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Guarulhos-SP
Novembro de 2015
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Guarulhos-SP
Novembro de 2015
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BANCA EXAMINADORA:
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SUPLENTE:
Guarulhos-SP
Novembro de 2015
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Resumo
O trabalho aqui apresentado tem por finalidade resgatar o pensamento e argumentos utilizados
por Caio Prado Jr. para debater as políticas econômicas brasileira durante a década de 1950. O
autor marxista, tido com um dos principais intérpretes do Brasil, publicou seu principal texto
em 1942, Formação do Brasil Contemporâneo, o qual integrava o desenvolvimento do país -
desde a chegada dos portugueses - no quadro geral da evolução do mercantilismo e
capitalismo europeu. Neste sentido, Caio Prado Jr., atribuiu um sentido da colonização que
permeou toda a História brasileira. No entanto, após a I Guerra Mundial e, mais
especificamente, após a II Guerra Mundial o Brasil foi inserido em uma nova configuração da
economia internacional. O debate acerca de qual a posição que o país ocupava nesta nova
ordem mundial teve seu ápice na década de 1950 e com os textos publicados pelos
desenvolvimentistas, como Raul Prebisch e Celso Furtado, as análises de Caio Prado Jr.
pouco foram levadas em consideração. Portanto, entendemos que o resgate das reflexões do
autor marxista, a respeito de como o Brasil se desenvolveu após o armistício, pode nos trazer
novas concepções sobre o papel ocupado pelo país na economia internacional, quais os
desdobramentos da política econômica brasileira da década de 1950, bem como uma nova
perspectiva para o sentido da colonização.
Abstract
The work being presented has the goal of recapturing Caio Prado Jr.’s thoughts and arguments
to debate the brazilian economic policy during the 1950s. His main book, “Formação do
Brasil Contemporâneo”, published in 1942 was part of the country’s development – from the
arrival of the Portuguese – in the general evolution of the European mercantilism and
capitalism. In this instance, Caio Prado Jr. attributed a sense of colonization imbued
throughout Brazilian history. However, after World War I and, more specifically after World
War II, Brazil was inserted into a new international economical context. The debate about the
position which the country occupied in this new world order had its apex in the 1950s with
published texts by developmentalists, such as Raul Prebisch and Celso Furtado, little was
taken into consideration from Caio Prado Jr.’s analysis. Therefore, we understand that the
return of the Marxist author’s reflections about how Brazil developed after the armistice, can
bring us new conceptions about the role that the country had in international economy, which
were the pieces of the Brazilian economic policy in the 1950s, as well as a new perspective to
the sense of colonization.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, amiga e eixo central na vida da minha família, Lucia Tauil.
Agradeço ao irmão, o melhor dos amigos, incentivador e “co-orientador” deste trabalho,
Rafael Tauil. Agradeço à minha irmã caçula, amada e exemplo maior de superação, Fabiana
Tauil. Agradeço ao cunhado-amigo que, com paciência, suporta nossas loucuras, Fabrizio
Caterina. Agradeço ao irmão distante, mas presente, Tuca e sua família maravilhosa.
Agradeço à família Naranjo (e agregados), que são meus pais e irmãos postiços, pelo amor e
confiança incondicional. Agradeço ao primo e novo amigo, Andrés Tauil. Agradeço ao Paulo
Marchesan, Caio e Nancy que muito me inspiram. Agradeço a Marluce Muniz pela paciência,
dedicação e empenho em fazer dos “Tauils” uma família mais equilibrada. Agradeço a Maria
Helena Paulino, por ouvir minhas lamúrias, que tanto me ajudou a organizar as idéias e,
assim, resolver minhas angústias.
Agradeço as amigas que fiz neste mestrado e que tanto me ajudaram: Ana, Luciana,
Jenifer, Fernanda e, em especial, a grande amiga e companheira nesta jornada de estudos,
Tabita Lopes.
Agradeço aos professores Maria Orlanda Pinassi e Marco Del Roio que contribuíram
com dicas e direcionamentos preciosos para a fase final deste trabalho.
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PS: meu tio Paulo Marchesan, prestes a completar sessenta anos de idade, me disse:
“eu ainda não sei o que eu quero da vida, mas sei exatamente o que eu não quero”. Por isso,
eu agradeço ao Itaú Unibanco, nos longos anos em que trabalhei lá, por me mostrar
exatamente o que eu não quero para minha vida.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CAPÍTULO 1:.........................................................................................................................24
Ortodoxa...................................................................................................................................24
CAPÍTULO 2:.........................................................................................................................67
CONCLUSÃO:......................................................................................................................102
Caio Prado Jr. e a década de 1950: o fim de um sentido e o início de uma condição............102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS................................................................................113
O desenvolvimento capitalista é
uma viagem com mais náufragos
do que navegantes.
(Eduardo Galeano)
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INTRODUÇÃO
A maior parte dos comentadores da obra de Caio Prado Jr. entende que o autor
investiu boa parte de sua vida intelectual na análise da formação nacional, indicando um
sentido da colonização para o desenvolvimento político e econômico brasileiro. No entanto,
mesmo com suas obras mais célebres sendo consagradas como exemplos de releituras da
história brasileira, entendemos que o sentido da colonização e a dependência econômica do
Brasil quase sempre permearam sua produção bibliográfica e possuem, na década de 1950,
um ponto de intersecção.
Como introdução desta pesquisa, entendemos ser importante iniciar com uma breve
biografia de Caio Prado Jr., para que possamos satisfazer a contextualização de suas
1
A Cepal, ou Comissão Econômica para América Latina e Caribe, é uma comissão das Nações Unidas, fundada
em 1947, com o intuito de diagnosticar e orientar políticas econômicas no continente latino-americano. Esta
comissão teve seu auge de influência nos países da região na década de 1950, conforme veremos no decorrer
deste trabalho.
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Caio Prado Jr. nasceu no seio de uma família muito poderosa no cenário político e
econômico brasileiro do século XIX. Seu avô paterno, Martinho da Silva Prado Jr., foi um dos
maiores exportadores de café do Brasil no final do século XIX. Em sua infância, o autor foi
beneficiado com a educação que se dava aos membros da oligarquia nacional. Gozava de
todos os privilégios da elite paulistana. Morava em bairro nobre da cidade de São Paulo,
passava férias nas fazendas da família no interior do estado e, por vezes, fazia viagens a
Europa. Em 1922 se formou no tradicional colégio São Luiz, localizado na Avenida Paulista.
Na adolescência assistiu a polêmica Semana de Arte Moderna de 1922 e entre os anos de
1924 e 1928 estudou na Faculdade de Direito Largo São Francisco, que futuramente seria
incorporada a Universidade de São Paulo – USP. E em 1926 o autor participou do I
Congresso de Estudantes de Direito, expondo um trabalho no qual já apresentava sua
tendência a explicar a realidade do país a partir das relações econômicas e políticas.
No entanto, nenhum destes fatos seria decisivo para evidenciar a transformação que o
jovem herdeiro de uma das maiores fortunas brasileiras do inicio do século 20 iria enfrentar.
Sua inserção na política e seu desejo por compreender o Brasil surgiram de forma quase
natural (SECCO, 2008, p. 27). A única característica que levaria a presumir qualquer relação
de estudo/militância que o autor admitiria para sua vida é a de que Caio Prado Jr. era um
viajante por natureza. Ao longo de sua vida conheceu diversos países e fez questão de
conhecer o Brasil in loco, viajando por diversos estados do país. Esta ânsia em conhecer os
fundamentos do desenvolvimento político e econômico brasileiro conduziu o autor a um
inédito projeto de interpretá-lo sob a perspectiva marxista, conforme veremos adiante.
Caio Prado Jr., ao lado de Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda, pertenceu ao
seleto grupo que foi chamado de os intelectuais da geração de 30. Porém, o que nos chamou a
atenção neste estudo foi sob qual influência e com quais métodos o autor desenvolveu suas
pesquisas, inserindo a história brasileira no contexto dos acontecimentos internacionais. Ou
seja, o desenvolvimento político e econômico brasileiro, desde a chegada dos portugueses,
obedeceu à lógica dos desdobramentos que se sucederam na Europa, a partir do
desenvolvimento de uma nova formação social - o capitalismo. Desde sua primeira obra
Evolução Política do Brasil (1933) e de forma mais aprofundada em Formação do Brasil
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Em 1931 Caio Prado Jr. filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro 2 e no decorrer das
décadas de 1930 e 1940 se firmou como um dos principais intelectuais marxistas do país.
Logo no ano seguinte de sua filiação, em 1932, o autor se mostrou um militante ativo e
cumpriu uma série de atividades políticas e culturais através do PC. Foi neste momento que o
autor se aprofundou na leitura sobre economia política marxista. Vale lembrar que na década
de 1930 era o PC quem comprava as principais obras de Marx, Engels e Lênin, e só a partir de
então que essas obras começavam a ser disseminadas para grupos restritos de intelectuais
brasileiros. Nesta época, Caio Prado Jr. participou de diversos encontros com operários,
jornalistas e pensadores paulistanos. Colaborou também com publicações e financiando
revistas e jornais marxistas.
Apesar de toda militância, Caio Prado Jr., nunca foi unanimidade no PC. Em
novembro de 1932 - um ano após sua filiação - Caio Prado Jr. foi acusado pelo Comitê
Regional do PC de querer fundar um jornal “pequeno-burguês”, de ter vínculos trotskistas, de
organizar cursos marxistas e de estar preparando-se para dar um “Golpe de Estado” dentro do
partido. Sobre estas acusações, Caio Prado Jr. foi claro ao defender seus pontos de vista sobre
a situação brasileira:
E é a partir deste ponto, na mesma carta, que Caio Prado Jr. vai marcar seu
posicionamento junto ao PC:
2
A partir de agora vamos nos referir ao Partido Comunista Brasileiro como PC.
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As citações acima demonstram que desde o início de sua participação política no PC,
sua linha de pensamento não estava de acordo com os dogmas importados pelo partido. Mas
citando Lênin e a experiência russa, o autor contesta seus acusadores ao mesmo tempo em que
mostra vontade de permanecer ativo na militância.
Neste mesmo ano de 1932, Caio Prado Jr. teve seu primeiro contato com a obra O
Capital, de Marx, e já no ano seguinte publicou sua primeira obra: A Evolução Política do
Brasil, revelando a influência do materialismo histórico de Marx em suas análises. É valioso
salientar que até os anos 1960 o marxismo brasileiro obedecia, via PC, a produção teórica
autorizada pela URSS3. Caio Prado Jr. foi uma exceção na apropriação do marxismo nos anos
1930, pois sua condição social lhe dava acesso a textos pouco propagados de Marx e Engels,
além dos documentos oficiais oriundos da URSS.
Com isso, percebemos que os temas e preocupações de Caio Prado Jr. fazem parte de
um marxismo de matriz comunista, que tem em Lênin e na Revolução Russa seus pontos de
partida. No entanto, uma das características inovadoras deste autor está justamente no fato de
que ele procurou criticar e reorientar suas reflexões traduzindo-as para a realidade brasileira
(KAYSEL, 2009, p. 12). Como resultado disto, Caio Prado Jr. apresentou uma nova
possibilidade de compreender o processo histórico brasileiro, isto é, a sua investigação
concentrou-se num objeto específico contextualizado em um todo mais vasto e sua abordagem
permitiu demonstrar quais os movimentos de construção do seu objeto - o sentido da
colonização e a dependência econômica no desenvolvimento político econômico brasileiro -
como tentativa de diagnosticar e resolver problemas do Brasil fundados em bases materiais
(SECCO, 2008, p. 31).
Vimos também que o marxismo presente em Caio Prado Jr. não foi concebido a luz de
uma aliança com a burguesia para cumprir uma etapa da revolução socialista. Para Caio Prado
Jr., uma autêntica apreensão do marxismo perpassava pela necessidade em abstrair os dogmas
do PC e da Terceira IC4, para compreender e analisar a realidade brasileira. Neste sentido, o
3
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
4
A Terceira IC - ou Terceira Internacional Comunista - foi uma organização internacional fundada pelo Partido
Comunista Russo, que funcionou de 1919 a 1943, com o intuito de unificar a orientação dos partidos comunistas
de diversos países. Após a morte de Lênin, em 1924, a organização passou a obedecer as matrizes teóricas e
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Caio Prado Jr. escreveu suas obras durante os anos de 1930 e 1940 sem se deixar
dominar pela interpretação oficial do PC. O autor rejeitava a análise da IC e do PC sobre o
passado feudal brasileiro e seu modelo revolucionário. Ele oporá uma análise do Brasil e um
projeto revolucionário5 onde não falará de feudalismo e nem de revolução democrático-
burguesa, mas de pré-capitalismo e revolução permanente que desembocará, em longo prazo,
no socialismo sem a etapa intermediária da transição ao capitalismo, que seria desnecessária,
pois o Brasil já era capitalista desde a origem (PRADO JR., 1966, p. 31).
Este enfrentamento ideológico entre Caio Prado Jr. e o PC se deu praticamente durante
toda relação entre partido e filiado. O PC não expulsou Caio Prado Jr., assim como fez com
diversos outros militantes, por ter no autor um dos intelectuais mais respeitados na época e,
também, pelo nível de militância que Caio Prado Jr. tinha com o partido - financiando muitas
das atividades do partido, inclusive após a cassação de seu mandato como Deputado Estadual
em 1947 junto com o registro do PC. Da mesma forma, Caio Prado Jr. não se desfiliou do
partido por acreditar que somente com a articulação partidária, aplicada na dimensão do
sistema sócio-político-econômico vigente no país, é que poderia atingir as condições
práticas ditadas pelo líder soviético Joseph Stálin. A partir de agora vamos nos referir a Terceira Internacional
Comunista como IC.
5
Caio Prado Jr. esquematizou seu projeto revolucionário em duas obras que foram publicadas posteriormente ao
período compreendido neste estudo (A Revolução Brasileira, de 1966 e História e Desenvolvimento, de 1968).
Por isso não nos ateremos as suas propostas para a revolução socialista brasileira.
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necessárias para uma transformação socialista no futuro. Ou seja, apesar de nunca de sido
expulso ou ter rompido com o PC, Caio Prado Jr. aceitou a disciplina interna, mas
permaneceu sempre com uma postura crítica, conforme suas reflexões.
Conforme vimos acima, em 1947, Caio Prado Jr. foi eleito pelo PC como Deputado
Estadual, mas logo em seguida teve seu mandato cassado - junto com o registro do PC - em
12 de janeiro de 1948. Esta cassação teve papel fundamental na vida de Caio Prado Jr., pois
lhe serviu de aprendizado dos limites de um regime que se dizia democrático. Após este
período, o autor esteve recluso, atento aos fatos políticos e econômicos do país e publicou
obras relevantes como Dialética do Conhecimento (1952), Diretrizes para uma Política
Econômica Brasileira (1954) e Fundamentos da Teoria Econômica (1957), além de uma série
de artigos para a Revista Brasiliense.
A biografia de Caio Prado Jr. nos fornece dados significativos para a compreensão das
reflexões do autor sobre temas como a história, o marxismo e a militância da esquerda
brasileira. Caio Prado Jr. empenhou quase a totalidade de seus esforços teóricos e práticos a
fim de descortinar o real desenvolvimento político e econômico do Brasil. Ou seja, desde o
princípio de sua vida, os temas relacionados ao país lhe eram interessantes e, mais do que
isso, o autor entendeu - através do método dialético e materialista histórico - que se fazia
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Assim, Caio Prado Jr. contribuiu de forma autêntica para o modo de se pensar o Brasil,
uma vez que a história brasileira possuía várias interpretações e quase todas elas
influenciadas, de certo modo, com o projeto de construção da nação brasileira a partir da
“descoberta” do Brasil pelos portugueses em 1500 e seus desdobramentos nos séculos
seguintes.
Neste sentido, como resultado dos ideais da Revolução Francesa chegando à América
Latina, a independência brasileira em 1822 e a proclamação da República em 1889, o Brasil
teve, no começo do Séc. XX, uma série de intelectuais repensando a história brasileira. Mas
foi no período pós-II Guerra Mundial, com a Europa decadente e a afirmação dos Estados
Unidos como potência mundial, que alguns pensadores começaram a elaborar estudos sobre a
história econômica latino-americana e brasileira.
Pretendemos nos apoiar sobre a análise das obras de Caio Prado Jr. na década de 1950,
com o propósito de explicar, sob o ponto de vista do autor, como se manifestou a questão da
dependência na economia brasileira frente aos países com economias mais industrializadas.
Neste sentido, vale problematizar a realidade brasileira e alguns conceitos elaborados que
envolviam o desenvolvimento do Brasil até aquele momento. Buscaremos revisitar os escritos
produzidos por Caio Prado Jr. sobre o desenvolvimento da economia brasileira, com interesse
no debate acerca da dependência econômica que se realizava naquele período.
6
A Cepal influenciou toda uma geração de intelectuais latino-americanos. No Brasil a influência cepalina atingiu
seu auge nas décadas de 50 e 60, quando as ideias e técnicos da Cepal estiveram no centro dos debates e, muitas
vezes, nas decisões econômicas no Brasil. Celso Furtado foi o maior representante dos ideais cepalinos
brasileiros.
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Utilizaremos como centro da pesquisa a tese de cátedra apresentada por Caio Prado
Jr., em 1954, à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Diretrizes para uma
Política Econômica Brasileira, obra que lhe rendeu o Título de Livre Docência pela
Universidade de São Paulo, e a obra escrita em 1957: Esboços dos Fundamentos da Teoria
Econômica, bem como seus artigos publicados no período, que mostram o autor dialogando
de forma explícita com o pensamento que dominava a política econômica brasileira na década
de 1950, conforme veremos no capítulo 2. Vamos nos limitar a este recorte bibliográfico das
obras de Caio Prado Jr., procurando compreender de que modo se organizou, para o autor, a
dependência econômica brasileira e quais as categorias se formaram para que a “economia
brasileira” se mantivesse submetida ao comércio internacional.
Salienta-se dizer que o resgate das obras escolhidas para este estudo mostra o
engajamento intelectual do autor em entender o desenvolvimento econômico do país em um
momento em que este debate estava no centro do pensamento político econômico brasileiro.
Momento este quais as reflexões sobre a política econômica latino-americana rompem com o
pensamento burguês clássico, entendendo que a desigualdade político-econômica entre os
países não era um resultado pré-concebido e orgânico, mas sim como uma consequência de
assimetrias e desigualdades historicamente construídas a partir de determinadas relações
políticas sociais e econômicas previamente formadas (PAULA, 2006, p. 3).
Vale destacar que a posição de Caio Prado Jr. enquadra a questão da dependência
brasileira sob um ponto de vista significativamente mais complexo e contemporâneo à época,
na medida em que aponta para a centralidade da necessidade de se criar internamente as
condições para um desenvolvimento técnico, e colocar este desenvolvimento como parte
fundamental de um objetivo pré-determinado, isto é, de um projeto global que visasse a
independência internacional da economia brasileira.
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para além da Cepal. O sucesso das teorias cepalinas nas décadas de 1950 e 1960 não ocorreu
somente com os policy makers7, mas também entre os donos de indústrias, empresários e,
também, entre os acadêmicos.
Veremos que no decorrer do primeiro capítulo, Caio Prado Jr. estará um pouco ausente
do debate, sendo resgatado apenas como referência para demonstrar alguns acontecimentos na
história econômica no Brasil durante os séculos XVIII, XIX e início do século XX, pois
entendemos ser necessária a contextualização e a construção das teorias econômicas liberais
ortodoxas que prevaleceram no debate político brasileiro neste período, para que depois
pudéssemos utilizar o arsenal teórico do autor na desconstrução destas teorias. Portanto,
procuramos no primeiro capítulo apresentar quais eram os “inimigos” do pensamento
econômico de Caio Prado Jr. para que no segundo capítulo conseguíssemos despi-los.
Caio Prado Jr., na maior parte de sua produção intelectual, levou em consideração
questionamentos históricos acerca dos problemas na formação brasileira e, por este motivo,
desvela-se a importância que o autor atribui ao estudo do processo percorrido em que as
questões relativas às economias com atividade produtiva menos valorizada, do ponto de vista
econômico, estão inseridas, para deste modo, propor qual o caminho deve ser atravessado
objetivando seu desenvolvimento econômico (SAMPAIO JR., 1997, p. 115). Sob este
aspecto, o autor confrontará, na década de 1950, o núcleo básico da teoria cepalina para a
condição de dependência econômica brasileira.
Contextualizando o significativo debate intelectual que Caio Prado Jr. manteve com a
teoria cepalina, as obras escolhidas para este estudo destacam-se por pelo menos quatro
razões que serão exploradas durante este estudo: 1) Pelo amplo estudo histórico da economia
brasileira que o autor realiza; 2) pela solidez de seus argumentos; 3) pelas conseqüências
políticas e econômicas que decorrem de sua análise e 4) pela compreensão do conjunto da
realidade brasileira naquele momento.
Portanto, este estudo pretende demonstrar como Caio Prado Jr. interpretou a
dependência econômica brasileira na década de 1950, apontando como se formou uma nova
configuração internacional que impôs ao Brasil novas condições de desenvolvimento. Para
isso, é de suma importância contextualizar os fatos e debates realizados à época para que
possamos apresentar qual contribuição o autor ofereceu às políticas econômicas que estavam
sendo implantadas no país daquela década. E, talvez, mais importante do que isto, seja a
própria compreensão, para Caio Prado Jr., de que a década de 1950 foi o fim de um ciclo que
pôs a termo algumas das heranças coloniais econômicas do país.
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CAPÍTULO 1:
Toda teoria econômica se propõe a oferecer métodos para que a sociedade consiga se
sustentar contemplando o pleno emprego dos recursos produtivos. Todavia, nem sempre há
uma harmonização no aproveitamento dos fatores produtivos e, nestes casos, alguns recursos
podem ficar à margem de sua empregabilidade. Até a crise de 1929, os teóricos econômicos
se baseavam nos ensinamentos da escola clássica de economia, que entendia o desemprego e
os desajustes ocorridos na sociedade a serem corrigidos via mecanismos de mercado. No
entanto, o Crash de 1929 apresentou uma realidade na qual a teoria clássica não mais dava
conta. Ainda no inicio do século 20, os economistas não se empenhavam em diagnosticar o
comportamento e desempenho do sistema econômico de forma global, e ainda mantinham o
desenvolvimento do estudo econômico baseado nos primórdios aristotélico oeconomy8, como
a arte de administrar o lar pelo chefe de família. Ou seja, as investigações mantinham-se
muito mais no plano da relação privada empresa-consumidor do que no estudo das alterações
de níveis macroeconômicas do emprego, renda e produção.
Apesar de a economia como ciência autônoma ter sido concebida apenas no século
XVIII, as bases do pensamento econômico científico já emergiam nos três séculos anteriores
durante o período mercantilista9. Para Keynes (1964, p. 323), os mercantilistas adotaram
8
Termo indicado por Aristóteles em seu livro A Política para designar a forma de organização do núcleo familiar
grego.
9
O mercantilismo foi um modo de produção transitório - entre o feudalismo e o capitalismo - existente nos
Estados absolutistas europeus que teve na acumulação dos metais preciosos o fulcro do seu desenvolvimento
econômico (FALCON, 1981, p. 17).
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práticas econômicas e comerciais sem possuírem bases teóricas para suas ações. Nó século
XVIII, os Estados absolutistas europeus enriqueciam com a acumulação de metais preciosos -
os estoques de metais preciosos foi o maior indício da riqueza e poder das nações entre os
séculos XV e XVII - enquanto grande parte da população mantinha-se em condições de
extrema pobreza. Neste sentido, o avanço das grandes navegações de Portugal e Espanha foi
imprescindível no processo de acumulação destas riquezas. As colônias europeias na América
Latina desempenharam uma função fundamental no intercâmbio de metais preciosos que, por
fim, acabaram financiando grande parte do processo de industrialização europeu. Vale
lembrar - e evidenciar - que o caso brasileiro mostrou-se forçosamente interessante no
desenvolvimento do mercantilismo, que desembocaria na realização plena do capitalismo com
o advento da indústria.
10
Entre 1580 e 1640, Portugal e Espanha estiveram em guerra e, neste período, a Inglaterra financiou os gastos
públicos da coroa portuguesa.
11
Em 1703 foi selado o Tratado de Methuen em que Portugual, em troca de benefícios no comércio de seus
vinhos no mercado inglês, oferecia vantagens comerciais em seu mercado interno - e no de suas colônias - às
manufaturas britânicas (PRADO Jr., 2012, p. 110).
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por semana (FURTADO, 1963, p. 107). O ouro brasileiro foi fundamental para que a
Inglaterra acumulasse capital suficiente para desenvolver sua manufatura e investir em novas
tecnologias que a permitisse realizar a grande revolução industrial em seu território. Podemos
afirmar que a “descoberta” da América impulsionou a criação do mercado mundial e, com o
passar dos séculos, acelerou o desenvolvimento do modo de produção capitalista (ENGELS,
MARX, 2010, p. 12).
14
A mão invisível foi um termo criado por Adam Smith para designar o controle que a livre iniciativa no âmbito
privado teria de regular as relações sociais entre os indivíduos.
15
Adam Smith lança o termo mão invisível ao referir-se que o conflito pelos interesses individuais trariam
naturalmente benefícios a toda coletividade.
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“(...) o operário é incapaz quer de conhecer o interesse geral, quer de sentir a sua ligação
com o seu próprio interesse. A sua condição não lhe deixa tempo para tomar as
informações necessárias; e, supondo que ele pudesse alcançá-las completamente, a sua
educação e os seus hábitos são tais que não ficaria menos fora de condições para decidir
perfeitamente. De resto, nas deliberações públicas, não lhe pede a sua opinião”
(SMITH, 1979, p. 14).
Os produtos da débil indústria luso-brasileira não faziam frente aos preços e volume
de produtividade dos produtos ingleses, desta forma, sem medidas protecionistas ou subsídios
ao cultivo, qualquer iniciativa de consolidar o desenvolvimento da manufatura têxtil, tanto no
16
No final do século XVIII, os Estados Unidos eram os maiores exportadores de algodão do mundo. Entre 1761
e 1765, os Estados Unidos enfrentou uma guerra civil entre seus estados do sul, que apoiavam o regime
escravocrata no processo produtivo, e os Estados do norte que, sob influência inglesa, apoiavam o fim da
escravidão. Esta guerra, chamada de Guerra de Secessão, abalou drasticamente a produção, e consequentemente,
a exportação de algodão para a Europa.
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Brasil quanto em Portugal, foi aniquilada em sua raiz. Com o fim da Guerra de Secessão, o
sul dos Estados Unidos voltou a exportar algodão em larga escala para sua ex-metrópole e,
assim, aumentou a oferta mundial do produto. Com mais tecnologia para a produção e terras
menos devastadas pelas práticas no cultivo, a reinserção do algodão norte-americano no
mercado internacional impôs ao Brasil uma queda da terça parte no preço deste produto
(GALEANO, 1983, p. 107).
As teses elaboradas por Ricardo e Say suscitam debates até os dias de hoje. Porém, no
decorrer dos séculos XIX e XX suas teorias foram postas em xeque com interlocutores (que)
perpassam por Karl Marx, John Stuart Mill, Alfred Marshall e, por fim, John Maynard
Keynes. Tanto Ricardo quanto Say produziram suas análises de forma contemporânea, no
início do século 19, e, para alem da diferença da nacionalidade, Ricardo era inglês e Say era
francês, os dois pensadores se propuseram o objetivo de aprofundar as análises iniciadas por
Adam Smith. No entanto, no decorrer de suas obras, fica latente que os dois economistas
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Todo este arcabouço teórico pautou as relações da Europa com o resto do mundo
provocando conseqüências na formação econômica de suas colônias. O século XIX foi um
período marcado por uma série de movimentos emancipatórios entre as metrópoles européias
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Mais uma vez o caso brasileiro mostrou-se interessante neste processo, por representar
bem a função de país com uma economia pautada pelas exportações de matérias-primas e
importações de produtos manufaturados europeus - majoritariamente produtos provenientes
da Inglaterra. A economia brasileira tinha como caráter essencial a produção de matérias-
primas para serem vendidas no comércio internacional, portanto a principal fonte de recursos
eram as taxas alfandegárias. O tratado que dava aos ingleses a vantajosa situação de poder
exportar seus produtos ao Brasil pagando apenas 15% de alíquota de alfândega 17 trouxe uma
série de restrições ao desenvolvimento da economia brasileira, o que dificultava a
competitividade de produtos portugueses na colônia (e agora também sede da metrópole).
Para solucionar este imbróglio, o trono português equiparou a taxa de importação inglesa aos
produtos de Portugal em 181018. O retorno da corte portuguesa à terra de origem, em 1821, e o
processo de independência política do Brasil com relação a Portugal, 1822, impuseram ao
novo governo brasileiro o pagamento de uma parte da dívida de sua ex-metrópole com relação
ao império britânico19. O novo imperador brasileiro, Dom Pedro I, tentou desvincular-se do
monopólio comercial inglês e ampliar as possibilidades de comércio com outros países. A
forma encontrada pelo governo brasileiro foi a de equiparar todas as taxas de importação no
mesmo patamar dos ingleses, ou seja, 15%.
Por mais que esta medida tenha incentivado a ampliação do comércio com outros
países, isto não foi suficiente para aumentar a arrecadação tributária a ponto de sanar o
desequilíbrio das finanças brasileiras. Em momentos de maior dificuldade, o governo
brasileiro foi compelido a taxar as exportações brasileiras, condenando a única fonte de
divisas no Brasil ao desestímulo (FURTADO, 1963. pp. 122). De fato, as duas medidas que
conseguiram, momentaneamente, dar fôlego às finanças brasileiras foram a recorrência a
emissões de papel-moeda, cujo efeito é a desvalorização da moeda, e os empréstimos
internacionais20, conforme ilustrado no quadro 1:
17
Em 1808, com a abertura dos portos, o Brasil firmou um tratado com a Inglaterra outorgando uma taxa
alfandegária de 15% na entrada dos produtos deste país no mercado brasileiro. Este tratado valeu até 1844
quando a alíquota subiu a 30%.
18
Até 1810 os produtos portugueses eram tarifados em 16% e produtos de outros países em 24% na entrada ao
mercado brasileiro.
19
Em caráter indenizatório, o Brasil pagou 2 Milhões de Libras a Portugal pela sua independência em 1822
(PRADO Jr., 2012, p. 134).
20
Em meados do séc. XIX a dívida externa brasileira já consumia 40% das riquezas que o país produzia
(FURTADO, 1963, p. 133).
________________________________________________________________________ 33
QUADRO 1
Com exceção de alguns períodos que esteve em guerra com o Paraguai24, o Brasil
experimentou um longo período de equilíbrio nas contas públicas entre os anos de 1850 e
1890. Comparando o decênio de 1840 com o decênio de 1890, o Brasil teve um aumento de
214% no volume de exportação e contou com aumento de 46% no valor médio de seus
produtos no mercado internacional (FURTADO, 1963, p. 176). O volume de exportação do
café25 e a inserção de capital inglês - muitas vezes para refinanciar dívidas antigas - fizeram a
economia brasileira inserir-se com autonomia política no comércio internacional.
Inflada pelas teorias de Adam Smith, David Ricardo e Jean Baptiste Say, a Inglaterra
desempenhou papel fundamental na internacionalização das relações mundiais, ressuscitando,
em uma escala jamais vista, a dominação imperial durante o século XIX mediante a prática e
ideologia do livre comércio. Em nenhuma outra época - até o século XX - um país concentrou
tanto volume de exportações como a Inglaterra no século XIX. Além da quantidade
exportada, os produtos ingleses eram diversificados e tinham alto valor-agregado 26. Segundo
Hobsbawm, os ingleses eram os grandes exportadores de manufaturas e produtos industriais
para o mundo. Suas exportações estavam assim distribuídas:
23
O café contará em larga escala com o trabalho de imigrantes europeus, que trabalharam em grandes fazendas -
principalmente na região do oeste paulista - dividindo suas colheitas em 50% com os proprietários de terra - tipo
de relação de trabalho que ficou famosa pela denominação de regime meeiro (FURTADO, 1963, p. 162).
24
Brasil, Argentina e Uruguai estiveram em guerra com o Paraguai entre 1865 e 1870 (GALEANO, 1983, p.
204).
25
No final do séc. XIX o Brasil fornecerá 60% do café consumido no mundo (FURTADO, 1963, p. 177).
26
A Inglaterra foi apelidada de “oficina do mundo” por conta de que suas mercadorias eram produzidas
majoritariamente em fabricas e novas indústrias.
________________________________________________________________________ 35
QUADRO 2
27
Os custos de transporte, moradia e alimentação dos imigrantes - até chegarem em seus locais de trabalhos -
eram pagos pelo governo brasileiro (PRADO Jr., 2012, p. 251)
________________________________________________________________________ 36
Diferentemente dos séculos passados, o Brasil não encontrou outro produto primário
para cobrir o espaço deixado pelas vultosas exportações de café. Sofrendo com o mercado
especulativo cafeeiro e sem alternativas para gerar novas rendas, o governo brasileiro
recorrerá a empréstimos internacionais30 para estocar o grão objetivando alavancar seu preço a
partir da baixa oferta no mercado mundial31. Esta política de contenção de preços se manterá
até o final da I Guerra Mundial (1918), quando o consumo internacional de café aumentou e
trouxe sinais de recuperação para os exportadores e para as contas do governo.
28
Na transição do séc. XIX para o séc. XX o comércio do café já era alvo de especulações financeiras. O
especulador compra sacas de café no inicio da colheita - quando o produto apresenta maior quantidade de oferta
e preços mais baixos - e estoca para vendê-las no final da época de colheitas - quando a oferta do produto
começa a diminuir e os preços aumentam (PRADO Jr., 2012, p. 237)
29
As amortizações do valor principal da dívida externa brasileira só voltariam a ser pagam em 1911
(FURTADO, 1963, p. 193).
30
A dívida externa do Brasil evolui a 30 milhões de libras em 1888, alcançando 90 milhões de libras em 1910 e
chegando em 250 milhões de libras em 1930 (PRADO Jr., 2012, p. 263).
31
Entre 1906 e 1910 o governo brasileiro retira de circulação 8,6 milhões de sacas de café do mercado mundial
(PRADO Jr., 2012, p. 228).
32
Em 1924 - início do controle de Lazard Brothers & Co. LTDA - o número de cafeeiros era de 949 milhões de
sacas apenas em São Paulo. Este número sobre para 1.155 bilhão de sacas em 1930 (PRADO Jr., 2012, p. 234).
________________________________________________________________________ 37
demanda pelo produto não evolui33 e, mesmo com o controle da oferta, o preço do café
começa a se desvalorizar (GALEANO, 1983, p. 114).
A volatilidade do comércio do café brasileiro submeteu-se, mais uma vez, aos acasos
da economia internacional. Porém, nas primeiras décadas do século 20, além de o mundo
amargar uma crise financeira, de produção e de desemprego que afetou o Brasil, o capitalismo
- como forma de acumulação de riquezas - passou pelo seu pior momento de oscilação
ideológica.
33
A crise de 1929 marca o fim do apogeu cafeeiro do Brasil em relação ao mercado internacional. O preço se
deprecia em quase 30%, chegando a recuar 50% na metade da década de 1930 (GALEANO, 1983, p.219).
________________________________________________________________________ 38
34
Herbert Hoover foi presidente dos Estados Unidos da América entre os anos de 1929 e 1933.
35
laissez-faire, ou deixe-acontecer em tradução livre, foi uma expressão criada pelo economista fisiocrata
François Quesnay que expressa o preceito máximo do capitalismo de livre-mercado. Trata-se de uma expressão
que expõe a liberdade de funcionamento do mercado sem qualquer tipo de interferência estatal.
________________________________________________________________________ 39
A conseqüência direta, e mais grave, da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque foi
a incerteza de liquidez dos bancos estadunidenses. Devido à dissipação dos valores investidos
em ações empresariais, os cidadãos de todas as cidades dos Estados Unidos iniciaram uma
corrida aos bancos comerciais a fim de resgatar os valores aplicados em poupança ou em
fundos bancários. Com isso, os bancos de varejo perderam sua capacidade de disponibilizar
todo valor solicitado para saque pelos correntistas e, em 1931, dois mil pequenos bancos
comerciais faliram (PARKER, 2009, p. 298). A situação de desmonte nos valores de mercado
das empresas que mantinham ações em Wall Street, somado à quebra dos bancos
estadunidenses, atingiu todo o setor produtivo dos Estados Unidos, afetando toda a disposição
de mobilização da economia internacional a partir de suas importações e exportações. O
capitalismo entrou em sua primeira crise ideologicamente material por todo o mundo e o
sistema laissez-faire já não respaldava com credibilidade as práticas econômicas do período
pós 1929.
Os economistas liberais dos séculos XVIII e XIX focavam seus estudos na tríade
demanda-oferta-preço sem que as questões estruturais do funcionamento global da economia
fossem levadas a cabo. Isso porque para os clássicos liberais, as determinantes do nível de
renda, produção e nível de emprego estariam reguladas pelo equilíbrio do livre jogo das forças
do mercado e, portanto, seria improvável uma situação de desemprego (de todas as forças
produtivas) em larga escala e durante um longo período de tempo. De acordo com a teoria de
Jean Baptiste Say, o equilíbrio econômico sempre seria conservado se as forças do mercado
pudessem agir livremente. Para Say, a própria produção criaria seu mercado ou, em outras
palavras, a oferta criaria sua própria demanda. Este postulado de Say representou a máxima
capitalista materializada na experiência estadunidense no período pós I Guerra Mundial, ou
________________________________________________________________________ 40
seja, as economias não haveriam de se preocupar com superprodução, pois a produção global
encontraria alternativas próprias para seu escoamento.
No entanto, todos os postulados dos economistas clássicos foram abalados pela grave
crise de superprodução criada pela imensa injeção de capital no setor produtivo dos Estados
Unidos. Conforme vimos anteriormente, a especulação financeira injetou mais capital nas
empresas estadunidenses - fazendo com que estas empresas aumentassem a produção e sua
respectiva oferta - do que o mercado efetivamente demandava. A queda da demanda por bens
de consumo não foi regulada pelo ajuste de preços da oferta e a tríade demanda-oferta-preço
se desarticulou. Com isto, o desemprego dos fatores produtivos - inclusive o trabalho
assalariado - propagou-se em escala jamais prevista pelos economistas clássicos liberais e não
havia nada que garantisse um retorno automático de equilíbrio no sistema econômico. Ou
seja, os postulados liberais tornaram-se indefensáveis e criaram condições para uma
reconstrução dos postulados capitalistas (ROSSETI, 1980, p. 647), conforme veremos a
seguir.
Para além da crise da bolsa de valores em Nova Iorque e seus desdobramentos no resto
do ocidente, outro fator relevante acudiu esta reavaliação na forma de se pensar a economia.
O liberalismo ortodoxo econômico encontrava-se a beira do abismo nas primeiras décadas do
século XX, no entanto, na maior parte do mundo ao oriente da Europa, sob influência do
planejamento estatal da URSS, pareciam imunes à catástrofe do capitalismo apregoado pelos
Estados Unidos e alguns países europeus. A total intervenção do Estado na economia foi, sem
dúvida, um dos fatores que levou os economistas ocidentais a buscarem novas alternativas
para as práticas de políticas econômicas nos países devastados pela crise do capitalismo
ortodoxo (HOBSBAWM, 2001, p. 111).
36
Franklin Roosevelt foi presidente dos Estados Unidos durante quarto mandatos consecutivos, entre 1933 e
1945.
________________________________________________________________________ 42
mercado internacional. Neste período, o preço do café despencou devido à falta de demanda
internacional e os preços das importações se elevaram de forma escalonada pela falta de
oferta de bens de capital. O déficit gerado por este choque na balança de pagamentos
brasileira obrigou o governo Vargas37 a adotar políticas econômicas expansionistas,
sustentando a demanda com gastos públicos - especialmente na compra de sacas de café para
posterior destruição e, assim, garantir a manutenção de seu preço internacional (FURTADO,
1974, p. 34).
Sofrendo com o mercado especulativo cafeeiro e sem alternativas para gerar novas
rendas, o governo brasileiro recorrerá a empréstimos internacionais 38 para estocar o grão
objetivando alavancar seu preço a partir da baixa oferta no mercado mundial 39. Esta política
de contenção de preços se manterá até o final da I Guerra Mundial (1918), quando o consumo
internacional de café aumentou e trouxe sinais de recuperação para os exportadores e para as
contas do governo. Neste sentido, a intervenção do governo varguista nas relações do
comércio internacional brasileiro foi suficiente para aliviar as profundas consequências que a
crise pós-1929 teve em outros países. A geração de déficits fiscais em larga escala, associada
às compras da produção de café não exportada, com o intuito de manter a sustentação das
atividades econômicas tem sido interpretadas como o advento de uma política econômica pré-
keynesiana no Brasil (ABREU, 1990, p. 79).
Até 1936 alguns governos estavam adotando medidas protecionistas contra a crise
mundial sem qualquer tipo de referencial teórico. Tanto as intervenções brasileiras nas
relações comerciais de exportação de café, quanto as intervenções de Roosevelt na economia
dos Estados Unidos, estavam sendo feitas como medidas emergenciais, isentas de
planejamentos de longo prazo. Coube a John Maynard Keynes 40 teorizar sobre a nova
realidade vivida pela sociedade abatida pelo golpe da crise pós 1929. As intervenções estatais
nas relações econômicas e comerciais apresentaram aos economistas uma perspectiva de que
as distorções ocorridas pela ciranda do livre mercado não seriam corrigidas pelo próprio
sistema econômico. Neste sentido, Keynes empenhou anos de estudos na tentativa de explicar
sobre as causas fundamentais dos desajustes econômicos ocorridos de forma cíclica nas
economias de livre mercado. Com este propósito, Keynes - ex-aluno do economista liberal
37
Getúlio Vargas foi presidente do Brasil entre os anos de 1930 e 1945.
38
A dívida externa do Brasil evolui a 30 milhões de libras em 1888, alcançando 90 milhões de libras em 1910 e
chegando em 250 milhões de libras em 1930 (PRADO Jr., 2012, p. 263).
39
Entre 1906 e 1910 o governo brasileiro retira de circulação 8,6 milhões de sacas de café do mercado mundial
(PRADO Jr., 2012, p. 228).
40
John Maynard Keynes (1883 - 1946) foi um economista inglês que fundou a escola heterodoxa econômica
responsável por revisar os postulados teóricos liberais como Smith, Ricardo e Say.
________________________________________________________________________ 43
Alfred Marshall41 - precisou romper com o pensamento hegemônico liberal que predominou
até a década de 1930 e, em 1936, publicou o livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e do
Dinheiro declarando logo em suas primeiras páginas:
41
Alfred Marshall foi professor titular de economia política na Universidade de Cambridge.
________________________________________________________________________ 44
Para Raúl Prebisch - economista latino americano que apresentaremos mais a frente - a
tese de Keynes mostrou que a tendência aos desajustes dos fatores produtivos, em especial ao
desemprego do trabalho assalariado, se dava pela riqueza das grandes comunidades
industriais. Ou seja, por suas determinações em poupar e investir, e que o laissez-faire era
incapaz de corrigi-los, pois:
Neste sentido, Raul Prebisch realçou que a abordagem keynesiana incitou os governos
a provocarem deliberadamente o crescimento dos investimentos, até que a demanda seja
suficiente para absorver toda oferta obtida pelo pleno emprego dos fatores produtivos
(PREBISCH, 1988, p. 20). Se para os economistas liberais clássicos a poupança era a
responsável por prover os capitais disponíveis para investimentos dos empresários, para
Keynes é o investimento que elevará o nível da renda nacional, provocando um aumento
automático no nível da poupança pela coletividade. Portanto, quando a soma dos gastos em
bens, serviços e em investimentos realizados pelos consumidores, empresários, governo e
pelo setor externo forem iguais ao montante de toda oferta da produção nacional, o sistema
econômico encontrará o equilíbrio e o pleno emprego dos fatores produtivos (DENIS, 1987,
p. 702).
42
Renda Nacional é a totalidade de pagamentos feitos aos fatores de produção - como o salário do trabalhador ou
a compra de matéria prima - que foram utilizados na obtenção do produto nacional (FONSECA, 2006, p. 270).
________________________________________________________________________ 46
mundo se deparava com dois modelos de sociedade: uma representada pelos Estados Unidos e
Europa - impulsionada pelo laissez-faire dos mercados privados - e outro apresentado pela
União Soviética - mobilizada pelo centralismo estatal na administração da produção,
comércio e promoção do bem-estar da população.
“Embora essa teoria indique ser de importância vital atribuir a órgãos centrais
determinados poderes de direção hoje confiados em sua maioria à iniciativa
privada, nem por isso respeita menos um largo domínio da atividade econômica.
No que concerne à propensão a consumir, o Estado terá de exercer sobre ela uma
influência orientadora através do seu sistema de impostos, fixando a taxa de juros e
talvez ainda por outros meios (...) Creio, portanto, que uma socialização algo ampla
dos investimentos será o único meio de assegurar uma situação aproximada de
pleno emprego, e o que não implica a necessidade de excluir s compromissos e
fórmulas de toda espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa
privada. Mas, fora disto, na se vê nenhuma razão evidente que justifique um
socialismo de Estado envolvendo a maior parte da vida econômica da comunidade.
Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. Se este
for capaz de determinar o montante global dos recursos destinados a aumentar esses
meios e a taxa básica de remuneração aos seus detentores, terá realizado tudo o que
lhe corresponde” (KEYNES, 1964, p. 356).
Por pelo menos trinta anos, do período pós 1929, a teoria keynesiana obteve sucesso ao
demonstrar que o investimento público pode desempenhar função importante como base de
sustentação para expansão das economias capitalistas. Sob a alcunha de um reformista do
capitalismo, enaltecendo o papel de cooperador estatal nos sistemas econômicos, Keynes não
ficou isento de críticas, principalmente pelo fato de ter se ocupado minoritariamente em sua
Teoria Geral de pressupostos da microeconomia - como a formulação dos preços, por
________________________________________________________________________ 47
exemplo - por não ter tratado de temas fundamentais do funcionamento da economia, como o
trabalho humano, por exemplo.
O GATT foi a principal implicação prática que o Sistema de Bretton Woods produziu
para os países que não possuíam uma economia industrial de larga escala, isso porque com
este acordo buscava-se ampliar os limites do comércio mundial e era essencial que o maior
número de países participantes da dinâmica de transações comerciais internacionais fosse
incorporado.
43
Em 1950 o Congresso dos Estados Unidos, sofrendo pressões políticas receosas na perda de renda com a
flexibilização das tarifas, anuncia a sua não ratificação no GATT.
44
Artigo 1º do GATT: “Qualquer vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedida por uma Parte Contratante
a um produto originário de outro País ou destinada a ele, será concedida imediatamente e incondicionalmente a
todo outro produto similar originário dos territórios de todas as demais Partes contratantes ou a elas destinado”.
________________________________________________________________________ 49
QUADRO 3
Plano Marshall*
País 1948-49 1949-50 1950-51 Total
Alemanha 510 438 500 1.448
Áustria 232 166 70 488
Bélgica e Luxemburgo 195 222 360 777
Dinamarca 103 87 195 385
França 1,085 691 520 2.296
Grécia 175 156 45 366
Irlanda 88 45 — 133
Islândia 6 22 15 43
Itália 594 405 205 1.204
Noruega 82 90 200 372
Países Baixos 471 302 355 1.128
Portugal — — 70 70
Reino Unido 1,316 921 1,06 3.297
Suécia 39 48 260 347
Suíça — — 250 250
Turquia 28 59 50 137
*Valores investidos em cada país (em milhões de dólares)
Fonte: BEHRMAN, 2007, p. 211 12.741
45
Os Estados Unidos alocaram algo em torno de 13 bilhões de dólares na reconstrução da Europa - em valores
atualizados isto significa aproximadamente 150 bilhões de dólares (BEHRMAN, 2007, p. 142).
46
Praticamente 70% dos produtos comprados pelos países da Europa neste período tinham procedência norte-
americana (BEHRMAN, 2007, p. 295).
________________________________________________________________________ 50
visto no quadro 3, os Estados Unidos precisavam conservar os países da América Latina longe
do alcance da influência soviética e, no entanto, os países da América Central, Caribe e
América do Sul aspiravam pelo desenvolvimento político, social e econômico prometido pela
ideologia estadunidense.
O presidente dos Estados Unidos, Harry Trumann, ao inicio de seu segundo mandato,
em 20 de janeiro de 1949, fez o seguinte discurso, lançando pela primeira vez o termo
“subdesenvolvido” para os países não centrais no capitalismo mundial:
“Faz-se necessário lançar um novo programa que seja audacioso e que ponha as
vantagens de nosso avanço científico e de nosso progresso industrial a serviço da
melhoria e do crescimento das regiões subdesenvolvidas. Mais da metade das
pessoas em todo o mundo vive em condições vizinhas à da miséria e não possuem o
que comer. São vítimas de enfermidades. Sua pobreza constitui uma desvantagem e
uma ameaça, tanto para elas quanto para as regiões mais prósperas.”
devastou boa parte dos países industriais do mundo, mais o processo de descolonização de
antigas colônias e a queda dos preços de exportação dos produtos primários, alteravam toda
ordem de poder interna e externamente dos países. Uma nova ordem mundial precisava ser
redesenhada, objetivando a promoção do desenvolvimento e industrialização de novos atores
globais.
A partir da década de 1930, o papel do Estado passou a ser fundamental, por ser o
principal agente de fomento para o desenvolvimento dos países. Neste momento, um extenso
bloco de novas teorias prega o papel estatal na promoção do bem-estar social. A maioria
dessas linhas de pensamento parece apreender, mantendo afinidade com o pensamento
keynesiano, que o processo de desenvolvimento dos países não passaria apenas pelas leis do
livre-mercado.
pelo simples ritmo de evolução do capitalismo, mas sim pela quebra de paradigmas das
teorias econômicas anunciadas até então.
Neste sentido, o ex-diretor do Banco Central da Argentina, Raul Prebisch 47, foi
convidado para atuar como consultor na Cepal e apresentar um relatório sobre a conjuntura
socioeconômica em que a América Latina estava inserida. Em 1949, Raúl Prebisch apresentou
O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de seus Principais Problemas
(texto que ficou conhecido como Manifesto da Cepal). Com este documento, o argentino faz
uma reavaliação sobre a transferência de diretrizes da econômica clássica para o continente
latino-americano.
Assim como Keynes, Raul Prebisch era um economista de formação clássica e liberal,
mas que procurou reaver seus conceitos interpretativos do funcionamento da economia
internacional. Logo no início do Manifesto da Cepal, o argentino vai sinalizar sua
reorientação interpretativa: “A realidade está destruindo na América Latina, aquele velho
esquema da divisão internacional do trabalho que, após haver adquirido grande vigor no
século XIX, seguiu prevalecendo, doutrinariamente, até bem pouco tempo” (PREBISCH,
1949, p. 47). O diagnóstico do continente latino americano feito por Raul Prebisch reflete sua
formação profissional e, sob a visão de um economista, os principais problemas anunciados
pelo autor argentino orbitavam acerca da estrutura produtiva dos países periféricos.
Por focar seu diagnóstico nas estruturas produtivas dos países periféricos, em especial
os países latino americanos, Raul Prebisch lançou um modelo analítico até então inédito para
o exame dos problemas econômicos e sociais de países de desenvolvimento periférico. O
modelo estruturalista - como ficou conhecido o método de análise prebischiano - parte das
relações entre o centro e a periferia somadas a atribuição dos países periféricos no mercado
internacional (BIELSCHOWSKY, 1995, p. 111)
47
Raúl Prebisch desempenhou diversas funções nas áreas econômicas da Argentina, mas foi durante seu mandato
de diretor do Banco Central, que ele se defrontou com inexequível pagamento da dívida externa argentina, que
ele lançou-se na tarefa de reinterpretar as circunstâncias que levaram a Argentina àquela situação (DOSMAN,
2011, p. 44).
________________________________________________________________________ 53
Filiado ao pensamento keynesiano, Raul Prebisch entende que o progresso nos países
latino-americanos deveria ser pautado por uma reordenação do Estado, alterando o padrão de
políticas públicas, orientando-as para a composição de pólos industriais e investimentos na
infraestrutura, objetivando demonstrar que as exportações de matérias-primas deveriam ser
uma extensão do mercado interno, provendo ao mercado internacional seu excedente
produtivo.
48
David Ricardo foi um dos fundadores, junto com Adam Smith, da escola clássica inglesa da economia política.
________________________________________________________________________ 54
49
Mas o principal problema que serve de ponto de partida (para Prebisch) se relaciona com a distribuição do
progresso técnico e seus efeitos: a evidência empírica explicita a existência e uma considerável desigualdade
________________________________________________________________________ 55
nos níveis de importação entre os países industriais e os países produtores e exportadores de produtos
primários. Isto tem uma enorme teórica e prática, pois nega a justificação básica da teoria clássica da divisão
social do trabalho como fonte de desenvolvimento baseado nas exportações primárias que predominavam a
América Latina desde a crise de 1929.
________________________________________________________________________ 56
máxima do nível de vida das pessoas depende da produtividade dos fatores de produção e esta
depende, em grande parte, de máquinas mais eficientes” (PREBISCH, 1949, p. 93).
Como resposta aos problemas diagnosticados, todo esforço teórico produzido por Raul
Prebisch - e pelos profissionais que lhe acompanhavam nos trabalhos da Cepal - objetivavam
criar condições analíticas para a superação do subdesenvolvimento dos países periféricos. Os
documentos cepalinos demonstraram que a solução para baixa eficiência dos fatores
produtivos na América Latina passava pela necessidade de se atravessar um processo de
industrialização em suas economias, seja no campo - modernizando e diversificando a
produção agropecuária - seja nas cidades com as indústrias tradicionais.
Celso Furtado ingressou na equipe cepalina de Raul Prebisch desde sua fundação. Se o
argentino logrou êxito na teorização autônoma a respeito das questões das estruturas
produtivas da América Latina, nós podemos afirmar que Celso Furtado foi imprescindível no
processo interpretativo teórico e propositivo das políticas econômicas brasileiras na década de
1950. Assim como toda perspectiva de reelaboração das teorias clássicas econômicas que
pairava no mercado mundial pós-crise de 1929, o economista brasileiro também foi
influenciado pela ótica keynesiana de que o simples jogo do mercado, se autorregulando, não
daria conta do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos e que estes se manteriam
dependentes dos países do centro capitalista, cujas economias estavam suportadas pelo
desenvolvimento industrial.
Na década de 1950, Celso Furtado publicou alguns de seus principais livros que
continham elementos fundamentais para a compreensão da dependência econômica brasileira
frente aos países do centro industrial capitalista. Dentre estas obras, destacamos: A Economia
Brasileira - contribuição à análise do seu desenvolvimento 51(1954) Uma Economia
Dependente (1956) e Perspectiva da Economia Brasileira (1958). A trajetória de produção
destas obras nos apresenta, também, o processo de formação da dependência econômica
brasileira e as proposições furtadianas para sua superação. A obra de 1954 e a de 1956
possuem um viés investigativo a respeito da débil formação das estruturas produtivas
brasileiras que levou o país a situação de dependência das economias do centro. Já a obra de
50
Entendemos por política econômica desenvolvimentista o conceito utilizado por Ricardo Bielschowsky em
Pensamento Econômico Brasileiro - o ciclo ideológico do desenvolvimentismo 1930 a 1964. 2000, p. 7.
51
Esta obra foi revisitada por Celso Furtado e, com algumas alterações, foi republicada em 1959 com o título
Formação Econômica do Brasil (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 162).
________________________________________________________________________ 59
1958, nos apresentou um viés propositivo que, baseado nas premissas de formação do
processo produtivo brasileiro, indicou quais possíveis medidas deviam ser adotadas para a
superação da condição dependente dos países centrais. Interessante notar que a obra de 1958
foi escrita justamente quando Celso Furtado participava do primeiro escalão do governo
presidencial de Juscelino Kubitschek, entre 1956 a 1961.
De qualquer forma, tanto em suas obras cujos objetivos eram identificar as debilidades
de formação da economia brasileira, quanto em suas obras cujos objetivos eram aventar
possíveis correções destas deformações, Celso Furtado manteve-se alinhado à metodologia
histórico-estruturalista cepalina de análises econômicas do Brasil. Para o economista
brasileiro, o subdesenvolvimento brasileiro também obedeceu à ótica dualista, centro e
periferia, preconizada pela Cepal, ou seja, a dinâmica político econômica do Brasil foi
resultante e integrante do movimento de expansão capitalista internacional e toda debilidade
da estrutura produtiva brasileira, e suas conseqüências, vincula-se a forma singular como o
país foi inserido no mercado mundial. Neste sentido, Celso Furtado apresentou quais eram
suas categorias analíticas fundamentais no processo de interpretação do desenvolvimento dos
países, ou: “A análise desse problema (o subdesenvolvimento) dentro de uma perspectiva
histórica é de importância fundamental para compreender as modificações estruturais que
estão ocorrendo atualmente na economia brasileira” (FURTADO, 1954, p. 22).
Desta forma, Celso Furtado mostrou que a formação e reprodução das estruturas
tipicamente subdesenvolvidas - como a concentração de renda e sua inflexibilidade de
distribuição, o excedente de mão de obra, a heterogeneidade técnica dos fatores de produção -
vincularam-se ao desenvolvimento das economias periféricas e as impuseram seus respectivos
lugares na divisão internacional do trabalho.
“(...) no momento em que se deflagra uma crise nos países industriais, o preço dos
produtos primários cai bruscamente, reduzindo-se, portanto, de imediato a entrada
de divisas no país de economia dependente. Enquanto isso, o efeito dos aumentos
das exportações continua a propagar-se lentamente. Existe, assim, uma etapa
intermediária em que a procura de importações continua crescendo e oferta de
divisas já se reduziu drasticamente” (FURTADO, 1956, p. 23).
O fenômeno apresentado por Raul Prebisch e por Celso Furtado explica o caráter
estrutural dos constantes problemas nas balanças de pagamentos dos países subdesenvolvidos,
ou seja, em uma economia cuja principal função é a exportação de produtos primários, a
queda brusca dos preços das matérias-primas impacta imediatamente a inversão de valores
nestes países, ao passo que as importações feitas pelo empresariado dos países dependentes
reduzem de forma mais lenta, gerando, assim, uma distorção na relação de importação versus
exportação e, como conseqüência, o déficit nas balanças de pagamento dos países periféricos.
causadas pela baixa do fluxo comercial e sua decorrente diminuição nas movimentações
financeiras, deviam ser compensadas pelos lucros gerados nos momentos de apogeu do ciclo
de desenvolvimento capitalista.
Neste sentido, para o economista brasileiro, algumas premissas deveriam ser aceitas
pela sociedade brasileira: 1) A industrialização integral era a via de superação da pobreza e
subdesenvolvimento; 2) em países dependentes não há como alcançar a industrialização de
forma espontânea, por via do mercado, e por isto a necessidade da intervenção estatal neste
processo; 3) o planejamento estatal deve orientar e oferecer os instrumentos necessários aos
setores econômicos com o objetivo de promover a industrialização e 4) o Estado deve ordenar
a execução e expansão do processo de industrialização, captando os recursos financeiros e
investindo diretamente nos setores que a iniciativa privada seja insuficiente
(BIELSCHOWSKY, 2000, p. 7).
“A renda nacional tende a crescer com a expansão da massa de salários pagos pelas
indústrias e com os maiores lucros dos industriais. Ao contrário da expansão
originada no setor exportador (de matérias-prima), resultante da elevação de preços
que se traduz quase exclusivamente em maiores lucros agrícolas, a expansão
industrial faz crescer simultaneamente a massa de lucros e a de salários. Essa maior
massa de salários significa expansão interna na procura de alimentos e um novo
estímulo à produção agrícola” (FURTADO, 1958, p. 32).
Portanto, o exame de Celso Furtado identifica e propõe uma estrutura pronta e pré-
definida que formaria a dinâmica do desenvolvimento e superação da dependência econômica
brasileira. Resumidamente, o que o economista brasileiro propõe é que o Estado brasileiro
deflagre, orientando e fomentando, a industrialização dos bens de consumo substituindo suas
respectivas importações, o que acarretaria uma desarticulação do trabalho
artesanal/agrícola/de baixa produtividade, gerando, num primeiro momento, desemprego
dessa massa de trabalhadores e diminuindo o salário nominal e real. No entanto, este
movimento geraria um incremento na produtividade industrial aumentando, por conseqüência,
os lucros dos empresários. Estes lucros deveriam ser reinvestidos nos setores de produção
com a compra de bens de capital, o que por sua vez, aumentaria o campo de trabalho e geraria
uma onda de novos empregos, iniciando um movimento de estímulo ao mercado interno
ampliando a necessidade de diversificação dos fatores produtivos para atender essa nova
demanda recém-formada. A diversificação da oferta, gerada pelo aumento da demanda,
conduziria progressivamente ao nível máximo do pleno emprego, resultando em uma brusca
diminuição na oferta de mão de obra e, assim, valorizando a massa salarial paga aos
trabalhadores democratizando a riqueza e o bem-estar social da população (BRANDÃO,
2002, pp. 105-109).
________________________________________________________________________ 66
O que veremos no próximo capítulo é como Caio Prado Jr. se inseriu neste debate
fecundo, de caráter mais econômico do que histórico, acerca da dependência econômica
brasileira e de que forma este autor vai contrapor seus argumentos aos acontecimentos da
política econômica da década de 1950.
CAPÍTULO 2:
53
Eugênio Gudin foi ministro da fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo do
presidente Café Filho. Octávio Gouveia de Bulhões foi ministro interino da fazenda de abril de 1955 até a posse
de Juscelino Kubitschek em 1956.
________________________________________________________________________ 67
Segundo Thomas Hobbes “A guerra consiste não só na batalha, ou no ato de lutar, mas
num período de tempo em que a vontade de disputar uma batalha é suficientemente
conhecida” (HOBBES, 1988, p. 195). Para além da batalha armada, que tentou ser evitada a
todo custo, o que se sucedeu após a II Guerra Mundial foi uma intensa batalha ideológica
protagonizada pelos dois pólos mencionados acima54. Se os Estados Unidos e União Soviética
tentaram, a todo custo, evitar um enfrentamento material, guerra armada, o mesmo não se
pode dizer a respeito das disputas pela ampliação e manutenção de suas zonas de
influências55. O capitalismo estadunidense versus o socialismo soviético foi a pauta desta
batalha e ela foi latente até o final da década de 1980.
54
A guerra ideológica, encabeçada pelas duas potências mundiais, foi realizada no que ficou conhecido como
softpower, ou seja, não se tratou de uma guerra cujo poder foi determinado pelo poder balístico dos países, mas
sim, uma guerra, cujo poder foi mensurado pela capacidade de influência nas decisões de política econômica dos
países que estavam sob suas zonas de influência.
55
Este período de disputa ideológica entre Estados Unidos e União Soviética durou aproximadamente 40 anos e
foi conhecida como Guerra Fria.
56
Veremos mais a frente que este poder de escolha dos governantes dos países não foram tão livres como se
preconizava na época.
________________________________________________________________________ 68
governantes. Com uma eficiente campanha de propaganda, o governo dos Estados Unidos
montou sua estratégia para manutenção de suas zonas de influência pautadas no puro rechaço
ao totalitarismo nazi-fascista e qualquer outro modelo ditatorial que houvesse no mundo. A
União Soviética foi tão vencedora da II Guerra Mundial quanto os Estados Unidos, mas seu
regime político era conhecidamente uma ditadura, cujo líder, Joseph Stalin, não fazia questão
de esconder (HOBSBAWM, 2001, p. 228).
Em 1945 o Brasil chegava ao décimo quinto ano com um mesmo presidente no poder.
Getúlio Vargas assumira o maior posto da República em 1930, logo após a quebra da Bolsa de
Valores de Nova Iorque em 1929, e em uma sucessão de atos, que não fazem parte do escopo
deste estudo, conseguiu manter-se no poder até o término da II Guerra Mundial. Mesmo
contando com o apoio financeiro dos Estados Unidos no período em que transcorre o
conflito57, há uma clara reorientação na política exterior de Washington no sentido de
repreender governos que não haviam sido eleitos democraticamente. Desta forma, todo tipo
de incentivo foi dado a políticos liberais brasileiros para que pusessem fim ao período
varguista no comando do país, ou em outras palavras, a deposição do presidente brasileiro, em
1945, deve ser considerada no âmbito de uma reorientação estadunidense dos incentivos
financeiros dado ao governo brasileiro.
A fim de se apresentar como uma boa alternativa para receber investimento dos
Estados Unidos, o Brasil realizou eleições nos moldes democráticos, que pregavam a cartilha
estadunidense, e elegeu o antigo ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra. Esta eleição além de
simbolizar a volta de um ambiente de liberdade popular na política brasileira, representou
57
Os investimentos diretos estadunidenses no Brasil passaram de US$194 milhões, em 1936, para US$240
milhões, em 1940 (ABREU, 1990, p. 101).
________________________________________________________________________ 69
muito mais do que isto. Outros fatores de enorme relevância, quais sejam, a eleição de um
membro do exército brasileiro, cujas características quase sempre foram de posições
conservadoras, colocou as diretrizes da política econômica do país alinhada às pretensões
políticas e econômicas estadunidenses. Alem disso, afastou, de maneira quase imediata,
qualquer tipo de aspiração comunista no Brasil.
O Governo Dutra teve seu período marcado por dois fatos interessantes com relação
ao papel do Estado nas relações sociais: 1) O mandato do general inicia suas atividades, em
1946, embaladas por políticas econômicas com aspectos heterodoxos, como o controle do
câmbio pelo Estado e contingenciamento estatal das importações 58 e 2) com relação a
liberdades individuais e políticas, o General Dutra manteve o Estado brasileiro com uma
postura bastante liberal, mantendo a liberdade de expressão, a pluralidade partidária e sem
perseguições políticas59. Estes fatos foram fundamentalmente orientados pelos pactos liberais
de Bretton Woods, conforme vimos no início deste capítulo.
De outra forma, a partir de meados 1947, o governo pratica uma guinada em sua
política econômica tornando-a mais ortodoxa, a fim de resolver o endêmico problema da
balança de pagamento brasileiro. Mesmo os superávits acumulados nos anos que percorreram
a II Guerra Mundial - cerca de US$730 milhões - não foram suficientes para financiar a época
de retração econômica vivida pelo Brasil de 1946 até 1949. As exportações brasileiras, em
1945, eram compostas basicamente de 70% de café e 20% de manufaturas. De 1946 em
diante, as manufaturas brasileiras iniciaram forte declínio chegando a representar 7,5% no
primeiro ano pós-armistício e a meros 1% em 1952 (VIANNA, 1990, p. 110).
Doutrina Truman somada à aplicação do Plano Marshall nos países do oeste europeu,
deixaram claro que o desenvolvimento econômico dos países parceiros - ou que estavam sob
suas zonas de influência - tinha também, como objetivo manter afastada a ameaça comunista
soviética que poderia interferir nos planos de consolidação dos Estados Unidos como única
potência mundial.
No entanto, o PC, desde sua fundação na década de 1920, oscilou nas orientações de
suas atividades partidárias e interpretações da política econômica brasileira
(BIELSCHOWSKY, 2012, p. 182). Completamente alinhado com as teses e definições do
Partido Comunista Russo, o PC se mostrava incapaz de produzir um programa autônomo para
a realização da revolução brasileira. Segundo Caio Prado Jr., isto se devia ao erro de
perspectiva que o PC adotava com relação à realidade brasileira. Para o autor, tratava-se de
um erro tentar transpor esquemas pensados e ações realizadas em contextos e países diferentes
à conjuntura brasileira. Esta crítica de Caio Prado Jr. esteve presente em sua obra tanto com
relação ao programa do PC quanto aos programas de política econômica apresentadas no
Brasil pelos ortodoxos e neo-ortodoxos liberais na década de 1950 (SAMPAIO JR. 1997, p.
111), conforme veremos mais a frente.
60
A Resolução do Tribunal Superior Eleitoral número 1.841 de 07/05/1947 cancelou o registro do Partido
Comunista Brasileiro acatando denúncia da Procuradoria Geral da República sob argumento de que o Partido
incitava greve dos trabalhadores e atuava contra a ordem democrática de direito do país.
________________________________________________________________________ 71
Mesmo com essa autonomia de reflexão e com uma perspectiva distinta do programa
revolucionário comunista brasileiro, Caio Prado Jr. se elegeu deputado estadual pelo PC em
São Paulo no ano de 1947. Ao gozar de condições financeiras privilegiadas, Caio Prado Jr.
financiou toda sua campanha eleitoral e, após eleito, doava todo seu rendimento como
parlamentar ao PC. Seu mandato foi marcado pela proposta de criação da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP, que acabara sendo criada apenas na
década de 1960, pela reforma tributária taxando a herança de terras, bem como a cobrança de
alíquotas progressivas do Imposto Territorial. No entanto, o ponto mais marcante do mandato
de Caio Prado Jr. foi os embates realizados na plenária da Assembléia Legislativa de São
Paulo contra deputados e políticos ligados a burguesia do café paulista (SECCO, 2008, p. 75).
Após estes acontecimentos, Caio Prado Jr. limitou suas pesquisas como estudioso da
História brasileira e se aprofundou no estudo da economia política (IUMATTI, 2007, p. 170).
Desta forma, entendemos que a publicação do livro História Econômica do Brasil, em 1945,
nos parece ser um “acerto de contas” com sua principal obra Formação do Brasil
Contemporâneo, de 1942.
Este debate não cabe nesta dissertação, mas o fato é que encontramos diversos
elementos no livro de 1945 que abordam os mesmos temas sob aspecto predominantemente
da economia política, ou seja, em nossa leitura, o autor acreditou ser necessário dar uma nova
abordagem interpretativa aos acontecimentos históricos do Brasil e, talvez, não seja à toa que
os dois livros estejam apartados por apenas três anos de diferença - tempo para resignificar o
livro de 1942? De toda forma, esta possível mudança das categorias analíticas merece uma
pesquisa mais aprofundada da qual não conseguiremos dar conta neste momento.
O que pretendemos apresentar daqui pra frente é a tese de um autor que pouco foi
levado em consideração no debate político econômico brasileiro, mas que - conforme veremos
- produziu muito dos alicerces interpretativos sobre a dependência econômica, que foram
apropriados por outros autores na década de 1950 e seguintes.
________________________________________________________________________ 72
Caio Prado Jr. foi um dos maiores intérpretes do Brasil, mas sua obra ficou marcada e
datada como uma excelente interpretação da formação colonial brasileira. O que veremos
daqui pra frente é que á partir da II Guerra Mundial - e principalmente durante a década de
1950 - Caio Prado Jr. apreendeu a nova realidade brasileira, reconheceu avanços
interpretativos de Órgãos como a Cepal e assimilou as mudanças que estavam ocorrendo na
ordem mundial. Diante destes fatos, Caio Prado Jr. disse:
Isto se observa porque se nas décadas de 1920 e 1930 a leitura das obras de Marx e
Engels - além de seus intérpretes europeus - era escassa e Caio Prado Jr. já mostrou a
absorção do método de análise marxista na década de 1950 e sua familiaridade com tal
método é incontestável.
Percebemos que em sua obra Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira
(1954), o autor deixou claro qual seria o alicerce interpretativo da situação brasileira naquele
momento: “Mas que é possível desde já, é propor o método que se há de seguir na análise e
interpretação dos nossos fatos. Isso é possível porque tal método já faz parte do arsenal
científico dos nosso dias. Refiro-me à dialética materialista.” (PRADO JR., 1954. p. 56).
Neste mesmo sentido, poucas páginas adiante, Caio Prado Jr. reforça seu conhecimento das
categorias utilizadas por Marx para interpretação de realidade: “E nesse sentido, toda a
superestrutura que se ergue sobre a economia cafeeira, não representa qualitativamente mais,
________________________________________________________________________ 73
apesar de seu vulto quantitativo, que as superestruturas que no passado se ergueram sobre o
açúcar”61 (PRADO JR., 1954, p. 62).
Conforme vimos no capítulo anterior, autores como Raul Prebisch e Celso Furtado
foram determinantes para dar voz a uma “nova interpretação” do desenvolvimento latino-
americano e brasileiro. A nova interpretação entre aspas se faz necessária porque acreditamos
que a contribuição estruturalista dos economistas da Cepal se ateve muito mais no campo
propositivo, sob ótica keynesiana de reorganização do capitalismo, do que de fato em uma
interpretação autêntica do desenvolvimento da América Latina. Desde o início do século XX
diversos autores - como José Carlos Mariátegui no Peru, por exemplo - já realizavam estudos
acerca do desenvolvimento latino-americano com uma perspectiva diferenciada do
mainstream da intelectualidade ortodoxa do continente. O mesmo ocorre com Caio Prado Jr.
acerca da dependência econômica brasileira na década de 1950.
61
“A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual
se levanta uma superestrutura jurídica e política. O modo de produção da vida material condiciona os processos
em geral de vida social, político e espiritual” (MARX, 1982, p. 25).
________________________________________________________________________ 74
Para Marcelo Francisco Dias, Celso Furtado pode ser considerado como o progenitor
ou como o primeiro analista da dependência econômica brasileira (DIAS, 2012, p. 33), mas o
fato é que a mudança de perspectiva de Caio Prado Jr. a partir de 1945 já o mostrava
analisando a história brasileira sob outro ponto de vista62. Neste sentido, disse ele: “A situação
de dependência e subordinação orgânica e funcional da economia brasileira com relação ao
conjunto internacional de que participa, é um fato que se prende às raízes da formação do
país” (PRADO JR., 2012, p. 270). Reparemos que o autor menciona a dependência
econômica brasileira em “relação ao conjunto internacional de que PARTICIPA”, ou seja, o
autor, em 1945, nos situa no tempo em que escreve a obra, dando indícios de que sua análise,
apesar de levar em consideração a formação histórica, estava pautada nas relações econômicas
apresentadas pelo Brasil daquele momento. Outro detalhe que nos chamou a atenção na frase
acima citada é que Caio Prado Jr. fala em “dependência e subordinação orgânica e funcional
da economia brasileira” e é sob este aspecto que pretendemos desenvolver o presente
trabalho. No contexto da década de 1950, para Caio Prado Jr., o que significava esta
dependência econômica brasileira?
Em 1950, o ditador que governou o Brasil durante quinze anos, de 1930 a 1945
quando foi deposto por anseios republicanos, volta ao poder eleito democraticamente. Getúlio
Vargas assumiu a presidência do país, em 1951, com o objetivo de colocar em prática um
modelo alternativo ao capitalismo estadunidense - que havia ajudado a derrubá-lo em 1945.
Este modelo alternativo ao capitalismo ortodoxo e liberal - praticado pelo governo do general
Dutra - tinha como base as novas análises realizadas pela Cepal no período pós-II Guerra
Mundial e, também, pelo contínuo aumento das exportações e preços do café a partir de
194663, que injetou ânimo novo na economia brasileira. Mesmo procurando alternativas para o
modelo preconizado pelos Estados Unidos de desenvolvimento econômico, o governo de
Getúlio Vargas contou com forte aporte financeiro do governo estadunidense através
CMBEU64 até seu segundo ano de mandato.
62
Renato Perim Colistete também corrobora com a tese de que Caio Prado Jr. antecipou alguns dos elementos
que seriam utilizados por Raul Prebisch, Celso Furtado e outros autores dependentistas (COLISTETE, 1990, p.
131)
63
A partir de 1946 o governo dos Estados Unidos revoga o teto de preço estabelecido - durante a II Guerra
Mundial - pelo Acordo Interamericano de Café e sua cotação voltou aos patamares pré-guerra (14 centavos por
libra-peso). Somado a isto, a demanda pelo produto no mercado internacional aumentou de forma exponencial
passando de US$414 milhões exportados em 1946 para US$864 milhões exportados em 1949 (VIANNA, 1990,
p. 105).
64
A CMBEU - Comissão Mista Brasil e Estados Unidos - foi formada em outubro de 1950 e tinha como objetivo
colocar em prática os investimentos do governo estadunidense em países subdesenvolvidos, conforme orientação
da Doutrina Truman (Idem, p. 124).
________________________________________________________________________ 75
A partir de então ficou claro, para Caio Prado Jr., que não se tratava apenas de uma
mudança de estratégia de governo, mas sim, de uma necessidade de desenvolvimento do
próprio sistema capitalista. Segundo análise do autor, o governo dos Estados Unidos iniciou,
com o general Eisenhower, os alicerces de um sistema político, econômico e militar que
foram desenvolvidos para, de um lado, colocar-se em situação de enfrentamento claro e
explícito na Guerra Fria contra a União Soviética e, por outro lado, consentir à formação de
trustes estadunidenses - através da inversão de dólares - não facultassem independência para o
desenvolvimento autônomo dos países subdesenvolvidos. Em 1957, Caio Prado Jr., esclarece
de forma precisa o movimento do governo Eisenhower:
Para Caio Prado Jr., este momento da política econômica mundial é fundamental na
composição dos grandes conglomerados empresariais, que concentravam cada vez mais o
capital industrial e financeiro, formando os grandes trustes que passariam a comandar as
relações dos países. É justamente nesta nova composição de forças do mercado mundial que o
imperialismo65 se impôs e as distorções capitalistas se tornaram latentes nas economias
dependentes. Na medida em que o governo estadunidense delegou à iniciativa privada o
investimento em países subdesenvolvidos, o processo de acumulação de capital explicitou seu
fundamento de origem, qual seja a acumulação e concentração das atividades (ou processo)
produtivas. Neste sentido, a iniciativa privada internacional orientou suas ações e políticas de
forma a eliminar seus concorrentes nos países subdesenvolvidos e regular a oferta e demanda
para seus produtos.
65
“Do ponto de vista de suas relações internacionais, o capitalismo contemporâneo recebeu a designação
consagrada há muito pelos economistas, e já hoje pela terminologia vulgar e corrente, de imperialismo”
(PRADO JR., 1954, p. 84).
________________________________________________________________________ 77
O imperialismo66 foi, para Caio Prado Jr., a última fase de um processo histórico que
culminou em uma completa alteração nas relações entre países coloniais e suas metrópoles.
Não se tratava mais de uma troca comercial monopolista em que as colônias forneciam
matérias-primas a fim de alimentar o comércio internacional das metrópoles. Portanto, as
relações não se baseavam mais em explorar os gêneros coloniais para sua venda no mercado
internacional e nem mesmo de abrir os mercados das colônias para produtos manufaturados,
mas sim:
“(de) tudo isso ao mesmo tempo e entrosado num sistema de conjunto em que a
circulação de mercadorias através de diferentes formas que ela vai adquirindo desde
a matéria-prima até o produto acabado, bem como as correspondentes fases
sucessivas de produção e consumo em cada qual das etapas, tudo isto se realiza sob
a hegemonia dos detentores de capital financeiro, e canalizando para eles a mais-
valia captada nos diferentes momentos do processo” (PRADO JR., 1954, p. 94).
Isto é, o autor demonstrou perceber as transformações nas relações entre os países que
o imperialismo da década de 1950 promovera. Em outras palavras, para Caio Prado Jr., as
atividades imperialistas - através do capital internacional e trustes - não se definiam mais
apenas pela inversão de capitais em uma ou outra atividade comercial, cujo fim era satisfazer
com matérias prima a demanda internacional, mas se definia por um sistema amplo e geral da
organização econômica do mundo. Desta forma, o Brasil emergiu, na década de 1950, como
“país elo” para formação de toda essa engrenagem internacional, dominado pelo capital
internacional e disputado por trustes que repartem entre si a totalidade do capital mundial.
Sobre isto, disse ele: “Não há mais, verdadeiramente, no mundo contemporâneo, história
econômica deste ou daquele país, mas unicamente a de toda humanidade” (PRADO JR.,
2012a, p. 280).
66
Conforme vimos na introdução deste trabalho, Caio Prado Jr. foi, como militante do PCB, influenciado pelo
marxismo-leninista da União Soviética. Mesmo mantendo certa independência reflexiva, ao tratar sobre o
Imperialismo na década de 1950, nós percebemos muito da influencia leninista nas obras caiopradianas.
Categorias encontradas nas obras de Caio Prado Jr. na década de 1950, como Concentração das Atividades
Produtiva, Monopólio e Trustes, Capital Financeiro nós encontramos paralelos na obra O Imperialismo - Fase
Superior do Capitalismo de Vladimir Lênin.
________________________________________________________________________ 78
QUADRO 4
67
A Lei 2.004/1953 instituiu o monopólio estatal para a exploração do petróleo pela entidade paraestatal Petróleo
Brasileiro (Petrobrás).
68
Getúlio Vargas aumentou, via decreto, o salário mínimo em 216% em 1952 e mais 100% em 1954.
________________________________________________________________________ 79
A deterioração fiscal e monetária do país na década de 1950 fez com que o governo
brasileiro visse no capital internacional sua única fonte de recursos para financiar o modelo
desenvolvimentista da Cepal - internalizado no Brasil por Celso Furtado, conforme vimos no
capítulo anterior. A fixação na necessária inversão de capitais internacionais ficou claro no
documento publicado pela Associação Comercial de São Paulo 69 afirmando que “sem
investimentos estrangeiros não se conseguirá elevar rapidamente o nível da renda nacional,
constituindo assim, o processo de desenvolvimento, um círculo vicioso que só poderá ser
rompido pela entrada de capitais estrangeiros no país”.
Desta forma, para Caio Prado Jr., a deterioração fiscal e monetária do país era
condição iminente do próprio capitalismo. Assim, a acumulação de capital nos centros da
economia mundial somente pode ocorrer por meio de crises que acarretem na interrupção
temporária da própria acumulação, para sua posterior recuperação. Apesar de não ser uma
situação exclusiva brasileira, os efeitos dessas crises se apresentava no Brasil de forma mais
aguda, pois a nossa (de)formação colonial - pautada em fornecer matérias primas para o
comércio da metrópole - somada a condição de subserviência e dependência do imperialismo
mundial na década de 1950, corroborava as teses marxistas das crises cíclicas de
superprodução e superexploração capitalistas. Diante disto, Caio Prado Jr., reservou um
capítulo inteiro em Esboços dos Fundamentos da Teoria Econômica (1957), para tratar do
assunto sob o ponto de vista da economia brasileira.
por exemplo, começam sempre pelo todo vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados etc, mas sempre
terminam por descobrir, por meio de análise, certo número de relações gerais abstratas que são determinadas
como a divisão do trabalho, dinheiro, valor etc. Esses elementos isolados, uma vez mais ou menos fixados e
abstraídos, dão origem os modelos econômicos, que se elevam, do simples, tal como trabalho, divisão do
trabalho, necessidade, valor de troca e até o Estado, a troca entre as nações e o mercado mundial. O último
método é manifestadamente o método cientificamente exato. O concreto é concreto porque é síntese de múltiplas
determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como processo de síntese,
como resultado e não como ponto de partida, ainda que seja ponto de partida efetivo e, portanto, ponto de partida
também da intuição e da representação” (MARX, 1982, p. 14).
________________________________________________________________________ 81
Sobre a questão da mão de obra brasileira cabe uma ressalva: apesar de não fazer
parte do escopo desta pesquisa estudar a questão da formação dos trabalhadores sob o ponto
de vista da obra caiopradiana - mesmo sabendo tratar-se de um tema valoroso para o autor,
vale mencionar que, para Caio Prado Jr., a superexploração do trabalho no Brasil é um dos
eixos mais importantes no desenvolvimento do país. Conforme vimos na introdução deste
trabalho, para o autor, o Brasil foi formado a partir do tripé: 1) Grandes propriedades
privadas, 2) produção de matéria prima voltada para o mercado exterior e 3) mão de obra
escrava.
Caio Prado Jr. fez diversas ressalvas quanto à qualidade produtiva da mão de obra
escrava73 e que, após sua abolição, fundiu-se com os imigrantes que vieram trabalhar na
lavoura. A ineficiência para os serviços mais complexos requeridos pela industrialização e
manufatura que começaram a se desenvolver no último quarto do século XIX logo foi
73
“Até 1850, essa mão de obra, será representada pelos escravos importados da África; e corresponderá assim,
economicamente, a um consumo semelhante ao de outro equipamento produtivo qualquer” (PRADO JR., 1954,
p. 118). Neste sentido cabe qualquer tipo de crítica a uma interpretação elitista feita pelo autor, mas como já
mencionado, este não é o escopo deste trabalho.
________________________________________________________________________ 82
Desta forma, segundo Caio Prado Jr., desde o período da abolição da escravatura junto
a todo período imigratório, o mercado de trabalho brasileiro viu-se acometido por dois tipos
de trabalhadores completamente distintos. De um lado ex-escravos, com baixa qualidade
técnica para atividades que requeriam maior conhecimento e destreza tecnológica, mas que
ainda - em sua maioria - mantinham uma mentalidade completamente subordinada aos seus
antigos “donos”, e por outro lado, os imigrantes que possuíam qualidade técnica para
trabalhar nas novas condições que se apresentavam no desenvolvimento da indústria e
manufaturas que surgiam no país, mas que traziam certa feição de insubordinação referente às
condições de trabalho. Em outras palavras, para o autor, o mercado de trabalho brasileiro, no
início do século XX tinha como traço principal a heterogeneidade de comportamento dos
trabalhadores.
Este adendo em nosso estudo se faz importante porque este é um fator fundamental no
que se refere à dificuldade da formação do mercado interno e, como consequência, na
dificuldade de acumulação de capital por parte de grande parte da população, o que daria a
base para à composição da poupança nacional brasileira.
O caso brasileiro se tornava ainda mais grave, pois, conforme vimos acima, o fator
determinante para a formação de capital nacional capaz de investir no desenvolvimento
econômico país, pressupõe a presença do próprio capital nacional. Em outras palavras, este
círculo vicioso em que a superprodução gera superexploração - e assim sucessivamente - não
74
Em muitos casos os proprietários das terras que recebiam os imigrantes conseguiam mantê-los em condições
quase servis. Ao pagar baixos salários e cobrar alto pelos insumos de sustento dos trabalhadores, os imigrantes,
não raro, viam-se endividados com seus patrões e eram obrigados a manter-se trabalhando para pagar pelo seu
sustento.
________________________________________________________________________ 83
permitia ao Brasil a constituição de uma reserva e/ou poupança capaz de fazer frente às
necessidades de investimento que se apresentavam àquela época.
Apesar de entender sua necessidade, Caio Prado Jr. refutou a forma com que as
inversões estrangeiras eram feitas no país. Para o autor, a atenção dos economistas brasileiros
devia estar voltada para a maneira de estimular e fomentar o afluxo de capitais “alienígenas”
considerados necessários ao progresso tecnológico e o desenvolvimento econômico do país.
Desta forma, Caio Prado Jr. entendeu que as inversões estrangeiras feitas no país não
obedeciam à necessidade do desenvolvimento interno brasileiro, mas sim, ao ritmo de
acumulação capitalista dos grandes centros do sistema internacional somado às perspectivas
de lucros a serem realizados no Brasil e remetidos para seus países de origem.
Em artigo publicado em 1958, Caio Prado Jr. faz uma provocação aos economistas
favoráveis às irrestritas inversões internacionais no país. Diz ele: “desde quando, na sua
experiência de homens de negócio, já viram a renda proporcionada por um capital reverter em
benefício de outrem que não o titular deste capital e estimular o aumento de capital de outro
capitalista?” (PRADO JR., 1958, p. 42). A função que o capital internacional desempenhava
no país era o principal alvo da investigação a respeito da ampla inversão estrangeira que
acometia o Brasil na década de 1950. Para Caio Prado Jr., as inversões feitas no país - se
distribuindo entre implantação de equipamentos, compra de matérias-primas e mão de obra -
obedeciam a critérios estritamente técnicos e financeiros, ou seja, a aplicação dos recursos
internacionais na economia brasileira cumpre o mesmo propósito de qualquer outra inversão,
isto é, o lucro capitalista.
Vale ressaltar que o autor compreendia que uma pequena parte do capital internacional
- invertido na produção nacional como equipamentos industriais importados, técnicas
produtivas estrangeiras, maquinário etc - tendia a se nacionalizar e se integrariam na
economia brasileira, porém, Caio Prado Jr. não estava interessado em estudar estas inversões
(até porque se tratavam de valores irrisórios quando comparados aos capitais investidos pelos
grandes trustes, por exemplo). O próprio autor entende que o imperialismo no Brasil tendia a
aumentar a parcela da população empregada, tendo isto, inclusive, como um de seus
objetivos, mas, de toda forma, Caio Prado Jr. fez um alerta de que esta inversão internacional
na economia brasileira, gerando emprego, tinha por objetivo se valer da própria força de
trabalho empregada a fim de realizar seu próprio lucro. Dito isto, o autor evidenciou que a
necessidade das inversões internacionais constituía função própria e a razão de ser do capital
aplicado em proporcionar a mais-valia retornando em forma de lucro aos seus investidores.
O trecho transcrito acima deixa claro que para Caio Prado Jr., não são as necessidades
do país que recebem os capitais estrangeiros que essencialmente determinam o volume, ritmo
e a orientação dos investimentos, e sim fatores que são estranhos aos países que dependem
deste capital para seu desenvolvimento. Sob este aspecto fica claro que a fartura ou a carência
de capitais disponíveis nos países inversores não se relacionam com a situação interna dos
países dependentes e necessitados deste capital e sua orientação, estritamente comercial e
financeira, surgem como forças de desarranjos ao equilíbrio e desenvolvimento dos fatores
produtivos brasileiros - inclusive na formação de um capital nacional.
Este desequilíbrio e alienação dos interesses dos capitais invertidos no Brasil com as
necessidades nacionais formam um sistema que se relaciona, única e exclusivamente, para
manter a posição estratégica do país, conforme já mencionado, como elo da engrenagem do
capital internacional e dos grandes trustes formado pelo sistema central do capitalismo
mundial. Este desequilíbrio ficou claro, para Caio Prado Jr., ao pesquisar a balança de
pagamentos do Brasil na década de 1950 e descobrir o fato de que o afluxo de rendimentos
enviados pelo país ao exterior superava, e muito, as inversões feitas pelos centros capitalistas.
75
Royalties são valores pagos (geralmente porcentagem referente aos lucros) pelos direitos de exploração de
alguma propriedade (material ou imaterial).
________________________________________________________________________ 86
Para Caio Prado Jr., este sobrelucro estava peculiarmente relacionada à ordem mundial
estabelecida no pós-II Guerra Mundial. No desenvolvimento colonial, os exploradores
retiravam da colônia os produtos que julgavam rentáveis e se dirigiam ao mercado europeu
para realizar seus lucros. Os detentores do capital perceberam, após o fim da guerra, que
podiam realizar parte destes lucros nos próprios países subdesenvolvidos. O dispêndio da
logística de extração de matérias-prima com a finalidade de manufaturá-los nos grandes
centros do capitalismo internacional continuava sendo operado de forma impetuosa, mas
começara a existir uma mudança na mentalidade de exploração dos países de origem dos
grandes trustes empresariais, industriais e financeiros.
Uma vez que o capital internacional e os grandes trustes foram invertidos na economia
brasileira, o país se entregou a ambição do capital internacional e a relação demanda versus
oferta - na busca pela maximização do lucro capitalista - constituiu forte estímulo às empresas
a fim de explorar os fatores produtivos brasileiros. Desta forma, o capitalismo brasileiro se
estabeleceu à margem do sistema central, pois nem a ele se integrou completamente, mas a ele
se ligava e dele dependia.
Diante disto, o que o autor marxista nos apresentou é a perspectiva de que o capital
internacional estava sendo investido no país, porém limitando-se a própria capacidade de
remuneração que o Brasil lhes oferecia, não conservando, em menor relevância, a intenção de
compensar mais do que pagamentos dos menores salários possíveis, tributos, taxa e só. Todo
o direcionamento de acúmulo de capital não se voltava para o Brasil e, sim, para o país de
origem dos investimentos e, portanto, a geração de uma poupança, reversível a investimentos
necessários para o desenvolvimento econômico brasileiro, continuava inerentemente débil.
________________________________________________________________________ 87
Esta falta de caráter nacional na geração dos lucros realizados no país constituiu,
segundo Caio Prado Jr., uma relação dicotômica e contraditória entre investimentos e
acumulação de capital, cujo efeito será a consolidação do país como agente dependente de
toda engrenagem que o capital centralizado e concentrado impôs ao mundo, conforme
veremos a seguir.
Neste sentido, perceberemos que as crises vividas pelo café brasileiro no período pós
década de 1930 e sua recuperação logo após o armistício, foram utilizadas por Caio Prado Jr.
para demonstrar que os ciclos de crise vividos no país se deram, em última instância, pelo
desajustamento entre a capacidade produtiva e a capacidade de consumo final ou, em outras
palavras, na insuficiência relativa do mercado para os produtos finais (PRADO JR., 1957, p.
102).
________________________________________________________________________ 88
Sob esta perspectiva, Caio Prado Jr. sustentou que Keynes não se diferenciava dos
economistas clássicos ortodoxos, como Smith, Ricardo, Say, Mill, Marshall e Schumpeter,
pois a proposta da “revolução keynesiana” possui como objetivo apenas realinhar os ciclos de
crise do capitalismo sem levar em consideração a relação dialética entre trabalho versus
capital e, portanto, sua obra Teoria Geral do Emprego, Juro e da Moeda, apesar de explicitar
a incapacidade da autorregulação dos mercados, nada tem de “revolucionária”, sendo
chamada por Caio Prado Jr. de teoria neo-ortodoxa76.
Para Caio Prado Jr. nenhuma das premissas econômicas, sejam as clássicas ortodoxas
preço-oferta-demanda, sejam as neo-ortodoxas keynesianas renda-consumo-poupança-
investimento, davam conta de explicar a dinâmica da economia brasileira e, muito menos, de
propor modelos de desenvolvimentos futuros, de tal forma que a busca pelo aumento da
produtividade - ou nível de técnica empregada - na economia brasileira não deveria ser
categorizada nas bases tradicionais do capitalismo. Ou seja, a caça pelo sobrelucro capitalista,
principalmente no Brasil da década de 1950, precisava ser compreendida sob outras
perspectivas. De acordo com o autor marxista, tanto os padrões monetário quanto o progresso
tecnológico brasileiro não podem, e nem devem, ser considerados como causas e fatores da
evolução capitalista, mas deve partir do pressuposto que todo padrão monetário e progresso
tecnológico é um efeito da própria evolução dos modos de produção. Ou seja, o
desenvolvimento econômico não representa em sua plenitude sua própria condição.
Portanto, Caio Prado Jr. entende que as crises de exportação do café, no período após a
década de 1930, e os desajustes na balança de pagamento do comércio internacional brasileiro
não cabem nos modelos explicativos da economia ortodoxa e, também, neo-ortodoxa, pois o
que Keynes pressupunha é que as crises do capitalismo eram um rompimento do equilíbrio
econômico para que este se restabelecesse em níveis inferiores, isto é, que as atividades
econômicas e fatores produtivos se ajustassem a uma capacidade econômica menor e, assim,
voltarem a progredir.
76
“(Keynes e seus sucessores) criaram uma nova política econômica que regenerou, ou pelo menos deu novo
alento à velha e desprestigiada economia ortodoxa que vinha se mostrando cada vez mais impotente em face dos
problemas e das dificuldades do capitalismo dos nossos dias” (PRADO JR., 1957, p. 117).
________________________________________________________________________ 89
Isto posto, vale lembrar o crônico problema, apontado por Caio Prado Jr., de formação
de capital no Brasil, ou seja, o rompimento do equilíbrio das atividades econômicas brasileiras
não poderiam levá-la para níveis inferiores porque ela já se encontrava em níveis pífios,
conforme veremos no quadro 5.
QUADRO 5
Contas Públicas
Saldo em Conta Inversão de Balança de Dívida Externa
ANO Corrente (US$ Capitais (US$ Pagamentos (US$ Total (US$
Milhões) Milhòes) Milhões) Milhões)
1950 140,0 200,0 52,0 559,0
1951 -403,0 160,0 -291,0 571,0
1952 -624,0 680,0 -615,0 638,0
1953 55,0 1150,0 16,0 1159,0
1954 -195,0 1160,0 -203,0 1317,0
1955 2,0 1430,0 17,0 1445,0
1956 57,0 3380,0 194,0 1580,0
1957 -264,0 4970,0 -180,0 1517,0
1958 -248,0 5080,0 -253,0 2044,0
1959 -311,0 5590,0 -154,0 2234,0
Fonte: ABREU, 1990, p. 404
O quadro nos apresenta uma situação de sucessivos déficits de saldo em conta corrente
do governo durante a década de 1950 e aumento progressivo na dívida externa da União. Para
Caio Prado Jr., não havia que se falar em recuperação capitalista no Brasil uma vez que o país
não possuía uma economia capaz de se autossustentar. Os déficits orçamentários - e históricos
- mantinham a economia brasileira explicitamente subordinada e dependente dos interregnos
internacionais e não permitia - mesmo em períodos de maiores inversões internacionais como
as que ocorreram na década de 1950 - a formação de uma poupança nacional.
produção dos bens comprados e não ao papel que eles vão desempenhar depois de
comprados” (PRADO JR., 1957, p. 120).
O que o economista inglês considerava é que tais inversões seriam responsáveis pelo
aumento da renda nacional, da acumulação capitalista e, por conseguinte, da poupança
nacional. No entanto, é do lucro capitalista que deriva a acumulação capital, dos quais
derivam, por conseguinte, os investimentos e a ampliação das atividades produtivas.
Sob o ponto de vista de orientação da Administração Pública, Caio Prado Jr. iniciou
sua crítica às proposições da política econômica desenvolvimentista de acordo com a
premissa de que o Estado não devia se transformar em consumidor com a finalidade de
restabelecer o equilíbrio capitalista.
QUADRO 6
________________________________________________________________________ 91
Neste sentido, para o Caio Prado Jr. não era possível harmonizar estas duas opções e
sua crítica ao programa desenvolvimentista brasileiro se pautava pela idéia de que, para estes,
era possível um primeiro impulso do capital internacional para, a posteriori, iniciar um
processo de desenvolvimento nacional, ou seja, o problema do desenvolvimento econômico
brasileiro não estava na propagação das técnicas modernas dos fatores produtivos, mas sim na
questão de como se criar as condições para a propagação destas técnicas. Situações que se
diferenciam em suas próprias bases de análise.
Para o autor, a diversificação das forças produtivas não conquistaria progresso se suas
bases não se alterassem de forma a orientar o desenvolvimento econômico com a finalidade,
fundamental e essencial, do atendimento das necessidades da massa da população brasileira.
Em relação aos países subdesenvolvidos, disse o autor:
Sob esta ótica, a condição de dependência nacional não se exprimia pelos baixos
índices de progresso econômico e da renda nacional, isto é, esta condição implicava algo
dissimulado pela insuficiência deste progresso.
77
Sobre o processo de acumulação capitalista e industrialização na Europa, ler As Veia Abertas da América
Latina (autor: Eduardo Galeano)
________________________________________________________________________ 95
QUADRO 7
Para Caio Prado Jr., não se tratava de equilibrar números quantitativamente, como
desejara os planos desenvolvimentistas daquela década. Nesta medida, as tentativas
desenvolvimentistas de transformar o Brasil em um país industrializado, altamente produtivo
e capaz de inovar tecnologicamente não alcançariam seus objetivos, caso a dicotomia
acumulação de capital versus investimentos não fosse, também, resolvida. A falta de
integração entre a dinâmica do mercado interno, a fim de gerar acumulação de capital, com o
volume financeiro que o mercado externo poderia injetar na economia brasileira era a
condição dissimulada insuficiência do progresso econômico.
Desta forma, a indústria brasileira se formaria apenas com o intuito de suprir alguma
deficiência na importação. O autor entendeu que o período entre-guerras desfalcou o mercado
brasileiro em inúmeros itens de consumo da população e que, principalmente, na década de
1950 a industrialização tomava vulto e tornando-se um elemento importante dentro da
dinâmica do mercado interno brasileiro (PRADO JR., 1954, p. 133). No entanto, a teoria
caiopradiana enxergou no inflado processo de industrialização brasileira mais um movimento
________________________________________________________________________ 96
produtivista dos grandes trustes internacionais, na medida em que a maior parte das indústrias
instaladas no país naquelas décadas eram extensões de suas matrizes internacionais. Em artigo
escrito em 1956, o autor explicita sua insatisfação com os rumos dados pelo governo no que
tange a indústria nacional e aos grandes trustes internacionais. Segundo o autor:
“É, aliás, notória a pouca simpatia que o governo tem pela indústria estatal (...) O
Sr. Kubitscheck guarda o melhor de seus discursos e louvores para os
empreendimentos das grandes organizações internacionais, como ainda
recentemente fez por ocasião da inauguração da fábrica de caminhões da Mercedes-
Os grandes trustes, segundo Caio Prado Jr., estavam se instalando no país com vistas
em melhorar sua lucratividade, uma vez que o Brasil oferecia mão de obra barata, benefícios
fiscais e o comprometimento do governo federal em investir em infraestrutura a fim de
garantir o escoamento da produção industrial aqui fabricada ou, em outras palavras, como
filiais dos grandes trustes internacionais passando a produzir aqui mesmo aquilo que antes nos
exportavam de suas matrizes.
Na década de 1950, para Caio Prado Jr., esta fundamental alteração na geração e
acumulação de capital no estrangeiro foi a forma de manter a economia nacional dependente e
subordinada à ordem mundial remodelada pós-II Guerra Mundial. Assim, o estímulo dado
pelo capital internacional aos empreendimentos que condicionavam a geração de lucro de
forma alienada às necessidades do país, cuja economia era investida, foi a condição que coube
aos países que não possuíam atividades internas de vulto capazes de fazer frente aos trustes
internacionais. Desta forma, para o autor, a organização produtiva - via industrialização com
capital internacional - manteria a frágil economia brasileira estagnada frente ao imperialismo,
uma vez que não se coordenou e muito menos se mobilizou o mercado interno do país a fim
de produzir conforme suas necessidades e, posteriormente, consumir conforme suas
necessidades: “Nesse assunto, trata-se de orientar a indústria de transformação no sentido do
aproveitamento ao máximo da produção primária de origem nacional” (PRADO JR., 1954, p.
215).
________________________________________________________________________ 97
O quadro 8 nos apresenta, com números, que o autor estava atento a estas alterações
na estrutura econômica brasileira:
________________________________________________________________________ 98
QUADRO 8
Caio Prado Jr., percebeu que a movimentação de capitais - ocorridas no final do século
XIX e na primeira metade do século XX - diferenciava-se por completo da simples
transferência de capital ocorrida no século XIX. A questão geográfica, inclusive, já tinha sido
superada, ou seja, a propriedade e a produção do excedente econômico não se ligavam mais
aos seus países de origem. Na primeira metade do século XX, a estratégia era outra. Tratava-
se de produzir excedentes econômicos em locais que buscassem o nível ótimo de
lucratividade para que suas matrizes se apropriassem da acumulação de capital e, assim, o
ambiente internacional em que o Brasil estava inserido no pós-II Guerra Mundial era um
ambiente de disputa pelo poder de influenciar - a partir da estrutura econômica - toda
superestrutura dos países subdesenvolvidos.
QUADRO 9
Teoricamente, todo este investimento para elevar o quanto antes o padrão de vida da
população e o nível interno de emprego. No entanto, percebemos ao analisar o Quadro 8 (p.
94) e o Quadro 6 (p. 87) que a premissa cepalina que apontamos ao final do capítulo 1 (p. 62),
não se comprovou, uma vez que mesmo alcançando índices elevados de crescimento
econômico e produção industrial, isto não resultou em um aumento no padrão de vida da
população.
Neste sentido, indústrias de aço como a COSIPA, CNS, Usiminas passou a serem
controladas pela via estatal. Na produção e exportação de minério de ferro, o governo
controlou a direção da Companhia Vale do Rio Doce. Para a extração e refino do petróleo, o
governo criou a Petrobrás (conforme já vimos acima). Orientou, também, o desenvolvimento
da rede de transmissão de energia através da CHESF e Furnas. Tomou em suas mãos a
expansão da malha ferroviária através da Rede Ferroviária Federal, bem como a expansão das
rodovias através das DNER e DERs. Deste mesmo modo, aumentou a participação do Banco
do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do BNDE na oferta de crédito para comercialização
e exportação dos produtos primários produzidos no país (ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI,
1990, p. 182).
________________________________________________________________________ 100
Vale lembrar que o esforço de investimento público tinha por finalidade formar a base
para implantação dos grandes trustes no Brasil inaugurando, desta forma, grandes indústrias
de automóvel, ônibus e caminhões; fábricas de eletrodomésticos; indústrias de transformação;
indústrias farmacêuticas; indústrias extrativas e serviços de transportes, armazenagens e
exploração florestal (CAPUTO; MELO, 2009, p. 15). Para facilitar e criar as estruturas
demandadas pelo capital internacional e grandes trustes, o governo de Juscelino Kubitschek
não poupou esforços, conforme veremos no quadro 10:
QUADRO 10
“Supor por exemplo que seja possível no Brasil e nas circunstâncias atuais um
regime socialista com a entrega a órgãos estatais da responsabilidade pela direção e
manejamento total das forças produtivas do país, é se não fantasia de visionário,
certamente disfarçada de entravar as reformas que desde já se impõem e que não
precisam aguardar um socialismo ainda irrealizável” (PRADO JR., 1954, p. 237).
Isto posto, concordamos com a tese de Renato Perim Colistete (1990, p. 137) de que
Caio Prado Jr. não subestimou o processo de diversificação industrial brasileiro no período
pós-II Guerra Mundial.
Tão evidente quanto isto é que os desdobramentos das políticas econômicas adotadas
na década de 1950, com as grandes inversões do capital internacional, a inauguração das
filiais dos grandes trustes, o governo investindo de forma escalonada em setores que atendiam
as demandas e padrões do capitalismo mundial, a dívida pública crescente e um aumento na
circulação monetária dentro da economia brasileira causando inflação e diminuindo o salário
real dos trabalhadores, causaram os efeitos econômicos que não foram muito diferentes do
que Caio Prado Jr. testemunhou e ratificou em suas obras da década de 1950.
Em suma, o que vimos neste capítulo é que houve mudanças significativas na estrutura
econômica brasileira de tal maneira a inserir o Brasil em outra posição dentro do sistema
capitalista internacional e que com isso outras categorias precisaram ser abordadas por Caio
Prado Jr. Não se tratava mais de analisar a economia brasileira sob a ótica do latifúndio,
produção de matérias primas voltadas para o mercado internacional e mão de obra escrava. A
década de 1950 culminou um processo de mudanças nas estruturas político-econômicas que
se desenrolavam desde o fim da I Guerra Mundial, e procuramos mostrar que o autor esteve
atento e resignificando seu enfoque sobre a nova forma que se apresentava a economia
brasileira naquela década.
CONCLUSÃO:
O estudo que estamos concluindo procurou mostrar a atenção que Caio Prado Jr. deu
aos acontecimentos econômicos brasileiros da década de 1950. O recorte bibliográfico do
segundo capítulo, quais sejam Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira, de 1954, e
________________________________________________________________________ 102
Esboços dos Fundamentos da Teoria Econômica, de 1957, mais seus artigos publicados, se
justificaram por entendermos que estas obras foram escritas e inspiradas por um debate
acalorado sobre a dependência econômica brasileira que ocorria na década de 1950.
Estas são obras que evidenciam o ápice dos escritos sobre economia política de Caio
Prado Jr. mostrando que, para o autor, é somente através de uma mudança radical em prol de
uma reorganização da política econômica que o Brasil deixará de cumprir o oficio de uma
economia dependente. No entanto, apesar de almejar por uma mudança radical nas relações
internas e externas da política econômica brasileira, Caio Prado Jr. entendeu que não havia
condições para uma ruptura com o modelo político econômico de seu tempo.
Seguindo a lógica de não ruptura do autor, o que me propus neste trabalho foi buscar
uma forma diferente de como Caio Prado Jr. se posicionou sobre um assunto específico, tal
qual a dinâmica econômica em que o Brasil se inseriu na década de 1950. Neste sentido,
entendemos que o autor se alinhou às mudanças ocorridas na economia brasileira e, apesar de
reafirmar por diversas vezes o sentido e o peso que a colonização portuguesa tinha deixado
em nossas estruturas, ele também compreendeu o momento de transformações que aquela
década legou ao futuro do país.
Para fins de conclusão deste trabalho, vale fazer uma breve visita ao livro A Revolução
Brasileira que o autor escreveu em 1966 e buscar compreender qual o significado de
“transformação e/ou revolução” para Caio Prado.
Em 1966, pouco depois da década estudada neste trabalho, Caio Prado Jr. escreveu:
Portanto, o que procuramos apresentar no decorrer deste estudo foi que Caio Prado Jr.
não se resumiu a sua matriz teórica do sentido da colonização como afirmam professores
como Fernando Novais, Lincoln Secco, Igor Zanoni Leão e Bernardo Ricupero. A nossa
interpretação é que o sentido da colonização apresentado por Caio Prado Jr. em seu livro A
Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942, foi tão importante para a historiografia
brasileira que grande parte das análises feitas sobre o autor - ou sobre a obra do autor - se
pautaram pelo eixo central deste conceito. No entanto, e aqui está nossa pequena contribuição,
entendemos não ser razoável reduzir e interpretar toda sua obra, e em especial as da década de
1950, apenas com base neste importante conceito formulado na década de 1940.
frases mais emblemáticas da historiografia brasileira e está intimamente ligada ao autor. Entre
profissionais e acadêmicos das ciências humanas, quando se menciona o nome de Caio Prado
Jr. quase que automaticamente associa-se ao sentido da colonização.
Desta forma, Caio Prado Jr. desenvolveu todo seu livro discorrendo sobre a
colonização brasileira baseada neste sentido da colonização e como bem analisou o Prof.
Fernando Novais “Todo andamento da obra, aliás, gira em torno daquelas idéias básicas; ao
examinar as várias manifestações da vida colonial (povoamento, economia, sociedade,
administração etc), o autor volta constantemente às formulações iniciais, comprovando-as e
enriquecendo-as” (NOVAIS, 1983, p. 55).
A visão de Fernando Novais foi (e é) seguida pela grande maioria dos intérpretes de
Caio Prado Jr., ou seja, para o autor marxista a nação brasileira foi formada por três
fundamentos centrais, quais sejam: 1) Grande propriedade privada; 2) produção de matérias
prima voltadas para o comércio internacional; 3) mão de obra escrava e dotada de baixa
técnica produtiva. Quase a totalidade das interpretações feitas sobre Caio Prado Jr. apontam
para a direção de que estas características foram intransponíveis no pensamento do autor.
Entendemos ser um ponto de vista reducionista avaliar toda análise que Caio Prado Jr.
fez sobre a conjuntura do século 20 brasileiro à questão de uma continuidade ou não do
sentido da colonização, principalmente a partir da década de 1950, com o fluxo de capital
internacional e a inserção dos grandes trustes estrangeiros na economia brasileira, conforme
demonstramos neste trabalho.
Não estou, de forma alguma, menosprezando a crítica de que Caio Prado Jr. fartou-se
em expor a herança colonial portuguesa no desenvolvimento econômico brasileiro e, também,
não estou afirmando que ela não deve ser feita, mas apenas acredito ser coerente
contextualizá-las em seus devidos tempos históricos e buscar o que mais as obras deste autor
nos trouxeram e colaboraram para a reflexão da nossa sociedade.
Nesta medida, o que mais Caio Prado Jr. nos trouxe além do sentido da colonização?
O próprio autor nos propõe esta ponderação de amplitude de análise na medida em que diz “É
isso que se deve, antes de mais nada, procurar quando se aborda a análise da história de um
________________________________________________________________________ 105
povo, seja aliás qual for o momento ou aspecto dela que interessa, porque todos os momentos
e aspectos são senão partes, por si só incompletas” (PRADO JR., 2011, p. 15).
Ora, para além da introdução deste trabalho, não nos dispusemos a analisar qual o real
significado deste sentido, mas vimos acima que, para o autor, o Brasil carregou as heranças da
grande propriedade de terra, extração de matéria prima voltada para o comércio internacional
e uma mão de obra extremamente desqualificada em todo seu desenvolvimento. Entendemos,
inclusive, que Caio Prado Jr. pode ter se utilizado deste sentido de colonização mais como
método de pesquisa do que análise da realidade. Todas estas discussões foram feitas em
outros trabalhos e estudos e acreditamos ser de muita valia para o entendimento da obra deste
autor.
Todavia, e talvez por ter sido um marxista com autonomia de reflexão - conforme
vimos no decorrer deste trabalho - suas análises ficaram restritas a poucos círculos de
intelectuais e poucas vezes o próprio partido em que militava buscou assimilar o alcance
teórico de suas obras. De qualquer forma, o autor foi um militante extremamente fiel às
atividades partidárias, mas também não buscou enfrentá-lo com relação às interpretações
feitas sobre o passado, presente e futuro do país (exceto quando publica em 1966, A
Revolução Brasileira, fazendo duras críticas ao programa revolucionário do partido). Mas se
o PCB foi um partido tenentista, positivista e alinhado incondicionalmente às orientações do
Partido Comunista Soviético, até ele foi obrigado a perceber as alterações ocorridas na década
de 1950, alinhando-se, mesmo que não formalmente, as interpretações de Caio Prado Jr.
Segundo o Prof. Lincoln Secco (2008, p. 193), “Caio Prado até admitia certo
progresso, mas sempre aquém das nossas potencialidades”. Neste sentido, percebemos que
Caio Prado Jr. buscou refletir sobre bases materiais qual era a situação do desenvolvimento
econômico brasileiro.
“Não pretendo com isso dizer que devemos aspirar uma autossuficiência econômica
e o isolamento comercial, o que em qualquer circunstância do mundo moderno
constitui uma utopia; e que no caso particular é inimaginável [...] Em outras
palavras, e mais precisamente, trata-se de cuidar com maior atenção do movimento
de nossas transações externas, tirando delas o máximo e necessário proveito para
que elas representem cada vez com menor destaque o fulcro da economia brasileira
que a constituem atualmente” (PRADO JR., 1954, pp. 223-224).
O quadro 11 nos apresenta muito bem este panorama do que foi o planejamento estatal
realizado na década de 1950.
________________________________________________________________________ 107
QUADRO 11
Tratando sobre a década de 1950, diz ele “seja qual for o grau de desenvolvimento,
extensão e maturação das relações capitalistas de produção, o certo é que o capitalismo
encontra-se na base e essência da economia brasileira contemporânea fora da esfera
socialista” (PRADO JR.; FERNANDES, 2012, p. 28).
É desta forma que procuramos ter desenvolvido este trabalho, ou seja, o autor
compreendera as transformações vividas na década de 1950, as quais, mesmo no bojo do
capitalismo alteraram significativamente nossas estruturas internas. Para o autor, a revolução
________________________________________________________________________ 108
socialista ainda não estava na ordem do dia na política econômica brasileira, mas diferentes
acontecimentos e características apontavam para o fim de um ciclo.
Sobre o a apreensão por Caio Prado Jr. do novo contexto vivido pelo Brasil no período
pós-II Guerra Mundial, o Prof. Paulo Teixeira Iumatti corrobora com a nossa tese da seguinte
forma:
“Caio Prado Jr. afirmava que a política e orientação econômica adotadas nos
últimos anos, o chamado modelo brasileiro de desenvolvimento, impulsionado pelo
milagre econômico - período em que o PIB do país cresceu a mais de 10% ao ano
em média - nada mais eram do que consagrações dos remanescentes do velho
sistema da economia brasileira que já detectara em 1945, na primeira edição do
livro, em particular o enquadramento do país ao sistema internacional do
capitalismo em uma posição de subordinação e dependência” (IUMATTI, 2007, p.
170).
A economia brasileira não estava mais apenas desarticulada, obstruída e orientada pela
demanda internacional das matérias-primas do país, mas, a década de 1950 apresentou a
concepção de que a economia brasileira se apresentava na condição de dependência da
especulação do capital internacional e influência dos grandes trustes internacionais. Esta
dependência que passou a ser o agente desarticulador do equilíbrio econômico do Brasil.
Sobre a nova realidade da economia do Brasil, diz o autor: “É preciso notar muito bem
essas circunstâncias para se compreender a economia brasileira. O nosso marginalismo é
produto da decomposição de um ciclo que já foi florescente” (PRADO JR., 1954, p. 66). Em
um artigo no ano seguinte Caio Prado Jr. vai dizer: “E isto evidencia muito bem a situação de
dependência em que nos encontramos de um sistema internacional cujas alavancas se
manejam à nossa revelia e nas quais não temos a menor interferência (...) o poder econômico
já invade francamente a esfera do poder social e mesmo político” (PRADO JR., 1955, pp. 84-
88).
________________________________________________________________________ 109
Não há mais que se falar mais em sentido de colonização (sob forma de um trajeto a
ser percorrido e superado) somente pelo fato de o Brasil não ter ultrapassado alguns dos traços
coloniais apontados por Caio Prado Jr. O próprio autor compreendeu o movimento histórico
que se apresentava, “assim também na fase do capitalismo moderno/industrial - em contraste
com o capitalismo comercial/colonial que o precedera - e que alcança o Brasil” (PRADO JR.,
1954, p. 73).
Um fato importante a ser destacado nesta transição vivida pelo Brasil e que nos foi
apresentada pelo autor em suas obras da década de 1950, foi a questão da qualificação da mão
de obra. Para o autor, o processo de imigração europeu foi fundamental nas transformações da
economia brasileira e, isto nos comprova uma vez mais que o autor compreendeu as
modificações estruturais que aconteciam no país. Diz ele:
Estes três problemas estão longe de se resolver até os dias de hoje, mas a partir da
década de 1950 eles começam a se acentuar. Após a II Guerra Mundial chegaram ao Brasil os
últimos grandes vultos de imigrantes. Entre 1939 a 1945, 4.559 embarcações com imigrantes
deixaram os portos europeus com destino ao porto de Santos. De 1946 a 1950, este número
________________________________________________________________________ 110
diminuiu para 1.205 embarcações e durante toda a década de 1950 apenas 214 embarcações
com imigrantes aportaram em Santos. Vale ressaltar que desde a década de 1930, o Brasil já
vinha adotando restrições imigratórias, mas que ao término da II Guerra Mundial, em 1947, o
governo se compromete - através do Decreto-Lei 25.796/1947 - a receber 700.000 imigrantes,
mas até 1951 registrou-se a entrada de apenas 25.000 imigrantes 79. Isto mostra que cada vez
menos gente vinha ao Brasil para formar a mão de obra brasileira e ela passava a se
homogeneizar.
As outras duas características apontadas por Caio Prado Jr. na formação da massa de
trabalhadores brasileiros, podem ser interpretadas como consequência desta homogeneização,
haja vista a organização política dos trabalhadores, a fundação do Partido Comunista
Brasileiro na década de 1920 e a greve dos 300.000 trabalhadores ocorrida em São Paulo, em
1953. Sobre o nomadismo do trabalhador brasileiro o autor entende que com a estabilização
da lavoura cafeeira, mais o processo de industrialização, o país assentou o elevado fluxo de
trabalhadores que precisavam migrar de um lugar para o outro do país pelo completo fim do
ciclo produtivo de algum produto específico.
Com a História se fazendo à frente dos olhos do historiador, Caio Prado Jr. não deixou
que algum dogmatismo ideológico acinzentasse suas reflexões. Com o suicídio de Getúlio
Vargas e a comoção nacional que se deu ao fato, o autor também faz uma releitura sobre seus
antigos apontamentos sobre a falta do sentimento nacional brasileiro ou a falta de
pertencimento do país - dado pela forma que se deu nossa colonização de exploração mais a
vinda dos escravos negros para o Brasil - e apresentou uma nova perspectiva que já não mais
possuía ligação com o sentido de colonização “O nacionalismo constitui hoje no Brasil uma
bem definida e forte corrente da opinião pública” (PRADO JR., 1955, p. 80).
Mais a frente, o autor continua com uma afirmação conclusiva sobre o fim do sentido
(trajetória): “A conclusão geral que nos autorizam observar é que o sistema colonial da
economia brasileira, que vem desde o inicio da nossa formação, atingiu nos dias de hoje um
extremo de sua trajetória” (PRADO JR., 1954, p. 147).
O trecho acima talvez seja tão emblemático quanto o termo sentido da colonização.
Ou seja, não há mais trajetória a ser percorrida. O sentido da colonização tem um fim na
década de 1950 e o que se impões a partir daí é uma condição, qual seja, a condição de país
79
Dados disponíveis no sítio http://museudaimigracao.org.br/acervodigital/passageiros.php e consultados em
02/02/2015
________________________________________________________________________ 111
Não pretendo aqui dizer que Caio Prado Jr. foi um dos mentores da Teoria da
Dependência, mas procurei demonstrar neste trabalho como o autor compreendeu os
acontecimentos econômicos no Brasil da década de 1950 e que desde a publicação de seu
livro História Econômica Brasileira, de 1945, Caio Prado Jr. já denunciava circunstancias que
levaria o país a uma situação de dependência econômica internacional (pois este é o nosso
foco de estudo) - e que poderia ter seu desdobramento para a questão sócio-política brasileira.
“Forma esta que leva a uma situação assustadora, no Brasil não ocorrem rupturas,
não se supera o passado, que se eterniza, tornando nossa história uma “permanente
atualidade”. Consequentemente, a obra do historiador paulista só poderá se tornar
desatualizada quando, mais do que seu contextos, as condições que a produziram se
tornarem datadas. Ou seja, quando finalmente se romper com o passado no Brasil,
tarefa a qual Caio Prado Jr. dedicou sua vida, talvez não mais se precise ler seus
livros, a não ser que se queira ter contato com um testemunho brilhante de uma
época já longínqua” (RICUPERO, 1997, p. 192).
Esta citação da dissertação de Ricupero nos causou grandes reflexões, pois ela nos
remete a duas situações, a saber: 1) Concordamos que não houve rupturas na história
brasileira e 2) entendemos que o Brasil não “eternizará seu passado” e que não há como dizer
que a história brasileira é uma “permanente atualidade” - principalmente a partir da década de
1950 até nossos dias.
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QUADRO 1
QUADRO 2
QUADRO 3
Plano Marshall*
País 1948-49 1949-50 1950-51 Total
Alemanha 510 438 500 1.448
Áustria 232 166 70 488
Bélgica e Luxemburgo 195 222 360 777
Dinamarca 103 87 195 385
França 1,085 691 520 2.296
Grécia 175 156 45 366
Irlanda 88 45 — 133
Islândia 6 22 15 43
Itália 594 405 205 1.204
Noruega 82 90 200 372
Países Baixos 471 302 355 1.128
Portugal — — 70 70
Reino Unido 1,316 921 1,06 3.297
Suécia 39 48 260 347
Suíça — — 250 250
Turquia 28 59 50 137
*Valores investidos em cada país (em milhões de dólares)
Fonte: BEHRMAN, 2007, p. 211 12.741
________________________________________________________________________ 124
QUADRO 4
QUADRO 5
Contas Públicas
Saldo em Conta Inversão de Balança de Dívida Externa
ANO Corrente (US$ Capitais (US$ Pagamentos (US$ Total (US$
Milhões) Milhòes) Milhões) Milhões)
1950 140,0 200,0 52,0 559,0
1951 -403,0 160,0 -291,0 571,0
1952 -624,0 680,0 -615,0 638,0
1953 55,0 1150,0 16,0 1159,0
1954 -195,0 1160,0 -203,0 1317,0
1955 2,0 1430,0 17,0 1445,0
1956 57,0 3380,0 194,0 1580,0
1957 -264,0 4970,0 -180,0 1517,0
1958 -248,0 5080,0 -253,0 2044,0
1959 -311,0 5590,0 -154,0 2234,0
Fonte: ABREU, 1990, p. 404
QUADRO 6
QUADRO 7
QUADRO 8
QUADRO 9
QUADRO 10
QUADRO 11