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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Carlos Eduardo Tauil

Subdesenvolvimento, Periferia e Dependência: o lugar de Caio Prado Jr. no


debate de políticas econômicas brasileiras da década de 1950.

Guarulhos-SP
Novembro de 2015
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP


ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Carlos Eduardo Tauil

Subdesenvolvimento, Periferia e Dependência: o lugar de Caio Prado Jr. no


debate de políticas econômicas brasileiras da década de 1950.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de São Paulo como pré-
requisito para obtenção do Título de Mestre
em Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Henrique José
Domiciano Amorim.

Guarulhos-SP
Novembro de 2015
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Tauil, Carlos Eduardo.

Subdesenvolvimento, Periferia e Dependência: o lugar de Caio Prado Jr. no


debate de políticas econômicas brasileiras da década de 1950 / Carlos Eduardo Tauil.
– Guarulho, 2015.
128 f.

Dissertação (MESTRADO) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de


Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Programa de Pós Graduação em Ciências
Sociais, 2015.

Orientador: Henrique José Domiciano Amorim.

1. Caio Prado Jr.. 2. Dependência. 3. Economia. 4. Marxismo.


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Carlos Eduardo Tauil

Subdesenvolvimento, Periferia e Dependência: o lugar de Caio Prado Jr. no


debate de políticas econômicas brasileiras da década de 1950.

Dissertação apresentada e aprovada ao


Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Universidade Federal de São Paulo
- UNIFESP.

BANCA EXAMINADORA:

________________________

Prof. Dr. Henrique José Domiciano Amorim (Orientador UNIFESP - Guarulhos)

_____________________________

Prof. Dr. Milton Lahuerta (UNESP - Araraquara)

_____________________________

Pro. Dr. Leandro de Oliveira Galastri (UNESP - Marília)

SUPLENTE:

Prfa. Dra. Débora Goulart (UNIFESP - Guarulhos)

Guarulhos-SP
Novembro de 2015
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Resumo

O trabalho aqui apresentado tem por finalidade resgatar o pensamento e argumentos utilizados
por Caio Prado Jr. para debater as políticas econômicas brasileira durante a década de 1950. O
autor marxista, tido com um dos principais intérpretes do Brasil, publicou seu principal texto
em 1942, Formação do Brasil Contemporâneo, o qual integrava o desenvolvimento do país -
desde a chegada dos portugueses - no quadro geral da evolução do mercantilismo e
capitalismo europeu. Neste sentido, Caio Prado Jr., atribuiu um sentido da colonização que
permeou toda a História brasileira. No entanto, após a I Guerra Mundial e, mais
especificamente, após a II Guerra Mundial o Brasil foi inserido em uma nova configuração da
economia internacional. O debate acerca de qual a posição que o país ocupava nesta nova
ordem mundial teve seu ápice na década de 1950 e com os textos publicados pelos
desenvolvimentistas, como Raul Prebisch e Celso Furtado, as análises de Caio Prado Jr.
pouco foram levadas em consideração. Portanto, entendemos que o resgate das reflexões do
autor marxista, a respeito de como o Brasil se desenvolveu após o armistício, pode nos trazer
novas concepções sobre o papel ocupado pelo país na economia internacional, quais os
desdobramentos da política econômica brasileira da década de 1950, bem como uma nova
perspectiva para o sentido da colonização.

Palavras chave: Caio Prado Jr; Dependência; Economia; Marxismo


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Abstract

The work being presented has the goal of recapturing Caio Prado Jr.’s thoughts and arguments
to debate the brazilian economic policy during the 1950s. His main book, “Formação do
Brasil Contemporâneo”, published in 1942 was part of the country’s development – from the
arrival of the Portuguese – in the general evolution of the European mercantilism and
capitalism. In this instance, Caio Prado Jr. attributed a sense of colonization imbued
throughout Brazilian history. However, after World War I and, more specifically after World
War II, Brazil was inserted into a new international economical context. The debate about the
position which the country occupied in this new world order had its apex in the 1950s with
published texts by developmentalists, such as Raul Prebisch and Celso Furtado, little was
taken into consideration from Caio Prado Jr.’s analysis. Therefore, we understand that the
return of the Marxist author’s reflections about how Brazil developed after the armistice, can
bring us new conceptions about the role that the country had in international economy, which
were the pieces of the Brazilian economic policy in the 1950s, as well as a new perspective to
the sense of colonization.

Palavras chave: Caio Prado Jr; Dependência; Economia; Marxismo


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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe, amiga e eixo central na vida da minha família, Lucia Tauil.
Agradeço ao irmão, o melhor dos amigos, incentivador e “co-orientador” deste trabalho,
Rafael Tauil. Agradeço à minha irmã caçula, amada e exemplo maior de superação, Fabiana
Tauil. Agradeço ao cunhado-amigo que, com paciência, suporta nossas loucuras, Fabrizio
Caterina. Agradeço ao irmão distante, mas presente, Tuca e sua família maravilhosa.
Agradeço à família Naranjo (e agregados), que são meus pais e irmãos postiços, pelo amor e
confiança incondicional. Agradeço ao primo e novo amigo, Andrés Tauil. Agradeço ao Paulo
Marchesan, Caio e Nancy que muito me inspiram. Agradeço a Marluce Muniz pela paciência,
dedicação e empenho em fazer dos “Tauils” uma família mais equilibrada. Agradeço a Maria
Helena Paulino, por ouvir minhas lamúrias, que tanto me ajudou a organizar as idéias e,
assim, resolver minhas angústias.

Um agradecimento especial ao grande amigo consangüíneo que tanto me inspirou,


Eduardo Marchesan. Agradeço o carinho da família Murakami, em especial ao Ricardo.
Agradeço o carinho da família Karan Saikali, em espcial ao Jean (filho). Agradeço o carinho
da família Moya, em especial a Cláudia. Agradeço a preciosa amizade de Lugui, Haroldo,
Bruno, Felipe, Mauricio, Fernando, Carolina, Erica e Alê, Fernanda e Felipe, Caius e Carol,
Gugu e Ortega, Flávia e Tatiane, aos irmãos Pacheco, à família Cury, e, obviamente,
extensivo a todos e todas respectivas(os) esposos, esposas, namorados, namoradas,
companheiros e companheiras.

Agradeço as amigas que fiz neste mestrado e que tanto me ajudaram: Ana, Luciana,
Jenifer, Fernanda e, em especial, a grande amiga e companheira nesta jornada de estudos,
Tabita Lopes.

Agradeço as amigas e amigos do Grupo de Pesquisa Classe e Trabalho: Angelina,


André, Bruna Favaro, Bruna Santinho, Mauricio, Breno, Sandro, Gabriel Pelegrini, Gabriel
Tury, Guilherme e Vinicius.

Agradeço, calorosamente, ao meu orientador - e novo amigo - Prof. Dr. Henrique


Amorim pelo apoio em todos os momentos necessários. Não poderia ter tido melhor
orientação nesta dura jornada.

Agradeço aos professores Maria Orlanda Pinassi e Marco Del Roio que contribuíram
com dicas e direcionamentos preciosos para a fase final deste trabalho.
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Agradeço as funcionárias e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Ciências


Sociais da Universidade Federal de São Paulo, em especial a Daniela Gonçalves e Carla
Baptista.

E, por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior,


CAPES, pelo financiamento desta pesquisa.

PS: meu tio Paulo Marchesan, prestes a completar sessenta anos de idade, me disse:
“eu ainda não sei o que eu quero da vida, mas sei exatamente o que eu não quero”. Por isso,
eu agradeço ao Itaú Unibanco, nos longos anos em que trabalhei lá, por me mostrar
exatamente o que eu não quero para minha vida.
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Dedico este estudo, e todo meu


amor, ao meu sobrinho Piero.
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12

CAPÍTULO 1:.........................................................................................................................24

A Formação da Dependência Econômica no Brasil Integrado à Teoria Econômica Clássica-

Ortodoxa...................................................................................................................................24

O Brasil e a “Revolução Keynesiana”......................................................................................40

A Análise Estruturalista da Dependência Econômica em Raul Prebisch e Celso Furtado.......47

CAPÍTULO 2:.........................................................................................................................67

Caio Prado Jr. e a Política Econômica Brasileira na Década de 1950......................................67

CONCLUSÃO:......................................................................................................................102

Caio Prado Jr. e a década de 1950: o fim de um sentido e o início de uma condição............102

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS................................................................................113

ÍNDICE GERAL DE QUADROS.......................................................................................123


________________________________________________________________________ 11

O desenvolvimento capitalista é
uma viagem com mais náufragos
do que navegantes.

(Eduardo Galeano)
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INTRODUÇÃO

As páginas a seguir dedicam-se a compreender quais foram as reflexões e argumentos


utilizados por Caio Prado Jr. a fim de debater a política econômica brasileira na década de
1950. Pretendemos resgatar o pensamento do autor em algumas de suas obras menos
acessadas, quais sejam Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira (1954), e Esboços
dos Fundamentos da Teoria Econômica (1957), bem como seus artigos escritos na Revista
Brasiliense durante a década de 1950, com o objetivo de assimilar as condições que
propiciaram, na interpretação do autor, a posição de dependência econômica no Brasil frente
aos países com economias desenvolvidas.

A maior parte dos comentadores da obra de Caio Prado Jr. entende que o autor
investiu boa parte de sua vida intelectual na análise da formação nacional, indicando um
sentido da colonização para o desenvolvimento político e econômico brasileiro. No entanto,
mesmo com suas obras mais célebres sendo consagradas como exemplos de releituras da
história brasileira, entendemos que o sentido da colonização e a dependência econômica do
Brasil quase sempre permearam sua produção bibliográfica e possuem, na década de 1950,
um ponto de intersecção.

Neste sentido, pretendemos demonstrar que as análises de Caio Prado Jr. se


diferenciaram das avaliações majoritárias sobre a dependência econômica brasileira na década
de 1950, como as análises da Cepal1, por trazer a dialética e o materialismo histórico marxista
como fonte metodológica e teórica para o centro do debate que ocorria àquela época. Desta
forma, partiremos do pressuposto de que, ao confrontar o debate realizado, durante a década
de 1950, entre o pensamento dominante no cenário da política econômica brasileira com as
reflexões caiopradianas, poderemos expor uma nova forma de apreensão daquela realidade
por Caio Prado Jr., além de abordar a dependência da economia brasileira em uma perspectiva
diferente do que ocorria àquela época.

Como introdução desta pesquisa, entendemos ser importante iniciar com uma breve
biografia de Caio Prado Jr., para que possamos satisfazer a contextualização de suas

1
A Cepal, ou Comissão Econômica para América Latina e Caribe, é uma comissão das Nações Unidas, fundada
em 1947, com o intuito de diagnosticar e orientar políticas econômicas no continente latino-americano. Esta
comissão teve seu auge de influência nos países da região na década de 1950, conforme veremos no decorrer
deste trabalho.
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interpretações sobre o Brasil e, assim, podermos compreendê-las sob a luz dos


acontecimentos da década de 1950.

Caio Prado Jr. nasceu no seio de uma família muito poderosa no cenário político e
econômico brasileiro do século XIX. Seu avô paterno, Martinho da Silva Prado Jr., foi um dos
maiores exportadores de café do Brasil no final do século XIX. Em sua infância, o autor foi
beneficiado com a educação que se dava aos membros da oligarquia nacional. Gozava de
todos os privilégios da elite paulistana. Morava em bairro nobre da cidade de São Paulo,
passava férias nas fazendas da família no interior do estado e, por vezes, fazia viagens a
Europa. Em 1922 se formou no tradicional colégio São Luiz, localizado na Avenida Paulista.
Na adolescência assistiu a polêmica Semana de Arte Moderna de 1922 e entre os anos de
1924 e 1928 estudou na Faculdade de Direito Largo São Francisco, que futuramente seria
incorporada a Universidade de São Paulo – USP. E em 1926 o autor participou do I
Congresso de Estudantes de Direito, expondo um trabalho no qual já apresentava sua
tendência a explicar a realidade do país a partir das relações econômicas e políticas.

No entanto, nenhum destes fatos seria decisivo para evidenciar a transformação que o
jovem herdeiro de uma das maiores fortunas brasileiras do inicio do século 20 iria enfrentar.
Sua inserção na política e seu desejo por compreender o Brasil surgiram de forma quase
natural (SECCO, 2008, p. 27). A única característica que levaria a presumir qualquer relação
de estudo/militância que o autor admitiria para sua vida é a de que Caio Prado Jr. era um
viajante por natureza. Ao longo de sua vida conheceu diversos países e fez questão de
conhecer o Brasil in loco, viajando por diversos estados do país. Esta ânsia em conhecer os
fundamentos do desenvolvimento político e econômico brasileiro conduziu o autor a um
inédito projeto de interpretá-lo sob a perspectiva marxista, conforme veremos adiante.

Caio Prado Jr., ao lado de Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda, pertenceu ao
seleto grupo que foi chamado de os intelectuais da geração de 30. Porém, o que nos chamou a
atenção neste estudo foi sob qual influência e com quais métodos o autor desenvolveu suas
pesquisas, inserindo a história brasileira no contexto dos acontecimentos internacionais. Ou
seja, o desenvolvimento político e econômico brasileiro, desde a chegada dos portugueses,
obedeceu à lógica dos desdobramentos que se sucederam na Europa, a partir do
desenvolvimento de uma nova formação social - o capitalismo. Desde sua primeira obra
Evolução Política do Brasil (1933) e de forma mais aprofundada em Formação do Brasil
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Contemporâneo (1942), o autor apresentou a noção de que a formação histórica brasileira


permeava a lógica capitalista inserida na dinâmica dos acontecimentos internacionais.

Desta forma, podemos entender que a história do marxismo no Brasil é correlata à


vida de Caio Prado Jr. Além de ter sido um dos primeiros intelectuais a restabelecer a
interpretação da história brasileira, o autor em questão a fez sob um ponto de vista ideológico
e metodológico extremamente inovador para seu tempo - levando em conta que as obras de
Marx no Brasil do início do Século 20 eram praticamente inexistentes.

Em 1931 Caio Prado Jr. filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro 2 e no decorrer das
décadas de 1930 e 1940 se firmou como um dos principais intelectuais marxistas do país.
Logo no ano seguinte de sua filiação, em 1932, o autor se mostrou um militante ativo e
cumpriu uma série de atividades políticas e culturais através do PC. Foi neste momento que o
autor se aprofundou na leitura sobre economia política marxista. Vale lembrar que na década
de 1930 era o PC quem comprava as principais obras de Marx, Engels e Lênin, e só a partir de
então que essas obras começavam a ser disseminadas para grupos restritos de intelectuais
brasileiros. Nesta época, Caio Prado Jr. participou de diversos encontros com operários,
jornalistas e pensadores paulistanos. Colaborou também com publicações e financiando
revistas e jornais marxistas.

Apesar de toda militância, Caio Prado Jr., nunca foi unanimidade no PC. Em
novembro de 1932 - um ano após sua filiação - Caio Prado Jr. foi acusado pelo Comitê
Regional do PC de querer fundar um jornal “pequeno-burguês”, de ter vínculos trotskistas, de
organizar cursos marxistas e de estar preparando-se para dar um “Golpe de Estado” dentro do
partido. Sobre estas acusações, Caio Prado Jr. foi claro ao defender seus pontos de vista sobre
a situação brasileira:

“1 - Sobre fundar um jornal pequeno-burgês: pensei, é certo, fundar um jornal,


porém a linha deste jornal seria, nitidamente, marxista leninista. 2- Sobre organizar
cursos marxistas: não me consta que tentar a difusão do marxismo, principalmente
num meio em que ainda é praticamente desconhecido, seja obra anti-revolucionária
3- Sobre o Golpe de Estado no PC: ignoro por completo o que há a respeito. 4-
Sobre ter vínculos trotskistas: aí há um pequeno engano. Os trotskistas brasileiros
afirmam que a Revolução de 30 foi uma revolução democrático-burguesa. É nisto
que divergem da doutrina do PC, porquê sustento que não há lugar para uma
revolução burguesa na nossa história, porque o nosso regime já é capitalista de
nascença”.

E é a partir deste ponto, na mesma carta, que Caio Prado Jr. vai marcar seu
posicionamento junto ao PC:

2
A partir de agora vamos nos referir ao Partido Comunista Brasileiro como PC.
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“O Comitê Regional quer provocar uma revolução democrático-burguesa. Mas isto


é absurdo. Ninguém manda nos acontecimentos. O papel do PC seria, no caso de
processar a revolução burguesa, encabeçá-la. Mas para isto é preciso indagar se de
fato existe o Brasil está na iminência de uma revolução burguesa. É isto que eu
nego. Se estivesse, os sintomas não faltariam. Quando na Rússia Lênin aconselhava
o proletariado a conduzir a revolução burguesa, não havia quem negasse a
iminência desta revolução”.

As citações acima demonstram que desde o início de sua participação política no PC,
sua linha de pensamento não estava de acordo com os dogmas importados pelo partido. Mas
citando Lênin e a experiência russa, o autor contesta seus acusadores ao mesmo tempo em que
mostra vontade de permanecer ativo na militância.

Neste mesmo ano de 1932, Caio Prado Jr. teve seu primeiro contato com a obra O
Capital, de Marx, e já no ano seguinte publicou sua primeira obra: A Evolução Política do
Brasil, revelando a influência do materialismo histórico de Marx em suas análises. É valioso
salientar que até os anos 1960 o marxismo brasileiro obedecia, via PC, a produção teórica
autorizada pela URSS3. Caio Prado Jr. foi uma exceção na apropriação do marxismo nos anos
1930, pois sua condição social lhe dava acesso a textos pouco propagados de Marx e Engels,
além dos documentos oficiais oriundos da URSS.

Com isso, percebemos que os temas e preocupações de Caio Prado Jr. fazem parte de
um marxismo de matriz comunista, que tem em Lênin e na Revolução Russa seus pontos de
partida. No entanto, uma das características inovadoras deste autor está justamente no fato de
que ele procurou criticar e reorientar suas reflexões traduzindo-as para a realidade brasileira
(KAYSEL, 2009, p. 12). Como resultado disto, Caio Prado Jr. apresentou uma nova
possibilidade de compreender o processo histórico brasileiro, isto é, a sua investigação
concentrou-se num objeto específico contextualizado em um todo mais vasto e sua abordagem
permitiu demonstrar quais os movimentos de construção do seu objeto - o sentido da
colonização e a dependência econômica no desenvolvimento político econômico brasileiro -
como tentativa de diagnosticar e resolver problemas do Brasil fundados em bases materiais
(SECCO, 2008, p. 31).

Vimos também que o marxismo presente em Caio Prado Jr. não foi concebido a luz de
uma aliança com a burguesia para cumprir uma etapa da revolução socialista. Para Caio Prado
Jr., uma autêntica apreensão do marxismo perpassava pela necessidade em abstrair os dogmas
do PC e da Terceira IC4, para compreender e analisar a realidade brasileira. Neste sentido, o
3
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
4
A Terceira IC - ou Terceira Internacional Comunista - foi uma organização internacional fundada pelo Partido
Comunista Russo, que funcionou de 1919 a 1943, com o intuito de unificar a orientação dos partidos comunistas
de diversos países. Após a morte de Lênin, em 1924, a organização passou a obedecer as matrizes teóricas e
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autor e começou a divergir sobre as matrizes teóricas e práticas do PC - ponderando que a


formação nacional brasileira emanou do próprio nascimento do capitalismo europeu. E não de
um passado feudal, conforme presumia o PC e a IC.

O PC acatava todas as normas e definições vindas da IC, aceitava de forma conivente


a tese de um passado feudal da história brasileira e apregoava o etapismo, passando pela
revolução burguesa para que o desenvolvimento brasileiro se desse na direção do socialismo.
Em 1933 Caio Prado Jr. também demonstrou seu enfrentamento ideológico com o PC e
escreveu: “É um critério absolutamente errado este de procurar enquadrar artificialmente os
fatos brasileiros nos esquemas que Marx traçou para a Europa” (Carta existente no Centro de
Documentação e Memória da UNESP - CEDEM). Naquele momento praticamente não havia
literatura marxista e os dirigentes do PC não podiam se proclamar apropriados das teorias
marxistas. É de suma importância salientar que apesar de o PC se apresentar como um partido
de operários, seus líderes eram majoritariamente intelectuais e membros da pequena
burguesia.

Caio Prado Jr. escreveu suas obras durante os anos de 1930 e 1940 sem se deixar
dominar pela interpretação oficial do PC. O autor rejeitava a análise da IC e do PC sobre o
passado feudal brasileiro e seu modelo revolucionário. Ele oporá uma análise do Brasil e um
projeto revolucionário5 onde não falará de feudalismo e nem de revolução democrático-
burguesa, mas de pré-capitalismo e revolução permanente que desembocará, em longo prazo,
no socialismo sem a etapa intermediária da transição ao capitalismo, que seria desnecessária,
pois o Brasil já era capitalista desde a origem (PRADO JR., 1966, p. 31).

Este enfrentamento ideológico entre Caio Prado Jr. e o PC se deu praticamente durante
toda relação entre partido e filiado. O PC não expulsou Caio Prado Jr., assim como fez com
diversos outros militantes, por ter no autor um dos intelectuais mais respeitados na época e,
também, pelo nível de militância que Caio Prado Jr. tinha com o partido - financiando muitas
das atividades do partido, inclusive após a cassação de seu mandato como Deputado Estadual
em 1947 junto com o registro do PC. Da mesma forma, Caio Prado Jr. não se desfiliou do
partido por acreditar que somente com a articulação partidária, aplicada na dimensão do
sistema sócio-político-econômico vigente no país, é que poderia atingir as condições

práticas ditadas pelo líder soviético Joseph Stálin. A partir de agora vamos nos referir a Terceira Internacional
Comunista como IC.
5
Caio Prado Jr. esquematizou seu projeto revolucionário em duas obras que foram publicadas posteriormente ao
período compreendido neste estudo (A Revolução Brasileira, de 1966 e História e Desenvolvimento, de 1968).
Por isso não nos ateremos as suas propostas para a revolução socialista brasileira.
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necessárias para uma transformação socialista no futuro. Ou seja, apesar de nunca de sido
expulso ou ter rompido com o PC, Caio Prado Jr. aceitou a disciplina interna, mas
permaneceu sempre com uma postura crítica, conforme suas reflexões.

Com a militância no PC e sua proximidade com a política de fato, a produção do autor


começa a ganhar prestígio com a intelectualidade daquele período. Em 1942, Caio Prado Jr.
publica sua obra de maior prestígio: “A Formação do Brasil Contemporâneo”. Tornando-se,
definitivamente, um intelectual respeitado na academia brasileira. Logo após, em 1945,
publica A História Econômica do Brasil e consolida seu nome entre os maiores pensadores da
história brasileira.

Conforme vimos acima, em 1947, Caio Prado Jr. foi eleito pelo PC como Deputado
Estadual, mas logo em seguida teve seu mandato cassado - junto com o registro do PC - em
12 de janeiro de 1948. Esta cassação teve papel fundamental na vida de Caio Prado Jr., pois
lhe serviu de aprendizado dos limites de um regime que se dizia democrático. Após este
período, o autor esteve recluso, atento aos fatos políticos e econômicos do país e publicou
obras relevantes como Dialética do Conhecimento (1952), Diretrizes para uma Política
Econômica Brasileira (1954) e Fundamentos da Teoria Econômica (1957), além de uma série
de artigos para a Revista Brasiliense.

Após alguns anos distante da militância política, o autor voltou a participar


efetivamente do PC no período posterior ao Golpe Militar de 1964. Em 1966 escreveu A
Revolução Brasileira proferindo duras críticas ao programa comunista brasileiro e propôs
medidas para que houvesse a superação definitiva da questão que permeou grande parte de
sua produção teórica: a superação do sentido da colonização e a dependência econômica
brasileira. Em 1977 escreveu sua última obra: A Questão Agrária - em uma compilação de
artigos sobre este tema - e logo após, se recolheu definitivamente, publicando pequenos livros
e artigos até sua morte em 1990 aos 83 anos.

A biografia de Caio Prado Jr. nos fornece dados significativos para a compreensão das
reflexões do autor sobre temas como a história, o marxismo e a militância da esquerda
brasileira. Caio Prado Jr. empenhou quase a totalidade de seus esforços teóricos e práticos a
fim de descortinar o real desenvolvimento político e econômico do Brasil. Ou seja, desde o
princípio de sua vida, os temas relacionados ao país lhe eram interessantes e, mais do que
isso, o autor entendeu - através do método dialético e materialista histórico - que se fazia
________________________________________________________________________ 18

necessário o apoderamento da história brasileira, inserida no contexto dos acontecimentos


internacionais, para que se propusesse qualquer tipo de alternativa de desenvolvimento
autônomo e independente do Brasil.

Assim, Caio Prado Jr. contribuiu de forma autêntica para o modo de se pensar o Brasil,
uma vez que a história brasileira possuía várias interpretações e quase todas elas
influenciadas, de certo modo, com o projeto de construção da nação brasileira a partir da
“descoberta” do Brasil pelos portugueses em 1500 e seus desdobramentos nos séculos
seguintes.

Neste sentido, como resultado dos ideais da Revolução Francesa chegando à América
Latina, a independência brasileira em 1822 e a proclamação da República em 1889, o Brasil
teve, no começo do Séc. XX, uma série de intelectuais repensando a história brasileira. Mas
foi no período pós-II Guerra Mundial, com a Europa decadente e a afirmação dos Estados
Unidos como potência mundial, que alguns pensadores começaram a elaborar estudos sobre a
história econômica latino-americana e brasileira.

A década de 1950 foi um período extremamente fértil na produção de estudos que


pretendiam contextualizar e entender, historicamente, o lugar que a América Latina e o Brasil
ocupavam na conjuntura política, social e econômica internacional6. É com o impulso de
reflexões sobre o desenvolvimento de uma nova ordem mundial na década de 1950 que o
debate acerca da dependência brasileira ganhou maiores proporções. Com a bipolarização do
poder mundial, a partir de 1945, surgiram novos atores internacionais e neste sentido, a
condição político, social e econômico da América Latina, e, em nosso caso, do Brasil, foi
repensada. Foi assim que após a II Guerra Mundial, Caio Prado Jr. também se envolveu de
certa forma neste debate.

Pretendemos nos apoiar sobre a análise das obras de Caio Prado Jr. na década de 1950,
com o propósito de explicar, sob o ponto de vista do autor, como se manifestou a questão da
dependência na economia brasileira frente aos países com economias mais industrializadas.
Neste sentido, vale problematizar a realidade brasileira e alguns conceitos elaborados que
envolviam o desenvolvimento do Brasil até aquele momento. Buscaremos revisitar os escritos
produzidos por Caio Prado Jr. sobre o desenvolvimento da economia brasileira, com interesse
no debate acerca da dependência econômica que se realizava naquele período.
6
A Cepal influenciou toda uma geração de intelectuais latino-americanos. No Brasil a influência cepalina atingiu
seu auge nas décadas de 50 e 60, quando as ideias e técnicos da Cepal estiveram no centro dos debates e, muitas
vezes, nas decisões econômicas no Brasil. Celso Furtado foi o maior representante dos ideais cepalinos
brasileiros.
________________________________________________________________________ 19

Utilizaremos como centro da pesquisa a tese de cátedra apresentada por Caio Prado
Jr., em 1954, à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Diretrizes para uma
Política Econômica Brasileira, obra que lhe rendeu o Título de Livre Docência pela
Universidade de São Paulo, e a obra escrita em 1957: Esboços dos Fundamentos da Teoria
Econômica, bem como seus artigos publicados no período, que mostram o autor dialogando
de forma explícita com o pensamento que dominava a política econômica brasileira na década
de 1950, conforme veremos no capítulo 2. Vamos nos limitar a este recorte bibliográfico das
obras de Caio Prado Jr., procurando compreender de que modo se organizou, para o autor, a
dependência econômica brasileira e quais as categorias se formaram para que a “economia
brasileira” se mantivesse submetida ao comércio internacional.

Recuperar o pensamento de Caio Prado Jr. no contexto da década de 1950 se faz


importante para acompanhar as vicissitudes tanto dos esforços concretos, quanto das
interpretações sobre o desenvolvimento brasileiro em um período em que o Brasil
experimentou elevadas taxas de crescimento, tal como significativos processos de
modernização e urbanização, sem que isto tenha resultado, de fato, na obtenção de sua
independência econômica, e, por conseguinte, sua autonomia das demandas no mercado
internacional.

Salienta-se dizer que o resgate das obras escolhidas para este estudo mostra o
engajamento intelectual do autor em entender o desenvolvimento econômico do país em um
momento em que este debate estava no centro do pensamento político econômico brasileiro.
Momento este quais as reflexões sobre a política econômica latino-americana rompem com o
pensamento burguês clássico, entendendo que a desigualdade político-econômica entre os
países não era um resultado pré-concebido e orgânico, mas sim como uma consequência de
assimetrias e desigualdades historicamente construídas a partir de determinadas relações
políticas sociais e econômicas previamente formadas (PAULA, 2006, p. 3).

Vale destacar que a posição de Caio Prado Jr. enquadra a questão da dependência
brasileira sob um ponto de vista significativamente mais complexo e contemporâneo à época,
na medida em que aponta para a centralidade da necessidade de se criar internamente as
condições para um desenvolvimento técnico, e colocar este desenvolvimento como parte
fundamental de um objetivo pré-determinado, isto é, de um projeto global que visasse a
independência internacional da economia brasileira.
________________________________________________________________________ 20

O recém-crescimento econômico e as políticas de exportação brasileira nos


comprovam a tese de que continuamos um país exportador de produtos primários para o
mercado internacional. Situação parecida com a que o Brasil viveu no período pós-II Guerra
Mundial. O significativo processo de substituição de importações vivido pelo Brasil na década
de 1950, a vigorosa expansão industrial dos anos 70 e o crescimento econômico vivido nos
últimos anos, não reverteram o essencial do quadro de dependência da economia brasileira, na
medida em que tivemos - apenas recentemente - um pequeno aporte no mercado interno,
constrangido pela permanência na concentração de renda e riqueza (PAULA, 2006, p. 8).
Desta forma, a interpretação majoritária das obras de Caio Prado Jr. aponta para uma
interpretação de que o Brasil tem uma dinâmica especial: repetição mórbida, continuidade
inquebrável, um presente que sempre revigora o passado. O caráter de dependência na
economia brasileira só poderia ser transposto com o conhecimento histórico das
particularidades do país (REIS, 1999, p. 6).

Sendo assim, iniciaremos o primeiro capítulo demonstrando como as elaborações das


doutrinas econômicas, que sustentaram toda a prática do desenvolvimento das nações
ocidentais, impuseram ao Brasil um local e uma função determinada na dinâmica da história
mundial. Com isto, pretendemos compreender como a ideologia liberal ortodoxa,
principalmente com Adam Smith, David Ricardo e Jean Baptiste Say, orientou os
acontecimentos e as relações internacionais durante os séculos XVIII e XIX. Ainda neste
capítulo, faremos uma análise de como a crise de 1929, a I e a II Guerra Mundial
influenciaram a chamada “revolução keynesiana” reconceituando a ortodoxia liberal sob um
ponto de vista de que suas determinantes já não davam conta do cenário mundial da primeira
metade do século XX.

A “revolução keynesiana” impactou toda a teoria econômica mundial e teve forte


influência na América Latina, que destacou intelectuais para repensar a formação de suas
economias. Buscaremos compreender como a criação de uma nova escola de teoria
econômica teve influência nos diagnósticos e prognósticos acerca da dependência latino
americana, através de Raul Prebisch e, principalmente, na brasileira, através de Celso Furtado.

Ainda no primeiro capítulo, pretendemos mostrar como os escritos cepalinos do final


da década de 1940 influenciaram a interpretação majoritária do caráter de dependência na
economia brasileira, através das obras de Celso Furtado nos anos que percorrem a década de
1950. Esta introdução ao pensamento cepalino, introduzido por Furtado no Brasil, nos dará
base para iniciar a nossa proposta de como os argumentos de Caio Prado Jr. serão construídos
________________________________________________________________________ 21

para além da Cepal. O sucesso das teorias cepalinas nas décadas de 1950 e 1960 não ocorreu
somente com os policy makers7, mas também entre os donos de indústrias, empresários e,
também, entre os acadêmicos.

A compreensão da elaboração do pensamento e teorias econômicas até o período pós-


1929 e II Guerra Mundial é de suma importância para que possamos iniciar o segundo
capítulo e entender quais foram os conceitos desconstruídos por Caio Prado Jr. Neste sentido,
veremos que Caio Prado Jr. entendeu o modelo cepalino como uma adaptação keynesiana ao
continente latino americano. Porém, sua crítica estará, justamente, em como o Estado vai lidar
com a questão da dependência econômica brasileira frente à nova realidade que se apresenta.

“[...] estamos em face de duas perspectivas que se excluem, e entre as quais


devemos optar: ou o status-quo e a perpetuação de um sistema predominantemente
na economia brasileira, ou a renovação e transformação deste sistema” (PRADO
JR., 1954, pp. 182-183).

Veremos que no decorrer do primeiro capítulo, Caio Prado Jr. estará um pouco ausente
do debate, sendo resgatado apenas como referência para demonstrar alguns acontecimentos na
história econômica no Brasil durante os séculos XVIII, XIX e início do século XX, pois
entendemos ser necessária a contextualização e a construção das teorias econômicas liberais
ortodoxas que prevaleceram no debate político brasileiro neste período, para que depois
pudéssemos utilizar o arsenal teórico do autor na desconstrução destas teorias. Portanto,
procuramos no primeiro capítulo apresentar quais eram os “inimigos” do pensamento
econômico de Caio Prado Jr. para que no segundo capítulo conseguíssemos despi-los.

Iniciaremos o segundo capítulo procurando descrever a formação intelectual de Caio


Prado Jr. e o que o levaria ao contato direto com o tema da economia política. Sua obra tem
sido reconhecida de forma original e pioneira como instrumento analítico para a
transformação da realidade brasileira. A partir de então, surge um modo de pensar a realidade
do país através de uma compreensão crítica que discute as relações entre o passado e o
presente e examina as possibilidades de mudanças no futuro (REIS, 1999, p. 2).

As variações da história do desenvolvimento da economia brasileira têm nos mostrado


que os conceitos de Caio Prado Jr. sobre a dependência econômica do Brasil continham
elementos substanciais para o debate daquela época. Ainda no segundo capítulo, nós
visitaremos a bibliografia produzida por Caio Prado Jr. na década de 1950. O objetivo no
estudo deste recorte bibliográfico consiste em demonstrar que os conceitos indicados pelo
7
Policy Makers é uma expressão utilizada para designar os políticos institucionais, ou seja, os políticos que
ocupam algum tipo de poder no direcionamento nas criações e/ou execuções das políticas.
________________________________________________________________________ 22

autor sobre a dependência da economia brasileira estavam em um processo contínuo de


mudanças dentro do próprio sistema capitalista.

Caio Prado Jr., na maior parte de sua produção intelectual, levou em consideração
questionamentos históricos acerca dos problemas na formação brasileira e, por este motivo,
desvela-se a importância que o autor atribui ao estudo do processo percorrido em que as
questões relativas às economias com atividade produtiva menos valorizada, do ponto de vista
econômico, estão inseridas, para deste modo, propor qual o caminho deve ser atravessado
objetivando seu desenvolvimento econômico (SAMPAIO JR., 1997, p. 115). Sob este
aspecto, o autor confrontará, na década de 1950, o núcleo básico da teoria cepalina para a
condição de dependência econômica brasileira.

Buscaremos compreender que para os teóricos da Cepal, o Brasil teria desenvolvido


estruturas pouco diversificadas e pouco integradas com o setor agrário exportador, resultando
na pouca eficiência de difusão do progresso técnico para o resto da economia. Procuraremos
demonstrar, no segundo capítulo, que este foi um dos eixos de discussão mais importante
entre Caio Prado Jr. e a CEPAL.

Compreender o conceito de dependência econômica sustentada pelo autor poderá nos


mostrar que a independência brasileira não estaria suportada por este argumento de
propagação do progresso técnico, e sim, de qual maneira o Brasil deveria ter criado condições
para que sua economia se tornasse autônoma frente às flutuações e demandas do mercado
internacional.

Contextualizando o significativo debate intelectual que Caio Prado Jr. manteve com a
teoria cepalina, as obras escolhidas para este estudo destacam-se por pelo menos quatro
razões que serão exploradas durante este estudo: 1) Pelo amplo estudo histórico da economia
brasileira que o autor realiza; 2) pela solidez de seus argumentos; 3) pelas conseqüências
políticas e econômicas que decorrem de sua análise e 4) pela compreensão do conjunto da
realidade brasileira naquele momento.

Partindo das reflexões feitas pelo autor, objetivamos compreender a trajetória de


interpretações do autor e de que modo ela se correspondia com a realidade da década de 1950.
Nossa perspectiva repousa na crença de que as interpretações são partes constitutivas e
constituintes das estruturas de valores e das relações de poder envolvidas nos processos
ideológicos de construção nas esferas da política econômica, e, portanto, oferecem
________________________________________________________________________ 23

fundamental importância para a compreensão da realidade daquela realidade. (BOTELHO;


LAHUERTA, 2005, p. 7)

Portanto, este estudo pretende demonstrar como Caio Prado Jr. interpretou a
dependência econômica brasileira na década de 1950, apontando como se formou uma nova
configuração internacional que impôs ao Brasil novas condições de desenvolvimento. Para
isso, é de suma importância contextualizar os fatos e debates realizados à época para que
possamos apresentar qual contribuição o autor ofereceu às políticas econômicas que estavam
sendo implantadas no país daquela década. E, talvez, mais importante do que isto, seja a
própria compreensão, para Caio Prado Jr., de que a década de 1950 foi o fim de um ciclo que
pôs a termo algumas das heranças coloniais econômicas do país.
________________________________________________________________________ 24

CAPÍTULO 1:

A Formação da Dependência Econômica no Brasil Integrado à Teoria


Econômica Clássica-Ortodoxa

Toda teoria econômica se propõe a oferecer métodos para que a sociedade consiga se
sustentar contemplando o pleno emprego dos recursos produtivos. Todavia, nem sempre há
uma harmonização no aproveitamento dos fatores produtivos e, nestes casos, alguns recursos
podem ficar à margem de sua empregabilidade. Até a crise de 1929, os teóricos econômicos
se baseavam nos ensinamentos da escola clássica de economia, que entendia o desemprego e
os desajustes ocorridos na sociedade a serem corrigidos via mecanismos de mercado. No
entanto, o Crash de 1929 apresentou uma realidade na qual a teoria clássica não mais dava
conta. Ainda no inicio do século 20, os economistas não se empenhavam em diagnosticar o
comportamento e desempenho do sistema econômico de forma global, e ainda mantinham o
desenvolvimento do estudo econômico baseado nos primórdios aristotélico oeconomy8, como
a arte de administrar o lar pelo chefe de família. Ou seja, as investigações mantinham-se
muito mais no plano da relação privada empresa-consumidor do que no estudo das alterações
de níveis macroeconômicas do emprego, renda e produção.

Assim como a elasticidade preço-renda-oferta se processa em velocidade diferente nos


países dependentes frente aos países industriais, conforme veremos mais a frente, da mesma
forma nós entendemos haver elasticidade teórico-prática operando em frequências diversas
nos países subdesenvolvidos. Para compreendermos até que ponto o keynesianismo foi
incorporado no Brasil da década de 1950, nós precisamos compreender qual era a teoria
econômica que predominava no cenário internacional e o quê significou, de fato, a revolução
de Keynes no século XX. Neste sentido, faz-se necessário buscar referências teóricas e
conjunturais que influenciaram o economista inglês a formular sua Teoria Geral do Emprego,
da Moeda e do Juro.

Apesar de a economia como ciência autônoma ter sido concebida apenas no século
XVIII, as bases do pensamento econômico científico já emergiam nos três séculos anteriores
durante o período mercantilista9. Para Keynes (1964, p. 323), os mercantilistas adotaram

8
Termo indicado por Aristóteles em seu livro A Política para designar a forma de organização do núcleo familiar
grego.
9
O mercantilismo foi um modo de produção transitório - entre o feudalismo e o capitalismo - existente nos
Estados absolutistas europeus que teve na acumulação dos metais preciosos o fulcro do seu desenvolvimento
econômico (FALCON, 1981, p. 17).
________________________________________________________________________ 25

práticas econômicas e comerciais sem possuírem bases teóricas para suas ações. Nó século
XVIII, os Estados absolutistas europeus enriqueciam com a acumulação de metais preciosos -
os estoques de metais preciosos foi o maior indício da riqueza e poder das nações entre os
séculos XV e XVII - enquanto grande parte da população mantinha-se em condições de
extrema pobreza. Neste sentido, o avanço das grandes navegações de Portugal e Espanha foi
imprescindível no processo de acumulação destas riquezas. As colônias europeias na América
Latina desempenharam uma função fundamental no intercâmbio de metais preciosos que, por
fim, acabaram financiando grande parte do processo de industrialização europeu. Vale
lembrar - e evidenciar - que o caso brasileiro mostrou-se forçosamente interessante no
desenvolvimento do mercantilismo, que desembocaria na realização plena do capitalismo com
o advento da indústria.

No início do século XVIII, os exploradores portugueses encontraram as primeiras


evidências de ouro próximo ao litoral da região sudeste do Brasil. Isso gerou um impacto
enorme na metrópole portuguesa e causou mudanças profundas no desenrolar da história
brasileira. Desde a mudança no eixo econômico do nordeste para o centro-sul brasileiro até
políticas de contenção de imigração pela corte portuguesa - para coibir o excesso de
exploradores e a possível dificuldade na fiscalização - vão marcar definitivamente a primeira
metade do século XVIII no país. Em pouco tempo, os portugueses encontram uma grande
quantidade de ouro na região das Minas Gerais. A situação de Portugal no início do século
XVII era urgente e delicada. Devastada pela guerra contra a Espanha e com dívidas abissais
com a Inglaterra10, a premente solução para os problemas da coroa portuguesa era simples:
extrair o máximo de riqueza no menor tempo possível. Em 1703, Portugal havia reservado
seus mercados aos produtos manufaturados da Inglaterra11 e a descoberta das minas de ouro
em solo brasileiro deu uma folga nas contas externas da coroa lusitana. A fonte da renda
portuguesa para pagar suas dívidas e importações das manufaturas inglesas era o ouro
brasileiro. O fluxo era o seguinte: O Brasil enviava todo ouro extraído para Portugal que, por
sua vez, podia comercializar seus vinhos com a Inglaterra, e enviava aos britânicos quase a
totalidade do ouro recebido do Brasil para pagar suas dívidas de guerra mais as importações
de manufaturas. Portugal era mero mediador entre o ouro brasileiro e os bancos ingleses, os
quais chegaram a receber - em certos períodos do século XVIII - cinquenta mil libras em ouro

10
Entre 1580 e 1640, Portugal e Espanha estiveram em guerra e, neste período, a Inglaterra financiou os gastos
públicos da coroa portuguesa.
11
Em 1703 foi selado o Tratado de Methuen em que Portugual, em troca de benefícios no comércio de seus
vinhos no mercado inglês, oferecia vantagens comerciais em seu mercado interno - e no de suas colônias - às
manufaturas britânicas (PRADO Jr., 2012, p. 110).
________________________________________________________________________ 26

por semana (FURTADO, 1963, p. 107). O ouro brasileiro foi fundamental para que a
Inglaterra acumulasse capital suficiente para desenvolver sua manufatura e investir em novas
tecnologias que a permitisse realizar a grande revolução industrial em seu território. Podemos
afirmar que a “descoberta” da América impulsionou a criação do mercado mundial e, com o
passar dos séculos, acelerou o desenvolvimento do modo de produção capitalista (ENGELS,
MARX, 2010, p. 12).

A era mercantilista foi, também, o período do estabelecimento do comércio


internacional como poderoso instrumento de política econômica. Neste sentido os Estados que
não possuíam metais preciosos careciam recorrer ao comércio internacional como meio de
acumulá-los, uma vez que as exportações e importações eram transacionadas por meio de
lingotes de ouro e prata. O saldo positivo na balança comercial de um Estado era o principal
fato gerador de acumulação de metais preciosos. Durante este período histórico, uma classe
social começou a despontar em virtude das riquezas geradas pelo comércio e a forte presença
do Estado nas relações comerciais começava a não mais lograr êxito no sentido de promover o
bem-estar social. O Estado como nação e soberano continuou como ideal prevalecente no
século XVIII, porém o caráter da riqueza nacional passou a ser questionado e seu processo de
acumulação sofreu diversas transformações (ROSSETI, 1980, p. 103).

A revolução industrial, o iluminismo e a propagação do protestantismo religioso 12 na


Europa foram fundamentais para que uma nova ordem de reflexões começasse a despontar no
mundo ocidental. Durante o século XVIII, os métodos de produção sofreram transformações
significativas, principalmente no setor têxtil e metalúrgico, e os métodos de conduzir um
governo também sofreram alterações. Políticas tributárias, políticas de distribuição de
propriedades e políticas de desenvolvimento do mercado de trabalho surgiram como
demandas do povo francês frente à grave situação social e político-econômica observadas na
França, durante os governos absolutistas de Luis XIV e Luis XV. Em resposta à crise vivida
pela monarquia francesa, François Quesnay13 liderou a criação da primeira escola do
pensamento liberal na Europa. As diretrizes fundamentais desta escola baseiam-se em
conceitos que permanecem válidos até os dias atuais, dentre os quais a liberdade ao exercício
das atividades econômicas e o direito à propriedade privada dos fatores produtivos. A escola
liderada por Quesnay ganhou adeptos ilustres à época como Dupont de Nemours, Robert
Jacques Turgot, Mercier de la Riviére, Le Trosne e Marques de Mirabeu, e o liberalismo
12
Sobre a relação da propagação do protestantismo religioso com as transformações nas relações sociais e o
início do capitalismo ver A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo de Max Weber.
13
François Quesnay publicou duas obras que fundaram o pensamento econômico liberal, são elas: Tableau
Économique, de 1758 e Maximes Générales Du Governement d`um Royaume Agricole, de 1760.
________________________________________________________________________ 27

começou a pautar as discussões sobre o desenvolvimento político-econômico a partir do


século XVIII.

O pensamento liberal francês encontrou um ambiente extremamente fértil para sua


realização na Inglaterra. A revolução industrial alterou todo sistema de acumulação de
riquezas e os produtos industriais tornaram-se protagonistas na geração de capital para uma
classe que não era mais essencialmente ligada à monarquia. Portanto, o pressuposto liberal, do
funcionamento autônomo das atividades econômicas e sem a mediação estatal, tornou-se
basilar para sustentar teoricamente as novas práticas da rica burguesia industrial que se
formava em Londres.

A nova classe industrial e comercial que se formava na Europa, fundamentou-se nos


princípios da escola liberal para justificar seu modus operandi de acumulação de capital
independente do Estado absolutista. Inspirado por este novo arranjo nas relações político-
econômicas, Adam Smith publicou, em 1776, Uma Investigação sobre a Natureza e as
Causas da Riqueza das Nações - mais conhecida apenas como A Riqueza das Nações -
consolidando o liberalismo como um ideal a ser buscado pelos indivíduos, sociedade e
Estado.

A obra de Adam Smith posiciona-se de forma contrária às idéias mercantilistas na


medida em que considera uma nova forma de acumulação de riqueza dos Estados, as quais
não estariam mais pautadas na ampliação dos estoques de metais preciosos e no aumento do
poderio militar almejado pelos monarcas absolutistas. Para este autor, a regulamentação do
Estado sobre a economia e comércio internacional não mais se coadunava com as dinâmicas
da realidade do século XVIII e, Adam Smith, identificou que aquela sociedade desenvolvia-se
no sentido de aprimorar a concorrência máxima entre indivíduos, tendo como consequência a
distribuição do bem-estar para toda coletividade. O autor em voga preocupou-se em
demonstrar como a elevação de riquezas individuais contribuiria para o aumento da riqueza
nacional, ou seja, é a partir dos interesses privados - orientados pela mão invisível14
smithiana15 - que os indivíduos geram o bem-estar geral. É sob esta perspectiva que A Riqueza
das Nações pode ser tratada como uma obra de teoria social, uma vez que aborda princípios
da divisão do trabalho, da análise do valor, do lucro, da interferência do Estado nas relações
sociais e na forma e desenvolvimento do capital.

14
A mão invisível foi um termo criado por Adam Smith para designar o controle que a livre iniciativa no âmbito
privado teria de regular as relações sociais entre os indivíduos.
15
Adam Smith lança o termo mão invisível ao referir-se que o conflito pelos interesses individuais trariam
naturalmente benefícios a toda coletividade.
________________________________________________________________________ 28

A questão crucial inserida em A Riqueza das Nações está em analisar como o


desenvolvimento tecnológico e comercial obtido àquela época poderia operar no sentido de
prover bem-estar para toda população e, sob esta perspectiva, Adam Smith vai se aprofundar
em um tema inédito nas ciências econômicas até então: o trabalho.

Para o fundador do liberalismo científico, somente a partir do grau de


desenvolvimento da produtividade do trabalho e do número proporcional de trabalhadores
ativos é que uma sociedade pode obter uma quantidade abundante de riquezas produzidas e/ou
comercializadas. Portanto, é pelo aumento da produtividade do trabalho, ou da forma que os
indivíduos organizam seus trabalhos, que se obterá um excedente de produção capaz de gerar
riqueza a toda sociedade (SANTOS, 2006, p. 68). Para além da divisão do trabalho, Adam
Smith entende que a organização social de uma sociedade determina o grau de acumulação de
riqueza e o desenvolvimento técnico e comercial.

Segundo Adam Smith, a sociedade deve estruturar-se na divisão social entre


indivíduos na produção de riquezas, ou seja, o processo de geração de riqueza só logrará êxito
se a sociedade estiver desmembrada entre sujeitos que atuam como capitalistas, ou aqueles
que empregam o capital e comandam o trabalho de outros na produção, e aqueles que não
possuem capital e precisam vender seu trabalho em troca de uma parcela de riqueza sob a
forma de salário. Neste sentido, o autor já direcionava qual classe social haveria de orientar o
caminho a ser seguido pela sociedade:

“(...) o operário é incapaz quer de conhecer o interesse geral, quer de sentir a sua ligação
com o seu próprio interesse. A sua condição não lhe deixa tempo para tomar as
informações necessárias; e, supondo que ele pudesse alcançá-las completamente, a sua
educação e os seus hábitos são tais que não ficaria menos fora de condições para decidir
perfeitamente. De resto, nas deliberações públicas, não lhe pede a sua opinião”
(SMITH, 1979, p. 14).

A Riqueza das Nações empenhou-se em explicar as causas do enriquecimento econômico


das nações orientada através da acumulação de capital, pois é através da acumulação de capital
que a classe capitalista decide investir em novas tecnologias a fim de melhorar o processo de
produção. Neste sentido, o autor também inovou ao teorizar sobre a importância do comércio
________________________________________________________________________ 29

entre a Europa e suas colônias para a acumulação de riqueza e, particularmente, o


desenvolvimento industrial inglês (DENIS, 1987, p. 215).
“O efeito do comércio das colônias é abrir um vasto mercado, ainda que longíncuo, para
essas partes do produto da indústria inglesa, que não podem exceder a procura dos
mercados mais próximos. No seu estado livre e natural, o comércio das colônias, sem
retirar a esses mercados nenhuma parte do produto que lhes tinha sido enviado, encoraja
a Grã-Bretanha a aumentar continuamente seu excedente de produção porque lhe
apresenta continuamente novos equivalentes em troca. No seu estado livre e natural, o
comércio das colônias tende a aumentar na Grã-Bretanha a quantidade de trabalho
produtivo” (SMITH, 1979, p. 237).

A relevância dada ao comércio internacional no processo de acumulação de capital,


trouxe consequências importantes para o desenvolvimento econômico brasileiro. Valendo-se
do início da Guerra de Secessão dos Estados Unidos 16, a cultura do algodão brasileiro soube
aproveitar a falta de abastecimento da fibra no mercado europeu. A Inglaterra, que com sua
crescente indústria têxtil era a maior importadora de algodão do mundo, demandou muito da
produção brasileira e as primeiras remessas de algodão para o mercado europeu datam de
1760, com um montante de 651 arrobas da fibra (PRADO Jr., 2012, p. 156). Com a larga
produção de algodão, uma incipiente indústria têxtil se formava no Brasil, porém a
concorrência de mercadorias inglesas dificultava a embrionária indústria brasileira. Contudo,
os ingleses não estavam satisfeitos apenas com o livre acesso aos portos e, conseqüentemente,
mercados das colônias portuguesas. Por meio da coerção que sofria da Inglaterra, a coroa
portuguesa adotou uma medida severa:

“Temendo por motivos políticos o desenvolvimento da indústria colonial, e


alarmada também com a concorrência que iria fazer ao comércio do reino, a
metrópole manda extinguir em 1785 todas as manufaturas têxteis da colônia com
exceção apenas das de panos grossos de algodão que serviam para vestimenta dos
escravos ou se empregavam em sacaria. Era o golpe de morte na indústria da
colônia” (PRADO JR., 2012, p. 108).

Os produtos da débil indústria luso-brasileira não faziam frente aos preços e volume
de produtividade dos produtos ingleses, desta forma, sem medidas protecionistas ou subsídios
ao cultivo, qualquer iniciativa de consolidar o desenvolvimento da manufatura têxtil, tanto no
16
No final do século XVIII, os Estados Unidos eram os maiores exportadores de algodão do mundo. Entre 1761
e 1765, os Estados Unidos enfrentou uma guerra civil entre seus estados do sul, que apoiavam o regime
escravocrata no processo produtivo, e os Estados do norte que, sob influência inglesa, apoiavam o fim da
escravidão. Esta guerra, chamada de Guerra de Secessão, abalou drasticamente a produção, e consequentemente,
a exportação de algodão para a Europa.
________________________________________________________________________ 30

Brasil quanto em Portugal, foi aniquilada em sua raiz. Com o fim da Guerra de Secessão, o
sul dos Estados Unidos voltou a exportar algodão em larga escala para sua ex-metrópole e,
assim, aumentou a oferta mundial do produto. Com mais tecnologia para a produção e terras
menos devastadas pelas práticas no cultivo, a reinserção do algodão norte-americano no
mercado internacional impôs ao Brasil uma queda da terça parte no preço deste produto
(GALEANO, 1983, p. 107).

Percebemos nos escritos de Adam Smith e no desenvolvimento do comércio


internacional, àquela época, que a divisão internacional do trabalho começara a tomar forma.
De acordo com este autor, o comércio entre a metrópole e a colônia formava um mercado
interno europeu da mais alta qualidade, pois o excedente produtivo industrial vendido ao
exterior aumentava a acumulação de capital na Europa. Fato que nos remete ao
desenvolvimento da indústria e, consequentemente, ao aumento da produtividade e ao
aumento da massa de trabalhadores empregados consumindo no mercado europeu (SMITH,
1979, p. 199).

A obra de Adam Smith tornou-se o principal referencial teórico para o estudo da


economia moderna e fundou as bases do pensamento liberal. Suas reflexões influenciaram
tanto a realidade material, - como as mudanças nas práticas comerciais e sociais verificadas na
Europa e em suas relações com as colônias - quanto nos desdobramentos de novas reflexões e
interpretações sobre as práticas liberais tomadas como política de governo e sociabilidade. No
intuito de entendermos o keynesianismo e sua influência na política econômica brasileira, nós
precisamos abordar, de forma sumária, o desenvolvimento das teorias pós Adam Smith.
Dentre os principais autores que deram continuidade nas questões abordadas em A Riqueza
das Nações - e que perceberemos, durante este trabalho, influências teóricas no
desenvolvimento da economia brasileira durante os séculos XIX e XX - estão David Ricardo
e Jean Baptiste Say.

As teses elaboradas por Ricardo e Say suscitam debates até os dias de hoje. Porém, no
decorrer dos séculos XIX e XX suas teorias foram postas em xeque com interlocutores (que)
perpassam por Karl Marx, John Stuart Mill, Alfred Marshall e, por fim, John Maynard
Keynes. Tanto Ricardo quanto Say produziram suas análises de forma contemporânea, no
início do século 19, e, para alem da diferença da nacionalidade, Ricardo era inglês e Say era
francês, os dois pensadores se propuseram o objetivo de aprofundar as análises iniciadas por
Adam Smith. No entanto, no decorrer de suas obras, fica latente que os dois economistas
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destoam em um pressuposto importante de A Riqueza das Nações, qual seja, o comércio


internacional.

Para Adam Smith, o comércio internacional tornara-se elemento substancial no


desenvolvimento econômico e no processo de acumulação de riqueza de uma nação. Já
Ricardo e Say, apesar de não relegarem a importância do comércio internacional, afirmavam
que a expansão e distribuição de riquezas e bem-estar para a população ocorreria,
primordialmente, com progresso das forças produtivas cumulado com a propagação da auto-
regulação das economias de mercado. Ou seja, de um lado, o desenvolvimento e prosperidade
de uma sociedade pautavam-se pela especialização intensa de um determinado artigo de
produção, pois a especialização produtiva de um artigo o permitiria alcançar vantagens no
comércio internacional e, assim, possibilitaria distribuir seus rendimentos entre toda
sociedade. E, por outro lado, o processo de autorregulação do mercado não permitiria que
houvesse desordem no funcionamento econômico e de distribuição de riquezas, uma vez que
a circulação de produtos obedece à dinâmica regular de que toda produção cria sua própria
demanda e, assim, o próprio mercado estaria apto a corrigir eventuais distúrbios nos meios de
partilha das riquezas geradas.

Os conceitos desenvolvidos por Simth, Ricardo e Say servirão de base para as


reconstruções ideológicas realizadas por Keynes, pela Cepal e pela desconstrução ideológica
por Caio Prado Jr., conforme veremos no decorrer deste trabalho. A proposta teórica de
enriquecimento das nações pelo comércio internacional, defendida por Adam Smith,
complementada pela teoria da vantagem comparativa de David Ricardo - cuja premissa parte
da especialização máxima da produtividade inerente a certas economias - e, ainda, somada a
teoria da auto-regulação do mercado de Jean Baptiste Say - cuja premissa parte do
automatismo das forças de regulação do mercado, vão predominar todo o modus operandi das
relações econômicas durante o século XIX e inicio do século XX.

Todo este arcabouço teórico pautou as relações da Europa com o resto do mundo
provocando conseqüências na formação econômica de suas colônias. O século XIX foi um
período marcado por uma série de movimentos emancipatórios entre as metrópoles européias
________________________________________________________________________ 32

e colônias americanas. Grande parte destes movimentos atenderam a nova ordem de


organização político-econômica propagada pela Europa.

Mais uma vez o caso brasileiro mostrou-se interessante neste processo, por representar
bem a função de país com uma economia pautada pelas exportações de matérias-primas e
importações de produtos manufaturados europeus - majoritariamente produtos provenientes
da Inglaterra. A economia brasileira tinha como caráter essencial a produção de matérias-
primas para serem vendidas no comércio internacional, portanto a principal fonte de recursos
eram as taxas alfandegárias. O tratado que dava aos ingleses a vantajosa situação de poder
exportar seus produtos ao Brasil pagando apenas 15% de alíquota de alfândega 17 trouxe uma
série de restrições ao desenvolvimento da economia brasileira, o que dificultava a
competitividade de produtos portugueses na colônia (e agora também sede da metrópole).
Para solucionar este imbróglio, o trono português equiparou a taxa de importação inglesa aos
produtos de Portugal em 181018. O retorno da corte portuguesa à terra de origem, em 1821, e o
processo de independência política do Brasil com relação a Portugal, 1822, impuseram ao
novo governo brasileiro o pagamento de uma parte da dívida de sua ex-metrópole com relação
ao império britânico19. O novo imperador brasileiro, Dom Pedro I, tentou desvincular-se do
monopólio comercial inglês e ampliar as possibilidades de comércio com outros países. A
forma encontrada pelo governo brasileiro foi a de equiparar todas as taxas de importação no
mesmo patamar dos ingleses, ou seja, 15%.

Por mais que esta medida tenha incentivado a ampliação do comércio com outros
países, isto não foi suficiente para aumentar a arrecadação tributária a ponto de sanar o
desequilíbrio das finanças brasileiras. Em momentos de maior dificuldade, o governo
brasileiro foi compelido a taxar as exportações brasileiras, condenando a única fonte de
divisas no Brasil ao desestímulo (FURTADO, 1963. pp. 122). De fato, as duas medidas que
conseguiram, momentaneamente, dar fôlego às finanças brasileiras foram a recorrência a
emissões de papel-moeda, cujo efeito é a desvalorização da moeda, e os empréstimos
internacionais20, conforme ilustrado no quadro 1:

17
Em 1808, com a abertura dos portos, o Brasil firmou um tratado com a Inglaterra outorgando uma taxa
alfandegária de 15% na entrada dos produtos deste país no mercado brasileiro. Este tratado valeu até 1844
quando a alíquota subiu a 30%.
18
Até 1810 os produtos portugueses eram tarifados em 16% e produtos de outros países em 24% na entrada ao
mercado brasileiro.
19
Em caráter indenizatório, o Brasil pagou 2 Milhões de Libras a Portugal pela sua independência em 1822
(PRADO Jr., 2012, p. 134).
20
Em meados do séc. XIX a dívida externa brasileira já consumia 40% das riquezas que o país produzia
(FURTADO, 1963, p. 133).
________________________________________________________________________ 33

QUADRO 1

Quadro de Empréstimos Brasil - Inglaterra


Ano Valor Taxa de Juros - Ano Prazo de Pagamento
1822 2.000.000 5% 30 anos
1825 3.000.000 5% 30 anos
1829 400.000 5% 30 anos
1839 312.000 5% 30 anos
1843 732.000 5% 30 anos
1852 1.040.600 4,5% 20 anos
1858 1.526.000 4,5% 30 anos
1859 508.000 5% 20 anos
1860 400.000 4,5% 30 anos
1863 3.855.000 4,5% 30 anos
1865 6.363.613 5% 30 anos
1871 3.000.000 5% 37 anos
1875 301.200 5% 38 anos
1883 4.599.000 4,5% 38 anos
1886 6.431.000 5% 38 anos
1888 6.297.300 4,5% 37 anos
1889 20.000.000 4% 37 anos
*em libras
Fonte: CAVALCANTI, 1890, p. 332    

A ideologia liberal da liberdade individual, da especialização dos fatores produtivos e


da independência do mercado, fez com que a Inglaterra tivesse interesse direto no fim da
escravidão ao redor do mundo21. Com a expansão globalizada de seu comércio, era
fundamental que os países aumentassem seus mercados consumidores e uma das estratégias
dos ingleses era que os negros fossem incorporados ao mercado de consumo22.

Naquele momento, o capital britânico buscava novos mercados e consumidores para se


expandir e viu no Brasil uma ótima oportunidade para isto. Com interesse em realizar grandes
transações econômicas, a Inglaterra fincou suas estruturas financeiras e comerciais no Brasil,
enviando uma equipe para prestar consultoria aos rumos da economia brasileira e injetando
capitais diretamente no incipiente processo de construção da infraestrutura brasileira. São dos
ingleses as primeiras iniciativas de inserção de grandes empresas de capital privado na
mineração brasileira, o financiamento das primeiras experiências da navegação a vapor,
21
Em 1807 a Inglaterra aboliu a escravidão em suas colônias (PRADO Jr., 2012, p. 155).
22
Em 1817 a Inglaterra toma para si o direito de visita a qualquer embarcação comercial suspeita de tráfico
negreiro em águas internacionais - impondo multas aos países de origem da embarcação. No entanto, o tráfico de
negros já possuía uma logística altamente desenvolvida e esta atividade se manteve constante aqui no Brasil. Por
outro lado, a Inglaterra equipava-se com a mais potente indústria naval do mundo e exercia controle das
embarcações em todo oceano. Ao avistar a marinha britânica, os navios negreiros tinham apenas uma alternativa
para não serem capturados: jogar a “mercadoria” em alto mar (PRADO Jr., 2012, p. 156).
________________________________________________________________________ 34

construções de estradas de ferro e os primeiros empréstimos públicos contraídos sem


intermédio da metrópole portuguesa (PRADO JR. 2012, pp. 140).

A partir de meados do século 19, o Brasil passou por mudanças significativas em


praticamente todos os âmbitos de sua dinâmica interna e externa. Com a cultura da cana-de-
açúcar e algodão devastados pelos preços internacionais e o esgotamento da mineração com
ouro e diamante, outro produto agrícola começa a tomar vulto nas exportações brasileiras.
Trata-se do café. Apesar de manter estruturas semelhantes às dos produtos cultivados na
época da colônia, bem como a grande propriedade privada e produção voltada para o
comércio exterior, o café apresentou algumas características novas em relação às culturas de
produtos primários do Brasil. Foi o primeiro produto que se desenvolveu e alcançou o apogeu
de produção e comércio diminuindo a exploração da força de trabalho escrava e inserindo
trabalhadores assalariados em sua cultura23.

Com exceção de alguns períodos que esteve em guerra com o Paraguai24, o Brasil
experimentou um longo período de equilíbrio nas contas públicas entre os anos de 1850 e
1890. Comparando o decênio de 1840 com o decênio de 1890, o Brasil teve um aumento de
214% no volume de exportação e contou com aumento de 46% no valor médio de seus
produtos no mercado internacional (FURTADO, 1963, p. 176). O volume de exportação do
café25 e a inserção de capital inglês - muitas vezes para refinanciar dívidas antigas - fizeram a
economia brasileira inserir-se com autonomia política no comércio internacional.

Inflada pelas teorias de Adam Smith, David Ricardo e Jean Baptiste Say, a Inglaterra
desempenhou papel fundamental na internacionalização das relações mundiais, ressuscitando,
em uma escala jamais vista, a dominação imperial durante o século XIX mediante a prática e
ideologia do livre comércio. Em nenhuma outra época - até o século XX - um país concentrou
tanto volume de exportações como a Inglaterra no século XIX. Além da quantidade
exportada, os produtos ingleses eram diversificados e tinham alto valor-agregado 26. Segundo
Hobsbawm, os ingleses eram os grandes exportadores de manufaturas e produtos industriais
para o mundo. Suas exportações estavam assim distribuídas:

23
O café contará em larga escala com o trabalho de imigrantes europeus, que trabalharam em grandes fazendas -
principalmente na região do oeste paulista - dividindo suas colheitas em 50% com os proprietários de terra - tipo
de relação de trabalho que ficou famosa pela denominação de regime meeiro (FURTADO, 1963, p. 162).
24
Brasil, Argentina e Uruguai estiveram em guerra com o Paraguai entre 1865 e 1870 (GALEANO, 1983, p.
204).
25
No final do séc. XIX o Brasil fornecerá 60% do café consumido no mundo (FURTADO, 1963, p. 177).
26
A Inglaterra foi apelidada de “oficina do mundo” por conta de que suas mercadorias eram produzidas
majoritariamente em fabricas e novas indústrias.
________________________________________________________________________ 35

QUADRO 2

Quadro de exportações da Inglaterra no séc. XIX*


Produto 1830 1850 1870
Fios e artigos de algodão 50,8 39,6 35,8
Outros produtos têxteis 19,5 22,4 18,9
Ferro, aço, maquinarias, veículos 10,7 13,1 16,8
Carvão, coque 0,5 1,8 2,8
*percentuais relativos à exportação total inglesa
Fonte: HOBSBAWM, 2011, p. 75

Voltando ao caso brasileiro, em 1888, o Brasil decreta a abolição da escravatura e em


1889 o país torna-se uma República. Com o fim da escravidão e o caráter liberal, o país
finalmente atende a todos os requisitos para a Inglaterra avançar com sua expansão comercial
em terras brasileiras. Devido à intensa produção de mercadorias com alto valor agregado, os
ingleses vão exportar o máximo de produtos para o mercado brasileiro. Com a abolição da
escravatura veio o aumento da imigração européia para zonas cafeeiras do oeste paulista que,
somado ao grande fluxo de capital circulando no Brasil, formou um ambiente perfeito para a
incorporação dos produtos ingleses no mercado brasileiro.

Contudo, o excesso de importação, os custos para suportar as políticas imigratórias 27 e


a desvalorização das forças produtivas - consequências do surgimento da reserva de força de
trabalho em que ex-escravos e imigrantes europeus disputavam o mesmo trabalho - trouxeram
ao país o recorrente cenário de déficits nas contas públicas. Ou seja, apesar do
desenvolvimento de novas atividades, do afluxo de capitais, do desenvolvimento de um
sistema financeiro, do fomento da iniciativa privada e adoção da força de trabalho livre, a
economia brasileira se sustentou no grande latifúndio, produção de poucos produtos
primários, comércio dependente das demandas do mercado internacional e a importação de
produtos com maior valor agregado. Obedecendo ao ciclo produtivo em que a conjuntura
internacional dita o rumo e a velocidade do desenvolvimento das atividades produtivas, o
Brasil permaneceu durante o século XIX num círculo vicioso em que uma intensa e rápida
prosperidade se esgota e entra em declínio por conta da conduta de superprodução e
superexploração imposta pelo mercado mundial. O Brasil cumpriu o papel acessório para a
acumulação primitiva de capital pela Inglaterra.

27
Os custos de transporte, moradia e alimentação dos imigrantes - até chegarem em seus locais de trabalhos -
eram pagos pelo governo brasileiro (PRADO Jr., 2012, p. 251)
________________________________________________________________________ 36

A economia brasileira entra no século XX em crise28. Já em 1896 o preço do café sofre


dura deterioração em suas cotações mundiais e o Brasil se vê diante de safras invendáveis. A
superprodução cafeeira - e sua desvalorização - tem impactos negativos nas contas públicas.
Por conta deste cenário desfavorável, a dívida externa do Brasil se alavanca e o governo sua
declara sua primeira moratória em 1898. Através de uma negociação mediada pelo banco
inglês London & River Plate Bank o pagamento do valor principal da dívida externa brasileira
é suspenso e se fixa apenas a quitação de juros a vencer. Os credores do governo brasileiro -
incluindo em larga escala os investidores britânicos - se farão valer da negociação para
direcionar e fiscalizar a condução da política econômica brasileira na primeira década do
século XX29 (PRADO JR., 2012, p. 222). Neste momento, na economia brasileira emerge uma
característica que estava sendo criada desde o início do século XIX e que perpetuará por todo
século XX, isto é, a dependência do capital financeiro internacional.

Diferentemente dos séculos passados, o Brasil não encontrou outro produto primário
para cobrir o espaço deixado pelas vultosas exportações de café. Sofrendo com o mercado
especulativo cafeeiro e sem alternativas para gerar novas rendas, o governo brasileiro
recorrerá a empréstimos internacionais30 para estocar o grão objetivando alavancar seu preço a
partir da baixa oferta no mercado mundial31. Esta política de contenção de preços se manterá
até o final da I Guerra Mundial (1918), quando o consumo internacional de café aumentou e
trouxe sinais de recuperação para os exportadores e para as contas do governo.

A superprodução voltou a assolar o cultivo de café no Brasil, mas diante da


recuperação da economia européia e da globalização do capital financeiro, outro grupo inglês
- Lazard Brothers & Co. LTDA - fez a mediação entre a oferta de café brasileiro e a demanda
internacional. A partir de 1924, o grupo britânico passa a controlar a produção cafeeira,
investindo em sua expansão e organizando o preço mundial através da oferta no mercado
mundial. Controlando a oferta do produto para alcançar preços elevados, a produção de café é
estimulada e o número de cafeeiros tem um surto de crescimento em poucos anos 32. Porém, a

28
Na transição do séc. XIX para o séc. XX o comércio do café já era alvo de especulações financeiras. O
especulador compra sacas de café no inicio da colheita - quando o produto apresenta maior quantidade de oferta
e preços mais baixos - e estoca para vendê-las no final da época de colheitas - quando a oferta do produto
começa a diminuir e os preços aumentam (PRADO Jr., 2012, p. 237)
29
As amortizações do valor principal da dívida externa brasileira só voltariam a ser pagam em 1911
(FURTADO, 1963, p. 193).
30
A dívida externa do Brasil evolui a 30 milhões de libras em 1888, alcançando 90 milhões de libras em 1910 e
chegando em 250 milhões de libras em 1930 (PRADO Jr., 2012, p. 263).
31
Entre 1906 e 1910 o governo brasileiro retira de circulação 8,6 milhões de sacas de café do mercado mundial
(PRADO Jr., 2012, p. 228).
32
Em 1924 - início do controle de Lazard Brothers & Co. LTDA - o número de cafeeiros era de 949 milhões de
sacas apenas em São Paulo. Este número sobre para 1.155 bilhão de sacas em 1930 (PRADO Jr., 2012, p. 234).
________________________________________________________________________ 37

demanda pelo produto não evolui33 e, mesmo com o controle da oferta, o preço do café
começa a se desvalorizar (GALEANO, 1983, p. 114).

A volatilidade do comércio do café brasileiro submeteu-se, mais uma vez, aos acasos
da economia internacional. Porém, nas primeiras décadas do século 20, além de o mundo
amargar uma crise financeira, de produção e de desemprego que afetou o Brasil, o capitalismo
- como forma de acumulação de riquezas - passou pelo seu pior momento de oscilação
ideológica.

Conforme demonstramos acima, o arcabouço teórico formulado por Adam Smith


David Ricardo e Jean Baptiste Say dominou o debate, pensamento e práticas econômicas e
comerciais durante o século XIX e inicio do século XX, tendo enorme influência no
desenvolvimento econômico brasileiro deste período. No entanto, foi nos Estados Unidos e
Europa as teorias liberais foram postas em prática com maior afinco. Todo o desenvolvimento
industrial e comercial, alavancado no século XIX, se materializou na sociedade de consumo
constituída nos Estados Unidos no período pós I Guerra Mundial.

A facilidade gerada por novas tecnologias como eletrodomésticos, rádios, telefones,


carros etc, somada com a ampliação de renda gerada pelo crescimento econômico
estadunidense, ocasionado pela sua guinada a primeira potência mundial, fez com que àquela
sociedade transformasse a ânsia por melhores condições de vida em ganância pelo
enriquecimento a quaisquer custas. Durante a I Guerra Mundial, o governo dos Estados
Unidos emitiu bônus para serem vendidos aos cidadãos como forma de dívida pública com o
fim de financiar o país na guerra. Com a vitória bélica em 1919, formou-se um ambiente de
extremo otimismo entre a população estadunidense, e recebendo os juros pagos pelo governo
aos bônus comprados durante a guerra, a grande massa populacional começou a investir seus
recursos no mercado acionário.

Motivados pelo crescente fluxo de renda, a sociedade dos Estados Unidos


caracterizou-se por três práticas que movimentou a maior economia do mundo, quais sejam: o
consumo, o investimento e, por fim, o crédito. A cultura do crédito tornou-se uma prática
comum na economia estadunidense e foi fundamental para a ampliação e consolidação do
capitalismo no mundo ocidental. As compras a prazo tornaram-se vultosas e a idéia do
“compre agora e pague depois” se consolidou naquela sociedade. A equação de crédito fácil
mais renda disponível tornou o mercado acionário, baseado na bolsa de valores de Wall Street

33
A crise de 1929 marca o fim do apogeu cafeeiro do Brasil em relação ao mercado internacional. O preço se
deprecia em quase 30%, chegando a recuar 50% na metade da década de 1930 (GALEANO, 1983, p.219).
________________________________________________________________________ 38

em Nova Iorque, um centro especulativo com grandes retornos financeiros no decorrer da


década de 1920. O fluxo monetário era tal que as próprias corretoras que operavam a compra
e venda das ações financiavam indivíduos propensos a apostar suas economias na bolsa de
valores, isto é, um cidadão que dispunha de 20 dólares poderia comprar um lote de 200
dólares, pois esta diferença seria financiada pela corretora que operasse esta transação e,
obviamente, os lucros futuros eram divididos proporcionalmente.

Nos Estados Unidos, indústrias operavam em regime de superprodução, motivadas


pela concorrência, e confiantes na idéia de que a publicidade, cada vez mais difundida pelos
novos meios de comunicação de massa, geraria demanda por produtos. A produção fabril
aumentou 30% entre 1923 e 1929. Os lucros cresceram 62% e os dividendos tiveram um
aumento de 65%. A cotação na Bolsa refletia essa excelente produtividade, registrando uma
alta de 17% nesse período. O salário/hora das indústrias não refletia esse crescimento
exponencial da economia, tendo crescido módicos 8% de 1923 a 1929. Com os salários
estagnados, enquanto os dividendos de ações dobravam em questão de dias, a compra de
títulos se tornava extremamente popular, não só entre bancos e empresas, mas também entre
pessoas físicas (PARKER, 2009, p. 77).

A prosperidade das empresas estadunidenses era tanta, e os horizontes de lucros tão


vantajosos, que havia um incentivo para que qualquer cidadão que possuísse algum tipo de
reserva financeira aplicasse no mercado acionário e, de forma mais acentuada, houve
incentivo para que os cidadãos comuns - trabalhadores médios - tomassem empréstimos
bancários a fim de aplicar estes montantes no setor produtivo empresarial dos Estados Unidos.
Ou seja, a eficácia marginal do capital investido em ações superava substancialmente a
projeção de ganhos futuros vis a vis com investimento em poupança, por exemplo. Esta
prática tornou-se tão comum que ao fim da década de 1920, 90% das ações comercializadas
em Wall Street eram transacionadas com fluxos monetários oriundos de empréstimos
bancários e/ou de corretoras de valores. Com todo este aporte de dinheiro privado na
economia estadunidense, o governo do presidente Herbert Hoover34 acreditava que a função
do Estado era, justamente, não atrapalhar a ciranda financeira que movimentava e
impulsionava a maior economia do mundo, ou seja, o laissez-faire 35, disseminado por Smith,
Ricardo e Say, estava agindo em seu grau máximo de funcionamento.

34
Herbert Hoover foi presidente dos Estados Unidos da América entre os anos de 1929 e 1933.
35
laissez-faire, ou deixe-acontecer em tradução livre, foi uma expressão criada pelo economista fisiocrata
François Quesnay que expressa o preceito máximo do capitalismo de livre-mercado. Trata-se de uma expressão
que expõe a liberdade de funcionamento do mercado sem qualquer tipo de interferência estatal.
________________________________________________________________________ 39

No entanto, o desmensurado - e desregulado - fluxo financeiro na bolsa de valores de


Nova Iorque estava acompanhado de um alentado volume monetário especulativo, ou seja,
muito do valor aplicado nas ações de Wall Street não estavam destinados a serem reinvestidos
no setor produtivo da economia estadunidense, mas tinham como objetivos apenas a
alavancagem de seus valores com lucros presumidos. Não se sabe ao certo o que ocorreu para
uma súbita falta de confiança na economia dos Estados Unidos, mas o fato é que no dia 23 de
outubro de 1929, 2,5 milhões de ações foram vendidas dando início a primeira crise em escala
global já presenciada. Entre os dias 23 e 24 de outubro de 1929, as ações comercializadas em
Nova Iorque valiam entre 20 e 30% menos e em uma semana US$ 25 Bilhões de investidores
pessoais desapareceram, levando milhares de famílias à falência (PARKER, 2009, p. 223).

A conseqüência direta, e mais grave, da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque foi
a incerteza de liquidez dos bancos estadunidenses. Devido à dissipação dos valores investidos
em ações empresariais, os cidadãos de todas as cidades dos Estados Unidos iniciaram uma
corrida aos bancos comerciais a fim de resgatar os valores aplicados em poupança ou em
fundos bancários. Com isso, os bancos de varejo perderam sua capacidade de disponibilizar
todo valor solicitado para saque pelos correntistas e, em 1931, dois mil pequenos bancos
comerciais faliram (PARKER, 2009, p. 298). A situação de desmonte nos valores de mercado
das empresas que mantinham ações em Wall Street, somado à quebra dos bancos
estadunidenses, atingiu todo o setor produtivo dos Estados Unidos, afetando toda a disposição
de mobilização da economia internacional a partir de suas importações e exportações. O
capitalismo entrou em sua primeira crise ideologicamente material por todo o mundo e o
sistema laissez-faire já não respaldava com credibilidade as práticas econômicas do período
pós 1929.

Os economistas liberais dos séculos XVIII e XIX focavam seus estudos na tríade
demanda-oferta-preço sem que as questões estruturais do funcionamento global da economia
fossem levadas a cabo. Isso porque para os clássicos liberais, as determinantes do nível de
renda, produção e nível de emprego estariam reguladas pelo equilíbrio do livre jogo das forças
do mercado e, portanto, seria improvável uma situação de desemprego (de todas as forças
produtivas) em larga escala e durante um longo período de tempo. De acordo com a teoria de
Jean Baptiste Say, o equilíbrio econômico sempre seria conservado se as forças do mercado
pudessem agir livremente. Para Say, a própria produção criaria seu mercado ou, em outras
palavras, a oferta criaria sua própria demanda. Este postulado de Say representou a máxima
capitalista materializada na experiência estadunidense no período pós I Guerra Mundial, ou
________________________________________________________________________ 40

seja, as economias não haveriam de se preocupar com superprodução, pois a produção global
encontraria alternativas próprias para seu escoamento.

Seguindo este postulado, uma economia baseada na troca e na divisão do trabalho, o


ato de produção presente - a oferta - significa o ato futuro de procura - a demanda - ou seja, o
ato de a coletividade estar produzindo demonstra que ela está se preparando para consumir.
Com efeito, para este modelo econômico, seja qual fosse o valor de produção de bens e
serviços elaborados, geraria um correspondente fluxo de renda que seria suficiente para
aquisição dos bens e serviços produzidos. É claro que os economistas liberais admitiam que
pudesse haver distorções nos processos de troca, inclusive distorções advindas da
superprodução, mas estas distorções seriam automaticamente corrigidas pelos movimentos do
sistema de preços.

No entanto, todos os postulados dos economistas clássicos foram abalados pela grave
crise de superprodução criada pela imensa injeção de capital no setor produtivo dos Estados
Unidos. Conforme vimos anteriormente, a especulação financeira injetou mais capital nas
empresas estadunidenses - fazendo com que estas empresas aumentassem a produção e sua
respectiva oferta - do que o mercado efetivamente demandava. A queda da demanda por bens
de consumo não foi regulada pelo ajuste de preços da oferta e a tríade demanda-oferta-preço
se desarticulou. Com isto, o desemprego dos fatores produtivos - inclusive o trabalho
assalariado - propagou-se em escala jamais prevista pelos economistas clássicos liberais e não
havia nada que garantisse um retorno automático de equilíbrio no sistema econômico. Ou
seja, os postulados liberais tornaram-se indefensáveis e criaram condições para uma
reconstrução dos postulados capitalistas (ROSSETI, 1980, p. 647), conforme veremos a
seguir.

O Brasil e a “Revolução Keynesiana”

Dentre todos os objetivos econômicos, talvez, o principal seja o da manutenção do


pleno emprego dos fatores produtivos. Independentemente de seu nível de desenvolvimento,
os sistemas econômicos devem buscar o conjunto de recursos básicos de produção, cujo
emprego possibilite o atendimento das necessidades sociais de determinada população. A
grave crise que atingiu os Estados Unidos e Europa, após o crash da bolsa de valores de Nova
Iorque em 1929, abriu precedentes para uma importante evolução na forma de se pensar a
economia.
________________________________________________________________________ 41

Para além da crise da bolsa de valores em Nova Iorque e seus desdobramentos no resto
do ocidente, outro fator relevante acudiu esta reavaliação na forma de se pensar a economia.
O liberalismo ortodoxo econômico encontrava-se a beira do abismo nas primeiras décadas do
século XX, no entanto, na maior parte do mundo ao oriente da Europa, sob influência do
planejamento estatal da URSS, pareciam imunes à catástrofe do capitalismo apregoado pelos
Estados Unidos e alguns países europeus. A total intervenção do Estado na economia foi, sem
dúvida, um dos fatores que levou os economistas ocidentais a buscarem novas alternativas
para as práticas de políticas econômicas nos países devastados pela crise do capitalismo
ortodoxo (HOBSBAWM, 2001, p. 111).

De qualquer forma, foram as teorias clássicas ortodoxas que influenciaram a maior


parte do mundo ocidental e, conforme vimos anteriormente, elas atingiram seu ápice no
decênio de 1920 e durante a década de 1930 houve um período de enorme fermentação
teórica, resumida na tarefa de reavaliar os postulados liberais hegemônicos desde o século
XVIII (PINHO, 2006, p. 39). Durante o período imediatamente posterior a 1929, a livre
iniciativa privada e a total liberdade dos mecanismos de mercado foram talhados no sentido
de tentar garantir, a todo custo, o pleno emprego das forças produtivas - principalmente o
emprego do trabalhador assalariado.

Em 1933, Franklin Roosevelt36 assumiu a presidência estadunidense com o


compromisso de acabar com a passividade do governo, fundada pelo pensamento econômico
liberal, em períodos de crise. Neste sentido, o governo dos Estados Unidos aumentou seus
gastos e despesas, ignorando momentaneamente o equilíbrio fiscal, passando a pressionar
empresas a aumentar salários e contratações para que isso gerasse um aumento no poder de
compra dos cidadãos e, assim, a economia voltasse a se movimentar. No âmbito do comércio
exterior, o presidente Roosevelt adotou uma política persistente de desvalorização do dólar, a
fim de incentivar as atividades exportadoras e, com isso, gerar saldo positivo na balança de
pagamento do país (DENIS, 1987, p. 694).

Em situação paralela, e semelhante, o governo brasileiro, fazendo frente ao período de


recessão mundial e recuo nas exportações de café, adotou medidas de proteção de seu
mercado interno e incentivo ao comércio internacional. Apesar de a grande recessão não
afetar a economia brasileira de forma tão aguda quanto afetou os Estados Unidos e Europa,
foi evidente o movimento de se resguardar frente às oscilações econômicas que ocorriam no

36
Franklin Roosevelt foi presidente dos Estados Unidos durante quarto mandatos consecutivos, entre 1933 e
1945.
________________________________________________________________________ 42

mercado internacional. Neste período, o preço do café despencou devido à falta de demanda
internacional e os preços das importações se elevaram de forma escalonada pela falta de
oferta de bens de capital. O déficit gerado por este choque na balança de pagamentos
brasileira obrigou o governo Vargas37 a adotar políticas econômicas expansionistas,
sustentando a demanda com gastos públicos - especialmente na compra de sacas de café para
posterior destruição e, assim, garantir a manutenção de seu preço internacional (FURTADO,
1974, p. 34).

Sofrendo com o mercado especulativo cafeeiro e sem alternativas para gerar novas
rendas, o governo brasileiro recorrerá a empréstimos internacionais 38 para estocar o grão
objetivando alavancar seu preço a partir da baixa oferta no mercado mundial 39. Esta política
de contenção de preços se manterá até o final da I Guerra Mundial (1918), quando o consumo
internacional de café aumentou e trouxe sinais de recuperação para os exportadores e para as
contas do governo. Neste sentido, a intervenção do governo varguista nas relações do
comércio internacional brasileiro foi suficiente para aliviar as profundas consequências que a
crise pós-1929 teve em outros países. A geração de déficits fiscais em larga escala, associada
às compras da produção de café não exportada, com o intuito de manter a sustentação das
atividades econômicas tem sido interpretadas como o advento de uma política econômica pré-
keynesiana no Brasil (ABREU, 1990, p. 79).

Até 1936 alguns governos estavam adotando medidas protecionistas contra a crise
mundial sem qualquer tipo de referencial teórico. Tanto as intervenções brasileiras nas
relações comerciais de exportação de café, quanto as intervenções de Roosevelt na economia
dos Estados Unidos, estavam sendo feitas como medidas emergenciais, isentas de
planejamentos de longo prazo. Coube a John Maynard Keynes 40 teorizar sobre a nova
realidade vivida pela sociedade abatida pelo golpe da crise pós 1929. As intervenções estatais
nas relações econômicas e comerciais apresentaram aos economistas uma perspectiva de que
as distorções ocorridas pela ciranda do livre mercado não seriam corrigidas pelo próprio
sistema econômico. Neste sentido, Keynes empenhou anos de estudos na tentativa de explicar
sobre as causas fundamentais dos desajustes econômicos ocorridos de forma cíclica nas
economias de livre mercado. Com este propósito, Keynes - ex-aluno do economista liberal
37
Getúlio Vargas foi presidente do Brasil entre os anos de 1930 e 1945.
38
A dívida externa do Brasil evolui a 30 milhões de libras em 1888, alcançando 90 milhões de libras em 1910 e
chegando em 250 milhões de libras em 1930 (PRADO Jr., 2012, p. 263).
39
Entre 1906 e 1910 o governo brasileiro retira de circulação 8,6 milhões de sacas de café do mercado mundial
(PRADO Jr., 2012, p. 228).
40
John Maynard Keynes (1883 - 1946) foi um economista inglês que fundou a escola heterodoxa econômica
responsável por revisar os postulados teóricos liberais como Smith, Ricardo e Say.
________________________________________________________________________ 43

Alfred Marshall41 - precisou romper com o pensamento hegemônico liberal que predominou
até a década de 1930 e, em 1936, publicou o livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e do
Dinheiro declarando logo em suas primeiras páginas:

“Dando a este livro o título de Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro,


pretendo destacar a palavra geral com o intuito de fazer ressaltar o contraste entre
os meus argumentos e conclusões e os da teoria clássica liberal em que me formei,
e que governa o pensamento econômico, tanto prático como teórico, dos meios
acadêmicos e dirigentes desta geração, tal como os dominou no curso dos últimos
cem anos. Demonstrarei que os postulados da teoria clássica liberal se aplicam
apenas a um caso especial e não ao caso geral, pois a situação que ela supõe se acha
no limite das situações de equilíbrio possíveis” (KEYNES, 1964, p. 15).

Durante a década de 1920 e 1930, Keynes preocupou-se com as instabilidades da


economia e, principalmente, o porquê de as atividades econômicas não atingirem o objetivo
de utilização do pleno emprego dos fatores produtivos, mesmo em períodos de expansão
econômica. O principal problema que abateu as economias européias entre as décadas de
1920 e, em conjunto com os Estados Unidos, na década de 1930, foi o desemprego do
trabalhador assalariado.

As causas do desemprego foi o ponto de partida em seu confronto com o pensamento


econômico liberal hegemônico até àquela época. Segundo o pensamento liberal do século
XVIII e XIX o desemprego dos trabalhadores ocorria devido a um desajuste nas negociações
entre empresários e trabalhadores para o equilíbrio do mercado. Isto é, a causa do desemprego
se originava na recusa de os trabalhadores aceitarem um nível mínimo de um determinado
salário nominal. No entanto, Keynes irá refutar esta tese, pois o que determina o nível padrão
de vida do trabalhador é o salário real, o qual muitas vezes desce ao nível mínimo do aceitável
pelos trabalhadores por outros motivos que não a negociação do salário nominal, por
exemplo. O que Keynes demonstrou é que uma variação nos preços de determinados produtos
consumidos pela população podem diminuir o salário real do trabalhador - ou poder de
compra - sem que o salário nominal (negociado entre empresário e trabalhador) se altere, ou
seja, não há que se falar em desemprego voluntário do trabalhador - motivado pela não
aceitação de determinado nível de salário nominal - e, sim, em desemprego involuntário - que
depende muito mais de outras variáveis, como nível de investimento nos setores produtivos,
nível de poupança e nível de consumo, do que a simples desregulação nas negociações entre
empresários e trabalhadores (KEYNES, 1964, p. 26).

41
Alfred Marshall foi professor titular de economia política na Universidade de Cambridge.
________________________________________________________________________ 44

Para Keynes, os liberais do século XVIII menosprezaram quais eram os fatores de


propensão ao consumo, a poupança e investimento no funcionamento das economias
nacionais. De acordo com a teoria clássica, se a coletividade direcionasse ao consumo toda
renda gerada no processo produtivo, não haveria de ocorrer intermitências na dinâmica
econômica, ou seja, não haveria desemprego dos fatores produtivos, pois, estes, seriam
equilibrados pela dinâmica oferta-demanda. Porém, o que se verificou, na prática, é que a
população destina apenas uma parte de seus rendimentos ao consumo. Outra parte,
considerável, é destinada ao ato de poupar.

Tanto Smith, Ricardo e Say admitiam importância ao recurso da poupança pela


sociedade, até porque é somente pela poupança coletiva que se cria o volume necessário de
capital para que o empresário invista nas forças produtivas de uma economia. Neste sentido,
vale mencionar que - para os liberais - o pleno emprego dos fatores produtivos de um país
vislumbrava o ponto de equilíbrio entre o nível de poupança e o nível de investimento em
dada economia, ou seja, a determinante deste equilíbrio se daria pela taxa de juros praticada
pelo livre jogo do mercado.

Em outras palavras, o que os liberais do século XVIII estavam postulando é que


através de uma taxa de juros média e regulada de acordo com os próprios interesses do
mercado, os níveis de poupança e investimento encontrariam seu equilíbrio, uma vez que esta
taxa se apresentasse vantajosa aos poupadores e, ao mesmo tempo, vantajosa aos tomadores
de capital para investimentos na economia. A proporcionalidade entre a poupança e
investimento, somada ao processo de produção e consumo traria a estabilidade econômica
desejada pela coletividade (ROSSETI, 1980, p. 648). Porém, para Keynes, a taxa de juros
regulada somente pelo mercado, não era capaz de trazer equilíbrio para uma economia e esta
desregulação entre poupança e investimento desencadeava as crises capitalistas ao longo da
história.

Para Raúl Prebisch - economista latino americano que apresentaremos mais a frente - a
tese de Keynes mostrou que a tendência aos desajustes dos fatores produtivos, em especial ao
desemprego do trabalho assalariado, se dava pela riqueza das grandes comunidades
industriais. Ou seja, por suas determinações em poupar e investir, e que o laissez-faire era
incapaz de corrigi-los, pois:

“Quando a renda da coletividade cresce, o mesmo ocorre com o nível de poupança,


sem que se coloque nenhum problema enquanto os investimentos aumentarem
paralelamente. Mas nem sempre isto acontece; chega um momento em que, apesar
de a poupança continuar aumentando, a taxa de juros resiste a cair no grau
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indispensável para estimular novos investimentos que a absorvam por completo. A


partir deste momento, não há investimento suficiente para utilizar toda poupança
possível (...) em resumo, o mal tem origem na insuficiência dos investimentos para
empregar toda poupança. E, como a poupança é aquela parte da produção que não é
consumida, a insuficiência de investimento significa também a insuficiência de
demanda” (PREBISCH, 1998, p. 19).

A tríade liberal demanda-oferta-preço, pautada pelo laissez-faire, deu lugar, na análise


de Keynes, às categorias renda-consumo-poupança-investimento e para ser entendida a partir
da propensão ao consumo e à propensão a poupar. Para Keynes, a taxa de juros negociada
pelo livre interesse do mercado, não garante sua condução a uma situação de igualdade entre
poupança e investimento, ou seja, outros fatores - como a renda nacional 42 - podem
desempenhar papel muito mais importante no processo decisório de poupar e/ou investir do
que a taxa de juros. Ademais, as poupanças e consumo são decisões da coletividade
independentes do ímpeto de investimentos dos empresários, portanto devem ser analisados de
formas apartadas.

Com este novo enfoque de observação, Keynes demonstrou para os economistas da


década de 1930 e 1940, que o fato gerador dos desequilíbrios entre os atos de poupar e
investir não está vinculado às distorções entre supostas negociações pela estabilidade da taxa
de juros e do emprego, mas, sim, pela não existência de um mecanismo que garanta a
igualdade entre a produção e procura - ou em outras palavras, entre a oferta e a demanda.

Neste sentido, Raul Prebisch realçou que a abordagem keynesiana incitou os governos
a provocarem deliberadamente o crescimento dos investimentos, até que a demanda seja
suficiente para absorver toda oferta obtida pelo pleno emprego dos fatores produtivos
(PREBISCH, 1988, p. 20). Se para os economistas liberais clássicos a poupança era a
responsável por prover os capitais disponíveis para investimentos dos empresários, para
Keynes é o investimento que elevará o nível da renda nacional, provocando um aumento
automático no nível da poupança pela coletividade. Portanto, quando a soma dos gastos em
bens, serviços e em investimentos realizados pelos consumidores, empresários, governo e
pelo setor externo forem iguais ao montante de toda oferta da produção nacional, o sistema
econômico encontrará o equilíbrio e o pleno emprego dos fatores produtivos (DENIS, 1987,
p. 702).

O enfoque keynesiano renda-consumo-poupança-investimento trouxe diversas


mudanças na forma de pensar o desenvolvimento dos países em um momento em que o

42
Renda Nacional é a totalidade de pagamentos feitos aos fatores de produção - como o salário do trabalhador ou
a compra de matéria prima - que foram utilizados na obtenção do produto nacional (FONSECA, 2006, p. 270).
________________________________________________________________________ 46

mundo se deparava com dois modelos de sociedade: uma representada pelos Estados Unidos e
Europa - impulsionada pelo laissez-faire dos mercados privados - e outro apresentado pela
União Soviética - mobilizada pelo centralismo estatal na administração da produção,
comércio e promoção do bem-estar da população.

Neste contexto, Keynes surgiu como a possível salvação ideológica do capitalismo


liberal ortodoxo estadunidense e europeu. Sua análise baseou-se na idéia de que o equilíbrio
dos sistemas econômicos pode ser controlado pela propensão de um governo aportar
investimento paralelamente ao setor privado da economia. Isto é, as crises do livre mercado
podem ser minoradas pela intervenção estatal, pois o governo pode adotar uma medida fiscal
que garanta o montante de investimento - em conjunto com as empresas privadas -
aumentando a renda nacional, que por conseqüência aumenta o nível de consumo e, assim,
garante o funcionamento e equilíbrio de todos os fatores produtivos de um determinado
sistema econômico.

No entanto, Keynes deixou claro em sua Teoria Geral do Emprego, Juro e do


Dinheiro, de que se tratava de uma socialização dos investimentos e não da socialização da
produção ou dos resultados da produção. Neste sentido, diz ele:

“Embora essa teoria indique ser de importância vital atribuir a órgãos centrais
determinados poderes de direção hoje confiados em sua maioria à iniciativa
privada, nem por isso respeita menos um largo domínio da atividade econômica.
No que concerne à propensão a consumir, o Estado terá de exercer sobre ela uma
influência orientadora através do seu sistema de impostos, fixando a taxa de juros e
talvez ainda por outros meios (...) Creio, portanto, que uma socialização algo ampla
dos investimentos será o único meio de assegurar uma situação aproximada de
pleno emprego, e o que não implica a necessidade de excluir s compromissos e
fórmulas de toda espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa
privada. Mas, fora disto, na se vê nenhuma razão evidente que justifique um
socialismo de Estado envolvendo a maior parte da vida econômica da comunidade.
Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. Se este
for capaz de determinar o montante global dos recursos destinados a aumentar esses
meios e a taxa básica de remuneração aos seus detentores, terá realizado tudo o que
lhe corresponde” (KEYNES, 1964, p. 356).

Por pelo menos trinta anos, do período pós 1929, a teoria keynesiana obteve sucesso ao
demonstrar que o investimento público pode desempenhar função importante como base de
sustentação para expansão das economias capitalistas. Sob a alcunha de um reformista do
capitalismo, enaltecendo o papel de cooperador estatal nos sistemas econômicos, Keynes não
ficou isento de críticas, principalmente pelo fato de ter se ocupado minoritariamente em sua
Teoria Geral de pressupostos da microeconomia - como a formulação dos preços, por
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exemplo - por não ter tratado de temas fundamentais do funcionamento da economia, como o
trabalho humano, por exemplo.

No entanto, as bases de análise de Keynes serviram de apoio para formulações teóricas e


práticas em economias subdesenvolvidas, como na América Latina e - mais especificamente -
no Brasil. Suas demonstrações sobre o resultado do investimento público e da regulação da
taxa de juros para equacionar o equilíbrio entre poupança e investimento nos sistemas
econômicos, formaram uma base de análise que orientaram as proposições de políticas
econômicas em diversos países que estavam fora do eixo Estados Unidos – Europa, durante as
décadas de 1940, 1950 e parte da década de 1960 conforme veremos adiante.

A Análise Estruturalista da Dependência Econômica em Raul Prebisch e


Celso Furtado

Conforme vimos acima, a II Guerra Mundial trouxe significativas alterações na ordem


mundial, seja em sua forma conceitual ou na prática. Suas consequências intensificaram o
processo contraditório entre os países que regulam o mercado internacional e os que apenas se
alinham aos seus desdobramentos. Com dois pólos de dominação mundial (EUA e URSS), o
pólo liderado pelos Estados Unidos defrontava-se com a difícil tarefa de isolar, das
influências soviéticas, as áreas de comércio com suas políticas econômicas sem comprometer
sua hegemonia recém-conquistada.

A consolidação de sua indústria e comércio internacional, os Estados Unidos


deflagram uma forma não tradicional de colonialismo, isto é, uma prática de dominação não
territorial, mas por intermédio dos princípios de uma política econômica específica, ou seja,
baseada na expansão do livre-comércio internacional. Esta prática de dominação prioriza o
uso de empréstimos e investimentos para estabelecer seu domínio nestas áreas de comércio.

Os Estados Unidos saíram da II Guerra Mundial possuindo 63% de toda produção


industrial dos países capitalistas e 60% de toda reserva mundial de ouro. Com este nível de
industrialização e acúmulo de riquezas, os norte-americanos ocupam a condição de principal
líder militar, econômico e diplomático no mundo. No entanto, a soberania de seu sistema
econômico estava ameaçada pela expansão do comunismo soviético e pela ruína financeira
em que a Europa se encontrava. Pouco depois de os Estados Unidos ratificarem sua
participação na guerra, e assim definir seu rumo, os países envolvidos no conflito iniciaram
uma corrida para garantir estabilidade e liquidez financeira. No ano de 1944, os norte-
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americanos encabeçaram uma série de negociações que tinham o caráter de garantir a


reativação do crédito internacional, seus sistemas de pagamentos, recuperar as economias
européias e empreender as reivindicações de desenvolvimento e bem-estar social de todos os
países que não estavam sob influência da URSS. Os desfechos destas negociações, que foram
denominadas sob alcunha de Sistema de Bretton Woods, culminaram na criação de órgãos
internacionais que desempenhariam atribuições para que os países signatários mantivessem
uma mesma orientação político-financeira (MARTINS, [200?], p. 154).

Os resultados imediatos dessas negociações foi a criação do Fundo Monetário


Internacional, que regularia a liquidez internacional, e do Banco Mundial, que seria o
responsável por providenciar recursos para projetos relacionados ao desenvolvimento
econômico. Outro resultado - não imediato - do Sistema Bretton Woods foi a criação de um
organismo internacional responsável pela coordenação do comércio internacional.
Primeiramente, os Estados Unidos não aceitaram se submeter a condições que estabelecessem
regras para suas atividades comerciais, mas em 1947 os norte-americanos cederam e foi
criado o GATT43 (General Agreement on Tariffs and Trade ou, em livre tradução, Acordo
Geral de Tarifas e Comércio).

O GATT foi a principal implicação prática que o Sistema de Bretton Woods produziu
para os países que não possuíam uma economia industrial de larga escala, isso porque com
este acordo buscava-se ampliar os limites do comércio mundial e era essencial que o maior
número de países participantes da dinâmica de transações comerciais internacionais fosse
incorporado.

Na tentativa de incluir mais países no comércio internacional em condições de


igualdade na disputa por novos mercados, os países signatários do GATT definiram a
Cláusula da Nação Mais Favorecida como orientação primária de suas atividades 44. Ao final
das negociações, os países homologaram um acordo com 45 mil concessões tarifárias em
movimentações comerciais que atingiriam 10 bilhões de dólares. Outro enfoque marcante
dado pelos países negociantes do acordo foi a proibição do uso de controle quantitativo do
comércio e o tratamento nacionalista aos produtos importados (BAUMANN, 2001, p. 134).

43
Em 1950 o Congresso dos Estados Unidos, sofrendo pressões políticas receosas na perda de renda com a
flexibilização das tarifas, anuncia a sua não ratificação no GATT.
44
Artigo 1º do GATT: “Qualquer vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedida por uma Parte Contratante
a um produto originário de outro País ou destinada a ele, será concedida imediatamente e incondicionalmente a
todo outro produto similar originário dos territórios de todas as demais Partes contratantes ou a elas destinado”.
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Mesmo com o aumento da participação de países não industriais no mercado


internacional, o foco norte-americano continuava sendo a restauração da economia europeia.
Em 1947, os Estados Unidos lançaram o Plano Marshall, que foi um amplo acordo financeiro
para reconstrução dos países que participaram da II Guerra Mundial. Com um programa
baseado em quatro anos, o objetivo estadunidense era investir massivamente na economia
europeia para elevar o ritmo das atividades produtivas aos níveis pré-guerra45. O plano era
simples: os Estados Unidos aplicavam um montante de dólares nos países devastados pela
guerra e se fazia valer na condição de principal fornecedor de produtos para suprimento das
necessidades do continente europeu46. Os números abaixo mostram a divisão dos
investimentos feitos pelos Estados Unidos aos países amparados pelo Plano Marshall:

QUADRO 3

Plano Marshall*
País 1948-49 1949-50 1950-51 Total
 Alemanha 510 438 500 1.448
 Áustria 232 166 70 488
 Bélgica e  Luxemburgo 195 222 360 777
 Dinamarca 103 87 195 385
 França 1,085 691 520 2.296
 Grécia 175 156 45 366
 Irlanda 88 45 — 133
 Islândia 6 22 15 43
 Itália  594 405 205 1.204
 Noruega 82 90 200 372
 Países Baixos 471 302 355 1.128
 Portugal — — 70 70
 Reino Unido 1,316 921 1,06 3.297
 Suécia 39 48 260 347
 Suíça — — 250 250
 Turquia 28 59 50 137
*Valores investidos em cada país (em milhões de dólares)
Fonte: BEHRMAN, 2007, p. 211 12.741

O objeto da difusão da supremacia estadunidense era estabelecer seus modelos de


produção, consumo e organização aos países alheios à influência soviética. Com a
liberalização do comércio, definido pelo GATT, a América Latina localiza-se com suas
economias profundamente relacionadas às demandas de importação e exportação do mercado
norte-americano. Mesmo não focando suas ações no mercado latino-americano, conforme

45
Os Estados Unidos alocaram algo em torno de 13 bilhões de dólares na reconstrução da Europa - em valores
atualizados isto significa aproximadamente 150 bilhões de dólares (BEHRMAN, 2007, p. 142).
46
Praticamente 70% dos produtos comprados pelos países da Europa neste período tinham procedência norte-
americana (BEHRMAN, 2007, p. 295).
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visto no quadro 3, os Estados Unidos precisavam conservar os países da América Latina longe
do alcance da influência soviética e, no entanto, os países da América Central, Caribe e
América do Sul aspiravam pelo desenvolvimento político, social e econômico prometido pela
ideologia estadunidense.

O desenvolvimento passou a ser a palavra de ordem no mundo ocidental e foi a chave


organizacional para a manutenção da hegemonia norte-americana nos países de baixa
competitividade internacional. A diminuição das barreiras tarifárias assinadas nos acordos do
GATT não foi suficiente para alterar a perspectiva de progresso na América Latina, e, não
raro, trouxeram déficits nas contas públicas dos países fornecedores de matérias-primas ao
mercado internacional (ALMEIDA, 2001, p. 122). Os novos acordos de alfândega e
investimentos dos Estados Unidos na Europa, pós II Guerra Mundial, apenas reforçaram o
caráter da divisão internacional do trabalho e o Brasil, mais uma vez, atuou de acordo com a
demanda do mercado internacional.

A II Guerra Mundial trouxe ao mundo o temor de novos conflitos armados. A


devastação causada pela grande guerra precisava ser evitada de todas as formas e com o
objetivo de proporcionar bases para diálogos entre os países nas esferas econômicas, sociais e
humanitárias, 51 países se reuniram em São Francisco, nos Estados Unidos, e ratificaram a
criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 24 de outubro de 1945. Como vimos
no item acima, o “desenvolvimento” era a principal agenda dos países que estavam sob
influência estadunidense e a pobreza das nações, cuja economia possuía o mesmo caráter da
economia brasileira, demandava profunda discussão.

O presidente dos Estados Unidos, Harry Trumann, ao inicio de seu segundo mandato,
em 20 de janeiro de 1949, fez o seguinte discurso, lançando pela primeira vez o termo
“subdesenvolvido” para os países não centrais no capitalismo mundial:

“Faz-se necessário lançar um novo programa que seja audacioso e que ponha as
vantagens de nosso avanço científico e de nosso progresso industrial a serviço da
melhoria e do crescimento das regiões subdesenvolvidas. Mais da metade das
pessoas em todo o mundo vive em condições vizinhas à da miséria e não possuem o
que comer. São vítimas de enfermidades. Sua pobreza constitui uma desvantagem e
uma ameaça, tanto para elas quanto para as regiões mais prósperas.”

O discurso de Harry Trumann esclarece qual o cenário que se apresentava no período


pós II Guerra Mundial. A maior crise vivida pelo capitalismo, somado a uma guerra que
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devastou boa parte dos países industriais do mundo, mais o processo de descolonização de
antigas colônias e a queda dos preços de exportação dos produtos primários, alteravam toda
ordem de poder interna e externamente dos países. Uma nova ordem mundial precisava ser
redesenhada, objetivando a promoção do desenvolvimento e industrialização de novos atores
globais.

Sob esta perspectiva, e atendendo a urgência na retomada das movimentações


financeiras internacionais, boa parte dos países subdesenvolvidos inicia um processo
autônomo de interpretações de suas economias. Influenciados pela “revolução keynesiana”,
esses países passaram a questionar o pensamento econômico tradicional que, até então, havia
sido insuficiente para a promoção do bem-estar social interno, bem como não evitou que as
crises cíclicas do capitalismo nos países industrializados e desenvolvidos afetassem as
economias mais frágeis do mercado mundial, aumentando assim a disparidade de renda entre
os países ricos e pobres (DIAS, 2012, p. 17).

A partir da década de 1930, o papel do Estado passou a ser fundamental, por ser o
principal agente de fomento para o desenvolvimento dos países. Neste momento, um extenso
bloco de novas teorias prega o papel estatal na promoção do bem-estar social. A maioria
dessas linhas de pensamento parece apreender, mantendo afinidade com o pensamento
keynesiano, que o processo de desenvolvimento dos países não passaria apenas pelas leis do
livre-mercado.

Em 1948, o Conselho Econômico e Social da ONU criou a Comissão Econômica para


América Latina e Caribe (Cepal). Este Conselho, sediado no Chile, tinha por objetivo
fomentar a cooperação econômica de seus membros. O êxito na criação da Cepal, pelo
Conselho Econômico e Social, decorreu mediante a ostensiva pressão política dos países
latino-americanos signatários da ONU. Os Estados Unidos travaram árdua campanha contra a
criação de uma comissão econômica que pudesse fugir de suas orientações de
“desenvolvimento”, portanto, para satisfazer o anseio estadunidense, ficou decidido que a
Cepal teria um caráter provisório e que, após três anos, sua existência seria reavaliada.

Os países latino-americanos precisavam estar inseridos na dinâmica da nova ordem


mundial capitalista e se fazia necessário um diagnóstico conjuntural do continente para adotar
medidas que apontassem para o desenvolvimento da região. A nova interpretação das relações
internacionais subsumiu a América Latina em um ambiente em que sua inserção não passava
________________________________________________________________________ 52

pelo simples ritmo de evolução do capitalismo, mas sim pela quebra de paradigmas das
teorias econômicas anunciadas até então.

Neste sentido, o ex-diretor do Banco Central da Argentina, Raul Prebisch 47, foi
convidado para atuar como consultor na Cepal e apresentar um relatório sobre a conjuntura
socioeconômica em que a América Latina estava inserida. Em 1949, Raúl Prebisch apresentou
O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de seus Principais Problemas
(texto que ficou conhecido como Manifesto da Cepal). Com este documento, o argentino faz
uma reavaliação sobre a transferência de diretrizes da econômica clássica para o continente
latino-americano.

Assim como Keynes, Raul Prebisch era um economista de formação clássica e liberal,
mas que procurou reaver seus conceitos interpretativos do funcionamento da economia
internacional. Logo no início do Manifesto da Cepal, o argentino vai sinalizar sua
reorientação interpretativa: “A realidade está destruindo na América Latina, aquele velho
esquema da divisão internacional do trabalho que, após haver adquirido grande vigor no
século XIX, seguiu prevalecendo, doutrinariamente, até bem pouco tempo” (PREBISCH,
1949, p. 47). O diagnóstico do continente latino americano feito por Raul Prebisch reflete sua
formação profissional e, sob a visão de um economista, os principais problemas anunciados
pelo autor argentino orbitavam acerca da estrutura produtiva dos países periféricos.

Ao buscar compreender e propor soluções para os problemas de desenvolvimento da


América Latina, Raul Prebisch se deparou com os limites teóricos e metodológicos da Teoria
Clássica liberal econômica, ou seja, o fundador da Cepal logo assimilou que não era viável
analisar a estrutura e o modo de produção das economias em desenvolvimento utilizando
como base as premissas e os instrumentais teóricos utilizados pelo mainstream do pensamento
econômico daquela época.

Por focar seu diagnóstico nas estruturas produtivas dos países periféricos, em especial
os países latino americanos, Raul Prebisch lançou um modelo analítico até então inédito para
o exame dos problemas econômicos e sociais de países de desenvolvimento periférico. O
modelo estruturalista - como ficou conhecido o método de análise prebischiano - parte das
relações entre o centro e a periferia somadas a atribuição dos países periféricos no mercado
internacional (BIELSCHOWSKY, 1995, p. 111)
47
Raúl Prebisch desempenhou diversas funções nas áreas econômicas da Argentina, mas foi durante seu mandato
de diretor do Banco Central, que ele se defrontou com inexequível pagamento da dívida externa argentina, que
ele lançou-se na tarefa de reinterpretar as circunstâncias que levaram a Argentina àquela situação (DOSMAN,
2011, p. 44).
________________________________________________________________________ 53

Filiado ao pensamento keynesiano, Raul Prebisch entende que o progresso nos países
latino-americanos deveria ser pautado por uma reordenação do Estado, alterando o padrão de
políticas públicas, orientando-as para a composição de pólos industriais e investimentos na
infraestrutura, objetivando demonstrar que as exportações de matérias-primas deveriam ser
uma extensão do mercado interno, provendo ao mercado internacional seu excedente
produtivo.

A resignificação da condição de pobreza da América Latina, em Raúl Prebisch,


relaciona a localização do continente no ambiente de países periféricos na dinâmica
internacional, ao passo que os países centrais revitalizam um círculo vicioso em que o
movimento de atividades produtivas eterniza a concentração de riquezas na divisão
internacional do trabalho. Competia aos países periféricos a tarefa de se apropriar do “local”
em que estavam inseridos no funcionamento do capitalismo mundial e descobrirem quais são
as particularidades que deveriam ser exploradas com o objetivo de diminuir a lacuna entre a
periferia e os países centrais. A crítica de Prebisch se fundamentou no deslocamento da
ideologia ricardiana48 para contextos em que sua aplicabilidade não se prova. A hipótese da
vantagem comparativa, de David Ricardo, conserva o conceito de que a especialização na
produção de um determinado gênero por um país maximizará - através do comércio
internacional - o bem-estar de sua população (MARTINS, [200?], p. 172).

Para o intelectual argentino, a premissa de que a especialização técnica tenderia a ser


distribuída de forma parelha entre os países participantes do mercado mundial, não se
aplicava à América Latina porque há uma clara deterioração dos termos de troca na divisão do
comércio internacional. Ao propagar que os países produtores de bens primários não
precisariam se industrializar, para se beneficiar do progresso tecnológico dos países centrais, a
teoria neoclássica não levou em consideração as especificidades de demanda e a realidade
histórica de cada região participante do comércio mundial. Neste sentido, Prebisch escreveu:

“A política do desenvolvimento tem que se basear numa interpretação autêntica da


realidade latino-americana. Nas teorias que recebemos e continuamos a receber dos
grandes centros, há com freqüência uma falsa pretensão de universalidade. Toca-
nos, essencialmente, a nós, homens da periferia, contribuir para corrigir essas
teorias e introduzir nelas os elementos dinâmicos que requerem, para aproximar-se
da nossa realidade” (PREBISCH, 1949, p. 21).

48
David Ricardo foi um dos fundadores, junto com Adam Smith, da escola clássica inglesa da economia política.
________________________________________________________________________ 54

O Manifesto da Cepal deixou explícito que há um desenvolvimento desigual nas


relações do capitalismo internacional e, contrariamente do que anunciava a teoria da
vantagem comparativa, o efeito desta divisão internacional do trabalho era uma duradoura e
constante depreciação de preço dos produtos primários em relação aos industriais, fazendo
com que os países fornecedores de matérias-primas se conservassem nas condições de
dependência das demandas internacionais dos países centrais.

A depreciação dos preços dos produtos primários se compõe por conta da


inflexibilidade de renda nos países periféricos e centrais, isto é, ao ter um incremento na renda
de um determinado país, o aumento das importações do centro avança relativamente menos
do que as importações dos países de periferia. Portanto, estas relações impõem condições
específicas às economias periféricas apontando para um fenômeno em que as leis do sistema
econômico dos países da periferia seriam movidas por leis próprias (CÊPEDA, 1998, p. 153).
Sobre este aspecto, Rodriguez descreveu:

“Em outros termos, entende-se que centros e periferia se constituem historicamente


como resultado da forma pela qual o progresso técnico se difunde na economia
mundial. Nos centros, os métodos indiretos de produção gerados pelo progresso
técnico se difundem em um período de tempo relativamente breve, pela totalidade
do aparelho produtivo. Na periferia, parte-se de um atraso inicial e, no transcorrer
da fase dita “desenvolvimento para fora”, as técnicas novas só serão implantadas
nos setores exportadores de produtos primários e em algumas atividades
econômicas diretamente relacionadas com a exportação, as quais passam a coexistir
com setores atrasados no que diz respeito à penetração das novas técnicas e ao nível
de produtividade do trabalho” (RODRIGUEZ, 1981, p. 37).

No mesmo sentido, Adolfo Gurrieri escreve:

“Pero el problema concreto que le sirve de punto de partida (para Prebisch) se


relaciona com la distribuición del progresso técnico y sus frutos: la evidencia
empírica pone de manifesto la existencia e una considerable desigualdad en el nivel
de ingreso medio entre los países industriales y los países productores y
exportadores de productos primarios. Este hecho tiene una enome importancia
teórica y práctica pues refuta la justificación basica tanto de la teoria clássica de la
división internacional del trabajo como del patrón de desarrollo basado en las
exportaciones primarias que había predominado en la América Latina hasta la crisis
de 192949” (GURRIERI, 1982, p. 17).

49
Mas o principal problema que serve de ponto de partida (para Prebisch) se relaciona com a distribuição do
progresso técnico e seus efeitos: a evidência empírica explicita a existência e uma considerável desigualdade
________________________________________________________________________ 55

A principal argumentação da Cepal, a partir de 1949, é de que a condição de países


periféricos na dinâmica da divisão internacional do trabalho era fruto de uma sequela do
desenvolvimento das forças produtivas dos países de economia central. A periferia cumpria
seu ofício fornecendo os excedentes produtivos de acordo com a demanda do mercado
mundial, que é conduzido pelos países do centro.

Prebisch percebe que o objetivo da divisão internacional do trabalho não é elevar o


patamar de bem-estar social em todo o mundo, mas sim o de elevar o patamar de consumo
dos países do centro da forma mais econômica possível. Em O Desenvolvimento Econômico
da América Latina e Alguns de seus Principais Problemas, Raul Prebisch faz um diagnóstico
sobre o círculo vicioso de pobreza em que os países latino-americanos estão submetidos.

Para o autor argentino, o continente periférico caracterizava-se pelos seguintes


elementos (MARTINS, [200?], p. 158):

1. A indústria da América Latina era antiquada


em termos de diversificação na produção de bens e sem integração com setor de
exportação de matérias-primas e inapta na propagação tecnológica para outras áreas da
economia.
2. Aos países exportadores de produtos primários
era inerente a elevação na importação de bens industrializados ao encarar um aumento
de renda na conjuntura mundial.
3. O excedente na mão de obra desprivilegiada
resultantes de uma de uma economia exportadora de matérias-primas com baixo nível
de desenvolvimento tecnológico e produtividade.
4. A falta de dinamismo tecnológico resulta em
um aumento de custos na produção que são repassados ao preço final, acarretando na
prostração da formação de um mercado interno nos países periféricos.
5. O ritmo de absorção do progresso tecnológico
e o aumento da produtividade eram consideravelmente menores nas economias da
periferia do que nos países industrializados do centro, o que - como pressuposto - já
traria uma diferença abissal entra a geração de renda favorável a estas.

nos níveis de importação entre os países industriais e os países produtores e exportadores de produtos
primários. Isto tem uma enorme teórica e prática, pois nega a justificação básica da teoria clássica da divisão
social do trabalho como fonte de desenvolvimento baseado nas exportações primárias que predominavam a
América Latina desde a crise de 1929.
________________________________________________________________________ 56

O exame cepalino, orientado por Raul Prebisch, demonstrou, baseado no método


histórico-estrutural, que a América Latina sofreu um longo processo de deterioração nos
termos de troca, desconstruindo a teoria da vantagem comparativa que, até então, norteava as
políticas econômicas impostas aos países periféricos. O desenvolvimento latino-americano
não passaria por igual oportunidade de trocas no comércio internacional porque as estruturas
de formação econômicas são muito particulares em cada uma das regiões. Tratava-se de um
método absolutamente equivocado o de querer transplantar modelos de desenvolvimento
criados em uma determinada época e conjuntura para países cuja singularidade os torna tão
ineficazes quando inseridos na lógica ricardiana.

Neste sentido, a insegurança diante das variações do mercado internacional e a


inoportuna dependência das exportações de matérias-primas para os países do centro foram
preocupações marcantes na construção do pensamento prebischiano.

A dissertação de Renato Perim Colistete nos esclareceu de forma satisfatória a análise


feita por Raul Prebisch da seguinte forma:

“O que passava a ser sugerido é que haviam elementos de caráter dinâmico


determinando a vulnerabilidade externa da América Latina, em vista das mudanças
que se iriam processando ao nível das importações do centro para a periferia.
Talvez o mais importante nesta nova abordagem tenha sido que, por definitivo,
ficava claro que o fenômeno da desigualdade observada no comércio internacional,
segundo a concepção prebischiana, era antes de mais nada uma manifestação que
possuía suas raízes nas condições internas de acumulação típicas dos países centrais
e periféricos. Isto significa subordinar o que ocorria ao nível das trocas ao conjunto
de especificidades das estruturas econômicas periféricas, como sua
heterogeneidade, a especialização produtiva, os baixos níveis de produtividade e o
relativamente fraco impulso da acumulação produtiva daí advindo” (COLISTETE,
1990, p. 29).

Além do inedistismo ao examinar a relação desigual entre o centro e a periferia e quais


os obstáculos estruturais que impediam o desenvolvimento latino americano, Raul Prebisch
deu importantes contribuições para as reflexões sobre o porquê de a América Latina exercer
papel secundário no desenvolvimento do capitalismo global. Para o autor argentino, a
principal característica, que fundamentava a posição periférica dos países latinos americano,
era a baixa produtividade dos fatores de produção e, neste sentido, Prebisch elucidou a
questão da seguinte forma: “Do ponto de vista do desenvolvimento econômico, a elevação
________________________________________________________________________ 57

máxima do nível de vida das pessoas depende da produtividade dos fatores de produção e esta
depende, em grande parte, de máquinas mais eficientes” (PREBISCH, 1949, p. 93).

Como resposta aos problemas diagnosticados, todo esforço teórico produzido por Raul
Prebisch - e pelos profissionais que lhe acompanhavam nos trabalhos da Cepal - objetivavam
criar condições analíticas para a superação do subdesenvolvimento dos países periféricos. Os
documentos cepalinos demonstraram que a solução para baixa eficiência dos fatores
produtivos na América Latina passava pela necessidade de se atravessar um processo de
industrialização em suas economias, seja no campo - modernizando e diversificando a
produção agropecuária - seja nas cidades com as indústrias tradicionais.

Os autores cepalinos entendiam que o processo de industrialização era a única forma


de captar uma parcela do progresso técnico vivido pelos países do centro capitalista para
elevar progressivamente o nível de vida das massas e, assim, superar a dependência periférica
da América Latina frente aos países centrais. Segundo Raul Prebisch, a industrialização dos
países da periferia precisava contar com o aumento da produtividade de suas estruturas
produtivas na agricultura para que esta gerasse divisas necessárias à importação prioritária de
bens de capital - que seriam utilizados neste processo industrializante (PREBISCH, 1949, p.
49).

Portanto, o caminho da industrialização da América Latina se realizaria,


necessariamente, pelo caminho de substituição das importações, ou seja, a criação de um
amplo parque industrial se efetivaria ao passo que os países periféricos adotassem uma
substancial mudança em suas composições de importação. Segundo a análise cepalina, a
industrialização dos países periféricos ocorreria com a produção interna de bens que antes
eram importados e, paralelamente, concentrando a importação aos insumos necessários para o
processo de desenvolvimento da indústria no continente. Para que isto ocorresse era preciso
que se limitassem as importações de bens que não eram vitais neste processo de modernização
dos fatores produtivos e, também, de bens supérfluos (RODRIGUEZ, 1981, p. 73).

Para que o processo de industrialização em substituição de importações lograsse êxito,


se fazia necessária a análise de uma série de variáveis marcantes do sistema econômico dos
países periféricos, bem como o exame do processo inflacionário, os déficits da balança
comercial, a formação da massa de trabalhadores desempregados e a formação do negócio de
agricultura. O Brasil e o México foram os países que mais se aprofundaram nas investigações
internas destes temas.
________________________________________________________________________ 58

O exame estruturalista, diagnosticando problemas na estrutura produtiva do Brasil,


acompanhado de uma proposta de industrialização mediada pela substituição de importações
para a superação da dependência econômica do país, teve forte apelo na política econômica
brasileira capitaneada pelo economista Celso Furtado, conforme veremos agora.

Celso Furtado ingressou na equipe cepalina de Raul Prebisch desde sua fundação. Se o
argentino logrou êxito na teorização autônoma a respeito das questões das estruturas
produtivas da América Latina, nós podemos afirmar que Celso Furtado foi imprescindível no
processo interpretativo teórico e propositivo das políticas econômicas brasileiras na década de
1950. Assim como toda perspectiva de reelaboração das teorias clássicas econômicas que
pairava no mercado mundial pós-crise de 1929, o economista brasileiro também foi
influenciado pela ótica keynesiana de que o simples jogo do mercado, se autorregulando, não
daria conta do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos e que estes se manteriam
dependentes dos países do centro capitalista, cujas economias estavam suportadas pelo
desenvolvimento industrial.

Na primeira metade da década de 1950, Celso Furtado se apropriou de diversos


elementos teóricos elaborados por Raul Prebisch, internalizando a perspectiva teórica e o
posicionamento político cepalino ao caso brasileiro. A historicidade na análise dos problemas
produtivos do Brasil foi uma das principais contribuições na formação da escola analítica
estruturalista brasileira, bem como o pilar para elaboração de políticas econômicas
desenvolvimentistas50 na segunda metade da década de 1950, conforme veremos mais a
frente.

Na década de 1950, Celso Furtado publicou alguns de seus principais livros que
continham elementos fundamentais para a compreensão da dependência econômica brasileira
frente aos países do centro industrial capitalista. Dentre estas obras, destacamos: A Economia
Brasileira - contribuição à análise do seu desenvolvimento 51(1954) Uma Economia
Dependente (1956) e Perspectiva da Economia Brasileira (1958). A trajetória de produção
destas obras nos apresenta, também, o processo de formação da dependência econômica
brasileira e as proposições furtadianas para sua superação. A obra de 1954 e a de 1956
possuem um viés investigativo a respeito da débil formação das estruturas produtivas
brasileiras que levou o país a situação de dependência das economias do centro. Já a obra de

50
Entendemos por política econômica desenvolvimentista o conceito utilizado por Ricardo Bielschowsky em
Pensamento Econômico Brasileiro - o ciclo ideológico do desenvolvimentismo 1930 a 1964. 2000, p. 7.
51
Esta obra foi revisitada por Celso Furtado e, com algumas alterações, foi republicada em 1959 com o título
Formação Econômica do Brasil (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 162).
________________________________________________________________________ 59

1958, nos apresentou um viés propositivo que, baseado nas premissas de formação do
processo produtivo brasileiro, indicou quais possíveis medidas deviam ser adotadas para a
superação da condição dependente dos países centrais. Interessante notar que a obra de 1958
foi escrita justamente quando Celso Furtado participava do primeiro escalão do governo
presidencial de Juscelino Kubitschek, entre 1956 a 1961.

De qualquer forma, tanto em suas obras cujos objetivos eram identificar as debilidades
de formação da economia brasileira, quanto em suas obras cujos objetivos eram aventar
possíveis correções destas deformações, Celso Furtado manteve-se alinhado à metodologia
histórico-estruturalista cepalina de análises econômicas do Brasil. Para o economista
brasileiro, o subdesenvolvimento brasileiro também obedeceu à ótica dualista, centro e
periferia, preconizada pela Cepal, ou seja, a dinâmica político econômica do Brasil foi
resultante e integrante do movimento de expansão capitalista internacional e toda debilidade
da estrutura produtiva brasileira, e suas conseqüências, vincula-se a forma singular como o
país foi inserido no mercado mundial. Neste sentido, Celso Furtado apresentou quais eram
suas categorias analíticas fundamentais no processo de interpretação do desenvolvimento dos
países, ou: “A análise desse problema (o subdesenvolvimento) dentro de uma perspectiva
histórica é de importância fundamental para compreender as modificações estruturais que
estão ocorrendo atualmente na economia brasileira” (FURTADO, 1954, p. 22).

A análise furtadiana, apresentada em A Economia Brasileira, de 1954, parte do


pressuposto que o desenvolvimento econômico brasileiro manteve-se dependente em todos os
seus ciclos produtivos, desde o ciclo açucareiro até o cafeeiro, e produziu, assim, uma
estrutura econômica e social pouco diversificada e pouco dinâmica, incapaz de internalizar o
desenvolvimento técnico. Tendo como resultado o aumento da produtividade de seus fatores
de produção, como observado nos países industrializados e completamente deficitário na
formação de um mercado interno que produzisse a base de acumulação de capital aos
empresários brasileiros (DIAS, 2012, p. 36).

A fim de comprovar sua análise, Celso Furtado comparou e distinguiu as


características das economias comerciais para as industriais e, também, o desenvolvimento
econômico brasileiro e estadunidense. Segundo Furtado, as principais diferenças entre uma
economia baseada em transações comerciais e de uma economia pautada pela produção
industrial eram: 1) O aumento da produtividade de uma economia comercial se baseava na
expansão territorial de seus mercados, ou seja, a circulação de mercadorias garantia o
desenvolvimento técnico e o acúmulo de riqueza por aqueles que detinham as rotas
________________________________________________________________________ 60

comerciais e 2) já na economia industrial, o aumento da produtividade acontece no campo da


produção, ou seja: “no momento em que se descobre que o aumento da produtividade pode
ser conseguido não somente expandindo o comércio, mas também utilizando melhor os
fatores de produção disponíveis dentro da comunidade, dá-se o passo decisivo que levará ao
desenvolvimento de uma economia” (FURTADO, 1954, p. 34). Ao passo que se apresentou a
diferença entre uma economia comercial e outra industrial, Celso Furtado desenvolveu as
principais diferenças nas estruturas econômicas entre Brasil e Estados Unidos.

Para o economista brasileiro, a debilidade das economias periféricas, e em especial a


brasileira, estava na improdutividade estrutural dos fatores de produção. Se por um lado, o
Brasil possuía uma economia baseada nas grandes propriedades de terras e um pequeno grupo
social dominante que eram ligados a grupos financeiros e comerciais europeus e enviavam
enormes quantias de capitais para a Europa para o consumo de manufaturas importadas, os
Estados Unidos possuía uma estrutura produtiva baseada na pequena propriedade, de base
familiar e estava desvinculada de remunerar os capitais investidos no país
(BIELSCHOWSKY, 2000, p. 167). Ou seja, o vínculo que se manifestou entre Brasil x
Metrópole e Estados Unidos x Metrópole foi fundamental para que a economia estadunidense
realizasse a acumulação de capital necessária para o desenvolvimento de novas técnicas
produtivas e, assim, iniciar o processo de industrialização que faltou no caso brasileiro.

Desta forma, Celso Furtado mostrou que a formação e reprodução das estruturas
tipicamente subdesenvolvidas - como a concentração de renda e sua inflexibilidade de
distribuição, o excedente de mão de obra, a heterogeneidade técnica dos fatores de produção -
vincularam-se ao desenvolvimento das economias periféricas e as impuseram seus respectivos
lugares na divisão internacional do trabalho.

A relação do Brasil x Metrópole trouxe uma série de implicações estruturais à


economia brasileira, que somente ao serem diagnosticadas poderiam ser passíveis de
superação. Desta forma, para Celso Furtado, a superação da dependência econômica brasileira
passava pelo aumento da produtividade de todos os fatores de produção do país e, para o
economista brasileiro, este indício de aumento na produtividade apareceu pela primeira vez,
de forma genuína na economia brasileira, com o desenvolvimento da cultura cafeeira. No
entanto, no momento em que se desenvolvia a cultura cafeeira, o Brasil ainda mantinha laços
intrínsecos com suas débeis características de baixa produtividade herdadas do período
colonial, ou seja, grandes propriedades de terra, força de trabalho escravocrata
heterogeneidade produtiva e baixa inovação/incorporação de novas técnicas.
________________________________________________________________________ 61

Ao focar seu estudo no desenvolvimento econômico da cultura cafeeira, Celso Furtado


encontrou algumas diferenças que fariam deste produto um divisor de águas na formação
estrutural econômica brasileira. A produção de café foi concebida com baixas inversões de
capitais, inserção de máquinas de cultivo que aumentaram os níveis de rentabilidade e
produtividade e com dirigentes que possuíam uma característica mais empresarial do que os
antigos exploradores das riquezas brasileiras. Impulsionado pelo aumento da rentabilidade
que a cultura cafeeira trouxe aos seus produtores, o resultado imediato deste processo foi o
aumento da massa salarial dos trabalhadores que cultivavam café.

O aumento da massa salarial desencadeou um incremento no mercado interno, o


desenvolvimento dos transportes e comunicação, a criação de grandes zonas urbanas e, ao
final do século XIX, o desenvolvimento de um pequeno processo de industrialização (DIAS,
2012, p. 45). Não obstante a isto, o Brasil manteve-se dependente das demandas
internacionais, assim como em seus ciclos anteriores, e, devido ao maior fluxo monetário
circulando na economia brasileira, encontrava-se mais vulnerável aos choques das crises
cíclicas capitalistas inerentes ao mercado mundial. Isto se devia ao que Raul Prebisch
determinou, em seu Manifesto da Cepal, como concentração das riquezas na alta/auge cíclica
do capitalismo e na democratização das perdas nas baixas cíclicas/crises do capitalismo
(PREBISCH, 1949, p. 58).

Celso Furtado explicou como isso acontecia no caso brasileiro e quais as


conseqüências estruturais que se desdobravam no país formando e conformando nossa
situação de subdesenvolvimento. Segundo Furtado, em uma economia monetizada e
dependente - como a economia brasileira na primeira metade do século XX, os ciclos
capitalistas reagiam aos impactos das elevações e retrações do desenvolvimento do mercado
mundial de duas formas: por um lado, no auge, havia um aumento pela demanda mundial de
produtos primários acarretando seu aumento de preços. Este aumento das inversões de valores
na economia dependente resultava em um aumento nos ganhos do empresariado nacional,
porém, isso não se refletia em aumento de salário real e nominal dos trabalhadores, devido ao
excesso de oferta da força de trabalho de ex-escravos e imigrantes. Da mesma forma, o
empresariado brasileiro não tinha cultura de investir na formação de novas tecnologias que
aumentassem a produtividade dos fatores de produção e, também, não tinham cultura de
manter este aumento e riqueza no país, ou seja, a regra era enviar estas inversões ao exterior
(comprando papéis do governo estadunidense e europeus, por exemplo, que acabavam
________________________________________________________________________ 62

financiando e fortalecendo o acúmulo de capital nestes países e ajudando no desenvolvimento


de suas indústrias).

Se no auge do ciclo de geração de riquezas, o acúmulo de capital, em países


periféricos se concentrava nas mãos de poucos, já em épocas de crise, o que ocorria, segundo
Prebisch e Furtado, era um fenômeno complexo de democratização das perdas entre a
população. Na obra Uma Economia Dependente (1956), Celso Furtado apresentou o
funcionamento dos ciclos capitalistas entre os países industriais e dependentes:

“(...) no momento em que se deflagra uma crise nos países industriais, o preço dos
produtos primários cai bruscamente, reduzindo-se, portanto, de imediato a entrada
de divisas no país de economia dependente. Enquanto isso, o efeito dos aumentos
das exportações continua a propagar-se lentamente. Existe, assim, uma etapa
intermediária em que a procura de importações continua crescendo e oferta de
divisas já se reduziu drasticamente” (FURTADO, 1956, p. 23).

O fenômeno apresentado por Raul Prebisch e por Celso Furtado explica o caráter
estrutural dos constantes problemas nas balanças de pagamentos dos países subdesenvolvidos,
ou seja, em uma economia cuja principal função é a exportação de produtos primários, a
queda brusca dos preços das matérias-primas impacta imediatamente a inversão de valores
nestes países, ao passo que as importações feitas pelo empresariado dos países dependentes
reduzem de forma mais lenta, gerando, assim, uma distorção na relação de importação versus
exportação e, como conseqüência, o déficit nas balanças de pagamento dos países periféricos.

Se no período do auge cíclico de geração de riqueza os empresários em países


subdesenvolvidos não possuem a cultura de reinvestir seus lucros no desenvolvimento dos
setores produtivos destes países (enviando capitais para Estados Unidos e Europa,
basicamente), tornando-os mais produtivos e competitivos. No período de baixa ocorre o
mesmo à medida que, mesmo com a queda brusca de inversão de capitais dada pelos países
industriais nas economias subdesenvolvidas, o empresário dos países dependentes continua
enviando volumes monetários ao centro capitalista através da manutenção dos níveis de
importação de produtos industrializados, ou seja, os países industriais tardam a perceberem a
retração de inversões de capitais em suas economias (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 176).

Desta forma, segundo Furtado, é nos momentos de crise do capitalismo, e sua


consequente retração no comércio mundial, que os problemas estruturais da economia
brasileira eram ressaltados. Ou seja, em um ambiente econômico equilibrado, as perdas
________________________________________________________________________ 63

causadas pela baixa do fluxo comercial e sua decorrente diminuição nas movimentações
financeiras, deviam ser compensadas pelos lucros gerados nos momentos de apogeu do ciclo
de desenvolvimento capitalista.

Porém, a classe dirigente dos países dependentes - e em especial o Brasil - encontrou


uma forma de minguar suas perdas em épocas de crise, através da desvalorização cambial. A
forma encontrada pelos empresários e políticos brasileiros de garantir a rentabilidade de seus
negócios nos momentos de crise é, para Celso Furtado, um dos pilares do diagnóstico
dependente estrutural da economia brasileira. Segundo a análise furtadiana, ao haver uma
baixa no preço dos produtos primários no mercado internacional, esta baixa no preço era
corrigida através de uma depreciação do câmbio, de forma que o empresário nacional sofria
uma diminuição da rentabilidade em moeda internacional 52, mas uma medida que diluía esta
perda em moeda nacional (FURTADO, 1954, p. 103).

A fim de corrigir as disfunções na balança de pagamento do comércio internacional do


país, a desvalorização cambial funcionou como uma forma de repartir o prejuízo da crise com
toda população. Ou seja, ao diminuir-se o poder aquisitivo externo da moeda nacional, havia
um encarecimento vertiginoso dos produtos importados - essenciais para o funcionamento da
sociedade brasileira - que eram repassados a quase totalidade dos produtos comercializados
internamente, reforçando a inflação estrutural brasileira e diminuindo o poder de compra de
toda sociedade.

Em outras palavras, o histórico processo inflacionário vivido no país não apenas


mantinha laços inerentes aos desajustes da balança de pagamento, como poderia ser resultado
deste constante desequilíbrio. Assim, Celso Furtado identificou que havia na economia
brasileira uma tendência de perpetuação estrutural e cíclica na instabilidade econômica do
país.

“(...) existe assim, no setor primário da economia brasileira, um mecanismo de


ampliação dos desequilíbrios provenientes do exterior. Essa observação põe mais
uma vez em evidência as enormes dificuldades com que se depara uma economia
como a brasileira para lograr um mínimo de estabilidade no seu nível geral de
preços. Pretender alcançar essa estabilidade, sem ter em conta a natureza e as
dimensões do problema, pode ser totalmente contraproducente do ponto de vista do
crescimento da economia. E, numa economia de grandes potencialidades e de baixo
grau de desenvolvimento, a última coisa a sacrificar deve ser o ritmo de seu
crescimento” (FURTADO, 1954, p. 187).
52
Na década de 1950 o mercado mundial já operava seu comércio através do dólar como padrão internacional.
________________________________________________________________________ 64

Em 1954, Celso Furtado escreveu: “É indispensável, pois, que se reconheça a


existência de um problema para que sua solução possa constituir objeto de especulação dos
homens de pensamento” (FURTADO, 1954, p. 191). Ao diagnosticar que os setores
produtivos brasileiros mantinham estruturas débeis, a análise furtadiana indicava que o Brasil
deveria se reinventar na forma de se posicionar no comércio internacional e o
desenvolvimento de sua economia deveria obedecer à lógica “de dentro para fora”. Ou seja,
para Furtado, a industrialização era a única forma de fomentar o aumento de produtividade
necessário a um processo de acumulação acelerada de capitais que, somado a difusão do
progresso técnico no sistema econômico, poderia democratizar o bem-estar social para a
população.

A industrialização do país, segundo Furtado, deveria ser realizada como uma


proposição política a fim de superar a pobreza e/ou reduzir o desnivelamento dos padrões de
vida entre os países periféricos dos centrais. Para o economista brasileiro, somente através de
um impulso político no processo de crescimento econômico autossustentável que o Brasil
poderia cumprir sua independência política e econômica. Ao abordar, sob ponto de vista
político, este processo de transformação das estruturas brasileiras, que desembocaria em um
novo rumo de desenvolvimento da sociedade no país, Celso Furtado manteve-se alinhado ao
pensamento keynesiano de que o Estado possuía condições de equilibrar as forças econômicas
do mercado e corrigir seus direcionamentos, objetivando a elevação do padrão de vida de toda
coletividade.

Neste sentido, para o economista brasileiro, algumas premissas deveriam ser aceitas
pela sociedade brasileira: 1) A industrialização integral era a via de superação da pobreza e
subdesenvolvimento; 2) em países dependentes não há como alcançar a industrialização de
forma espontânea, por via do mercado, e por isto a necessidade da intervenção estatal neste
processo; 3) o planejamento estatal deve orientar e oferecer os instrumentos necessários aos
setores econômicos com o objetivo de promover a industrialização e 4) o Estado deve ordenar
a execução e expansão do processo de industrialização, captando os recursos financeiros e
investindo diretamente nos setores que a iniciativa privada seja insuficiente
(BIELSCHOWSKY, 2000, p. 7).

Em 1958, Celso Furtado, na obra Perspectiva da Economia Brasileira, reforça seu


argumento da necessidade de se industrializar o país como forma de aumentar o bem-estar da
sociedade:
________________________________________________________________________ 65

“A renda nacional tende a crescer com a expansão da massa de salários pagos pelas
indústrias e com os maiores lucros dos industriais. Ao contrário da expansão
originada no setor exportador (de matérias-prima), resultante da elevação de preços
que se traduz quase exclusivamente em maiores lucros agrícolas, a expansão
industrial faz crescer simultaneamente a massa de lucros e a de salários. Essa maior
massa de salários significa expansão interna na procura de alimentos e um novo
estímulo à produção agrícola” (FURTADO, 1958, p. 32).

E prossegue com argumentos a respeito da superação da condição de dependência dos


países subdesenvolvidos:

“Ao crescer a produção industrial também cresce a necessidade de importar bens


semielaborados e certas matérias-primas. Finalmente, para expandir sua capacidade
produtiva, os industriais precisarão importar equipamentos. Na medida em que o
sistema industrial alcance certo grau de autonomia, seu papel dinâmico atinge
maior extensão e complexidade. Quando depende principalmente de si mesmo para
abastecer-se de equipamentos, deixa de ser um sistema dependente e logra
autonomia de crescimento” (FURTADO, 1958, p. 33).

Portanto, o exame de Celso Furtado identifica e propõe uma estrutura pronta e pré-
definida que formaria a dinâmica do desenvolvimento e superação da dependência econômica
brasileira. Resumidamente, o que o economista brasileiro propõe é que o Estado brasileiro
deflagre, orientando e fomentando, a industrialização dos bens de consumo substituindo suas
respectivas importações, o que acarretaria uma desarticulação do trabalho
artesanal/agrícola/de baixa produtividade, gerando, num primeiro momento, desemprego
dessa massa de trabalhadores e diminuindo o salário nominal e real. No entanto, este
movimento geraria um incremento na produtividade industrial aumentando, por conseqüência,
os lucros dos empresários. Estes lucros deveriam ser reinvestidos nos setores de produção
com a compra de bens de capital, o que por sua vez, aumentaria o campo de trabalho e geraria
uma onda de novos empregos, iniciando um movimento de estímulo ao mercado interno
ampliando a necessidade de diversificação dos fatores produtivos para atender essa nova
demanda recém-formada. A diversificação da oferta, gerada pelo aumento da demanda,
conduziria progressivamente ao nível máximo do pleno emprego, resultando em uma brusca
diminuição na oferta de mão de obra e, assim, valorizando a massa salarial paga aos
trabalhadores democratizando a riqueza e o bem-estar social da população (BRANDÃO,
2002, pp. 105-109).
________________________________________________________________________ 66

É importante ressaltar o esforço interpretativo da escola estruturalista na América


Latina, e em especial no Brasil. Porém, e talvez por se tratar de uma escola formada por
economistas de origem ortodoxa, o diagnóstico e prognóstico feito por Raul Prebisch e Celso
Furtado obedeceu a uma lógica limitada apenas pelas relações econômicas deixando de lado
as relações históricas de classes, bem como relações políticas e sociais.

Conforme escreveu Ricardo Bielschowsky (2000), o debate sobre a dinâmica de


desenvolvimento econômico brasileiro na década de 1950 aconteceu, basicamente, entre a
escola estruturalista, capitaneada por Celso Furtado, e por setores conservadores e
ortodoxos/liberais que exerciam alguma influência na política econômica brasileira, como
Eugênio Gudin e Octávio Gouveia de Bulhões53.

Desta forma, percebemos que, apesar da predominância das contribuições cepalinas, o


contraponto feito aos diagnósticos e prognósticos de Celso Furtado era feito pela via liberal
no debate nacional. Pouco se levou em conta a perspectiva socialista e progressista na
discussão acerca da formação dependente da economia brasileira e, muito menos, sobre como
deveria se processar sua superação. Um exemplo claro disso está no clássico livro de Celso
Furtado Formação Econômica do Brasil (1959), que não faz uma menção sequer ao livro de
Caio Prado Jr. A História Econômica do Brasil, de 1945, mesmo contento uma série de
elementos claros da influência caiopradiana nesta obra de Furtado. No entanto, este debate a
respeito da influência (ou não) de Caio Prado Jr. na obra Formação Econômica do Brasil de
Celso Furtado não nos interessa.

O que veremos no próximo capítulo é como Caio Prado Jr. se inseriu neste debate
fecundo, de caráter mais econômico do que histórico, acerca da dependência econômica
brasileira e de que forma este autor vai contrapor seus argumentos aos acontecimentos da
política econômica da década de 1950.

CAPÍTULO 2:

53
Eugênio Gudin foi ministro da fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo do
presidente Café Filho. Octávio Gouveia de Bulhões foi ministro interino da fazenda de abril de 1955 até a posse
de Juscelino Kubitschek em 1956.
________________________________________________________________________ 67

Caio Prado Jr. e a Política Econômica Brasileira na Década de 1950

O fim da II Guerra Mundial trouxe, conforme vimos acima, a aspiração por


desenvolvimento de todos os países que não usufruíam das benesses que os países de
capitalismo central gozavam. O desenvolvimento econômico foi tratado como uma questão
essencial para que a população no mundo ocidental alcançasse uma situação de bem-estar
social, para que os países se harmonizassem em uma grande comunidade internacional e uma
III Guerra Mundial fosse impossível de ocorrer. Mas tão ou mais importante do que o
desenvolvimento econômico, outra pauta foi colocada na ordem do dia, qual seja, a
democracia. Da parte leste da Alemanha até o extremo oriente da China, a União Soviética
tinha sido tão vencedora da II Guerra Mundial quanto os Estados Unidos e seus aliados foram
para a parte de cá do mundo. Este fato é de fácil observação pela simples análise das zonas de
influências que se formaram na Nova Ordem Mundial que se configurou ao final do conflito.
Assim, o mundo estava dividido entre duas grandes potências e os Estados Unidos e a União
Soviética organizaram todas suas estratégias de relacionamento internacional se pautando
nesta divisão.

Segundo Thomas Hobbes “A guerra consiste não só na batalha, ou no ato de lutar, mas
num período de tempo em que a vontade de disputar uma batalha é suficientemente
conhecida” (HOBBES, 1988, p. 195). Para além da batalha armada, que tentou ser evitada a
todo custo, o que se sucedeu após a II Guerra Mundial foi uma intensa batalha ideológica
protagonizada pelos dois pólos mencionados acima54. Se os Estados Unidos e União Soviética
tentaram, a todo custo, evitar um enfrentamento material, guerra armada, o mesmo não se
pode dizer a respeito das disputas pela ampliação e manutenção de suas zonas de
influências55. O capitalismo estadunidense versus o socialismo soviético foi a pauta desta
batalha e ela foi latente até o final da década de 1980.

Conforme analisado no primeiro capítulo, o modelo de desenvolvimento sócio,


político e econômico estadunidense primava pela liberdade de atuação do mercado e que
pressupunha uma série de outras liberdades, inclusive a liberdade de “escolha” 56 de seus

54
A guerra ideológica, encabeçada pelas duas potências mundiais, foi realizada no que ficou conhecido como
softpower, ou seja, não se tratou de uma guerra cujo poder foi determinado pelo poder balístico dos países, mas
sim, uma guerra, cujo poder foi mensurado pela capacidade de influência nas decisões de política econômica dos
países que estavam sob suas zonas de influência.
55
Este período de disputa ideológica entre Estados Unidos e União Soviética durou aproximadamente 40 anos e
foi conhecida como Guerra Fria.
56
Veremos mais a frente que este poder de escolha dos governantes dos países não foram tão livres como se
preconizava na época.
________________________________________________________________________ 68

governantes. Com uma eficiente campanha de propaganda, o governo dos Estados Unidos
montou sua estratégia para manutenção de suas zonas de influência pautadas no puro rechaço
ao totalitarismo nazi-fascista e qualquer outro modelo ditatorial que houvesse no mundo. A
União Soviética foi tão vencedora da II Guerra Mundial quanto os Estados Unidos, mas seu
regime político era conhecidamente uma ditadura, cujo líder, Joseph Stalin, não fazia questão
de esconder (HOBSBAWM, 2001, p. 228).

Neste sentido, a idéia de desenvolvimento econômico nos moldes estadunidenses não


ornava com ambientes ditatoriais. A democracia alinhada com o desenvolvimento sócio,
político e econômico, não equiparado ao programa de planificação econômica soviética foram
os pilares de toda ideologia preconizada ao mundo ocidental pelos Estados Unidos.

Apesar de não ter tido uma participação em posição de protagonista na II Guerra


Mundial, toda a América Latina bebeu de suas conseqüências, inclusive da onda
democratizante que varreu o mundo ocidental após o armistício. Até mesmo pela proximidade
com o pólo estadunidense da Guerra Fria, a questão do bem-estar social, através de um regime
político democrático almejando o desenvolvimento econômico, alinhado ao padrão capitalista,
para elevação do padrão de vida da população foi bem aceita pelos latino-americanos.

Em 1945 o Brasil chegava ao décimo quinto ano com um mesmo presidente no poder.
Getúlio Vargas assumira o maior posto da República em 1930, logo após a quebra da Bolsa de
Valores de Nova Iorque em 1929, e em uma sucessão de atos, que não fazem parte do escopo
deste estudo, conseguiu manter-se no poder até o término da II Guerra Mundial. Mesmo
contando com o apoio financeiro dos Estados Unidos no período em que transcorre o
conflito57, há uma clara reorientação na política exterior de Washington no sentido de
repreender governos que não haviam sido eleitos democraticamente. Desta forma, todo tipo
de incentivo foi dado a políticos liberais brasileiros para que pusessem fim ao período
varguista no comando do país, ou em outras palavras, a deposição do presidente brasileiro, em
1945, deve ser considerada no âmbito de uma reorientação estadunidense dos incentivos
financeiros dado ao governo brasileiro.

A fim de se apresentar como uma boa alternativa para receber investimento dos
Estados Unidos, o Brasil realizou eleições nos moldes democráticos, que pregavam a cartilha
estadunidense, e elegeu o antigo ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra. Esta eleição além de
simbolizar a volta de um ambiente de liberdade popular na política brasileira, representou

57
Os investimentos diretos estadunidenses no Brasil passaram de US$194 milhões, em 1936, para US$240
milhões, em 1940 (ABREU, 1990, p. 101).
________________________________________________________________________ 69

muito mais do que isto. Outros fatores de enorme relevância, quais sejam, a eleição de um
membro do exército brasileiro, cujas características quase sempre foram de posições
conservadoras, colocou as diretrizes da política econômica do país alinhada às pretensões
políticas e econômicas estadunidenses. Alem disso, afastou, de maneira quase imediata,
qualquer tipo de aspiração comunista no Brasil.

O Governo Dutra teve seu período marcado por dois fatos interessantes com relação
ao papel do Estado nas relações sociais: 1) O mandato do general inicia suas atividades, em
1946, embaladas por políticas econômicas com aspectos heterodoxos, como o controle do
câmbio pelo Estado e contingenciamento estatal das importações 58 e 2) com relação a
liberdades individuais e políticas, o General Dutra manteve o Estado brasileiro com uma
postura bastante liberal, mantendo a liberdade de expressão, a pluralidade partidária e sem
perseguições políticas59. Estes fatos foram fundamentalmente orientados pelos pactos liberais
de Bretton Woods, conforme vimos no início deste capítulo.

De outra forma, a partir de meados 1947, o governo pratica uma guinada em sua
política econômica tornando-a mais ortodoxa, a fim de resolver o endêmico problema da
balança de pagamento brasileiro. Mesmo os superávits acumulados nos anos que percorreram
a II Guerra Mundial - cerca de US$730 milhões - não foram suficientes para financiar a época
de retração econômica vivida pelo Brasil de 1946 até 1949. As exportações brasileiras, em
1945, eram compostas basicamente de 70% de café e 20% de manufaturas. De 1946 em
diante, as manufaturas brasileiras iniciaram forte declínio chegando a representar 7,5% no
primeiro ano pós-armistício e a meros 1% em 1952 (VIANNA, 1990, p. 110).

Se a política econômica brasileira se guinou para um perfil mais liberal e ortodoxo a


partir de 1947. O mesmo não se pode dizer quanto às liberdades individuais e pluralidade
partidária e isto tem um caráter claro de se manter alinhado aos ideais - com a finalidade de
garantir apoio financeiro estadunidense - que eram impostos ao país pelos Estados Unidos.

Conforme vimos acima, em 1947, a eleição do presidente estadunidense Harry


Truman deu indícios no sentido de se preocupar com os países - que ele mesmo denominou -
subdesenvolvidos. Porém, mais do que um programa de investimento nestes países, com a
finalidade de desenvolvê-los economicamente, o presidente dos Estados Unidos tinha como
foco central impedir a expansão comunista ao continente latino americano. A publicação da
58
Na primeira metade de 1947 o governo Dutra adota modelo de controle cambial e contingenciamento das
importações, com a finalidade de limitar as compras internacionais para estimular a produção industrial nacional.
59
A Lei 7.586/1945 (Lei Agamenon Magalhães) restabeleceu a Justiça Eleitoral e a volta dos partidos políticos
que haviam sido cassados durante a ditadura de Getúlio Vargas.
________________________________________________________________________ 70

Doutrina Truman somada à aplicação do Plano Marshall nos países do oeste europeu,
deixaram claro que o desenvolvimento econômico dos países parceiros - ou que estavam sob
suas zonas de influência - tinha também, como objetivo manter afastada a ameaça comunista
soviética que poderia interferir nos planos de consolidação dos Estados Unidos como única
potência mundial.

O fato mais marcante deste redirecionamento do governo Dutra foi a cassação do


registro do Partido Comunista Brasileiro em 194760. O PC havia se alinhado ao governo de
Getúlio Vargas na campanha para a entrada do Brasil na II Guerra Mundial em 1943
afirmando que era necessária uma “união nacional” a fim de combater o nazi-fascismo. Em
abril de 1945 o governo varguista restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética e
isto foi um fator fundamental para que o PCB lograsse um excelente resultado nas eleições do
final daquele ano.

Com a redemocratização do processo político eleitoral brasileiro, o PC conseguiu


acumular 100 mil filiados partidários e participou de todas as eleições até 1947 com
resultados surpreendentes. Para eleições para o Congresso Nacional o PC elegeu 15 deputados
federais e um senador - Luiz Carlos Prestes. Para a Assembleia Constituinte de 1946, o
partido alcançou 10% da votação nacional tornando-se a quarta maior potência partidária do
país. Com esta força adquirida nas eleições do país, as diretrizes de ação política do PC
tomaram vulto e, com isto, as greves eclodiram em todo o território nacional e o número de
sindicalizados aumentou de forma exponencial.

No entanto, o PC, desde sua fundação na década de 1920, oscilou nas orientações de
suas atividades partidárias e interpretações da política econômica brasileira
(BIELSCHOWSKY, 2012, p. 182). Completamente alinhado com as teses e definições do
Partido Comunista Russo, o PC se mostrava incapaz de produzir um programa autônomo para
a realização da revolução brasileira. Segundo Caio Prado Jr., isto se devia ao erro de
perspectiva que o PC adotava com relação à realidade brasileira. Para o autor, tratava-se de
um erro tentar transpor esquemas pensados e ações realizadas em contextos e países diferentes
à conjuntura brasileira. Esta crítica de Caio Prado Jr. esteve presente em sua obra tanto com
relação ao programa do PC quanto aos programas de política econômica apresentadas no
Brasil pelos ortodoxos e neo-ortodoxos liberais na década de 1950 (SAMPAIO JR. 1997, p.
111), conforme veremos mais a frente.
60
A Resolução do Tribunal Superior Eleitoral número 1.841 de 07/05/1947 cancelou o registro do Partido
Comunista Brasileiro acatando denúncia da Procuradoria Geral da República sob argumento de que o Partido
incitava greve dos trabalhadores e atuava contra a ordem democrática de direito do país.
________________________________________________________________________ 71

Mesmo com essa autonomia de reflexão e com uma perspectiva distinta do programa
revolucionário comunista brasileiro, Caio Prado Jr. se elegeu deputado estadual pelo PC em
São Paulo no ano de 1947. Ao gozar de condições financeiras privilegiadas, Caio Prado Jr.
financiou toda sua campanha eleitoral e, após eleito, doava todo seu rendimento como
parlamentar ao PC. Seu mandato foi marcado pela proposta de criação da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP, que acabara sendo criada apenas na
década de 1960, pela reforma tributária taxando a herança de terras, bem como a cobrança de
alíquotas progressivas do Imposto Territorial. No entanto, o ponto mais marcante do mandato
de Caio Prado Jr. foi os embates realizados na plenária da Assembléia Legislativa de São
Paulo contra deputados e políticos ligados a burguesia do café paulista (SECCO, 2008, p. 75).

Os enfrentamentos políticos na ALESP somado ao exponencial crescimento do


eleitorado por todo Brasil do PC - e obviamente alinhado do governo federal a Doutrina
Truman - trouxe como resultado o fim do registro do PCB, em 1947, junto ao Tribunal
Superior Eleitoral e, por conseguinte, a cassação do mandato de Caio Prado Jr. - e sua
imediata prisão - em 1948, impactando de forma decisiva suas pretensões em participar
ativamente da vida política do país.

Após estes acontecimentos, Caio Prado Jr. limitou suas pesquisas como estudioso da
História brasileira e se aprofundou no estudo da economia política (IUMATTI, 2007, p. 170).
Desta forma, entendemos que a publicação do livro História Econômica do Brasil, em 1945,
nos parece ser um “acerto de contas” com sua principal obra Formação do Brasil
Contemporâneo, de 1942.

Este debate não cabe nesta dissertação, mas o fato é que encontramos diversos
elementos no livro de 1945 que abordam os mesmos temas sob aspecto predominantemente
da economia política, ou seja, em nossa leitura, o autor acreditou ser necessário dar uma nova
abordagem interpretativa aos acontecimentos históricos do Brasil e, talvez, não seja à toa que
os dois livros estejam apartados por apenas três anos de diferença - tempo para resignificar o
livro de 1942? De toda forma, esta possível mudança das categorias analíticas merece uma
pesquisa mais aprofundada da qual não conseguiremos dar conta neste momento.

O que pretendemos apresentar daqui pra frente é a tese de um autor que pouco foi
levado em consideração no debate político econômico brasileiro, mas que - conforme veremos
- produziu muito dos alicerces interpretativos sobre a dependência econômica, que foram
apropriados por outros autores na década de 1950 e seguintes.
________________________________________________________________________ 72

Caio Prado Jr. foi um dos maiores intérpretes do Brasil, mas sua obra ficou marcada e
datada como uma excelente interpretação da formação colonial brasileira. O que veremos
daqui pra frente é que á partir da II Guerra Mundial - e principalmente durante a década de
1950 - Caio Prado Jr. apreendeu a nova realidade brasileira, reconheceu avanços
interpretativos de Órgãos como a Cepal e assimilou as mudanças que estavam ocorrendo na
ordem mundial. Diante destes fatos, Caio Prado Jr. disse:

“A Segunda Guerra Mundial trouxe grandes modificações na evolução de todos os


povos. Ela assinalou uma acentuada deflexão na marcha de acontecimentos
humanos e os encaminhou por novos rumos que embora já preparados e em
gestação em fase anterior, somente então se precisam de forma nítida” (PRADO
JR., 2012, p. 301).

A compreensão da realidade brasileira não poderia ser diferente em um autor que,


desde o princípio, buscou aplicar o método marxista de totalidade e do materialismo histórico
na interpretação da História do Brasil. Durante a década de 1950, Caio Prado Jr. não mais se
resumiu em um autor analítico e capaz de realizar diagnósticos da Historia brasileira, mas
passa a ser um autor propositivo, em que parte da materialidade dos fatos correntes para
propor alternativas ao futuro. Neste sentido, entendemos que na década de 1950, o autor já
apresentava uma maturidade na apreensão e compreensão dos métodos marxistas para
explicar àquela realidade brasileira.

Isto se observa porque se nas décadas de 1920 e 1930 a leitura das obras de Marx e
Engels - além de seus intérpretes europeus - era escassa e Caio Prado Jr. já mostrou a
absorção do método de análise marxista na década de 1950 e sua familiaridade com tal
método é incontestável.

Percebemos que em sua obra Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira
(1954), o autor deixou claro qual seria o alicerce interpretativo da situação brasileira naquele
momento: “Mas que é possível desde já, é propor o método que se há de seguir na análise e
interpretação dos nossos fatos. Isso é possível porque tal método já faz parte do arsenal
científico dos nosso dias. Refiro-me à dialética materialista.” (PRADO JR., 1954. p. 56).
Neste mesmo sentido, poucas páginas adiante, Caio Prado Jr. reforça seu conhecimento das
categorias utilizadas por Marx para interpretação de realidade: “E nesse sentido, toda a
superestrutura que se ergue sobre a economia cafeeira, não representa qualitativamente mais,
________________________________________________________________________ 73

apesar de seu vulto quantitativo, que as superestruturas que no passado se ergueram sobre o
açúcar”61 (PRADO JR., 1954, p. 62).

Ao analisar a realidade brasileira na década de 1950, Caio Prado Jr. integrou-se no


que havia de mais latente no debate sobre desenvolvimento do país. A política econômica
para Caio Prado Jr. toma a questão da dependência econômica brasileira como chave de
interpretação e ensejo para superação das contradições que permearam os ciclos de
desenvolvimento do Brasil. No entanto, não pretendemos afirmar ou cingir Caio Prado Jr.
como um analista economicista.

Para Jayro Gonçalves Melo, o autor paulistano sucumbiu-se a uma interpretação


romântica e economicista da realidade brasileira ao buscar exclusivamente uma identidade -
ou unidade - nas relações econômicas do Brasil (MELO, 1987, p. 48). No entanto, Caio Prado
Jr. deixou claro em suas obras da década de 1950, que mesmo focando seus estudos na
economia política, ele manteria seu objetivo de compreender a realidade brasileira a partir do
movimento dialético de seu desenvolvimento, ou seja, “o momento econômico é o termo de
um processo, um momento apenas, em si insignificante e privilegiado unicamente por ser o
último de uma série anterior onde se gerou e onde adquire a individualidade e particularidade
que se caracterizam” (PRADO JR., 1954, p. 5). O autor usa o recorte de seu estudo na década
de 1950 como um momento em que situações que vinham sendo elaboradas se processam e se
realizam. Estas realizações podiam estar aparentes nas relações econômicas brasileiras, mas
faziam parte de um processo dialético compostos por múltiplas determinantes já conhecidas
por Caio Prado Jr.

Conforme vimos no capítulo anterior, autores como Raul Prebisch e Celso Furtado
foram determinantes para dar voz a uma “nova interpretação” do desenvolvimento latino-
americano e brasileiro. A nova interpretação entre aspas se faz necessária porque acreditamos
que a contribuição estruturalista dos economistas da Cepal se ateve muito mais no campo
propositivo, sob ótica keynesiana de reorganização do capitalismo, do que de fato em uma
interpretação autêntica do desenvolvimento da América Latina. Desde o início do século XX
diversos autores - como José Carlos Mariátegui no Peru, por exemplo - já realizavam estudos
acerca do desenvolvimento latino-americano com uma perspectiva diferenciada do
mainstream da intelectualidade ortodoxa do continente. O mesmo ocorre com Caio Prado Jr.
acerca da dependência econômica brasileira na década de 1950.
61
“A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual
se levanta uma superestrutura jurídica e política. O modo de produção da vida material condiciona os processos
em geral de vida social, político e espiritual” (MARX, 1982, p. 25).
________________________________________________________________________ 74

Para Marcelo Francisco Dias, Celso Furtado pode ser considerado como o progenitor
ou como o primeiro analista da dependência econômica brasileira (DIAS, 2012, p. 33), mas o
fato é que a mudança de perspectiva de Caio Prado Jr. a partir de 1945 já o mostrava
analisando a história brasileira sob outro ponto de vista62. Neste sentido, disse ele: “A situação
de dependência e subordinação orgânica e funcional da economia brasileira com relação ao
conjunto internacional de que participa, é um fato que se prende às raízes da formação do
país” (PRADO JR., 2012, p. 270). Reparemos que o autor menciona a dependência
econômica brasileira em “relação ao conjunto internacional de que PARTICIPA”, ou seja, o
autor, em 1945, nos situa no tempo em que escreve a obra, dando indícios de que sua análise,
apesar de levar em consideração a formação histórica, estava pautada nas relações econômicas
apresentadas pelo Brasil daquele momento. Outro detalhe que nos chamou a atenção na frase
acima citada é que Caio Prado Jr. fala em “dependência e subordinação orgânica e funcional
da economia brasileira” e é sob este aspecto que pretendemos desenvolver o presente
trabalho. No contexto da década de 1950, para Caio Prado Jr., o que significava esta
dependência econômica brasileira?

Em 1950, o ditador que governou o Brasil durante quinze anos, de 1930 a 1945
quando foi deposto por anseios republicanos, volta ao poder eleito democraticamente. Getúlio
Vargas assumiu a presidência do país, em 1951, com o objetivo de colocar em prática um
modelo alternativo ao capitalismo estadunidense - que havia ajudado a derrubá-lo em 1945.
Este modelo alternativo ao capitalismo ortodoxo e liberal - praticado pelo governo do general
Dutra - tinha como base as novas análises realizadas pela Cepal no período pós-II Guerra
Mundial e, também, pelo contínuo aumento das exportações e preços do café a partir de
194663, que injetou ânimo novo na economia brasileira. Mesmo procurando alternativas para o
modelo preconizado pelos Estados Unidos de desenvolvimento econômico, o governo de
Getúlio Vargas contou com forte aporte financeiro do governo estadunidense através
CMBEU64 até seu segundo ano de mandato.

62
Renato Perim Colistete também corrobora com a tese de que Caio Prado Jr. antecipou alguns dos elementos
que seriam utilizados por Raul Prebisch, Celso Furtado e outros autores dependentistas (COLISTETE, 1990, p.
131)
63
A partir de 1946 o governo dos Estados Unidos revoga o teto de preço estabelecido - durante a II Guerra
Mundial - pelo Acordo Interamericano de Café e sua cotação voltou aos patamares pré-guerra (14 centavos por
libra-peso). Somado a isto, a demanda pelo produto no mercado internacional aumentou de forma exponencial
passando de US$414 milhões exportados em 1946 para US$864 milhões exportados em 1949 (VIANNA, 1990,
p. 105).
64
A CMBEU - Comissão Mista Brasil e Estados Unidos - foi formada em outubro de 1950 e tinha como objetivo
colocar em prática os investimentos do governo estadunidense em países subdesenvolvidos, conforme orientação
da Doutrina Truman (Idem, p. 124).
________________________________________________________________________ 75

Em novembro de 1952, o general Eisenhower venceu as eleições nos Estados Unidos e


modificou diametralmente a política internacional da maior potência mundial. Os países
subdesenvolvidos, que já estavam contando com aportes daquele governo, passaram a ser
tratados como sub prioridade. O general Eisenhower não tinha mais como prioridade investir
no desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos com a finalidade de manter
afastado o perigo comunista. A administração dos tensos limites da Guerra Fria foi colocada
como prioridade máxima do novo governo estadunidense e as inversões que seriam feitas pela
CMBEU foram negligenciados de tal forma que não se realizou um terço do programado
(VIANNA, 1990, p. 133). Em resposta às demandas de desenvolvimento econômico e social
prometido pelos Estados Unidos logo após a II Guerra Mundial, o general Eisenhower
delegou à iniciativa privada os investimentos que precisavam ser feitos nos países
subdesenvolvidos.

A partir de então ficou claro, para Caio Prado Jr., que não se tratava apenas de uma
mudança de estratégia de governo, mas sim, de uma necessidade de desenvolvimento do
próprio sistema capitalista. Segundo análise do autor, o governo dos Estados Unidos iniciou,
com o general Eisenhower, os alicerces de um sistema político, econômico e militar que
foram desenvolvidos para, de um lado, colocar-se em situação de enfrentamento claro e
explícito na Guerra Fria contra a União Soviética e, por outro lado, consentir à formação de
trustes estadunidenses - através da inversão de dólares - não facultassem independência para o
desenvolvimento autônomo dos países subdesenvolvidos. Em 1957, Caio Prado Jr., esclarece
de forma precisa o movimento do governo Eisenhower:

“As perspectivas de inversão, isto é, as oportunidades de novos negócios lucrativos


se restringem cada vez mais nos países de alto desenvolvimento econômico e
capitalista, como os Estados Unidos em particular. Resta a solução, hoje largamente
preconizada, da extensão do capitalismo e suas inversões privadas para populações
ainda em estágios rudimentares de progresso econômico. Os planos, projetos e
instituições internacionais surgidos no imediato após guerra para o fim de promover
o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, bem como a famosa Doutrina
Truman, não constituem, em última instância, senão tímidos ensaios de aplicação
de tal solução. Note-se que, com ela que o que se pretende na realidade é repetir
uma fase já remota do capitalismo europeu e norte americano em lugares que se
encontram à primeira vista em estágio semelhante àquele em que, há cem anos ou
algo mais, se encontravam os continentes de capitalismo hoje amadurecido”
(PRADO JR., 1957, p. 138).
________________________________________________________________________ 76

Para Caio Prado Jr., este momento da política econômica mundial é fundamental na
composição dos grandes conglomerados empresariais, que concentravam cada vez mais o
capital industrial e financeiro, formando os grandes trustes que passariam a comandar as
relações dos países. É justamente nesta nova composição de forças do mercado mundial que o
imperialismo65 se impôs e as distorções capitalistas se tornaram latentes nas economias
dependentes. Na medida em que o governo estadunidense delegou à iniciativa privada o
investimento em países subdesenvolvidos, o processo de acumulação de capital explicitou seu
fundamento de origem, qual seja a acumulação e concentração das atividades (ou processo)
produtivas. Neste sentido, a iniciativa privada internacional orientou suas ações e políticas de
forma a eliminar seus concorrentes nos países subdesenvolvidos e regular a oferta e demanda
para seus produtos.

A inserção do capital financeiro e dos mega conglomerados internacionais no Brasil


não significava, para Caio Prado Jr., a garantia de desenvolvimento econômico e social. Em
sua interpretação, a tentativa de implantação destas empresas na economia brasileira não
obedeceria à mesma dinâmica que as formaram nos grandes centros capitalistas. Assim, a
formação destes trustes internacionais constituía expressões cujas premissas, isto é, o processo
histórico de suas relações humanas estava implícito em suas bases de formação e que muito se
diferenciavam do processo histórico brasileiro que era apresentado na década de 1950. Desta
forma, o autor afirmou que o capitalismo brasileiro não resultou do desenvolvimento das
forças produtivas, como se deu na Europa, mas, sim, um capitalismo imposto por
contingências estranhas ao país não sendo fruto da maturação dos fatores de produção
brasileiros. Estes seriam motivos suficientes para que o Brasil não outorgasse, naquele
momento, o direito do capital internacional influenciar na orientação das atividades
produtivas do país (PRADO JR., 1954, p. 27).

De qualquer forma, Caio Prado Jr. constatou dois importantes movimentos


imperialistas no Brasil da década de 1950 que, possivelmente, originaram novas perspectivas
ao país, quais sejam: 1) A estimulada e favorecida entrada de capital estrangeiro na economia
brasileira e 2) a implantação de grandes trustes internacionais na composição produtiva do
país. Estes dois fatos observados por Caio Prado Jr. foram determinantes para a alteração,
tanto em suas perspectivas de análises, - vide sua avolumada produção teórica sobre estes
assuntos neste período - quanto na antiga estrutura colonial do país.

65
“Do ponto de vista de suas relações internacionais, o capitalismo contemporâneo recebeu a designação
consagrada há muito pelos economistas, e já hoje pela terminologia vulgar e corrente, de imperialismo”
(PRADO JR., 1954, p. 84).
________________________________________________________________________ 77

O imperialismo66 foi, para Caio Prado Jr., a última fase de um processo histórico que
culminou em uma completa alteração nas relações entre países coloniais e suas metrópoles.
Não se tratava mais de uma troca comercial monopolista em que as colônias forneciam
matérias-primas a fim de alimentar o comércio internacional das metrópoles. Portanto, as
relações não se baseavam mais em explorar os gêneros coloniais para sua venda no mercado
internacional e nem mesmo de abrir os mercados das colônias para produtos manufaturados,
mas sim:

“(de) tudo isso ao mesmo tempo e entrosado num sistema de conjunto em que a
circulação de mercadorias através de diferentes formas que ela vai adquirindo desde
a matéria-prima até o produto acabado, bem como as correspondentes fases
sucessivas de produção e consumo em cada qual das etapas, tudo isto se realiza sob
a hegemonia dos detentores de capital financeiro, e canalizando para eles a mais-
valia captada nos diferentes momentos do processo” (PRADO JR., 1954, p. 94).

Isto é, o autor demonstrou perceber as transformações nas relações entre os países que
o imperialismo da década de 1950 promovera. Em outras palavras, para Caio Prado Jr., as
atividades imperialistas - através do capital internacional e trustes - não se definiam mais
apenas pela inversão de capitais em uma ou outra atividade comercial, cujo fim era satisfazer
com matérias prima a demanda internacional, mas se definia por um sistema amplo e geral da
organização econômica do mundo. Desta forma, o Brasil emergiu, na década de 1950, como
“país elo” para formação de toda essa engrenagem internacional, dominado pelo capital
internacional e disputado por trustes que repartem entre si a totalidade do capital mundial.
Sobre isto, disse ele: “Não há mais, verdadeiramente, no mundo contemporâneo, história
econômica deste ou daquele país, mas unicamente a de toda humanidade” (PRADO JR.,
2012a, p. 280).

É neste ambiente de transformações das relações entre os países e da consolidação de


uma economia internacionalizada que o governo Getúlio Vargas iniciou seu segundo mandato
sob fortes expectativas de todos os setores da sociedade brasileira. No entanto, as dificuldades
encontradas para colocar em prática suas propostas de desenvolvimento enfrentaram sérias

66
Conforme vimos na introdução deste trabalho, Caio Prado Jr. foi, como militante do PCB, influenciado pelo
marxismo-leninista da União Soviética. Mesmo mantendo certa independência reflexiva, ao tratar sobre o
Imperialismo na década de 1950, nós percebemos muito da influencia leninista nas obras caiopradianas.
Categorias encontradas nas obras de Caio Prado Jr. na década de 1950, como Concentração das Atividades
Produtiva, Monopólio e Trustes, Capital Financeiro nós encontramos paralelos na obra O Imperialismo - Fase
Superior do Capitalismo de Vladimir Lênin.
________________________________________________________________________ 78

dificuldades pela histórica situação de instabilidade cambial e déficits na balança de


pagamentos brasileiros.

Apesar de defender uma agenda nacionalista - remetendo ao triunfo da campanha de


nacionalização do petróleo67 mais a valorização do salário mínimo 68 - Getúlio Vargas apoiou-
se, também, em uma política econômica orientada pela inversão de capital internacional na
econômica brasileira na tentativa de sanar os constantes déficits apresentados nas contas
públicas nacionais, seja no âmbito federal quanto no âmbito estadual, conforme veremos no
quadro 4.

QUADRO 4

Finanças Públicas* brasileiras 1950 - 1954


  União Estados e Capital Federal
Superávit Superávit
Ano Receita Despesa Receita Despesa
Déficit Déficit
1950 19.373 23.679 -4.297 16.375 18.540 -2.165
1951 27.428 24.609 2.918 22.905 24.336 -1.431
1952 30.740 28.461 2.279 25.337 30.801 -5.464
1953 37.057 39.926 -2.869 30.477 35.894 -5.417
1954 46.539 49.250 -2.711 39.206 44.783 -5.577
*Valores em Cr$ Milhões
Fonte: Vianna, 1990, p. 120

Em janeiro de 1953, o governo brasileiro de Getúlio Bargas promulgou a Lei


1807/1953 concedendo ampla liberdade de movimentação do capital estrangeiro no país e
anulou quase a totalidade de restrições para remessa de lucros ao exterior. Este foi uma
tentativa de estimular a inversão de capital estrangeiro no Brasil, com o intuito de formar uma
poupança nacional e, assim, aplicar este capital no desenvolvimento econômico brasileiro.
Outra alternativa ao governo brasileiro, na tentativa de conter o déficit público, foram os
sucessivos empréstimos internacionais que marcaram a história econômica brasileira, mas que
tomou vulto inédito em 1953 com a abertura de uma linha de crédito de US$300 milhões, pelo
banco estadunidense Eximbank, cuja principal finalidade era a liquidação de débitos
anteriores do governo brasileiro com o governo dos Estados Unidos (VIANNA, 1990, p. 132).
O aumento do fluxo monetário na economia do país, através dos investimentos internacionais,
somado ao alargamento das emissões de moeda, com a finalidade de cobrir os déficits

67
A Lei 2.004/1953 instituiu o monopólio estatal para a exploração do petróleo pela entidade paraestatal Petróleo
Brasileiro (Petrobrás).
68
Getúlio Vargas aumentou, via decreto, o salário mínimo em 216% em 1952 e mais 100% em 1954.
________________________________________________________________________ 79

orçamentários, impulsionou a inflação partindo de um patamar de 12%, em 1951, e chegando


a mais de 20%, em 1954.

A deterioração fiscal e monetária do país na década de 1950 fez com que o governo
brasileiro visse no capital internacional sua única fonte de recursos para financiar o modelo
desenvolvimentista da Cepal - internalizado no Brasil por Celso Furtado, conforme vimos no
capítulo anterior. A fixação na necessária inversão de capitais internacionais ficou claro no
documento publicado pela Associação Comercial de São Paulo 69 afirmando que “sem
investimentos estrangeiros não se conseguirá elevar rapidamente o nível da renda nacional,
constituindo assim, o processo de desenvolvimento, um círculo vicioso que só poderá ser
rompido pela entrada de capitais estrangeiros no país”.

Caio Prado Jr. entendia a necessidade do capital internacional na dinâmica dos


acontecimentos da década de 1950, disse ele “vimos anteriormente o papel e a importância
que na atual conjuntura representam os capitais estrangeiros nas contas externas dos países
subdesenvolvidos” (PRADO JR., 1957, p. 218), porém, ao contrário do pensamento
desenvolvimentista furtadiano, o autor se questionou “a quem” as inversões internacionais
iriam realmente beneficiar.

Ou seja, Caio Prado Jr. via no processo desenvolvimentista adotado no Brasil na


década de 1950 um aumento da dependência dos capitais estrangeiros e uma rigidez na
capacidade de mudança da orientação da economia brasileira e, por outro lado, Celso Furtado
acreditava na capacidade transformadora do processo de industrialização como etapa
necessária à superação do subdesenvolvimento, mesmo que pautado pelo ingresso das
finanças internacionais (LEÃO, SILVA, 2011, p. 105), conforme veremos mais a frente.

Se, as pesquisas de Celso Furtado 70 se pautavam pela interpretação estrutural dos


processos econômicos, ou seja, na interpretação da realidade que se apresentava naquele
momento71, a análise caiopradiana focava na reconstituição dos eventos históricos que
culminavam naqueles processos econômicos72.
69
Ata publicada pela Associação Comercial de São Paulo na II Conferência de Comércio Exterior em junho de
1958.
70
Conforme vimos na última parte do capítulo 1, Celso Furtado amparou suas pesquisas em conceitos como o
fluxo de renda e ao fator multiplicador de emprego e renda keynesiano, através do qual analisa as conseqüências
dos gastos com produtos fabris de bens para a exportação ou com o investimento induzidos pelas exportações na
economia brasileira (LEÃO, SILVA, 2011, p. 102).
71
“Neste sentido fomos levados a adotar, como método, em suas linhas gerais, a técnica de análise que os
economistas chamam de construção de modelos” (FURTADO, 1954, p. 14).
72
Caio Prado Jr., já faz neste momento da carreira uma análise da economia política inteiramente ao método
marxista de compreender a realidade e é este seu método que o diferencia dos economistas ortodoxos e neo-
ortodoxos da década de 1950. Vale citar a passagem de Marx em Para a Crítica da Economia Política que nos
esclarece a diferença, acima apontada, entre Celso Furtado e Caio Prado Jr.: “Os economistas do século XVII,
________________________________________________________________________ 80

Esta diferença metodológica altera completamente a abordagem de percepção da


realidade. Em outras palavras, Caio Prado Jr. buscou compreender quais seriam os efeitos e
quais deveriam ser as formas de estimular e fomentar as inversões internacionais no Brasil
daquela década.

Desta forma, para Caio Prado Jr., a deterioração fiscal e monetária do país era
condição iminente do próprio capitalismo. Assim, a acumulação de capital nos centros da
economia mundial somente pode ocorrer por meio de crises que acarretem na interrupção
temporária da própria acumulação, para sua posterior recuperação. Apesar de não ser uma
situação exclusiva brasileira, os efeitos dessas crises se apresentava no Brasil de forma mais
aguda, pois a nossa (de)formação colonial - pautada em fornecer matérias primas para o
comércio da metrópole - somada a condição de subserviência e dependência do imperialismo
mundial na década de 1950, corroborava as teses marxistas das crises cíclicas de
superprodução e superexploração capitalistas. Diante disto, Caio Prado Jr., reservou um
capítulo inteiro em Esboços dos Fundamentos da Teoria Econômica (1957), para tratar do
assunto sob o ponto de vista da economia brasileira.

Vale ressaltar que os altos investimentos estrangeiros que chegavam ao Brasil na


década de 1950 objetivavam fazer com que o capital internacional valorizasse sua taxa média
de lucro. A busca, desregulada pelo aumento da taxa média de lucro capitalista, gerou
inevitavelmente distúrbios no modo de produção. As inversões internacionais no país
precisavam encontrar maneiras para aumentar sua lucratividade e, desta forma, o
imperialismo buscou diversas formas para aumentar sua taxa média de lucros. No Brasil, a
forma mais utilizada, historicamente, era a diminuição nos custos de produção através da
superexploração do trabalho (PRADO JR., 1957, p. 98).

O autor explicou o desequilíbrio da economia brasileira, naquele momento, a partir


desta premissa. Da mesma forma que o capital internacional superexplorava a força de
trabalho brasileira, com o intuito de aumentar a produtividade e reequilibrar suas taxas
lucrativas, ele também gerava uma capacidade ociosa da massa trabalhadora, formando um

por exemplo, começam sempre pelo todo vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados etc, mas sempre
terminam por descobrir, por meio de análise, certo número de relações gerais abstratas que são determinadas
como a divisão do trabalho, dinheiro, valor etc. Esses elementos isolados, uma vez mais ou menos fixados e
abstraídos, dão origem os modelos econômicos, que se elevam, do simples, tal como trabalho, divisão do
trabalho, necessidade, valor de troca e até o Estado, a troca entre as nações e o mercado mundial. O último
método é manifestadamente o método cientificamente exato. O concreto é concreto porque é síntese de múltiplas
determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como processo de síntese,
como resultado e não como ponto de partida, ainda que seja ponto de partida efetivo e, portanto, ponto de partida
também da intuição e da representação” (MARX, 1982, p. 14).
________________________________________________________________________ 81

exército de reserva impossibilitado de consumir a produção realizada. Assim, a combinação


entre a diminuição nos custos de produção através da superexploração do trabalho e a busca
pela expansão do capital foi, para Caio Prado Jr., abstração essencial na explicação das crises
do modo de produção capitalista.

Sobre a questão da mão de obra brasileira cabe uma ressalva: apesar de não fazer
parte do escopo desta pesquisa estudar a questão da formação dos trabalhadores sob o ponto
de vista da obra caiopradiana - mesmo sabendo tratar-se de um tema valoroso para o autor,
vale mencionar que, para Caio Prado Jr., a superexploração do trabalho no Brasil é um dos
eixos mais importantes no desenvolvimento do país. Conforme vimos na introdução deste
trabalho, para o autor, o Brasil foi formado a partir do tripé: 1) Grandes propriedades
privadas, 2) produção de matéria prima voltada para o mercado exterior e 3) mão de obra
escrava.

A mão de obra escrava - e posteriormente a imigração de trabalhadores europeus -


talvez tenha sido o eixo que compôs as maiores mudanças na estrutura produtiva do país na
primeira metade do século XX e em 1945 o autor já deixaria explícito este seu ponto de vista:

“A solução da mão de obra, a grande questão do passado já se fora completa: de um


lado a abolição da escravidão se removera o obstáculo ao desenvolvimento do
trabalho livre; douto lado, pela imigração subvencionada (...) não devendo-se
esquecer que esse afluxo de imigrantes só foi possível (...) graças ao
desenvolvimento econômico do país de que ele seria um dos principais
estimulantes” (PRADO JR., 2012, p. 207).

Em um trecho de seu livro: Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira


(1954), disse ele: “Não pode haver dúvida que o afluxo de imigrantes trouxe para o mercado
interno brasileiro um forte impulso” (PRADO JR., 1954, p. 119).

Caio Prado Jr. fez diversas ressalvas quanto à qualidade produtiva da mão de obra
escrava73 e que, após sua abolição, fundiu-se com os imigrantes que vieram trabalhar na
lavoura. A ineficiência para os serviços mais complexos requeridos pela industrialização e
manufatura que começaram a se desenvolver no último quarto do século XIX logo foi

73
“Até 1850, essa mão de obra, será representada pelos escravos importados da África; e corresponderá assim,
economicamente, a um consumo semelhante ao de outro equipamento produtivo qualquer” (PRADO JR., 1954,
p. 118). Neste sentido cabe qualquer tipo de crítica a uma interpretação elitista feita pelo autor, mas como já
mencionado, este não é o escopo deste trabalho.
________________________________________________________________________ 82

percebida, no entanto, o imigrante trouxe consigo a disposição por pleitear melhores


condições de trabalho74.

Desta forma, segundo Caio Prado Jr., desde o período da abolição da escravatura junto
a todo período imigratório, o mercado de trabalho brasileiro viu-se acometido por dois tipos
de trabalhadores completamente distintos. De um lado ex-escravos, com baixa qualidade
técnica para atividades que requeriam maior conhecimento e destreza tecnológica, mas que
ainda - em sua maioria - mantinham uma mentalidade completamente subordinada aos seus
antigos “donos”, e por outro lado, os imigrantes que possuíam qualidade técnica para
trabalhar nas novas condições que se apresentavam no desenvolvimento da indústria e
manufaturas que surgiam no país, mas que traziam certa feição de insubordinação referente às
condições de trabalho. Em outras palavras, para o autor, o mercado de trabalho brasileiro, no
início do século XX tinha como traço principal a heterogeneidade de comportamento dos
trabalhadores.

A diversidade de origem das nacionalidades dos trabalhadores, bem como a


disparidade de habilidade técnica, somada com as formas de lidar com trabalho em si, mais
suas reivindicações relacionadas às condições de trabalho formavam da massa trabalhadora
brasileira. No início do século XX, uma grande colcha de retalhos e até as décadas de 1920-
1930 não havia porque se falar em classe trabalhadora explorada - nem em um conceito
político e nem econômico - mas sim e, apenas, em trabalhadores explorados. De qualquer
forma, não há na obra caiopradiana uma análise aprofundada sobre a ação das classes sociais
e especificamente classe trabalhadora, nas transformações econômicas que ocorrem no país.

Este adendo em nosso estudo se faz importante porque este é um fator fundamental no
que se refere à dificuldade da formação do mercado interno e, como consequência, na
dificuldade de acumulação de capital por parte de grande parte da população, o que daria a
base para à composição da poupança nacional brasileira.

O caso brasileiro se tornava ainda mais grave, pois, conforme vimos acima, o fator
determinante para a formação de capital nacional capaz de investir no desenvolvimento
econômico país, pressupõe a presença do próprio capital nacional. Em outras palavras, este
círculo vicioso em que a superprodução gera superexploração - e assim sucessivamente - não

74
Em muitos casos os proprietários das terras que recebiam os imigrantes conseguiam mantê-los em condições
quase servis. Ao pagar baixos salários e cobrar alto pelos insumos de sustento dos trabalhadores, os imigrantes,
não raro, viam-se endividados com seus patrões e eram obrigados a manter-se trabalhando para pagar pelo seu
sustento.
________________________________________________________________________ 83

permitia ao Brasil a constituição de uma reserva e/ou poupança capaz de fazer frente às
necessidades de investimento que se apresentavam àquela época.

O problema da escassez de capital no Brasil era crônico e publicamente conhecido


pelos economistas ortodoxos, reconhecido pelos economistas heterodoxos - como Celso
Furtado - e admitido por economistas marxistas - como Caio Prado Jr. (BIELSCHOWSKY,
2012, p. 35). Isto nos mostra que o problema de capitalização da economia nacional no
processo de industrialização e progresso tecnológico brasileiro, da década de 1950, não foi
menosprezado por Caio Prado Jr. Para ele, no entanto, a formação de capital nacional em um
determinado país pressupunha, primeiramente, a presença de um capital nacional e em suas
investigações, o autor marxista entendeu que a acumulação/formação de capitais se constituía
das próprias atividades econômicas dos indivíduos e das riquezas que estes iam acumulando.

Desta forma, Caio Prado Jr. denuncia a debilidade na formação de capitais - ou da


formação de uma poupança genuinamente nacional - capaz de gerar vulto para realização dos
investimentos necessários ao desenvolvimento econômico brasileiro. O autor atesta que a
maior parte das fortunas individuais do Brasil foi formada por imigrantes no último quarto do
século XIX e primeiro quarto do século XX - principalmente por lucros advindos da lavoura
cafeeira e/ou heranças de antigos empreendimentos - e, por isto, de origem recente e
concentrada nas mãos de poucos imigrantes radicados no país, o volume financeiro nacional
circulando no país não era valoroso.

Apesar de entender sua necessidade, Caio Prado Jr. refutou a forma com que as
inversões estrangeiras eram feitas no país. Para o autor, a atenção dos economistas brasileiros
devia estar voltada para a maneira de estimular e fomentar o afluxo de capitais “alienígenas”
considerados necessários ao progresso tecnológico e o desenvolvimento econômico do país.
Desta forma, Caio Prado Jr. entendeu que as inversões estrangeiras feitas no país não
obedeciam à necessidade do desenvolvimento interno brasileiro, mas sim, ao ritmo de
acumulação capitalista dos grandes centros do sistema internacional somado às perspectivas
de lucros a serem realizados no Brasil e remetidos para seus países de origem.

“(cabe entender as diferentes formas de inversão de capitais, pois há) de um lado o


capital pertencente a estrangeiro e que se transfere para o Brasil, incorporando-se à
economia do país; e de outro lado o capital que se inverte aqui em empresas
subsidiárias, continuando organicamente ligado ao centro financeiro de que
provém. Quanto ao primeiro tipo, nada há a opor a ele, pois fixando-se no Brasil, se
________________________________________________________________________ 84

faz tão nacional como os capitais originariamente brasileiros. Acontece, todavia,


que não é esse capital que nos procura geralmente” (PRADO JR., 1954, p. 179).

Em artigo publicado em 1958, Caio Prado Jr. faz uma provocação aos economistas
favoráveis às irrestritas inversões internacionais no país. Diz ele: “desde quando, na sua
experiência de homens de negócio, já viram a renda proporcionada por um capital reverter em
benefício de outrem que não o titular deste capital e estimular o aumento de capital de outro
capitalista?” (PRADO JR., 1958, p. 42). A função que o capital internacional desempenhava
no país era o principal alvo da investigação a respeito da ampla inversão estrangeira que
acometia o Brasil na década de 1950. Para Caio Prado Jr., as inversões feitas no país - se
distribuindo entre implantação de equipamentos, compra de matérias-primas e mão de obra -
obedeciam a critérios estritamente técnicos e financeiros, ou seja, a aplicação dos recursos
internacionais na economia brasileira cumpre o mesmo propósito de qualquer outra inversão,
isto é, o lucro capitalista.

Vale ressaltar que o autor compreendia que uma pequena parte do capital internacional
- invertido na produção nacional como equipamentos industriais importados, técnicas
produtivas estrangeiras, maquinário etc - tendia a se nacionalizar e se integrariam na
economia brasileira, porém, Caio Prado Jr. não estava interessado em estudar estas inversões
(até porque se tratavam de valores irrisórios quando comparados aos capitais investidos pelos
grandes trustes, por exemplo). O próprio autor entende que o imperialismo no Brasil tendia a
aumentar a parcela da população empregada, tendo isto, inclusive, como um de seus
objetivos, mas, de toda forma, Caio Prado Jr. fez um alerta de que esta inversão internacional
na economia brasileira, gerando emprego, tinha por objetivo se valer da própria força de
trabalho empregada a fim de realizar seu próprio lucro. Dito isto, o autor evidenciou que a
necessidade das inversões internacionais constituía função própria e a razão de ser do capital
aplicado em proporcionar a mais-valia retornando em forma de lucro aos seus investidores.

“O capital estrangeiro, na qualidade de capital e por força de sua natureza, gerará


novo capital e promoverá em escala crescente a acumulação capitalista. Mas está
claro que o fará em benefício do próprio inversor do capital estrangeiro. A entrada
de capitais estrangeiros e sua aplicação nas atividades econômicas brasileiras
estimulará, sem dúvida a formação de novos capitais. Isso não comporta dúvidas e
não se contesta. Mas esta formação não será evidentemente de “capitais nacionais”
e sim tão estrangeiros como sua matriz geradora” (PRADO JR. 1958, p. 38).

Em um artigo escrito em 1955, Caio Prado Jr. indica que:


________________________________________________________________________ 85

“(...) é assim, através da projeção internacional do capital orientado e dirigido pelos


centros do sistema, que são as grandes potências capitalistas, é por aí que se realiza
a dominação sobre os países periféricos, como o nosso, que os coloca na posição de

dependência e subordinação” (PRADO JR., 1955, p. 85).

O trecho transcrito acima deixa claro que para Caio Prado Jr., não são as necessidades
do país que recebem os capitais estrangeiros que essencialmente determinam o volume, ritmo
e a orientação dos investimentos, e sim fatores que são estranhos aos países que dependem
deste capital para seu desenvolvimento. Sob este aspecto fica claro que a fartura ou a carência
de capitais disponíveis nos países inversores não se relacionam com a situação interna dos
países dependentes e necessitados deste capital e sua orientação, estritamente comercial e
financeira, surgem como forças de desarranjos ao equilíbrio e desenvolvimento dos fatores
produtivos brasileiros - inclusive na formação de um capital nacional.

Este desequilíbrio e alienação dos interesses dos capitais invertidos no Brasil com as
necessidades nacionais formam um sistema que se relaciona, única e exclusivamente, para
manter a posição estratégica do país, conforme já mencionado, como elo da engrenagem do
capital internacional e dos grandes trustes formado pelo sistema central do capitalismo
mundial. Este desequilíbrio ficou claro, para Caio Prado Jr., ao pesquisar a balança de
pagamentos do Brasil na década de 1950 e descobrir o fato de que o afluxo de rendimentos
enviados pelo país ao exterior superava, e muito, as inversões feitas pelos centros capitalistas.

Em outras palavras, as remessas feitas pelos brasileiros ao exterior não compensavam


os empreendimentos estrangeiros implantados no Brasil. Sem contar os royalties 75, e outras
formas disfarçadas de remuneração de capitais estrangeiros, o balanço de remessas brasileiras
versus inversões internacionais foram quase sempre deficitárias. Entre os anos de 1951 e 1955
as remessas de renda enviadas do Brasil para o exterior superaram os US$657 milhões,
enquanto as inversões internacionais no país foram de US$493 milhões (déficit de US$164
milhões). Isto é, o Brasil pagava para os investidores internacionais investirem no país
(PRADO JR., 1957b, p. 20).

Neste sentido, o autor aponta para a perspectiva de que, permanecendo o


funcionamento “normal” do sistema - ou seja, o aumento de inversões internacionais no Brasil
- isto agravaria de forma acentuada o desequilíbrio das contas externas do país.

75
Royalties são valores pagos (geralmente porcentagem referente aos lucros) pelos direitos de exploração de
alguma propriedade (material ou imaterial).
________________________________________________________________________ 86

Para Caio Prado Jr., este sobrelucro estava peculiarmente relacionada à ordem mundial
estabelecida no pós-II Guerra Mundial. No desenvolvimento colonial, os exploradores
retiravam da colônia os produtos que julgavam rentáveis e se dirigiam ao mercado europeu
para realizar seus lucros. Os detentores do capital perceberam, após o fim da guerra, que
podiam realizar parte destes lucros nos próprios países subdesenvolvidos. O dispêndio da
logística de extração de matérias-prima com a finalidade de manufaturá-los nos grandes
centros do capitalismo internacional continuava sendo operado de forma impetuosa, mas
começara a existir uma mudança na mentalidade de exploração dos países de origem dos
grandes trustes empresariais, industriais e financeiros.

Uma vez que o capital internacional e os grandes trustes foram invertidos na economia
brasileira, o país se entregou a ambição do capital internacional e a relação demanda versus
oferta - na busca pela maximização do lucro capitalista - constituiu forte estímulo às empresas
a fim de explorar os fatores produtivos brasileiros. Desta forma, o capitalismo brasileiro se
estabeleceu à margem do sistema central, pois nem a ele se integrou completamente, mas a ele
se ligava e dele dependia.

A ascensão dos grandes trustes internacionais no Brasil determinou, de um lado, a


eliminação permanente das empresas mais frágeis e menos capitalizadas - neste caso as
empresas de capitais genuinamente nacionais, restando apenas algumas empresas que não são
consideradas concorrentes e, por isso, são toleradas pelos grandes trustes e, de outro lado, sua
inserção em outros planos, dando-lhes novas feições, que suplantaram amplamente a atividade
econômica, apropriando-se de terrenos políticos e jurídicos do país (PRADO JR., 1957, p.
153). Em outras palavras, a fusão de blocos imensos, transformando-se em organismos
mundiais desmedidos que assim, se aparelham com o poder que sua própria dimensão lhe
proporciona, reforçam a implícita orientação do estadunidense general Eisenhower em manter
o capitalismo brasileiro subordinado e dependente ao sistema internacional dos trustes e
capitais estrangeiros.

Diante disto, o que o autor marxista nos apresentou é a perspectiva de que o capital
internacional estava sendo investido no país, porém limitando-se a própria capacidade de
remuneração que o Brasil lhes oferecia, não conservando, em menor relevância, a intenção de
compensar mais do que pagamentos dos menores salários possíveis, tributos, taxa e só. Todo
o direcionamento de acúmulo de capital não se voltava para o Brasil e, sim, para o país de
origem dos investimentos e, portanto, a geração de uma poupança, reversível a investimentos
necessários para o desenvolvimento econômico brasileiro, continuava inerentemente débil.
________________________________________________________________________ 87

Note-se que o condicionamento às inversões internacionais à própria perspectiva


futura que o país oferece de remuneração ao capital poderia ter um fim irremissível, na
medida em que as crescentes remessas externas comprometiam a balança de pagamento do
país e aumentava, por conseguinte, as dificuldades de realizar as próprias remessas de
remuneração dos capitais invertidos. Em outras palavras, o aumento dos déficits nas contas
exteriores, relacionadas aos crescentes aumentos de remessa nacional para o estrangeiro,
podia estancar de vez estas mesmas remessas pelo simples motivo de não haver mais recursos
para se efetivar esta transação. No momento que isso ocorresse, o país quebraria - mesmo sem
nunca ter contado com recursos próprios.

Os argumentos de Caio Prado Jr., influenciaram o principal estudo a respeito das


inversões de capitais internacionais no Brasil. Aristóteles Moura, escreveu o livro Capitais
Estrangeiros no Brasil (1959), toma como princípio muitos dos argumentos utilizados por
Caio Prado Jr. durante a década de 1950. No entanto, foi o livro de Moura que sistematizou
todas as categorias e bases analíticas acerca dos investimentos externos no país
(BIELSCHOWSKY, 2012, p. 198). De forma correlata aos argumentos caoipradianos, Moura
dispôs em seu livro que estas inversões trariam como efeito à economia brasileira: 1) A
redução drástica na capacidade de importação; 2) a forte influência na depreciação da taxa
cambial brasileira - provocando constantes crises monetárias; 3) ao reduzir as importações,
reduzia, também, a disponibilidade interna de bens e serviços, pressionando o aumento da
inflação e 4) a transferência da renda nacional para o exterior, conforme vimos acima.

Esta falta de caráter nacional na geração dos lucros realizados no país constituiu,
segundo Caio Prado Jr., uma relação dicotômica e contraditória entre investimentos e
acumulação de capital, cujo efeito será a consolidação do país como agente dependente de
toda engrenagem que o capital centralizado e concentrado impôs ao mundo, conforme
veremos a seguir.

Neste sentido, perceberemos que as crises vividas pelo café brasileiro no período pós
década de 1930 e sua recuperação logo após o armistício, foram utilizadas por Caio Prado Jr.
para demonstrar que os ciclos de crise vividos no país se deram, em última instância, pelo
desajustamento entre a capacidade produtiva e a capacidade de consumo final ou, em outras
palavras, na insuficiência relativa do mercado para os produtos finais (PRADO JR., 1957, p.
102).
________________________________________________________________________ 88

Desta forma, o desequilíbrio da balança de pagamento brasileira, na década de 1950,


não se encontrava mais pautada exclusivamente pela oscilação de importação versus
exportação - estágio típico da colônia brasileira, mas, com a nova realidade apresentada ao
país pós II Guerra Mundial, retratava a contradição típica do capitalismo em qualquer estágio
que ele se encontre, qual seja, a relação dialética entre trabalho versus capital.

Sob esta perspectiva, Caio Prado Jr. sustentou que Keynes não se diferenciava dos
economistas clássicos ortodoxos, como Smith, Ricardo, Say, Mill, Marshall e Schumpeter,
pois a proposta da “revolução keynesiana” possui como objetivo apenas realinhar os ciclos de
crise do capitalismo sem levar em consideração a relação dialética entre trabalho versus
capital e, portanto, sua obra Teoria Geral do Emprego, Juro e da Moeda, apesar de explicitar
a incapacidade da autorregulação dos mercados, nada tem de “revolucionária”, sendo
chamada por Caio Prado Jr. de teoria neo-ortodoxa76.

Para Caio Prado Jr. nenhuma das premissas econômicas, sejam as clássicas ortodoxas
preço-oferta-demanda, sejam as neo-ortodoxas keynesianas renda-consumo-poupança-
investimento, davam conta de explicar a dinâmica da economia brasileira e, muito menos, de
propor modelos de desenvolvimentos futuros, de tal forma que a busca pelo aumento da
produtividade - ou nível de técnica empregada - na economia brasileira não deveria ser
categorizada nas bases tradicionais do capitalismo. Ou seja, a caça pelo sobrelucro capitalista,
principalmente no Brasil da década de 1950, precisava ser compreendida sob outras
perspectivas. De acordo com o autor marxista, tanto os padrões monetário quanto o progresso
tecnológico brasileiro não podem, e nem devem, ser considerados como causas e fatores da
evolução capitalista, mas deve partir do pressuposto que todo padrão monetário e progresso
tecnológico é um efeito da própria evolução dos modos de produção. Ou seja, o
desenvolvimento econômico não representa em sua plenitude sua própria condição.

Portanto, Caio Prado Jr. entende que as crises de exportação do café, no período após a
década de 1930, e os desajustes na balança de pagamento do comércio internacional brasileiro
não cabem nos modelos explicativos da economia ortodoxa e, também, neo-ortodoxa, pois o
que Keynes pressupunha é que as crises do capitalismo eram um rompimento do equilíbrio
econômico para que este se restabelecesse em níveis inferiores, isto é, que as atividades
econômicas e fatores produtivos se ajustassem a uma capacidade econômica menor e, assim,
voltarem a progredir.
76
“(Keynes e seus sucessores) criaram uma nova política econômica que regenerou, ou pelo menos deu novo
alento à velha e desprestigiada economia ortodoxa que vinha se mostrando cada vez mais impotente em face dos
problemas e das dificuldades do capitalismo dos nossos dias” (PRADO JR., 1957, p. 117).
________________________________________________________________________ 89

Isto posto, vale lembrar o crônico problema, apontado por Caio Prado Jr., de formação
de capital no Brasil, ou seja, o rompimento do equilíbrio das atividades econômicas brasileiras
não poderiam levá-la para níveis inferiores porque ela já se encontrava em níveis pífios,
conforme veremos no quadro 5.

QUADRO 5

Contas Públicas
Saldo em Conta Inversão de Balança de Dívida Externa
ANO Corrente (US$ Capitais (US$ Pagamentos (US$ Total (US$
Milhões) Milhòes) Milhões) Milhões)
1950 140,0 200,0 52,0 559,0
1951 -403,0 160,0 -291,0 571,0
1952 -624,0 680,0 -615,0 638,0
1953 55,0 1150,0 16,0 1159,0
1954 -195,0 1160,0 -203,0 1317,0
1955 2,0 1430,0 17,0 1445,0
1956 57,0 3380,0 194,0 1580,0
1957 -264,0 4970,0 -180,0 1517,0
1958 -248,0 5080,0 -253,0 2044,0
1959 -311,0 5590,0 -154,0 2234,0
Fonte: ABREU, 1990, p. 404

O quadro nos apresenta uma situação de sucessivos déficits de saldo em conta corrente
do governo durante a década de 1950 e aumento progressivo na dívida externa da União. Para
Caio Prado Jr., não havia que se falar em recuperação capitalista no Brasil uma vez que o país
não possuía uma economia capaz de se autossustentar. Os déficits orçamentários - e históricos
- mantinham a economia brasileira explicitamente subordinada e dependente dos interregnos
internacionais e não permitia - mesmo em períodos de maiores inversões internacionais como
as que ocorreram na década de 1950 - a formação de uma poupança nacional.

Conforme vimos acima, a relação poupança-investimento foi o cerne da teoria


keynesiana e também, a principal contradição na economia brasileira durante a década de
1950. A teoria caiopradiana vai de encontro ao cerne da teoria de Keynes ao destacar que os
estímulos às inversões internacionais no Brasil, em forma de implantação de equipamentos e
compra de matéria-prima, não eram garantia de que a prática econômica de Keynes lograria
sucesso, isto porque não eram as inversões de capital internacional que garantiriam o
desenvolvimento econômico, mas sim a forma de aplicação destes capitais que garantiriam
uma atividade produtiva que resultaria num sistema econômico nacional e independente.
Sobre isto, Caio Prado Jr. disse: “São os efeitos diretos das compras ou aquisições dos bens de
produção que Keynes enxerga na inversão; os efeitos da compra no que diz respeito à
________________________________________________________________________ 90

produção dos bens comprados e não ao papel que eles vão desempenhar depois de
comprados” (PRADO JR., 1957, p. 120).

O que o economista inglês considerava é que tais inversões seriam responsáveis pelo
aumento da renda nacional, da acumulação capitalista e, por conseguinte, da poupança
nacional. No entanto, é do lucro capitalista que deriva a acumulação capital, dos quais
derivam, por conseguinte, os investimentos e a ampliação das atividades produtivas.

A teoria keynesiana, conforme já vimos neste estudo, influenciou a produção e prática


de políticas econômicas cepalinas e desenvolvimentistas no Brasil da década de 1950.
Segundo Keynes, a ação do Estado era primordial no equilíbrio do sistema capitalista
internacional. O papel do Estado Inversor - que tanto cooptou intelectuais, empresários e
políticos no Brasil - deveria ser analisado, segundo Caio Prado Jr., como Estado Consumidor.
Esta é uma diferença gritante na perspectiva de abordar a presença do Estado nas relações
econômicas brasileiras.

“A transformação do Estado no Grande Consumidor capaz de compensar com seus


gastos o subconsumo das coletividades que vivem em regime capitalista,
transformação essa preconizada pela generalidade dos economistas ortodoxos da
nova escola (Keynes), é uma prova daquele reconhecimento de que o sistema
capitalista não é compatível com a potencialidade da produção moderna” (PRADO
JR. 1957, p. 131).

Sob o ponto de vista de orientação da Administração Pública, Caio Prado Jr. iniciou
sua crítica às proposições da política econômica desenvolvimentista de acordo com a
premissa de que o Estado não devia se transformar em consumidor com a finalidade de
restabelecer o equilíbrio capitalista.

Para o autor, a ótica desenvolvimentista transformou o Estado Consumidor em um


concorrente dentro do sistema capitalista e, desta forma, o capital privado e capital público
iniciaram um embate de soma zero, na medida em que a busca pela apropriação das atividades
produtivas seriam disputadas entre o Estado e entre o imperialismo, alienando assim, grande
parte da população dos benefícios do desenvolvimento econômico. O quadro 6 nos mostra
que a alta inflação, as baixas reais nos salários, a alta carga tributária incidida na renda e no
consumo somado a opção pela não sobre-tributação nas importações corroborou com a tese de
Caio Prado Jr. de que a disputa entre o Estado consumidor e o imperialismo não favoreceu
grande parte da população.

QUADRO 6
________________________________________________________________________ 91

Taxa de variação em relação ao ano anterior


Variação (%) % Imposto % Imposto de % Imposto de
ANO Inflação* Salário Mínimo de Renda no Consumo no Importação no
Real PIB PIB PIB
1950 9,4 9,4 28,7 33,1 8,7
1951 12,1 12,8 29,5 30,0 10,2
1952 17,3 -63,0 32,5 29,7 8,4
1953 14,3 14,4 31,4 29,1 3,7
1954 22,6 -17,2 33,0 31,2 4,9
1955 23,0 -9,5 34,6 31,3 4,0
1956 21,0 -1,3 33,1 31,0 2,7
1957 16,1 -9,6 31,5 35,5 3,2
1958 14,8 14,5 27,0 33,5 11,0
1959 39,2 -12,5 29,4 34,1 12,1
Fonte: ABREU, 1990, p. 407
* Índice de inflação era calculado apenas na capital federal - Rio de Janeiro

O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) foi o auge do comprometimento do


setor público com a política desenvolvimentista preconizada pela Cepal e por Celso Furtado
no Brasil. Todo o planejamento de política econômica deste período foi aplicado de forma
sistemática que desembocou na formulação do Plano de Metas - cujo slogan foi 50 anos em 5.
O Plano de Metas foi, até então, o maior conjunto de investimento público coordenado já
realizado no país e, de certa forma, legitimou o Grande Estado Consumidor que Keynes,
Prebisch e Furtado fundamentavam. De acordo com a política desenvolvimentista de
Juscelino Kubitschek, sua implicação econômica estava pautada, basicamente, em dois
pontos: 1) Desenvolvimento das forças produtivas e do aparelhamento material do país, em
suma, no aumento da produtividade brasileira e 2) na busca pelos capitais necessários a fim de
realizar este esforço reconstrutivo.

Em artigo escrito em 1956, pouco depois da posse presidencial de Juscelino


Kubitschek, Caio Prado Jr. destacou a vontade desenvolvimentista do novo presidente, mas
fez ressalvas ao caminho que o novo governo poderia adotar: “Assim sendo, se propõe a
tarefa de libertar a nossa economia e nos engajarmos no caminho do desenvolvimento
autônomo do país (...) num momento como este é realmente sério o fato de um presidente da
República que se mostra tão simpático ao imperialismo” (PRADO JR., 1956, p. 3). Antes de
ser empossado, Juscelino Kubitschek viajou aos Estados Unidos e à Europa a fim de atrair
investidores ao projeto desenvolvimentista brasileiro. Conforme já mencionamos no presente
estudo, faltava capital ao Brasil e os projetos de investimentos em infraestrutura e
________________________________________________________________________ 92

industrialização apregoada pelos desenvolvimentistas precisavam de dinheiro para sair do


papel.

Ainda como candidato a presidência da República, Juscelino Kubitschek publicou, em


1955, o documento que ficou conhecido como Diretrizes Gerais do Plano Nacional do
Desenvolvimento. Neste plano, o candidato deixou explícito que faria um governo buscando
mudar as estruturas sociais e econômicas daquele tempo incluindo, no documento, a pretensão
indispensável de uma reforma agrária além de fomentar a produção industrial e introduzir
novas técnicas produtivas no país. Neste sentido, Caio Prado Jr. viu na eleição de Juscelino
Kubitschek um alento que, com tais medidas, poderia alterar de vez por todas a evolução
político, econômico e social do Brasil. Caio Prado Jr. confessou não conhecer na história
brasileira um presidente que tenha chegado ao poder com uma posição transformadora tão
clara quanto o novo governo eleito (Ibidem, p. 5).

O programa desenvolvimentista, que tinha por objetivo a industrialização brasileira a


fim de se alcançar patamares elevados de produtividade e, por sequência, o desenvolvimento
econômico, poderia ser realizado de duas formas, segundo Caio Prado Jr.; 1) Industrialização
às custas das próprias forças produtivas nacionais (e aqui não nos cabe apreciar as propostas
caiopradianas para este desenvolvimento) ou 2) entregar o projeto de desenvolvimento
nacional à iniciativa privada internacional, ou seja, ao capital internacional e os grandes
trustes.

Neste sentido, para o Caio Prado Jr. não era possível harmonizar estas duas opções e
sua crítica ao programa desenvolvimentista brasileiro se pautava pela idéia de que, para estes,
era possível um primeiro impulso do capital internacional para, a posteriori, iniciar um
processo de desenvolvimento nacional, ou seja, o problema do desenvolvimento econômico
brasileiro não estava na propagação das técnicas modernas dos fatores produtivos, mas sim na
questão de como se criar as condições para a propagação destas técnicas. Situações que se
diferenciam em suas próprias bases de análise.

Esta impossibilidade de congregar estas duas hipóteses se dava na medida em que,


para Caio Prado Jr., qualquer suposta vantagem dada a qualquer tipo de iniciativa capitalista
se transforma numa crescente vantagem, ou seja, o incentivo dado pelo governo brasileiro aos
imensos trustes internacionais os colocaria em tal posto de vantagem competitiva que eles
progrediriam em absoluto e incontrastável domínio da economia brasileira (PRADO JR.,
1959, p. 4).
________________________________________________________________________ 93

Para o autor, a política desenvolvimentista permitiria ao capital internacional e grandes


trustes dilatar seus campos de ações em um ritmo desigual ao desenvolvimento nacional e,
desta maneira, submetendo o país a uma condição de subordinação e dependência de seus
domínios e interesses. Conforme vimos no quadro 7 (p. 81), o Brasil já apresentava uma
situação de remessas internacionais maiores do que os investimentos estrangeiros,
comprometendo a balança comercial do país. Além disso, Caio Prado Jr. alegou, também, que
havia um movimento de direcionamento da própria - e insuficiente - poupança nacional para
empreendimentos estrangeiros. Ou seja, já na década de 1950, o Brasil financiava grande
parte das inversões internacionais no país.

A política desenvolvimentista, elaborada e executada durante a década de 1950,


mantinha como premissa o desenvolvimento industrial como propulsor das técnicas
produtivas para, assim, prolongar o aumento das atividades econômicas e desta forma,
oferecer as benesses do desenvolvimento econômico à população brasileira. No entanto, para
Caio Prado Jr., este desenvolvimento, através da industrialização capitalista, tinha como
caráter de progresso econômico um aspecto quantitativo e não qualitativo. Ou seja, o
desenvolvimento nacional não se daria apenas pela introdução de técnicas que aumentassem a
produção brasileira de uma, para dez unidades. As críticas feitas pelo autor marxista em
relação à dependência econômica brasileira se baseava no feitio qualitativo da produção
nacional.

Para o autor, a diversificação das forças produtivas não conquistaria progresso se suas
bases não se alterassem de forma a orientar o desenvolvimento econômico com a finalidade,
fundamental e essencial, do atendimento das necessidades da massa da população brasileira.
Em relação aos países subdesenvolvidos, disse o autor:

“O que os distingue e caracteriza não é unicamente nem principalmente o seu baixo


nível de desenvolvimento e progresso técnico e econômico, e muito menos a
insignificância de sua renda nacional, mas sim aquela posição específica que
ocupam no conjunto do sistema capitalista” (PRADO JR., 1957, p. 192).

Sob esta ótica, a condição de dependência nacional não se exprimia pelos baixos
índices de progresso econômico e da renda nacional, isto é, esta condição implicava algo
dissimulado pela insuficiência deste progresso.

A compreensão da subordinação e dependência do Brasil, para Caio Prado Jr., tem


como ponto um dos pontos centrais a questão da universalidade das teorias econômicas e
conforme vimos anteriormente, o autor marxista considera grande parte dos economistas que
________________________________________________________________________ 94

fizeram escola - de Smith a Keynes - como ordenadores do capitalismo. O modelo


desenvolvimentista de Celso Furtado e Raul Prebisch - influenciados pela “revolução
keynesiana” mantinha este mesmo espírito, qual seja, transpor modelos que deram certo em
uma parte pequena de países para a realidade brasileira.

Para Caio Prado Jr., a industrialização e o desenvolvimento econômico de certos


países aconteceram por fatores que no Brasil ficam dissimulados. Ou seja, nos países
desenvolvidos as atividades produtivas atendiam a dois ramos: 1) Satisfazer o mercado
inflado pela acumulação capitalista e 2) pela demanda de bens de produção. O
desenvolvimento destas atividades aconteceu de forma simultânea (e suportadas por questões
que não nos interessa neste estudo77) e suas especializações/divisões no processo de
adequação da produção interagiam dando margem a um desenvolvimento econômico que não
era possível sob a perspectiva caiopradiana. Para o autor, no modelo dos países
desenvolvidos, a acumulação de capital e suas inversões - sejam reinversões ou inversões no
estrangeiro - se entrosavam em um processo contínuo em que inversão se transforma em
acumulação e a acumulação se transforma em inversão.

No Brasil, o desequilíbrio é a situação de normalidade, para Caio Prado Jr. Segundo o


autor:

“A exportação, a importação, o serviço financeiro do capital estrangeiro, e as novas


inversões desse capital - elementos esses que compõem o essencial das contas
externas dos países subdesenvolvidos - não se relacionam entre si de maneira a
variarem em função uns dos outros, assegurando um nivelamento, ou pelo menos
uma tendência ao nivelamento dos itens respectivamente do deve e do haver. Trata-
se de elementos desconectados entre si e ligados a circunstâncias próprias a cada
qual e estranhas entre si” (PRADO JR., 1957, p. 204).

Estas constatações se respaldam nos números da economia brasileira da década de


1950. O quadro 7 nos mostra a completa falta de nivelamento das atividades econômicas,
conforme Caio Prado Jr. já mencionava em 1957. A economia brasileira não apresentava
tendência nenhuma. Se em 1951 houve 39% de aumento nas exportações, dois anos depois,
em 1953, houve retração de -31%. Se em 1952 houve retração de 19% nas exportações, em
1955 o Brasil aumentou em 15% seu volume de vendas no estrangeiro. O mesmo se dá nos
preços negociados versus quantum efetivado. Em 1951 as importações tiveram valorização de
30% e mesmo assim o país aumentou em quase 40% suas compras no mercado internacional.

77
Sobre o processo de acumulação capitalista e industrialização na Europa, ler As Veia Abertas da América
Latina (autor: Eduardo Galeano)
________________________________________________________________________ 95

Da mesma forma, em 1958 os preços dos produtos brasileiros exportados se desvalorizaram


em quase 6% e nem por isso o país conseguiu exportar mais. Pelo contrário, diminuíram em
5% suas vendas internacionais. O comércio internacional brasileiro era inteiramente
desconexo e contraditório e, por isto, para Caio Prado Jr., não havia de se falar em equilibrar
acumulação e investimentos de capitais.

QUADRO 7

Taxa de variação em relação ao ano anterior

Variação no Preço Variação no Preço Quantum Quantum


ANO
Importação (%) Exportação (%) Importação (%) Exportação (%)

1950 -10,0 49,7 9,5 -17,4


1951 29,9 18,2 39,1 10,5
1952 8,0 -0,7 -7,5 -19,2
1953 -4,9 -2,0 -31,0 10,7
1954 -6,2 18,8 34,5 -14,8
1955 -1,6 -20,6 -20,7 14,7
1956 -3,2 -2,4 -1,6 7,1
1957 0,8 -0,9 21,9 -5,4
1958 -2,4 -5,7 -6,0 -5,1
1959 -8,8 -12,1 12,5 17,1
Fonte: ABREU, 1990, p. 405

Para Caio Prado Jr., não se tratava de equilibrar números quantitativamente, como
desejara os planos desenvolvimentistas daquela década. Nesta medida, as tentativas
desenvolvimentistas de transformar o Brasil em um país industrializado, altamente produtivo
e capaz de inovar tecnologicamente não alcançariam seus objetivos, caso a dicotomia
acumulação de capital versus investimentos não fosse, também, resolvida. A falta de
integração entre a dinâmica do mercado interno, a fim de gerar acumulação de capital, com o
volume financeiro que o mercado externo poderia injetar na economia brasileira era a
condição dissimulada insuficiência do progresso econômico.

Desta forma, a indústria brasileira se formaria apenas com o intuito de suprir alguma
deficiência na importação. O autor entendeu que o período entre-guerras desfalcou o mercado
brasileiro em inúmeros itens de consumo da população e que, principalmente, na década de
1950 a industrialização tomava vulto e tornando-se um elemento importante dentro da
dinâmica do mercado interno brasileiro (PRADO JR., 1954, p. 133). No entanto, a teoria
caiopradiana enxergou no inflado processo de industrialização brasileira mais um movimento
________________________________________________________________________ 96

produtivista dos grandes trustes internacionais, na medida em que a maior parte das indústrias
instaladas no país naquelas décadas eram extensões de suas matrizes internacionais. Em artigo
escrito em 1956, o autor explicita sua insatisfação com os rumos dados pelo governo no que
tange a indústria nacional e aos grandes trustes internacionais. Segundo o autor:

“É, aliás, notória a pouca simpatia que o governo tem pela indústria estatal (...) O
Sr. Kubitscheck guarda o melhor de seus discursos e louvores para os
empreendimentos das grandes organizações internacionais, como ainda
recentemente fez por ocasião da inauguração da fábrica de caminhões da Mercedes-

Benz em S. Paulo” (PRADO JR., 1956b, p. 3).

Os grandes trustes, segundo Caio Prado Jr., estavam se instalando no país com vistas
em melhorar sua lucratividade, uma vez que o Brasil oferecia mão de obra barata, benefícios
fiscais e o comprometimento do governo federal em investir em infraestrutura a fim de
garantir o escoamento da produção industrial aqui fabricada ou, em outras palavras, como
filiais dos grandes trustes internacionais passando a produzir aqui mesmo aquilo que antes nos
exportavam de suas matrizes.

Para o autor, do ponto de vista do desenvolvimento interno, a industrialização


planejada pelos desenvolvimentistas não alteraria a essência do nosso comércio internacional,
pois não faria diferença ao Brasil pagar pela importação destes produtos fabricados fora do
país ou fazer as remessas de lucros, dividendos e royalties e demais formas de remunerações
aos grandes trustes com suas centrais baseadas no centro capitalista.

Na década de 1950, para Caio Prado Jr., esta fundamental alteração na geração e
acumulação de capital no estrangeiro foi a forma de manter a economia nacional dependente e
subordinada à ordem mundial remodelada pós-II Guerra Mundial. Assim, o estímulo dado
pelo capital internacional aos empreendimentos que condicionavam a geração de lucro de
forma alienada às necessidades do país, cuja economia era investida, foi a condição que coube
aos países que não possuíam atividades internas de vulto capazes de fazer frente aos trustes
internacionais. Desta forma, para o autor, a organização produtiva - via industrialização com
capital internacional - manteria a frágil economia brasileira estagnada frente ao imperialismo,
uma vez que não se coordenou e muito menos se mobilizou o mercado interno do país a fim
de produzir conforme suas necessidades e, posteriormente, consumir conforme suas
necessidades: “Nesse assunto, trata-se de orientar a indústria de transformação no sentido do
aproveitamento ao máximo da produção primária de origem nacional” (PRADO JR., 1954, p.
215).
________________________________________________________________________ 97

Apesar de a industrialização brasileira não ter se desenvolvido nos moldes


caiopradianos, ela aconteceu e, como já afirmamos, teve seu período de maior impulso na
década de 1950. A despeito de toda crítica realizada ao governo Kubitscheck, Caio Prado Jr.
ficou atento às transformações que estavam ocorrendo no Brasil daquele período. A
industrialização brasileira era algo inquestionável (o que foi questionável, para Caio Prado Jr.,
era a forma como ela estava sendo conduzida). Contudo, o autor percebeu as alterações
estruturais que estavam ocorrendo no desenvolvimento do país e já em 1945 ele escrevera:

“(...) chegada a este ponto de desenvolvimento, a indústria passara já a ocupar lugar


de grande relevo na economia do país. Uma boa parcela dos artigos manufaturados
do seu consumo era de produção interna, dispensando assim parte das importações
correspondentes de artigos estrangeiros (...) É nessa conjuntura, aliás, que repousará
a indústria: tornara-se um elemento indispensável ao funcionamento normal da
economia brasileira que já não poderá mais dispensá-la sem um distúrbio profundo
de todo seu equilíbrio” (PRADO JR., 2012a, p. 262).

Neste sentido, durante a década de 1950, a análise caiopradiana vai de encontro às


interpretações feitas por André G. Frank e Luiz Carlos Prestes de que a industrialização e a
diversificação das atividades produtivas seriam incompatíveis com o imperialismo e, ao
mesmo tempo, também vai de encontro às propostas furtadianas, na medida em que o autor
denuncia as contradições que podem surgir na economia brasileira, fruto de uma
industrialização formatada pelo imperialismo.

Se de um lado o PCB manteve uma postura, buscando argumentos nas orientações da


Internacional Comunista para combater o imperialismo no Brasil, Caio Prado Jr. nos parece
ter tido uma visão mais clara dos desdobramentos econômicos no período pós-II Guerra
Mundial.

A despeito de toda instabilidade dos fluxos de importação versus exportação e somado


ao constante desequilíbrio da balança de pagamento, o esforço de industrializar o país - seja
como tenha sido - obteve algum efeito e houve, de fato, um aumento crescente na produção
industrial e crescimento econômico brasileiro na década de 1950. Segundo o autor: “Mas a
par desses aspectos negativos do imperialismo, encontramos nele um lastro positivo (...) O
aparelhamento moderno com que contaria a economia brasileira até as vésperas da II Guerra
Mundial, foi, quase todo ele fruto do capital internacional” (PRADO JR., 2012, p. 283).

O quadro 8 nos apresenta, com números, que o autor estava atento a estas alterações
na estrutura econômica brasileira:
________________________________________________________________________ 98

QUADRO 8

Taxa de variação em relação ao ano anterior

Produto do Formação Bruta de


Produto Produto
ANO PIB Setor de Capital Fixo (%
Industrial Agrícola
Serviço PIB)

1950 6,8 12,7 1,5 7,9 12,8


1951 4,9 5,3 0,7 6,0 15,4
1952 7,3 5,6 9,1 5,9 14,8
1953 4,7 9,3 0,2 1,9 15,1
1954 7,8 9,3 7,9 9,8 15,8
1955 8,8 11,1 7,7 9,2 11,8
1956 2,9 5,5 -2,4 0 14,5
1957 7,7 5,4 9,3 10,5 15,0
1958 10,8 16,8 2,0 10,6 17,0
1959 9,8 12,9 5,3 10,7 18,0
Fonte: ABREU, 1990, p. 403

Caio Prado Jr., percebeu que a movimentação de capitais - ocorridas no final do século
XIX e na primeira metade do século XX - diferenciava-se por completo da simples
transferência de capital ocorrida no século XIX. A questão geográfica, inclusive, já tinha sido
superada, ou seja, a propriedade e a produção do excedente econômico não se ligavam mais
aos seus países de origem. Na primeira metade do século XX, a estratégia era outra. Tratava-
se de produzir excedentes econômicos em locais que buscassem o nível ótimo de
lucratividade para que suas matrizes se apropriassem da acumulação de capital e, assim, o
ambiente internacional em que o Brasil estava inserido no pós-II Guerra Mundial era um
ambiente de disputa pelo poder de influenciar - a partir da estrutura econômica - toda
superestrutura dos países subdesenvolvidos.

A década de 1950 denunciou este movimento aos olhos do autor. O Plano de


Investimentos CMBEU não saiu do papel e coube a comissão CEPAL-BNDE 78 elaborar as
projeções relativas a vários setores da economia brasileira. O plano do governo era investir
em cinco grandes áreas: 1) Energia; 2) transporte; 3) alimentação; 4) indústria de base e 5)
educação. Vale ressaltar, mais uma vez, que as projeções eram feitas motivadas para se atingir
o mais rápido crescimento econômico possível no menor espaço de tempo possível. Sob o
governo de Juscelino Kubitschek a ordem era realizar inversões com capital público em obras
das cinco áreas, conforme veremos no quadro 9, e estimular as atividades e investimentos
privados, onde lhes fossem conveniente.
78
Banco Nacional de Desenvolvimento
________________________________________________________________________ 99

QUADRO 9

Plano de Metas - 1957 a 1961- Estimativas de Investimentos em Bilhões de Cr$


Plano Produção Interna Importação Total %
Energia 110 69 179 42,4
Transporte 75,3 46,6 121,9 28,9
Alimentação 4,8 10,5 15,3 3,6
Indústria Básica 34,6 59,2 93,8 22,3
Educação 12   12 2,8
TOTAL 236,7 185,3 422 100
Fonte: ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990, p. 177.  

Teoricamente, todo este investimento para elevar o quanto antes o padrão de vida da
população e o nível interno de emprego. No entanto, percebemos ao analisar o Quadro 8 (p.
94) e o Quadro 6 (p. 87) que a premissa cepalina que apontamos ao final do capítulo 1 (p. 62),
não se comprovou, uma vez que mesmo alcançando índices elevados de crescimento
econômico e produção industrial, isto não resultou em um aumento no padrão de vida da
população.

Grande parte dos governos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek alocou ao


setor público a condução de obras de infraestrutura no Brasil. Melhorar todo setor de base
brasileiro - estradas, energia, portos - era condição sine qua non para que o capital
internacional enxergasse possibilidades de negócios lucrativos no país. Desta forma, o
governo brasileiro assumiu importantes indústrias estratégicas que formariam a base para as
inversões internacionais na econômica brasileira, dentre eles o aço e comunicação, com a
finalidade de orientar suas produções no ritmo necessário para que os grandes trustes
internacionais pudessem se instalar no país.

Neste sentido, indústrias de aço como a COSIPA, CNS, Usiminas passou a serem
controladas pela via estatal. Na produção e exportação de minério de ferro, o governo
controlou a direção da Companhia Vale do Rio Doce. Para a extração e refino do petróleo, o
governo criou a Petrobrás (conforme já vimos acima). Orientou, também, o desenvolvimento
da rede de transmissão de energia através da CHESF e Furnas. Tomou em suas mãos a
expansão da malha ferroviária através da Rede Ferroviária Federal, bem como a expansão das
rodovias através das DNER e DERs. Deste mesmo modo, aumentou a participação do Banco
do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do BNDE na oferta de crédito para comercialização
e exportação dos produtos primários produzidos no país (ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI,
1990, p. 182).
________________________________________________________________________ 100

Vale lembrar que o esforço de investimento público tinha por finalidade formar a base
para implantação dos grandes trustes no Brasil inaugurando, desta forma, grandes indústrias
de automóvel, ônibus e caminhões; fábricas de eletrodomésticos; indústrias de transformação;
indústrias farmacêuticas; indústrias extrativas e serviços de transportes, armazenagens e
exploração florestal (CAPUTO; MELO, 2009, p. 15). Para facilitar e criar as estruturas
demandadas pelo capital internacional e grandes trustes, o governo de Juscelino Kubitschek
não poupou esforços, conforme veremos no quadro 10:

QUADRO 10

Caixa do Tesouro e Financiamento*


  Execução Orçamentária Financiamento do Déficit de Caixa
Branco
Ano Receitas Despesa Saldo Títulos Outros Total
do Brasil
1956 74,1 107,0 -33,0 24,4 0,2 -0,3 23,9
1957 85,8 118,7 -32,9 15,8 9,5 15,8 41,1
1958 117,8 148,5 -30,7 16,7 9,2 -0,3 25,6
1959 157,8 184,3 -26,4 25,2 8,8   32,0
1960 233,0 264,6 -31,6 75,4 2,2 -13,6 64,0
*Valores em Cr$ Bilhões
Fonte: ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990, p. 189.

O quadro 10 nos mostra muito do que significou a teoria desenvolvimentista no Brasil.


A despeito de qualquer tipo de equilíbrio ou desequilíbrio nas finanças, o governo brasileiro
alinhou-se as demandas dos grandes trustes a fim de oferecer condições para suas inversões.
Este cenário vai ao encontro da política econômica preconizada por Keynes - que influenciou
toda teoria cepalina - de que o crescimento econômico deveria ser garantido a qualquer custo.
Isto é, o Estado deveria cumprir com seu papel de fomentar as atividades, mesmo que fosse
preciso se endividar. Pois uma vez garantido o crescimento econômico e o pleno emprego dos
fatores de produção, o equilíbrio fiscal e monetário tenderia a se estabilizar.

De toda forma, um movimento inédito ocorreu na economia brasileira na década de


1950. Nunca houve tanto dinheiro circulando em atividades tão diversificadas quanto naquele
período e Caio Prado Jr. entendeu, que por mais transformações que a estrutura brasileira
tenha sofrido, aquele foi um movimento inerentemente capitalista e que as condições para
enfrentamento ao imperialismo via aliança com a burguesia a fim de alcançar o socialismo era
uma utopia tupiniquim.
________________________________________________________________________ 101

Sobre isso, ele disse:

“Supor por exemplo que seja possível no Brasil e nas circunstâncias atuais um
regime socialista com a entrega a órgãos estatais da responsabilidade pela direção e
manejamento total das forças produtivas do país, é se não fantasia de visionário,
certamente disfarçada de entravar as reformas que desde já se impõem e que não
precisam aguardar um socialismo ainda irrealizável” (PRADO JR., 1954, p. 237).

Isto posto, concordamos com a tese de Renato Perim Colistete (1990, p. 137) de que
Caio Prado Jr. não subestimou o processo de diversificação industrial brasileiro no período
pós-II Guerra Mundial.

Tão evidente quanto isto é que os desdobramentos das políticas econômicas adotadas
na década de 1950, com as grandes inversões do capital internacional, a inauguração das
filiais dos grandes trustes, o governo investindo de forma escalonada em setores que atendiam
as demandas e padrões do capitalismo mundial, a dívida pública crescente e um aumento na
circulação monetária dentro da economia brasileira causando inflação e diminuindo o salário
real dos trabalhadores, causaram os efeitos econômicos que não foram muito diferentes do
que Caio Prado Jr. testemunhou e ratificou em suas obras da década de 1950.

Em suma, o que vimos neste capítulo é que houve mudanças significativas na estrutura
econômica brasileira de tal maneira a inserir o Brasil em outra posição dentro do sistema
capitalista internacional e que com isso outras categorias precisaram ser abordadas por Caio
Prado Jr. Não se tratava mais de analisar a economia brasileira sob a ótica do latifúndio,
produção de matérias primas voltadas para o mercado internacional e mão de obra escrava. A
década de 1950 culminou um processo de mudanças nas estruturas político-econômicas que
se desenrolavam desde o fim da I Guerra Mundial, e procuramos mostrar que o autor esteve
atento e resignificando seu enfoque sobre a nova forma que se apresentava a economia
brasileira naquela década.

CONCLUSÃO:

Caio Prado Jr. e a década de 1950: o fim de um sentido e o início de uma


condição.

O estudo que estamos concluindo procurou mostrar a atenção que Caio Prado Jr. deu
aos acontecimentos econômicos brasileiros da década de 1950. O recorte bibliográfico do
segundo capítulo, quais sejam Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira, de 1954, e
________________________________________________________________________ 102

Esboços dos Fundamentos da Teoria Econômica, de 1957, mais seus artigos publicados, se
justificaram por entendermos que estas obras foram escritas e inspiradas por um debate
acalorado sobre a dependência econômica brasileira que ocorria na década de 1950.

Estas são obras que evidenciam o ápice dos escritos sobre economia política de Caio
Prado Jr. mostrando que, para o autor, é somente através de uma mudança radical em prol de
uma reorganização da política econômica que o Brasil deixará de cumprir o oficio de uma
economia dependente. No entanto, apesar de almejar por uma mudança radical nas relações
internas e externas da política econômica brasileira, Caio Prado Jr. entendeu que não havia
condições para uma ruptura com o modelo político econômico de seu tempo.

O autor explicou a construção deste pensamento da seguinte forma:

“É de Marx a observação tão justa e comprovada por todo o decorrer da História,


que os problemas sociais nunca se propõem sem que, ao mesmo tempo, se
proponha a solução deles que não é, nem pode ser forjada por nenhum cérebro
iluminado, mas se apresenta e aí há de ser desvendada e assinalada, no próprio
contexto do problema que se oferece, e na dinâmica do processo em que essa
problemática se propõe” (PRADO Jr., 1966, p. 5).

Seguindo a lógica de não ruptura do autor, o que me propus neste trabalho foi buscar
uma forma diferente de como Caio Prado Jr. se posicionou sobre um assunto específico, tal
qual a dinâmica econômica em que o Brasil se inseriu na década de 1950. Neste sentido,
entendemos que o autor se alinhou às mudanças ocorridas na economia brasileira e, apesar de
reafirmar por diversas vezes o sentido e o peso que a colonização portuguesa tinha deixado
em nossas estruturas, ele também compreendeu o momento de transformações que aquela
década legou ao futuro do país.

Para fins de conclusão deste trabalho, vale fazer uma breve visita ao livro A Revolução
Brasileira que o autor escreveu em 1966 e buscar compreender qual o significado de
“transformação e/ou revolução” para Caio Prado.

Em 1966, pouco depois da década estudada neste trabalho, Caio Prado Jr. escreveu:

“O termo “revolução” no sentido em que é ordinariamente usado, “revolução” quer


dizer o emprego da força e da violência para a derrubada de governo e tomada do
poder por algum grupo, categoria social ou outra força qualquer na oposição.
“Revolução” tem aí o sentido que mais apropriadamente caberia ao termo
“insurreição”. Mas “revolução” tem também o significado de transformação do
regime político social que pode ser, e em regra tem sido, historicamente
desencadeada ou estimulada por insurreições. Mas que necessariamente não o é. O
________________________________________________________________________ 103

significado próprio se concentra na transformação, e não no processo imediato


através de que se realiza”.

E continua pouco adiante:

“Revolução em seu sentido real e profundo, significa o processo histórico


assinalado por reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas
que, concentradas em um período histórico relativamente curto, vão dar em
transformações estruturais da sociedade e, em especial, das relações econômicas e
do desequilíbrio recíproco das diferentes classes sociais (...) Ou, mais precisamente,
em que as instituições políticas, econômicas e sociais se remodelam a fim de
melhor se ajustarem e melhor atenderem as necessidades generalizadas que antes
não encontravam devida satisfação” (PRADO JR., 1978a, pp. 1-2).

Estas citações nos remetem a pensar o que de fato significa uma


revolução/transformação em uma sociedade. Neste sentido, Caio Prado Jr., como historiador e
geógrafo de formação, sabia muito bem que 10, 20 ou 30 anos na formação de um país são
períodos extremamente curtos quando comparados com os séculos, e em alguns casos
milênios, das constituições de algumas sociedades, Estados ou países.

Fazemos questão de ressaltar, previamente, também, que entendemos que a década de


1950 não foi revolucionária do ponto de vista socialista que o autor almejava (ele próprio
admitiu em muitos momentos que, embora este fosse seu horizonte, as condições materiais
não estavam dadas naquele momento e não havia tal possibilidade para qualquer tipo de
movimento revolucionário no país), mas que também não foi um momento de continuidade da
história colonial brasileira, conforme o próprio autor mencionou em diversos trechos.

Portanto, o que procuramos apresentar no decorrer deste estudo foi que Caio Prado Jr.
não se resumiu a sua matriz teórica do sentido da colonização como afirmam professores
como Fernando Novais, Lincoln Secco, Igor Zanoni Leão e Bernardo Ricupero. A nossa
interpretação é que o sentido da colonização apresentado por Caio Prado Jr. em seu livro A
Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942, foi tão importante para a historiografia
brasileira que grande parte das análises feitas sobre o autor - ou sobre a obra do autor - se
pautaram pelo eixo central deste conceito. No entanto, e aqui está nossa pequena contribuição,
entendemos não ser razoável reduzir e interpretar toda sua obra, e em especial as da década de
1950, apenas com base neste importante conceito formulado na década de 1940.

Em Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Jr. iniciou seus escritos


apresentando o sentido da colonização da seguinte forma: “Todo povo tem na sua evolução,
vista à distância, um certo sentido” (PRADO JR., 2011, p. 15). Esta, talvez, seja uma das
________________________________________________________________________ 104

frases mais emblemáticas da historiografia brasileira e está intimamente ligada ao autor. Entre
profissionais e acadêmicos das ciências humanas, quando se menciona o nome de Caio Prado
Jr. quase que automaticamente associa-se ao sentido da colonização.

Desta forma, Caio Prado Jr. desenvolveu todo seu livro discorrendo sobre a
colonização brasileira baseada neste sentido da colonização e como bem analisou o Prof.
Fernando Novais “Todo andamento da obra, aliás, gira em torno daquelas idéias básicas; ao
examinar as várias manifestações da vida colonial (povoamento, economia, sociedade,
administração etc), o autor volta constantemente às formulações iniciais, comprovando-as e
enriquecendo-as” (NOVAIS, 1983, p. 55).

A visão de Fernando Novais foi (e é) seguida pela grande maioria dos intérpretes de
Caio Prado Jr., ou seja, para o autor marxista a nação brasileira foi formada por três
fundamentos centrais, quais sejam: 1) Grande propriedade privada; 2) produção de matérias
prima voltadas para o comércio internacional; 3) mão de obra escrava e dotada de baixa
técnica produtiva. Quase a totalidade das interpretações feitas sobre Caio Prado Jr. apontam
para a direção de que estas características foram intransponíveis no pensamento do autor.

A nossa discordância a estas interpretações se dá pelo entendimento de que a obra de


Caio Prado Jr. da década de 1950 foi pouco acessada e por isso não houve condições de se
buscar novas perspectivas a respeito de um autor que ficou isolado, literalmente, a “esquerda”
de todo debate que ocorria à época.

Entendemos ser um ponto de vista reducionista avaliar toda análise que Caio Prado Jr.
fez sobre a conjuntura do século 20 brasileiro à questão de uma continuidade ou não do
sentido da colonização, principalmente a partir da década de 1950, com o fluxo de capital
internacional e a inserção dos grandes trustes estrangeiros na economia brasileira, conforme
demonstramos neste trabalho.

Não estou, de forma alguma, menosprezando a crítica de que Caio Prado Jr. fartou-se
em expor a herança colonial portuguesa no desenvolvimento econômico brasileiro e, também,
não estou afirmando que ela não deve ser feita, mas apenas acredito ser coerente
contextualizá-las em seus devidos tempos históricos e buscar o que mais as obras deste autor
nos trouxeram e colaboraram para a reflexão da nossa sociedade.

Nesta medida, o que mais Caio Prado Jr. nos trouxe além do sentido da colonização?
O próprio autor nos propõe esta ponderação de amplitude de análise na medida em que diz “É
isso que se deve, antes de mais nada, procurar quando se aborda a análise da história de um
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povo, seja aliás qual for o momento ou aspecto dela que interessa, porque todos os momentos
e aspectos são senão partes, por si só incompletas” (PRADO JR., 2011, p. 15).

Ora, para além da introdução deste trabalho, não nos dispusemos a analisar qual o real
significado deste sentido, mas vimos acima que, para o autor, o Brasil carregou as heranças da
grande propriedade de terra, extração de matéria prima voltada para o comércio internacional
e uma mão de obra extremamente desqualificada em todo seu desenvolvimento. Entendemos,
inclusive, que Caio Prado Jr. pode ter se utilizado deste sentido de colonização mais como
método de pesquisa do que análise da realidade. Todas estas discussões foram feitas em
outros trabalhos e estudos e acreditamos ser de muita valia para o entendimento da obra deste
autor.

Todavia, e talvez por ter sido um marxista com autonomia de reflexão - conforme
vimos no decorrer deste trabalho - suas análises ficaram restritas a poucos círculos de
intelectuais e poucas vezes o próprio partido em que militava buscou assimilar o alcance
teórico de suas obras. De qualquer forma, o autor foi um militante extremamente fiel às
atividades partidárias, mas também não buscou enfrentá-lo com relação às interpretações
feitas sobre o passado, presente e futuro do país (exceto quando publica em 1966, A
Revolução Brasileira, fazendo duras críticas ao programa revolucionário do partido). Mas se
o PCB foi um partido tenentista, positivista e alinhado incondicionalmente às orientações do
Partido Comunista Soviético, até ele foi obrigado a perceber as alterações ocorridas na década
de 1950, alinhando-se, mesmo que não formalmente, as interpretações de Caio Prado Jr.

Em março de 1958, o Comitê Central do PCB divulgou o documento Declaração de


Março dizendo o seguinte:

“Modificações importantes têm ocorrido, durante as últimas décadas, na estrutura


econômica que o Brasil herdou do passado, definida pelas seguintes características:
agricultura baseada no latifúndio e nas relações pré-capitalistas de trabalho,
predomínio maciço da produção agropecuária no conjunto da produção, exportação
de produtos agrícolas como eixo de toda vida econômica, dependência da economia
nacional em relação ao estrangeiro, através do comércio internacional e da
penetração do capital monopolista nos pontos chave da produção e da circulação.
Nos quadros desta estrutura atrasada, foi-se processando um desenvolvimento
capitalista nacional, que constitui o elemento progressista por excelência da
economia brasileira. Este desenvolvimento inelutável do capitalismo consiste no
incremento das forças produtivas e na expansão, na base material da sociedade, de
novas relações de produção mais avançadas” (Comitê Central do PCB, 1980, pp. 3-
4).
________________________________________________________________________ 106

O trecho acima do PCB nos mostra uma mudança na orientação interpretativa do


momento vivido pelo Brasil e, inclusive, pode ser interpretado como um texto de justificativa
pelo acordo feito com o PSD-PTB para a eleição de Juscelino Kubitschek em 1955. Acordo,
este, que seria duramente criticado por Caio Prado Jr. no livro A Revolução Brasileira. O
autor criticaria o partido, quase rompendo seus laços de filiação e militância, porque para
além de um diagnóstico semelhante do que estava ocorrendo no Brasil da década de 1950,
Caio Prado Jr. estava praticando uma tarefa reflexiva de crítica aos desdobramentos da
política econômica desenvolvimentista.

Segundo o Prof. Lincoln Secco (2008, p. 193), “Caio Prado até admitia certo
progresso, mas sempre aquém das nossas potencialidades”. Neste sentido, percebemos que
Caio Prado Jr. buscou refletir sobre bases materiais qual era a situação do desenvolvimento
econômico brasileiro.

Isto fica claro no seguinte trecho:

“Não pretendo com isso dizer que devemos aspirar uma autossuficiência econômica
e o isolamento comercial, o que em qualquer circunstância do mundo moderno
constitui uma utopia; e que no caso particular é inimaginável [...] Em outras
palavras, e mais precisamente, trata-se de cuidar com maior atenção do movimento
de nossas transações externas, tirando delas o máximo e necessário proveito para
que elas representem cada vez com menor destaque o fulcro da economia brasileira
que a constituem atualmente” (PRADO JR., 1954, pp. 223-224).

Portanto, fica explícita a apreensão da realidade econômica brasileira pelo autor e, a


partir do confronto alçado por Caio Prado Jr. ao pensamento cepalino, buscamos
problematizar àquela realidade do país e buscando qual a relação dialética entre as duas
teorias.

Conforme mencionamos no decorrer do trabalho, segundo os economistas


desenvolvimentistas, a década de 1950 foi o auge de um período em que houve um esforço na
constituição de estruturas tipicamente nacionais. O Brasil teve um planejamento centralizado,
com metas de produções em insumos básicos para a indústria, bem como estratégia para
nacionalização de produtos industrializados e o desenvolvimento de infraestrutura que jamais
havia ocorrido no país até aquele período.

O quadro 11 nos apresenta muito bem este panorama do que foi o planejamento estatal
realizado na década de 1950.
________________________________________________________________________ 107

QUADRO 11

Plano de Metas - 1957 a 1961


Plano Previsão Realizado %
Energia Elétrica (1.000 Kw) 2.000 1.650 82
Carvão (1.000 ton.) 1.000 230 23
Petróleo-Produção (1.000 barris/dia) 96 75 76
Petróleo-Refino (1.000 barris/dia) 200 53 26
Ferrovias (1.000 Km) 3 1 33
Rodovia-Construção (1.000 Km) 13 17 138
Rodovia-Pavimento (1.000 Km) 5 0 0
Aço (1.000 ton.) 1.100 650 60
Cimento (1.000 ton.) 1.400 870 62
Carros e Caminhões (1.000 unid.) 170 133 78
Nacionalização (carros - %) 90 70  
Nacionalização (caminhão - %) 95 74  
Fonte: ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990, p. 180.

No decorrer deste trabalho já apontamos as críticas feitas pelo autor ao modelo


adotado para implantação deste projeto, no entanto, as críticas feitas por Caio Prado Jr. aos
modelos cepalinos não nos permite mostrar que o autor não reconheceu as significativas
contribuições para o entendimento e o empenho pelo desenvolvimento das economias do
Brasil e América Latina. Tanto na teoria cepalina, quanto no pensamento de Caio Prado Jr., a
dominância do setor primário-exportador reproduz o caráter marginal do Brasil, promovendo
um movimento cíclico de dependência na economia brasileira (COLISTETE, 2000, p. 28).

Apesar de reconhecer que as estruturas brasileiras estavam se transformando, a análise


caiopradiana compreendeu que elas estavam inseridas na dinâmica do desenvolvimento do
capital imperialista que se impôs no país.

Tratando sobre a década de 1950, diz ele “seja qual for o grau de desenvolvimento,
extensão e maturação das relações capitalistas de produção, o certo é que o capitalismo
encontra-se na base e essência da economia brasileira contemporânea fora da esfera
socialista” (PRADO JR.; FERNANDES, 2012, p. 28).

É desta forma que procuramos ter desenvolvido este trabalho, ou seja, o autor
compreendera as transformações vividas na década de 1950, as quais, mesmo no bojo do
capitalismo alteraram significativamente nossas estruturas internas. Para o autor, a revolução
________________________________________________________________________ 108

socialista ainda não estava na ordem do dia na política econômica brasileira, mas diferentes
acontecimentos e características apontavam para o fim de um ciclo.

Sobre o a apreensão por Caio Prado Jr. do novo contexto vivido pelo Brasil no período
pós-II Guerra Mundial, o Prof. Paulo Teixeira Iumatti corrobora com a nossa tese da seguinte
forma:

“Caio Prado Jr. afirmava que a política e orientação econômica adotadas nos
últimos anos, o chamado modelo brasileiro de desenvolvimento, impulsionado pelo
milagre econômico - período em que o PIB do país cresceu a mais de 10% ao ano
em média - nada mais eram do que consagrações dos remanescentes do velho
sistema da economia brasileira que já detectara em 1945, na primeira edição do
livro, em particular o enquadramento do país ao sistema internacional do
capitalismo em uma posição de subordinação e dependência” (IUMATTI, 2007, p.
170).

A afirmação do Prof. Iumatti vai ao encontro da nossa interpretação. Se o sentido da


colonização fez algum sentido, foi até a eminência dos acontecimentos da década de 1950. A
partir de então, Caio Prado Jr. nos apresentou outras perspectivas, ou seja, diferentemente do
entendimento majoritário, o autor repensou suas categorias de análises e as reorientou no
sentido de uma transformação, ainda que não socialista, mas no sentido de por a termo as
estruturas coloniais que acompanharam o país durante mais de quatro séculos.

A economia brasileira não estava mais apenas desarticulada, obstruída e orientada pela
demanda internacional das matérias-primas do país, mas, a década de 1950 apresentou a
concepção de que a economia brasileira se apresentava na condição de dependência da
especulação do capital internacional e influência dos grandes trustes internacionais. Esta
dependência que passou a ser o agente desarticulador do equilíbrio econômico do Brasil.

Sobre a nova realidade da economia do Brasil, diz o autor: “É preciso notar muito bem
essas circunstâncias para se compreender a economia brasileira. O nosso marginalismo é
produto da decomposição de um ciclo que já foi florescente” (PRADO JR., 1954, p. 66). Em
um artigo no ano seguinte Caio Prado Jr. vai dizer: “E isto evidencia muito bem a situação de
dependência em que nos encontramos de um sistema internacional cujas alavancas se
manejam à nossa revelia e nas quais não temos a menor interferência (...) o poder econômico
já invade francamente a esfera do poder social e mesmo político” (PRADO JR., 1955, pp. 84-
88).
________________________________________________________________________ 109

Não há mais que se falar mais em sentido de colonização (sob forma de um trajeto a
ser percorrido e superado) somente pelo fato de o Brasil não ter ultrapassado alguns dos traços
coloniais apontados por Caio Prado Jr. O próprio autor compreendeu o movimento histórico
que se apresentava, “assim também na fase do capitalismo moderno/industrial - em contraste
com o capitalismo comercial/colonial que o precedera - e que alcança o Brasil” (PRADO JR.,
1954, p. 73).

A decomposição do ciclo colonial não necessariamente pressupõe a superação por


completo da tríade colonialista brasileira (latifúndio, produção de matéria prima objetivando o
comércio internacional e mão de obra desqualificada). Em suas obras da década de 1950, o
próprio autor abordou de forma diferente estas categorias utilizadas pelo sentido da
colonização e, conforme vimos no decorrer deste trabalho, o autor apreendeu que a
industrialização integrava - de forma parca, mas inédita - alguns setores da economia
(situação inimaginável numa condição de economia colonial).

Um fato importante a ser destacado nesta transição vivida pelo Brasil e que nos foi
apresentada pelo autor em suas obras da década de 1950, foi a questão da qualificação da mão
de obra. Para o autor, o processo de imigração europeu foi fundamental nas transformações da
economia brasileira e, isto nos comprova uma vez mais que o autor compreendeu as
modificações estruturais que aconteciam no país. Diz ele:

“O nível atual atingido pelas forças produtivas do país, e da indústria em particular,


já representa, em grau apreciável, uma reestruturação social de grande significação
e alcance econômico. Esse fato exprime essencialmente pela formação de um
proletariado industrial, cujo índice de crescimento é bastante expressivo: 781.185
operários industriais em 1940 e 1.256.807 operários industriais em 1950, ou seja
um aumento de 60% em dez anos” (PRADO JR., 1954, p 167).

Na análise do autor, o país devia prover condições para um desenvolvimento


qualitativo dos trabalhadores brasileiro. Basicamente o autor apontou para três problemas na
formação dos trabalhadores brasileiros: 1) Heterogeneidade de origem; 2) desorganização
política (sindicatos) e 3) o nomadismo do trabalhador (sempre ligado aos ápices produtivos,
relacionados aos ciclos de extração das matérias-primas).

Estes três problemas estão longe de se resolver até os dias de hoje, mas a partir da
década de 1950 eles começam a se acentuar. Após a II Guerra Mundial chegaram ao Brasil os
últimos grandes vultos de imigrantes. Entre 1939 a 1945, 4.559 embarcações com imigrantes
deixaram os portos europeus com destino ao porto de Santos. De 1946 a 1950, este número
________________________________________________________________________ 110

diminuiu para 1.205 embarcações e durante toda a década de 1950 apenas 214 embarcações
com imigrantes aportaram em Santos. Vale ressaltar que desde a década de 1930, o Brasil já
vinha adotando restrições imigratórias, mas que ao término da II Guerra Mundial, em 1947, o
governo se compromete - através do Decreto-Lei 25.796/1947 - a receber 700.000 imigrantes,
mas até 1951 registrou-se a entrada de apenas 25.000 imigrantes 79. Isto mostra que cada vez
menos gente vinha ao Brasil para formar a mão de obra brasileira e ela passava a se
homogeneizar.

As outras duas características apontadas por Caio Prado Jr. na formação da massa de
trabalhadores brasileiros, podem ser interpretadas como consequência desta homogeneização,
haja vista a organização política dos trabalhadores, a fundação do Partido Comunista
Brasileiro na década de 1920 e a greve dos 300.000 trabalhadores ocorrida em São Paulo, em
1953. Sobre o nomadismo do trabalhador brasileiro o autor entende que com a estabilização
da lavoura cafeeira, mais o processo de industrialização, o país assentou o elevado fluxo de
trabalhadores que precisavam migrar de um lugar para o outro do país pelo completo fim do
ciclo produtivo de algum produto específico.

Com a História se fazendo à frente dos olhos do historiador, Caio Prado Jr. não deixou
que algum dogmatismo ideológico acinzentasse suas reflexões. Com o suicídio de Getúlio
Vargas e a comoção nacional que se deu ao fato, o autor também faz uma releitura sobre seus
antigos apontamentos sobre a falta do sentimento nacional brasileiro ou a falta de
pertencimento do país - dado pela forma que se deu nossa colonização de exploração mais a
vinda dos escravos negros para o Brasil - e apresentou uma nova perspectiva que já não mais
possuía ligação com o sentido de colonização “O nacionalismo constitui hoje no Brasil uma
bem definida e forte corrente da opinião pública” (PRADO JR., 1955, p. 80).

Mais a frente, o autor continua com uma afirmação conclusiva sobre o fim do sentido
(trajetória): “A conclusão geral que nos autorizam observar é que o sistema colonial da
economia brasileira, que vem desde o inicio da nossa formação, atingiu nos dias de hoje um
extremo de sua trajetória” (PRADO JR., 1954, p. 147).

O trecho acima talvez seja tão emblemático quanto o termo sentido da colonização.
Ou seja, não há mais trajetória a ser percorrida. O sentido da colonização tem um fim na
década de 1950 e o que se impões a partir daí é uma condição, qual seja, a condição de país

79
Dados disponíveis no sítio http://museudaimigracao.org.br/acervodigital/passageiros.php e consultados em
02/02/2015
________________________________________________________________________ 111

dependente da engrenagem formada pelo capital estrangeiro e pelos grandes trustes


internacionais.

O Professor emérito da UNICAMP, Theotonio dos Santos, inicia um de seus livros


dizendo: “A Teoria da Dependência, que surgiu na América Latina nos anos 1960 ...”
(SANTOS, 2015, p. 25). Por ser um dos melhores marxistas do país, o Professor sabe que o
surgimento Teoria da Dependência na década de 1960 nada mais foi do que a síntese de
múltiplas reflexões que se construíam já há algum tempo.

Não pretendo aqui dizer que Caio Prado Jr. foi um dos mentores da Teoria da
Dependência, mas procurei demonstrar neste trabalho como o autor compreendeu os
acontecimentos econômicos no Brasil da década de 1950 e que desde a publicação de seu
livro História Econômica Brasileira, de 1945, Caio Prado Jr. já denunciava circunstancias que
levaria o país a uma situação de dependência econômica internacional (pois este é o nosso
foco de estudo) - e que poderia ter seu desdobramento para a questão sócio-política brasileira.

Para finalizar o presente estudo, eu gostaria apenas de propor um contra-argumento ao


Prof. Bernardo Ricupero. Em sua dissertação de mestrado, diz ele:

“Forma esta que leva a uma situação assustadora, no Brasil não ocorrem rupturas,
não se supera o passado, que se eterniza, tornando nossa história uma “permanente
atualidade”. Consequentemente, a obra do historiador paulista só poderá se tornar
desatualizada quando, mais do que seu contextos, as condições que a produziram se
tornarem datadas. Ou seja, quando finalmente se romper com o passado no Brasil,
tarefa a qual Caio Prado Jr. dedicou sua vida, talvez não mais se precise ler seus
livros, a não ser que se queira ter contato com um testemunho brilhante de uma
época já longínqua” (RICUPERO, 1997, p. 192).

Esta citação da dissertação de Ricupero nos causou grandes reflexões, pois ela nos
remete a duas situações, a saber: 1) Concordamos que não houve rupturas na história
brasileira e 2) entendemos que o Brasil não “eternizará seu passado” e que não há como dizer
que a história brasileira é uma “permanente atualidade” - principalmente a partir da década de
1950 até nossos dias.

Mantendo um viés, em grande parte, pessimista a respeito dos acontecimentos


econômicos e sociais na década de 1950, mostramos que Caio Prado Jr. apreendeu as
mudanças estruturais que ocorreram no país e se o Brasil mantinha um sentido de colonização
ele deu lugar a uma condição de dependência.
________________________________________________________________________ 112

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ÍNDICE GERAL DE QUADROS

QUADRO 1

Quadro de Empréstimos Brasil - Inglaterra


Ano Valor Taxa de Juros - Ano Prazo de Pagamento
1822 2.000.000 5% 30 anos
1825 3.000.000 5% 30 anos
1829 400.000 5% 30 anos
1839 312.000 5% 30 anos
1843 732.000 5% 30 anos
1852 1.040.600 4,5% 20 anos
1858 1.526.000 4,5% 30 anos
1859 508.000 5% 20 anos
1860 400.000 4,5% 30 anos
1863 3.855.000 4,5% 30 anos
1865 6.363.613 5% 30 anos
1871 3.000.000 5% 37 anos
________________________________________________________________________ 123

1875 301.200 5% 38 anos


1883 4.599.000 4,5% 38 anos
1886 6.431.000 5% 38 anos
1888 6.297.300 4,5% 37 anos
1889 20.000.000 4% 37 anos
*em libras
Fonte: CAVALCANTI, 1890, p. 332    

QUADRO 2

Quadro de exportações da Inglaterra no séc. XIX*


Produto 1830 1850 1870
Fios e artigos de algodão 50,8 39,6 35,8
Outros produtos têxteis 19,5 22,4 18,9
Ferro, aço, maquinarias, veículos 10,7 13,1 16,8
Carvão, coque 0,5 1,8 2,8
*percentuais relativos a exportação total inglesa
Fonte: HOBSBAWM, 2011, p. 75

QUADRO 3

Plano Marshall*
País 1948-49 1949-50 1950-51 Total
 Alemanha 510 438 500 1.448
 Áustria 232 166 70 488
 Bélgica e  Luxemburgo 195 222 360 777
 Dinamarca 103 87 195 385
 França 1,085 691 520 2.296
 Grécia 175 156 45 366
 Irlanda 88 45 — 133
 Islândia 6 22 15 43
 Itália  594 405 205 1.204
 Noruega 82 90 200 372
 Países Baixos 471 302 355 1.128
 Portugal — — 70 70
 Reino Unido 1,316 921 1,06 3.297
 Suécia 39 48 260 347
 Suíça — — 250 250
 Turquia 28 59 50 137
*Valores investidos em cada país (em milhões de dólares)
Fonte: BEHRMAN, 2007, p. 211 12.741
________________________________________________________________________ 124

QUADRO 4

Finanças Públicas* brasileiras 1950 - 1954


  União Estados e Capital Federal
Superávit Superávit
Ano Receita Despesa Receita Despesa
Déficit Déficit
1950 19.373 23.679 -4.297 16.375 18.540 -2.165
1951 27.428 24.609 2.918 22.905 24.336 -1.431
1952 30.740 28.461 2.279 25.337 30.801 -5.464
1953 37.057 39.926 -2.869 30.477 35.894 -5.417
1954 46.539 49.250 -2.711 39.206 44.783 -5.577
*Valores em Cr$ Milhões
Fonte: Vianna, 1990, p. 120

QUADRO 5

Contas Públicas
Saldo em Conta Inversão de Balança de Dívida Externa
ANO Corrente (US$ Capitais (US$ Pagamentos (US$ Total (US$
Milhões) Milhòes) Milhões) Milhões)
1950 140,0 200,0 52,0 559,0
1951 -403,0 160,0 -291,0 571,0
1952 -624,0 680,0 -615,0 638,0
1953 55,0 1150,0 16,0 1159,0
1954 -195,0 1160,0 -203,0 1317,0
1955 2,0 1430,0 17,0 1445,0
1956 57,0 3380,0 194,0 1580,0
1957 -264,0 4970,0 -180,0 1517,0
1958 -248,0 5080,0 -253,0 2044,0
1959 -311,0 5590,0 -154,0 2234,0
Fonte: ABREU, 1990, p. 404

QUADRO 6

Taxa de variação em relação ao ano anterior


________________________________________________________________________ 125

Variação (%) % Imposto % Imposto de % Imposto de


ANO Inflação* Salário Mínimo de Renda no Consumo no Importação no
Real PIB PIB PIB
1950 9,4 9,4 28,7 33,1 8,7
1951 12,1 12,8 29,5 30,0 10,2
1952 17,3 -63,0 32,5 29,7 8,4
1953 14,3 14,4 31,4 29,1 3,7
1954 22,6 -17,2 33,0 31,2 4,9
1955 23,0 -9,5 34,6 31,3 4,0
1956 21,0 -1,3 33,1 31,0 2,7
1957 16,1 -9,6 31,5 35,5 3,2
1958 14,8 14,5 27,0 33,5 11,0
1959 39,2 -12,5 29,4 34,1 12,1
Fonte: ABREU, 1990, p. 407
* Índice de inflação era calculada apenas na capital federal - Rio de Janeiro

QUADRO 7

Taxa de variação em relação ao ano anterior

Variação no Preço Variação no Preço Quantum Quantum


ANO
Importação (%) Exportação (%) Importação (%) Exportação (%)

1950 -10,0 49,7 9,5 -17,4


1951 29,9 18,2 39,1 10,5
1952 8,0 -0,7 -7,5 -19,2
1953 -4,9 -2,0 -31,0 10,7
1954 -6,2 18,8 34,5 -14,8
1955 -1,6 -20,6 -20,7 14,7
1956 -3,2 -2,4 -1,6 7,1
1957 0,8 -0,9 21,9 -5,4
1958 -2,4 -5,7 -6,0 -5,1
1959 -8,8 -12,1 12,5 17,1
Fonte: ABREU, 1990, p. 405
________________________________________________________________________ 126

QUADRO 8

Taxa de variação em relação ao ano anterior

Produto do Formação Bruta de


Produto Produto
ANO PIB Setor de Capital Fixo (%
Industrial Agrícola
Serviço PIB)

1950 6,8 12,7 1,5 7,9 12,8


1951 4,9 5,3 0,7 6,0 15,4
1952 7,3 5,6 9,1 5,9 14,8
1953 4,7 9,3 0,2 1,9 15,1
1954 7,8 9,3 7,9 9,8 15,8
1955 8,8 11,1 7,7 9,2 11,8
1956 2,9 5,5 -2,4 0 14,5
1957 7,7 5,4 9,3 10,5 15,0
1958 10,8 16,8 2,0 10,6 17,0
1959 9,8 12,9 5,3 10,7 18,0
Fonte: ABREU, 1990, p. 403

QUADRO 9

Plano de Metas - 1957 a 1961- Estimativas de Investimentos em Bilhões de Cr$


Plano Produção Interna Importação Total %
Energia 110 69 179 42,4
Transporte 75,3 46,6 121,9 28,9
Alimentação 4,8 10,5 15,3 3,6
Indústria Básica 34,6 59,2 93,8 22,3
Educação 12   12 2,8
TOTAL 236,7 185,3 422 100
Fonte: ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990, p. 177.  

QUADRO 10

Caixa do Tesouro e Financiamento*


  Execução Orçamentária Financiamento do Déficit de Caixa
Branco
Ano Receitas Despesa Saldo Títulos Outros Total
do Brasil
1956 74,1 107,0 -33,0 24,4 0,2 -0,3 23,9
1957 85,8 118,7 -32,9 15,8 9,5 15,8 41,1
________________________________________________________________________ 127

1958 117,8 148,5 -30,7 16,7 9,2 -0,3 25,6


1959 157,8 184,3 -26,4 25,2 8,8   32,0
1960 233,0 264,6 -31,6 75,4 2,2 -13,6 64,0
*Valores em Cr$ Bilhões
Fonte: ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990, p. 189.

QUADRO 11

Plano de Metas - 1957 a 1961


Plano Previsão Realizado %
Energia Elétrica (1.000 Kw) 2.000 1.650 82
Carvão (1.000 ton.) 1.000 230 23
Petróleo-Produção (1.000 barris/dia) 96 75 76
Petróleo-Refino (1.000 barris/dia) 200 53 26
Ferrovias (1.000 Km) 3 1 33
Rodovia-Construção (1.000 Km) 13 17 138
Rodovia-Pavimento (1.000 Km) 5 0 0
Aço (1.000 ton.) 1.100 650 60
Cimento (1.000 ton.) 1.400 870 62
Carros e Caminhões (1.000 unid.) 170 133 78
Nacionalização (carros - %) 90 70  
Nacionalização (caminhão - %) 95 74  
Fonte: ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990, p. 180.

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