Você está na página 1de 12

Soberania Divina

(Divine Sovereignty)

Um Sermão (Nº. 77)

Pregado na Manhã de Domingo, 04 de Maio de 1856, pelo

REV. C. H. Spurgeon

Na Capela de New Park Street, Southwark - Inglaterra

“Não me é lícito fazer o que quiser do que é meu?” – Mateus 20:15

O chefe de família diz: “Não me é lícito fazer o que quiser do que é


meu?” e o Deus dos céus e da terra te faz esta mesma pergunta nesta
manhã. “Não me é lícito fazer o que quiser do que é meu?” Não existe
atributo de Deus que ofereça mais conforto aos seus filhos do que a
doutrina da Soberania Divina. Nas circunstâncias mais adversas, nas
mais severas inquietações, eles crêem que a Soberania ordenou as suas
aflições, acreditam que ela as governa e os santificará completamente.
Não existe outra coisa pela qual os filhos de Deus devam mais
ardentemente contender do pelo assunto referente ao domínio de seu
Mestre sobre toda a criação – a majestade de Deus sobre todas as obras
de suas próprias mãos – e pelo assunto referente ao trono de Deus, e ao
Seu direito de assentar-se sobre esse trono. Por outro lado, não há
doutrina mais odiada pelos mundanos, nem uma verdade com a qual
eles mais brincam do que a grande e estupenda, mas todavia mui certa,
doutrina da Soberania do infinito Jeová. Os homens permitem que
Deus esteja em qualquer lugar, exceto em Seu trono. Permitem que Ele
esteja em Sua oficina, moldando os mundos e criando as estrelas.
Permitem que Ele esteja em Sua entidade filantrópica para dispensar
Suas esmolas e conceder Suas generosidades. Permitem que Ele
mantenha firme a terra e sustenha os pilares dela, ou que ilumine as
lâmpadas do céu, ou governo as ondas do oceano inquieto; porém,
quando Deus ascende ao Seu trono, Suas criaturas então rangem os
dentes; e, quando proclamamos um Deus entronizado , e Seus direitos
de fazer o que quiser com o que é Seu, de dispor de Suas criaturas
como considerar melhor, sem consultá-las a respeito do assunto, então,
nesse momento somos vaiados e execrados, e os homens tapam os
ouvidos para nós, porque o Deus que está em Seu trono não é o Deus
que eles amam. Eles O amam em qualquer lugar, exceto quando Ele se
assenta no trono, com Seu cetro em Suas mãos e Sua coroa sobre a
cabeça. Mas é um Deus entronizado que amamos pregar. É Deus sobre
o Seu trono em quem confiamos. É Deus sobre o Seu trono de quem
temos cantado esta manhã; e é Deus sobre o Seu trono de quem
falaremos neste discurso. Tratarei somente, contudo, sobre a parte da
Soberania de Deus, isto é, a Soberania de Deus na distribuição de Seus
dons. Neste respeito creio que, Ele não somente tem o direito de fazer
o que Ele quiser com o que é Seu, mas que, na realidade, exerce esse
direito.

Devemos assumir, antes de começar o nosso discurso uma coisa certa,


a saber, que todas as bênçãos são dons e que não temos nenhuma
reivindicação delas por nossos próprios méritos. Penso que toda
pessoa que considera os fatos concordará. E sendo isto admitido, nos
esforçaremos para mostrar que Ele tem um direito, vendo que eles são
Seus para fazer o que Ele quiser com eles – reter deles totalmente como
Lhe agradar – distribuir para com todos eles se Ele escolher – dar a
alguns e a outros não – dar a ninguém ou a todos, segundo pareça bom
a Sua vista. “Não me é lícito fazer o que quiser do que é meu?”

Dividiremos os dons de Deus em cinco classes. Primeiro, temos dos


dons temporais ; em segundo lugar, os dons salvíficos ; terceiro, os
dons honoríficos ; quarto, os dons úteis ; e em quinto lugar, os
dons consoladores . De todos eles diremos: “Não me é lícito fazer o que
quiser do que é meu?”

I. Em primeiro lugar, então, observemos os DONS TEMPORAIS. É um fato


indisputável que Deus não tem, nas questões temporais, dado a todos os
homens da mesma forma; que Ele não tem distribuído a todas as Suas criaturas
a mesma quantidade de felicidade ou a mesma posição na criação. Há uma
diferença. Observe que diferença há nos homenspessoalmente (porque
consideraremos os homens principalmente); um é nascido como Saul, que era
mais alto do que todo o povo desde o ombro para cima – outro vive toda a sua
vida como um Zaqueu – um homem de baixa estatura. Uns tem uma estrutura
musculosa e uma porção da beleza – outros são fracos, e estão longes de ter
qualquer estilo, formosura. Quantos encontramos cujos olhos nunca se
regozijaram na luz do sol, cujos ouvidos nunca ouviram os encantos da música,
e cujos lábios nunca proporcionaram sons inteligíveis ou harmoniosos. Andai
por toda a terra e achareis homens superiores a vocês em vigor, saúde e estilo, e
outros inferiores nestas mesmas coisas. Alguns dos que estão aqui são
preferidos muito acima dos seus semelhantes em sua aparência exterior, e
alguns são deixados de lado e não têm nada do que possam se gloriar na carne.
Por que Deus tem dado beleza a um homem, e a outro não? A um todos os seus
sentidos, e a outro só uma parte deles? Porque, em alguns, tem despertado o
senso de apreensão, enquanto que outros são obrigados a ter uma mente
entorpecida e teimosa? Respondemos: que os homens digam o que quiser, mas
nenhuma resposta pode ser dada, exceto esta: “Sim, ó Pai, porque assim te
aprouve”. Os antigos fariseus perguntaram: “Rabi, quem pecou, este ou seus
pais, para que nascesse cego?” Sabemos que não foi por causa dos pecados dos
pais nem do filho, que ele nasceu cego, ou que outros têm sofrido aflições
similares, mas que Deus está agindo segundo Lhe agrada na distribuição dos
benefícios terrenos e, dessa forma, diz ao mundo: “Não me é lícito fazer o que
quiser do que é meu?”.

Observe também, na distribuição dos dons intelectuais , que diferença existe.


Nem todos os homens são como Sócrates; há poucos como Platão; podemos
descobrir apenas aqui e ali um Bacon; apenas de vez em quando conversamos
com um Sir Isaac Newton. Alguns têm um intelecto estupendo com o qual
podem desatar grandes enigmas – sondar as profundezas do oceano – medir a
altura das montanhas – dissecar os raios solares e pesar as estrelas. Outros têm
apenas mentes superficiais. Podeis educá-los e educá-los, mas nunca farão deles
grandes homens. Vocês não podem melhorar o que não existe. Eles carecem de
gênio, e vocês não podem concedê-lo. Qualquer um pode ver que há uma
diferença inerente nos homens desde o próprio nascimento. Alguns, com uma
pequena educação, sobrepujam aqueles que têm sido treinados de forma
elaborada. Tomai dois garotos, educados na mesma escola, pelo mesmo mestre,
e que se aplicam aos seus estudos com a mesma diligência mas, todavia, um
deles superará o seu companheiro. Por que isto? Porque Deus tem declarado
Sua soberania tanto sobre o intelecto como sobre o corpo. Deus não nos tem
feito a todos da mesma forma, mas tem diversificado os Seus dons. Um homem
é eloqüente como Whitefield; outro gagueja ainda que tenha que falar apenas
três palavras de sua língua materna. O que faz estas variadas diferenças entre
homem e homem? Respondemos: devemos atribuir tudo isto à Soberania de
Deus, que faz o que quer com o que é Seu.

Notai, novamente, que diferenças há nas condições dos homens neste mundo .
Mentes poderosas são de vez em quando descobertas em homens cujos
membros estão vestindo as correntes da escravidão, e cujas costas são
oferecidas ao chicote – eles têm pele negra, mas são no intelecto vastamente
superiores aos seus brutais senhores. Assim, também, na Inglaterra;
encontramos homens sábios freqüentemente pobres, e homens ricos raramente
não são ignorantes e vãos. Um vem a este mundo para ser ataviado com a
púrpura imperial – outro nunca vestirá senão a humilde vestimenta de um
camponês. Um tem um palácio para morar e colchão de penugem para o seu
repouso, enquanto outros encontram senão um lugar duro de descanso, e nunca
terá um cobertor mais suntuoso do que as palhas de sua cabana. Se
perguntarmos a razão disto, a resposta ainda é: “Sim, ó Pai, porque assim te
aprouve”. Assim, de outras maneiras você poderá observar na passagem pela
vida como a soberania se manifesta. A um homem Deus dá uma vida longa e
uma saúde uniforme, para que ele dificilmente conheça o que é ter dias de
enfermidade, enquanto outros cambaleiam através do mundo e encontram um
túmulo a quase todo passo, sentindo milhares de mortes ao temer uma. Um
homem, mesmo na extrema idade avançada, como Moisés, tem os seus olhos
não turvados; e embora seu cabelo seja grisalho, ele permanece tão firmemente
sobre os seus pés como quando era um jovem na casa de seu pai. Onde,
novamente perguntamos, está a diferença? E a única resposta adequada é: é o
efeito da Soberania de Jeová. Encontrareis, também, que alguns homens são
tirados na aurora de sua vida – na flor da juventude – enquanto outros vivem
além dos setenta anos. Uma parte antes de alcançar o primeiro estágio de
existência, e outro tem sua vida prolongada até que se torne totalmente um
fardo; devemos, eu compreendo, necessariamente traçar a causa de todas estas
diferenças na vida ao fato da Soberania de Deus. Ele é o Governador e Rei, e
não fará o que quer com o que é Seu?

Passemos deste ponto – mas antes devemos parar só um momento para


aperfeiçoá-lo. Oh tu que tens sido dotado com uma nobre estrutura, um corpo
formoso, não te glories nisto, porque teus dons vêm de Deus. Não te glories,
porque se o fazes, tua formosura desaparecerá num momento. As flores não se
gloriam de sua beleza; não exultai, vós, filhos da formosura; e oh!, vós, filhos da
força e do intelecto, lembrem-se, que o que vocês têm foi concedido por um
Senhor Soberano; Ele criou; Ele pode destruir. Não há muitos passos entre a
poderosa inteligência e o idiota mais desvalido – os pensamentos profundos
beiram a insanidade. Seus cérebros podem num momento ser golpeados, e
daqui em diante serem destinados a viver como loucos. Não te glories de tudo o
que conheceis, porque até mesmo o menor conhecimento que tem, te foi dado.
Portanto, digo, não te enalteça sobremaneira, mas use para Deus o que Deus te
deu, porque é um dom real, e tu não deves o colocar de lado. Mas se o Soberano
Senhor tem te dado um talento, e não mais, não o enterre num lençol, mas use-o
bem, e então, pode ser que Ele te dê mais. Bendiga a Deus, tu que tens mais do
que os outros, e Lhe agradeça também que tenha lhe dado menosdo que os
outros, porque tu tens menos o que carregar sobre os teus ombros; e como o teu
fardo é mais leve, menos gemereis em vosso caminho para a terra melhor.
Bendiga a Deus, então, se possui menos do que teus companheiros, e veja Sua
bondade tanto no reter como no conceder.

II. Em tudo quanto temos dito aqui, provavelmente a maioria está de acordo
conosco; mas, quando chegamos ao segundo ponto, OS DONS SALVÍFICOS,
um grande número de pessoas ficará contra nós, porque não podem receber
nossa doutrina. Quando aplicamos esta verdade com respeito à Soberania
Divina na salvação dos homens, então, encontramos os homens se levantando
para defender os seus semelhantes, a quem eles consideram prejudicados pela
predestinação de Deus. Porém, nunca ouvi de homens se levantando pelo
diabo; e, todavia, creio que se algumas das criaturas de Deus tivessem direito
de queixar-se de Seus tratamentos, estas seriam os anjos caídos . Pelo seu pecado,
eles foram arremessados do céu imediatamente, e não lemos de qualquer
mensagem de misericórdia que tenha sido enviada a eles. Uma vez lançados
fora, sua condenação foi selada; enquanto que aos homens Deus deu uma
trégua, foi enviada redenção a seu mundo, e um grande número deles foram
escolhidos para vida eterna. Por que não contender com a Soberania tanto num
caso como no outro? Afirmamos que Deus escolheu um povo dentre a raça
humana, e Seu direito de assim fazer é negado. Mas eu pergunto: porque não se
discute igualmente o fato de Deus ter escolhido homens e não anjos caídos, ou
Sua justiça em fazer tal escolha? Se a salvação fosse uma questão de direito,
certamente os anjos teriam direito de reivindicar misericórdia tanto como os
homens. Não estavam assentados numa dignidade mais do que igual? Pecaram
mais? Cremos que não. O pecado de Adão foi tão deliberado e completo, que
não podemos supor um pecado maior do que o que ele cometeu. Se os anjos
que foram expulsos do céu tivessem sido restaurados, não haveriam prestado
maior serviço a Seu Criador, do que o que nós jamais poderemos prestar? Se
fôssemos os juízes nesta questão, poderíamos dar liberdade aos anjos, mas não
aos homens. Admirai, então, a Soberania e o amor Divino que, apesar dos anjos
terem sido quebrados em pedaços, Deus levantou um número de eleitos dentre
a raça humana para colocá-los entre os príncipes, através dos méritos de Jesus
Cristo nosso Senhor.

Notai novamente a Soberania Divina, na qual Deus escolheu o povo israelita e


deixou os gentios por anos na escuridão . Por que Israel foi instruído e salvo,
enquanto a Síria foi deixada a perecer na idolatria? Era uma raça mais pura em
sua origem e melhor em seu caráter do que a outra? Não tomaram os israelitas
deuses falsos para si milhares de vezes, e provocaram à ira e ao aborrecimento o
Deus verdadeiro? Por que, então, eles foram favorecidos acima dos seus
semelhantes? Por que o sol do céu brilhou sobre eles, enquanto todas as nações
ao redor deles foram deixadas na escuridão, e desciam ao inferno às miríades?
Por que? A única resposta que pode ser dada é esta: que Deus é Soberano, e
“compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer ”.

Assim também agora, por que Deus tem enviado Sua palavra a nós, enquanto uma
multidão de pessoas ainda está sem ela? Por que cada um de nós aproxima-se do
tabernáculo de Deus, Domingo após Domingo, tendo o privilégio de ouvir a
voz de um ministro de Jesus, enquanto outras nações não têm sido visitadas do
mesmo modo? Não poderia Deus fazer com que a luz brilhasse nas trevas ali
bem como fez aqui? Não poderia Ele, se tivesse Lhe agradado, ter enviado
mensageiros ligeiros como a luz para proclamar o evangelho por toda a terra?
Poderia ter feito se quisesse. Visto que sabemos que Ele não o fez, nos
inclinamos com humildade, confessando Seus direitos de fazer o que quiser
com o que é Seu.

Mas, permita-me trazer a doutrina uma vez mais para os nossos âmbitos.
Contemplai como Deus mostra Sua Soberania neste fato, que dentro da mesma
congregação, aqueles que ouvem o mesmo ministro, e ouvem a mesma verdade, um é
tomado e outro é deixado . Por que será que numa de minhas ouvintes, sentada
nos últimos bancos da capela, e tendo sua irmã ao seu lado, o efeito da pregação
será diferente do que na outra? Elas têm sido criadas sobre os mesmos joelhos,
balançadas no mesmo berço, educadas sob os mesmos auspícios, ouvem o
mesmo ministro, com a mesma atenção – por que uma será salva e a outra
deixada? Longe de nós criar qualquer escusa para o homem que é condenado;
não conhecemos nenhuma; mas também, longe esteja de nós o tomar a glória de
Deus. Afirmamos que é Deus que faz a diferença – que a irmã salva não terá
que agradecer a si mesma, mas a Deus. Haverá também dois homens dados a
bebedice. Algumas palavras faladas transpassarão um deles fora a fora, mas o
outro permanecerá imóvel, embora eles sejam, em todos aspectos iguais, tanto
na constituição como na educação. Qual é a razão? Talvez você diga: porque
um aceitou e o outro rejeitou a mensagem do evangelho. Porém, você voltou à
mesma questão: quem fez com que um aceite-a e o outro a rejeite? Não
se atreva a dizer que o homem fez a diferença por si próprio. Você deve admitir
em sua consciência que é somente a Deus que pertence este poder. Mas aqueles
que não gostam desta doutrina estão, todavia, armados contra nós; e dizem:
como Deus pode justamente fazer tal diferença entre os membros de Sua
família? Suponha um pai que tivesse um certo número de filhos, e que a um
desse todos os seus favores, e consignasse os outros à miséria – não deveríamos
dizer que o mesmo era um pai mau e cruel? Respondo: sim. Mas não é o mesmo
caso. Você não tem um pai com quem tratar, mas um juiz . Você diz: todos os
homens são filhos de Deus; eu exijo que você prove isto. Nunca li isto na minha
Bíblia. Jamais me atreveria a dizer, ‘Pai nosso que estás no céu', até que fosse
regenerado. Não posso me regozijar na paternidade de Deus para comigo até
que seja um com Ele, e co-herdeiro com Cristo. Não ousaria reivindicar a
paternidade de Deus como um homem não regenerado. Não é um pai e um
filho – porque o filho tem o que reivindicar de seu pai – mas é um Rei e um
súdito; e não é nem mesmo uma relação como esta, porque há uma
reivindicação entre súdito e Rei. Uma criatura – uma criatura pecaminosa, não
pode ter nenhuma reivindicação sobre Deus; porque isto faria a salvação ser
pelas obras e não pela graça. Se os homens podem merecer salvação, então, o
lhes salvar é somente o pagamento de um débito, e não seria dado a eles mais
do que deveria ser dado. Mas afirmamos que a graça deve ser diferenciada, se é
para ser graça de alguma forma. Oh, mas alguns dirão: não está escrito que “ Ele
dá a cada um a medida de graça, para o que for útil? ” Bem, se você gosta de repetir
esta maravilhosa citação tão freqüentemente atirada sobre minha cabeça, você é
bem vindo; porque está não é uma citação da Escritura, a menos que seja duma
edição Arminiana. A única passagem parecida com esta se refere aos dons
espirituais dos santos, e dos santos somente. Mas digo, admitindo a vossa
suposição, que uma medida de graça é dada a cada um para o que foi útil,
todavia, Ele dá alguma medida de graça particular para que faça aquela
proveitosa. Por que o que entendeis por graça, que possa ser usada para o que
for útil? Eu posso entender que seja um aperfeiçoamento do homem no uso da
graça, mas não posso compreender que seja uma graça que é aperfeiçoada para
ser usada pelos homens. Graça não é uma coisa que eu uso; graça é algo que me
usa. Mas as pessoas falam da graça às vezes como se fosse algo que elas
pudessem usar, e não como uma influência que tem poder sobre eles. Graça não
é algo que eu posso aperfeiçoar, mas que me aperfeiçoa, me usa e opera em
mim; e que as pessoas falem sobre a graça universal, ela é totalmente sem
sentido, não existe tal coisa, nem pode existir. Eles podem falar corretamente
das bênçãos universais, porque vemos que os dons naturais de Deus são
espalhados por todo lugar, num maior ou menor grau, e os homens podem
recebê-los ou rejeitá-los. Não é assim, contudo, com a graça. Os homens não
podem tomar a graça de Deus e usá-la para voltar, por si mesmos, das trevas
para luz. A luz não vem para as trevas e diz: me use; mas a luz vem e dissipa as
trevas. A vida não chega ao morto e diz: me use, e seja restaurado à vida; mas
ela vem com um poder de si própria e restaura o morto à vida. A influência
espiritual não chega aos ossos secos e diz: use este poder e se revistam de carne;
mas ela vem e os reveste com carne, e a obra é feita. A graça é pois uma coisa
que vem e exerce uma influência sobre nós.

“A vontade soberana de Deus somente

Nos faz herdeiros da graça;

Nascidos à imagem de Seu Filho,

Uma novamente criada raça”.

E dizemos a todos aqueles que rangem os seus dentes contra esta


doutrina, quer saibam quer não, que seus corações estão cheios de
inimizade contra Deus; porque até que você possa ser trazido ao
conhecimento desta doutrina, há algo que você ainda não descobriu,
que te faz se opor à idéia de um Deus absoluto, um Deus livre, um
Deus que não está algemado, um Deus imutável, e um Deus que tem
um livre-arbítrio, o qual você tão profundamente gosta de provar que
as criaturas possuem. Estou persuadido que a Soberania de Deus deve
ser sustentada por nós, se estivermos num estado de mente saudável.
“A salvação é do Senhor somente”. Então, dêem toda a glória ao Seu
santo nome, a quem toda glória pertence.

III. Vamos agora, em terceiro lugar, observar as diferenças que Deus


freqüentemente faz em Sua igreja nos DONS HONIRÍFICOS. Há uma
diferença entre os próprios filhos de Deus – quando eles na verdade
são Seus filhos. Observai o que quero dizer: Um tem o dom honorífico
do conhecimento , outro conhece quase nada. Encontro-me, de vez em
quando, com um querido irmão Cristão com quem eu posso falar por
um mês, e aprender algo dele todos os dias. Ele tem tido experiências
profundas – tem visto as coisas profundas de Deus – toda a sua vida
tem sido um perpétuo estudo, onde quer que esteja. Ele parece ter
colhido pensamentos, não de livros meramente, mas dos homens, de
Deus e de seu próprio coração. Ele conhece todas as idas e voltas da
experiência Cristã: ele entende a altura, a profundidade, a
comprimento e a largura do amor de Cristo, que excede todo o
entendimento. Ele adquiriu uma grande idéia, um conhecimento
íntimo do sistema da graça, e pode vindicar os tratamentos do Senhor
com o Seu povo.
Então, você deve encontrar outro que tem passado por muitas
tribulações, mas que não tem um conhecimento profundo da
experiência Cristã. Ele nunca aprendeu um só segredo em todas as
suas tribulações. Ele simplesmente saía de um problema para outro,
mas nunca parou para apanhar algumas das jóias que estavam
enterradas na lama – nunca tentou descobrir as preciosas jóias que
residiam em suas aflições. Ele conhece mui pouco a mais das alturas e
profundezas do amor do Salvador, do que quando veio ao mundo.
Você pode conversar com tal homem tanto quanto desejar, mas você
não receberá nada dele. Se me perguntar o porque disto, responderei:
há uma Soberania de Deus em dar conhecimento a alguns, e a outros
não. Estive andando outro dia com um Cristão idoso, que me disse
como ele tinha se beneficiado por meu ministério. Não há nada que me
faça humilhar mais do que o pensamento que um crente ancião
derivando experiências nas coisas de Deus e recebendo instrução nos
caminhos do Senhor de um mero bebê na graça. Porém espero, quando
chegar a ser um velho homem, se viver o suficiente para ser um, que
alguns bebês na graça me instruirão. Deus algumas vezes fecha a boca
dos velhos e abre a boca das crianças. Por que somos mestres de
centenas que são, em alguns aspectos, muito mais capazes de nos
ensinar? A única resposta que podemos encontrar é na Soberania
Divina, e devemos nos curvar diante dela, porque não é lícito que Ele
faça o que quer com o que é Seu? Em vez de ter inveja daqueles que
tem o dom de conhecimento, deveríamos buscar ganhar o mesmo, se
possível. No lugar de se sentar e murmurar por não termos mais
conhecimento, deveríamos nos lembrar que o pé não pode dizer a
cabeça, nem a cabeça ao pé: eu não tenho necessidade de ti; porque
Deus nos deu talentos como Lhe agradou.

Observe, novamente, quando falamos dos dons honoríficos. Não


somente o conhecimento, mas o ofício é um dom honorífico. Não há
nada mais honroso para um homem do que o ofício de um diácono ou
ministro. Magnificamos os nossos ofícios, embora não magnifiquemos
a nós mesmos. Estamos seguros de que nada pode dignificar um
homem mais do que ser apontado para ser um oficial numa igreja
Cristã. Preferiria ser um diácono de uma igreja a ser um Prefeito de
Londres. Ser um ministro de Cristo é, em minha estimação, uma honra
infinitamente maior do que qualquer coisa que o mundo possa
conceder. Meu púlpito é para mim mais desejável do que um trono, e
minha congregação é um império maior do que o suficiente; um
império ante o qual os impérios da terra se definham em nada, sem
importância eterna. Por que Deus, por meio do Espírito Santo, chama
com vocação especial alguém para ser um ministro, e ignora outros?
Há outros homens mais dotados, talvez, mas não devemos nos atrever
a colocá-los num púlpito, porque não possuem um chamado especial.
Assim também com o diaconato; o homem a quem alguns talvez
pensem ser o mais adequado para o ofício é deixado de lado, e outro é
escolhido. Há uma manifestação da Soberania de Deus no
apontamento para o ofício – em colocar Davi sobre o trono, em fazer
de Moisés o líder dos filhos de Israel através do deserto, em escolher
Daniel para permanecer entre os príncipes, em eleger a Paulo para ser
o ministro dos Gentios e Pedro para ser o Apóstolo da Circuncisão. E
você que não tem o dom honrado de ofício, deve aprender a grande
verdade contida na questão do Mestre: “Não me é lícito fazer o que
quiser do que é meu?”

Há outro dom honorífico, o dom da expressão . A eloqüência tem mais


poder sobre os homens do que todos os demais dons juntos. Se um
homem deve ter poder sobre a multidão, ele deve buscar tocar os seus
corações e prender seus ouvidos. Há alguns homens que são como
vasos cheios de conhecimento até as bordas, mas não tendo nenhum
meio de despejá-lo ao mundo. Eles são ricos em todas as pérolas do
saber, mas não sabem como colocá-las no anel dourado da eloqüência.
Eles podem colher as mais seletas flores, mas não sabem como dispô-
las num doce buquê para oferecer-lhe a sua amada. Como é isto?
Novamente respondemos: a Soberania de Deus é aqui demonstrada na
distribuição dos dons honoríficos. Aprenda aqui, oh Cristão, se você
possui dons, lance a honra deles aos pés do Salvador, e se você não os
possui, aprenda a não murmurar; lembre-se que Deus é igualmente
bondoso tanto quando retém como quando distribui os Seus favores.
Se alguém dentre vós foi exaltado, que não se inche; se alguém foi
humilhado, que não se despreze; porque Deus dá a cada vaso Sua
medida de graça. Sirva-O segundo a sua medida, e adore o Rei do Céu
que faz tudo segundo Lhe apraz.

IV. Observemos em quarto lugar, o dom de UTILIDADE.


Freqüentemente tenho errado em censurar alguns irmãos ministros
por não serem mais úteis, e tenho dito que poderiam ser tão úteis como
eu se tivessem sido mais diligentes. Mas certamente há outros mais
diligentes, e mais eficientes: outros que labutam constantemente, mas
com muito menos resultados. E, portanto, me permitam retratar minha
acusação, e em lugar disso asseverar que o dom de utilidade é o
resultado da Soberania de Deus. Nós podemos labutar com todas as
nossas forças, mas somente Deus pode nos fazer úteis. Podemos içar
nossas velas quando o vento sopra, mas não podemos fazer com que o
vento sopre.
A Soberania de Deus é vista também na diversidade dos dons
ministeriais. Vocês vão a um ministro e são alimentados com
abundância de boa comida; outros não têm o suficiente para alimentar
um rato; ele tem abundância de censuras, mas nenhuma comida para o
filho de Deus. Outro pode confortar o filho de Deus, mas não pode
reprovar um apóstata. Ele não tem força de espírito suficiente para dar
aquelas sérias e amorosas chicotadas que tantas vezes são necessárias.
E, qual é a razão? A Soberania de Deus. Outros podem utilizar com
destreza o martelo de forja, mas não podem curar um coração
quebrantado. Se ele tentasse fazer isso, te faria lembrar de um elefante
tentando passar um fio no fundo de uma agulha. Tal homem pode
repreender, mas não pode aplicar azeite e vinho numa consciência
esmagada. Por que? Porque Deus não lhe deu o dom. Há outro que
sempre prega teologia experimental; e mui raramente toca em
doutrina. Outro é todo doutrina, e não pode pregar sobre Jesus Cristo e
Ele crucificado. Por que? Deus não lhe deu o dom de doutrina. Outros
pregam sempre Jesus – bendito Jesus; homens da escola Hawker – e
muitos dizem: oh! eles não nos dão experiência suficiente; eles não
entram nas experiências profundas da corrupção que atormenta os
filhos de Deus. Mas, não devemos censurá-los por isto. Vocês notarão
que de um mesmo homem brotam às vezes fontes de água viva,
enquanto noutros tempos eles serão tão secos quanto possível. Num
Domingo você vai embora refrescado pela pregação, e no próximo não
recebe nenhum bem. Há Soberania Divina em tudo isto, e devemos
aprender a reconhecer e admirá-la. Estive pregando numa ocasião
semana passada a uma grande multidão de pessoas, e numa parte do
sermão as pessoas foram muito afetadas; senti que o poder de Deus
estava ali; uma pobre criatura gritava absolutamente em voz alta por
causa da ira de Deus contra o pecado; mas numa outra ocasião aquelas
mesmas palavras poderiam ser pronunciadas e poderia haver o mesmo
desejo no coração do ministro e, todavia, não produzir nenhum efeito.
Devemos atribuir, digo, à Soberania Divina tais casos. Devemos
reconhecer a mão de Deus em todas as coisas. Mas a presente geração é
a mais ímpia que já pisou esta terra; eu verdadeiramente creio. Nos
dias de nossos pais dificilmente havia uma chuva torrencial, mas eles
declaravam que Deus a tinha causado quando caia; e eles oravam por
chuva, pela luz do sol e pelas colheitas; bem como quando um palheiro
estava em chamas, ou quando uma fome desolava a terra; nossos pais
diziam: o Senhor fez isso. Mas agora, os nossos filósofos tentam
explicar tudo, e atribuem todos os fenômenos a causas secundárias.
Mas irmãos, que relacionemos a origem e a direção de todas as coisas
ao Senhor, e ao Senhor somente.
V. Finalmente, os DONS CONSOLADORES são de Deus. Oh, que
dons consolares alguns de nós desfrutam nas ordenanças da casa de
Deus, e num ministério que é produtivo. Porém, quantas igrejas não
têm um ministério desse tipo; e por que nós o temos, então? Porque
Deus faz uma diferença. Alguns aqui têm uma fé vigorosa, e podem rir
das impossibilidades; podemos cantar um cântico em todos os tempos
– tanto nas tempestades como na calma. Mas, há outros com uma
pequena fé que estão prestes a desmoronar a cada vento. Nós
atribuímos uma fé eminente inteiramente a Deus. Um nasce com um
temperamento melancólico, e vê uma tempestade até mesmo na calma;
enquanto outro é alegre, e vê uma linha prateada em cada nuvem,
embora estejam escuras, e é um homem feliz. Porém, por que isto? Os
dons consoladores vêm de Deus. E, então, observem que nós mesmos
somos diferentes de vez em quando. Por que há épocas que podemos
ter um relacionamento bendito com o céu, e somos permitidos olhar
além do véu? Mas repentinamente, estes deleitosas prazeres se vão.
Porém, murmuramos por isso? Não é licito que Ele faça o que quer
com o que é Seu? Não pode tomar de volta o que tinha dado? Os
consolos que possuímos são Seus, antes de serem nossos.

“E ainda que Tu a todos tomasse,

Todavia, não me queixaria,


Antes de serem por mim possuídos
Eles eram totalmente Teus”.

Não há alegria do Espírito – não há bendita esperança – nenhuma fé


vigorosa – nenhum desejo ardente – nem íntima comunhão com Cristo,
que não seja um dom de Deus, e que não devamos atribuir a Ele.
Quando estou em trevas e sofro decepções, levanto os meus olhos e
digo: Ele dá salmos durante a noite; e quando tenho do que me
regozijar, direi: meu monte permanecerá firme para sempre. O Senhor
é o Soberano Jeová; e, portanto, prostrado aos seus pés estou, e se
pereço, perecerei ali.

Porém, permiti que vos diga ,irmãos, que esta doutrina da Soberania
Divina está longe de fazer com que senteis em indolência; espero em
Deus que ela vos humilhe, e vos leve a dizer: “Eu sou indigno da
menor de todas as Tuas misericórdias. Reconheço que Tu tens o direito
de fazer comigo o que quiser. Se me esmagas, um verme miserável, Tu
não serás desonrado; não tenho direito de pedir que tenhas compaixão
de mim; apenas te rogo que tenhas misericórdia de mim. Senhor, se Tu
quiseres, és capaz de me perdoar, e Tu nunca destes graça a alguém
que a procure mais. Porque estou vazio, sacia-me com o pão do céu;
porque estou nu, veste-me com Tua roupa; porque estou morto; dá-me
vida”. Se elevares este pedido com toda tua alma e com toda tua
mente, ainda que Jeová seja soberano, Ele estenderá Seu cetro e te
salvará, e viverás para Lhe adorar na beleza da santidade, amando e
bendizendo Sua graciosa Soberania. “O que crer ” é a declaração da
Escritura “e for batizado, será salvo; mas o que não crer será
condenado”. O que crer em Cristo somente, e for batizado com água
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, será salvo, mas o que
rejeitar a Cristo e não crer nEle, será condenado. Este é o Soberano
decreto e proclamação do céu – curve-se diante dele, reconheça-o,
obedeça-o e que Deus te abençoe.

Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto


Cuiabá-MT, 20 de Março de 2004.

Você também pode gostar