
estresse da profissão, coisa que qualquer professor está sujeito! Isso é o... Eu sou
como qualquer um que... Eu...

OLIVÉRIO ABAIXA A CABEÇA. SILÊNCIO. INSERTE OLIVÉRIO ESTUDANDO EM


CASA – DANIEL E SIBILA. E NO FIM .... APAGANDO O CÉREBRO....

OLIVÉRIO (derrotado.) - Meu irmão tem a mesma coisa. É progressivo. Hoje, eu


sou o único que ele reconhece. Eu... Não tô me queixando. Eu fiz um acordo com a
Sociedade Mantenedora. Eles prometeram... Existe uma série de benefícios que...
Eu não lembro direito...

SILÈNCIA... INSERTE DE TODOS COMOVIDOS....

MAGDA - Olivério, posso ir até a sua sala pra te dar um abraço?

DANILO - Você me desculpa, Olivério. Eu simplesmente não sabia que...

OLIVÉRIO - Ninguém precisava saber. O meu acordo é que tentaríamos encerrar o


ano letivo. E eu estava conseguindo. Era uma meta que ia ser cumprida. Porque eu
preparo aula até três da manhã e tudo estava indo muito bem, até agora...

FERNANDA - Estava tudo indo muito bem, Olivério!

Tópico complicado: Vol. 3 - A Resolução

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FERNANDA - É por isso que vamos lá fora, cantar o hino pra você!

OLIVÉRIO - Não! Eu não preciso que os alunos saibam que eu fui demitido! Eu não
quero despedidas! Eu não quero ninguém me olhando como se eu fosse um
coitado!

FERNANDA - Você precisa ter a noção do quanto é amado, Olivério!

OLIVÉRIO - Mas eu não sou amado! Quem disse que eu sou amado? Eu nunca me
senti amado! Eu sou somente um professor! Pra mim, o reconhecimento é
secundário! Tudo o que eu quero é cumprir com as minhas obrigações!

ALVARO (lágrimas nos olhos.) - Nós vamos lá fora, cantar o hino nacional, lado a
lado, como símbolo da nossa união!

FERNANDA – Mas com distanciamento. E a Magda fica no meio, tocando a


flautinha!

MAGDA - Pode ser "Asa Branca"?

DANILO - E aí, eu declamo Maiacovski!

FERNANDA -Vamos promover um “abraço virtual” coletivo no Olivério!

TODOS - Êêêê!

EMOJI DE ABRAÇO

TODOS ABRAÇAM VIRTUAL. OLIVÉRIO NÃO REAGE. PARECE INCOMODADO.

Celebração de professor.

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WHITAKER - Ok! Chega! Fiquem onde estão!

ALVARO - Você tinha dito pra gente ir para o pátio!

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WHITAKER- Mas agora eu ordeno que vocês fiquem nas suas salas!

OLIVÉRIO - Agora eu obedeço!

ALVARO - Faça o que você quiser, Olivério! Mas agora, a gente vai lá fora, cantar o
hino, mesmo que isso custe o emprego de todo mundo aqui dentro!

TODOS LEVANTAM. WHITAKER EM DESESPERO.

WHITAKER - Um minuto! Vocês precisam me escutar, pelo amor de Deus! Eu peço


que vocês esperem aí nas suas salas. Eu vou convocar a Dona Silvana pra falar
com todos vocês imediatamente. Eu entendo vocês! Eu estou do lado de vocês! Eu
concordo com a permanência do Olivério... Eu concordo com as exigências...
Vamos resolver isso antes do evento. Eu falo com a inspetora, ela pede pros alunos
esperarem no pátio mais um pouco. Vamos dispensar as turmas depois do hino
caso isso seja necessário, mas, por favor, vamos tentar resolver essa situação sem
que os alunos sejam envolvidos. Esse tipo de crise não pode chegar aos pais
porque nós não podemos correr o risco de ter uma debandada na hora das
matrículas! A situação financeira do nosso colégio agora, na pandemia, é muito
mais grave do que vocês pensam! Se vocês gostam dessa escola, se vocês têm
apreço por essa escola, por favor, esperem aqui...

Silêncio. Os professores olhando para a tela.

ALVARO- Muito bem. Nós estamos esperando, Whitaker. Mas diga pra Dona
Silvana não demorar, porque a nossa paciência se esgotou…

WHITAKER - A secretaria é aqui do lado. Eu vou e volto com ela num minuto, eu
prometo.

WHITAKER SAI DA REUNIÃO. OLIVÉRIO SENTA COM AS MÃOS NO ROSTO,


NUMA ANGÚSTIA IRREPARÁVEL

FERNANDA - Calma, Olivério. Você não vai ser demitido. Nós vamos resolver essa
situação.

OLIVÉRIO - A situação já estava resolvida...

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Quem espera sempre alcança… a Silvana.

___________________________________________________________________

OLIVÉRIO - Mas, a Mariana... Resolveu se intrometer...

MAGDA - Do que você tá falando, Olivério? O que que a Mariana fez?

OLIVÉRIO - Essa aí conversou com a Silvana. Ela tem conversado muito com a
Silvana ultimamente.

INSERTE MARIANA E SILVANA CONVERSANDO .....

ALVARO - Muito bem, Mariana. Você passou o dia inteiro insinuando coisas! O que
que tá acontecendo?

MARIANA - Não está acontecendo nada.

ALVARO - Fala, Mariana!

MARIANA - Eu não tenho nada pra falar!

ALVARO - Você tá escondendo alguma coisa! Você não pode fazer isso! Você é
uma de nós!

MARIANA - Ok! Não sou mais!

ALVARO - Do que você tá falando?

MARIANA (num suspiro.) - Bom. Daqui a pouco vocês vão saber também. O
Whitaker é outro que vai ser mandado embora.

MAGDA - Quem te disse isso?

MARIANA - A própria Silvana.

FERNANDA - Quando ela te contou?

MARIANA - Quando eu fui comunicada que vou ser a nova diretora do Colégio Nova
Vanguarda…

60
Choque.

INSERTE - MARIANA SENTADA NA MESA DA DIREÇÃO

FERNANDA - My God. No... No... Nooo! (Tradução)

MARIANA (triunfante.) - Agora as coisas vão funcionar direito por aqui!

ALVARO - Mas o Whitaker sabe que vai ser demitido?

MARIANA - Ainda não. E eu peço que vocês não falem nada antes de segunda-
feira. A Silvana é muito humana e quer que o Whitaker passe um final de semana
tranquilo com a família.

INSERTE SILVANA ASSINANDO CARTA DE DE DEMISSAO DE WITHAKER.

MAGDA - Coitado do Whitaker…

Novos tempos se aproximam no colégio Nova Vanguarda!

___________________________________________________________________

FERNANDA - Coitado de nós!

DANILO - Calma, Fernanda!

FERNANDA - Calma aonde? Isso aqui já estava um inferno! Imagina depois que a
Mariana virar diretora!

MARIANA- A partir de agora, nós colocaremos o Nova Vanguarda sempre em


primeiro lugar! O Nova Vanguarda sempre valorizou os professores! A pergunta é:
quem valoriza o Nova Vanguarda?

FERNANDA - Então, nós tínhamos uma traidora infiltrada nessa Sala.

MARIANA - Eu recomendo que você meça suas palavras, Fernanda!

FERNANDA - Medir minhas palavras, por quê? Pra mim, isso tudo acabou! Com
você no comando, eu cheguei ao fim da linha!

M x F: Round 4 - Fim da linha.

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___________________________________________________________________

FERNANDA - Na verdade, todos nós chegamos ao fim da linha! Eu vou embora! E


você deveria fazer a mesma coisa, Danilo! Está na hora de você tomar decisões que
vão encher o nosso filho de orgulho!

DANILO - Mas eu nem sei se esse filho é nosso!

MAGDA - Opa! Vocês têm um caso?

DANILO - Não é um caso! É paixão! É a coisa mais linda e terrível que me


aconteceu na vida! E agora, eu quero que todo mundo saiba!

MARIANA - Eu tava a par dessa baixaria, mas tava me controlando. Agora, só me


resta te mandar embora, Fernanda! Eu deveria despedir o Danilo também, mas a
Suely é minha melhor amiga, então, eu quero falar com ela antes…

Não é mais segredo.

___________________________________________________________________

FERNANDA - Pois muito bem! Eu vou embora! O Danilo também já disse que quer
sair. Vamos, Danilo? Vamos, Olivério! Quem mais vem com a gente? Álvaro?
Magda? Ou vocês acham que existem condições de continuar trabalhando num
lugar como esse?

Silêncio. Todos abaixam a cabeça. Fernanda chocada.

FERNANDA - Eu já imaginava. Vocês querem continuar, mesmo no meio dessa


lama. Que seja. Cada um responde por si. A todos, boa tarde.

Quem vem comigo?

___________________________________________________________________

Fernanda tenta sair, mas a porta da sua sala está trancada.

INSERTE FERNANDA TENTANDO ABRIR A PORTA

FERNANDA - Ei?

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ALVARO - O que aconteceu?

FERNANDA - A porta tá trancada!

Professores boquiabertos. Entra o Hino Nacional Brasileiro ao fundo. Uma


execução precária, de uma gravação ordinária.

INSERTE DE ÁLVARO COMEÇA A FORÇAR A PORTA DA SUA SALA.

ALVARO - Isso não pode estar acontecendo... a porta da minha sala está trancada.

OLIVÉRIO - Começou a cerimônia!

FERNANDA - Sem a nossa presença!

ALVARO - A porta da minha sala foi trancada por fora!

INERTE DE MAGDA TENTANDO ABRIR A PORTA DA SALA DELA.

MAGDA - Isso é um absurdo!

DANILO - Fala que é uma brincadeira!

ALVARO - Só se for uma brincadeira de mau gosto! O Whitaker trancou as nossas


salas pelo lado de fora enquanto estávamos no meio da nossa discussão!

MAGDA - Minha Nossa Senhora!

DANILO - Deixa eu tentar abrir!

INERTE DE DANILO TENTANDO ABRIR A PORTA DA SALA DELE.

ALVARO - Estamos presos! Como na ditadura, porra!

DANILO (batendo na porta.) - Parem com essa brincadeira! Eu exijo que vocês
parem com essa brincadeira!

OLIVÉRIO - Ah, ah, ah!

MARIANA - Do que que você tá rindo, Olivério?

OLIVÉRIO - Vamos respeitar o hino nacional, ah, ah, ah!

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DANILO - Cala a boca com as suas piadas, Olivério! Eu tenho que sair daqui!

ALVARO - Agora o Whitaker passou de todos os limites!

MARIANA - Pode ter sido algum moleque do terceiro colegial!

MAGDA - Só se foi a Olívia Bertholini! Retaliação porque eu afoguei o celular!

DANILO - Eu tenho claustrofobia, porra! Isso desencadeia a minha crise de asma!

FERNANDA - Calma, Danilo!

DANILO - Calma onde? Eu não posso ficar preso em lugar nenhum! Até quando eu
uso o banheiro, eu deixo a porta aberta!

ALVARO (no telefone.) - Silêncio! Eu tô tentando falar com a secretária!

Ouviram do Ipiranga: Lockdown!

___________________________________________________________________

MAGDA - Os alunos perderam totalmente a noção de limite! Isso é reflexo da crise


na nossa sociedade! O problema começa em casa! Os pais são ausentes! Eu sei
porque a minha filha tem os pais ausentes e olha a merda que tá dando!

ALVARO - Não seja ingênua, Magda! Os alunos não tem nada a ver com isso! Nós
fomos trancados pelo Whitaker porque tudo o que ele quer é que o teatro da escola
harmoniosa seja representado pra Dona Silvana nesse evento ridículo!

OLIVÉRIO - O ingênuo aqui é você, Álvaro! O Whitaker é um fraco. Ele jamais teria
coragem de trancar a gente! Ele sabe que as consequências seriam terríveis pra
ele!

MAGDA - É o que eu estou dizendo! Foi a Olívia!

OLIVÉRIO - Nem o Whitaker, nem a Olívia! Quem nos trancou nas nossas salas foi
a Dona Silvana!

MARIANA - Não seja ridículo! A Silvana jamais faria esse tipo de coisa! Isso é uma
insanidade!

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OLIVÉRIO - Essa experiência já foi feita numa escola da França em 1976! A direção
proibiu a entrada dos professores pra que os alunos pudessem avaliá-los com mais
isenção. Agora, a Silvana tem todos os alunos reunidos no pátio pra saber
exatamente o que eles pensam de cada um de nós na nossa ausência!

MARIANA - Isso é ridículo!

OLIVÉRIO - A Silvana vai saber o que os alunos pensam de você, Mariana!

MARIANA - Os alunos me amam!

OLIVÉRIO - Ah, ah, ah, ah!

A experiência: devaneios franceses.

___________________________________________________________________

Danilo cai, asfixiado.

FERNANDA - Danilo, pelo amor de Deus!

MAGDA - O que aconteceu com ele?

FERNANDA - É a crise de asma! (Tenta afrouxar sua gravata) Respira com


cadência, Danilo!

DANILO (num fio de voz) - Eu vou morrer!

MARIANA - Vamo todo mundo se acalmar!

ALVARO - Eu vou arrombar essa porta!

MARIANA - Isso é depredar o patrimônio da escola!

Álvaro se joga na porta.

OLIVÉRIO (numa raiva crescente.) - Ela deve ter formulado questionários...

DANILO - Socorro...

MAGDA - O Danilo tá morrendo!

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ALVARO (se contorcendo de dor.) - Fraturei o ombro! A porta é de peroba, merda!

OLIVÉRIO - Que serão preenchidos e avaliados por amostragem! Como na França,


em 1976!

FERNANDA - Danilo, lembra do que a gente fez lá em Cotia!

DANILO (num fio de voz.) - Tá pior do que em Cotia, Fernanda!

MARlANA - Que história é essa de Cotia?

FERNANDA - Nós também ficamos trancados num motel em Cotia!

OLIVÉRIO (INSERTE DO OLIVERIO NUM DELÍRIO) - Fichas de avaliação! Nossos


nomes separados em colunas! Avaliações de desempenho! Ruim, bom, regular!
Comentários finais, anonimato garantido, garantindo a isenção!

O hino acaba.

Lockdown: desafia nosso peito a própria morte.

___________________________________________________________________

Os professores esquecem Danilo e voltam para as telas.

MAGDA - Acabou o hino!

MARIANA - Vai começar o discurso!

ALVARO - O que essa vaca vai dizer pros nossos alunos?

FERNANDA (esmurrando a porta.) - Esses alunos são nossos!

ALVARO - Essa escola é nossa!

FERNANDA - Nós somos os professores!

MAGDA - A instituição mais importante do universo escolar!

ALVARO - O discurso deveria ser feito por um de nós!

FERNANDA - Abram essa porta!

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ALVARO - Abram essa porta!

MAGDA - Abram essa porta!

DANILO (num gemido terminal.) - Fernanda!!!

Os professores olham para a tela assustados.

FERNANDA – Danilo, calma! Via ficar tudo bem... Respira!!!

Nós fazemos a escola OU ânsia pelo fim do lockdown.

___________________________________________________________________

Entra em off a voz de Silvana.

SILVANA (INSERTE DE PRONUNCIAMENTO) - "Boa tarde, queridos alunos do


Colégio Nova Vanguarda. Hoje, mais do que o aniversário da nossa instituição, é o
dia de comemorar o início de um novo tempo. Celebrando o passado, pensamos na
construção de um novo futuro. Tudo só pode estar bem quando se conhece o
caminho certo e nós, do Colégio Nova Vanguarda, conhecemos esse caminho.
Estendemos nossas mãos para guiá-los pela estrada que conduz ao conhecimento
e à construção de um mundo melhor. Eu estendo as minhas mãos até vocês.
Estendam as suas mãos uns aos outros também... Mãos dadas pela educação!
Agora estamos juntos. E quem agradece é o Brasil.

Aplausos dos alunos.

Os professores numa indignação apoplética.

Uma nova esperança? OU Quem agradece?

___________________________________________________________________

CENA FINAL- “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os


homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” “Gosto de ser gente

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porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do
inacabamento, sei que posso ir mais além dele.”

INSERTE DE CADA PROFESSOR. Passagem de tempo.

Danilo está deitado com a cabeça na mesa da sua sala.

Alvaro anda de um lado para o outro dentro de sua sala, segurando o ombro
machucado.

Olivério está plácido, sentado na sua cadeira.

(TRILHA) - O som da turba estudantil segue ao fundo.

Magda fumando um cigarro, nervosa....

Fernanda em pé, agoniada, falando em inglês.... My god, oh, my god. I can’t believe
this is happening... (LEGENDA...)

Mariana ao telefone tentando falar com a secretaria....

ALVARO - Isso é um pesadelo! (batendo na porta). Alguém tá aí fora? Como é que


ninguém aparece nesse corredor?

FERNANDA - Por favor, vamos ficar em silêncio! A única maneira do Danilo


controlar a crise de asma é ele fechar os olhos e se imaginar em um lugar que não
seja uma sala escura, mal ventilada e trancada por dentro!

DANILO - Pelo amor de Deus, Fernanda!

ALVARO - Eu vou processar a Silvana! Meu primo Tunico é advogado trabalhista!

MARIANA - Ninguém sabe se foi a Silvana quem trancou a sala! E se foi tenho
certeza que ela sabe o que está fazendo…

ALVARO - É curioso que você ainda defenda essa demente, Mariana. Porque eu
vejo o Whitaker fazendo a mesma coisa enquanto cava a sua própria sepultura.

OLIVÉRIO - A sepultura é coletiva, Alvaro!

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Cavando a própria cova

___________________________________________________________________

OLIVÉRIO - Estamos todos no mesmo buraco e ninguém sentiu nossa falta! Pelo
contrário! Escuta a algazarra lá fora!

INSERTE DE ALUNOS EM MOVIMENTO

ALVARO – Isso não é algazarra, Olivério! São gritos de revolta!

OLIVÉRIO – São gritos da alegria!

DANILO – É grito ou risada? É protesto ou aprovação? Alguém me responde, pelo


amor de Deus!

ALVARO – É revolta, porra! Claro! A gente impõe conteúdo, mas eles querem uma
política participativa! Nós precisamos falar com eles lá fora pra propor uma ação
conjunta!

MARIANA - Eu falo com eles! Eles têm todo o direito de se revoltar, afinal, os alunos
são os patrões!

MAGDA - Do que que você tá falando?

MARIANA - A mensalidade aumentou! Eles pagam nossos salários e querem um


serviço bem prestado. É justo. Esse é o mundo moderno. Essa é a lógica capitalista
do pensamento liberal...

MAGDA (indignada.) - Você não entende nada, sua cretina! Nós somos os
professores! Eles querem ficar por respeito e agradecimento a todos nós! Esse é o
sentimento verdadeiro!

FERNANDA – Agora eu ouvi uma gargalhada!

ALVARO – Não é uma gargalhada, merda!

FERNANDA – O Olivério tá certo! Eles preferem a nossa ausência! Eles são felizes
na nossa ausência!

ALVARO (angustiado) – Eles descobriram a nossa mentira, Fernanda!

FERNANDA - Que mentira?

ALVARO - A gente ensina o que eles não precisam saber!

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INSERTE DE ALUNOS EM MOVIMENTO... IMAGEM E SOM DE VIDRO
QUEBRADO

Tensão.

MAGDA – Ai meu Deus! O que foi isso?

FERNANDA – Os alunos vão quebrar a escola inteira!

MARIANA – Nunca! Tem que punir! Tem que expulsar! Tem que servir de exemplo!

INSERTE DE ALUNOS EM MOVIMENTO... IMAGEM E SOM DE OUTRO VIDRO


QUEBRANDO. GRITOS AO FUNDO.

MAGDA - Por que eles tão fazendo isso?

OLIVÉRIO - Porque os professores não estão lá! Os alunos perceberam que a


escola é deles! A ausência da figura de autoridade pode ter consequências
desastrosas! Isso já aconteceu na França! Os alunos destruíram o prédio! Foi o
episódio que decretou a falência do sistema educacional francês!

MARIANA – E o que aconteceu com os professores?

OLIVÉRIO – Os professores? Eles foram espancados! Ah, ah, ah!

INSERTE DE PROFESSORES MACHUCADOS. EM FOTOS. TRILHA.

UMA EXPLOSÃO TERRÍVEL. GRITOS DOS PROFESSORES.

DANILO – Foi uma bomba?

FERNANDA – Parecia um tiro!

MAGDA (chorando) – A gente tem que sair daqui! Eu não quero ser espancada!

FERNANDA - Nós não fizemos nada contra eles! Os alunos amam os seus
professores!

OLIVÉRIO (NA JANELA) - Quebra tudo, rapaziada! Como na França!

MARIANA – (NA JANELA PARA FORA) Se quebrar vai ter consequência! Eu vou
expulsar todo mundo! (VOLTANDO) Não vai sobrar ninguém! Uma escola sem
alunos! Esse sempre foi o meu sonho como professora!

INSERTE SALA VAZIA COM PROFESSORA

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Revolta estudantil OU “O mito da caverna”

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DANILO (ensandecido.) - Fernanda! A asma tá atacando outra vez! Isso aqui só
passa de um jeito! Vem aqui na minha sala, lindinha! Me beija! Eu quero trepar com
você agora!

FERNANDA - Você enlouqueceu, Danilo? Esqueceu que estamos trancados nas


nossas salas?

DANILO - Você sabe que a asma passa quando fico com tesão!

MARIANA – É um filho da puta, mesmo! Eu só não te demito porque a Suely é a


melhor amiga que eu tenho!

DANILO (numa explosão.) - Melhor amiga? A Suely te odeia, Mariana!

MARIANA - Mentira!

DANILO - Ela te acha feia e eu também!

MARIANA (furiosa.) - Chega! Você tá demitido, Danilo!

ALVARO (num berro.) - Me demite também, Mariana!

MAGDA – Enlouqueceu, Álvaro?

ALVARO - Esse confinamento é o fundo do poço, Magda! Eu vou ter que abandonar
o magistério!

MAGDA – Não!!! Se você vai embora, me leva com você, Álvaro! Porque se não for
pra te ver todo dia, eu não venho mais! Sabe o que isso significa? Significa que eu
sou louca por você! Eu sempre fui! Você tá ouvindo, Álvaro?

MARIANA - A Suely me adora!

DANILO - Nunca! A Suely fala mal de você e a gente se diverte com isso!

MARIANA (batendo na porta) - Alguém abre essa porta, pelo amor de Deus!

DANILO - A Suely é um anjo, Fernanda! Tanto que agora eu decidi! Eu vou


reconstruir meu casamento! Desculpa, Fernanda. Você é uma pessoa maravilhosa,
mas eu tenho uma história com Suely!

FERNANDA (INSERTE DELA BLOQUEANDO ELE NO CHAT) - Eu nunca mais


quero olhar na sua cara, seu idiota!

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MAGDA – (MAGDA SE APROXIMA DA CAMERA E FALA COM ÁLVARO) Álvaro!
Eu sou louca por você! Por que você finge que não me escuta, seu filho da puta?

OLIVÉRIO - Olha aí! Começou a confusão! É o início de uma revolução. É o


movimento inevitável!

INSERTES DE INVASÃO DE ESCOLAS E PARTE DA TRILHA DA MÚSICA


INICIAL.

PROFESSORES SE ARMANDO PARA IR A LUTA COM OBJETOS DA SUA SALA.

Caixa de Pandora OU Quando os monstros saem da toca

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toca o sinal, definitivo. Silêncio.

MARIANA - Acabaram os gritos! Escutem o silêncio! Aconteceu o que eu imaginava!


A Silvana contornou a revolta com disciplina! Agora ela vai dispensar os alunos e
finalmente teremos a conversa que estávamos esperando há tanto tempo com a
Sociedade Mantenedora.

ALVARO - Conversar pra que, Mariana? É hora de fechar os livros. Tá tudo


acabado.

MAGDA - Tá tudo acabado, o cacete! Você é a diretora, Mariana. Eu preciso


continuar! O único refúgio que eu encontro na minha agonia é o momento onde eu
consigo fazer uma pessoa aprender uma coisa que ela não sabia.

MARIANA - Você continua, Magda, não se preocupe. O Nova Vanguarda valoriza


quem valoriza o Nova Vanguarda.

O show deve continuar?

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Olivério se dirige à janela da sala dele.

FERNANDA - Aonde você vai, Olivério?

OLIVÉRIO (olhando pra baixo) – Estou no terceiro andar. Isso dá uma queda de
seis metros.

OLIVÉRIO SOBE NO PARAPEITO. TERROR NA SALA . INSERTE DA REAÇÃO


DE TODOS

MAGDA – Ele vai se matar! Era só o que faltava ocorrer!

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FERNANDA – Pelo amor de Deus, Olivério!

OLIVÉRIO (sereno.) – Por que vocês não vêm comigo? Somente um suicídio
coletivo de professores poderá lançar uma luz sobre o sofrimento da nossa
categoria. Um suicídio coletivo dará a exata dimensão do nosso cansaço e da nossa
indignação. Seremos ícones de um novo tempo para a educação brasileira. O
suicídio coletivo de um corpo docente inteiro fará com que o Brasil finalmente se
sensibilize com a nossa causa inglória.

ALVARO – Olivério! Pelo amor de Deus! Se você fizer essa bobagem, você vai se
arrepender!

OLIVÉRIO – Eu só tenho que pular do jeito certo, porque morto não se arrepende!

Tópico complicado: bora um suicidio coletivo?

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Sons de salas sendo destrancadas. Whitaker entra na reunião sangrando no


supercílio.

WHITAKER – Eu... quero dizer que sinto muito.

MARIANA – O que aconteceu com você, Whitaker?

WHITAKER – Levei uma pedrada.

DANILO – Por quê?

WHITAKER – Eu não sei. Os alunos estão revoltados com o aumento da


mensalidade. O cachorro-quente tava sem molho, então a coisa piorou. Um dos
seguranças da Dona Silvana deu um empurrão no representante dos alunos. Aí
começou a confusão.

FERNANDA - Meu Deus!

O retorno não tão triunfal de Whitaker.

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OLIVÉRIO (resoluto) – Atenção para o ditado da minha carta de suicídio! “Eu


professor Olivério, me mato em defesa da educação brasileira!”

Gritos de desespero.

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ALVARO – (GRITANDO) Não faça isso Olivério. pelo amor de Paulo Freire!!!

Olivério para e sai de perto da janela.

Tópico complicado: Segura ele!!!

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MAGDA – Hoje é o pior dia da minha vida! Eu tenho certeza de que hoje é o pior dia
da minha vida!

ALVARO – Depois de tudo isso, esse colégio acabou hoje, Whitaker. O dia do
aniversário é a data do falecimento. Parabéns e meus pêsames.

DANILO – "Nesta casa, onde o horror profundo tem seus lares triunfais, eu
pergunto, existe acaso um bálsamo no mundo? E o corvo disse: ‘Nunca mais’!”

FERNANDA – Nunca mais...

MARIANA – Nunca mais.

ALVARO – Nunca mais.

Mariana, Fernanda e Danilo se dirigem à porta de suas salas.

Parabéns e meus pêsames.

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WHITAKER – Um minuto. Vocês não podem ir embora.

FERNANDA – Mas nós vamos, Whitaker! A menos que você tranque a porta de
novo.

WHITAKER – A Dona Silvana dispensou os alunos, mas eles recusaram a


dispensa...

ALVARO – Como assim?

WHITAKER – Eu também não entendi! O que eu sei é que eles estão lá... Nas salas
de aula. Esperando por vocês... Simplesmente... Esperando vocês.

Os alunos estão esperando.

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OLIVÉRIO – Vocês não ouviram o Whitaker? Eu preciso dar aula... Todos nós
precisamos dar as nossas aulas...

MAGDA – O Olivério agora tem pra onde ir. E nós, também.

OLIVÉRIO – Exatamente, meus colegas... Avante... Como todos os dias. O


professor... É o verdadeiro herói nacional.

ENTRA MÚSICA. WHITAKER ABAIXA A CABEÇA E SAI DA SALA VIRTUAL.


INSERTES DE PROFESSORES ARRUMANDO SUAS COISAS PARA A AULA.
COMEÇANDO PELO OLIVÉRIO. E VÃO SAINDO DA REUNIÃO VIRTUAL.
ÁLVARO FICA SOZINHO. TRILHA DE ALUNOS ENTRANDO
RUIDOSAMENTE NAS SALAS. ALVARO OLHA EM VOLTA, LEVANTA DA
CADEIRA, ARRUMA SUA SALA (DIÁRIO DE CLASSE, ALGUNS LIVROS),
RESPIRA FUNDO E SAI DA REUNIÃO VIRTUAL. A TRILHA CONTINUA E
IMAGENS DOS ALUNOS E PROFESSORES NAS MANIFESTAÇÕES DA
OCUPAÇÃO DA ESCOLAS.

Herói nacional???

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