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A Transformação

do Mundo
a Partir de Si Mesmo

Ensaios
Ensaios
Coletânea de artigos
escritos por jovens da
Fundação Logosófica

1ª Edição
2015
Belo Horizonte
158.2 A transformação do mundo a partir de si mesmo: Ensaios; coletânea de
T772 artigos escritos por jovens da Fundação Logosófica / Patrícia Finelli
(organização) Fundação Logosófica, Setor Juvenil.
Belo Horizonte: Gráfica Editora Del Rey, 2015.

94p.: 15,4 x 22,7cm

ISBN: 978-85-60232-02-4

1. Relações interpessoais. 2. Mundo. 3. Mundo interno.


4. Logosofia. I. Fundação Logosófica.

CDD – 158.2

Ficha catalográfica elaborada por: Vera Fulgêncio Murta – CRB-6/987


“É de se esperar que todos
os seres que integram as
gerações do presente se
disponham a colaborar no
grande trabalho de reafirmação
dos valores humanos e na
construção de um mundo
melhor, onde a paz deixe de
ser um mito para converter-se
na realidade mais formosa a
que todo ser possa aspirar.”

Da Sabedoria Logosófica
Sumário
Introdução 9

1. Por mundos nunca antes navegados...


Júlia Maia Rocha de Carvalho – Florianópolis/SC 13
2. Para que saber o que não me diz respeito?
Isabela Baroukh de Moraes – São Paulo/SP 16
3. O que sou e o que posso ser
María Inés Gabriel – Buenos Aires/Argentina 20
4. Para saldar uma dívida
Marcos Meyer Salomão – Rio de Janeiro/RJ 23
5. Leões e búfalos
Christiano Mares Weikert de Oliveira – Belo Horizonte/MG 26
6. Em construção...
Eitán Nicolás Melnitzky – Buenos Aires/Argentina 29
7. Quem anda na garupa não segura as rédeas
Rodrigo Pereira Guimarães – Brasília/DF 32
8. Onde começa o bem?
Paulo Henrique de Franco Alcântara – Goiânia/GO 34
9. Sou dona de mim mesma?
Ivanna Levy – Montevidéu/Uruguai 37
10. No fim tudo dá certo?
Jarbas Araújo Melo Souza – Belo Horizonte/MG 39
11. Acordos de paz
Rachel Pereira Garz – Milton Keynes/Inglaterra 42
12. Por um mundo com mais amizade
Janet Prada – Paraná/Argentina 44
13. Vamos jogar futebol?
Cecília de Carvalho Faria – Belo Horizonte/MG 47
14. O presente perfeito
Simone Dal Moro – Joaçaba/SC 50
15. Família, base de um mundo melhor
Ana Carolina Gundin de Freitas – Goiânia/GO 53
16. Um mundo onde ninguém é pequeno
Daniel Corrêa de Lery Costa – Santa Maria/RS 57
17. Um sorriso no metrô
Milagros Lucía Romani – Buenos Aires/Argentina 59
18. Já arrumou seu quarto hoje?
Edione Fátima Canzi – Curitiba/PR 62
19. Eu?! Salvar o mundo?
André Casagrande Medeiros – Florianópolis/SC 65
20. Princípios são princípios
Thaís Moura Martins dos Santos – Uberlândia/MG 67
21. Um nobre ideal
Darío Carlos Zárate – Santa Fé/Argentina 69
22. Espelho, espelho meu, quem sou eu?
Renata Antunes Evaristo Braga – São Paulo/SP 71
23. Mais que uma letra de música
Manuela Virginia Gabriel – Buenos Aires/Argentina 74
24. Em busca de outros mundos
Lília Carvalho Finelli – Belo Horizonte/MG 76
25. Convoquei reunião!
Nadja Mangini Lorenzini – Belo Horizonte/MG 78
26. Missão superpossível
Natália Delgado Patto – São Paulo/SP 80
27. Um papo de hoje sobre o amanhã...
Vanessa Mendonça Soares – Rio de Janeiro/RJ 83
28. Minha responsabilidade
José Eduardo Mendonça Umbelino Filho – Goiânia/GO 87
Introdução

Tem-se dito que a juventude se caracteriza pela


rebeldia e pelo desejo de mudanças. É atribuída
a ela também grande parte das transformações
experimentadas nas sociedades, do passado e do
presente.

Se voltarmos os olhos para essa etapa da vida


humana, veremos que o jovem vive a transição
entre os primeiros anos de sua existência e o
futuro que se abre diante de si. Transição
marcada pelo contraste entre o mundo infantil,
onde ele não tinha nenhuma responsabilidade
sobre suas decisões, e a realidade, tão diferente
daquilo que idealizou para seu futuro.

Várias questões se apresentam frente à proposta


de transformar o mundo. É preciso saber
primeiramente que mundo é esse em que se
vive e saber também como atuar nele.
Continuando o exercício, deve-se pensar no
mundo em que se gostaria de viver e se está
preparado para viver nele.

“A transformação do mundo a partir de si


mesmo” foi o tema que os jovens estudantes de
Logosofia se propuseram investigar à luz desta
nova concepção humanística. Esse estudo os fez
voltar sobre a realidade do mundo mental, cuja
influência mais evidente se expressa na cultura e
costumes de um povo. Também os fez refletir
sobre seu mundo interno, que se manifesta em
seu temperamento, caráter, tendências e
predileções. A investigação os levou a revisar os
conceitos e valores que devem ser incorporados
à vida, para que cada um seja ator consciente
dessa transformação.

Se o estudo levou os jovens a perceberem o


quanto podiam realizar em si mesmos,
despertou também o sentimento altruísta de
querer fazer com que outros pudessem viver e
experimentar a mesma felicidade. Perceberam,
ao final, que a transformação do mundo está
vinculada à própria superação da espécie
humana no que diz respeito às suas possi-
bilidades intelectuais, morais e espirituais.

Os ensaios publicados nas páginas deste livro


apresentam reflexões e experiências dos jovens
em torno deste tema. Os resultados alcançados
até o momento indicam que ainda há muito por
fazer. Que isso se constitua num grande
estímulo para que todos se unam em um grande
ideal: a superação.

Paulo Cezar Tomás Salles,


docente da Fundação Logosófica
A Transformação
do Mundo
a Partir de Si Mesmo

Ensaios
Por mundos nunca
antes navegados...

Júlia Maia Rocha de Carvalho – Florianópolis/SC

Estudando a História, é possível identificar diversos momentos


que foram cruciais para o avanço de nossa sociedade. A
descoberta da penicilina em 1928 assim como o desen-
volvimento de vacinas permitiram que as pessoas vivessem por
mais tempo. O primeiro veículo, inventado em 1769, trouxe
mobilidade ao ser humano; a luz elétrica, em 1879, tornou a
vida mais confortável. Essas e outras realizações transformaram
o mundo para melhor, porque permitiram que o homem
ampliasse sua capacidade de realizar.

Muito tempo depois, no ano de 1992, numa cidade cercada


por montanhas, eu chegava ao mundo. Logo que nasci, fui
vacinada e, desde então, venho usufruindo dessas pequenas
porções de bem que tantos inventores deixaram para a
humanidade.

Quando eu estava no Ensino Fundamental, tinha uma grande


vontade de inventar algo, mas algo útil. Entretanto, eu pensava
que havia chegado muito tarde e, diante de toda a trajetória que
o ser humano tinha percorrido, não havia quase mais nada a
avançar. Ainda criança, lembro-me de conhecer um senhor
que havia inventado o ebulidor de água e uma vassoura de

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 13


garrafa PET. Ao visitar sua fábrica, pensei: “Pronto,
esgotaram-se as possibilidades, não há mais nada que eu
possa fazer. Esse senhor nasceu antes e aproveitou sua
oportunidade de fazer algo para a humanidade… Fiquei
para trás!”

À medida que fui crescendo e compreendendo melhor a


realidade do mundo em que vivia, fui percebendo que ele não
estava tão “pronto” e “avançado” como achei que estivesse.
Sentia e observava que muitas coisas ainda precisavam ser
feitas. Então me perguntei: O que posso fazer para que a
humanidade avance e realize as mudanças que quero ver no
mundo?

Porém, havia em mim a tendência de esperar que o outro


tomasse a iniciativa de mudar. Culpava meus familiares pelos
desentendimentos que tínhamos, culpava meus colegas pelas
repreensões que sofríamos e culpava os políticos pela situação
do país. Sempre que refletia sobre o que eu vivia e observava,
chegava à mesma conclusão: se não posso mudar o outro, as
situações nunca irão mudar.

Foi aí que descobri uma outra parte do mundo e, à semelhança


do que ocorreu com Vasco da Gama e as Índias, ou com
Colombo e as Américas, essa parte sempre esteve ali, inde-
pendentemente de eu estar ciente dela: o meu mundo interno.
É nele onde vivem os pensamentos, os sentimentos, as
sensações, como as de alegria ou de sofrimento, as reações
positivas e negativas frente às experiências da vida, as
convicções e ideias. E é justamente nessa parte do mundo onde
reside o verdadeiro poder de mudança.

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Quando estou atenta ao que ocorre nele, tenho a prerrogativa
de realizar conscientemente todos os movimentos e atos da
minha vontade. Ter em mente o propósito de melhorar o
mundo me guia para que essa vontade esteja sempre voltada a
fazer o bem e me superar. Então, percebi que poderia colaborar
no avanço pela superação da condição moral da humanidade.

De posse dessa compreensão, comecei a realizar pequenas


mudanças em minha vida. O meu mundo começava, gra-
dualmente, a se tornar melhor. Eu passava de uma postura
passiva, de esperar por mudanças, à ativa, de ter a iniciativa de
realizá-las. Entretanto, ainda me questionava: Será que essas
mudanças que estou realizando em mim podem também
mudar o mundo ao meu redor?

Certas férias de final de ano, viajei com minha família para a


praia. Embora tivéssemos ido para aproveitar o sol, a chuva
predominou na maior parte de nossa estadia. No último dia,
decidimos ir a uma cachoeira. Ao chegar, ficamos frustrados.
O sol estava escondido pela mata, o poço era escuro e fundo, a
água era fria e não havia ninguém no local. Nessa frustração
ficamos. Até que, ao perceber o que ocorria dentro de mim,
decidi mudar aquele estado de ânimo. Levantei-me, tirei a
roupa e pulei, feliz, na água gelada. Chamei minha família para
me acompanhar. O ambiente mudou, a alegria imperou.
Outros visitantes chegaram e, contagiados por nossa
“coragem”, também entraram na água. Nesse momento,
percebi que, através de pequenas atuações como essa, posso
ser um elemento de modificação do mundo, trazendo alegria
para quem está ao meu redor.

Desbravar esse novo mundo, tornar-me dona dele e


reinventar-me a cada dia como uma pessoa melhor: eis aí a
minha contribuição.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 15


Para que saber o
que não me diz respeito?

Isabela Baroukh de Moraes – São Paulo/SP

No meio de uma reunião de trabalho, com várias pessoas à


mesa ouvindo o chefe sobre uma pauta importante, eu me
encontro atenta ao assunto tratado. Mas espere! De repente, a
secretária entra na sala e, discretamente, cochicha algo no
ouvido de um colega. Este faz cara de espanto e cochicha de
volta. Epa! Do que será que eles estão falando? Será que
aconteceu alguma coisa? Ops, qual foi a última frase que o chefe
falou mesmo? Olha! Agora o meu colega está saindo da sala.

Um minuto depois ele volta e se senta à mesa. Está com uma


cara estranha... O que será que está acontecendo? Devo passar
um bilhetinho perguntando? Humm... E se mandasse uma
mensagem? Puxa, agora o chefe fez uma pergunta e eu nem
ouvi. Vamos lá: foco! A secretária retorna à sala de reunião e
volta a cochichar no ouvido dele. O QUE SERÁ QUE ELA
ESTÁ FALANDO?! Por que eles podem saber e eu não?!
Não consigo prestar mais atenção na reunião… está acon-
tecendo alguma coisa!

A reunião acaba e não tenho a menor ideia do resultado da


pauta. O que quero saber é o que foi aquele cochicho. Chego
perto e tento ouvir se ele está falando alguma coisa... não está.

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Vou ter que perguntar! No exato momento em que ele
responde, me sinto a pessoa mais ridícula do mundo. Era um
assunto pessoal: a lavanderia havia ligado para o número do
trabalho dizendo que a roupa do meu colega demoraria para
ser entregue.

Adiantou perder toda a reunião por isso? E pior, o que me


importa saber dessa informação que diz respeito apenas ao
meu colega?

O pensamento de curiosidade,1 descrito na situação acima,


acompanhou a minha infância e adolescência. Sempre fui
curiosa. Por muito tempo, achei que isso era ótimo, pois me
instigava a descobrir, uma vez que eu observava bastante ao
meu redor e via coisas que muitos não haviam visto...

Mas, aos poucos, isso foi tomando grandes proporções dentro


de mim e em minha vida. Se eu via uma amiguinha
conversando com outra, já queria logo saber o que era! Minha
mãe chamou meu irmão para falar algo só com ele, mas eu
tinha que saber imediatamente do que se tratava! Afinal, era
meu irmão e eu tinha que saber se ele estava bem, não é?!

Será mesmo? Eu queria saber pelo seu bem, ou teria algum


outro motivo? Quantas desculpas esfarrapadas o
pensamento de curiosidade já me deu para justificar
minha vontade de estar por dentro de tudo!

Mas e aí, o que fazer? Aceitar que sou assim e obrigar os outros
a aceitarem também? Isso não me soava bem…

1 Ver “Deficiências e Propensões do Ser Humano”, de González Pecotche.


“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 17
Ao mesmo tempo que esse pensamento acometia a minha
infância, um sentimento muito sincero de fazer o bem se
encontrava em meu interno. Eu observava aquele conflito
dentro de mim e não sabia como resolver.

Compreendi que, para poder ajudar os outros, para cumprir o


que havia de mais puro dentro de mim, eu precisava modificar
aquela situação. Ainda na adolescência, comecei a estudar essa
deficiência psicológica – a curiosidade – e compreendi que
junto a ela atuavam sempre a indiscrição e o intrometimento.
Como eu não observara isso antes? Quantas pessoas eu já
deixara desconfortáveis com minhas perguntas? Tinha que
mudar isso já!

Passei a cultivar a circunspecção. Mas não foi nada fácil. Com


paciência, fui fazendo essa substituição aos poucos. A cada
situação em que a curiosidade aparecia, passei a me perguntar
sobre a necessidade real de saber aquela informação. Fui
compreendendo a pouca importância que as coisas
superficiais têm para a vida.

Consegui me aperfeiçoar e domar, embora ainda não total-


mente, essa deficiência, e me tornar uma pessoa muito mais
leve. A cena da reunião poderia perfeitamente ocorrer comigo,
se eu tivesse escolhido manter esse pensamento na minha vida.
Obviamente tenho inúmeras outras características que gostaria
de mudar e, aos poucos, tenho realizado um processo de
superação interna.

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Mas fica a pergunta: Que diferença faz para o mundo eu
mudar essa característica? Parece óbvio, mas, somente ao
analisar essa experiência, entendi que, se me torno um ser
humano um pouco melhor, o mundo ganha algo melhor. Eu
tenho todos os recursos e possibilidades, e agora, no auge da
minha juventude, é o melhor momento de colocá-los em
prática!

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 19


O que sou e o
que posso ser

María Inés Gabriel – Buenos Aires/Argentina

“Por que sou assim?”, “Por que cometo uma e outra vez os
mesmos erros?”. Muitas vezes me fiz essas perguntas, e
imagino que não sou a única. Elas me atormentavam na
adolescência, porque eu não encontrava um caminho que me
levasse a respondê-las. As respostas só chegaram depois…

Na infância, me entusiasmavam todas as situações que an-


tecipavam um porvir, como, por exemplo, meu aniversário ou a
volta às aulas. Esses momentos me indicavam que eu havia
crescido e que começava uma nova etapa. Era tal a alegria que
me proporcionavam, que na noite anterior não conseguia
dormir de emoção. Porém, em algum momento de minha
adolescência, tudo aquilo deixou de me agradar. A ideia de
começar outro ano letivo ou a proximidade do meu aniversário,
por algum motivo que eu desconhecia, me parecia deprimente.
Por que isso aconteceu? Como o que produzia alegria na
infância transformou-se em motivo de uma tristeza adolescente?

Foi também nessa época que começaram a surgir as perguntas


que mencionei ao início, a respeito de por que sou como sou.
Entendi que minha angústia se devia, precisamente, ao fato de
que tais situações já não me recordavam que eu havia crescido,

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mas sim que seguia como antes. Encontrei-me estancada na
vida que levava, sem sentir que amadurecia e que realizava
mudanças importantes.

O início de meus estudos logosóficos se deu, em grande parte,


como uma tentativa de responder aquelas questões. Se eu
sempre cometia os mesmos erros, era porque, possi-
velmente, sempre fazia as coisas da mesma maneira. Porém
não imaginava como poderia fazer diferente… até
aprender a me conhecer internamente e a pensar por mim
mesma.

O conhecimento de nós mesmos não consiste apenas em


saber como somos, senão como podemos ser. É, portanto, um
conhecimento que nos incita a sermos ativos e fazermos com
ele algo útil: nos superarmos. Com isso, não me refiro a nos
convertemos em seres perfeitos, senão perfectíveis, ou seja,
capazes de melhorar continuamente todas as nossas aptidões e
corrigir condutas e pensamentos errôneos.

Diferentemente do que via em algumas ideologias, eu não


estava recebendo receitas prontas para a solução de meus
problemas, mas sim ferramentas de reflexão, para elaborar por
minha conta a melhor forma de proceder diante de cada
dificuldade.

Por exemplo, me descobri sendo intolerante em diversas


circunstâncias de minha vida cotidiana. Porém, repetir para
mim mesma uma e outra vez que devia ser tolerante e não me
aborrecer não ia fazer com que magicamente aquilo se
realizasse, porque, definitivamente, eu não tinha a menor ideia

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 21


do que significava ser tolerante. Uma das ferramentas que a
Logosofia apresenta para pensar é fazer perguntas a si mesmo,
e com isso comecei a esboçar a nova conduta que substituiria a
velha.

Identifiquei muitas situações que habitualmente me


despertavam essa deficiência e me perguntei: “Por que me
incomodo? O que verdadeiramente motiva minha indis-
posição? E se conseguisse não me incomodar, como reagiria,
então? Posso atuar diante dessa situação sem me incomodar e
tampouco aos demais? Afinal, por que é importante não me
incomodar?”

As respostas me permitiram preparar meu pensamento para a


próxima vez que a deficiência quisesse se manifestar. Já tinha
em mente um plano para combater minha intolerância!
Depois tive que colocar esse plano em prática e observar os
resultados, avaliando se apliquei o que havia pensado e se
necessitava melhorar. Às vezes, tinha que me fazer novas
perguntas ou contemplar um aspecto da deficiência que eu não
havia visto até fazer a experiência. Porém já me encontrava um
passo à frente para vencer aquilo que tanto me fazia sofrer.

O mais interessante era que essas perguntas podiam aplicar-se


a tudo o que eu gostaria de mudar em mim, e me foram úteis
para praticar novas formas de atuar. Meus ensaios e os novos
comportamentos que com eles alcancei não só me
beneficiaram, mas também aos que me rodeavam, porque me
evitaram muitos conflitos que teriam continuado a se
apresentar entre mim e meus seres queridos se eu não tivesse
começado a praticar essa mudança.

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Para saldar
uma dívida

Marcos Meyer Salomão – Rio de Janeiro/RJ

Certo dia, lendo um site de notícias, me espantei com a


quantidade de problemas pelos quais estamos passando –
políticos, esportivos, ambientais etc. Parece que a cada clique,
a cada notícia, vivemos em um mundo diferente: quem dizia
apoiar o partido A agora apoia o B; o futebol bonito e moleque
agora prefere a seriedade alemã; o país de maiores reservas de
água do mundo agora reza para chover.

Diante desse quadro, me veio uma imensa saudade da


minha infância! Quando fui visitá-la, me lembrei de uma
dívida que possuo até hoje. Uma dívida que fiz com um
menino, dizendo a ele que, quando eu crescesse, faria
alguma coisa para mudar o mundo. Como os juros estão
cada vez mais altos... resolvi pagar minha dívida o quanto
antes. Mas logo depois, como um banho de água fria, um
pensamento me disse: “Para com essa besteira de criança e vai
trabalhar”. Com o calor que faz aqui no Rio... não liguei para
aquela água fria e resolvi descobrir como pagar essa dívida.

Pesquisei como se iniciam as mudanças. Como uma semente


se transforma numa árvore que vive por séculos? Como uma
lagarta vira uma borboleta? Como de uma célula nasce um

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 23


novo ser? Logo me dei conta de que o início de tudo é sempre
pela menor partícula daquilo que se deseja formar ou
transformar.

E no caso de mudar o mundo? Por onde começar? Quem é a


menor partícula da humanidade? Opa, só pode ser o homem.
É lógico! O homem é a menor partícula da humanidade.
Beleza, esse foi um bom primeiro passo, mas ainda faltam
outros.

Por qual homem devo começar? Quem será a cobaia dessa


transformação? Nesse aspecto tive dificuldade, pois até tentei
convencer outros a mudarem, mas eles me mandavam parar
de questionar e ficar quieto, exatamente como eu quase fiz
com aquele menino lá da infância... Então, pensei: “Vou ter
que começar por mim mesmo; afinal, ninguém gosta de pagar
a dívida dos outros. Terei que ser minha própria cobaia, meu
próprio experimento”.

Agora surgia outra questão: se a humanidade tem tantos


problemas, por qual deles começar? Será que não existe algum
ponto em comum entre eles para que, quando um se resolva,
os outros também sejam solucionados?

Percebi que o homem, além de sofrer as consequências de


todos os problemas, é seu principal causador e, ao mesmo
tempo, o único que pode resolvê-los. E é ele também a menor
partícula formadora da mudança. Maravilha, o ciclo está
fechado! A menor partícula é aquela que cria todos os
problemas e a única que pode solucioná-los!

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Resolvi iniciar a mudança que havia prometido. Sei que se
trata de um desafio e tanto, mas, além de valer a pena, terei
mantido a palavra com aquele menino que ainda vive em
mim.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 25


Leões e búfalos

Christiano Mares Weikert de Oliveira – Belo Horizonte/MG

— Prezados passageiros, quem vos fala é o comandante.


Lamento informar que, por motivos técnicos, esta aeronave
não possui condições de seguir viagem rumo a seu destino. Sua
substituição já foi solicitada à torre de controle. Senhoras e
senhores, favor dirigirem-se às saídas dianteiras, onde serão
orientados por nossos comissários quanto aos procedimentos
de reembarque. Grato pela compreensão.

***

Após sairmos do avião, fomos informados de que levaria cerca


de uma hora para o novo embarque. Sentei-me em uma
poltrona com o intuito de aguardar pacientemente os
preparativos da outra aeronave, mantendo o firme propósito
de não me estressar. Estava de férias e havia programado as
atividades do dia seguinte contando com algum atraso da
companhia aérea; sendo assim, não seria este pequeno
inconveniente que iria atrapalhar a minha viagem tão
aguardada.

Após alguns minutos, chegou até nós uma funcionária da


empresa aérea com uma notícia que transformou aquele dia:

— Prezados, informamos que no momento não dispomos de


outras aeronaves no pátio para que os senhores possam
prosseguir viagem. Já solicitamos a outro aeroporto e a
previsão de chegada é de cerca de oito horas.

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Caro leitor, explicar o que ocorreu depois dessas palavras não
será algo fácil. Gostaria que você fizesse o esforço de se
recordar daqueles documentários das savanas africanas, em
que leões, hienas e búfalos se digladiam brutalmente. A grande
diferença é que, diante dos meus olhos, estavam seres
humanos — dotados de reservas morais e espirituais de
altíssima hierarquia — mas que, naquele momento, em face do
total descontrole dos seus instintos, mais se assemelhavam a
bestas incontroláveis, gritando, esbravejando e dirigindo
ofensas aos funcionários do aeroporto.

Não estou retirando a razão das pessoas que contrataram


aquele serviço e se viram impedidas de chegar ao seu destino,
seja para reencontrar familiares, para uma atividade
profissional, ou, assim como eu, para uma viagem de lazer
planejada com tanto cuidado. Para resolver essas contendas
comerciais, existe todo um aparato jurídico muito bem
estabelecido. Sendo assim, julgo desnecessário tratar disso
neste texto. Pretendo abordar aqui aspectos de ordem interna,
relacionados à forma como aquela situação foi encarada pelo
conjunto, e como tal evento repercutiu em mim.

Será que aquele grupo de pessoas enfrentou a situação da


melhor maneira? Como elas deveriam ter agido? O que eu
ganharia, de fato, sendo impaciente naquele momento em que
eu mais precisava ser paciente?

Fica evidente que não me deixar levar por uma convulsão de


pensamentos de brusquidão, impulsividade e intolerância era
o mais correto a ser feito. Adotar a paciência como escudo de
proteção traz consigo o efeito benéfico da serenidade,
tornando-me compreensivo e predispondo minha mente a
pensar com maior eficiência.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 27


Não seria este um bom recurso para começar a mudar o
mundo? Sugiro ao leitor recordar-se que pensamentos
extremistas, sectários e intolerantes têm dominado a mente
dos homens há centenas de anos.

Assim como os oceanos surgiram com apenas algumas


gotas de chuva, confio que nós, jovens, temos plenas
condições de mudar o mundo, tendo uma conduta elevada
e sendo valentes para defender o que é correto ao nosso
pensar e sentir. Somente nos indignarmos frente ao
aumento dos impostos, ao preço da gasolina, à corrupção dos
nossos políticos ou aos cancelamentos constantes dos voos
cumpre qual objetivo? Para onde temos canalizado toda essa
força transformadora que temos dentro de nós?

Tenho aprendido que: “Para tudo há soluções, porém é


necessário encontrar as mais felizes, e as mais felizes não
podem ser outras que aquelas que permitem uma mudança
em si mesmo”.2

Suponho que o leitor deva estar se perguntando como


terminou a minha viagem. A nova aeronave chegou bem antes
do esperado. Aterrissei em meu destino com algum atraso,
mas com a certeza de que aquela viagem já era especial;
certeza experimentada ao sentir que, no meu interno, o
comandante sou eu.

2 Referência a uma conferência pronunciada por González Pecotche em 4/10/1960.


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Em construção...

Eitán Nicolás Melnitzky – Buenos Aires/Argentina

Desde criança, sempre fui bem na escola e nunca tive que fazer
grandes esforços para passar de ano. Ficava a maior parte do
dia vendo televisão ou em outras distrações. Às vezes, até me
reprovava pela forma como usava meu tempo, mas isso não
era suficiente para me fazer mudar.

Certo dia, fui convidado para uma palestra de Logosofia, em


que me foi apresentado que cada um tem o poder de
transformar a si mesmo e também um método que torna isso
possível. Comecei a estudar minha própria vida.

Foi aí que descobri em mim a falta de vontade. Na maioria das


vezes em que tinha uma ideia que me exigiria esforço, preferia
nem começá-la, mesmo quando parecia muito boa.

Também observei que muitas vezes iniciava um projeto com


grande entusiasmo e alegria, mas, depois de um tempo, minha
vontade decaía e eu o abandonava. E assim, me dei conta de
que estava passando a vida de atividade em atividade, sem
chegar à culminação de grande parte delas. Também percebi
que eu somente fazia o que era fácil para mim ou o que era uma
obrigação, como, por exemplo, estudar as matérias da escola.
Alguns amigos e familiares questionavam essa minha forma de
ser e eu apenas respondia: “Não tem jeito, eu sou assim”.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 29


Um dos tantos conhecimentos que a Logosofia oferece é que
cada um tem um mundo interno, um mundo mental, e que
nele se encontram as causas de tudo o que ocorre em nossa
vida. Portanto, descobri que, dominando meu próprio
mundo interno, podia mudar em mim tudo o que considera-
va como negativo. Isso era completamente novo para mim:
de repente, a desculpa “eu sou assim” não valia mais,
porque, da mesma forma como em mim estavam as
falhas, também estava o poder de mudá-las.

Decidido a trabalhar nesse mundo interno, comecei a ver que


nele há habitantes, como no mundo físico ou externo. Assim
foi meu encontro com os pensamentos, entes que modificam
minha conduta sem que eu esteja inteirado disso, pois têm o
poder de trabalhar à margem da vontade e sem solicitar
permissão alguma. Notei que muitos desses pensamentos eram
os causadores de minha falta de vontade. Longe de desanimar-
me, encontrei muitos estímulos para lutar contra eles e pôr em
seu lugar pensamentos úteis, que me ajudaram a manter firme
minha vontade, em vez de afrouxá-la e neutralizá-la.

Obtive muitas conquistas que considero de grande valor para


minha vida. E se bem tenha havido muitas realizações,
também há muito por fazer, pois não poderia dizer que venci a
falta de vontade, pelo menos por enquanto. Porém todo
avanço, por pequeno que pareça, entranha um valor
incalculável, pois a cada passo que dou contra a falta de
vontade, estou mais perto de ser dono de minha vida. As
mudanças que fiz não repercutem unicamente em mim, senão

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também nas pessoas mais próximas, que sabem do meu
propósito de ser cada dia um pouco melhor do que fui ontem.

Sempre quis saber como forjar um mundo melhor, e hoje sei:


devo começar por ser, eu mesmo, uma pessoa melhor. A
Logosofia me brinda com as ferramentas que me permitem
mudar meu próprio mundo interno de maneira consciente, e o
objetivo deste ensaio é poder acercar essas ferramentas àqueles
que também desejam um mundo melhor e ainda não sabem
como fazê-lo.

Hoje já não penso na vida como algo estático, como algo que é
assim e não vai mudar. Pelo contrário: luto e me esforço para
renová-la constantemente, para preenchê-la com minhas
melhores realizações. Embora sejam lutas, nelas não encontro
amargura, senão uma enorme felicidade, pois está presente o
firme anseio de converter-me num ser humano melhor.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 31


Quem anda na garupa
não segura as rédeas

Rodrigo Pereira Guimarães – Brasília/DF

Observando o mundo em que vivemos, tenho a impressão de


que muitas pessoas não sabem o que de fato existe dentro de
suas mentes. Elas acreditam que são donas de seus pen-
samentos, palavras e atos.

Buscando orientação sobre como mudar a mim mesmo, fui


aconselhado a primeiro olhar o que acontece dentro de mim.
Olhei. Num primeiro momento, não vi nada. Mas depois
descobri que vários pensamentos povoavam minha mente,
que tinham vida própria e que muitos deles me atrapalhavam.

No estágio do curso de Direito, percebi que eu fazia excessivas


perguntas a minhas supervisoras e meu colega. Na maioria das
vezes, as fazia sem pensar, sem sequer tentar encontrar por
mim mesmo as respostas. Perguntava “no automático”.
Havia algo dentro de mim que mexia minha boca e me
fazia perguntar. Se minha vida se comparasse à condução
de um cavalo, eu estaria na garupa!

Então, como isso me incomodava, comecei a observar com


mais atenção o que acontecia em minha mente. Até o ponto de
ver a pergunta surgir dentro de mim, num impulso quase

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incontrolável, mas a tempo de eu avaliar se queria mesmo
perguntar, se seria útil, oportuno, ou se havia uma forma mais
ativa de alcançar aquele conhecimento.

Passei a perguntar menos. Bem menos! E curiosamente, pas-


sei a aprender mais, pois buscava as respostas que eu precisava
na observação, pesquisando ou simplesmente pensando com
um pouco mais de dedicação.

Fiquei feliz por estar ensaiando tal transformação e come-


çando a deixar de ser o que eu era, tornando-me alguém novo,
por própria determinação. Não seria esse o primeiro passo
para ajudar na transformação do mundo? Comecei a segurar
as rédeas da minha vida!

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 33


Onde começa o bem?

Paulo Henrique de Franco Alcântara – Goiânia/GO

“Achei um celular na rua! E agora?” Foi o que pensei quando,


andando a caminho do trabalho, quase pisei num aparelho
caído próximo a uns arbustos. Naquela época era um celular
bacana, eu até gostaria de ter um daqueles. Mas, naturalmente,
nem passou pela minha mente ficar com ele.

Naquele dia, justamente, eu estava de cabeça cheia, resolvendo


problemas causados pela desonestidade alheia: um cheque
falso emitido em meu nome; a operadora de celular fazendo
cobrança indevida; e até mesmo um técnico que se recusou a
cumprir a garantia dos seus serviços e sumiu do mapa com o
dinheiro do pagamento, me deixando com uma máquina de
lavar roupas estragada.

Por essas e outras razões, eu pensava em me mudar do Brasil


assim que tivesse uma chance!

Notei, então, que minha convicção em devolver o celular era


uma conduta diferenciada. Legal! Mas, por causa do desânimo
em que me encontrava, cheguei a refletir se não estava sendo
ingênuo ao querer fazer o que julgava correto. Afinal, a cultura
da desonestidade estava em todo canto, em todos os níveis...
Mesmo assim, guardei o telefone, pensando em como faria
para achar o seu dono.

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Já era final da tarde quando alguém ligou para aquele número.
Era o dono do aparelho, que se mostrou bastante preocupado.
Combinamos de nos encontrar num local público e seguro para
resolver tudo aquilo. No lugar marcado, depois de me explicar
que poderia ter perdido contatos importantes da empresa em
que trabalha, ele perguntou como poderia me retribuir e
ressaltou o valor da minha conduta. Lembro-me claramente de
ter lhe dito que devolver o celular era o mínimo que eu podia
fazer. Recusei qualquer recompensa e fui embora.

De fato, aquilo era o mínimo que eu poderia fazer, mas o


mínimo é o suficiente?

Naquela noite, fiquei pensativo, tentando imaginar o que mais


eu poderia ter feito. Caberia nessa circunstância um bem
maior do que simplesmente devolver o celular? Veio a ideia de
falar com aquele homem sobre como ele poderia retribuir o
bem que eu havia feito: levá-lo adiante, ajudando a outros
assim que tivesse uma oportunidade. Apesar de a ideia ter
chegado atrasada, ficou registrada em mim e planejei
concretizá-la numa próxima oportunidade.

Enquanto não encontrava nada perdido por aí para colocar em


prática meus novos propósitos, comentei sobre o episódio com
uns amigos e relatei também as reflexões que eu havia feito
naquela noite. Vários deles haviam passado por algo seme-
lhante: devolveram o que acharam para os respectivos donos,
mas não perceberam que poderiam ir além. Após aquela
conversa, saímos todos animados a colocar em prática essa ideia.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 35


E não deu outra! Uns dois anos depois, uma de minhas amigas
relatou que estava em um ônibus em São Paulo, quando notou
que uma jovem sentia-se constrangida por ter esquecido o
dinheiro para pagar o transporte. O ônibus estava lotado e
todo mundo assistia impassível ao fato, piorando ainda mais a
situação dela. Veja que oportunidade!!! Minha amiga, então,
ofereceu-se para pagar a passagem da menina, a qual
prontamente aceitou. Já aliviada, a garota pediu seu telefone
para contato, pois fazia questão de devolver o dinheiro da
passagem. Recordando-se daquela conversa, ela pediu apenas
que levasse o bem adiante; que, sempre que encontrasse
alguém merecendo ajuda, não hesitasse. A plateia do ônibus
continuou assistindo ao desfecho da história e todos tiveram a
oportunidade de aprender com aquele exemplo. E o bem
seguiu adiante!!!

Fiquei emocionado quando essa amiga me ligou para


contar o ocorrido, por perceber o alcance da sua
experiência. Continuamos no telefone aprofundando
sobre o assunto, concluindo que é merecedor de um bem
aquele que dá prosseguimento a esse bem. E percebemos
que todos nós, diariamente, recebemos muitos bens, e
com isso temos um dever a cumprir!

E pensar que minha consciência sobre o alcance do bem


começou com um simples celular perdido. Para outros,
começou em uma conversa entre amigos. E para outros, que
nem sequer conheço, pode ter iniciado em um dia corriqueiro
dentro de um ônibus numa cidade distante. Onde tudo isso vai
parar? Espero que nunca pare e que, assim, a partir de cada
pessoa, a humanidade seja cada dia melhor!!!

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Sou dona de mim mesma?

Ivanna Levy – Montevidéu/Uruguai

Muitas vezes, ao escutar notícias sobre o que está se passando


no mundo, eu sentia tristeza e também impotência, ao ver que
não havia nada que eu pudesse fazer para encontrar uma
solução. Perguntava-me: Por que há guerras? Por que algumas
pessoas vivem certas experiências difíceis? Qual sentido tem a
vida? Para que tanto esforço se, em algum momento, tudo
termina?

Estudando Logosofia, consegui ver algo que não era capaz de


ver antes. A violência que eu observava no mundo, em
outros países, em meu país, em minha cidade, muitas
vezes, era a mesma que eu usava em minha própria família.
Embora fosse em menor escala, era o mesmo pensamento.
Em um jantar de família, em que reinava a harmonia, eu fazia
comentários agressivos, incomodava minha irmã ou criticava
algo que meus pais faziam. Essas atitudes geravam discussões,
infiltrando naquele ambiente o germe da violência. Para mim,
os culpados dessa situação eram sempre os demais, que eram
intolerantes, não entendiam minhas brincadeiras e opiniões.
Minhas observações sempre apontavam para os que estavam à
minha volta. Nessa situação eu me encontrava quando tomei
contato com o seguinte ensinamento:
“O homem, para chegar a ser verdadeiramente dono de
si mesmo, deve ter pleno domínio sobre seus pensa-
mentos; então, também o terá sobre sua vontade.”3
3 Ver livro “Introdução ao Conhecimento Logosófico”, de González Pecotche.
“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 37
Aí encontrei uma explicação para o que ocorria comigo. Não
podia controlar meus pensamentos porque não sabia nada
sobre eles! Não sabia o que eram exatamente, nem suas carac-
terísticas. Fui decididamente em busca dos conhecimentos que
me faltavam para poder controlar minha mente e ser dona de
mim mesma.

O só fato de saber sobre o mundo dos pensamentos me


permitiu mudar minha colocação nos ambientes que fre-
quento. Deixei de esperar que os demais mudem, já que isso
não depende de mim, e passei a procurar melhorar minhas
atitudes e comportamentos. Assim, observei que, ao ser mais
paciente, menos impulsiva, mais tolerante, eu promovia
momentos felizes nos ambientes que frequentava. É certo que
ainda não tenho controle total de meus pensamentos, já que
tudo leva tempo e requer um processo, porém tenho
conseguido maior domínio de minha própria vida.

Ao ver esses resultados em mim, fiz as seguintes reflexões: se


todos tivéssemos controle de nossos pensamentos e, conse-
quentemente, de nosso comportamento, grande parte dos
conflitos hoje existentes não seria deflagrada. Se todos,
começando por conhecermos a nós mesmos, aprendendo a
pensar e dominando os próprios pensamentos, fizéssemos um
esforço para nos superarmos a cada dia e buscássemos dar o
melhor de nós, estendendo o que aprendemos a outras
pessoas que nos rodeiam, pelo menos uma parte da hu-
manidade seria mais feliz.

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No fim tudo dá certo?

Jarbas Araújo Melo Souza – Belo Horizonte/MG

“No fim tudo dá certo. Se não deu certo, é porque ainda não
chegou ao fim.” A máxima, tornada célebre por Fernando
Sabino, faz parte do repertório de muita gente. Talvez já se
tenha incorporado à cultura popular. Às vezes, serve como
mantra tranquilizador. Em outros casos, é usada como ex-
pressão de otimismo.

Recentemente me surpreendi ao ouvi-la de ninguém menos


que eu mesmo. Era uma tarde de abril, dessas de céu
plenamente azul. Azul lá fora, pois dentro do escritório o clima
estava cinzento. Uma sala de reunião repleta de executivos
estrangeiros, vindos especialmente para tratar de uma questão
de grande complexidade. Apresentavam problemas, de-
batiam, questionavam, buscavam soluções. A coisa estava feia.
A certa altura, quando os ânimos já estavam exaltados e
nenhuma perspectiva de final feliz parecia existir, veio a frase
salvadora: “Vocês podem ficar tranquilos. Aqui no Brasil tudo
dá certo no final!”

Solene e insensata promessa! De que meios poderia eu me


valer para garantir tal coisa? Contra o que indicavam todas as
evidências, contra a opinião de todos os analistas, contra as
previsões dos especialistas e contra o próprio tempo, “daria
certo no final”. E o único brasileiro ali presente garantiria

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 39


isso… Em filmes, contos de fadas ou nas inúmeras situações da
vida real, estamos acostumados a esperar um final feliz.

E se o final não for o esperado, estão extintas as pos-


sibilidades de que seja feliz? Que papel cumprem o
esforço e as lutas que enfrentamos no curso de cada
realização? Podemos encontrar a felicidade em meio aos
desafios, às situações difíceis e por vezes incômodas que
vivemos diariamente? Quanto da atávica ilusão de viver no
paraíso carregamos conosco? Não seria mais proveitoso
pensar que toda situação desafiadora traz consigo uma
oportunidade de ampliar a própria capacidade, usando a
inteligência para transpor os obstáculos?

É fácil ver que, ao confiarmos no acaso, colocamos de lado os


esforços para conquistar pelos próprios meios aquilo que
buscamos. Pouco ou nada se avança enquanto se espera que os
problemas e limitações desapareçam por arte de magia.

E o que acontece quando muitos adotam posição semelhante?


Por que vemos tantas pessoas entregues a um destino incerto
ou, o que é pior, expostas às (nem sempre boas) intenções
alheias? A quem são confiadas as esperanças de viver num
mundo melhor? Governantes? Cientistas? Onde estão real-
mente as causas fundamentais dos problemas que a
humanidade enfrenta? E que relação há entre as grandes
questões da humanidade e a vida individual? Deixamos o
convite a pensar no assunto.

E quanto ao desfecho da reunião em que se encontrava o autor


destas linhas? Deu tudo certo no final, posso assegurar.

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Mas devo ao leitor uma confissão: aquela frase não foi
pronunciada através da voz física, que se propaga com o som;
foi, em vez disso, a fala de um pensamento, freado a tempo e
impedido de se manifestar em voz alta. A promessa jamais
ocorreu, para felicidade de todos os envolvidos, que seguiram
ativamente empenhados em busca das soluções.

Que grande valor tem a atenção ao que ocorre na nossa mente,


que mais de uma vez evita as situações de aperto a que um
pensamento de origem desconhecida pode conduzir! E quão
diferente é confiar em si mesmo, convicto de que é do esforço
individual, e não de uma abstrata Providência, que hão de
partir as iniciativas responsáveis por tornar reais as aspirações
de mudança para a vida individual e coletiva!

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 41


Acordos de paz

Rachel Pereira Garz – Milton Keynes/Inglaterra

Sempre me chamaram a atenção os acordos de paz feitos por


grandes líderes mundiais. Por ter interesse no tema – a paz
mundial –, ficava atenta ao que podia fazer para contribuir com
este grande objetivo. Intrigava-me o fato de que esses acordos
durassem tão pouco e que regessem aspectos que, a meu ver,
estavam mais conectados com a guerra do que com a paz.

Estudando sobre o afeto, notei que eu também vivia “em pé


de guerra” com uma pessoa muito especial e importante
para mim. Quão incoerente eu estava sendo com meu
próprio sentimento, dizendo que a amava, mas sendo
frequentemente intolerante com ela!

Fui em busca do que eu poderia fazer de diferente: ser mais


tolerante, mais afetuosa, respeitar o seu jeito de ser e, prin-
cipalmente, lembrar com frequência o quanto ela é querida
para mim, dando, assim, cada vez mais espaço para que a
sensibilidade participasse da minha vida.

Comecei a ver que algo mudava dentro de mim. Ao ter


pensamentos e atitudes diferentes, passei a ter uma convi-
vência muito mais feliz e grata com aquela pessoa! E como essa
mudança a inspirava a agir de forma mais carinhosa!
Comprovei que depende de mim mudar o mundo que me

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cerca, e que as mudanças que começam no meu mundo
interno têm o poder de ser duradouras.

Certa vez, resolvi juntar minha família para o réveillon.


Provavelmente demoraríamos a passar outro momento desse
juntos, pois, no ano seguinte, cada um de nós estaria em
cidades e até em países diferentes. Como em todas as famílias,
temos nossas diferenças, mas eu estabeleci um mandato para
mim: aquele seria um encontro alegre, que deixaria boas
lembranças para todos nós. Para isso, tive que realizar várias
conciliações! Conciliar desejos diferentes, exigências distintas.
Mas tive o cuidado de manter na mente e no coração este
propósito, o que me permitiu viver aquele dia com muito mais
paz dentro de mim. Apesar das intempéries, mantive vivo em
minha recordação meu objetivo de ser coerente com o que
sentia e as responsabilidades que me cabiam para que, no final,
todos aproveitássemos ao máximo aquele momento.

Mesmo parecendo tão óbvio, eu não tinha uma consciência


clara de que também fazem parte da humanidade aqueles que
estão pertinho de mim, e que, estabelecendo esses pequenos
acordos de paz – comigo e com eles –, podemos caminhar
com mais firmeza para uma efetiva paz mundial.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 43


Por um mundo
com mais amizade

Janet Prada – Paraná/Argentina

“Amigos a gente conta nos dedos de uma mão!” Que


repercussão um comentário como esse pode ter na vida de
uma adolescente?

Comentários assim e opiniões que ao acaso ela ia recebendo,


somados a uma modalidade que não favorecia seu desen-
volvimento social, foram se transformando num conjunto de
preconceitos que lhe faziam acreditar que ter amizade com
muitas pessoas não era possível e, pior ainda, que não fazia
qualquer sentido.

Não existia nela quase nenhum interesse por conhecer outras


pessoas; incomodavam-lhe as atividades sociais, que ela tratava
de evitar. Os novos afetos que entravam em sua vida eram
produto das circunstâncias, da obrigação de compartilhar
atividades, nunca por sua própria iniciativa… “Para que fazê-
lo? O que essas pessoas poderiam me acrescentar?” – pensava.

Esse era o panorama que existia em sua mente, cheia de


pensamentos que ali ingressaram pouco a pouco, sem que ela
se desse conta, e que foram ganhando cada vez mais espaço.

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Ainda assim, um leve incômodo parecia lhe apontar que isso
não estava bem. Às vezes, observava com admiração as pessoas
que sempre tinham um sorriso no rosto, que se mostravam
cheias de confiança e naturalidade e que se encontravam
rodeadas de amigos. Então se perguntava: “Como é ser uma
pessoa assim? Como seria se eu fosse mais desenvolta?”.
Apesar de ter a sensação de que havia uma grande distância
entre sua vida e a dessas pessoas, lhe inquietava a ideia de ser
como elas. Seria possível uma transformação tão grande?

Um dia, chegou a suas mãos um artigo de González Pecotche


denominado “A amizade”.4 Dessa leitura ficaram ressoando
alguns pontos:

“É pelo sinal da amizade que se unem os homens, os povos


e as raças, e é através dela que há de haver paz na terra.

A amizade entre os homens consegue realizar o que


nenhuma outra coisa consegue, que os eleva e os dignifica,
tornando-os generosos e humanitários.”

Quanta força lhe transmitiram essas palavras! Como estava se


ampliando seu olhar! Quantos motivos para cultivar amigos!
Que grandeza encerrava a palavra amizade! Estava começando
a experimentar uma sensação de amplitude ao pensar nesse
sentimento.

Progressivamente foi se produzindo uma transformação em


sua vida. O novo conceito apresentado tinha tanta lógica, que
foi substituindo naturalmente o velho preconceito que havia
afetado sua maneira de ser. Aos poucos, ela foi ampliando seu
4 Ver “Coletânea da Revista Logosofia Tomo II”.
“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 45
círculo de relação, se tornou mais simpática e afável e passou a
aproveitar diversos convites e oportunidades.

Seu olhar para o outro ficou mais bondoso e inte-


ressado e, com isso, sua vida ganhou novos con-
tornos, mais ricos e felizes.

Essa é a adolescente que fui e a nova pessoa que sou hoje, com
mais amigos, mais interesse pela vida dos demais, mais ativa e
generosa, e, certamente, com maiores possibilidades de con-
tribuir para formar um mundo melhor.

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Vamos jogar futebol?

Cecília de Carvalho Faria – Belo Horizonte/MG

“E começa mais um clássico no gramado. A paciência sai com a


bola, passa para a honestidade, a honestidade toca para a
perseverança, que chama a veracidade, a veracidade tenta um
passe mais longo, mas perde a posse de bola para a hipocrisia... a
hipocrisia chama a indiferença, a indiferença toca para a
indiscrição, a verborragia tenta chegar junto, mas a concisão
chega a tempo… que bela recuperação de bola!!!”

Você já viu um jogo de futebol assim? Pois eu já, na verdade


assisto a um jogo como esse todos os dias. Essa disputa acontece
dentro de mim. Quem nunca viveu os dilemas: contar ou não
contar a conversa que ouvi do chefe?, cortar ou não a fila do
engarrafamento pelo acostamento?, devolver ou não uma bolsa
que achei na rua e que sempre quis ter?, oferecer ou não uma
ajuda quando estou com pressa?, falar ou não para o garçom
que a conta veio faltando um valor?... Esses são só alguns
exemplos dos muitos duelos que acontecem dentro de mim.

Os incontáveis escândalos de corrupção que vemos em nosso


país e no mundo reforçam em mim a vontade de mudar o
mundo. Porém, não sinto vocação para assumir cargos im-
portantes ou me envolver na política. Então, como ajudar a
mudar o mundo?

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 47


Seria hipocrisia da minha parte exigir que os políticos que
escolhi para me representar no governo sejam honestos, se
eu mesma for desonesta, ao não devolver algo que encontrei
na rua, não acham?

Isso é algo muito simples de concluir, mas muito difícil de


colocar em prática. Pois foi assim que me vi diante daquela linda
bolsa, que nunca tive dinheiro para comprar e, por uma
casualidade, estava em minhas mãos! Pela boa educação que
recebi de meus pais, em nenhum momento cogitei em ficar
com ela. Mas isso não impediu de ver dentro de mim alguns
movimentos: “Por que devo devolver algo que achei na rua?
Quem me garante que, se fosse eu quem tivesse perdido a bolsa,
a pessoa que a encontrasse também me devolveria? Se eu a
encontrei, quem sabe não era para ser minha? Além do mais,
ela é tão lindaaaaa…”

Entendi que não basta eu devolver a bolsa porque assim me


ensinaram, se dentro de mim persistirem pensamentos de
corrupção. A cada um desses movimentos mentais a Logosofia
dá um nome, que estou aprendendo a identificar: ambição,
egoísmo, propensão a confiar no acaso, isentando-me da
responsabilidade por minhas ações, entre tantos outros. Foi
com estes conhecimentos que consegui, muito mais do que
com resignação, e sim com verdadeira convicção, devolver a
bolsa à sua dona, ficando quite com minha consciência e
fortalecendo ainda mais os valores que quero que rejam o
mundo.

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O jogo de futebol continua acontecendo, a bola está em campo
o tempo todo, desde que acordo até a hora em que me deito.
Ao devolver o que não é meu, ao respeitar a lei não passando
pelo acostamento, ao ser paciente ajudando o outro, estou
dando a contribuição que cabe a mim para um mundo melhor.
Por outro lado, quando sou desonesta em não falar para o
garçom que a conta veio errada ou sou indiscreta relatando a
conversa que ouvi, estou contribuindo para piorar o mundo.

E aí, em qual time você quer jogar? Qual time você quer que
ganhe? O que me resta a dizer é que vença o melhor. Bom jogo
para todos!

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 49


O presente perfeito

Simone Dal Moro – Joaçaba/SC

Refletia, a caminho do trabalho, sobre um presente que


precisava comprar para um familiar próximo e querido.
Tratava-se de uma criança. Eu gostaria de presenteá-lo com
alguma coisa que contribuísse para seu crescimento livre e
consciente.

Comecei a recordar a forma como cresci, com uma imensa


curiosidade e sede de conhecimento de toda natureza, que me
permitiram buscar sempre mais.

Também me lembrei de alguns presentes que ganhei na


infância, mas principalmente os conceitos, valores e
princípios que recebi. Muitos deles guardo comigo até
hoje, inalterados; outros já evoluíram com o auxílio dos
conhecimentos adquiridos; e outros, ainda, foram aban-
donados e substituídos por conceitos mais realistas.

Recordei com imensa gratidão de meus pais, avós e outros


familiares que estiveram presentes durante essa fase da minha
vida e comecei a me perguntar que conceitos, valores e
princípios eu estava demonstrando àquele menino, que tinha a
prima como referência em várias situações.

50
Acabei montando na minha imaginação o presente “perfeito”:
Primeiro, levar a ele a gratidão pela perfeição do
l
universo.
Depois, compartilhar a alegria por poder perceber a
l
grandeza dessa criação, da qual somos parte muito
importante, por termos uma partícula divina em nós,
que se chama consciência.
Ainda, mostrar-lhe que a verdadeira liberdade, que é a
l
liberdade de pensar, está ao seu alcance, bastando que
aprenda a utilizar as faculdades mentais e sensíveis com
que foi dotado, não se deixando escravizar por pensa-
mentos de massa, crenças e dogmas.
Apresentar-lhe a realidade dos pensamentos! Quão
l
importante seria fazê-lo perceber que os pensamentos
têm vida própria, ensiná-lo a reconhecê-los, combatê-
los, se forem maus, e mantê-los por perto, caso sejam
bons e úteis!
Demonstrar-lhe que, sim, é possível ser responsável
l
por seus atos, não temer fazer o que é certo e não ter
vergonha de admitir que errou. E mais: que é possível
aprender com esses erros, retirando deles o que faltou
para o acerto.
Explicar-lhe o funcionamento das leis universais, que
l
jamais podem ser burladas, e a importância de colocar-
se sob seu amparo.
Mas o mais importante seria esclarecer que, para que
l
esse presente seja realmente proveitoso, é necessário
que ele aplique e comprove em sua própria vida todos
esses aspectos.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 51


Após montar esse presente, percebi que ele não deve ser dado
uma única vez. Ele pode ser entregue de todas as formas
possíveis e para todos aqueles que buscam algo a mais, que
querem compreender e melhorar a sua vida.

Quão grata eu sou por ter recebido, em algum momento, um


presente semelhante a esse. Quanto mais usufruo esse tesouro,
mais aumento o seu valor, e mais posso contribuir com outras
pessoas que, como eu, um dia almejaram crescer, evoluir e
conquistar novos conhecimentos.

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Família, base
de um mundo melhor

Ana Carolina Gundin de Freitas – Goiânia/GO

Constituir uma família não está nos planos de muitas pessoas da


minha geração. A chamada geração Y caracteriza-se por ter
frequentado as melhores escolas e universidades; lançando-se
em seguida na pós-graduação, mestrado, MBA, intercâmbio.
São jovens que se dizem sem fronteiras, empreendedores, de
muitas viagens, muitos amigos e constantemente conectados. A
vida parece estar sempre começando e o auge fica cada vez mais
distante, pois, antes dele, ainda há um mundo por conquistar.

Em pleno século XXI, a ideia de casar e ter filhos soa como


uma ameaça ao sucesso. Dividir o tempo com outras pessoas,
mudar prioridades, ganhar novas responsabilidades, negar
uma proposta de trabalho, adiar o doutorado, viajar menos,
gastar mais... É... parece que construir família não se encaixa
na fórmula do sucesso.

Ainda assim, eu declaro: quero ter casa, marido, filhos – o


pacote completo!

A família sempre foi primordial para mim. As recordações


mais felizes da minha infância são os momentos entre mãe e
filha, as brincadeiras com meu pai, a chegada do meu irmão, os

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 53


passeios com os avós, as conversas nas longas viagens de carro.
De tudo o que vivi nesta fase, o que me marcou para sempre foi
o amor daqueles que me deram a vida e o carinho de um lar
que me fazia sentir-me diante de algo muito grande.

O lar foi meu primeiro campo experimental, onde ensaiei os


primeiros passos, aprendi a desempenhar as tarefas impres-
cindíveis à minha subsistência e recebi orientações valiosas
sobre como deveria me conduzir pelo mundo. Os animais já
nascem desenvolvidos, independendo de seus progenitores
pouco depois de nascer. Mas seria possível ao ser humano
sobreviver a seus anos iniciais sem o auxílio da família? A
resposta, claramente negativa, me faz indagar: Por que é
assim? Haveria nisso algum propósito divino?

Fato é que a família de cada um de nós representa uma das


tantas células que compõem este grande organismo que
chamamos de humanidade e, como uma amostra do todo, é
integrada por pessoas diferentes entre si. Qual campo ex-
perimental poderia ser mais propício para iniciar-se na arte da
convivência?

Para mim, na família se evidencia a singularidade de cada ser


humano, a forma como devo tolerar e aprender com as
diferenças, a importância da colaboração mútua, o valor da
orientação e correção dos pais. Na família, aprendi a maior
parte do que sei e me formei a pessoa que sou. Depois de ter
recebido tanto, como poderia negar igual oportunidade a
novos seres?

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Conhecendo a mim mesma, vejo que não tenho apenas a
estatura semelhante à da minha mãe, mas também seu jeito
ativo e alegre. Do meu pai, mais que a cor dos olhos, herdei a
calma e a responsabilidade. Além de outros aspectos que eu
mesma trouxe em minha bagagem espiritual, herdei de meus
ascendentes algumas características negativas e limitações, que,
como indivíduos e como família, nos empenhamos em superar.

Ao pensar na mãe que quero ser um dia, imagino a mim


mesma serena, sábia, tolerante, paciente e sempre alegre. E,
como quem desperta de um sonho, me pergunto: Já sou
tudo isso? Com que mágica irão surgir, repentinamente,
tantos valores ainda ausentes ou vacilantes em mim?
Concluo que não é só o desempenho de uma profissão que
exige conhecimento. Constituir uma família, como tudo na
vida, requer preparação.

Tenho estudado para ser cada dia melhor. Aos poucos, vou
vencendo a impaciência, a falta de vontade, a intolerância e
tantas outras deficiências psicológicas; percebo que já
melhorei e vislumbro, com entusiasmo, a família que pretendo
constituir e que já pode contar com um ser humano melhor e
mais consciente da sua responsabilidade.

Cada passo adiante revigora minha confiança no futuro da


humanidade, num mundo melhor para se viver. Afinal, se
posso transformar a mim mesma, muitos também podem fazê-
lo, com o auxílio dos mesmos conhecimentos. Está em cada
ser humano a condição de criar a si mesmo, inspirando em
seus descendentes o mesmo ideal. E é a família o campo
propício onde deve nascer uma nova cultura!

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 55


Minha geração pode ser mesmo sem fronteiras, conquistar
sempre mais, ganhar o mundo e ser símbolo de sucesso. Mas,
além disso, tem a possibilidade de ultrapassar as fronteiras de
sua existência individual contribuindo para uma nova huma-
nidade, melhor e mais feliz.

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Um mundo
onde ninguém é pequeno

Daniel Corrêa de Lery Costa – Santa Maria/RS

Ao pensar em transformações no mundo, logo vem à


lembrança as multidões nas ruas. Mas, afinal, o que é necessário
para que uma mudança ocorra? O que gera uma efetiva
transformação?

É fácil constatar que qualquer pessoa quer um mundo melhor e


tem vontade de ser um ator nas mudanças. Mas, então, o que
nos limita e faz com que essa vontade não se traduza em
resultados práticos? Por que nos sentimos pequenos diante de
desafios tão grandes como os que o nosso país está enfrentando
no campo da ética?

Percebi que, repetidas vezes, eu luto no campo de batalha


errado e contra os inimigos errados… Afinal, as características
de um povo são reproduções idênticas dos indivíduos que o
compõem, e antes de ganhar as ruas, toda nova realidade surge
primeiro na mente de algumas pessoas, como o comprovam as
mudanças históricas. Portanto, para transformar o mundo em
que vivemos, é necessário que cada ser humano mude – mudar
o interno para ver esta mudança refletida no externo.

Então, nada mais lógico que iniciar por mim mesmo, buscando
ser aquilo que eu espero que os outros sejam: honestos, éticos,

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 57


responsáveis, tolerantes... Em busca de conhecimentos para
alcançar este acalentado ideal, descobri um mundo até então
inexistente para mim, composto por sentimentos, pensamen-
tos, deficiências e tantas outras coisas.

Eis um ensaio: estou no meu ambiente de trabalho e toda a


equipe está pressionada por um problema. Sinto-me estranho,
acelerado, mas durante um tempo não percebo isso; vou
apenas seguindo o fluxo do ambiente. Colocando a consciência
em ação, identifico alguns pensamentos, entre eles a irrita-
bilidade.5 Substituindo este estado interno pela temperança e
serenidade, manejei com acerto um pensamento da minha
mente. Ao transformar meu mundo interno, minha atuação
automaticamente se transforma. Este mundo eu posso mudar e
não sou tão pequeno assim!

Aprendendo a manusear minha vida interna com consciência, a


prerrogativa de evoluir me parece diferente. Fazer algo
conscientemente implica fazer sabendo por que o faço,
como será útil para minha evolução, como poderá me
beneficiar e também aos demais. Ao conhecer os desafios
que precisam ser vencidos na minha realidade interna e trilhar o
caminho para isso, consigo compartilhar o que aprendi para
que as pessoas que tenham as mesmas dificuldades possam
deixar de ser aquilo que eram e passem a ser algo melhor.
Assim posso ser um cidadão ativo.

Este é o meu mundo. Se cada um transformar o seu, a huma-


nidade certamente estará melhor.

5 Ver “Deficiências e Propensões do Ser Humano”, de González Pecotche.


58
Um sorriso no metrô

Milagros Lucía Romani – Buenos Aires/Argentina

“O que você quer ser quando crescer?” Mais de uma vez


escutamos essa pergunta durante nossa infância, ao que
costumávamos responder o que era esperado: o nome de
alguma profissão. Não é muito comum um menino anunciar:
“quero ser uma boa pessoa”, ou “quero ser cada dia um pouco
melhor”, ainda que, por trás da profissão escolhida, exista, sim,
a vontade de ajudar ao outro. Crianças querem exercer a
medicina para curar, a docência para ensinar, ou ser bom-
beiros para salvar vidas.

Desde pequena, via em mim essa vontade de ajudar ao


semelhante. À medida que crescia, fui descobrindo que sérias
divergências ocorriam entre as pessoas; observei a propensão
ao isolamento, ao separatismo, a mecanização da vida, a
indiferença frente ao outro… Essas características, particu-
larmente, muito me decepcionavam, e comecei a desejar que
fosse outro tipo de comportamento que unisse os seres
humanos.

Quando tomei contato com a ciência logosófica, me dei conta


rapidamente de que meu insucesso era porque eu estava
focada em mudar aos demais. Me esquecia de alguém muito
importante, até diria primordial, para começar a encarar a

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 59


transformação do mundo. Alguém que ia influenciar
particularmente a minha vida, a minha felicidade: eu mesma.
Comecei a me perguntar se eu também não possuía os defeitos
que não me agradavam nos demais...

Compreendi que primeiro deveria esforçar-me por


aumentar minhas qualidades morais. De que forma faria
isso? O método logosófico me deu as ferramentas
necessárias para identificar tanto minhas deficiências quanto
minhas virtudes, ao mesmo tempo que me levou a expe-
rimentar o valor espiritual do relacionamento entre os seres
humanos.

Sim, eu também era indiferente. Sim, eu ficava carrancuda


quando alguém fazia o oposto do que eu esperava. Sim, eu
tinha preguiça de iniciar um relacionamento, ou de cum-
primentar um desconhecido. Sim, eu olhava para o celular
quando alguém entrava no elevador.

Neste novo caminho que se abriu para a minha vida, devia


realizar pequenas mudanças em minha vida, ir do pouco ao
muito, sempre respeitando a minha realidade.

Ao caminhar pelas ruas, vemos centenas de rostos por dia,


sobretudo nas grandes cidades. Não é possível ajudar a todos,
porém descobri que o fato de manter-me num estado de
alegria e boa disposição, o qual só provém do conhecimento,
já que este ilumina a vida, é uma forma de transformar pelo
menos o meu cotidiano.

60
Um dia, me encontrava no metrô e, observando ao meu redor,
vi um homem vestido de terno, com uma pasta executiva.
Podia-se perceber que algo o angustiava. Ele estava com a testa
franzida e o olhar baixo. De repente, levantou os olhos e me
fitou. Respondi-lhe instantaneamente com um largo sorriso,
ao qual, para minha surpresa, ele me devolveu outro, de forma
cordial e sincera. A viagem continuou, porém este homem não
era o mesmo. Observava a paisagem da janela, e agora se via
nele um semblante de tranquilidade.

Desci no meu destino com uma sensação diferente. Ficou


clara para mim a imensa importância de trabalhar no meu
interno para propiciar mudanças no externo, e que o bem
próprio é também o bem dos demais. Há no ser humano uma
necessidade inata de compartilhar a felicidade, ainda que seja
com um desconhecido; de dizer com o olhar, ainda que por
um breve instante, que ele não está só, que somos muitos os
que trabalhamos para viver uma vida melhor, mais cons-
ciente, com valores de bem e união. Talvez seja isso o que
transmiti este dia no metrô, e que aquele senhor me con-
firmou em seu sorriso.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 61


Já arrumou
seu quarto hoje?

Edione Fátima Canzi – Curitiba/PR

Sempre tive aquela vontade profunda de mudar o mundo!


Desde o âmbito político e da qualidade de vida, até o ensino
profissional e a educação moral e ética dos seres humanos.

Diante de algumas experiências frustradas, sentia-me inútil por


não conseguir mudar nem sequer meu país, vendo a coisa
descambar cada dia mais. Isso tudo desgastava minhas energias e,
em tal estado interno, conseguia resolver ainda menos…

Sabe aquela frase: “Já arrumou seu quarto hoje?” Então,


observando minhas atitudes, questionei-me se estava arru-
mando meu quarto antes de querer sair arrumando a casa toda
e, ainda, a casa de todo mundo...

A maioria das pessoas tem uma predisposição inata para


colaborar com os outros. Entretanto, só posso dar aquilo que
tenho: como vou emprestar algo que não tenho a um amigo?
Ou, como, então, posso colaborar com meus semelhantes na
arrumação de suas casas, se meu quarto está todo bagunçado?
Como vou compartilhar um conhecimento, se não o expe-
rimento em minha própria vida?

62
Finalmente, me perguntei: Como posso resolver os problemas
da humanidade que estão dentro de mim? E quais seriam esses
problemas?

Surpreendi-me com uma resposta a essa pergunta, que surgiu


quando observei minha disposição de ânimo ao acordar. Estava
num momento de muito trabalho, e o cansaço era tanto que eu já
acordava esgotada e, às vezes, mal-humorada. Então refleti: se
quero um mundo mais feliz e humano, não posso acordar de
mau humor e disseminar este pensamento no meu trabalho,
mesmo que eu tenha motivos para estar cansada.

Ou, se quero resolver o problema de impaciência e intolerância


dos seres humanos, preciso começar sendo mais paciente
comigo mesma e com os demais, seja no trânsito, no trabalho,
em casa. Também preciso tolerar mais os erros, tanto os meus
quanto os das pessoas com quem convivo, sem presumir,
inconscientemente, que eu sempre acerto!

Além do mais, será que só o fato de eu querer mudar o mundo já


basta? Estou me formando para a docência acadêmica, e me vejo
muitas vezes falando daquilo que eu nunca fiz, mas, como está
nos livros ou alguém estudou e descobriu, passo a informação
adiante. Embora tenha lá seus riscos, isso é lícito e até importante
para avançarmos coletivamente na produção do conhecimento
acadêmico, mas, tratando-se de conselhos sobre a vida espiritual,
não posso apenas reproduzir algo que alguém me disse.
Somente o meu exemplo provará que sei do que estou falando e
que isso fará mesmo diferença para uma humanidade melhor.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 63


O que realmente importa na vida? Cada dia mais, estou
sentindo que os problemas normais da vida vão ficando
mais simples de resolver, porque, ao exercitar-me em
assuntos e problemas complexos, como os da existência do
ser humano e da busca por um ideal superior para a vida,
minha mente amplia sua capacidade, indo além dos limites
que me havia imposto. Assim, a vida adquire outra pro-
porção! Vai se tornando muito mais feliz e grata, porque o
pensamento de viver em paz ganha força.

Sim, é possível transformar o mundo, mas desde que essa


transformação seja de dentro para fora. É preciso arrumar nosso
próprio quarto primeiro!

64
Eu?! Salvar o mundo?

André Casagrande Medeiros – Florianópolis/SC

Quando mais novo, eu adorava assistir a filmes de super-heróis.


Via seus poderes sendo usados em situações que eu não
distinguia se eram verdade ou ilusão. Mas o fato era que isso me
trazia esperança de que, algum dia, o mundo seria salvo por
alguém. À medida que aprendi mais sobre a história da
humanidade, minha ideia de transformação do mundo evoluiu
daquela visão infantil de super-heróis para gestos humanitários,
como abolir as guerras, descobrir a cura de doenças ou acabar
com a fome.

Ao mesmo tempo que isso era mais real, continuava sendo


utópico, pois eram poucas as pessoas capazes de realizar esses
atos que demandavam um esforço muito maior do que me
julgava capaz.

Assim que tomei contato com a ciência logosófica, me deparei


com um novo conceito sobre “transformar o mundo”. A res-
ponsabilidade deixou de ser dos super-heróis, com seus po-
deres, ou somente dos humanistas, médicos, cientistas e paci-
ficadores; entrou em cena, pela primeira vez, aquele que julgo
ser o maior responsável pela mudança no mundo: eu mesmo.

Eu sempre reclamava da forma como os outros agiam, reparava


em seus defeitos, culpava os outros. Mas raramente observava a

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 65


mim mesmo, a forma como atuava e os meus defeitos. E mudar
algo que não depende de você é impossível! Isso me fez olhar
para dentro de mim, e vi que era possível iniciar uma mudança,
uma pequena mudança.

Mas como a minha mudança iria mudar o mundo?

Quis fazer um ensaio. Propus a mim mesmo que, naquele dia,


nada afetasse o meu bom humor. Logo que entrei em contato
com algumas pessoas, elas estavam com a autoestima péssima e
falando sobre acontecimentos ruins. Em qualquer outro dia,
isso me abalaria, mas agora já era capaz de identificar meus
movimentos internos, vendo o pessimismo atuar dentro de
mim, e estava desenvolvendo recursos e defesas mentais
para superar este pensamento negativo.

Logo mudei o assunto para algo positivo, trazendo mais alegria


e melhorando o ambiente em que estávamos.

Consegui entender o que era mudar o mundo a partir de si


mesmo, pois fui capaz de criar momentos melhores para
aqueles que estavam presentes, sendo que eles poderiam
repassar esse estado de felicidade para outras pessoas. Isso foi
o que eu fiz sozinho. Se muito mais gente conseguisse fazer o
mesmo, qual efeito isso produziria?

Um requisito indispensável para mudar o mundo é, portanto,


aprender a enxergar e atuar nesse mundo interno que cada um
traz consigo, onde tem origem qualquer ação – boa ou ruim –
que depois nos toca viver no mundo externo.

66
Princípios são princípios

Thaís Moura Martins dos Santos – Uberlândia/MG

Você acredita em um mundo melhor? É possível mudá-lo


sozinho? O que eu posso fazer para isso? Por onde começar?
Por que parece ser uma tarefa tão difícil?

Essas perguntas lhe parecem familiares? Eu sempre tive muita


vontade de fazer algo efetivo para a humanidade, mas nunca
soube como. Além disso, pensava que, ainda que realizasse
alguma coisa, só a minha parte não faria diferença alguma.

Recentemente, me dei conta de que tenho um mundo interno


cheio de recursos: sou constituída de uma mente e, por isso,
sou capaz de pensar, refletir, observar, raciocinar; de
sentimentos, como gratidão, amor, afeto; de virtudes, como
paciência, simpatia, bondade, disciplina, sinceridade. E com
todos esses recursos, posso ser uma pessoa melhor.

Certa vez, numa empresa para a qual eu presto serviços, o


gerente de vendas elaborou uma campanha para a equipe,
desafiando-nos a superar as metas de vendas propostas pela
companhia, em troca de cupons para participar do sorteio de
prêmios atraentes, como TVs, notebooks e bicicletas.

Esforcei-me ao máximo para superar a meta, mas não


consegui atingir os resultados que a campanha exigia. Um

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 67


colega de trabalho que havia superado sua meta me perguntou:
“Você quer uma parte das minhas vendas para passar no seu
nome e, assim, ganhar os cupons e participar do sorteio dos
prêmios?”

Depois de refletir sobre aquela proposta, perguntei a ele: “Mas


você acha correto?”. “Correto não é – respondeu –, mas todo
mundo faz...” Pela sua expressão, me pareceu que ele
ainda não tinha se dado conta de que aquela inocente e
bem intencionada oferta se apoiava em algo muito
negativo. Agradeci sua intenção de me ajudar. Contudo,
lhe disse que não estava de acordo com os meus princípios. Se
eu não havia atingido a meta, não merecia participar do sorteio
dos prêmios.

Diariamente, escutamos falar sobre a corrupção no meio


político, mas nos esquecemos de que a corrupção começa
com essas pequenas atitudes do dia a dia, como burlar as
regras de uma campanha, furar a fila do banco, estacionar na
vaga para deficiente físico, passar no sinal vermelho, pagar
um “café” para ser aprovado no exame da autoescola, colar
nas provas etc.

Num tom de voz animado, meu colega comentou: “Hoje em


dia é muito difícil encontrar pessoas como você!”.

Em seguida voltamos a trabalhar e eu me senti feliz por ter


conseguido seguir os meus princípios.

68
Um nobre ideal

Darío Carlos Zárate – Santa Fé/Argentina

Eu era uma criança de poucos centímetros de estatura quando


me maravilhei com a natureza pela primeira vez. Era uma linda
tarde de primavera e, ao observar o firmamento, que havia
estado sempre ali, tive a sensação de nunca tê-lo visto. Aquela
cena me provocou um impacto tão forte, que foi difícil entender
o que se passava dentro de mim. Após essa primeira impressão,
para a surpresa dos que estavam à minha volta, interrompi
aquele espetáculo da natureza exclamando: “Que lindo é tudo
isto!”, “Como é bom viver!”. Surgia ali o sentimento de gratidão
pela Criação. Durante minha infância, experiências como essa,
de encantamento pelo universo, pelas descobertas, se repetiam
com frequência. Eu era uma criança inquieta, feliz e que gostava
de aprender.

Chegada a adolescência, essas manifestações sensíveis se


misturaram a pensamentos de desassossego, indignação e até de
dor pelas injustiças que eu observava. Não conseguia entender
por que aconteciam tantas coisas ruins no mundo. Não demorei
a gritar aos quatro ventos que era preciso fazer algo para
transformar aquela dura realidade, tão diferente da que eu
gostaria que fosse. Mudar o mundo seria meu norte, minha
meta de vida!

Associei-me a todo tipo de organização que compartilhasse


meus ideais de mudança: grupo de estudantes, sociedade

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 69


protetora dos animais, associação do bairro e até partido
político fizeram parte da longa lista dos grupos aos quais fui
me integrando. Uns com mais, outros com menos acertos,
via que pouco era o que conseguíamos fazer para
efetivamente transformar a realidade. Não passou muito
tempo até que me decepcionei totalmente, pois, em muitos
casos, descobri pensamentos mesquinhos e interesses
pessoais por detrás de algumas dessas associações ou pessoas
que diziam lutar pela mudança.

Assim, pouco a pouco, fui deixando de lado meus ideais.


Entrando na fase adulta, pensava com tristeza que teria que me
conformar em conviver com a realidade que me rodeava.
Entretanto, algumas perguntas volta e meia me incitavam e, por
sua causa, meus ideais nunca foram totalmente esquecidos:
“Não sou parte dessa realidade a ser mudada?”, “Não é
egoísmo pretender que os demais mudem para que eu
fique satisfeito?”

A resposta veio com o estudo logosófico. Ao aprender que não


posso dar o que não tenho, assim como não posso ensinar
aquilo que não sei, finalmente entendi por que falhavam os
esforços humanos para mudar o mundo: queremos mudá-lo
sem começar por nós mesmos. Com este novo enfoque,
compreendi que querer mudar o mundo era ambicioso, mas
melhorar a mim mesmo não seria menos difícil. Implicava ser
melhor filho, melhor amigo, melhor cidadão, melhor
profissional; enfim, ser melhor que eu mesmo, a cada dia, em
todas as minhas áreas de atuação. Nesse caminho de superação,
sigo me esforçando para, ao transformar minha própria
realidade, contribuir para transformar a realidade do mundo.

70
Espelho, espelho meu,
quem sou eu?

Renata Antunes Evaristo Braga – São Paulo/SP

Era uma vez uma madrasta bondosa. Todos os dias, ela se olhava
no espelho e perguntava:

– Espelho, espelho meu, quem sou eu?

E o espelho – que era ela mesma – respondia apenas o que ela já


sabia, porque se esforçava para se conhecer mais a cada dia.

Nesse exercício de autoconhecimento e superação, aquela bela


senhora, detentora do título de rainha, era também merecedora
de um grande respeito e afeto de todo o reino.

***

Você costuma se olhar no espelho, preocupado em se


apresentar bem? Eu faço isso. Mas, por mais bem vestida ou
maquiada que eu esteja, se estou brava, minha fisionomia
deixa transparecer o que está se passando comigo.

Embora aconteça muita coisa dentro de mim, só comecei a ver


isso quando descobri um outro espelho, no qual todos
deveríamos mirar. É claro que, se o que vemos nesse espelho
não é físico, o espelho, em si, também não pode ser físico, não

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 71


é mesmo? Então, como funciona? De forma semelhante:
usando a reflexão! Vejamos...

Quando observo, costumo classificar o que vejo em positivo


ou – na maioria das vezes – negativo. Faço isso inconscien-
temente; é apenas um hábito, movido, no meu caso, pelo
pensamento de crítica ou reclamação. Usando esse espelho,
enxerguei que não me sinto bem quando uso meus olhos para
ver o negativo, pois isso não me serve para nada, porque não
tem um objetivo construtivo.

O que fazer diante dessa constatação? Vou ao encontro do


meu espelho invisível: “Quem sou eu?”. Preciso voltar a
observação para mim mesma e me perguntar: “Tenho a
característica negativa que observei no outro? Estou ajudando
a mudar as situações que critico?”

Ao olhar para mim, descubro que, algumas vezes, tenho essa


mesma deficiência ou até alguma outra. E se tenho o defeito
observado, não posso reclamar do outro; preciso é cuidar de
mim! Mudando, quem sabe conseguirei ajudar os outros a
mudarem também? Se, no entanto, não tenho o defeito
observado, deve ser porque, no lugar dele, tenho alguma
característica positiva ou virtude. Sendo assim, tampouco devo
reclamar; tenho que ajudar o outro a cultivar essa característica
positiva para substituir a negativa.

Isto é, qualquer que seja a resposta, minha postura tem que


ser sempre a de ajudar. Dessa forma, faço minhas obser-
vações com mais generosidade. Se não for assim, o que

72
acontece? O que todos sabem: um reclama de um lado, o
outro reclama do outro, todos ficam insatisfeitos e nada
muda.

Antes de aprender a usar esse espelho, ora eu via o negativo


nos outros, mas não em mim, ora deixava de ver o que eu
tinha de positivo e, por isso, não oferecia esse bem às
pessoas a minha volta. Muitas vezes, quando tentava
oferecer o que eu tinha de bom, era normalmente
porque me incomodava o fato de aquela pessoa não ser
como eu queria, e não porque eu realmente estava
pensando no bem dela.

Por exemplo: me considero uma pessoa organizada, mas


observei que, geralmente, quando peço ou mando alguém
organizar alguma coisa, é porque estou irritada com a sua
bagunça; não porque penso nas vantagens que ele terá se for
mais organizado.

O exercício de autoconhecimento e superação frente a


esse espelho que sou eu mesma me predispõe a ser
melhor e a colaborar para que o mundo seja um lugar de
mais bondade e mútua compreensão.

E você? O que vê no seu espelho hoje?

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 73


Mais que uma
letra de música

Manuela Virginia Gabriel – Buenos Aires/Argentina

Quando eu tinha doze anos, havia uma banda conhecida e


escutada por todas as garotas da minha idade. Entre suas
músicas mais famosas, havia uma cujo título era “Mudar o
mundo” e a letra dizia: “mudar o mundo começa por você”.
Quantas vezes já escutamos esta frase? A ideia de que a
mudança da humanidade começa pela mudança de cada um
sempre me pareceu natural, conhecida e bem aceita.
Entretanto, não é isso que as pessoas fazem. Queremos um
mundo melhor, sabemos que isso começa por nós mesmos,
porém, o que fazemos para concretizar essas mudanças?

Quando comecei a aprofundar nos estudos logosóficos,


descobri que a vida tinha um conteúdo e uma finalidade
muito maiores do que eu lhes atribuía. Isso me fez querer
aprender e extrair de cada experiência algo de útil para minha
evolução. Este simples propósito me permite viver de forma
enriquecedora as mais diversas circunstâncias, desde as
rotineiras até os grandes acontecimentos da vida.

Um recurso primordial que passei a utilizar foi a observação.


Mas não me refiro ao que normalmente se entende por
observar. Estou falando da observação consciente, que
envolve estar atenta, além de às pessoas e aos aconteci-
mentos, a todos os movimentos mentais que se produzem

74
em cada situação. Também é preciso ter cuidado para que as
experiências não passem em branco; todas elas podem
encerrar um grande valor se, além de observarmos,
analisarmos e refletirmos sobre o vivido, extraímos uma
conclusão útil para o futuro.

Mas como isso pode me ajudar a mudar o mundo? Desde


que comecei a exercitar a observação, descobri que tudo o
que vivo pode se transformar em uma oportunidade de fazer
o bem. Primeiro, a mim mesma, descobrindo recursos
valiosos e identificando o que preciso modificar no meu
modo de ser. Depois, fazer o bem aos demais, tornando
minha presença mais grata ao eliminar as asperezas do meu
caráter.

Observei, por exemplo, que existia dentro de mim muita


intolerância, e essa intolerância se expressava princi-
palmente quando uma pessoa cometia um erro reitera-
damente. Com essa postura, não a ajudava a superar sua
dificuldade e ainda prejudicava a nossa amizade. Estava,
então, fazendo um mal com a minha intolerância! Como
poderia colaborar para um mundo melhor sem ser
compreensiva com o outro? Percebi que a mudança começa
ali, no momento em que enxergo a mim mesma.

Querer que o mundo seja melhor é uma bonita condi-


ção do coração humano; mas não deve permanecer
adormecida, esperando que o mundo mude enquanto
cada um continua fazendo as mesmas coisas. Esse ideal
deve se transformar num verdadeiro propósito e
encaminhar os atos da vida, gerando mudanças reais que
trazem consigo um novo estado de consciência e
felicidade.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 75


Em busca de outros mundos

Lília Carvalho Finelli – Belo Horizonte/MG

Em fevereiro de 2015, foi anunciada uma jornada épica: o


projeto Mars One, que em 2023 levará um grupo de mais de
vinte terráqueos para colonizar nada menos que o planeta
Marte. A viagem será só de ida e os candidatos vêm sendo
escolhidos das mais diversas formas – o que inclui até um
reality show. Segundo o idealizador do projeto, a
colonização é uma missão da própria humanidade.

Muitos afirmam que nosso mundo não tem mais conserto:


destruímos a natureza, desrespeitamos os demais seres vivos
e criamos um ciclo de violência que parece não ter fim. Para
resolver, só mesmo achando outro planeta para viver…

Certo dia, me deparei com um conflito entre funcionários,


no qual cada um realmente queria que o outro fosse embora
para sempre e lhe pagaria contente uma passagem só de ida
com destino a Marte, para nunca mais vê-lo.

Nenhum dos dois brigões queria admitir que aquele


conflito tinha ido longe demais, pois estavam dominados
por pensamentos que impediam o bom relacionamento
entre eles. Cada qual colocava a culpa no que o outro havia
dito ou feito, enquanto eu percebia à minha frente a
batalha entre dois mundos: o interno e o externo.

76
Externamente, não havia nada, de fato, que levasse ao
problema que os funcionários estavam vivendo; mas,
internamente, em ambas as mentes, havia acontecido um
acidente nuclear e tudo estava contaminado por um agente
tóxico: a raiva que nutriam um pelo outro.

Portanto, mesmo que despachar o colega para Marte fosse


possível, os funcionários continuariam vivendo aquele tipo
de problema, pois não teriam mudado o mais importante: o
que tinham dentro.

Há, sim, um novo mundo muito grande a ser explorado, mas


a verdade é que ele se encontra dentro de cada um – é
interno. E da mesma forma como ir a Marte, colonizá-lo
também é uma missão da humanidade.

Ao contrário dos outros planetas, esse mundo já possui as


melhores condições para que o ser humano não só sobreviva,
mas vá além de seu cotidiano, resolvendo todos os desafios
que este lhe apresenta e ainda outros, muito maiores e
importantes, numa viagem tão ou até mais significativa
quanto ir a Marte.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 77


Convoquei reunião!

Nadja Mangini Lorenzini – Belo Horizonte/MG

Por que faço as coisas que faço? Para que trabalho, estudo,
convivo com as pessoas etc.? Qual o sentido de tudo isso?

Como universitária, sempre tive o objetivo de ir bem na


faculdade, pois gostava de aprender. Eu estava conseguindo
isso, mas, por algum motivo, parecia que não era suficiente.
Quando voltava para casa, depois de um dia de aulas, sentia
um vazio. Mas não dava importância para isso... Acabava me
distraindo com uma música alegre, ou lembrando das coisas
que tinha para fazer ao chegar em casa.

Certo dia, aquele vazio me doeu tanto, que senti que


precisava fazer alguma coisa. Convoquei, então, naquele
instante, uma reunião comigo mesma. Em franco diálogo
interno, tentei entender o que estava acontecendo. Foi
difícil tirar a atenção do mundo a minha volta e concentrar
em mim. Mas consegui!

Fui em busca das causas reais da minha angústia. E inspirada


por aquelas perguntas, sobre o sentido das pequenas e grandes
coisas da vida, achei a solução.

Na faculdade, a maior parte das disciplinas que eu fazia eram


optativas, e por isso não conhecia bem a turma. No intervalo

78
entre uma aula e outra, em que eu e meus colegas nos
sentávamos no corredor para esperar, eu tentava aproveitar o
tempo lendo um artigo da matéria ou vendo e-mails e
mensagens no celular. Também para aproveitar o tempo,
quando chegava em casa, era a conta de comer alguma coisa e
eu já estava no quarto, pondo tudo em dia. Mal sobravam
alguns minutos para conversar com meus pais.

A partir da audiência comigo, enxerguei realidades que antes


não via: o que eu considerava uma forma de aproveitar o tempo na
faculdade era, na verdade, timidez e inibição de conhecer novas
pessoas. Já quando chegava em casa, o que seria tão importante
resolver, a ponto de não dedicar tempo para a família?

Para que servia aquela pressa toda, se, em muitos outros


momentos, eu desperdiçava o tempo? Comecei a aplicar uma
nova estratégia! Em vez de fazer tudo rápido, passei a sair mais
tranquila da aula, parar para conversar ao encontrar um amigo
no caminho e ainda puxar assunto com quem não conhecia.
Passei a aprender muito mais com as pessoas, conhecer suas
alegrias, dificuldades... Comecei a me sentir tão rica!

Quanto à volta para casa, me lembrava dos meus pais, com


carinho, durante o trajeto. Isso fez com que, de repente, os
casos que eles contavam ficassem bem engraçados. E aquela
dúvida que tinham no celular? Passou a ser uma alegria
resolver. Aquele vazio que eu sentia foi sendo preenchido.
Preenchido pelo quê? Pelos sentimentos. A partir do interesse
pelo outro, minha vida se enriqueceu com fragmentos de
outras vidas. Quanta diferença uma reunião pode fazer!

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 79


Missão
superpossível

Natália Delgado Patto – São Paulo/SP

Quando eu era pequena, me fascinavam os filmes de ficção,


onde eu via seres (aparentemente) humanos que tinham o
poder de mudar o mundo em instantes. Recordo as vezes que
tentava pular o mais alto possível, com a esperança de sair
voando pela cidade, salvando vidas, impedindo tragédias e
fazendo as pessoas se sentirem felizes e gratas.

Fui crescendo e tomando maior contato com a realidade do


mundo. Percebi que não faria sentido, mesmo com super-
poderes, reverter os problemas que o próprio homem causou
(ambientais, sociais ou internos), se, com o tempo, ele os
criaria novamente, movido pelo egoísmo ou pela ignorância.
Sem esperança na humanidade e conformada com o caos da
sociedade, iniciei uma busca por algo que me ajudasse a
conhecer a mim mesma e superar os meus defeitos.

Comecei a estudar Logosofia, pensando que esse processo era


apenas para meu próprio bem, mas logo percebi que minha
posição de indiferença frente aos meus semelhantes não estava
certa. Eu devia me superar para fazer algo bom pelo mundo e
tornar-me ainda mais útil e capaz do que aqueles heróis da
ficção. Por outro lado, mudar o mundo a partir de mim parecia

80
uma missão impossível: “Quem sou eu perto de sete bilhões
de pessoas? O que devo fazer de tão extraordinário para que
todos sejam mobilizados? Aliás, o que quero mudar no
mundo?”

Certa vez, jantando com algumas amigas, notei que em todos


os nossos encontros surgiam conversas sobre os defeitos de
outras pessoas. Ríamos muito! Naquela noite, entretanto, algo
me soou estranho. Pela primeira vez, senti um incômodo.
Mas, ainda sem entender o que era, nada fiz a respeito.

Até que compreendi de onde vinha aquele incômodo. Afinal,


eu estava buscando me tornar mais humana, aproximar-me
com pureza de meus semelhantes e enxergar em cada pessoa
um espírito em evolução. Foi crescendo a necessidade de
mudar o foco de nossas conversas para algo mais construtivo,
sabendo que o que nos unia estava muito acima daquela
afinidade negativa. Mas, primeiro, eu deveria criar no meu
mundo interno um ambiente diferente daquele que me
desagradava, dando vida e força a pensamentos de
compreensão e amor verdadeiro pelos meus semelhantes.
Ficava atenta para ver como nasciam e tomavam força os
pensamentos de maledicência, como eles se apoiavam na
indiscrição, na curiosidade… Até que, já tendo enfraquecido
esses pensamentos dentro de mim, senti-me preparada para
levar aquele ambiente de paz e bondade para fora de mim,
junto a minhas amigas.

Cada vez que se mencionava o nome de alguém, eu levava uma


observação positiva sobre aquela pessoa e, depois, iniciava um

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 81


assunto diferente, que era do interesse de todas. Aos poucos,
os temas de nossas conversas foram se transformando.

Lembrei-me dos heróis que faziam meus olhos brilharem...


Não há poder maior no Universo do que a mente humana
com o propósito de fazer o bem – primeiro a si mesmo e,
consequentemente, à humanidade.

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Um papo de hoje
sobre o amanhã...

Vanessa Mendonça Soares – Rio de Janeiro/RJ

Era noite de sexta-feira, uma daquelas que chegam de


mansinho, quase sem avisar... O céu límpido ostentava suas
estrelas com orgulho e a brisa de fim de verão, que soprava
discreta, inspirava os sorrisos sutilmente estampados nos
rostos que caminhavam pela calçada. Dia de encontrar os
amigos para matar a saudade e falar sobre a vida.

Um drink daqui, um petisco dali, e os assuntos foram se


sucedendo... “Como está a faculdade?”, perguntava um,
“Estou pensando em trocar!”, replicava o segundo; “E o
trabalho? Ainda naquele escritório?”; “Sim! Estou sendo
efetivado!”; “Contei que conheci alguém?”; “Por isso você
anda tão desligado!”

– E vocês viram a notícia de ontem?! Não sei aonde o país vai


parar se continuar desse jeito!

– O país? Queria saber do mundo! Do jeito que estamos, a


humanidade não dura muito mais, não...

– Será mesmo? – indaguei – Será que a humanidade realmente


não tem solução? Qual seria o sentido de tanto trabalho até

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 83


aqui, tanta evolução, se tudo está fadado a acabar?

– E você acha que há possibilidade de ser diferente?

– É claro... porque eu confio no futuro do mundo em que


vivemos!

– Mas... Como?!

***

Esta é a grande questão: como? A primeira vez que fiz essas


reflexões, me pareceu distante pensar que somos capazes de
mudar a humanidade. Afinal, somos cerca de sete bilhões ao
redor do globo! E como eu, uma em meio a tantos, poderia
impactar, de maneira positiva, esse mundo?

Até que me dei conta: não sou eu mesma parte da huma-


nidade?!

Dessa constatação, surgiram mais perguntas: Quem sou eu?


Posso ser melhor do que sou hoje? Que importância tenho no
planeta?

Existe um mundo que estou aprendendo a conhecer, que


pertence unicamente a mim: meu mundo interno. Nele, vivem
meus pensamentos, sentimentos, anelos de evolução, von-
tades, ideias, aptidões, conceitos, inquietudes, suas respectivas
respostas e muito mais. Esse mundo é minha constante fonte
de energia para a vida, fonte que necessita de conhecimento
para ser bem gerida e explorada.

84
Aprendendo a manejar os recursos internos que possuo,
estou me sentindo cada vez mais confiante. Afinal, isso
significa descobrir com quais ferramentas conto para
enfrentar os desafios que a vida oferece.

E nesse processo, vou entendendo como funciona também a


Criação em que vivemos. Assim como tudo que criamos
obedece à nossa vontade, por analogia, a natureza que nos
cerca (tudo o que a compõe e o próprio ser humano) é regida
por uma Vontade maior: a Daquele que a criou.

E como essa Vontade Superior se manifesta na Criação? Eis


aqui um dos conceitos mais inquietantes e, ao mesmo tempo,
esclarecedores de todos os que encontrei: existem leis para
isso. Assim como as leis criadas pelos homens para manter o
equilíbrio da sociedade em que vivem, as Leis Universais são
as grandes mantenedoras do Universo que habitamos. Elas
garantem a verdadeira justiça e correspondência a cada ato
humano. São muitas e têm diversas funções. Dentre tantas,
uma em especial me chama mais a atenção: a Lei de Herança.
Ela estabelece que herdemos a nós mesmos a todo instante;
isso significa que o que planto no presente, invariavelmente,
me trará um retorno no futuro. E, se me empenhar em cuidar,
alimentar e fazer crescer cada propósito que crio, principal-
mente os que resultarão em um bem a minha própria vida,
herdarei um futuro de felicidade.

***

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 85


– Garçom, a conta, por favor! – interrompeu, por um instante,
um de meus amigos – Ok, pode falar... você ia dizer a que
conclusão chegou!

– Então... minha conclusão foi a de que, para ter confiança no


futuro da humanidade, preciso aprender a conhecer a mim
mesma e me colocar a favor das Leis Universais. E já que a
humanidade é composta do conjunto dos seres humanos, se
todos nos preocuparmos em modificar nossa forma de ver a
vida, buscando nos superar sempre, a Lei de Herança
garantirá que, a seu tempo, o mundo espelhe o resultado da
conduta que cada um construiu conscientemente. E é por isso
que, hoje, confio no futuro do mundo em que vivemos!
Entendeu?

86
Minha responsabilidade

José Eduardo Mendonça Umbelino Filho – Goiânia/GO

É fácil dizer que o mundo anda errado. Quantas coisas tristes


têm acontecido em escala mais e mais assustadora! Quantos
argumentos o próprio mundo nos oferece para confirmar sua
crise! Ligue a TV, leia os jornais, vá ao cinema, converse com o
barbeiro, com o médico, com os amigos no bar, com a
namorada. As pessoas têm se esmerado em apontar as mazelas
da nossa época. Uns culpam a política, outros a tecnologia,
outros a falta de religião (ou o excesso dela), muitos
recriminam o consumismo, outros, a pobreza que impede o
consumismo. Frente a esse cenário, não é raro que nos
esqueçamos de nós mesmos. Afinal, não vivemos no mesmo
mundo? Nesse mundo aí, dos noticiários e das conversas de
bar, esse que tanto criticamos? Ou seríamos, quem sabe,
observadores neutros e serenos, olhando das nuvens a coisa
toda degringolar? E apostando uns com os outros nosso tipo
favorito de apocalipse?

É fácil falar que o mundo anda mal. Difícil é realmente nos


responsabilizarmos por isso. Ora essa, nem terroristas somos!
Raramente furamos o sinal vermelho, sempre respeitamos os
mais velhos, trabalhamos muito, bebemos com moderação.
Alguns de nós até reciclam o lixo! Como poderíamos ser
responsabilizados por processos muito maiores e mais

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 87


complexos que nossas pequenas mãos, que nossas singelas
existências, que nossas limitadas capacidades? O mundo é tão
grande e complicado! Ainda assim, na hora de criticar, viramos
gigantes. Sabemos de tudo, apontamos defeitos e soluções e,
donos da verdade, exortamos algum herói para que nos resolva
logo a pendenga.

Porém, para transformar o mundo, preciso primeiro saber


minha exata medida. Preciso descobrir que não sou tão grande
quanto me sinto toda vez que aponto o erro alheio, nem tão
pequeno quanto me faço toda vez que me pedem a solução
para os erros. Preciso conhecer a mim mesmo e, só assim,
poderei ser efetivamente útil aos outros. Mas esse não é um
processo simples. Exige estudo, esforço, observação, supe-
ração. Exige, sobretudo, o aumento gradativo da consciência,
de modo a ver nos pequenos detalhes da minha existência o
sopro dos grandes mecanismos humanos. É assim que o
enorme e inatingível mundo se transforma na realidade
palpável do dia a dia. O bem que já fazemos precisa ser
mesclado a um outro tipo de bem, que se inicia numa mudança
interna consciente e culmina na nossa elevação à condição de
verdadeiros servidores da humanidade.

Será realmente possível deixar de ser parte do problema e


começar a fazer parte da solução? Eis uma pergunta
importante, para a qual a Logosofia não oferece resposta
pronta. Na minha opinião, ela faz melhor: mostra que não é
de respostas prontas que precisamos. Delas temos de
sobra – mudar o governo, acabar com a pobreza, ter fé, não ter
fé, revolução, contrarrevolução, robôs inteligentes, arroz

88
integral, meditação tântrica etc. Tenho aprendido que cada
passo que dou, cada palavra que digo, cada movimento que
faço precisa ser uma parte de um longo, minucioso e
consciente processo de evolução, no rumo de um objetivo bem
maior que eu mesmo. Sem atalhos, sem heróis, sem fórmulas
mágicas; a questão reside toda no esforço individual e na
tentativa de nos unir a partir de uma obra comum de superação
humana. Se isso não parece simples, é exatamente porque não
é. Mas cabe a cada um de nós decidir o que faremos da nossa
vida, e com o que queremos ocupar nossos dias, nossas
preocupações, nossos corações. Há coisas difíceis e fáceis à
mão. Difíceis como, por exemplo, transformar o mundo a
partir de si mesmo. E fáceis, sempre fáceis, como falar que o
mundo anda errado.

“A transformação do mundo a partir de si mesmo” - Ensaios 89


O que é
Logosofia?
Criada em 1930 pelo pensador e humanista
Carlos Bernardo González Pecotche, a
Logosofia é uma ciência que revela ao ser
humano uma nova forma de sentir e conceber a
vida em todos os seus aspectos: físico, psicológico
e espiritual. A Logosofia amplia o conteúdo de
palavras de uso corrente, revelando seu
conteúdo metafísico, e apresenta uma nova
concepção de Deus, de suas Leis, do homem e
do Universo; conduz o homem ao conheci-
mento de si mesmo e lhe oferece os meios para
combater as deficiências e os defeitos que
impedem ou dificultam o aperfeiçoamento de
seu mundo interior, o que acontecerá como
resultado do esforço individual.
A Fundação
Logosófica
A Fundação Logosófica em Prol da Superação
Humana é uma instituição de direito privado,
criada para possibilitar uma ampla difusão dos
conhecimentos logosóficos. Sua destacada ação
em benefício do homem a tem feito merecedora
do reconhecimento de sua utilidade pública por
parte dos governos nos diversos países onde tem
sedes culturais. Um número expressivo de
palestras, reuniões informativas e cursos tem
contribuído para a divulgação dos objetivos,
método e conteúdo do conhecimento logosófico.

Mais informações sobre a Logosofia e a


Fundação Logosófica nos sites:

Logosofia:
www.logosofia.org.br

Colégio Logosófico:
www.colegiologosofico.com.br

Editora Logosófica:
www.editoralogosofica.com.br
Publicação da
Fundação Logosófica
Em Prol da Superação Humana

Coletânea de artigos escritos por


jovens da Fundação Logosófica
por ocasião do V Simpósio
- de Logosofia
Juvenil Brasileiro

Belo Horizonte, 2015

Projeto editorial:
Maria Lúcia da Silveira,
Paulo Salles, Clarice Laender,
Renato Ribeiro

Seleção e organização de textos:


Pedro Alberto de Souza, Paulo
Salles, Ana Gabriela Lemos,
Verônica Cavalieri, Marise Alencar,
Patrícia Finelli

Projeto gráfico e capa:


Renato Ribeiro e Verônica Cavalieri
Escultura de Yandi Luzardo Alvarado

Diagramação:
Verônica Cavalieri

Tradução dos textos em espanhol:


Clarice França

Revisão de textos:
Patrícia Finelli, Ana Gabriela Lemos,
Clarice Laender, Clarice França

Fundação Logosófica
Em Prol da Superação Humana
Rua Piauí, 742
Bairro Funcionários
Belo Horizonte
Minas Gerais – Brasil
Telefone: (31) 3218-1717
www.logosofia.org.br

Impressão:
Gráfica Editora Del Rey
“A transformação do mundo a
partir de si mesmo” foi o tema
que os jovens estudantes de
Logosofia se propuseram investigar
à luz desta nova concepção
humanística. Esse estudo os fez
voltar sobre a realidade do mundo
mental, cuja influência mais
evidente se expressa na cultura e
costumes de um povo. Também os
fez refletir sobre seu mundo interno,
que se manifesta em seu tempera-
mento, caráter, tendências e
predileções. A investigação os levou
a revisar os conceitos e valores que
devem ser incorporados à vida, para
que cada um seja ator consciente
dessa transformação.

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