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Formação em Teologia

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Teologia do Antigo Testamento

I Uma Viagem ao Antigo Testamento

Teologia é a ciência que trata do conhecimento de Deus, das


questões de abrangência divina. A teologia do Antigo Testamento
envolve, principalmente, a parte histórica do povo hebreu, sua cultura,
costumes, comportamento e sua (re)educação, a partir da lei mosaica
e sua relação pactual de aliança com Deus, desde Abraão e o clã de
seu neto Israel (Jacó), iniciado com seus doze filhos. É nessa dinâmica,
dos primeiros estágios da humanidade e da nação israelita, que se
percebe Deus surgir na História se apresentando como o Criador de
tudo e se revelando ao homem, por sonhos, visões e palavras, através
das histórias íntimas das pessoas ao longo do texto bíblico, chegando
ao ponto de mostrar-se literalmente (Teofania). A Teologia se
encarrega destas coisas.

A Bíblia, especificamente o Antigo Testamento, precisa ser


entendida como um livro escrito por um pai para os seus filhos. Um pai
que se interessa pelos seus filhos, mesmo quando estes agem com
intenções de se afastar, e que de uma forma amorosa estende seus
braços, chamando os filhos de volta ao seu convívio, ao mesmo tempo,
não nos damos conta da importância de entender o que significa ter
um Deus criador.

Muitas vezes, quando estamos diante das páginas do Antigo


Testamento, ficamos confusos, sem saber por onde começar e como
interpretar ou como sanar essas questões. Nossa viagem ao longo
destas aulas e conversas servirá para descortinar muitas verdades das
Escrituras, e desejamos que você olhe para o Antigo Testamento de
uma forma diferente e nova, trazendo cada vez mais sentido à sua vida
e ministério.

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II O Deus que tem prazer em sua criação

A história humana começa a ser contada por um Deus que teve


alegria em criar. E na Bíblia, vemos a reação desse Deus Pai criador
para cada coisa criada: “... e viu Deus que era bom.”! Até que chega o
momento de fazer o ser humano (Adão e Eva), o ápice da criação, e a
expressão parece ter um peso ainda mais forte: “... e viu Deus que era
muito bom.” (Gênesis 1:31). É maravilhosa a ideia de que Deus tem
prazer em criar o ser humano, e que a todo tempo Ele se inclina em sua
direção para continuar ao seu lado. Por outro lado, a história da criação
também é marcada por separação, que se dá pela atitude do homem,
que decide viver de forma independente, em desobediência a vontade
de Deus para viver a própria vontade.

III O efeito da queda e do pecado

Após a entrada do pecado, vemos os efeitos dessa queda na vida


humana. Assassinato (Caim mata o irmão, Abel), mais distanciamento
de Deus, e logo, expansão da sociedade e das cidades, já
comprometidas em suas estruturas, carnais, e do mesmo modo, a
partir de agora os relacionamentos são impactados pelo resultado da
queda e do pecado. É neste cenário, de crescimento e multiplicação do
ser humano, cumprindo (de maneira torta) a direção de Deus, que
encontramos o nosso primeiro personagem. O caminho de volta, para
o ser humano que foi expulso do jardim, começa na pessoa de Abraão,
em seu contexto da vida, havia várias nações e etnias, que não tinham
temor ao único e verdadeiro Deus, sendo as mais proeminentes os
cananeus e os filisteus, com grande participação na história do povo
de Deus.

E mais tarde, o primeiro nome que esse povo de Deus recebe é


“Hebreu”, uma palavra que faz referência a um grupo de pessoas
nômades, que viaja de lugar a lugar sem território fixo. Porém, havia
uma disputa entre estes três povos (cananeus, filisteus e hebreus) pela
ocupação de terras, marcadas perto do Mar Mediterrâneo, território
filisteu conhecido hoje como Palestina.

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Mas, afinal de contas, a quem pertence esta terra? Será dos


hebreus, chamado povo de Deus? Dos Cananeus? Ou dos Filisteus?
Permanece o fato de que a briga continua até hoje, evidenciada pelo
conflito contínuo na região mediterrânea. Os protagonistas dessa luta,
que se arrasta por milênios, são os mesmos do passado: israelenses,
que têm sua origem no povo hebreu; descendentes de cananeus e
palestinos (antes conhecidos como filisteus).

IV O caminho de retorno ao Pai

Talvez não por coincidência, o caminho de Abraão começa na


cidade-estado de Ur, capital da Caldéia e polo do turismo religioso da
época, na região suméria dentro da Mesopotâmia (atual Iraque), e tem
seu destino final em Canaã. Num cenário de conflitos, idolatria e tensão
entre tribos, Abraão emerge como aquele que toma o caminho de
volta aos braços do Deus criador, e é tido pelos estudiosos como um
patriarca. A palavra “Patriarca” é frequentemente usada em
ministrações, pregações e livros, mas qual é o seu significado? Os
patriarcas foram os primeiros homens da história de Israel, são os
“pais” da nação, personagens essenciais pois são o fundamento da
construção do povo chamado Israel, e que posteriormente seria
conhecido como o povo judeu (Judá). O primeiro patriarca é
justamente Abraão, o homem que recebeu um chamado para sair do
meio do conforto e segurança da sua família, afastar-se dos seus pais
e origem, e viver em lugares desconhecidos, para dar início ao povo
(família) que Deus havia planejado. A vida de Abraão precisa afetar
nosso coração e fé de forma significativa.

Abraão - A história de Abraão mostra o que é mergulhar no


desconhecido. Sem saber o que esperar, aceitou pegar a sua
bagagem e seguir viagem para onde Deus mostraria. Abraão marca o
início da história de um povo que precisa se movimentar na direção
dada por Deus (e que também tem que parar se quiser ouvi-lo).

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Abraão recebe uma promessa: A partir da sua descendência


todas as famílias seriam abençoadas. Além disso, recebeu a promessa
de que ele seria pai de uma grande nação, uma multidão de pessoas,
no entanto, sabemos que a história possui complicações, tanto Abraão
quanto Sara já tinham idade avançada, e até então não tinham filhos.
Sabendo que o nome “Abraão” significa “Pai de multidões”, coloque-se
no lugar dele por um instante, como você se sentiria, ao saber que seu
nome significa que você é o pai de centenas, mas já tem cem anos de
vida completados e ainda não tem filhos? Imagine o questionamento
e o sofrimento de Abraão, pensando sempre “Não tenho filhos.”

Numa terra distante e mesmo nessa situação tão contrária e


delicada, ele tinha certeza de que o seu Deus iria prover. Ao observar a
passagem referente à ida de Abraão ao monte, para fazer o sacrifício
que Deus havia pedido, sabendo que Deus proveria, enxergamos a fé
profunda no coração deste homem. Por mais que sua identidade como
pai das nações ainda não houvesse se materializado, Abraão estava
convicto de seu nome e seu propósito, ele tinha certeza de que em
algum momento da sua história se transformaria no pai de uma
multidão.

Isaque - Isaque é o segundo patriarca, justamente o filho da


promessa. Ele chega após Deus ajudar Sara a superar a esterilidade,
num evento milagroso, que só o Espírito de Deus pode produzir no ser
humano. Isaque é o menino do altar, que cresce, se torna homem e
marca um período de passagem, levando a promessa de seu pai até
o ponto do cumprimento.

Teve dois filhos, Esaú e Jacó, com características muito diferentes,


enquanto um era caçador, o outro era mais ligado à terra. Na ocasião
em que a promessa de Deus chegou sobre a vida de Jacó, ele se tornou
o sucessor de Isaque, como o terceiro patriarca.

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Jacó - A vida de Jacó é marcada por confusões (em sua maioria,


criadas por ele mesmo, diga-se de passagem). Começou engando o
pai, e também ao seu irmão, com a finalidade de conseguir o direito da
primogenitura. Jacó é a história de um trapaceiro sendo transformado
num príncipe. E é muito significativo que a futura nação de Israel
comece por ele, e assim, alguém sempre envolto em conflito,
desordem e engano, tornado alguém justo e nobre, que realmente deu
início a dinastia de Israel. A Bíblia relata os três grandes conflitos da
vida de Jacó, para além dos problemas familiares, ele se meteu numa
briga com um anjo, no entanto, é a partir desse episódio que Jacó tem
o seu nome mudado para Israel, tem seu caráter transformado e tem
sua vida redefinida.

V Os hebreus

O próximo ponto da história se encontra em José (possível quarto


patriarca), o filho preferido de Israel (Jacó). Uma preferência que
causou extremo ciúme nos outros irmãos, o que por sua vez, criou a rixa
no relacionamento e fez os irmãos venderem José, que vai parar no
Egito. Somente após muitos anos, quando uma fome muito grande
alcança toda aquela região, acontece o “reencontro”. O pai de José,
Israel, pede a seus outros filhos para irem até o Egito conseguir
mantimentos, chegando lá, eles encontram o administrador egípcio,
que é ninguém menos que José, irreconhecível (pelo passar do tempo,
roupas e costumes). Um estranho que na verdade é o mesmo menino
que tinha sido vendido por estes irmãos.

Mas agora seria diferente, pois naquela ocasião ele ocupara um


cargo de grande importância no Egito. Através da figura de José vemos
uma das mais incríveis narrativas sobre perdão na Bíblia. O
(re)encontro com os irmãos, um genuíno arrependimento por parte
deles, e genuína compaixão por parte de José. No fim, toda a família
pôde superar a escassez que tinha se abatido sobre a região durante
aquele período. O perdão que venceu a fome.

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O que acontece a seguir é que este povo começa a se multiplicar


de forma extraordinária, vivendo na região do Egito. A princípio,
gozaram de um período de grande paz e equilíbrio. Enquanto José era
próximo do faraó, seu povo era bem tratado e crescia com muita
prosperidade. Todavia, anos depois da morte de José, outros faraós
subiram ao poder, e eram líderes que não conheciam a história de José
e nem a forma como ele havia abençoado todo o Egito. É neste período
que o povo de Israel começa a ser castigado e escravizado, foram
explorados pelos egípcios como mão-de-obra nas grandes
construções e em todo tipo de serviço.

“Disse o SENHOR: Certamente tenho observado a


opressão e a miséria sobre meu povo no Egito, tenho
ouvido seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei o
quanto estão padecendo”. (Êxodo 3: 7)

O sofrimento tornou-se proporcional ao crescimento, o que levou


o povo a clamar a Deus, que ouviu e levantou a Moisés, uma figura
estratégica na história.

“Vem agora, pois eu te enviarei a Faraó para que tires o


meu povo (os filhos de Israel) do Egito.” (Êxodo 3: 10)

Moisés foi criado na corte egípcia, formado em toda cultura e


conhecimento para ser um príncipe do Egito. Porém, em determinado
momento ele é chamado por Deus para libertar o povo de Israel. O
grande plano de libertação se desenrolou durante os confrontos entre
Moisés e o faraó, dos quais decorriam as ações do próprio Deus. De
fato, sabemos que a mão de Deus pesou sobre o Egito, com dureza e
severidade. E além de obrigarem o povo hebreu a séculos de servidão,

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o Egito era uma nação politeísta e idólatra. A intenção de Deus era de


finalmente libertar o Seu povo também para prestar culto.

Ao longo de 40 anos, esse povo, finalmente livre, peregrinou no


deserto, onde aprendeu a se relacionar com Deus e a experimentar os
Seus milagres. Desde a abertura do Mar Vermelho, às codornizes e o
maná, à entrega da tábua da lei e a Arca da Aliança; em cada episódio
o povo vai aprender a andar com Deus, que os chama para uma
aliança íntima com Ele, um pacto familiar. O objetivo era que a partir
de Israel todos os outros povos poderiam conhecer ao Deus todo-
poderoso.

VI Juízes e reis

O sucessor de Moisés é Josué, e por meio da sua liderança o povo


finalmente chegou ao lar prometido por Deus, inaugurando-se uma
nova fase, a época dos juízes. Eles chegam, lutam e, pela graça de
Deus, conquistam, são divididos em tribos e repartem a herança da
terra, tudo através da liderança de Josué:

“Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao


Senhor, escolhei hoje a quem sirvais; se aos deuses a que
serviram vossos pais, que estavam além do rio, ou aos
deuses dos amorreus, em cuja terra habitais; porém, eu e
minha casa serviremos ao Senhor.” (Josué 24: 15)

Cada uma das tribos tinha uma liderança específica, porém,


questões mais importantes eram resolvidas, de forma centralizada,
pelos juízes. E entre eles pode-se apontar figuras importantes, como
Débora, Sansão e Otoniel, homens e mulheres de Deus que foram
usados para conduzir a, agora, nação de Israel.

Mais à frente na história, quando o juiz era o sacerdote Samuel, o


povo pede um rei porque as nações ao redor tinham um monarca,

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exceto Israel. É importante notar que este era um desejo do povo, não
de Deus (o que também fala muito a nosso respeito). E o primeiro rei
de Israel é escolhido: Saul.

“Porém esta palavra pareceu mal aos olhos de Samuel,


quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos julgue. E
Samuel orou ao Senhor.” (1 Samuel 8: 6)

O texto relata que Saul se destacava entre as fileiras de Israel (1 Sm


9), um homem grande, porém, não teve um reinado aprovado, fez
algumas coisas boas, mas a confusão do seu coração criou angústia
e pecado, contaminando suas ações como rei, e isso o levou a fazer o
que era mal aos olhos do Senhor.

O sucessor de Saul é tido pela Bíblia como o melhor rei da história


de Israel, referindo- se a Davi. A aliança de Deus com Davi se estendia
à sua própria casa, o que mostra o quanto era especial e singular. Ele
conquistou reinos e prosperou, mais ainda, intentou em seu coração
construir uma casa a Deus, que permitiu que o filho dele, Salomão,
fosse o responsável pela construção do templo.

Os três primeiros reis de Israel foram Saul, Davi e Salomão. Saul fez
o que desagradou ao Senhor. Davi, por sua vez, é considerado pela
Bíblia um homem segundo o coração de Deus, e embora houvesse
pecado, tinha um coração quebrantado. A marca do reinado de Davi
foi expansão, a partir da conquista de novos territórios, e Salomão, seu
filho e sucessor, irá finalmente realizar o sonho do seu pai: construir um
templo. Salomão foi um homem conhecido pela sabedoria, sob seu
reinado, Israel alcançou o máximo de sua expansão e influência, mas
após seu reinado o cenário sofre modificações dramáticas, pois os
seus filhos dividem a nação em dois, Reino do Norte e Reino do Sul.

O reino do Norte começou a fazer atrocidades, e todos os seus reis


afastaram-se do Senhor, até que o Reino do Norte foi exilado na Assíria,
local de sua destruição e juízo de Deus. Já o Reino do Sul oscilou entre

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bons e maus reis, ora governantes com temor, ora reis idólatras, até
que o Reino do Sul também foi destruído e Jerusalém invadida pelos
babilônios. Samaria era a capital do reino do Norte e foi invadida pela
Assíria. Ambos foram completamente derrotados.

VII Profetas

Neste tempo, surgem os profetas. Homens de Deus direcionados a


levar a revelação divina aos governantes, sacerdotes e ao povo. O
intuito era impedir que se distanciassem do caminho do Senhor.
Jeremias, Joel, Obadias e vários outros, funcionaram como atalaias
para que Israel não se desviasse do caminho da Verdade. É somente
no exílio que o povo finalmente entende a consequência da idolatria,
que é a destruição do relacionamento entre o homem e Deus.

No decorrer da história, Deus sempre usou pessoas específicas


para falar ao seu povo, e entre os últimos personagens que se
destacam, estão Esdras e Neemias, dois homens que foram usados
ainda no contexto de exílio, voltando a Israel para reconstruir a cidade
e os muros de Jerusalém. Esdras e Neemias são figuras emblemáticas,
fundamentais no caminho de volta do povo de Deus. Eles atuaram na
jornada de arrependimento do povo, isto é, na reconstrução do
relacionamento íntimo com o Deus criador. Lembramos que esta
história da volta começou em Abraão, sendo assim, entre altos e
baixos, idas e vindas, o povo ora se aproxima e ora se distancia. Mas é
em Esdras e Neemias que vemos um povo finalmente sendo liberto de
toda a carga de idolatria, e se conscientizando que só existe um único
Deus merecedor do nosso louvor e da nossa adoração. O Antigo
Testamento termina com os profetas, justamente para enfatizar o
clamor e advertência ao povo de Deus. A mensagem é para que não
caíssem em armadilhas e na tentação de viver de braços dados com
a idolatria.

Toda a Bíblia conta a história de um Deus interessado em nos


trazer de volta. Cada vez que o povo se distanciava, fosse por idolatria,
fosse por guerras, a história mostra homens e mulheres de Deus que
foram usados para que o povo voltasse aos caminhos do Senhor. Da

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mesma forma que vemos Neemias sendo aquele que vai concretizar a
reconstrução dos muros, vemos a figura do profeta Zacarias
incentivando os líderes judeus a reconstruírem a sua memória e
identidade.

Os muros foram reconstruídos e a cidade também, como fruto do


favor do Deus que continua interessado por seu povo. Ler o Antigo
Testamento é necessário para remover as escamas dos nossos olhos,
é de suma importância enxergar o quanto Deus continua interessado
em trazer você para mais perto Dele, porém, muitas vezes nós somos
levados a acreditar que precisamos correr atrás de Deus, como se Deus
estivesse perdido em algum lugar e nós tivéssemos que correr e nos
esforçar para encontrá-lo. Sobretudo, ao ler de maneira cuidadosa o
Antigo Testamento, conhecemos um Deus que oferece um testemunho
contrário às percepções e pretensões do nosso coração, e em Abraão
nos deparamos com um Deus que nos chama de volta e que desde a
no jardim está nos buscando.

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Bibliografia:

Price , Randall Manual de arqueologia bíblica Thomas Nelson/ Randall


Price e H Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de
Janeiro: Thomas Nelson. 2020

William W. Klein, Robert L. Hubbard Jr., Craig L. Blomberg; tradução


Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017.

Manual bíblico vida nova/ Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições
Vida Nova,2001.

JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Tradução de Vicente Pedroso. Rio


de Janeiro. CPAD, 1990

Price , Randall Manual de arqueologia bíblica Thomas Nelson/ Randall


Price e H Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de
Janeiro: Thomas Nelson. 2020

Manual bíblico vida nova/ Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições
Vida Nova,2001.

Dillard, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento / Raymond B.


Dillard, Tremper Longman III ; tradução Sueli daSilva Saraiva.- São
Paulo: Vida Nova, 2006

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Carson G. K. BEALE E D. A. - Comentário do Uso do Antigo Testamento no


Novo Testamento

Pinto, Carlos Osvaldo - Foco no Antigo Testamento - Ed Hagnos

Bush, Frederic W.; Hubbard, David A.; Lasor, Willians - Introdução ao


Antigo Testamento.

Mesquita, Antônio Neves de - Povos e Nações do Mundo Antigo -


Editora: HAGNOS

PHILLIPS, John. Explorando as Escrituras: uma visão geral de todos os


Livros da Bíblia. 2. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005.

SHEDD, Russel. O Novo Comentário da Bíblia. Editora Vida Nova, 1997


DAVIS, John D.

Dicionário da Bíblia. São Paulo: JUERP, s/d

Douglas, J. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo: Edições Vida Nova,


1986.

Insight on the Scriptures, 2 vols. EUA: Watch Tower, 1988

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RAWLINSON, George. The Historical Evidence of the Truth of the Scripture


Records, 1892.

THOMPSON, Frank Charles. Bíblia de Referência Thompson — Com


Versículos em Cadeia Temática. São Paulo: Editora Vida, 1996

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Interpretando o Antigo Testamento Através da


Leitura e Exegese
A leitura do Antigo Testamento, através da interpretação
teológica, é fundamental para aqueles que querem conhecer a Deus e
a história do Seu povo. Nesse primeiro tratado das Escrituras Sagradas,
podemos detectar princípios divinos fundamentais para uma
sociedade justa, equilibrada e fraterna, além de revelar o caráter Divino
e apresentar-nos todas as razões para buscar e andar na presença do
Senhor.

O tema “Aliança de Deus com o seu povo” ocupa o lugar central


em praticamente todo o Antigo Testamento, apresentando o fracasso
do homem (tanto de sua queda como em seu projeto alheio de Deus)
e a redenção promovida por Deus para ele. Ler o Antigo Testamento é
de suma importância, pois é a base para o entendimento do Novo
Testamento. Assim ambos se complementam.

Então, como devemos ler o Antigo Testamento? Usaremos como


base os ensinamentos do teólogo Franklin Ferreira, para nos ajudar
nesta jornada de como ler o Antigo Testamento. Ao observarmos seu
conteúdo, veremos no Antigo Testamento uma relação de promessa e
cumprimento sendo construída, na mesma medida em que o Senhor
se mostra um Deus pessoal, poderoso e paterno.

I Promessas, cumprimento e base doutrinária

Lendo o Antigo Testamento, também se pode perceber uma série


de profecias que dizem respeito ao futuro do ser humano. E no Novo
Testamento encontramos estas profecias sendo cumpridas em Jesus
e no advento da Igreja. A fim de enxergarmos esta relação, é necessário
um razoável conhecimento do Antigo Testamento, o que não significa
que devemos começar a leitura bíblica pelo Livro de Gênesis, é comum
que pastores recomendem ao novo convertido a leitura a partir dos
evangelhos (pode ser o Evangelho de João). Mas, em algum momento
da caminhada cristã, surgirá a necessidade de ler o Antigo

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Testamento, junto da pergunta “Como o interpretamos e


entendemos?”.

O que é uma questão válida visto que no Antigo Testamento está


a base para construirmos um sólido corpo doutrinário, isto é, os
princípios elementares para o entendimento da Bíblia: Criação,
pecado, plano de redenção, graça. Uma base sólida sobre o Antigo
Testamento traz uma consciência robusta das Escrituras.

II Contrastes e transposições

Betel e Babel - Na relação entre Antigo e Novo Testamento, Franklin


Ferreira aponta uma relação entre Betel e Babel, relacionando Babel à
força e vontade humanas para alcançar o céu, enquanto Betel
representa o movimento oposto, Evangelho, o mover da parte de Deus
para alcançar os homens (Betel significa casa de Deus) e se revelar
descendo do céu. Regularmente nota-se esses dois movimentos
acontecendo. Um exemplo bastante drástico é o de Uzá, durante a
procissão que trazia a arca de volta, ele foi morto, e o texto enfatiza a
imprudência de Uzá, pois ele conhecia a lei:

“...Uzá estendeu a sua mão até a arca de Deus e segurou-


a; pois os bois a sacudiam. Então a ira do Senhor se
acendeu contra Uzá, e o feriu ali por esta imprudência; e
morreu ali junto à arca de Deus”. (II Samuel 6:6,7)

Por outro lado, o próprio Deus vinha com bálsamo e refrigério. Ao


longo da Bíblia, o homem procura Deus de forma equivocada, e a
resolução de Deus é ir em busca do homem:

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“E aconteceu que à tarde subiram codornizes, e cobriram


o arraial; e pela manhã jazia o orvalho ao redor do
arraial”. (Êxodo 16: 13)

Pesquisa - Muitas pessoas confundem a narrativa do Antigo


Testamento e não sabem como interpretar o texto dentro do seu
contexto. O estudante de teologia precisa se ambientar com as
pesquisas, tanto dentro do seu espectro teológico quanto fora. Quando
estudamos a Palavra de Deus, é inevitável termos nossas próprias
impressões, entretanto, é necessário deixar que essas impressões
sejam confirmadas ou confrontadas por pessoas que vieram antes de
nós. Afinal, o conhecimento é um acúmulo de estudos variados, feitos
por diferentes pessoas, com os mais distintos espectros teológicos.
Toda vez que fizermos um estudo mais profundo, precisamos dividi-lo
com pessoas que pensam como nós, e confrontá-lo com aqueles que
pensam diferente de nós, dessa prática nascerá um debate saudável
e um aprendizado real.

Israel e Igreja (Judeu e Gentio) - Esses dois nomes trazem uma


referência sobre a distinção que existe entre Israel e Igreja. Qual seria a
diferença entre eles? Quando falamos de Israel, estamos falando de
um povo debaixo de uma aliança, um povo que possui a mesma
linhagem (sangue). E ao falar de Igreja, nos referimos às pessoas que
nasceram de novo. Israel e a Igreja possuem semelhanças, mas as
diferenças não podem ser negligenciadas.

Terra prometida e confins da Terra - Israel representa o sangue


natural de Cristo, enquanto a Igreja é o sangue espiritual: o novo
nascimento. A missão de Israel era chegar à Terra Prometida e ali
permanecer, obedecendo às regras da aliança. Por sua vez, a tarefa da
Igreja não é de apenas “ficar” na Terra, pelo contrário, é de ir até os seus
confins, para que o Evangelho chegue em todos os cantos. Somente
assim, depois de cumprir o que foi determinado por Deus, chegará o
tempo da Cidade Celestial.

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Há uma significativa diferença de propósito entre ambas (e


também de estrutura e essência), se não formos capazes de enxergar
essa diferença podemos interpretar a Bíblia de forma errada. Por
exemplo, outro ponto é a diferença de recompensa entre Israel e a
Igreja: quando fazemos menção das recompensas de Israel,
necessariamente estamos falando de galardão material (vitória,
colheita, prosperidade, etc.); em contrapartida, a recompensa
prometida à Igreja é galardão espiritual e diz respeito ao novo Céu e
nova Terra, ou seja, as recompensas da Igreja e de Israel são opostas.
Paulo chega a falar:

“Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais


miseráveis de todos os homens.” (1 Coríntios 15: 19)

A passagem acima mostra como é importante perceber a


diferença entre a Igreja e Israel. Se lermos o Antigo Testamento de um
jeito descontextualizado, o que será produzido em nosso coração é
distorção e engano. Então, o que Cristo espera da sua igreja, em
sofrimento ou em glória, notamos nos seguintes textos:

“Porque, que glória será essa, se, pecando, sois


esbofeteados e sofreis? Mas se, fazendo bem, sois
afligidos e o sofreis, isso é agradável a Deus” (1 Pedro
2:20)

“Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa


da justiça, porque deles é reino dos céus;” (Mateus 5:10)

“Tu, pois, sofre as aflições, como bom soldado de Jesus


Cristo.” (2 Timóteo 2:3)

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De fato, Deus pode abençoar materialmente, e sempre que for da


Sua vontade o fará, porém, enfatizar apenas isso, e desconsiderar as
promessas que envolvem o sofrimento e provação da igreja, é
incorreto e potencialmente nocivo.

“Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o


fato de passarem por tantas provações, pois vocês
sabem que a prova da sua fé produz perseverança”.
(Tiago 1: 2,3)

Nação hebraica e corpo espiritual - Quando se fala em Israel está


se referindo a uma etnia, uma raça. Mas quando falamos da Igreja, nos
referimos a todos os povos, línguas e raças, numa mistura de pessoas.
Enquanto Israel é um grupo de pessoas que compartilham da mesma
linhagem de sangue (DNA), na Igreja as pessoas compartilham o
mesmo “DNA” espiritual.

Há outro detalhe a ser ensinado, o qual expandirá nosso


entendimento no assunto. Precisamos saber que na história de Israel
existe uma linhagem sacerdotal e uma linhagem real. Lembrando que
na Igreja todos são sacerdotes. Quando usamos a expressão “levitas”,
precisamos entender um conceito especial por trás dessa questão. Os
levitas são assistentes de sacerdotes no Antigo Testamento. Na Igreja
o sacerdote não tem assistente porque todos são sacerdotes:

“Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, nação


santa, e povo adquirido, para que anuncieis as virtudes
daquele que vos chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz.” (1 Pedro 2:9)

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A missão de Israel e a missão da Igreja - O próximo aspecto da


relação entre Israel e a Igreja é a “missão”. Sobre esse tema podemos
dizer, segundo as palavras de Ariovaldo Ramos, que a missão de Israel
era “trazer o Messias para dentro da história”, lembre-se da promessa
à Abraão, de que nele seriam benditas todas as nações da Terra
(Gênesis 22: 18), pois é através da sua descendência que nasce Jesus,
o salvador. E a missão da igreja é fazer discípulos para Cristo.

É importante reforçar que a aliança do Antigo Testamento e a do


Novo Testamento são distintas. A aliança do Antigo Testamento é
baseada em sacrifício animal para que o pecado seja perdoado e a
culpa seja resolvida. Já no Novo Testamento temos uma aliança onde
o sacrifício é feito através do próprio Cristo.

Em Deuteronômio 28 encontramos uma lista de “maldições”,


caso Israel não cumpra o estabelecido. Então vemos que a fidelidade
traz prosperidade, enquanto a infidelidade traz maldição. Na outra
ponta, vemos que a realidade descrita para a igreja é bem diferente,
em Mateus 5, quando Jesus faz o sermão do monte (as bem-
aventuranças) a ideia muda radicalmente, no Evangelho a fidelidade
traz perseguição, e o texto traz a seguinte reflexão: O que é mais
interessante, ser fiel e próspero ou ser fiel e perseguido? A mensagem
desse sermão é tão radical e particular que Jesus chama de bem-
aventurados (abençoados) aqueles que, devido à Sua justiça e ao
nome dEle, são perseguidos. Em outras palavras, a fidelidade da igreja
irá causar perseguição, de forma que seremos odiados pelo mundo,
mas apesar disso seremos bem-aventurados (felizes).

Portanto, no Antigo Testamento a bênção é resultado da


obediência, mas quando vamos ao Novo Testamento, precisamos
fazer uma transposição a fim de colocar essas noções dentro do
contexto adequado. É claro que a obediência e o trabalho podem ser
recompensados por Deus, mas existe uma mudança na ênfase, no
Novo Testamento o eixo não é mais “Seja fiel e a consequência é ser
próspero.”, a ênfase é “Seja fiel e a consequência é andar com Ele.” As
circunstâncias variam, mas Ele permanece fiel:

25
Formação em Teologia

“Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode


negar-se a si mesmo”. (2 Timóteo 2:13)

A fidelidade certamente vai trazer perseguição, e a Palavra de


Deus nos afirma isto. No Antigo Testamento temos uma relação
“bênção-maldição”, e no Novo Testamento temos uma relação de
“benção-benção”. O próprio Jesus nos ensina a amar os nossos
inimigos, mostrando essa inversão.

Se não fizermos essa transposição do Antigo Testamento para o


Novo Testamento, distorceremos o Cristianismo. O objetivo do nosso
estudo é que o Novo Testamento afete a forma como lemos o Antigo
Testamento, para sermos cristãos que conhecem o Antigo Testamento,
e não judeus que conhecem o Novo Testamento (são realidades
diferentes).

Na leitura bíblica, essa transposição de realidade é vital.


Entretanto, as diferenças não eliminam o fato de que Deus continua
gracioso e bondoso, cheio de misericórdia e abençoador, que gosta de
fazer seus filhos prosperar (ainda que não seja materialmente), mas
não deixemos de lembrar o que realmente importa. Falhamos muitas
vezes na aplicação do texto, e precisamos de cautela ao fazer a
transposição de Israel para a Igreja, pois há uma diferença de função
e finalidade.

Muitos dos erros que pregadores cometem é pegar um texto do


Antigo Testamento e não fazer nenhuma ponte, preparação e
contextualização para chegar à realidade (do Novo Testamento e da
vida cotidiana). E quando pregam ignoram ênfases, atropelam a
realidade e quebram a lógica do texto bíblico, esquecendo que a
Escritura tem sua própria linha narrativa e estrutura literária.

Retomando, todo aquele que quiser viver piedosamente em Cristo


Jesus será perseguido, mas não precisamos excluir a palavra “bênção”,
apenas ressignificá-la. Se pensarmos em benção e vitória somente em
termos de alegria e satisfação, não entenderemos que somos

26
Formação em Teologia

sofredores, pois se Jesus sofreu, nós também vamos, e isso é um


mistério de Deus:

“Mas, em todas estas coisas somos mais que vencedores,


por meio daquele que nos amou.” (Romanos 8: 37)

Lei e salvação - O próximo desafio do Antigo Testamento é a


salvação. Muitos se enganam ao pensar que no Antigo Testamento as
pessoas eram salvas pela lei, e no Novo Testamento são salvas pela
graça. A resposta é: Não. A salvação no Antigo Testamento acontece
como no Novo Testamento. Paulo explica (Rm 4:3) dizendo que Abraão
creu e isso lhe foi creditado como justiça. Por mais que exista a relação
de submissão à lei, todas as pessoas no Antigo Testamento que
creram, olharam para uma promessa de Cristo. Foi esta promessa que
os transformou em irmãos em Cristo Jesus. Eles creram e por isso foram
justificados e salvos.

Qual a diferença do crente do Antigo Testamento para o Novo


Testamento? Os crentes do Novo Testamento acreditam em algo que
aconteceu na cruz do calvário, enquanto os crentes do Antigo
Testamento foram pessoas que creram num evento futuro, sem ter
clareza sobre que evento aconteceria na história para que fossem
salvos. Essa dificuldade não tornou a fé deles menos firme, pelo
contrário, era substancial. Ainda que não soubessem que evento seria
esse, eles creram na promessa de redenção vinda da parte de Deus.
Por isso também são nossos irmãos em Cristo Jesus, mas não através
da lei:

“Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele


que crê.” (Romanos 10: 4)

27
Formação em Teologia

Aqui a palavra “fim” tem o sentido de finalidade (objetivo), então,


se a lei aponta para Cristo, até mesmo os vestígios da lei, nos livros do
Antigo Testamento, cuja função é expressar a graça divina. E nessa
relação com a lei, os judeus (também puritanos e reformadores)
costumam dividi-la em três pontos:

• Leis civis - Constitui o que se pode ou não fazer, as leis que


regulamentavam a vida civil do povo (agricultura, economia,
educação, etc.).
• Leis cerimoniais - São as leis que tratam e ensinam os rituais
religiosos.
• Leis morais – Definem o padrão moral da sociedade israelita
(não cobiçar, não adulterar, não matar, etc.).

A lei divina dá referência ao ser humano, e, no Antigo Testamento,


deu à Israel o padrão de vida aceitável, mesmo sendo impossível
cumpri-la. Observe a figura do fariseu, que pensa cumpri-la, mas não
a ama pois não exerce misericórdia - a essência da lei. O Novo
Testamento afirma que a lei não é salvação:

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não
vem de vós, é dom de Deus.” (Efésios 2:8)

É necessário o cuidado de não adotar festas e costumes dos


judeus bíblicos, e ainda pior seria usá-las como critério de
espiritualidade. Alertamos para uma forte tendência de “judaização”
da igreja evangélica brasileira, porque tão necessário quanto ler o
Antigo Testamento, é não se deixar circuncidar de novo:

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Formação em Teologia

“Eis que eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes


circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará”.
(Gálatas 5:2)

Um último desafio, na leitura do Antigo Testamento, é reconhecer


a obra do Espírito Santo. Apesar do derramamento do Espírito sobre a
igreja acontecer somente no Livro de Atos (Novo Testamento), Sua
atuação está presente em todo o Antigo Testamento. Às vezes,
esquecemos que a trindade sempre existiu, visto que ela é eterna, Pai,
Filho e Espírito Santo sempre estiveram juntos, e onde tem a ação de
um, tem a ação do outro, e tem a ação dos três.

Bibliografia Sugerida:

Price , Randall Manual de arqueologia bíblica Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas
Nelson. 2020

William W. Klein, Robert L. Hubbard Jr., Craig L. Blomberg; tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017.

Manual bíblico vida nova/ Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida
Nova,2001.

JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Tradução de Vicente Pedroso. Rio de


Janeiro. CPAD, 1990

Price , Randall Manual de arqueologia bíblica Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas
Nelson. 2020

29
Formação em Teologia

Manual bíblico vida nova/ Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida
Nova,2001.

Dillard, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento / Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III ; tradução Sueli daSilva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006

Carson G. K. BEALE E D. A. - Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo


Testamento

Pinto, Carlos Osvaldo - Foco no Antigo Testamento - Ed Hagnos

Bush, Frederic W.; Hubbard, David A.; Lasor, Willians - Introdução ao Antigo
Testamento.

Mesquita, Antônio Neves de - Povos e Nações do Mundo Antigo -Editora: HAGNOS

PHILLIPS, John. Explorando as Escrituras: uma visão geral de todos os Livros da


Bíblia. 2. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005.

SHEDD, Russel. O Novo Comentário da Bíblia. Editora Vida Nova, 1997 DAVIS,

John D. Dicionário da Bíblia. São Paulo: JUERP, s/d

Douglas, J. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo: Edições Vida Nova, 1986.

30
Formação em Teologia

Insight on the Scriptures, 2 vols. EUA: Watch Tower, 1988

RAWLINSON, George. The Historical Evidence of the Truth of the Scripture


Records, 1892.

THOMPSON, Frank Charles. Bíblia de Referência Thompson — Com Versículos


em Cadeia Temática. São Paulo: Editora Vida, 1996

BROWN, Raymond - Entendendo o Antigo Testamento (esboço, mensagem e


aplicação de cada livro) Shedd Publicações

31
Formação em Teologia

32
Formação em Teologia

PENTATEUCO: Contexto Religioso do Antigo Testamento –


Ninrode - Parte 1

Toda a Mesopotâmia e o Oriente próximo sempre foram territórios


muito férteis para práticas espirituais. Antes da formação do povo
hebreu já existiam várias formas de religião, dispostas em diversos
tipos de ritos, cultos e entidades. É nesse cenário de sincretismo
religioso que o povo de Deus é formado, assim como sua fé monoteísta,
e a soma de ambos produziu o Pentateuco, principal livro da religião
israelita (embrião dos evangelhos e do Cristianismo) e uma resposta
ao ambiente altamente idólatra da região. Por essa razão se faz
necessária uma interpretação mais ampla, utilizando as ferramentas
hermenêuticas para se alcançar uma visão macro do mundo daquela
época - cultura, sociedade, religião e governo das civilizações. Por
exemplo, o personagem Ninrode (Gn 10) tem vital importância para a
compreensão do pensamento religioso de um período, e como isso
afetou o povo de Deus.

Nosso intuito é perceber a ação de Deus, com Israel e seus vizinhos,


nestes contextos históricos, e a primeira coisa a saber é que “Penta”
significa cinco, e “Teuchos” significa volume - livros de pele animal.
Logo, o Pentateuco é constituído de cinco volumes (livros), feitos de
peles de animais, que contêm as primeiras palavras de Deus ao seu
povo e o início da Sua revelação.

I Hermenêutica

Talvez essa palavra não seja familiar, porém, hermenêutica é o


conjunto de princípios que usamos para analisar um texto (ou qualquer
tipo de mensagem), isto é, ler, interpretar e compreender. Então,
basicamente, hermenêutica é sinônimo de interpretação, e interpretar
é um movimento natural de todo ser humano, pois por trás de toda
curiosidade e sede de saber (conhecimento) está acontecendo
hermenêutica, ou seja, um processo de analisar e dar sentido às coisas.
Ademais, cada grupo social tem sua própria hermenêutica.

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Formação em Teologia

Escola Alexandrina - Sua abordagem era interpretar a Escritura à


luz da pessoa de Cristo. Apesar disso, entendiam que o sentido oculto
no texto é o mais importante e deve ser alcançado através de uma
revelação espiritual. Atenção a esse grupo, pois aqui surge uma brecha
para pôr no texto qualquer significado, é o método alegórico de
interpretação da Bíblia. Para Orígenes de Alexandria (teólogo do
primeiro século e um dos pais desse método), a Bíblia tem segredos,
portanto, existe um sentido literal, destinado aos judeus (iniciantes), e
outro sentido oculto, reservado aos maduros na fé, os cristãos. Vemos
em Orígenes três níveis de sentido e interpretação correspondentes à
natureza humana de quem os interpreta:

1º Nível (sentido) da carne. Para os indoutos.

2º Nível (sentido) da alma. Para os que fizeram algum progresso na fé.

3º Nível (sentido) do espírito. Para os mais elevados (espirituais). Nesse


ambiente é que funcionam as alegorias.

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Formação em Teologia

Escola Antioquia da Síria - Ensina que o próprio texto dita a


abordagem, se for poesia, que seja lido como poesia, assim numa
metáfora ou história, o leitor tem que estar sensível ao sentido do texto,
considerando:

• O que o autor humano diz;

• Contexto imediato, anterior e posterior;

• Contexto literário;

• Contexto histórico (em que situação foi escrito);

• Com que objetivo;

• Quem era a audiência.

Dessa abordagem nasce o Método Histórico Gramatical, que é o


usado pela tradição cristã protestante ao longo da história.

Reforma Protestante - Tomando distância da interpretação de


Alexandria, desenvolve-se a abordagem da escola de Antioquia. Existia
um ditado popular no século XVI que dizia: “Erasmo botou o ovo e Lutero
chocou”. Se Erasmo denunciava a especulação estéril que se
transformou no método alegórico, foi Lutero que afirma que só a
Escritura tem autoridade divina para os cristãos.

Tradicionais e Pentecostais - Continuam a repetir os dilemas de


interpretação, e mesmo afirmando a centralidade de Cristo, são
afetados em sua percepção e na temática do Espírito Santo, trazendo
à interpretação bíblica conclusões diferentes.

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Formação em Teologia

Arminianos, Calvinistas - A partir do conceito da soberania e da


liberdade, arminianos e calvinistas colocam ênfases diferentes na
soberania de Deus e na liberdade do homem. Isso também afeta a
interpretação que fazem da Bíblia.

Somos confessionais, pois confessamos o Deus a quem servimos.


Mas o grupo a que pertencemos afeta nossa interpretação da Bíblia.
Longe do terreno confessional, existe a Teologia Liberal, que crê que
muitas coisas na Bíblia são antiquadas e inúteis ao mundo
contemporâneo. Bultmann, um desses teólogos, aponta na direção de
uma hermenêutica existencial, onde os leitores da Bíblia devem
considera-la pré-científica, removendo a literalidade de todo evento
pretensamente histórico, incluindo a morte e ressurreição de Jesus. E
sugere que a Bíblia seja usada no intuito de iluminar nossos dilemas
existenciais. Essa visão nos destitui e desconecta da história redentora
de Deus, destinada ao ser humano e à criação. Nesse território, a razão
e o método científico são os critérios máximos de interpretação da
Bíblia, e a esse método chamamos histórico-crítico.

36
Formação em Teologia

II Ortodoxia e ortopraxia cristã

Ortodoxia é o conteúdo. Em uma de suas conferências teológicas,


Russell Shedd foi interrompido por um jovem: “Não queremos saber
mais sobre teologia, queremos que o senhor fale sobre Jesus.” Shedd
responde: “Mas sem ortodoxia, que é a base da nossa fé cristã, de que
Jesus você está falando?”

Muita atenção agora! Podemos falar de Jesus de uma forma


muito genérica, mas se fizermos assim cairemos numa visão
excessivamente romântica e estéril do Evangelho. Falar sobre Jesus é
fundamental, mas a questão é: De que Jesus nós estamos falando?

O primeiro Concílio de Nicéia confirma quem é Cristo para a Igreja


cristã, sendo assim, falar de Jesus fora do que é ensinado na ortodoxia
é heresia. Precisamos conhecer o conteúdo da fé cristã, o que ela tem
a ensinar. Grosso modo, podemos dizer que grupos como pentecostais,
calvinistas, avivalistas e arminianos fazem parte da ortodoxia de Cristo.
Alguns com maior, outros com menor grau de entendimento sobre o
conteúdo da fé cristã. De toda forma, somos irmãos.

Por outro lado, quando falamos de Ortopraxia nos referimos à


prática. Infelizmente, muitas vezes, as igrejas separam ortodoxia da
ortopraxia. Ortodoxia é o conteúdo, a pregação, o ensino. Ortopraxia,
por sua vez, é a prática no dia a dia. Portanto, uma precisa ser
conectada a outra.

Um dos motivos desse “parêntese hermenêutico” na aula sobre o


Pentateuco é denunciar o método histórico-crítico. Esse método olha
sempre para a Bíblia a partir de uma ótica cientificamente
enclausurada, buscando sempre fragmentar o texto bíblico e esvaziá-
lo do poder, da divindade e do sobrenatural. Tal visão se opõe de forma
radical a ortodoxia e a ortopraxia cristã. Ainda que seja verdade, o fato
de que cada grupo cristão, ao longo da história, apresentar limitações
e equívocos práticos e teóricos, devemos permanecer firmes no centro
da nossa fé: Jesus Cristo!

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Formação em Teologia

Voltando à tradição cristã, a partir das especificidades


hermenêuticas, perceberemos que cada um desses grupos cristãos
apresentará características diversas e chegará a lugares ligeiramente
diferentes. Precisamos entender a essência da nossa fé, se quisermos
curar qualquer hermenêutica que esteja desfigurada ou que seja
tendenciosa. E precisamos concordar com o que a fé cristã (ortodoxia)
ensina. Dessa maneira, conseguiremos chegar ao nosso próximo
tópico de discussão, independentemente do grupo hermenêutico ao
qual se pertence.

III Contexto religioso babilônico

O Pentateuco é recebido pelo povo em que período da história?


Mesmo narrando a escravidão do povo hebreu, a história de Moisés, as
dez pragas do Egito, a primeira páscoa e a libertação do povo, somente
após a chegada na Terra Prometida que o Pentateuco aparece como
documento oficial e testemunho.

Todavia, no que o povo acreditava nessa época, quando saiu do


Egito? Que influências ele recebeu da tradição egípcia? É possível
responder essas perguntas com informações simples, comprovadas
pela própria Bíblia. Os hebreus da época já acreditavam em Iavé (um
dos nomes de Deus), mas, ao mesmo tempo, estavam ligados a
inúmeras crenças e superstições. E esse ser humano do Antigo
Testamento, descrito no Pentateuco, é alguém dividido em sua fé, um
povo muito semelhante ao brasileiro, que anda constantemente
misturando complexas informações de vida religiosa. E assim como o
brasileiro, o indivíduo daquele contexto era sincrético, em ideias e
sentimentos religiosos muito misturadas.

Observação: Na Bíblia há referências que seguem esta estrutura,


“Por ventura, os demais feitos de (...) estão escritos no livro (...)”. Esses
Livros da Guerra do Senhor (anterior à Torá) não estão relacionados à
experiência no Monte Sinai, onde o povo reunido recebe a lei, e com ela,

38
Formação em Teologia

a identidade para a vida que teriam. A partir daí, eles são um povo
tornando-se nação, que precisa ouvir e seguir a Deus.

Outra maneira de interpretarmos o Pentateuco é a reflexão sobre


os nomes e os seus significados, que são muito importantes para
entender a relação e o sentido das narrativas e personagens.
Obviamente, recebemos um nome no nascimento, e muitas vezes
vemos no texto bíblico alguém sendo nomeado a partir de uma
percepção dos seus atos, caráter ou de sua história, ou ainda, uma
autonomeação baseada nalgum evento:

“Não me chameis Noemi; chamai-me Mara; porque


grande amargura me tem dado o Todo-Poderoso.” (Rute
1: 20)

“E chamou ao menino Icabode, dizendo: De Israel se foi à


glória! Porque a arca de Deus foi tomada, e por causa de
seu sogro e de seu marido. E disse: De Israel a glória é
levada presa; pois é tomada a arca de Deus.”
(1 Samuel 4: 21,22)

Temos ainda os sobrenomes que são explicativos. Um caso


clássico na Bíblia é o de João Batista, cujo sobrenome vem do grego
“βαπτισμω” (baptismō), que significa mergulho. João Batista é o João
que mergulha as pessoas, e seu sobrenome é uma expressão de
reconhecimento da sociedade. Aprender como foram concedidos
esses nomes ajuda a nos aproximar do personagem, nessa
arqueologia bíblica, de forma a entender o contexto imediato.

Outro personagem é Ninrode, e seu nome aparece poucas vezes


na Bíblia. A palavra Ninrode carrega um significado de preocupação
com fama e glória, e traz a ideia: “O meu nome precisa ser conhecido,

39
Formação em Teologia

e mais importante que os outros”. É como se fosse uma escalada


antiética e imoral rumo ao sucesso e à notoriedade. E o significado
literal da palavra “Ninrode” é rebeldia.

Tendo em mente o que foi apresentado sobre o processo bíblico


de nomear, obtemos uma definição precisa da identidade e o caráter
de Ninrode, assim, tudo o que ainda será discutido sobre o tema
precisa estar à sombra disso. Vimos Ninrode com o fim de entender a
religião babilônica, entender melhor a mente do povo de Deus nesse
período, e assim compreender o Pentateuco. Esse é o nosso caminho,
e influenciará tudo o que será ensinado nas próximas aulas.

Porém, se quisermos saber sobre Ninrode fora do texto bíblico,


devemos nos referir a ele como Sargão de Acádia (ou Sargom).
Enfatizamos a atenção sobre Ninrode, a Bíblia (Gn 10:1-8) nos informa
que ele foi bisneto de Noé, vivendo no período pós-dilúvio, e foi o
responsável por construir as principais cidades de toda região da
Babilônia. Existem outros nomes, posições e fontes históricas que
preenchem a identidade de Ninrode:

• O faraó egípcio Amenotepe III (1408-1369 a.C.)


• O deus patrono de Lagash Ninruta (deus sumério da
guerra)
• Gilgamesh

Quem foi Ninrode - o primeiro grande líder pós dilúvio, dono de um


grande currículo, fundou Babel, cidade que depois se tornaria
Babilônia. Fundou também Nínive, na antiga Assíria, e outras cidades.
Na Bíblia, podemos encontrar citações como esta:

“Esses consumirão à terra da Assíria à espada, e à terra


de Ninrode nas suas entradas. Assim nos livrará da

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Formação em Teologia

Assíria, quando vier à nossa terra, e quando calcar os


nossos termos.” (Miqueias 5:6)

Se a Bíblia relata que Ninrode foi o primeiro a construir as principais


cidades da Assíria (Gn 10:11-12), os documentos extrabíblicos apontam
para Sargom (como dito anteriormente, considerado ser a mesma
pessoa). O texto hebraico em Gênesis (10:9) chama Ninrode de “tsir”, ou
“valente caçador” (literalmente “Campeão do jogo”). Ao longo da
narrativa, Ninrode surge como um grande caçador que competia
diante do Senhor, e podemos entender que caçava homens assim
como caçava animais. Na história da humanidade, Ninrode foi o
primeiro homem a escravizar outra pessoa, e o estudo exegético-
histórico da Bíblia sinaliza isso. Portanto, Ninrode foi o primeiro
escravagista.

No hebraico, a expressão “Diante do Senhor” significa que Ninrode


estava contra Deus, visto que suas ações não eram aprovadas pelo
Senhor. Documentos arqueológicos mostram a Estrela de Istar, de
Sargom (Ninrode), com sete prisioneiros envolvidos no manto da figura
real, e suas cabeças esmagadas. Em outro monumento, Sargão é
retratado numa campanha militar em que houve um massacre e
escravização dos prisioneiros. O primeiro obelisco da Mesopotâmia
retrata a batalha acadiana, na qual soldados inimigos perfurados por
uma lança são suspensos por seus braços e amarrados com coleira,
enquanto abutres e animais devoram suas carcaças.

Ninrode não era alguém que estava em rendição a Deus, pelo


contrário, como o nome diz, ele era alguém que estava em posição de
rebeldia diante de Deus. Lembre-se que ele é fundador de Babel
(Babilônia) e Nínive (Assíria), justamente dois lugares onde o povo de
Deus ficou cativo. Ninrode simboliza carnificina e a oposição absoluta
a Deus e seu povo, seja de forma política, militar ou religiosa, pois,
enquanto Abraão é visto como o pai da fé e ícone de intimidade com
o Senhor, Ninrode é o pai da violência e ícone de prostituição com
vários deuses; enquanto Abraão expressa uma religião saudável,
espiritual, que caminha pela terra e agrada a Deus, Ninrode fica parado

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Formação em Teologia

em si mesmo, faz do seu ego uma torre, e dessa torre um altar carnal e
idólatra para exaltar a maldade.

Mercador de escravos e alguém que está enfrentando e


competindo contra Deus. Esse é o histórico de Ninrode, que nos faz
enxergar esse personagem com outro olhar. Alguém com tão poucas
referências na Bíblia, mas que é demasiado importante para entender
o contexto do Pentateuco.

Ninrode desejava afastar o ser humano de Deus, e a principal


maneira de fazer isso é destruir o “Temor-do-Senhor” existente nas
pessoas, inflamando seus corações com rebeldia e as intimidando
pela violência, pondo-as sob seu poder. Ele as atraía as com a seguinte
ideia: “Seguir a Deus não é bom. Se vocês me servirem, a vida de vocês
vai ser muito mais próspera e muito mais feliz. Vocês vão chegar no
topo.” A venda da felicidade e da autonomia sempre seduziu o ser
humano. Ao invés de estarem debaixo do domínio de Deus, preferiam
estar sob o domínio de Ninrode. Ele seduzia os homens com poder,
conquista, as cidades que construiu e seus feitos militares. Um
personagem que demanda compreensão a partir do real contexto e
significado do seu nome, por meio de uma hermenêutica consistente.
Observe a descrição sucinta, porém fiel:

“E este foi poderoso caçador diante da face do Senhor;


por isso se diz: Como Ninrode, poderoso caçador diante
do Senhor.” (Gn 10: 9)

Sem tantas referências bíblicas, precisaremos de referências


extrabíblicas para entender um pouco mais desse personagem. O livro
citado será Antiguidades Judaicas, um dos livros mais antigos tratando
dessa história, escrito por Flávio Josefo, por volta do primeiro século, a
datação desse livro se aproxima do texto bíblico do Novo Testamento,
sendo a única fonte extrabíblica que temos sobre muitos temas

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Formação em Teologia

históricos importantes à nossa tradição. Josefo traz uma informação


muito curiosa, vinda da tradição oral judaica, na época de Jesus
costumava-se dizer que Ninrode havia construído a torre de Babel para
ficar imune ao dilúvio.

É uma informação instigante, que não está no texto bíblico, mas


traz uma referência preciosa aos nossos estudos. Josefo,
contemporâneo de Paulo e Pedro, descreveu in loco a destruição do
templo, por volta do ano 70 d.C., e o que ele escreve sobre Ninrode
reflete o pensamento judeu do período apostólico sobre esse
personagem. Ninrode fez com que as pessoas acreditassem que se
submeter a Deus era escravidão. Mas escravizava pessoas e as usava
na construção de uma obra inútil e estéril (Torre de Babel), também se
utilizava de suas conquistas militares para as impressionar. Ele
afirmava que Deus escravizava as pessoas e se elas o servissem,
Ninrode então ensinaria o que é ser livre de verdade. Assim construíram
Babel: um projeto de liberdade que não foi baseado em Deus, Babel é
um projeto de fama, sucesso e rebeldia, e sem base em Deus, chegar
aos céus:

“Depois disseram: "Vamos construir uma cidade, com


uma torre que alcance os céus. Assim nosso nome será
famoso e não seremos espalhados pela face da terra."
(Gn 11: 4)

Na história da grande torre está presente a ideia de oposição a


Deus, ela foi um plano de fazer história e deixar um legado descartando
a Deus. Conquistas, sonhos e desejos são desejáveis e até justificados,
mas, se usados em oposição ao que Deus fala, tornam-se incoerentes,
injustos e desnecessários. Ninrode convocou o povo para permanecer
junto e tornar seus nomes conhecidos, porém a ordem de Deus era que
o povo se multiplicasse e se espalhasse. Se não percebemos a sutileza

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Formação em Teologia

desta oposição ficamos vulneráveis à uma falsa autonomia e para


criar e aderir a religiões que apenas são um eco de rebeldia.

“Assim abençoou Deus a Noé e aos seus filhos, e disse-


lhes: sede fecundos e multiplicai-vos e enchei à terra.”
(Gn 9:1)

“E Cuxe gerou a Ninrode; este começou a ser poderoso na


terra. E este foi poderoso caçador diante da face do
Senhor; por isso se diz: Como Ninrode, poderoso caçador
diante do Senhor.” (Gn 10: 8,9)

Entender o que significa ser “um caçador diante do Senhor” é


fundamental, a oposição é visível, e a construção de Babel, descrita em
Gênesis 11, é o símbolo da resistência e desobediência a Deus, pois Ele
nos manda fazer o Seu nome ser conhecido. Essa é a vontade dEle, mas
a vontade de Ninrode é que seu próprio nome seja conhecido. Deus
mandou se espalhar, mas Ninrode mandou ficar.

“E o princípio do seu reino foi Babel, Ereque, Acade e


Calné, na terra de Sinar. Desta mesma terra saiu à Assíria
e edificou a Nínive [...].” (Gênesis 10: 10,11)

O historiador Douglas Petrovich é um dos estudiosos que afirma


que Ninrode é também Sargom. Já Lutero escreve em “Do cativeiro
babilônico da Igreja”, fazendo uma crítica ao papado:

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Formação em Teologia

“Agora estou certo de que o papado é o reino babilônico


e o governo de Ninrode, o poderoso caçador (...). O
papado é a caçada selvagem do Bispo de Roma”.

Se, no tempo dos apóstolos, coube a Josefo revelar o que os


judeus pensavam sobre Ninrode, Lutero também revela o que as
pessoas do seu tempo pensavam sobre esse personagem. Ninrode
fundou Babel, que dará origem à Babilônia, e também criou Nínive, que
originou a Assíria. E justamente todas as cidades a partir daí se
tornarão pedra de tropeço para o povo de Deus.

Bibliografia Sugerida:

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica Thomas Nelson/ Randall


Price e H Wayne House (Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro:
Thomas Nelson. 2020)

KLEIN, William W. ,HUBBARD JR, Robert L. , BLOMBERG, Craig L Cr


(tradução Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson,
2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida
Nova,2001)

LUTERO, Martinho. Uma coletânea de escritos (Tradução Johannes


Bergmann, Arthur Wesley Duck e Valdemar Kroker. São Paulo: Vida Nova,2017)

JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. (Tradução de Vicente Pedroso. Rio de


Janeiro. CPAD, 1990)

45
Formação em Teologia

NICODEMUS, Augustus. A Bíblia e seus intérpretes - Uma breve história da


interpretação (3ª edição- Editora Cultura Cristã 2013)

46
Formação em Teologia

47
Formação em Teologia

48
Formação em Teologia

PENTATEUCO: O Nascimento do Paganismo no


Antigo Testamento - Parte 2

I Cosmovisão do Pentateuco

A cultura e a religião babilônica marcaram profundamente o


cotidiano das civilizações da antiguidade bíblica, afetando a história
do povo de Deus. É extremamente necessário entender o ambiente
cultural babilônico, presente em todo o Antigo Testamento, para
entender as ações de Deus, cujo objetivo é resgatar seus filhos da
idolatria. Nesse sentido, o Livro de Gênesis também tem o propósito de
confrontar a idolatria e incredulidade dos hebreus, que foi a causadora
dos dois grandes cativeiros de Israel. Essa influência babilônica foi
presente não só na história bíblica, mas em outros povos e continua
até hoje.

Lembrando que Ninrode é peça-chave para desvendar a religião


babilônica, por sua vez, a religião babilônica vai ajudar a desvendar o
cenário do Pentateuco. É improvável que Ninrode seja um nome
próprio, já que significa “Rebelde ou rebeldia”, e como já mencionado,
o nome dele é Sargom. Ao se analisar os documentos históricos, vemos
que as relações de Ninrode eram bastante conflituosas, os
historiadores suspeitam que Semíramis, sua mulher, também seria sua
mãe, vale ressaltar que a essa altura Babel e Nínive já haviam sido
construídas.

Segundo a tradição, Sem, filho de Noé e tio-avô de Ninrode, foi


quem o matou, e seguindo a História, Semíramis, esposa de Ninrode,
surge grávida após seu assassinato pelas mãos de Sem. Caçador,
escravagista e conquistador violento, Ninrode é o símbolo duma
sociedade que se rebela contra a vontade de Deus, tendo papel central
em sua organização. A fim de manter a popularidade e dominância de
Ninrode, sua esposa difunde as ideias de permanência e legado:
“Lembre-se que ele é o príncipe dos céus, o deus sol. Ele não morreu.
Enquanto o sol nascer, ele estará conosco e aquecerá nossos
corações.”

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Formação em Teologia

II Nascimento do mito

A partir do momento em que a esposa de Ninrode faz essas


declarações, uma história comum se torna em uma colcha de retalhos
de lendas e assim nasce um mito. As pessoas começam a acreditar
que ela está grávida, não de um simples homem, mas do deus-sol, e
cria-se a ideia de que a gravidez foi gerada pelo espírito do deus-sol.
Este mito é o fundamento da tradição cultural babilônica, e de acordo
com esse mito:

• Ninrode é o deus-sol.
• Semíramis, sua esposa, é a deusa-lua.
• O “filho” de Ninrode e sua esposa é o príncipe dos céus.

Note que saímos da história bíblica e entramos na mitologia


babilônica para entender alguns aspectos do ambiente bíblico, pois a
mitologia do deus-sol/deusa-lua permeia o pensamento de Israel por
toda sua existência. A narrativa do Antigo Testamento é uma pregação
contra a mitologia babilônica e seu tipo de religiosidade, fruto desse
pensamento. No Pentateuco, assistimos a fé judaica brigando contra a
mitologia babilônica e perdendo muitas vezes, porque o mito
babilônico se tornou uma estrutura enraizada na mentalidade do povo
judeu.

III Importância do conhecimento do mito

É importante estudar o mito babilônico, pois a Bíblia enfatiza que é


dessa Babilônia que todas as falsas religiões procedem. O mito
babilônico é o inimigo oculto do judaísmo, que a revelação bíblica
combate. As páginas do Pentateuco desvendam essa batalha, e o Livro
de Apocalipse chega a dizer que Babilônia é a grande meretriz, por
considerá-la a mãe de todas as falsas religiões:

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Formação em Teologia

“A mulher estava vestida de azul e vermelho, e adornada


de ouro, pedras preciosas e pérolas. Segurava um cálice
de ouro, cheio de coisas repugnantes e da impureza da
sua prostituição. Em sua testa havia esta inscrição:
MISTÉRIO: BABILÔNIA, A GRANDE; A MÃE DAS PROSTITUTAS E
DAS PRÁTICAS REPUGNANTES DA TERRA.” (Ap 17:4,5)

IV A deusa-mulher: mito, religião e cultura

O nome “Semíramis” é traduzido em algumas outras línguas como


“Ishtar” que significa “estrela” (o nome “Ester” vem desta etimologia).
Na Bíblia, todas as referências à rainha dos céus estão relacionadas a
Semíramis (esposa de Ninrode). Assim podemos fazer a conexão com
o ambiente bíblico, a própria Ester é um indicativo da presença
babilônica na realidade do povo judeu, e do mesmo modo que temos
no Brasil nomes como João ou José, que são inspirados na tradição
bíblica, há uma personagem bíblica que segue o caminho oposto;
recebeu o nome Ester baseado numa tradição babilônica. Do ponto de
vista do povo de Deus, isso é muito relevante pois influenciou
diretamente o judaísmo, sendo impossível desassociar as duas
culturas.

Esse cenário imemorial criou a figura de Semíramis, uma mulher


símbolo de empoderamento. Atualmente, a própria imagem de
mulheres com os seios de fora, dando a ideia de liberdade, poder e
independência, vem de Semíramis. Tentam expressar inovação,
controle e autonomia, mas usam um antigo símbolo religioso pagão
de coerção e misticismo. Todavia a liberdade real tem outro caminho:

“Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou


mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.”
(Gl 3:28)

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Formação em Teologia

Deve-se questionar a suposta voz da liberdade de Semíramis,


cada vez mais atraente em nossos dias, que se traveste de novidade,
mas destila engano. A religião babilônica se impregnou em nossa
cultura, raptando o imaginário brasileiro, e um exemplo é o filme
chamado “O Auto da Compadecida” (2000), no ápice do filme, quando
um dos personagens é acusado por Satanás e será condenado, quem
resolve a questão, absolvendo o personagem, não é o Pai nem o Filho,
quem resolve é a mãe, a rainha, ela quem tem a palavra final.

V A tríade divina babilônica, as civilizações e a História

Semíramis e Ninrode têm um filho chamado Tamuz, fechando a


trinca babilônica, uma visível oposição e imitação da trindade bíblica
Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. E curiosamente, a imagem de
uma mãe com uma criança no colo não nasce no catolicismo, onde a
vemos com frequência, ela tem origem na Babilônia, e desde a
Antiguidade até hoje, houveram várias versões de uma mulher com
uma criança no colo, e essas variações vistas em muitas partes do
mundo são um eco de Semíramis e de uma religião muito mais antiga,
retratada lá no início de Gênesis – diz a lenda que Tamuz foi atacado
por um animal feroz, e Semíramis convocou todas as suas sacerdotisas
a um jejum de 40 dias, para que Ninrode concedesse a benção de
ressuscitar o seu filho.

É justamente nesse período que surge a ideia da árvore com


presentes, utilizada no Natal. A primeira referência que temos na
história desta árvore representava uma oração, uma prece para que o
deus-sol revivesse Tamuz. Com o passar dos anos, cada cultura
acrescentou elementos e significados, de forma que hoje a árvore de
Natal possui inúmeras referências, num verdadeiro caldeirão de
misturas culturais. E por conta das preces e do poder do deus-sol a
criança reviveu. O mistério de uma mãe com uma criança, que por sua
força, fé e abnegação mudam os rumos da história passa por toda
antiguidade, muitos anos antes de Cristo.

O nome Tamuz, codinome do deus-sol, e a alcunha de rainha dos


céus aparecem na Bíblia, denunciando o fato grave: o povo de Deus

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Formação em Teologia

prestava culto a esses personagens. Enfim, a religião babilônica nasce


da astúcia de Semíramis, atuando ao lado da violência e rebeldia de
Ninrode. Essa tríade babilônica continua influenciando e precisamos ter
cautela:

“A mãe que através da sua intercessão conseguiu


ressuscitar o seu filho, e fazer dele alguém que pudesse
comprovar a veracidade dessa religião.” ¹

VI Uma provocação à nossa profissão de fé

Ao invés de falar sobre anticatolicismo ou antievangelicalismo,


volte-se para si mesmo, vá mais fundo e se pergunte: O quanto da
religião babilônica existe na minha fé? O quanto de misticismo tem na
sua prática religiosa? E a relação entre homem-mulher-filho, cada um
está em seu lugar ou há distorções e manipulação? Quão impregnada
de tradição babilônica anda a sua fé?

Antes de criticar qualquer religião, reflita se a sua fé já foi atacada


por isso (e lembre-se que o apóstolo já nos alertou que “um pouco de
fermento leveda toda a massa.”). Assim, temos a deformação das
relações familiares – traição, abuso, violência, manipulação –, fruto do
declínio moral e baseado na tríade babilônica:

• A figura do homem ausente.


• Uma mulher centralizadora/dominadora.
• Uma criança usada para manipular emocionalmente.

E esse trio babilônio pode ser visto ao longo da Bíblia e da história,


até mesmo sob outros nomes, veja o caso de Semíramis e seus outros
nomes:

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Formação em Teologia

“O nome Astaroth é derivado da deusa fenícia Astarte, um


equivalente da babilônica Ishtar e da suméria Inana. Ele é
mencionado na Bíblia Hebraica nas formas Ashtoreth
(singular) e Ashtaroth. “²

“Salomão seguiu a Astarote, deusa dos Sidônios, e a


Milcom, abominação dos amonitas.” (1 Reis 11:5)

“Os filhos de Israel lançaram fora as baalins e as


astarotes e serviram só a Jeová”. (1 Samuel 7:4)

“Puseram as armas de Saul no templo de Astarote, e


penduraram o seu corpo no muro de Bete-Seã.” (1 Sm
31:10)

“Clamaram a Jeová e disseram: Pecamos, pois deixamos


a Jeová e servimos aos baalins e às astarotes: mas agora
livra-nos da mão dos inimigos, e te serviremos.” (1 Sm
12:10)

“Tornaram os filhos de Israel a fazer o mal à vista de


Jeová, e serviram aos baalins e às astarotes e aos deuses
da Síria, de Sidom, de Moabe, dos filhos de Amom e dos
filisteus; deixaram a Jeová, e não o serviram.” (Juízes 10:6)

“O rei também profanou os altos que estavam defronte


de Jerusalém, à direita do monte de corrupção, que
Salomão, rei de Israel, tinha edificado para Astarote,
abominação dos sidônios, e para Camos, abominação de

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Formação em Teologia

Moabe, e para Milcom, abominação dos filhos de Amom.”


(2 Reis 23:13)

“Falou Samuel a toda a casa de Israel: Se de todo o vosso


coração voltais a Jeová, lançai dentre vós os deuses
estrangeiros e as astarotes, preparai os vossos corações
para com Jeová e servi a ele só; ele vos livrará da mão
dos filisteus.” (1 Samuel 7:3)

“Isto farei, porque me deixaram a mim, e adoraram a


Astarote, deusa dos Sidônios, a Camos, deus de Moabe, e
a Milcom, deus dos filhos de Amom; e não andaram nos
meus caminhos, para fazer o que é reto aos meus olhos,
e para guardar os meus estatutos e os meus juízos, como
fez Davi seu pai.” (1 Reis 11:33)

“Abandonaram a Jeová, e serviram a Baal e a Astarote”.


(Juízes, 2:13)

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Formação em Teologia

Os cananeus, povo pagão que habitava Canaã e cuja terra foi


conquistada por Israel, beberam da tradição babilônica e
multiplicaram os falsos deuses. Os nomes e símbolos variam de tempo
em tempo, cultura e lugar. E a simbologia, em cada caso, transmite a
mensagem e os valores da religião babilônica, de forma que distorça
a relação homem/mulher, assim como a de Deus com o ser humano.

Abaixo, vemos os diferentes nomes dados à tríade babilônica, de


acordo com algumas regiões:

• Egito: Osíris (Ninrode), Isis (Semiramis) e Hórus (Tamus).


• Grécia: Zeus (Ninrode), Afrodite (Semíramis) e Eros
(Tamus).
• Roma: Saturno (Ninrode), Vênus (Semíramis) e Cupido
(Tamus).

E agora, observe os textos bíblicos para notar o pano de fundo


cultural:

“E levou-me à entrada da porta da casa do Senhor, que


está do lado norte, e eis que estavam ali mulheres
assentadas chorando a Tamuz.” (Ezequiel 8: 14)

Perceba que essas mulheres, que faziam parte do povo de Deus,


estavam orando para Tamus. Esse é o pano de fundo que precisamos
enxergar.

“E disse-me: Vês isto, filho do homem? Ainda tornarás a


ver abominações maiores do que estas. Elevou-me para
o átrio interior da casa do Senhor, e eis que estavam à
entrada do templo do Senhor, entre o pórtico e o altar,

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Formação em Teologia

cerca de vinte e cinco homens, de costas para o templo


do Senhor, e com os rostos para o oriente; e eles, virados
para o oriente adoravam o sol.” (Ezequiel 8:15-18)

Ezequiel está falando de mulheres que estavam chorando por


Tamuz, e de homens dentro do Templo de costas viradas. A figura e a
linguagem usadas são poderosas. Note que eles estão de costas
viradas para Deus, adorando o deus-sol, e já sabemos que, dentro da
religião babilônica, o deus-sol é Ninrode.

Seguimos, agora com a leitura de Jeremias 44:14:

“De maneira que da parte remanescente de Judá, que


entrou na terra do Egito, para lá habitar, não haverá
quem escape e fique para tornar à terra de Judá, à qual
eles suspiram voltar para nela morar; porém, não
tornarão senão uns fugitivos. Então responderam a
Jeremias todos os homens que sabiam que suas
mulheres [...]

[...] queimavam incenso a deuses estranhos, e todas as


mulheres que estavam presentes em grande multidão, e
também todo o povo que habitava o Egito, dizendo:
Quanto à palavra que nos anunciaste em nome do
Senhor, não obedeceremos a ti; mas certamente
cumpriremos toda a palavra que saiu da nossa boca,
queimando incenso à rainha dos céus, e oferecendo-lhe
libações, como nós e nossos pais, nossos reis e nossos
príncipes, temos feito, nas cidades de Judá, e nas ruas de
Jerusalém; e então tínhamos fartura de pão, e
andávamos alegres, e não víamos mal algum. Mas desde

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Formação em Teologia

que cessamos de queimar incenso à rainha dos céus, e


de lhe oferecer libações, tivemos falta de tudo, e fomos
consumidos pela espada e pela fome. E quando nós
queimávamos incenso à rainha dos céus, e lhe
oferecíamos libações, acaso lhe fizemos bolos, para
adorá-la, e oferecemos-lhe libações sem nossos
maridos?”

Esse texto é incrivelmente revelador em relação à idolatria, e


revela o cerne da história que estamos estudando. Jeremias traz uma
palavra sobre o cativeiro e o juízo de Deus, que estava vindo sobre o
povo. Ele denuncia o quanto o povo estava mergulhado em idolatria e
longe de Deus. Primeiramente, Jeremias endereça a palavra profética
às mulheres, e surpreendentemente, com o coração cheio de rebeldia,
elas responderam que continuariam (como visto na citação acima),
elas estão dizendo que preferem adorar a Semíramis, a rainha dos
céus, do que ouvir a voz do Senhor, e ainda ironizam dizendo que os
seus maridos também preferem Semíramis, pois estavam eles
estavam junto delas no culto à rainha do céu.

Casais idólatras, cúmplices no pecado e na dureza de coração,


diziam que todo o caos que recaiu sobre o povo foi porque eles
pararam de adorar à Semíramis. Um povo tão confuso e tão cego que
não percebia que o cativeiro aconteceu justamente porque foram
engolidos pela religião babilônica. Um povo que não conseguia mais
ouvir.

“Ouve, oh Israel, seu Deus é o único Senhor.” (Dt 6:4)

Corre-se o risco de ficar cego para as práticas de idolatria e


rebeldia quando não se entende a cultura babilônica presente na
Bíblia, e essa matriz religiosa não está presente somente no
Pentateuco, mas ao longo de todo o Antigo Testamento. Vemos a

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Formação em Teologia

batalha entre a fé verdadeira e o paganismo idólatra, e também


podemos ver de onde vêm esses ídolos:

“E fez mal aos olhos do Senhor porque voltaram as suas


faces para religião da Babilônia e toda vez que eles se
voltavam a religião da Babilônia eles faziam o que era
mal aos olhos do Senhor. Porém, os filhos de Israel fizeram
o que parecia mal aos olhos do Senhor; e o Senhor os deu
na mão dos midianitas por sete anos.” (Juízes 6:1)

“E fez o que era mal aos olhos do Senhor, conforme as


abominações dos gentios que o Senhor desterrara de
suas possessões de diante dos filhos de Israel.” (2 Reis
21:2)

“Tinha Manassés doze anos quando começou a reinar e


cinquenta e cinco anos reinou em Jerusalém. E fez o que
era mal aos olhos do Senhor, conforme as abominações
dos gentios que o Senhor lançara de diante dos filhos de
Israel.” (2 Crônicas 33:1-2)

Precisamos compreender que o Livro de Gênesis é escrito com


intuito de confrontar a incredulidade e a idolatria existentes no coração
da nação, cuja fonte era a religião babilônica. E nesse momento pode-
se pensar na influência da religião egípcia, porém ela é uma cópia,
derivada da Babilônia.

A essa altura dos nossos estudos podemos ver que parte do


conteúdo do Pentateuco é feito de relatos históricos compostos, em
certa medida, de narrativas simples em terceira pessoa, ou ainda de
memórias em primeira pessoa, e são gêneros textuais que tendem a,
talvez, não trazer um conteúdo devocional muito óbvio, por isso o leitor
da Bíblia precisa enxergar o contexto maior. Existe ainda as listas

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Formação em Teologia

genealógicas e as narrativas heroicas, que apresentam personagens


bastante importantes que devem ser lembrados, pois esse tipo de
narrativa visa fixar na mentalidade do povo padrões comportamentais
e éticos, sendo assim, as falhas e derrotas desse personagem são tão
importantes quantos suas virtudes e sucesso, uma vez que revelam os
valores insubstituíveis e absolutos.

Concluindo, também não podemos esquecer que parte do


conteúdo do Pentateuco é história profética, isso significa que narra
eventos na medida em que critica teologicamente o mundo no qual os
leitores da história vivem, trazendo o propósito duplo, tanto de edificar
os leitores e apresentar um modelo de vida onde Deus está no governo
de todas as coisas, quanto o desejo de reestruturar a visão de mundo
dos leitores e radicalmente reformar seus valores. Então, será
precisamos de alguma reforma?

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Formação em Teologia

Notas

1 : W. Porte

2: Fonte – Wikipedia

Bibliografia sugerida

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall


Price e H Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro:
Thomas Nelson. 2020)

W. KLEIN, William. ROBERT L, Hubbard Jr. CRAIG L, Blomberg (tradução


Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova/ Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida
Nova,2001.

Dillard, Raymond B. DILLARD, Tremper. Introdução ao Antigo Testamento


Raymond B. (Longman III ; tradução Sueli daSilva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova,
2006)

BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento - esboço, mensagem


e aplicação de cada livro (Shedd Publicações)

Carson G. K. BEALE E D. A. Comentário do Uso do Antigo Testamento no


Novo Testamento

PINTO, Carlos Osvaldo. Foco no Antigo Testamento (Ed Hagnos

61
Formação em Teologia

BUSH, Frederic W. Hubbard. David A. LASOR, Willians. Introdução ao Antigo


Testamento.

MESQUITA, Antônio Neves de. Povos e Nações do Mundo Antigo (Editora:


HAGNOS)

PHILLIPS, John. Explorando as Escrituras: uma visão geral de todos os


Livros da Bíblia. (2. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005)

SHEDD, Russel. O Novo Comentário da Bíblia. (Editora Vida Nova, 1997)

DOUGLAS, J. O Novo Dicionário da Bíblia. (São Paulo: Edições Vida Nova,


1986).

Insight on the Scriptures, 2 vols. (EUA Watch Tower. 1988)

RAWLINSON, George. The Historical Evidence of the Truth of the Scripture


Records (1892)

THOMPSON, Frank Charles. Bíblia de Referência Thompson — Com


Versículos em Cadeia Temática. (São Paulo: Editora Vida, 1996)

BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento- esboço, mensagem


e aplicação de cada livro (Shedd Publicações)

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

PENTATEUCO: Cosmogonia - A Origem de Todas as


Coisas - Parte 3

I A história antes da história

Antes de entrarmos diretamente no Livro de Gênesis, vamos


estudar sobre a maneira que os povos, em especial egípcios e hebreus,
entendiam a criação das coisas; uma visão que expressa, não só como
tudo veio a existir, mas a ideia de mundo presente na mentalidade
desses povos. Precisamos conhecer as cosmogonias, além da visão
judaico-cristã, porque elas explicam como as nações se relacionavam
com o tema divindade e como interagiam com o sobrenatural,
influenciando as ações e eventos que vemos na Bíblia.

Cosmogonia é um grupo de doutrinas ou princípios que explicam


a origem do universo e das coisas dentro dele (e até mesmo a origem
de um “deus”). Tais princípios podem expressar uma cosmogonia
científica, mítica, religiosa, etc., assim, no caso dessas civilizações
antigas, vemos uma cosmogonia religiosa apresentada numa
narrativa (exposição de acontecimentos) que contém a teoria
explicando a origem de tudo.

Também era comum, entre nações e culturas, haver muitas


explicações para a origem do mundo, que competiam por prestígio e
pelo afeto do povo, por exemplo, em uma cidade havia uma
cosmogonia “A”, enquanto noutra cidade predominava uma
cosmogonia “B”, criando-se rivalidade entre ambas. Vale ressaltar que
nem todos que saíram do Egito, rumo à Terra Prometida, acreditavam
em Iavé como sendo o criador de todas as coisas, alguns misturavam
várias cosmogonias vindas de muitos lugares, como Enûma Eliš, que é
o mito de criação babilônio (herdado pelos egípcios), e um dos mais
conhecidos, além de outros que veremos. Enfim, o pensamento da
Antiguidade em relação ao início dos tempos era bastante sincrético e
até divergente da cosmogonia narrada no Livro de Gênesis.

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Formação em Teologia

Contudo, se todos os povos tinham uma cosmogonia, isto é, seu


jeito de explicar a formação das coisas – como no Egito, em que havia
várias formas de explicar essas origens –, o que há de especial na
cosmogonia judaico-cristã? Talvez seja o jeito único no ensino da
relação criação-criador, onde Deus é único e está “fora” da criação, até
mesmo entre historiadores céticos, existe a percepção de que nenhum
povo tinha explicado a criação da forma que os hebreus o fizeram, e
nesse sentido, a cosmogonia israelita é vista como incrivelmente
original.

II O pensamento dos hebreus antes da cultura judaica

Atualmente, dezenas de cosmovisões disputam o coração e a


mente da sociedade, só para citar algumas: Estoicismo, Gnosticismo,
Existencialismo, Capitalismo, Marxismo, Dualismo, Pragmatismo,
Niilismo e assim por diante, de modo que muitas vezes acreditamos em
ideias cuja fonte é uma dessas filosofias ou outras, e infelizmente, na
maioria dos casos nem nos damos conta disso. Não foi diferente com
o povo de Israel, ex-escravos recém libertos, analfabetos, ignorantes
em muitos sentidos e primitivos em todos os aspectos, o povo hebreu
foi seduzido várias vezes ao longo de sua história por ideias, filosofias,
religiões e cosmogonias que ofenderam o Senhor, e para trata-los,
preveni-los e protegê-los do paganismo dos povos ao redor, Deus
levantou como líder deles Moisés, um homem altamente inteligente e
erudito, educado em toda cultura e conhecimento, e que sabia das
crenças e idolatria para desviar o povo de Deus dos enganos.
Sobretudo, Deus lhes deu a cosmovisão definitiva através do
Pentateuco (Torah) para que assim o povo pudesse se tornar a nação
que deveria ser, desenvolvendo-se como país (economia, política,
segurança, saúde, educação, meio-ambiente, cidadania, religião, etc.)
por meio do Pentateuco.

Ainda tendo em mente o Pentateuco, vemos que o povo está


saindo do Egito, e não só isso, estava saindo de um festival de deuses,
mitos e cosmogonias. Junto disso, o Senhor estava ministrando

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Formação em Teologia

sabedoria ao povo, para verem que a diferença entre “o que se crê” e


“o que se entende” cria distorção e divisão, compromete a identidade
e afeta os relacionamentos, tanto entre pessoas, como com Deus. O
Pentateuco é um espelho que mostra o estado em que Israel se
encontra, também aponta o mal que originou seu problema e o
remédio para tal, e a raiz do seu pecado é uma cosmogonia que cria
uma cosmovisão que os desvia de um estilo de vida aprovado pelo
Senhor.

O Pentateuco mostra que a fé é protegida pelo coração, e o


coração é protegido pela mente (conhecimento - cosmovisão), isto é,
a vida é protegida pela maneira como vemos e entendemos o mundo
e a existência (Cosmovisão) a partir da fonte (Cosmogonia) que
aceitamos. Foi assim no deserto com Israel, é assim no deserto
conosco. O agora é como foi no passado, outrora o Pentateuco
forneceu ao povo de Deus uma cosmogonia/cosmovisão que o tornou
íntegro e pleno, dando-lhe solidez e direção, e não precisariam mais
ficar quebrados e perdidos. O Senhor pode fazer o mesmo por nós,
assim como o fez com Abraão, Isaque, Jacó, José e Israel, dirigindo-os
e conduzindo-nos, para poder morar em terras enganosas e idólatras,
mas vibrantes e férteis se habitadas debaixo de um relacionamento
com o Deus Pai, trazendo cura à terra, prosperidade à vida e saúde ao
nosso interior.

III Cosmogonia das cidades egípcias

As cosmogonias egípcias são explicadas através de documentos


e artefatos históricos encontrados no decorrer da história. Neste
momento não abordaremos a história bíblica, mas com base nas
descobertas arqueológicas, responderemos: Qual era o sistema de
crenças do povo egípcio? Como criam na vida? Quem era o deus dos
egípcios? Quem era esse homem egípcio que estava em contato com
os israelitas?

Um dos vizinhos de Israel, antes de tudo, falamos de um povo que


é politeísta, ou seja, que crê em várias divindades. Na narrativa dos
egípcios sobre a criação, vários deuses estão envolvidos, através de

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Formação em Teologia

uma estrutura básica presente em praticamente todas as


cosmogonias egípcias. Lembre-se que um mesmo povo poderia ter
várias explicações para a origem da vida, por exemplo, imagine que
você está no Rio de Janeiro, e existe uma cosmogonia carioca; quando
está em São Paulo, você se depara com uma cosmogonia paulista; em
Minas Gerais a cosmogonia é completamente diferente. Para cada
lugar existe uma explicação de como a vida surgiu, quem a criou e a
sustenta.

Abaixo, conceitos básicos da estrutura da cosmogonia egípcia


mais popular:

• Num - A divindade essencial, originária das águas


primordiais, onde tudo é criado. Curiosamente, tempos
depois, vamos encontrar na filosofia grega o pensamento
de que tudo se origina da água.

• Atum - Também conhecido como Amon-Rá, criou todas as


coisas na natureza. Existe uma hierarquia dentro da criação,
Num gera Atum, que gera todos os seres viventes. Esse é o
pensamento básico da cosmogonia egípcia em que se
acreditava.

Heliópolis - Mais conhecida como a Cidade do Sol, se localiza ao


sul da cidade do Cairo. Sua principal divindade é Rá, o grande criador.
Provavelmente, você o viu em filmes que retratam o antigo Egito. Em
Heliópolis, Rá é o grande criador, Atom (Atum) faz a atmosfera (Shu)
com um cuspe. Shu (Atmosfera) e Tefenut (Umidade) criaram Geb, que
é a terra. Nut é o firmamento.

De saída do Egito, e durante a passagem pelo Mar Vermelho,


muitos hebreus tinham o pensamento distorcido, duro e incrédulo,
passavam por uma guerra interna entre crendices e a fé no Deus único.

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Formação em Teologia

Ao caminhar no deserto, lembravam do Egito e suas cosmogonias,


lembravam que no Egito havia o Atom, Nut e se perguntavam: Será que
vale a pena seguir esse Deus chamado Iavé? Será que ele é confiável?
Como eles lidavam com esse fato? Estavam divididos, mas alguns se
convenceram e se renderam ao Senhor (caso do próprio Moisés),
contudo, muita gente não, ocasionando todos os problemas que
vemos no deserto. Realmente, a religião egípcia deixou uma grande
marca no coração hebreu.

Mênfis - foi a grande capital nos períodos antigo e médio da


história, sua divindade principal era Ptah, e a criação acontecia a partir
da palavra e do sexo.

Essa cosmogonia apresenta um elemento familiar, como um eco


da história de Gênesis, mostrando a criação como uma atividade
artística e feita com beleza. Talvez seja uma das poucas narrativas
egípcias que exibem essa característica. A relação de um artesão com
sua obra-prima, a natureza. A maioria das cosmogonias é violenta e
dramática.

IV Cosmogonia de Enuma Elish

A divindade principal é Apso, o seu poder era a água doce, e ele


era casado com Tiamat, a deusa do mar.

Existiam vários deuses violentos que estavam promovendo o caos.


Eles foram criados pelo próprio Apso, que, ao perceber a situação
fugindo do seu controle, resolve matar todos esses deuses para
resolver o caos criado por tanta violência, é quando outro deus,
chamado Ao, fica sabendo do plano de matar os deuses e assim, Ao
mata Apso.

Essa cosmogonia explica que a vida começa numa briga de


deuses, da mesma forma que a mitologia grega mostra rivalidade e
conflito entre os deuses.

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Formação em Teologia

V O pensamento filosófico-religioso e a Babilônia

A religião mitológica babilônica é a matriz de todo pensamento


filosófico religioso corrompido. As religiões de todos os povos, que
cruzaram o caminho do povo de Deus ao longo da Bíblia, são variantes
e adaptações. Veja os paralelos entre uma cosmogonia e outra:

Danka, que era a esposa de Ea, dá à luz a Marduk. Como foi dito,
Apso é assassinado por Ao. Tiamat, que era a esposa, jura vingança e
se casa com outro, chamado Kingu. Ea, mais uma vez, descobre o plano
e começa uma guerra mitológica entre os deuses egípcios, numa
verdadeira briga por território. Marduk assume o reino. Primeiro ele
passa no teste criado por Tiamat para ver quem seria seu general
nessa batalha por vingança. Depois Marduk, mostrando o seu valor e a
sua força, toma o reino de Apso, que é o criador dos deuses. Por fim,
Marduk se revolta e luta contra Tiamat. Seu triunfo o torna o grande
vencedor entre os deuses. A criação é um resultado dessa guerra O fim
da guerra é estabelecido por ele.. Começa com Marduk porque, das
tripas de Tiamat, ele faz o ser humano, a terra e tudo que existe.

Percebemos que a cosmogonia egípcia do Enuma Elish explicava


que o criador de todas as coisas foi Marduk. Da saliva da Tiamat,
Marduk cria chuva. Chamamos a sua atenção para um detalhe:
Babilônia é conhecida nos escritos antigos como “Cidade da chuva”.

O artefato que narra e explica essa cosmogonia é uma pedra


antiga chamada “Pedra Branca”, encontrada durante escavações
arqueológicas, nessa pedra está escrito toda a narrativa do Enuma
Elish. Ela termina com louvores a Marduk e dizendo os 50 nomes de
Marduk, o “deus sol”.

Entretanto, qual a importância disso para o nosso estudo? Marduk,


o criador na cosmogonia babilônica, é “o deus-sol”, ou seja, Ninrode, o
personagem que temos estudado até agora.

Neste ponto há uma fusão entre um ser humano real, chamado


Sargom, identificado na Bíblia como rebelde (Ninrode), e uma narrativa

70
Formação em Teologia

mitológica, de forma que fica impossível saber a fronteira entre o


homem e o mito. Ninrode é fundamental para entendermos os cinco
primeiros livros da Bíblia, e esse pano de fundo é o ponto de partida
para entendermos a forma de ler o Pentateuco.

VI Intenção hermenêutica do Pentateuco

A criação é o ato inicial e fundamento da revelação, assim, Deus


começa a se revelar ao homem através da sua criação, gerando os
seguintes resultados:

• Fortalece a fé;
• Dá confiança;
• Fonte de consolo, louvor e gratidão;
• Ensina humildade e mansidão.

Surpreendentemente, o Livro de Jó mostra que o consolo chega à


vida de Jó quando ele é impactado por um conhecimento profundo do
Deus que cria e governa todas as coisas. A doutrina da fé só pode ser
entendida a partir da própria fé (Hebreus 11.3), e de maneira nenhuma
pode ser subestimada pelos cristãos.

VII Creatio Ex Nihilo

“Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da


terra. E em Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor, o
qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem
Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e
sepultado, desceu ao inferno, no terceiro dia ressuscitou
dos mortos, subiu ao céu, e está sentado à direita de
Deus Pai Todo-Poderoso, donde há de vir a julgar os vivos
e os mortos. Creio no Espírito Santo, na santa Igreja Cristã

71
Formação em Teologia

- na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na


ressurreição da carne e na Vida Eterna. Amém.”
(Catecismo Menor – Lutero)

Apesar das muitas variações e deformações, a igreja cristã nunca


teve dificuldade de entender que Deus é o criador de tudo. A palavra
criar em hebraico tem uma peculiaridade, “Bara” só é usada para se
referir ao ato criativo do próprio Deus, o mesmo pode ser dito das
palavras em grego no Novo Testamento: ktizien (Mc 13:19); poien (Mt
19:4); phemelionun (Hb 1.10) e plassein (Rm 9:20).

A expressão “Creatio Ex Nihilo” significa “Criar a partir do nada”, e


isso traz algumas dificuldades, a primeira é a contestação de
Aristóteles, “Ex nihilo nihil fit.” (Nada é feito do nada). O argumento
postula que existe uma causa para todas as coisas, logo, tudo precisa
ser “causado”. A criação bíblica não é necessariamente uma oposição
a esse raciocínio lógico, e o detalhe crucial é que a causa da criação
não é material e sim espiritual e divina. Além disso, jamais será possível
explicar como tudo foi criado apenas pela matéria, em última análise,
a “matéria” não pode jogar luz suficiente na real causa da criação.

Resolvida a causa, partimos para a segunda questão, que está


relacionada aos meios. Há especulações de que Deus possa ter
iniciado Sua criação a partir do caos, é o que muitos sugerem ao
analisar a expressão de Gênesis 1 “A terra era sem forma e vazia”. Pelo
raciocínio cristão, entendendo que a matéria não é eterna, então tudo
foi criado pelo “poder da Sua palavra”, Deus falou e então as coisas
vieram a existir, e ainda que o caos faça parte do ato criativo de Deus,
isso não muda o fato da Creatio Ex Nihilo.

VIII O Pai, o Filho e o Espírito Santo na criação

Deus criou todas as coisas por meio do Filho (Salmo 33:6;


Provérbios 8: 22; João 1:3; João 5: 17; I Coríntios 8:6; Colossenses 1: 15-17;
Hebreus 1:3) e por meio do Espírito (Gênesis 1:21; Salmo 33:6; Jó 26:13; Jó

72
Formação em Teologia

33:4; Salmos 104:30; Isaías 40:13; Lucas 1:35). Analisando, perceberemos


que o Filho e o Espírito Santo não podem ser vistos como meros agentes
secundários, e o pensamento contrário à trindade vem de uma
teologia equivocada sobre Deus e a criação.

Arianos, Socinianos e Remonstrantes, ao sabotarem a doutrina da


criação, tornam a trindade invisível no texto sagrado, segue o
argumento: Se o Pai incumbiu o Filho de criar, logo, o Filho é o
verdadeiro Criador. O Filho é Deus! Por outro lado, se o Pai e o Filho
criaram juntos não se trata de uma criação “pelo” Filho, mas “com” o
Filho. A Bíblia é muito clara em afirmar a criação “por” e “pelo” Filho,
some-se a isso o fato de que o uso da palavra “Bara”, e seus
equivalentes em grego (como já foi visto), é exclusividade do ato
criativo de Deus. Essas palavras são factíveis tanto ao Filho como ao
Espírito Santo.

IX O objetivo da criação

A vontade de Deus - Para o cristão é importante reconhecer que


não há nada maior, mais agradável e perfeito que a vontade de Deus,
como ensina Paulo (Rm 12:2), se perguntarmos por que Deus criou o
mundo e o homem, nenhuma resposta é completa sem mencionar a
vontade de dEle, que criou porque quis criar:

“Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder;


porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e
foram criadas.” (Apocalipse 4: 11)

A bondade de Deus - Deus não criou o mundo por alguma


necessidade ou para receber alguma coisa, mas para dar e
comunicar-Se. A razão para a criação é a Sua bondade e amor, não
para consigo mesmo, mas para com os seres humanos.

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Formação em Teologia

A glória de Deus - O objetivo final de toda a criação é a glória de


Deus. Toda obra das mãos de Deus está diretamente ligada à Sua
glória, pois não existe nada mais nobre e mais excelente, nada mais
puro e mais digno.

“A todos os que são chamados pelo meu nome, e os que


criei para a minha glória: eu os formei, e também os fiz.”
(Is 43:7)

“E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo,


para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade,
para louvor da glória de sua graça, pela qual nos fez
agradáveis a si no Amado.” (Efésios 1: 5,6)

O mundo foi feito por esta razão, para que pudéssemos nascer. E
nascemos para poder conhecer o criador do mundo e nosso Deus. E
“Nós o conhecemos para que pudéssemos adorá-Lo.” ¹

X Cosmovisão e criação

Devemos entender que, assim como as cosmogonias egípcias


afetaram a forma do povo de Deus se perceber e se relacionar com o
Senhor, a cosmovisão cristã equilibra o modo como lidamos com tudo
ao redor. O cristianismo superou o desprezo pela natureza, que torna o
ser humano em um predador cruel, que destrói e desfaz o meio
ambiente e toda criação em geral. Na rota oposta, o cristianismo
superou a deificação da criação, que torna qualquer elemento da
natureza, inclusive o próprio ser humano, em um alvo de adoração. O
homem que transforma a natureza num deus se torna refém de todo
tipo de idolatria e superstição.

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Formação em Teologia

XI Hermenêutica do Pentateuco

De volta à hermenêutica, encontramos, de um lado, a matriz do


pensamento religioso babilônico, e do outro, o darwinismo do
pensamento evolucionista. Usar as “lentes” de Darwin para interferir na
leitura do Pentateuco é um problema grave e, infelizmente, cada vez
mais comum. Ler o Pentateuco de acordo com a ótica evolucionista faz
pouco sentido e traz muita confusão.

Precisamos nos despir dessas estruturas, seja babilônica,


evolucionista ou qualquer outra, para que o texto volte ao seu lugar de
origem: ser a voz de Deus, tendo em nós primazia.

Por mais que muitos na comunidade científica queiram jogar a


ciência contra a fé, não são as descobertas do Darwinismo que
rivalizam com nossa fé, a oposição real são as filosofias, que sempre se
opuseram ao pensamento e fé judaico-cristã, como as denominadas
Materialismo e Naturalismo.

Evolução não é uma criação da modernidade, os filósofos gregos,


como Anaxímenes, Heráclito (evolução panteísta), os Atomistas
(evolução materialista) e Aristóteles já ensinavam certo tipo de
evolução. Segundo Haeckel, Darwin não descobriu fatos novos, o que
fez foi utilizar/combinar os fatos com exclusividade, sintetizando o
pensamento em sua teoria das espécies. Então temos:

• Luta pela vida - Cada ser é forçado a se desenvolver e se


aperfeiçoar. Caso contrário, perecerá.

• Seleção natural - A própria natureza seleciona aqueles que


são melhor constituídos (a fêmea dá preferência ao macho
mais aperfeiçoado).

• Transmissão do aperfeiçoamento - As propriedades


positivas adquiridas na luta pela sobrevivência são
transmitidas à descendência.

75
Formação em Teologia

O que precisa ser esclarecido é que o darwinismo junta fatos


biológicos com filosofia monista. O Monismo estabelece que uma
potência pura (átomos, caos ou células) é o mesmo que nada, e a
partir disso, do “nada”, tudo pode se desenvolver. Não cabe ao estudo
atual usar contra-argumentos científicos, mas explicitar:

• O pensamento evolucionista não é uma novidade.

• O que afasta o pensamento cristão do evolucionismo.

• Percepções simples da nossa fé que demonstram que o


Deus criador sustenta a tudo em graça.

Quanto ao segundo argumento, pode-se dizer que o


evolucionismo prega que seres superiores são formados a partir de
seres inferiores. Seguindo essa ideia, o homem descende do macaco.
O ponto de contestação é o seguinte: Se o homem foi criado à imagem
de Deus, é incompatível vincular seu surgimento a imagem de um
macaco. Finalmente, a nossa fé nos dá um testemunho inequívoco de
que a teoria da evolução é insustentável. Se, por um lado essa teoria
ensina que na luta pela sobrevivência os mais fortes sobrevivem, por
outro a própria Biologia contesta essa premissa, pois os organismos
tidos como “inferiores” ainda existem. A fé não briga com a Biologia,
mas a corrobora, ensinado que sobrevivemos apesar das nossas
fraquezas. Não foram as nossas fraquezas pessoais a causa da nossa
destruição. O Deus da graça, criador, é o mesmo Deus que mantém o
universo, e todos os organismos, sejam superiores ou inferiores, para o
louvor de Sua glória.

76
Formação em Teologia

XI Os Rivais do criacionismo de Gênesis

Os verdadeiros rivais à forma cristã de ler Gênesis precisam ser


revelados, e são justamente essas duas filosofias que se transvestem
de ciência e agridem o pensamento cristão. Ao resistir à criação divina,
ou rejeitar a Deus como criador, sobram duas alternativas: ou se
explica a matéria a partir da mente, ou se explica a mente a partir da
matéria. O primeiro caso é a premissa do panteísmo, enquanto o
segundo caso constrói o materialismo.

Panteísmo - Retrata o universo como procedente de um princípio


básico (Deus), sendo o próprio universo a emanação de Deus. Spinoza
é o pensador que restaura o Panteísmo ao lugar de honra na filosofia
moderna. No pensamento de Spinoza, Deus e o mundo se relacionam
como essência e forma, isto é, são a mesma coisa, vistas de ângulos
diferentes. De acordo com esse raciocínio, Deus não é a causa de tudo,
mas é o próprio tudo. Esse conceito pode ser visto nas religiões e
filosofias orientais, revelado em frases como: “O Deus que habita em
mim saúda o Deus que habita em você”.

Materialismo - Pensamento que busca explicar a criação de


todas as coisas a partir de átomos materiais indestrutíveis, onde
processos físicos e químicos, obedecendo à leis fixas, são responsáveis
pela criação do universo. O materialismo tem raízes na filosofia grega,
mas reaparece na Alemanha do século XIX, através de Feuerbach, o pai
do materialismo alemão.

O Materialismo admite a multiplicidade de “princípios


causadores”, os quais são entendidos como partículas indivisíveis da
matéria. De fato, é uma filosofia edificada sobre a negação de toda a
filosofia, e por isso é inerentemente autocontraditória, pois rejeita tudo
o que é absoluto e, ao mesmo tempo, faz com que os átomos sejam
absolutos.

77
Formação em Teologia

Nega a existência de Deus e deifica a matéria. Se tudo que existe


são átomos, de onde vem a pretensão de explicar aquilo que não é
material (metafísico)? Tão grandiosa quanto o mistério da existência
do espírito, é a explicação para o significado da matéria. O
reducionismo da filosofia materialista não consegue fugir do mistério,
seja em explicar o que é espírito, seja em explicar o que é matéria.

XII Mito ou História?

É possível que você tenha uma resposta a esta pergunta: Gênesis


1 é mito ou história? Se não compreendermos que o pensamento
hebraico trabalha com intencionalidade, jamais faremos a leitura
correta do texto bíblico. Somos treinados a pensar dentro de um
mecanicismo, abrigado na funcionalidade do pensamento grego. E
esse pensamento nos leva a perguntar: Como funciona? Para que
serve? E quando essa forma de pensar olha para a narrativa de
Gênesis, quer saber como o céu foi criado, como a lua foi criada e
quando foi. O pensamento grego busca uma explicação técnica e
funcional para as coisas, sendo que a mentalidade bíblica não se
propõe a explicar a mecânica do universo, e sim revelar a intenção do
autor. Então a pergunta certa a se fazer ao ler o texto é: Qual é a
intenção?

Insistimos, ao inspirar pessoas para escrever o Pentateuco, o


Espírito Santo mostra Sua finalidade: combater a idolatria das pessoas
recém libertas do Egito.

Este estudo busca criar uma nova percepção que auxilie o olhar
do leitor da Bíblia. Assim, durante a leitura dos cinco primeiros livros da
Bíblia, recomendamos que você NÃO se limite à questão “Como
funcionam as coisas?”, mas, sim, à verdadeira intenção que a Escritura
apresenta, pois da mesma forma que o texto bíblico ministrou ao
coração daquele povo necessitado, eu e você também precisamos
desses cinco livros em nossas vidas. O Pentateuco é um instrumento
que combate e nos protege contra a tendência de criar deuses falsos,
de criar falsas explicações para vida, de explicar as coisas do nosso

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Formação em Teologia

jeito e esquecer de que, se existe um criador, é Ele quem organiza a


vida, mesmo quando não entendemos.

Além disso, ao cabo desses muitos conceitos, ficarão algumas


perguntas: a narrativa do Pentateuco é mitológica com sentido
espiritual, é meramente mitológica, ou é histórico-teológica? A escolha
definirá os resultados do tipo de leitura que fazemos, um deles é o
método histórico-crítico, que faz sua escolha esvaziando o sentido
espiritual e teológico, confinando o discurso bíblico a uma versão
existencialista e pós-moderna da fé judaico-cristã, ficando confinada
a meros insights ético-morais. Esse método tem o seu embrião em 1779,
por meio da afirmação de um estudioso que simplesmente dizia que
havia poesia na Bíblia. Tal afirmação encontra na sociedade da época
um espírito racionalista, de desconfiança crescente, e a noção de que
existe “poesia” foi atacada através do uso dessa desconfiança como
“método” para ler o texto bíblico. Assim, antes, o texto bíblico era
entendido como revelação, a narrativa da intervenção de Deus na
história. Posteriormente, nessa época de primazia pela racionalidade,
na mão dos críticos, a Escritura foi transformada num texto suspeito e
cheio de segundas intenções. Foi tido como um mosaico de narrativas
mitológicas e manipulações literárias, com cada vez menos peso de
eternidade, ou seja, um texto de palavras vazias que não trazem vida
eterna.

A posição ortodoxa entende que o Pentateuco tem o objetivo de


combater a idolatria, apresentando um Deus criador como resposta à
dúvida humana. Já a posição liberal (histórico-crítica) se opõe,
especula, fragmenta e não diz a verdade, é tendenciosa e carnal.
Lembrando, a tradição vê a Bíblia como a Palavra de Deus.

XIII Arqueologia bíblica

Assim como o relato da criação em Gênesis, existem outros


documentos que relatam criação registrados por outras civilizações do
antigo Oriente Médio, a descrição mais antiga da criação é a história
sumeriana de Eridu, descoberto na cidade de Nippur, a história é
relatada num único tablete fragmentado, a narrativa talhada no

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Formação em Teologia

documento indica que os deuses An, Enlil, Enki e Ninhursag criaram


pessoas de cabeça negra e estabeleceram condições para os animais
viverem e reproduzirem. Depois, a realeza dos deuses desceu do céu e
fundou as primeiras cidades: Eridu, Bad-Tibira, Larsa, Sippar e
Shuruppak. Um relato sumeriano mais completo está em cinco tabletes
do início do segundo milênio a.C., também foram descobertos na
cidade de Nippur e estão expostos no Museu do Louvre (Paris).

Interessante perceber que há documentos de culturas diferentes


falando sobre a criação, sobre o dilúvio e até mesmo um paralelo
babilônico para a queda. Para esse fato temos duas posições distintas:
a primeira é a dos críticos, com base nas diversas narrativas sobre
esses eventos, afirmam que se tratam de narrativas mitológicas, onde
cada povo, a partir da sua cultura, tenta explicar a origem da vida e
seus significados através dos elementos que possuem. Já a segunda
posição percebe dados comuns à todas as narrativas, crendo haver
um evento primordial, presenciado e testemunhado, mas que, ao
longo da história, foi traduzido e distorcido para dentro das culturas
existentes. Cremos que a segunda alternativa é verdadeira,
entendendo que quanto mais longe de Deus, mais distorcidos se
tornaram esses relatos históricos. Segue abaixo um quadro mostrando
os pontos em comum da narrativa bíblica de Gênesis e o relato de
Enuma Elish ².

Relato de Enuma Elish Relato Bíblico

Deus governa os céus e a terra Deus criou os céus e a terra


(IV. 20-25;V.I,135) (Gen 1:1)

Caos aquático separando os Uma condição sem forma


céus da terra (IV. 137-140) e vazia (Gen 1:1-2)

A luz é pre-existente na criação A luz foi criada antes dos


do sol, lua e estrelas (I. 102;V.I- luminares (Gen 1:3-5)
12)

O número 7 é usado com Sétimo dia; descanso da


frequência (IV. 46 ;V.17) criação (Gen 2:2-3)

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Formação em Teologia

O homem foi criado do barro O Homem foi feito do pó da


misturado com sangue (VI. 33) terra (Gen 2: 7)

É dado ao homem cuidar da terra O homem foi designado


(no lugar dos deuses menores) para cuidar do jardim
(VI 8.34) (Gen 2:15)

Sabendo dessas coisas, precisamos voltar ao texto com uma


convicção profunda de que o dono da história está nos apresentando-
a exatamente da maneira que precisamos recebê-la em nossos
corações. Agora, estamos preparados para ir adiante e estudar o Livro
de Gênesis.

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Formação em Teologia

Notas

1 Bavnick

2 Enuma Elish, Tabletes I-V. Cos I:390-402

Bibliografia Sugerida

BAVNICK, Herman. Dogmática Reformada - Deus e a Criação vol 2.


(Traduzido por Vagner Barbosa, São Paulo: Cultura Cristã,2012)

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica Thomas Nelson/ Randall


Price e H Wayne House. (Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro:
Thomas Nelson. 2020)

KLEIN, William W. HUBBARD J, Robert L. BLOMBERG, Craig L. (Tradução


Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova. Editor geral: David S. Dockery (Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida
Nova,2001.)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento. (Raymond B.


Dillard, Tremper Longman III. Tradução Sueli daSilva. Saraiva- São Paulo: Vida
Nova, 2006)

JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. (Tradução de Vicente Pedroso. Rio de


Janeiro. CPAD, 1990)

BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento- esboço, mensagem


e aplicação de cada livro. (Shedd Publicações)

82
Formação em Teologia

BEAL, G. K. CARSON, D. A. Comentário do Uso do Antigo Testamento no


Novo Testamento

PINTO, Carlos Osvaldo- Foco no Antigo Testamento (Ed Hagnos)

BUSH, Frederic. HUBBARD, A. David. LASOR, Willian. S Introdução ao


Antigo Testamento.

MESQUITA, Antônio Neves de. Povos e Nações do Mundo Antigo (Editora:


HAGNOS)

PHILLIPS, John. Explorando as Escrituras: uma visão geral de todos os


Livros da Bíblia. (2. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005)

SHEDD, Russel. O Novo Comentário da Bíblia. (Editora Vida Nova, 1997)

DAVIS, John D. Dicionário da Bíblia. (São Paulo: JUERP, s/d)

DOUGLAS, J. O Novo Dicionário da Bíblia (São Paulo: Edições Vida Nova,


1986)

Insight on the Scriptures, 2 vols. (EUA: Watch Tower, 1988)

RAWLINSON, George. The Historical Evidence of the Truth of the Scripture


Records (1892)

83
Formação em Teologia

THOMPSON, Frank Charles. Bíblia de Referência Thompson - Com


Versículos em Cadeia Temática. (São Paulo: Editora Vida, 1996)

BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento - esboço, mensagem


e aplicação de cada livro (Shedd Publicações)

84
Formação em Teologia

85
Formação em Teologia

86
Formação em Teologia

PENTATEUCO: Gênesis (Berechid) o nascimento -


Parte 4

I Os Inícios

O Livro de Gênesis traz a história da criação, mas também retrata


a maneira como o homem criado por Deus se comporta frente às
escolhas que é desafiado a fazer, e como se comporta frente ao próprio
Criador. De Adão a José, o livro mostra que a vida é feita de escolhas:
comer ou não do fruto da árvore do bem e do mal; construir ou não
uma arca; sair ou não da terra da sua família, lugar onde toda sua
história aconteceu. Escolhas que envolvem até mesmo perdoar, ou
não, aqueles mais próximos, que o venderam e o fizeram tanto mal.
Gênesis fala sobre gente que procurou se aproximar de Deus e sua
vontade, mas também não exclui a narrativa daqueles que se
distanciaram profundamente.

Podemos afirmar que Gênesis é uma antecipação da história da


humanidade e do comportamento humano, de muitos aspectos: o
relacionamento consigo mesmo, com seu semelhante e com Deus.
Justamente por ser uma prévia honesta, testemunharemos o fracasso
humano, mas veremos o processo de cura e restauração promovido
por Deus.

Recapitulando aulas anteriores, já vimos que Gênesis foi escrito


para tratar a idolatria do povo, que acreditava no Deus de Abraão e
também cria, simultaneamente, em vários outros deuses. O povo que
saiu do Egito encontrava-se em confusão existencial e religiosa, sendo
fácil encontrar no texto bíblico algumas palavras-chave relacionadas
à idolatria, como: Baal, Astarote, Rainha dos Céus, falsos deuses, Tamuz
e poste-ídolos. E considerando tal cenário cultural, não à toa o Livro de
Gênesis traz a revelação de um Deus criador, o único remédio para a
idolatria, pois ao lermos “No princípio, criou Deus, o céu e à terra.”
(Gênesis 1:1) temos um vislumbre do primeiro mandamento: “Não terás
outros deuses diante de mim.” (Ex 20:3) e recebemos um convite para
conhecer o Deus criador, que possui inúmeros atributos.

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Formação em Teologia

Sendo assim, o Deus que tem poder de criar é o mesmo Deus que
tem poder de cuidar; o Deus que tem poder de julgar é o mesmo Deus
que tem poder de salvar; o Deus que cria e salva é o Deus que ama. E
em Seu amor, Ele se envolve e se preocupa, fala e anda com Seus filhos,
conferindo-lhes identidade e garantindo o futuro. Como já foi cantado
pelo salmista:

“Aquele que fez o ouvido não ouvirá? E o que formou o


olho, não verá?” (Salmo 94: 9)

II O livro da liberdade e das escolhas

Confiança e descanso são o núcleo da mensagem que precisa


nos alcançar. Quando usamos a liberdade para nos afastar do criador,
na verdade, estamos escolhendo nos afastar da fonte dessa liberdade,
assim como o pecado foi uma escolha humana. Liberdade sem
santidade redunda em cativeiro, e autonomia sem comunhão com
Deus não passa de rebeldia.

Olhando o Pentateuco em perspectiva, Gênesis mostra uma


dualidade, que de um lado, apresenta o impacto da atitude de Deus,
que escolheu criar tudo, e em contraste, relata a ação impactante do
ser humano, ao escolher andar por conta própria, sem o Deus criador.
O Livro de Êxodo fala sobre a libertação do povo na história. Levítico dá
atenção especial ao processo de santificação (para adoração).
Números é a instrução àqueles que foram santificados. E por fim,
Deuteronômio traz a confirmação do ensino e um tom de incentivo.

Em outras palavras, Gênesis é a concepção (fecundação); Êxodo


é o nascimento (como povo de Deus); Levítico é a
infância/alfabetização; Números é a dolescência/rebeldia/educação;
e Deuteronômio é a juventude (preparação para a vida adulta). Entre
outras coisas, o Pentateuco descreve as fases de desenvolvimento
para se chegar à maturidade, como indivíduo e como nação.

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Formação em Teologia

III Criação e queda

O resultado da separação entre o homem e Deus é a morte. Não


se trata de um ritual de punição por parte de um Deus bravo, é apenas
a consequência de estar longe de Deus, pois tudo que se afasta de
Deus começa a perecer (como uma fruta tirada da árvore).

O texto dá uma informação importante, Deus fez aliança com o


homem estendendo Sua destra (Gn 3: 1-7), e dá ao homem um canal
de comunhão, para que continue fiel à aliança, em seguida, vemos a
quebra da aliança e sua consequência, qual seja, a separação
relacional entre Deus e o homem.

É necessário entender a morte como um efeito colateral do


pecado (Romanos 6: 23), pois ela é, basicamente, afastamento. Toda
vez que o ser humano tenta ser independente de Deus, se afasta, então
peca e morre. O pecado cria uma crise de liberdade, pois ela passa a
ser construída a partir do ego e da vaidade, abrindo lugar para a morte.

O homem que se rebela é expulso do paraíso, e a partir daí, segue


dois caminhos opostos. Pelas Escrituras, testemunhamos a criação de
dois povos distintos: os descendentes de Caim (Gn 4: 8-14), marcados
pelo pecado, violência e busca de separação, como visto na
construção das primeiras cidades e da torre de Babel; E o povo de Seth
(Gn 4 :25-26), chamados “Filhos de Deus”.

A sequência apresentada no livro é simples: primeiro Deus criou


todas as coisas, em seguida o homem cai, pois não aceita ser
submisso, presunçosamente, imagina uma vida melhor sem a tutela
de Deus. Entre a tentação da serpente e a mordida no fruto proibido há
uma infinidade de nuances e eventos no coração do ser humano. Num
momento crucial da narrativa, o ser humano, instigado pela serpente,
começa a questionar se Deus está realmente comprometido com a
sua felicidade. O grande problema é o surgimento de uma insinuação
com ares de inocência, aparentemente, uma dúvida ingênua, mas que,
de fato, é a semente maligna que se torna desconfiança dos planos de
Deus.

89
Formação em Teologia

Vemos o quanto essa dúvida é grave, pois deixa implícita a


possibilidade de Deus estar sonegando vida, como se Ele estivesse
escondendo o melhor e ativamente impedindo o ser humano de
desfrutar desse melhor, o forçando a se contentar com um padrão
inferior de vida. O ser humano, já imerso em dúvida, rebeldia e
curiosidade diabólica, começa a questionar o governo de Deus, e logo,
brota a necessidade de procurar, com sua própria força e inteligência,
uma suposta felicidade escondida, a qual Deus negou-lhe.

A queda trouxe o princípio da desconfiança, e desde então o


homem suspeita de Deus, de Seus planos e vontade, por isso caiu,
continuará caindo, sempre, num princípio que surgiu em Adão e
chegou a nós. Porém, após a queda nos deparamos com uma
promessa de redenção, onde tudo que foi criado se torna alvo dela, e
tendo esse conhecimento, podemos entender que a narrativa de
Gênesis é histórico-redentiva, pois se desenrola através da história
humana, com o propósito de redimi-la, tanto humanidade como as
demais coisas. Então, aquele que desconfia de Deus se afasta, e cria-
se um abismo, mas o plano de redenção continua trabalhando de
forma maravilhosa, paciente e imprevisível, para que o abismo criado
pelo pecado seja superado, e a criatura volte ao Criador.

IV Ciência e Gênesis

Quando falamos sobre Gênesis, precisamos abordar a relação


entre Gênesis e ciência, mesmo que brevemente. Todo método
científico parte da premissa de um fato observável, isto é, para ser
científico é necessário que se observe um fenômeno e que se
identifique se ele se repete em determinadas condições específicas,
buscando definir um padrão.

Então, nesse caso, quanto do Livro de Gênesis pode ser verificado


pela ciência? É preciso lembrar que a ciência é dirigida pelo mesmo ser
humano caído no Éden, com o mesmo espírito de desconfiança e
orgulho presentes na queda.

90
Formação em Teologia

Cada vez mais comprometido com sua autonomia e liberdade,


emancipado de Deus, não consegue olhar para o texto bíblico e
enxergar verdade, e agora, influenciado pelas mais diversas teorias
científicas, a humanidade moderna relega a narrativa da criação à
categoria de fábula.

Porém, e que fique claro, como já foi dito em aulas anteriores, a


ciência não é inimiga da fé. O problema é que correntes filosóficas,
como panteísmo ou materialismo, etc., se transvestem de ciência e
declaram guerra à fé, e para comprovar a sua agenda egocêntrica e
antibíblica, se valem de pressupostos e fatos científicos deturpados,
distorcidos por uma crença ideológica, científica ou filosófica. Por
exemplo, quando fala-se de microevolução, isso é um fato científico,
pois é possível observar que um tipo de mosquito sofre certa mutação.
O fato científico soma-se ao pensamento materialista, o qual defende
que uma partícula de matéria começa a ter um comportamento
anômalo ao que lhe é característico. Ao mesmo tempo em que afirma
que todos os fenômenos naturais são dirigidos por leis rígidas e fixas,
essa anomalia de comportamento cria um encadeamento de eventos
até culminar na chamada evolução.

Continuando esse raciocínio, vamos tratar do evolucionismo de


Darwin, e entender porque é problemático. A teoria de Darwin dá um
salto no conceito de evolução, postulando uma macroevolução. Trata-
se da crença de que uma espécie pode evoluir para outra espécie. Mas
observe o seguinte detalhe: Não existe, em termos concretos, a
possibilidade de observar a mudança de um macaco para um
homem, ou de um peixe para um ser humano. Se esta mudança
ocorreu durante milhões de anos, e sendo a ciência empírica, ou seja,
observável, quem observou um peixe virando um animal terrestre há
três milhões de anos? Se ninguém observou, a macroevolução é
mesmo um fenômeno científico?

Perceba que o mesmo tipo de lógica e retórica usadas para


desqualificar o Livro de Gênesis, pode ser usado para desqualificar a
cientificidade do argumento de Darwin.

91
Formação em Teologia

Tanto para fazer ciência, quanto para ler a Bíblia, concluímos que
é preciso expurgar o panteísmo e o materialismo que se transvestem
de cientificismo. São prejudiciais de um jeito ou de outro. Por um lado,
diminuem a ciência, e por outro, atrapalham a leitura do texto sagrado.

O Livro de Gênesis não tem a pretensão de ensinar metodologia


científica, de fato, vai além, pois não estamos lidando com ciência,
sobretudo, estamos sendo instruídos pela fé, para ter a existência
orientada e a vida organizada.

V A Literatura do Gênesis

Segundo F. Scheifer, é comum confundir genealogia com


cronologia. A preocupação do livro não é temporal, visto que é uma
construção genealógica e não cronológica. Esse aparente desinteresse
com a cronologia é um dos argumentos usados por críticos para tratar
o livro como mito, pois a incapacidade de encaixar os eventos bíblicos
dentro da história é vista com desconfiança. Mas essa desconfiança é
injustificada, em Gênesis 10:2, um homem gera países; seguindo o
versículo 4, vemos um homem gera povos; e no versículo 7, um homem
concebe lugares. Apenas essa escolha narrativa já é justificativa o
bastante de que a relação não é cronológica. Quando vemos uma
genealogia precisamos lembrar que entre um nome e outro há
omissões, de outro modo, o termo “gerou”, em Gênesis, não exige um
parentesco de primeiro grau entre pai e filho. Assim, as genealogias
bíblicas não se preocupam com o tempo, porém apontam para o
cumprimento da vontade de Deus no decorrer das gerações.

E tudo, sempre moldado a cada narrativa e ao estilo literário de


cada livro, lembrando que os livros da Bíblia podem ter mais de um
gênero de escrita, o Livro de Gênesis também nos traz diferentes estilos
literários: Poesia (Quiasma), paralelismo, narrativa heróica; há
paronomásia (trocadilhos). Ademais, tem o uso de números para
reforçar o significado dos símbolos. Acompanhe a análise literária de
Fokkelman sobre a história da Torre de Babel (Gênesis 11: 1-9):

92
Formação em Teologia

“O pesquisador começa o seu estudo anotando os jogos de


palavras espalhados nesse curto episódio. Certos grupos de palavras
são reunidos pela similaridade de som: ‘façamos tijolos’ (nilbe nâle
bõnim); ‘e queimemo-los bem’ (nísrepâ se repâ); ‘betume’ e
‘argamassa’ (hemar/hõmer). Há também uma aliteração entre ‘tijolo’
(le benâ) e ‘de pedra’ (le'aben). Esses sons quase semelhantes dão à
narrativa uma qualidade rítmica que não apenas chama a atenção
do leitor para o conteúdo das palavras, mas para as palavras em si.
Outras palavras repetidas também soam de forma semelhante:
‘nome’ (sem), ‘ali/dali/lugar’ (sam) e ‘céu’ (samayim). ‘O lugar’ (sam)
é a raiz usada pelos rebeldes para se referirem a ‘céu’ tempestuoso
(samayim), a fim de tornarem célebre os seus próprios ‘nomes’ (sem).
Deus, no entanto, inverte a situação, pois foi "dali" (v. 8) que ele
dispersou os rebeldes e anulou os seus planos. Essa irônica reversão
das más intenções dos homens é destacada de várias formas pela
escolha artística das palavras. Fokkelman enumera as diversas
palavras e frases que aparecem na história com o grupo consonantal
(lbn). Todos se referindo à rebelião humana contra Deus. Quando Deus
vem em julgamento, ele confunde (nbl) a linguagem dos homens. A
inversão das consoantes mostra a reversão que o julgamento de Deus
efetuou nos planos dos rebeldes. Essa inversão também é refletida na
análise de Fokkelman da estrutura quiasmática (os cruzamentos
sintáticos) da história: Gênesis é uma composição literária
engenhosamente construída.”

A palavra que inicia o texto de Gênesis, no seu original, é bereshid,


que representa o movimento da saída da cabeça da criança durante
o parto. Sendo assim, quando falamos de Gênesis, nos referimos a um
nascimento duplo.

Primeiro, o nascimento de tudo que existe, o surgimento da


criação. Em segundo lugar, o nascimento do próprio povo, ou seja, a
formação do povo de Israel. Lembre-se que Gênesis é recebido pelo
povo na saída do Egito. Mas isso não significa que as histórias, como o
dilúvio, ou de Abraão, Isaque, e Jacó, fossem desconhecidas do povo.

93
Formação em Teologia

A questão era que eles conheciam as histórias, mas ainda não tinham
o “livro”. O texto tinha a função de fazer as histórias ganharem ainda
mais importância, ajudando o povo a construir uma nova cosmovisão.

Apesar de apresentar várias genealogias, Gênesis não dá ênfase


à narrativa histórico-científica, mas à história de fé. Se partíssemos do
pensamento grego na leitura do Livro de Gênesis, a leitura seria um
salto existencial. Olharíamos o texto, seguindo a visão de que “Apenas
é verdade e devemos acreditar”. Porém, a questão é que o texto foi
escrito no pensamento hebraico, no qual tanto a verdade quanto a
história estão colocadas dentro do tempo. Em suma, para nos
relacionarmos com a verdade, precisamos ouvir a história. Indo além:
precisamos que alguém nos conte a história! E ao ouvir a história
contada conhecemos a fé, e a verdade.

VI Eternidade

Scheifer trabalha uma ideia muito importante: se Deus criou todas


as coisas, quem criou Deus? Todos os textos a seguir falam de antes da
fundação, ou seja, o que existia antes da criação.

• João 17: 24

• Efésios 1: 4

• 1 Pedro 1: 20

• Tito 1: 2

• 2 Timóteo 1: 9

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Formação em Teologia

Gênesis apresenta um Deus que existe antes do princípio. Já havia uma


história acontecendo, elementos e acontecimentos nEle, antes do princípio.

A criação do homem é o princípio que podemos perceber, mas Deus é


antes do princípio, e portanto, inalcançável. E para compreender a
eternidade, precisamos saber que existe algo antes da criação. Um Deus
pessoal, não-estático, um pai que ama Seu filho e se relaciona antes mesmo
de existir. Na realidade, a própria criação somente veio à existência mediante
a condição de relacionamento existente dentro do próprio Deus.

Antes da criação já havia um plano. Um Deus que promete a si mesmo


e que se compromete. Já existia uma palavra firmada. O Deus trino sempre
soube que a criação aconteceria. Antes de existir o mundo, já existia a
promessa. Antes que existisse sol e terra, já existia comunicação. Antes que
existissem pessoas conversando, nas igrejas e nas casas, o Pai já se
comunicava com o Filho e com o Espírito. Antes de haver vida na terra já
existia relacionamento. Não qualquer tipo de relacionamento, mas um
relacionamento íntimo, profundo, perfeito e pessoal. É por isso que o mundo
e a criação são obras marcadas de pessoalidade. A relação de Deus é
sempre pessoal, e a vida sempre é relacional.

Observação - Atualmente, na agitação e correria da vida, sentimos uma


profunda solidão, fruto de impessoalidade radical de nossas relações.
Vivemos em grandes cidades (Nova York, São Paulo, Tóquio, etc.) e nos
tornamos mais distantes e exigentes, consumidores vorazes reféns de
propaganda, colecionamos entulho, e nos constituímos pessoas cheias de
objetos e coisas, mas escassos de vida. A fé na criação relacional é a chave
desses conflitos modernos, para destrancar a plenitude da vida. A grande
ironia de nossos tempos é o ser humano moderno, faminto por vida, se
conecta com tecnologia, e mesmo assim vive ressentido. Uma existência tão
farta materialmente, mas onde falta afeto, pois a vida moderna é impessoal.

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Formação em Teologia

VII Tempos líquidos

Existem quatro pensamentos em relação à criação das coisas:

• Antes do princípio não havia nada.

• Tudo começou de forma impessoal. E logicamente, se tudo é


impessoal, por que existe pessoalidade? Por que existe a
necessidade de calor humano e olho no olho? Se tudo não passa
de uma questão impessoal, por que apresentamos a necessidade
de pessoalidade?

• Dualismo de duas forças que são extremamente contrárias, como,


por exemplo: yin e yang (conceitos do Taoísmo) expõem a
dualidade de tudo o que existe no universo. Porém, não se explica
porque coisas tão contraditórias coexistem.

• Tudo começou de forma pessoal, segundo o Livro de Gênesis.


Temos a necessidade de pessoalidade pois, antes de tudo, havia
um Deus pessoal.

A opinião atual mistura os pensamentos 1, 2 e 3. De fato, o entendimento


da criação revela as crenças e premissas sobre a natureza da relação das
coisas e dos seres, dentro do pensamento pós-moderno, ou modernidade
líquida, como chama Zygmunt Bauman, os amores e relações são líquidos.
Ele ensina: “Os tempos são líquidos porque, assim como a água, tudo muda
muito rapidamente”, tudo é provisório, criando um ressentimento por causa
da falta de permanência e pertencimento. Bauman afirma que “Na era da
informação, a invisibilidade é equivalente à morte.”, e vem daí a necessidade
de relações que nos tornem visíveis. Temos necessidade de relacionamentos
pessoais, mesmo sem saber, em primeiro lugar, o porquê dessa necessidade.
A resposta judaico-cristã é que tudo começou de forma essencialmente
pessoal, por isso a ausência de conexão e pessoalidade nos faz sentir como

96
Formação em Teologia

se estivéssemos nos descolando e/ou mesmo perdendo nosso significado


original.

Dizer que Gênesis foi escrito somente para vencer a idolatria é uma
simplificação rasa, e um conceito incompleto. É preciso complementar essa
ideia com o fato de que foi escrito, também, para combater a
impessoalidade. O mundo no qual vivemos carece de pessoalidade, e o Deus
Altíssimo se revelou ao mundo através da história de pessoas, buscando essa
proximidade com a humanidade. Partindo do princípio de que já existia
comunicação entre Pai, Filho e Espírito, chegamos a conclusão de que o amor
vem de Deus, pois o amor relacional flui da trindade. No cristianismo e no
judaísmo, isso é a base de tudo, o Deus criador de todas as coisas é amoroso
e pessoal.

No entanto, fora do cristianismo a resposta é circular, isto é, o acaso cria


tudo. Mas podemos questionar se tudo é acaso. Observe a indagação: Por
que o acaso e a impessoalidade, existentes antes da criação, tornaram o
amor e a comunicação base de todas as coisas? Não existe resposta que
satisfaça inteiramente essa pergunta, a não ser a cristã. Por mais que até
hoje existam pessoas que discordem dela, é a única que dá conta de saciar
a verdade (da pessoalidade da existência).

VIII Trindade

Em seu livro “Vestígios da trindade”, Peter J. Leithart diz:

“Indivíduos são lugares de habitação para os outros. A


sociedade é uma rede de componentes habitando
mutuamente. Indivíduos existem somente enquanto são
habitados por outros; sociedades existem somente enquanto
são lares para indivíduos que fazem suas casas uns nos outros.”

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Formação em Teologia

Infelizmente, a trindade tem sido evitada como doutrina em muitas


igrejas e comunidades cristãs desse tempo.

Leithart nos ensina que o próprio ser fundamenta-se em ser habitação,


ou ainda, na capacidade de habitar e ser habitável. Frases inocentes como
“Você mora no meu coração!” revelam o sentido e a profundidade do “ser”.
Ser é quem habita, ser é quem é habitável. Essa característica fantástica vem
do próprio Deus - o Ser perfeito é tanto a habitação perfeita, quanto o perfeito
habitador.

“Se ninguém nunca tivesse derramado suas paixões em mim


nunca seríamos quem somos. Se nunca ninguém tivesse
morado em nós, se nunca tivéssemos morado em ninguém a
vida seria impossível.”

Em Gênesis (1:26; 3:22) podemos ver duas expressões fantásticas, que


exemplificam essa noção: “Façamos” e “um de nós”.

“Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de


nós, sabendo o bem e o mal; ora, para que não estenda a sua
mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva
eternamente.”

Alguns teólogos se limitam a falar que no hebraico existe o plural


majestático, assim como na gramática portuguesa. Isso não te intriga? “Um
de nós” pode ser explicado gramaticalmente? Cremos que através dessas
sutilezas linguísticas, a partir do Gênesis, a Bíblia revela um Deus que é trino,
e por isso relacional. Considere:

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Formação em Teologia

“Mas para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para


quem vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, por qual são todas
as coisas, e nós por ele.” (1Co 8:6)

IX Doxologia

“Não é igual a estes, aquele que é a porção de Jacó; pois ele é


o que formou tudo, e Israel é a vara da sua herança: Senhor dos
Exércitos é o seu nome.” (Jr 10:16)

A doxologia diz respeito à adoração e à glorificação. Jeremias está


fazendo uma comparação entre o Deus verdadeiro e os falsos deuses. A
conclusão dessa comparação gera tanto consolo quanto louvor: o nosso
Deus “não é como eles”. A palavra “eles” se refere aos falsos deuses
combatidos no Livro de Gênesis, uma extensão da mente humana, feitos por
mãos e corações corrompidos, de sentimentos humanos mesquinhos, eram
deuses que representavam tudo que o homem sente e pensa. Corremos o
risco de pensar que nosso Deus é como eles. Mas, o nosso Deus é outro; santo,
puro, perfeito, cheio de amor. Assim, o Livro de Gênesis nos dá as boas-vindas.

X Narrativa de origens

Gênesis expõe o drama da aliança com Deus, e a quebra dela pelo


homem:

“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme


nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, as aves
dos céus, sobre o gado, sobre toda a terra, todo o réptil que se
move sobre na terra. E criou Deus o homem à sua imagem; à
imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os

99
Formação em Teologia

abençoou, e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, enchei à terra


e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos
céus e sobre todo o animal que se move sobre a terra.” (Gn 1:
26-28)

“E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda árvore


do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento
do bem e do mal, não comerás; pois quando dela comeres,
certamente morrerás.” (Gn 2: 16,17)

Segundo Dillard e Longman II, Gênesis é como uma pizza que pode ser
dividida de muitas formas, dependendo da perspectiva e interesse do leitor.
O dispositivo estrutural mais importante é chamado de fórmula Toledoth - a
história da aliança é contada tendo os Toledot’s como espinha dorsal. Essa
fórmula aparece onze vezes, e pode ser traduzida como: “Estas são as
gerações”, “Esta é a história da família”, “Esta é a narrativa”.

Gênesis nos conta as origens, o primeiro segmento do livro traz a história


primitiva, o primeiro Toledot. É uma palavra hebraica que pode ser traduzida
por "gerações" (genealogia), “história” e "narrativa". Logo após a fórmula do
Toledot é apresentado um nome pessoal, com exceção da primeira
ocorrência que declara, em vez disso, "os céus e a terra". Acompanhe o
gráfico:

1.Toledot ( essa é anarrativa) “os céus e a terra” (Gn2:4)

2.Toledot Adão (Gen 5:1)


3.Toledot Noé (Gen 6:9)
4.Toledot Filhos de Noé Gen (10:1)
5.Toledot Sem (Gen 11:10)
6.Toledot Tera (Gen 11:27)
7.Toledot Ismael (Gen 25:12)
8.Toledot Isaque (Gen 25:19)

100
Formação em Teologia

9.Toledot Esaú (Gen 36:1)


10.Toledot Esaú (Gen 36:9)
11.Toledot Jacó (Gen 37:2)

Gênesis tem um prólogo (1:1-2.3) seguido de dez episódios. A pessoa


nomeada não é necessariamente o personagem principal, e cada episódio
termina com a morte deste personagem. Além de nos fornecer um prólogo,
a história contida em Gênesis nos dá o fundamento da nação de Israel, e
mostra como ela se preparou para o recebimento da lei, em Êxodo. Revela
como Deus escolheu Abraão e guiou sua família, sendo a origem de Seu povo
especial.

XI Da criação à Torre de Babel

Dillard e Longman II afirmam que a Bíblia pode ser descrita como uma
sinfonia em quatro movimentos:

• Primeiro movimento – Criação


• Segundo movimento – Queda
• Terceiro movimento - Redenção
• Quarto movimento - Recriação

Assim, o Livro do Gênesis dispõe dos fundamentos para toda a Bíblia,


narrando brevemente os primeiros dois movimentos, ao mesmo tempo em
que inicia o terceiro. O quarto movimento é a matéria dos dois últimos
capítulos da Bíblia (Apocalipse 21 e 22). É interessante observar a difusa
imagem da criação nesses capítulos (Apocalipse 21: 1,5; 22: 1-6). E o fim da
história é como o seu começo, em que uma harmoniosa e extraordinária
relação com Deus é restabelecida. Lembrando que, quando falamos de
Gênesis, fala-se dos dois primeiros movimentos.

101
Formação em Teologia

A Criação - O relato da criação apresenta Deus como sua causa


exclusiva, tanto do universo como da humanidade. Gênesis 1 e 2 revelam que
Deus é o Criador poderoso e que homens e mulheres são criaturas
dependentes dEle. Nestes capítulos, a exposição da criação nos permite ser
flexíveis sobre as questões relativas ao tempo e a ordem do processo criativo
de Deus. Ademais, por um lado, a passagem definitivamente se previne
contra uma interpretação mitológica. Por outro lado, o tema de Gênesis 1 e 2
NÃO é a maneira como Deus criou, mas o fato de que Deus criou, e que fez
isso sem nenhuma matéria pré-existente (creatio ex nihilo), em contraste
com as crenças de outras religiões do Oriente Médio. Uma diferença que salta
das páginas do texto é a declaração “era bom”, acerca de tudo o que foi
criado, o impacto de tal afirmação precisa ser medido com a lembrança de
que Gênesis foi escrito num tempo em que a criação era qualquer coisa,
exceto boa, estava repleta de pecado e injustiça. A conclusão é que o mundo
pecaminoso, antigo e atual, não é frutoo da ação de Deus, mas da ação
humana.

A Queda - A queda foi um evento que marcou a ruptura do ser humano.


É quando a autonomia do homem se divorcia da submissão a Deus, e a partir
desse momento a liberdade acontece separada da santidade.

Estabelecido pelo pecado, esse movimento excludente de liberdade e


autonomia, presentes no coração do ser humano, aparece nas páginas
sagradas história após história, o dilúvio é um exemplo revelador do coração:

“O dilúvio culmina no julgamento de Deus contra as pessoas


rebeldes do mundo. Na verdade, ao enfatizar a importância do
dilúvio, é possível reconhecer as conexões entre a narrativa da
criação e a narrativa do dilúvio; estabelecendo, desse modo,
um padrão de três partes que se move da Criação para a Não-
Criação, e finalmente para a Re-criação (Clines, p. 73-6). [...]

[...] Em essência, o dilúvio dá um gigantesco passo para trás no


processo de criação. As águas retornam o mundo a um estado
que pode ser descrito como "sem forma e vazio" (Gênesis 1: 2).

102
Formação em Teologia

Em outras palavras, há uma reversão da criação. Noé e sua


família representam uma ligação com a ordem da antiga
criação, enquanto a linguagem da aliança com Noé (9: 1-7)
ecoa a linguagem de Gênesis 1: 2, de modo a mostrar que Noé
significa, de fato, um novo começo. As semelhanças com os
textos da criação incluem a ordem para multiplicar (9: 1,7), a
declaração sobre o homem feito à imagem de Deus (1: 26, 27),
como também as determinações de Deus para o
restabelecimento dos ciclos diários e sazonais (8: 22). A
narrativa da Torre de Babel parece um anticlímax. Essa
passagem curta e artisticamente definida (Fokkelman), no
entanto, é precursora da história de Abraão quando o foco da
narrativa passa do mundo inteiro para uma pessoa que
fundará uma nova nação”.

XII Narrativas Patriarcais

Originalmente, o texto bíblico une as narrativas. As divisões que fazemos


são artificiais, e possuem objetivo didático. Observe como Gênesis 38 une as
narrativas patriarcais com a história de José. Para efeito de análise, porém,
trataremos às duas partes separadamente.

Gênesis 11: 27-32 (a conclusão para a genealogia em Gênesis 11: 10-26)


fornece a ligação entre a história inicial e a narrativa patriarcal ao contar
sobre a saída de Abraão de Ur para Harã, em companhia de seu pai. Foi em
Harã que Deus falou a Abraão, fazendo essas palavras ecoarem por toda a
Bíblia:

“Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, e vai


para a terra que te mostrarei; De ti, farei uma grande nação, e
te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção!
Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te
amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra.”
(Gn 12: 1-3)

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Formação em Teologia

Deus prometeu a Abraão uma descendência numerosa, que formaria


uma nação poderosa. A própria ideia de povo carrega consigo a
necessidade de uma terra para esse povo. A promessa tanto sinaliza a
criação de uma nação, quanto instrui que ele e a sua descendência
receberiam do Senhor a dádiva da terra. E ser abençoado por Deus também
significava que Abraão serviria ainda como um veículo da benção de Deus
aos outros. Com base nessas promessas, Abraão deixou Harã em direção à
Palestina, as narrativas seguintes apresentam o tema recorrente do
cumprimento dessas promessas e a reação dos patriarcas a elas.

A vida de Abraão destaca em particular a sua fé oscilante a respeito da


capacidade de Deus em cumprir suas promessas, e cada um dos episódios
de sua vida pode ser lido como uma reação às promessas de Deus, por
exemplo, quando primeiro chegou à Palestina, Abraão encontrou um
obstáculo ao cumprimento da promessa da terra, quando a região passava
por fome, obrigando-o a fugir para o Egito (Gênesis 12: 10-20). Nesse ponto da
história, o patriarca obviamente não cria que Deus se preocupava com ele,
isso fica claro quando ele obriga Sara a mentir sobre seu parentesco e
relação com ele para salvar a própria vida.

Em contraste, na próxima história (Gênesis 13), Abraão respondeu com


serena confiança que Deus era com ele, e concedeu tamanha prosperidade
a ele e Ló, seu sobrinho, que precisaram procurar pastagens separadas. A
narrativa sobre Abraão e Ló demonstra o caráter do patriarca.

Abraão poderia ter se apegado à promessa que Deus lhe fez (sobre a
terra) e ter reivindicado o direito de escolher primeiro, em vez disso, permitiu
ao sobrinho escolher. Ló escolheu a melhor terra, a região ao redor de
Sodoma e Gomorra (um leitor atento relacionaria imediatamente essa
referência a Gênesis 18), Abraão não hesitou e concedeu a Ló a posse da
melhor terra.

Porém, esse não é o fim da história, mais tarde, Abraão deixou


transparecer a sua crescente falta de confiança na capacidade de Deus para
cumprir as promessas, e tentou alcançá-las usando os meios comuns no
antigo Oriente Médio de se constituir família, devido à esterilidade (Gênesis
15:3), adotou um escravo nascido em sua casa, após a prática do
concubinato. Mas apesar dos erros cometidos, Deus, em sua graça, vai a

104
Formação em Teologia

Abraão diversas vezes, a fim de confirmar a intenção de cumprir suas


promessas (Gênesis 15, 17 e 18), e ao esperar a chegada da extrema velhice
de Abraão e Sara para lhes dar um filho, Deus mostra que a criança é
realmente um presente divino, Isaque não é o produto das faculdades
humanas.

Depois do nascimento de Isaque, Abraão finalmente demonstra que


atingiu uma profunda confiança em Deus, em Gênesis 22, Deus ordena a
Abraão que leve o filho da promessa ao monte Moriá, para sacrificá-lo.
Abraão demonstra que agora confia plenamente em Deus, e nesse momento
a narrativa informa ao leitor que Abraão, em silêncio e sem reclamar,
obedeceu à ordem de Deus. O leitor é levado a fazer a conexão entre esse
monte do sacrifício, Moriá (Gênesis 22: 2), e o local de construção do futuro
templo (2 Crônicas 3: 1).

Os patriarcas ilustram ao leitor o que é uma vida de fé, quem é Deus e o


que é intimidade com Ele. Mostram como a precariedade humana pode ser
suportada, e até superada, pela relação com o Altíssimo.

105
Formação em Teologia

XIII História de José

A história de José difere em estilo dos relatos anteriores, mas continua


as narrativas patriarcais, Deus supera os obstáculos para dar cumprimento
à promessa. Nesse caso, a família de Deus foi ameaçada pela fome, que
poderia ter facilmente dado fim às promessas. No entanto, Deus preservou
maravilhosamente o seu povo, e o próprio José nos oferece um quadro
teológico pelo qual podemos observar os eventos da sua vida. Depois da
morte do pai, seus irmãos, preocupados com uma possível vingança de José,
procuram-no para pedir que lhes poupasse as vidas. A resposta de José
indica a sua consciência de que somente Deus guia o curso da sua existência:

"Não temais; acaso, estou eu em lugar de Deus? Vós, na


verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou
em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita
gente em vida." (Gn 50: 19-20)

O Senhor revela-Se na vida de José como um Deus que controla todos


os detalhes da história, de uma perspectiva humana, parece que José torna-
se vítima da má sorte quando ele é levado da Palestina ao Egito, e da casa
de Potifar para a prisão. De fato, a sua vida parece determinada por todos,
menos por ele próprio. São pessoas que desejam prejudicá-lo, como os seus
irmãos e a esposa de Potifar, entretanto, José sabe que Deus está por trás
dos eventos da sua vida.

Além disso, José está ciente de que Deus invalidou as más intenções dos
outros, e o elevou a uma posição dentro do governo, para trazer salvação à
sua família e a continuação da promessa da aliança. O tema do Deus que
reverte os maus propósitos a fim de salvar o seu povo percorre todo o Antigo
Testamento, e talvez, mais explicitamente na narrativa de José:

“Sem a túnica, sem ciúmes, sem ciúmes, sem trama. Sem a


trama, José não seria vendido. Se não fosse vendido não

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Formação em Teologia

conheceria o Egito. Sem o Egito, não conheceria a mulher de


Potifar. Sem a mulher de Potifar, não seria preso. Sem a prisão,
não interpretaria o sonho. Sem a interpretação do sonho, não
se transformaria no governador do Egito. Se não fosse
governador do Egito, não haveria provisão no tempo de fome,
nem um lugar ao qual recorrer para seus irmãos. Sem a
provisão, os filhos de Israel não se multiplicariam no Egito, não
seriam escravizados, não se tornariam uma nação, não
receberiam a lei. Sem a lei, a idolatria não seria revelada. Sem a
condição de o coração humano ser desmascarado pela lei,
sem cruz. Sem cruz, sem Cristo. Sem Cristo, sem salvação!”²

107
Formação em Teologia

Bibliografia Sugerida

SCHAEFFER, Francis A. Gênesis no espaço-tempo. (Tradução de Josias Cardoso


Ribeiro Júnior. Brasília- DF. Editora Monergismo 2014)

CHESTER, Tim. Conhecendo o Deus Trino - Porque o Pai, o Filho e o Espírito são
boas novas. (Tradução Elisabeth Gomes - São José dos Campos- SP. Fiel 2016)

LEITHART, Peter J. Vestígios da Trindade - Sinais de Deus na experiência humana


(Tradução Leandro G.F. C. Dutra – Brasília –DF. Editora Monergismo, 2018)

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House. Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD, Robert L Jr. BLOMBERG, Craig L. (Tradução de


Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery; Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova, 2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006)

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

PENTATEUCO: De Êxodo a Deuteronômio - A Ação de


Deus libertando e formando o Seu Povo - Parte 5
Sempre recomendamos o trabalho da memória. Na importantíssima
jornada do Pentateuco, é crucial não perdermos de vista que esse grupo de
livros foi escrito para tratar a idolatria que estava enraizada no coração
daquelas pessoas, preparando-as para receber a verdade de Deus em seus
corações e descartar todo engano. O próximo passo nos é mostrado no Livro
de Êxodo, quando percebemos que a idolatria cria relações impessoais e
supersticiosas. O “deus” na idolatria é sempre impessoal, cria lacunas na
forma de exercitar a fé, abrindo espaço para a superstição e deformando o
olhar humano para a natureza e demais criação.

I Contexto Histórico de Êxodo

O Livro de Êxodo revela a condição terrível em que os hebreus estavam.


A escravidão não era somente social, era também cultural, estando cativos
tanto no corpo quanto na alma, debaixo de um jugo político, social e religioso.
Porém, rico em misericórdia, Deus jamais esqueceu Seu povo ou Suas
promessas, intervindo na história do povo. Quando esse grupo de cinco livros
foi escrito, essa potente mensagem alcançou o coração do povo. Fundada
na ideia de que o Deus criador de tudo é alguém que chama as pessoas pelo
nome, há um retorno à consciência de que Deus trata face a face, e deseja
uma viva relação, íntima e pessoal.

A expressão hebraica referente a Êxodo é “shamõt”, significando “Estes


são os nomes de”, mas comumente traduzimos Êxodo como “saída”. Porém,
precisamos saber duas coisas: 1) Essa palavra aparece na tradução da
Septuaginta e não no texto hebraico; 2) A palavra, de fato, significa “saída”.
Então, podemos combinar essas duas ideias pois ambas são úteis para
entender o livro/mensagem de Êxodo. Mas, não podemos desconsiderar a
essência histórica-genealógica dessa palavra, que também se refere à
“saída” do cativeiro egípcio, pois essas pessoas que foram libertas têm
nomes, histórias e um único Deus.

111
Formação em Teologia

Para que possamos entender melhor este contexto, é necessário


conhecer alguns personagens. Sekenere, líder egípcio, expulsou um grupo de
uma etnia chamada hicsos, possivelmente naturais da China, na região da
Mongólia. Essa dinastia dominou o Egito e trouxe grande destruição. E por que
isto é importante? Justamente no processo de recuperar a soberania do Egito
é que encontramos a narrativa bíblica que conhecemos. Acompanhe o texto:

“Então subiu ao trono do Egito um novo rei, que nada sabia


sobre José. Disse ele ao seu povo: ‘Vejam! O povo israelita é
agora numeroso e mais forte que nós. Temos de agir com
astúcia, para que não se tornem ainda mais numerosos e, no
caso de guerra, aliem-se aos nossos inimigos, lutem contra nós
e fujam do país.’” (Êxodo 1: 8-10)

A expressão “um novo rei que nada sabia sobre José” pode nos soar
estranha em virtude de lermos, nos últimos capítulos de Gênesis, a respeito
da história de José. Porém, não sabemos dos acontecimentos que
sucederam à morte de José, nem quanto tempo transcorreu até que a
história narrada em Êxodo 1 ocorresse. José tinha aproximadamente 39 anos
quando seu pai e seus Irmãos foram morar no Egito. Ele viveu por mais 71 anos
(Gênesis 50: 26). As perguntas são: como José se tornou um desconhecido?
E de que forma isso aconteceu? Assim, “A história do Êxodo começa onde
Gênesis termina, cerca de trezentos anos mais tarde.”¹ Contudo entre o
momento que José foi governador do Egito até este texto, o império egípcio
foi dominado pelos hicsos, e ainda que Sekenere tenha conseguido expulsá-
los, não muda o fato de que o Egito foi, temporariamente, dominado por outra
nação. E neste curto intervalo, a relação de gratidão pela influência positiva
de José, se perdeu.

“Então disse Faraó a seus irmãos: Qual é o vosso negócio? E eles


disseram a Faraó: teus servos são pastores de ovelhas, tanto
nós como nossos pais. Disseram mais a Faraó: viemos para
peregrinar nesta terra; porque não há pasto para as ovelhas de

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Formação em Teologia

teus servos, porquanto a fome é grave na terra de Canaã;


agora, pois, rogamos-te que teus servos habitem na terra de
Gósen. Então falou Faraó a José, dizendo: teu pai e teus irmãos
vieram a ti. A terra do Egito está diante de ti; no melhor da terra
faze habitar teu pai e teus irmãos; habitem na terra de Gósen, e
se sabes que entre eles há homens valentes, os porás por
maiorais do gado, sobre o que eu tenho. E trouxe José a Jacó,
seu pai, e o apresentou a Faraó; e Jacó abençoou a Faraó”.
(Gênesis 47: 3-7)

A nova geração de egípcios não conhecia essa história e não tinham


nenhum vínculo com o povo hebreu, não os viam como amigos, mas os
enxergavam como ameaça, e a amizade foi substituída por rivalidade.

Traçando uma linha histórica, vemos que Sekenere começa a batalha


contra estes inimigos, e Amoses termina a reconquista do território egípcio,
até que Tutmoses realiza a expansão do território. Note que estes nomes
egípcios carregam a terminologia “moses”. Algumas dúvidas pairam sobre o
significado do nome de Moisés, e temos duas explicações significativas, uma
é a explicação egípcia, postulando que “moses” quer dizer “filho de”.
Tutmoses seria filho de Tot, o deus da sabedoria. O nome de Ramsés, um dos
faraós do Egito, por sua vez significaria “filho de Rá”, que era a divindade do
sol.

Logo, a expressão “Moses” revelava o pertencimento à nobreza egípcia,


pois essa pessoa era “filho” de uma divindade egípcia. Por esse raciocínio, a
tradução do nome seria algo como “filho de”. A segunda explicação para o
nome é hebraica:

“Tendo o menino crescido, ela o levou à filha do faraó, que o


adotou e lhe deu o nome de Moisés, dizendo: "Porque eu o tirei
das águas." (Ex 2 :10)

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Formação em Teologia

O nome Moisés está relacionado com o verbo “tirar” em hebraico. Atente


que as duas explicações, tanto a hebraica como a egípcia, não são
excludentes, podendo ser conjuntamente consideradas.

O próximo nome importante é Ratsepsut, filha do Faraó, que adota


Moisés. Dentro da cultura egípcia antiga, não era comum uma mulher deter
tamanha autoridade, visto que o Faraó tinha dado um decreto para matar as
crianças, mesmo que a mulher fosse nobre, salvar um bebê hebreu, criando-
o dentro do palácio, era uma atitude muito chamativa. Obviamente, as
pessoas sabiam que aquele filho não era de sangue, sendo no mínimo
curioso e no máximo um espanto. Que mulher era essa, com tanta
autoridade, a ponto de conseguir bancar um estrangeiro dentro do palácio?
Na história egípcia, a única personagem que se encaixa nesse perfil é
Ratsepsut, ela se destaca por ser alguém que conseguia impor suas ideias, e
com forças suficiente para trazer uma criança estrangeira para casa e criá-
la na corte como filho, justamente o caso de Moisés.

A história segue informando que esta mulher se casa com Tutmosis III,
um homem sem firmeza ou voz ativa, e de pouca autoridade. Por conta de
sua personalidade imponente, a rainha tem o domínio das ações. Na
sequência aparece Amenoses II, este é o faraó que debateu com Moisés na
ocasião do Êxodo. Estes nomes servem de referência, no caso de querermos
pesquisar mais sobre o tema.

A Pedra de Armana é o documento que atesta a veracidade histórica e


mostra a relação do povo hebreu com a história egípcia, eventos tão antigos
que os documentos foram, literalmente, gravados em pedras. A Pedra de
Armana atesta que Canaã perdeu a independência e foi dominada por um
grupo chamado abru, que os pesquisadores entendem se tratar do povo
hebreu. Esse documento mostra que Canaã era habitada por outros povos,
mas que num determinado período da história foi conquistada. Perceba que
essa evidência histórica corrobora o ensino bíblico que narra a famosa
conquista da terra prometida. Liderados por Josué, os “abru” conquistaram
Canaã, e existem registros históricos que revelam que o povo hebreu
realmente andou por estas regiões.

114
Formação em Teologia

II Moisés

Moisés é o grande personagem do Livro de Êxodo, e nasceu numa época


de transição, onde os hebreus, que eram pastores de ovelhas, foram
escravizados e tornaram-se trabalhadores braçais, que fabricavam tijolos
sob a tutela de feitores:

“(...) os filhos de Israel suspiraram por causa da servidão, e


clamaram; e o seu clamor subiu a Deus por causa de sua
servidão. E ouviu Deus o seu gemido, e lembrou-se Deus da sua
aliança com Abraão, com Isaque, e com Jacó; e viu Deus os
filhos de Israel, e atentou Deus para a sua condição.”
(Êxodo 2: 23-25)

O medo dos egípcios em relação ao povo de Deus fez com que usassem
a estratégia “trabalhar até morrer” para dominar o povo e impedir seu
crescimento. Ao perceberem que essa tática não deu certo foram ainda mais
longe, ordenando a morte de crianças (Êxodo 1:15).

Swindoll diz que a vida de Moisés pode ser dividida em três segmentos,
o primeiro transcorreu ao longo dos primeiros 40 anos de vida, criado como
um nobre, alguém importante, Moisés aprendeu o conhecimento e a cultura
egípcia. O segundo período se passou no deserto de Midiã, onde ele foi
formado pela solidão, pastoreando o rebanho do seu sogro, assimilando o
conhecimento e a cultura do deserto, e aprendendo com o próprio Senhor. E
no terceiro momento, Moisés estava novamente no deserto, desta vez com o
povo, pondo em prática o que aprendeu nas duas fases anteriores, bem
como ministrando e sendo ministrado pela lei de Deus.

Moody vai ainda mais longe dizendo que Moisés “passou seus primeiros
40 anos pensando que era alguém. O segundo quarenta anos, ele passou
aprendendo que era um ninguém. Os últimos quarenta passou descobrindo
o que Deus pode fazer com um ninguém”. Seja como for, vivemos em um
desses três momentos.

115
Formação em Teologia

III A missão de Moisés

Moisés foi o escolhido por Deus para conduzir o povo durante o processo
de libertação:

“Por isso desci para livrá-lo das mãos egípcias e tirá-los daqui
para uma terra boa e vasta, de leite e mel: terra dos cananeus,
hititas, amorreus, ferezeus, heveus e dos jebuseus. Pois o clamor
dos israelitas chegou a mim, e tenho visto como os egípcios os
oprimem. Vá, pois, agora; eu o envio ao faraó para tirar do Egito
o meu povo, os israelitas." (Ex 3:8-10)

“O Senhor falou a Moisés: Vá ao faraó e diga-lhe que assim diz


o Senhor: Deixe o meu povo ir para que me preste culto.” (Ex 8:1)

Os textos acima mostram o coração de Deus, sensível ao clamor e ao


sofrimento do povo. Também mostram o comissionamento de Moisés, que
agiu como um embaixador da parte de Deus, para transformar o cativeiro
em liberdade, e celebrar culto a Deus. Atente a este detalhe, a missão de
Moisés não era fazer o povo entrar na terra prometida, mas fazê-los sair do
Egito. Isso ele cumpriu.

IV A vontade de Deus

A história de Moisés é um exemplo emblemático do quanto a vontade


de Deus é soberana, nada podendo impedi-la. Ora, Moisés havia sido criado
como membro da realeza egípcia, e para todos os efeitos, ele devia ter
permanecido um nobre pelo resto de sua vida, mas Deus tinha outros planos,
o versículo a seguir trata do episódio que engatilhou a vontade de Deus sobre
a vida de Moisés:

116
Formação em Teologia

“Certo dia, sendo Moisés já adulto, foi ao lugar onde estavam os


seus irmãos hebreus e descobriu como era pesado o trabalho
que realizavam. Viu também um egípcio espancar um dos
hebreus. Correu o olhar por todos os lados e, não vendo
ninguém, matou o egípcio e o escondeu na areia.” (Ex 2 :11,12)

A seguir, o versículo que retrata o clímax da narrativa, o resultado do


poder de Deus sobre a vida de Moisés, a liberação do povo hebreu:

“Naquela mesma noite o faraó mandou chamar Moisés e Arão


e lhes disse: "Saiam imediatamente do meio do meu povo,
vocês e os israelitas! Vão prestar culto ao Senhor, como vocês
pediram.” (Ex 12 :31)

V Moisés e a lei

No Pentateuco, a sequência da narrativa é: promessa, depois lei. Primeiro


veio a promessa a Abraão. Tempos depois, por Moisés, veio a lei, cuja função
era organizar socialmente a vida da nação que acabara de nascer, e servir
como referencial ético e moral. Mas a sua função especial era de ser um
“documento vivo” da aliança que Deus estava firmando com seu povo. Um
povo separado entre todos os outros como propriedade particular:

“Logo Moisés subiu o monte para encontrar-se com Deus. E o


Senhor o chamou do monte, dizendo: ‘Diga o seguinte aos
descendentes de Jacó e declare aos israelitas: Vocês viram o
que fiz ao Egito e como os transportei sobre asas de águias e os
trouxe para junto de mim. Agora, se me obedecerem fielmente
e guardarem a minha aliança, vocês serão o meu tesouro
pessoal dentre todas as nações. Embora toda a terra seja
minha, vocês serão para mim, um reino de sacerdotes e uma

117
Formação em Teologia

nação santa’. Essas são as palavras que você dirá aos


israelitas." (Ex 19:3-6)

“Porquanto não crestes em mim, para me santificardes diante


dos filhos de Israel, por isso não introduzireis essa congregação
na terra que lhes tenho dado.” (Números 20: 12)

Este último versículo relata o pecado de Moisés. Crer sem santidade


limita e distorce o testemunho que damos de Deus. E podemos, ao invés de
refletirmos a misericórdia de Deus, refletir a nossa ira.

VI Padrão narrativo e literário

Dillard e Longman II dividem o Livro de Êxodo em três partes:

• Parte um: Israel no Egito (Êxodo 1: 1-13; 16). Deus salva Israel da
escravidão egípcia.

• Parte dois: Israel no Deserto (Êxodo 13: 17-18; 27). Deus dá a Israel a
Sua lei.

• Parte três: Israel no Sinai (Êxodo 19: 1-40; 38). Deus ordena a Israel que
construa o tabernáculo.

Parte I

É a parte com mais ação do livro. O relato de Êxodo é uma das histórias
fundamentais do Antigo Testamento, narrando o evento da salvação do
antigo Israel. Abaixo, a estrutura dessa parte da narrativa, distribuída em
capítulos.

118
Formação em Teologia

• Capítulo 1. Imediatamente, somos informados do problema: o


povo de Deus é forçado à escravidão no Egito, e Faraó teme o
crescimento dos israelitas de tal maneira, que recorre a formas
cruéis de controle populacional (Êxodo 1: 18-22).

• Capítulo 2. Somos apresentados ao principal personagem: Moisés.

• Capítulos 3 e 4. São de transição, revelando os eventos


providenciais que empurram Moisés para fora de Egito, em direção
ao deserto, onde ele passará a maior parte de sua vida futura. No
fundamental capítulo três, Moisés aprende mais acerca da
natureza de Deus, bem como sobre o foco de sua própria missão:
ser o agente humano de Deus para a libertação de Israel no Egito.

• Capítulos 5 a 12. Narram o embate de Moisés com o faraó, o qual


se revela também em uma disputa entre divindades, já que Moisés
representava a Javé, e o faraó a si próprio e aos deuses egípcios.

A sessão mais dramática da Parte 1 retrata o embate entre Moisés e Faraó,


intensificado pelo evento das pragas. Acompanhe no gráfico:

Pragas 1-3 Pragas 4-6 Pragas 7-9 Padrão narrativo


Água feita em Enxames de Saraiva sobre a Moisés aparece
sangue (7.14- moscas (8.20- colheita (9.13- perante faraó junto
24) 32) 35) ao rio
Rãs cobrem Gafanhotos Moisés comparece
Pestes nos
toda terra do cobrem a terra perante faraó (na
animais (9.1-7)
Egito (8.1-15) (10.1-20) corte real?)
Piolhos cobrem Úlceras no Trevas cobrem Gesto simbólico de
a terra do Egito povo e no gado a terra do Egito Moisés e Arão longe
(8.16-19) (9.8-12) (10.21-29) de faraó

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Formação em Teologia

Observando o gráfico, notamos que existe um padrão narrativo nas


pragas de 1 a 3, de 4 a 6, e de 7 a 9. É interessante notar na primeira linha que
todos os eventos aconteceram junto ao rio. O Nilo era o cenário do embate
entre Moisés e Faraó, e a conversa entre os dois era informal.

Pragas 1-3 Pragas 4-6 Pragas 7-9 Padrão narrativo


Moisés aparece
Água feita em Enxames de Saraiva sobre a
perante faraó
sangue (7.14-24) moscas (8.20-32) colheita (9.13-35)
junto ao rio

Na segunda linha, o cenário é outro. O embate entre Moisés e Faraó


provavelmente ocorre na corte real egípcia, por isso tem um caráter de
audiência, consequentemente mais formal.

Rãs cobrem Gafanhotos Moisés comparece


Pestes nos
toda terra do cobrem a terra perante faraó
animais (9.1-7)
Egito (8.1-15) (10.1-20) (na corte real?)

Percebemos que na última linha do gráfico o padrão narrativo se


desenrola em cenário completamente diferente. Nem no palácio, nem em
frente ao rio; é um evento que está acontecendo longe. Outra diferença que
percebemos é que não existe um diálogo entre Moisés e Faraó, mas uma
ação simbólica, isto é, um gesto profético. Através deste gesto, Moisés e Arão
estão apontando simbolicamente para o embate espiritual entre Deus e
Faraó, entre Deus e os falsos deuses do Egito.

Gesto
Piolhos cobrem Úlceras no Trevas cobrem
simbólico de
a terra do Egito povo e no gado a terra do Egito
Moisés e Arão
(8.16-19) (9.8-12) (10.21-29)
longe de faraó

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Formação em Teologia

O embate culminou com Deus libertando Israel da escravidão. A


travessia do Mar Vermelho é a síntese da obra divina de salvação, pois num
único ato Deus traz libertação e julgamento, dividindo o mar e fechando de
novo as águas. Pela primeira vez Deus é apresentado como alguém que
guerreia pelo seu povo.

“O SENHOR é homem de guerra; SENHOR é o seu nome. Lançou


no mar os carros de Faraó e o seu exército; e os seus capitães
afogaram-se no mar Vermelho.” (Ex 15: 3,4)

Parte II - A narrativa segue, e três meses após deixar o Egito, Israel chega
ao Monte Sinai, onde fica por quase dois anos. Dando mais precisão, o
restante de Êxodo, todo o Levítico e a primeira parte de Números (até 10: 11)
passam-se no Sinai.

O primeiro evento de impacto no Sinai foi a entrega da lei. Deus se


manifestou de forma impressionante entre fumaça e fogo (Ex 19: 16-19) e
tornando a montanha um espaço santo por causa da Sua presença. Moisés
sobe e recebe os dez mandamentos (Ex 20: 1-17), o chamado Livro da Aliança
(Ex 20: 22-24; 18).

Do primeiro ao quarto mandamento, vemos que as leis abrangem as


bases da relação divino-humana. Já os últimos seis, tratam da relação dos
homens entre si.

As várias leis que compõem o Livro da Aliança (nome proveniente de


Êxodo 24: 7) detalham os Dez Mandamentos. Uma resposta cultural-
histórico-redentora do povo de Deus para a época, por exemplo, a lei sobre
o boi escorneador (Êxodo 21: 28-36) é uma especificação do sexto
mandamento para uma sociedade agrária. A lei foi dada no contexto da
aliança, e Êxodo 19-24 nos mostra que a lei está na forma de um tratado de
aliança.

121
Formação em Teologia

Parte III - A última seção se ocupa em mostrar as instruções de Deus


acerca da construção do tabernáculo (Ex 25: 1-40; 38), um conjunto de ordens
de caráter extremamente detalhista.

A seção abre com a solicitação do material com o qual o tabernáculo


será construído (Êxodo 25: 1-9). A presença dos materiais preciosos no
deserto só pode ser explicada como resultado dos denominados despojos
dos egípcios (Êxodo 12: 33-35). Desse modo, Deus providenciou os materiais
para a sua própria casa.

A maior parte do restante do livro ocupa-se com as instruções para


construir as várias partes do tabernáculo, da mobília às vestes sacerdotais
(Ex 25: 10- 31; 18). Sobre o tabernáculo:

• Símbolo primário da presença de Deus em Israel


.
• Mostra o fato de que um Deus santo habitava no meio do povo
israelita.

Quando Israel acampava durante a peregrinação pelo deserto, o


tabernáculo era montado no centro do acampamento. Cada tribo possuía
sua posição ao redor dele. De acordo com a tradição do antigo Oriente Médio,
o centro do acampamento era o lugar da tenda do rei. Considerando-se que
Deus era o rei de Israel, sua tenda adequadamente se encontrava no centro.

Quando a tenda era desarmada e Israel se punha em marcha, a arca,


localizada no Santo dos Santos do tabernáculo, liderava a marcha, da
mesma maneira que um rei do Oriente Médio conduziria o seu exército em
batalha.

A área do tabernáculo era dividida em diferentes partes: um átrio (Êxodo


27: 9-19), um santo lugar e o santo dos santos (Êxodo 26: 31-35). Quanto mais
perto do santo dos santos, mais perto da presença de Deus. Isso era
perceptível pela qualidade do material e pela acessibilidade. Quanto mais
próximo do santo dos santos, melhor era o material e mais restrito o acesso.

122
Formação em Teologia

O Livro de Êxodo nos revela um Deus que liberta, um Deus de aliança e


um Deus que vive em meio ao seu povo. O salmista diz:

“A salvação vem do Senhor; sobre o teu povo seja a tua


bênção.” (Sl 3:8)

Esse grande ato de salvação se torna o paradigma das libertações


futuras. Isso fica claro quando os profetas predizem o cativeiro babilônico e
a restauração final de Israel. Na mente dos profetas, o cativeiro babilônico
vinha a ser um segundo cativeiro egípcio, que seria seguido no final das
contas por uma peregrinação pelo deserto de volta à Terra Prometida (Isaías
35: 5-10; 40: 3-5; 41: 4-21. Oséias 2: 14-16). Na realidade, tal restauração
aconteceu após o decreto de Ciro e sob a liderança de homens como Esdras
e Neemias.

O Novo Testamento traz Cristo como nosso redentor. Quando falamos


sobre redenção, nos referimos à liberdade. Podemos nos enriquecer
espiritualmente e nos aprofundarmos sobre o verdadeiro significado da
liberdade, pegando o texto do antigo testamento que fala sobre libertação e
comparando aos textos que apresentam Jesus Cristo como nosso libertador.
De um lado temos a libertação no Antigo Testamento, do outro lado temos a
libertação a partir da cruz. Junte isso em seu coração, pois tanto o mar
vermelho quanto a cruz revelam facetas diferentes do mesmo Deus, o
libertador.

VII Levítico e a santificação como critério de Deus

O Livro de Levítico é escrito ao povo que foi liberto de um jugo cultural


idólatra e chamado de Deus para a santificação e a adoração, ou seja, Deus
pretende remover o entulho espiritual, cultural e emocional acumulado por
gerações, e ao retirar isso, o povo de Deus estaria desimpedido para
experimentar um novo contexto de vida, numa nova terra, de nova cultura,
com um novo comportamento e uma nova realidade de adoração.

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Formação em Teologia

Nenhum povo será realmente santo sem ser realmente livre. Por meio
deste livro, reconhecemos o cuidado de Deus em trazer a lei como forma de
aperfeiçoar e amadurecer o seu povo, com a finalidade de experimentarem
plenamente as bênçãos da terra da promessa. E a primeira orientação é que
Levítico seja lido junto de Hebreus, pois o contexto imediato de Levítico remete
a cultura e sociedade judaicas, e ler Levítico sem as lentes do Novo
Testamento deixará o leitor restrito à religião judaica, sem conseguir fazer
uma conexão com o Evangelho, mas ao se fazer essa ponte, pode-se
entender o Livro de Levítico como uma “sombra” do Livro de Hebreus, e que a
temática levítica é santificação.

E se há um tema no qual a igreja se perde e confunde, às vezes tomando


caminhos perigosos, é a santificação. Quando se transforma santidade em
regras e rituais, está-se distanciando do real sentido exposto no livro levítico,
e se um livro investe todas as suas páginas falando sobre santificação, a
conclusão é que o tema é importante para a Bíblia, e mais importante para
Deus.

O nome Levítico provém da Septuaginta, e a palavra significa "Relativo


aos levitas". Mas no hebraico, wayyiqra significa “e Ele chamou”. Podemos
traduzir a frase inicial do livro como "chamou o SENHOR a Moisés." (Lv 1:1) ou
“e Ele chamou Moisés”. Levítico é uma história instrutiva, com a intenção de
informar o leitor sobre o que ocorreu e construir um pano de fundo para a lei
(instrução). Wayyiqra precisa ter seu significado estendido, para que
possamos compreender essa vida de santidade e atender ao chamado de
Deus.

Não podemos deixar de nos referir ao testemunho de Cristo sobre


Levítico, em Mateus (8:4), quando faz menção ao Livro de Levítico (14:1-32),
Jesus usa a expressão em hebraico wayyiqra, Ele não usa a expressão
“levítico”. Outro fato interessante é perceber que o Livro de Levítico começa
com a letra “E”. Qual o significado? A expressão traz uma ideia de
continuidade:

• “Estes são os nomes de” (Êxodo)


• “E”, “Ele chamou“ (Levítico)

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Formação em Teologia

A pessoalidade de Êxodo precisa invadir as páginas de Levítico. Essa é a


consequência inevitável de começar o texto deste livro com essa expressão.
Pessoalidade e chamado, libertação e santidade. O Deus pessoal chama
para uma aliança, o Deus que liberta espera santidade.

No tempo de hoje, existe uma sequência bíblica que muitas vezes é


quebrada. Quando fazemos este paralelo entre Êxodo e Levítico precisamos
entender que a libertação vem primeiro; depois vem a santificação. É
impossível viver santificação, sem ter experimentado a libertação. Quando
tentamos empurrar e exigir das pessoas santificação, sem que elas tenham
experimentado a libertação, estamos dificultando o acesso ao Evangelho, e
corrompendo a sua mensagem.

Nota pastoral - Meu filho fará 15 anos. Hoje ele já é batizado, mas quando
tinha 8 anos, eu percebi que, por ele ser filho do pastor, existia uma certa
cobrança da igreja de um padrão comportamental. Não podemos exigir
santidade das pessoas, muito menos de crianças, só porque são filhos de
pessoas piedosas e tementes a Deus. Não se esqueça que homens e
mulheres tementes a Deus podem ser pais de filhos ímpios e incrédulos, veja
o caso de Samuel, sacerdote e profeta, homem temente a Deus, mas seus
filhos eram corruptos e incrédulos (e esses exemplos são numerosos e
significativos em nosso meio). [...]

[...] Então, certo dia me dirigi à igreja: “Eu quero que vocês tratem meu
filho como se fosse ele fosse um incrédulo. Não o tratem como se fosse
alguém santificado, ele não se batizou, e não tem consciência de conversão.
Se vocês tratarem o meu filho como um “santo”, estarão criando obstáculos
e não vivendo santidade. Testemunhem de Cristo ao invés de cobrar
santidade de uma criança, testemunhem a santidade de vocês, para que
esse testemunho de vocês revele Cristo ao coração dele”. Exigir santidade de
quem não é livre tem gosto de morte, mas alguns anos se passaram e ele se
batizou.

125
Formação em Teologia

Neste novo contexto a relação mudou, pois, a expectativa por santidade


faz parte das relações de comunhão. Não se esqueça: não existe
possibilidade de alguém experimentar a santificação, sem antes ter sido
liberto. Muitas vezes, dentro da igreja, começamos a exigir dos nossos filhos
que tenham uma vida santa e irrepreensível, sem que tenham
experimentado um processo de conversão genuíno. Eles não tiveram a
experiência de serem encontrados e resgatados do pecado por Cristo, sendo
assim, é tolice exigir santidade das pessoas ao nosso lado sem que antes elas
estejam experimentando libertação, que é o primeiro passo, e sempre será
assim, só podemos falar sobre santidade para quem experimentou a
libertação, pois quanto menos se sabe sobre libertação, menos se sabe sobre
santificação. Não inverta a ordem, o prejuízo é muito alto.

À esta altura do estudo, já temos os dois fundamentos que nos auxiliarão


a ler esse livro. Recapitulando:

• Primeiro - O Livro de Levítico só faz sentido para quem


experimentou o ser escolhido por Deus, e para quem já viveu a
libertação de Deus. A experiência com o Redentor precisa ser real
pois a leitura se torna uma busca consciente por santificação.

• Segundo - Entender os princípios que se encontram no texto,


diferenciando os protocolos e rituais específicos (que se limitam à
liturgia e sociedade hebraica antiga) dos princípios que servem a
todo cristão.

Podemos ver um resquício de literatura legal (lei). Também devemos


entender que a revelação na Bíblia é progressiva, assim, neste momento, a
santidade é baseada na obediência à lei, sendo limitada se compararmos
ao Novo Testamento, onde a consciência de santidade se expande. Uma vez
mais, lembramos da importância de usar o Livro de Hebreus como referência
em sua leitura de Levítico, e também, com objetivo de trazer uma melhor
compreensão da relação lei-obediência-santidade, o Livro de Gálatas é

126
Formação em Teologia

muito importante. Ali, Paulo ensina que a lei é “aio”, que conduz o povo até
chegarem à maioridade, e receber a herança do Evangelho - o Cristo vivo.

Aqui encontramos a essência da mensagem:

“Portanto santificai-vos, e sede santos, pois eu sou o Senhor


vosso Deus. E guardai os meus estatutos, e cumpri-os. Eu sou o
Senhor que vos santifica.” (Levítico 20: 7-8)

É neste livro na Bíblia onde mais aparece a expressão “disse Deus”. Fica
a pergunta: se neste livro aparece a maior quantidade de expressões do tipo
“disse Deus”, por que ele é tratado com irrelevância por alguns? Isso significa
que a nossa forma de ler o livro precisa mudar. É necessário
compreendermos que Levítico é um convite. Além disso, ensina que a história
da libertação continua com a história da santidade, isto é, o processo de
libertação só continua no processo de santidade:

“Se em Gênesis nós vemos o remédio de Deus para a ruína do


homem, no livro de Êxodo nós vemos a resposta de Deus para o
homem e no livro de Levítico nós vemos a provisão para a
necessidade do homem. Em Gênesis nós vemos a semente da
mulher, em Êxodo nós vemos um sangue de um cordeiro e em
Levítico nós vemos o sacerdote e o altar do sacrifício. Gênesis
apresenta para nós o problema do pecado, Êxodo a
possibilidade da salvação e em Levítico a provisão para o culto.
Agora que fomos salvos, existe a possibilidade de cultuar ao
nosso Deus.” ²

Se você ler Levítico como se fosse mera burocracia, de fato o livro não
vai servir para a sua vida. Contudo, se você ler Levítico como o encontro que
promove a santificação, o livro terá um grande impacto sobre a sua vida de
santidade. Quando finalmente entendemos que Deus é aquele que nos

127
Formação em Teologia

liberta, o nosso culto começa a ser um espaço de reconhecimento, gratidão


e louvor. É uma tentativa de trabalhar para a glória e louvor do nosso Deus.

VIII Estrutura narrativa

Dillard e Longman III propõem a seguinte estrutura para o livro:

I. Leis sacrificiais (Lv 1.1-7.38)

A - Instrução para a expiação (1.1-6.7)

• Lei do holocausto (1)


• Lei da oferta de cereais (2)
• Oferta da comunhão (3)
• Lei da oferta pelo pecado (4: 1; 5: 13)
• Lei da oferta pela culpa (5: 14; 6: 7)

B - Instruções aos Sacerdotes (6.8-7.38)

lI. Narrativa sacerdotal (8.1-10.20)

A. O início formal do sacerdócio (8: 1; 9: 24)

B. Os limites no sacerdócio - Nadabe e Abiú (10)

III. Leis para proteger a pureza ritual (11.1-16.34)

128
Formação em Teologia

A. Os animais que se devem comer e os que não se devem comer (11)

B. A purificação da mulher depois do parto (12)

C. As leis acerca da lepra (13-14)

• Julgando a doença (13)


• Purificando a doença (14)

D. Imundícias do homem e da mulher (15)

E. O Dia da Expiação (16)

IV: Código de santidade (17-27)

A. As leis (17: 1; 24: 23)

• Proibição de comer sangue (17)


• Casamentos ilícitos (18)
• Repetição de diversas leis (19-20)
• Leis acerca dos sacerdotes e sacrifícios (21-22)
• Festas solenes do Senhor (23)
• Lei do tabernáculo [a lei acerca das lâmpadas] (24: 1-9)
• Pena do pecado de blasfêmia (24: 10-23)
• Ano sabático (25)

B. Bênçãos e maldições (26)

• A recompensa da obediência (26: 1-13)


• O castigo da desobediência (26: 14-46)
• Ofertas ao Senhor (27)

129
Formação em Teologia

IX O sistema sacrificial

A proposta do livro é fornecer diretrizes aos sacerdotes e leigos sobre o


comportamento apropriado na presença de um Deus santo. Portanto, a
ênfase recai na objetividade da informação.

O sacrifício - A atividade mais importante de adoração durante o Antigo


Testamento. É a morte da vítima sacrificial que torna o rito efetivo, e a
manipulação do sangue destaca a morte. O sacrifício é um modo de tornar
o profano puro de novo, e restabelecer a comunhão com Deus. Sendo assim,
o sacrífico é:

• Uma oferta
• Noção de comunhão.
• Expiação

Holocausto - O nome em português desse sacrifício vem diretamente


da tradução grega. Já o termo em hebraico significa "ascendente". e deriva
do fato de que o aroma perfumado do sacrifício sobe (ascende) aos céus em
forma de fumaça. E a lei permitia a substituição de ofertas por formas que
fossem proporcionais a condição econômica do adorador:

• Gado (Levítico 1: 3-9) aos mais ricos


• Carneiros e cabritos (Levítico 10- 13) aos de condição
intermediária
• Pássaros (Levítico 14-17) aos mais humildes.

A oferta de cereais (Levítico 2: 6; 14-23) - Essa expressão é traduzida por


"tributo" (v. Juízes 3: 15,17-18; 2 Samuel 8: 6; 1 Reis 4: 21), e era um presente
dedicado ao Senhor do pacto, muitas vezes feito junto ao holocausto que o
precedia (Êxodo. 29: 40-41; Números 15: 1-10; 28: 5-8).

130
Formação em Teologia

A oferta da comunhão (Levítico 3; 7: 11-38) - O termo hebraico para esse


sacrifício vem da palavra hebraica que significa "paz". Esse tipo de sacrifício
revela a parceria entre o adorador e Deus, e entre os próprios adoradores.
Vale ressaltar que essa ênfase em comunhão e paz não exclui o caráter
expiatório:

“A refeição compartilhada, que é o resultado desse sacrifício, é


uma celebração do pacto. Cada um adquire um pedaço da
oferta: o Senhor (Levítico 3: 3-4), o sacerdote (7: 28) e os
adoradores.” ³

A oferta pelo pecado (Levítico 4: 1-5; 13; 6: 24-30) - Tem por objetivo a
remissão dos pecados não intencionais.

A oferta pela culpa (Levítico 5: 14; 6: 1; 7: 1-10) - É o sacrifício (oferta) pela


reparação do erro cometido (pecado intencional).

Sacerdócio - Grande parte do livro é dedicado à instrução dos


sacerdotes (e um chamado à adoração para nós), que eram restritos à
linhagem designada por Deus.

X Números, a geografia e a geopolítica do Pentateuco

Temos uma referência na língua portuguesa muito clara no título do Livro


de Números. Junto com Levítico, talvez o Livro de Números seja um dos textos
que mais afugenta os crentes, afinal de contas, o que tem de espiritual neste
livro? É fácil encontrar pessoas que pulam os nomes e os números até
encontrarem uma narrativa mais “fluida e agradável” no texto. Porém, por
que não conseguimos ver um senso de espiritualidade nestas listas?

131
Formação em Teologia

Como nos demais livros do Pentateuco, o título que temos é originário da


Septuaginta. No hebraico, o título do livro é “b’ midbar”, isto é, "no deserto".

Esse título indica o ambiente de todo o livro, à medida que os israelitas


se deslocam do Sinai (Números 1: 12) para o deserto de Parã (10: 12) e,
finalmente, para as planícies de Moabe (22: 1; 36: 13). Do mesmo modo que
Êxodo e Levítico, Números inicia-se com a conjunção "e", mostrando a
continuidade que existe entre os livros do Pentateuco. Perceba que no texto
original, ao invés de termos uma referência numérica, temos uma referência
geográfica. O deserto é um pano de fundo para muitas histórias que estão
sendo contadas pelo Pentateuco, é um lugar de preparação, revelação e
construção do caráter:

“Números cumpre um papel importante ao narrar a transição


da velha geração que deixou o Egito e pecou no deserto para a
nova geração que se encontrava na iminência da Terra
Prometida. O livro, então, apresenta ao leitor uma visão de
recomeço e esperança.” 4

Há dois recenseamentos no livro (Nm 1 e Nm 26), e essas duas listas se


contrapõem, mostrando duas gerações distintas. Nm 1-25 conta a história da
primeira geração, que pecou ao duvidar do poder do Senhor e pereceu no
deserto, sendo substituída por seus descendentes, apresentados no segundo
censo.

XI Gênero literário e estrutura

“Encontramos muitos tipos diferentes de gêneros literários neste


livro: "narrativo (Nm 4.1-3), poesia (21.17-18), profecia (24.3-9),
canto da vitória (21.27-30), oração (12.13), bênção (6.24-26),
sátira (22.2235), carta diplomática (21.14-19), lei civil (27.1-11), lei
de culto (15.7-21), decisão oracular (15.32-36), lista do
recenseamento (26.1-51), arquivo do templo (7.10-88), itinerário
(33.1--49)." 5

132
Formação em Teologia

Classificamos o gênero do Livro de Números como histórico-instrutivo.


As divisões mais comuns dos estudiosos são baseadas na cronologia ou na
geografia:

Narra os eventos do primeiro dia do segundo mês


Números 1:1; 10: 11
até o décimo nono dia de peregrinação no deserto.

Narra os cinco meses durante o quadragésimo


Números 21:10; 36.13
ano no deserto.

Números 10:12; 21: 9 Não datado, mas incluso nos quarenta anos.

Essa divisão didática é extremamente útil para guiar o leitor do início ao


fim dos quarenta anos de peregrinação no deserto. Preste atenção à
classificação geográfica na tabela a seguir (e se possível, tenha um mapa
da região):

Números: 1: 1; 10 :10 Deserto de Sinai

Números: 10 :11; 20:13 Área ao redor de Cades

Números: 20:14-36:13 De Cades à Moabe

XII Construção narrativa

Segundo Dillard e Longman III, Números pode ser esboçado da seguinte


forma:

A - O fim do antigo - A primeira geração do povo de Deus sai do Egito


em marcha pelo deserto (Números 1: 1; 25: 18).

133
Formação em Teologia

• Preparação e inauguração da marcha do povo santo de Israel


(1: 1-36).
• Preparação e organização ritual da marcha (1: 1; 10: 10).
• O início da marcha (10: 11; 10: 36).

B - O ciclo da rebelião - Morte e libertação do povo santo de Israel com


elementos de esperança, exceto o declínio final e morte (11: 1; 25: 18).

• Ocorrências frequentes de rebelião e expiação, cada uma


envolvendo a morte e/ou ameaça de morte da primeira geração
(11.1-20.29).
• O fim da primeira geração: declínio e sinais de esperança (21.1-
25.18).

C- O nascimento do novo - A segunda geração do povo de Deus. Fora


do Egito, eles preparam a entrada na Terra Prometida (Números 26: 1; 36: 13).

• A preparação e a organização do novo povo de Deus para entrar


na terra prometida.
• Essa segunda geração será fiel e entrará na terra da promessa ou
se rebelará e fracassará como a primeira geração?

XIII Pecado e julgamento x Otimismo e esperança

Existe na mensagem de Números certo otimismo, uma esperança, pois


apesar de falar de pecado e julgamento, precisamos nos pautar no ensino
do livro de Isaías: O julgamento que aparece na Bíblia está a serviço da
salvação, pois sempre vem com uma possibilidade de salvação. Em outras
palavras, o juízo bíblico não é um Deus humilhando o ser humano por causa
de seus erros, mas é um convite ao arrependimento, para que as pessoas
voltem à intimidade do relacionamento vivo com o criador. Vemos os dois

134
Formação em Teologia

lados da história: pecado e julgamento (Números) 1:25), otimismo e


esperança (Números 25-36).

Em Levítico, vemos nitidamente uma ênfase no culto e na pureza da vida


diária, ao passo que no Livro de Números a ênfase está no caminhar, na
peregrinação, trazendo a ideia de que perseverar é essencial. Se Levítico fala
para nós que santidade é primordial na vida cristã, o Livro de Números mostra
que perseverar na geografia árida, em meio aos desertos é essencial.

Quem não persevera não consegue chegar, e o Livro de Números mostra


um povo que foi chamado à santidade (Levítico), sendo desafiado a
perseverar diariamente. Perseverar em santidade no deserto! Eis o desafio!
Ler o Pentateuco é seguir um eixo teológico: Deus escolhe, Deus liberta, Deus
chama à santidade. O homem, com ajuda do próprio Deus, é desafiado a
persistir. Seu primeiro ato é a escolha, seguido da libertação, da santificação
e culminando na perseverança:

• Escolhidos – Libertos – Santificados – Perseverantes.

XVI Deuteronômio: um renovo da aliança

Seguindo o padrão, o nome do livro vem da Septuaginta, Deutero


significa “segundo”, e Nomos significa “lei”, as duas palavras juntas trazem o
sentido de "segunda lei" ou "repetição da lei". Essa expressão está em
Deuteronômio 17, onde o rei é instruído a fazer uma "cópia desta lei". O
episódio em que Moisés quebra as tábuas da lei não promove uma alteração
da norma. Acontece que Deuteronômio contém uma segunda versão da lei
proferida no Monte Sinai, conforme registrado em Êxodo, Levítico e Números.
Em grande parte, o livro consiste em inúmeros discursos, ou sermões,
proferidos por Moisés nas planícies de Moabe. De acordo com Dillard e
Longman III, Deuteronômio “é a crônica de uma cerimônia de renovação da
aliança”, na qual Israel reafirma sua submissão a Deus, e o propósito de
preservar na Sua lei (Deuteronômio 29: 1; 31: 29). Neste livro Israel se prepara
para dois desafios: a vida sem Moisés e as guerras para a conquista da terra.

135
Formação em Teologia

Segundo Meredith Kline (1963), Deuteronômio possui o mesmo plano e


estrutura dos tratados internacionais conhecidos da cultura hetéia do
segundo milênio a.C. Kline defendeu que o relacionamento de aliança entre
um rei vitorioso e um povo subjugado foi o paradigma que definiu a relação
entre Deus, como suserano, e seu povo vassalo, Israel.

Os tratados do segundo milênio apresentam uma introdução da história


da relação passada entre o suserano e o vassalo. Era recontada, enfatizando
a benevolência do rei. As condições estabeleciam as leis detalhadas aceitas
pelo vassalo em sua submissão ao suserano. A exigência mais proeminente
era de submissão exclusiva do vassalo ao senhor do tratado. As condições
incluíam, em geral, preceitos sobre o tributo a ser prestado ao senhor. No
contexto da relação de Israel com Javé, tal tributo consistia, em parte, na
observância da lei e nos sacrifícios exigidos, conforme especificado nas leis
de culto. Os tratados do segundo milênio também compreendiam uma longa
lista de bênçãos e maldições, em razão da obediência, ou não, das condições
do pacto.

Em suma, o Livro de Deuteronômio apresenta características de


“tratado”, correspondente aos documentos do segundo milênio. Esse registro
comprova sua historicidade e mostra que a datação de Deuteronômio é
compatível com o tempo de Moisés. Além disso, por seu conteúdo único,
cremos se tratar de um livro inspirado, a Palavra de Deus.

Podemos dizer que Deuteronômio funciona como a Constituição de


Israel, definiu a ordem social, o código penal, os princípios legais e
procedimentos jurídicos. Como documento, o livro administrou a vida do
povo em seu pacto com Deus. McBride afirmou que o livro deveria ser
entendido como o precursor do constitucionalismo ocidental moderno.

XV Discurso e exposição do decálogo

De acordo com Dillard e Longman III, Deuteronômio foi, por muito tempo,
compreendido como uma série de três discursos de Moisés ao povo de Israel
nas planícies de Moabe, onde cada declaração começa especificando o
local exato no qual foi proferida. Leia os exemplos: "Além do Jordão, na terra

136
Formação em Teologia

de Moabe" (Deuteronômio 1: 5); "Além do Jordão, no vale defronte de Bete-


Peor, na terra de Seom" (4: 44; 49: 5) e "em Moabe" (29.1).

O primeiro discurso de Moisés (caps. 1-4) fala do passado e conta a


viagem do povo de Israel até a entrada na terra. O segundo (caps. 5-28) fala
do futuro e da vida de Israel sob a lei na terra. No terceiro (caps. 29-32), a
nação é orientada para a renovação do pacto. Esses discursos são
encerrados com a narrativa da morte de Moisés (caps. 33-34).

Christensen afirmou que Deuteronômio é um poema didático, composto


para ser lido publicamente como música no antigo Israel durante o culto, e
frequentemente, expõe os 10 mandamentos, explicando-os em situações
reais do cotidiano do povo:

“Por exemplo, a proibição do terceiro mandamento contra o


mau uso do nome de Deus é explicada de diversas maneiras
que refletem a necessidade de aceitar Deus com seriedade (Dt
13.1-14.21), não tolerando os falsos profetas (13.1-5) ou a
maldade, mesmo entre a família e amigos, ou cidades inteiras
(13.6-18). Aceitar a Deus com seriedade, respeitando o seu
nome, inclui observar as leis das dietas especiais de Israel (14.1-
21). O mandamento para não se profanar o nome de Deus tem
sua analogia com o nono mandamento, que proíbe o falso
testemunho contra os outros. O nono mandamento é por sua
vez exposto através de exemplos de falsa acusação e outras
questões de relações entre vizinhos (24.8-16).” 5

Quase não há dúvida de que Deuteronômio tivesse um lugar dentro do


culto de Israel: uma renovação da aliança era, em si, um evento de profunda
religiosidade. E os levitas foram ordenados a ler periodicamente o livro da lei
de Moisés, relativo à cerimônia da Festa dos Tabernáculos (Dt 31: 9-11).

O chamado "Cântico de Moisés" (Dt 32) foi ensinado por ele mesmo à
nação (Dt 31: 19,30). Outro poema que registra a bênção de cada tribo pode
ter sido musicado em algum momento, mas a afirmação de que

137
Formação em Teologia

Deuteronômio tenha sido composto a partir de um raciocínio musical carece


de fundamentação, por outro lado, é visível que a importância do texto foi tão
marcante na vida do povo, que se transformou em canções, ou ainda foi
utilizada em canções para fixar no coração do povo sua história e lei, já que
música e poesia são meios comuns para se transmitir tradições culturais. O
livro retrata o que seria um Israel ideal, apresentando uma nação com "um
Deus, um povo, uma terra, um santuário e uma lei". A identidade nacional é
desenvolvida, sendo proposta uma relação viva entre Deus e o povo, tendo
em vista que cada tribo deveria se enxergar como membro de um único
organismo.

No hebraico, a frase “elleh hade varyim” significa “estas são as


palavras”, expressão apresentada como o nome do livro, isso sugere a
importância da mensagem desse livro, pois “estas são as palavras”, logo,
essa é a verdade que precisamos conhecer e aprender, mais do que isso, a
ênfase é para experimentar a palavra dentro de nós, transformando-se em
parte de nós ao se fazer morada interior. O Livro de Deuteronômio foi o clamor
para que o povo recebesse a palavra e deixasse que a mesma fizesse parte
íntima da sua constituição. Não o mero pensamento ou sentimento, mas
genuína transformação e condução da vida.

É comovente ver essa relação da aliança entre Deus e o homem, Deus


convidando o povo a um acordo com Ele e escutar as Suas palavras. Quando
este acordo é selado, são colocadas as bênçãos sobre o Monte Gerizim e as
maldições sobre o Monte Ebal. Lendo o Antigo Testamento, percebemos que
o acordo foi quebrado, e o povo falhou em obedecer. Ficaria no monte da
benção quem cumpriu o acordo, e ficaria no monte da maldição quem não
cumpriu. A grande questão é que todo o povo não conseguiu, tornando-se
alvo das maldições que aparecem no Livro de Deuteronômio. O mesmo vale
para nós, que por vezes quebramos a aliança com Deus, e junto de Israel,
nosso lugar é o Monte Ebal.

Ao caminharmos para o Novo Testamento, percebemos que Jesus foi o


único que realmente guardou a lei e cumpriu todas as exigências. Portanto,
entendemos que Jesus foi o único digno, merecedor de todas as bênçãos
que estavam neste contrato que foi firmado entre o povo e Deus, e que o povo
é merecedor da maldição. O que Cristo está fazendo na cruz?... Ele está
trocando de lugar com o povo. Em suma: Cristo se dirige ao Monte Ebal para

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Formação em Teologia

assegurar nosso lugar no Monte Gerizim, e o povo que não cumpriu seu papel
assume o lugar de receber as bênçãos em Cristo Jesus, que cumpriu toda a
lei, mas assume o lugar de maldição.

Esse conceito é conhecido na teologia como doutrina da substituição,


ou seja, Cristo substituiu o pecador, neste caso, o povo, que só recebeu as
bênçãos pela obediência de Jesus e Sua perfeita obra, e assim, todas as
maldições que deveriam estar sobre o povo, foram lançadas nEle. Ler o
Pentateuco é atender ao chamado de um encontro com a Palavra, e guardá-
la, pois, ela é Cristo:

“Quem tem os meus mandamentos e lhes obedece, esse é o


que me ama. Aquele que me ama será amado por meu Pai, e
eu também o amarei e me revelarei a ele. (...) Respondeu Jesus:
Se alguém me ama, guardará a minha palavra. Meu Pai o
amará, nós viremos a ele e faremos nele, morada.”
(João 14: 21,23)

Não tem como amar ao Senhor sem guardar Suas palavras, fonte de
libertação e desejo de santificação. A santificação levará a uma vida de
perseverança, que levará a uma profunda conexão com Deus. O apóstolo
João fala, no início da sua carta, que Jesus Cristo é a palavra que sai da boca
de Deus. Então, se quisermos conhecê-lo pessoalmente, “essas são as
palavras”.

139
Formação em Teologia

Notas

1 Swindoll

2 Wilson Porte

3 Dillard e Longman III 4 Dillard e Longman III 5 Dillard e Longman III

Bibliografia sugerida

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD, Robert Jr. BLOMBERG, Craig L. (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy Yamakami.
Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova, 2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006)

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

Livros Históricos: Josué Conquista e Divisão da Terra da


Prometida

I Classificação dos livros no A.T

O Livro de Êxodo revela a condição terrível dos hebreus, um cativeiro


absoluto (físico, emocional, social, intelectual, político, cultural, religioso,
espiritual, etc.). Logo, Deus iniciou um processo de libertação, redenção e
educação do povo, numa jornada cheia de grandes experiências com Seu
poder e ação em favor dos Seus filhos. Neste livro reconhecemos o ato do
Senhor em se revelar como um Deus pessoal, que chama seus filhos pelo
nome e dedica extremo amor a eles.

Toda história é contada a partir de um ponto. Existem muitas formas de


se narrar uma história, e aqui é a partir da confissão de fé, referente à
revelação do Deus que entrou na história, isto é, do “Verbo que se fez carne”.
Uma divisão didática da Bíblia categoriza seus livros em: pentateuco,
históricos, poéticos e proféticos. Visto que o Pentateuco foi objeto de estudo
anterior, o foco aqui será os livros históricos, que não fogem ao fato da
confissão de fé e nos contam uma história de acordo com essa perspectiva.

Os livros poéticos revelam os sentimentos de um povo, e também o


coração de Deus, principalmente através de salmistas. Os livros históricos
compõem uma coletânea de doze livros que vão de Josué à Ester, e conforme
a história se desenrola, novas realidades são apresentadas, e agentes como
juízes, profetas, reis, e o próprio templo, passaram a fazer parte do cotidiano
dos hebreus. Essas diversas narrativas nos trazem luz sobre as maneiras que
Deus age em meio ao seu povo. No Antigo Testamento há doze (12) livros
históricos, observe a divisão comparada aos outros tipos de livros:

Categoria Número de livros

Livros de Lei- Pentateuco Cinco (5) livros


Livros Históricos Doze (12) livros
Livros Poéticos Cinco (5) livros

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Formação em Teologia

Livros Proféticos Dezessete (17) livros

“A grande obra de redenção da escravidão no Egito não pode


ser separada da herança da terra prometida por Deus. O livro
de Josué nos remete àquela herança: ele descreve a conquista
e a distribuição da terra.” ¹

II Peregrinação

O povo redimido era constituído de pessoas que tinham uma herança


para receber, e esse povo, agora liberto (resgate), seguiu numa peregrinação
de conquista da terra, sua herança. Sobre a peregrinação, podemos dizer que
o povo de Israel levou três meses para sair do Egito e chegar à entrada da
terra prometida:

“No dia em que se completaram três meses que os filhos de


Israel haviam saído da terra do Egito, chegaram ao deserto do
Sinai.” (Ex 19:1)

Para fins didáticos, faça uma experiência no Google Maps. Coloque a


cidade de Tânis como ponto de partida. Essa é a região aproximada de onde
o povo de Israel partiu. Como ponto de chegada coloque a cidade de
Jerusalém. Clique no ícone de viagem a pé e você descobrirá que o tempo
gasto seria de 144 horas para percorrer uma distância de 710 km. Obviamente,
o trajeto do povo rumo à terra prometida não inclui sua chegada em
Jerusalém. De fato, o deserto do Sinai é a porta de entrada, o que reduz a
trajetória proposta no exercício pela metade. Se compararmos com os
mapas bíblicos sobre o trajeto do povo rumo à terra prometida, veremos que
a viagem acontece mais ao sul. Isso se deve ao fato de que o exército egípcio
tinha controle das rotas ao norte. Lembre-se dos agravantes que tornaram a
viagem mais lenta, tais quais as condições climáticas adversas, a multidão
de pessoas que faziam a viagem juntos e as toneladas de despojos que

144
Formação em Teologia

traziam do Egito, além da escolha em si, do trajeto mais ao sul, com objetivo
de fugir dos pontos vigiados pelo exército egípcio, posicionado ao norte.

145
Formação em Teologia

Apesar das circunstâncias citadas, o mapa mostra que essa viagem


poderia ser feita em muito menos tempo. Quarenta anos se passaram e a
geração que duvidou e murmurou pereceu no deserto. A entrada e conquista
da terra prometida ganha um novo personagem: Josué. E quem foi ele? A
narrativa mostra que ele foi um dos espias enviados por Moisés para fazer o
reconhecimento da terra.

III Moisés e Josué

“Enviou-os, pois, Moisés a espiar a terra de Canaã; e disse-lhes:


Subi por aqui para o lado do sul, e subi à montanha: E vede que
terra é, e o povo que nela habita; se é forte ou fraco; se pouco
ou muito. E como é a terra em que habita, se boa ou má; e
quais são as cidades em que eles habitam; se em arraiais, ou
em fortalezas. Também como é a terra, se fértil ou estéril; se
nela há árvores, ou não; e esforçai-vos, e tomai do fruto da
terra. E eram aqueles dias os dias das primícias das uvas.” (Nm
13 :17-20)

Josué e Calebe foram os únicos espias que trouxeram notícias sobre a


terra, com esperança e não se deixando esmorecer ao avaliar as dificuldades
para conquistar a terra. É importante perceber que Josué não se torna
sucessor de Moisés sem motivos, pois havia uma relação prévia entre ambos:

• Moisés confere a Josué responsabilidades militares.

“Por isso disse Moisés a Josué: Escolhe-nos homens, e sai, peleja


contra Amaleque; amanhã eu estarei sobre o cume do outeiro,
e a vara de Deus estará na minha mão. E fez Josué como
Moisés lhe dissera, pelejando contra Amaleque; mas Moisés,
Arão, e Hur subiram ao cume do outeiro.” (Ex 17: 9,10)

146
Formação em Teologia

• O próprio Deus estabelece uma conexão entre os dois, ordenando


que Moisés confiasse a Josué o que havia recebido da parte de
Deus. Isso revela a ação de Deus criando a ligação entre eles.

“Então disse o Senhor a Moisés: Escreve isto para memória num


livro, e relata-o aos ouvidos de Josué; que eu totalmente hei de
riscar a memória de Amaleque de debaixo dos céus.” (Ex 17: 14)

• Josué é apresentado como servidor, aquele que está do lado


apoiando e dando suporte.

“E levantou-se Moisés com Josué seu servidor; e subiu Moisés


ao monte de Deus.” (Ex 24: 13)

• É revelado o caráter de permanência e constância de Josué.

“E falava o Senhor a Moisés face a face, como qualquer fala


com o seu amigo; depois tornava-se ao arraial; mas o seu
servidor, o jovem Josué, filho de Num, nunca se apartava do
meio da tenda.” (Ex 33: 11)

• O próprio Deus escolheu Josué como substituto de Moisés.

“Então disse o Senhor a Moisés: Toma a Josué, filho de Num,


homem em quem há o Espírito, e impõe a tua mão sobre ele.”
(Nm 27: 18)

147
Formação em Teologia

“E disse o Senhor a Moisés: Eis que os teus dias são chegados,


para que morras; chama a Josué, e apresentai-vos na tenda
da congregação, para que eu lhe dê ordens. Assim foram
Moisés e Josué, e se apresentaram na tenda da congregação.”
(Dt 31: 14)

O sucessor de Moisés chegou à porta da terra prometida, juntamente


com a nova geração, após longos anos no deserto, para cumprir a promessa
de Abraão.

“Josué é a ponte literária entre a experiência de Israel no


deserto e a narrativa das lutas nos primeiros anos de ocupação
da terra (Livro dos Juízes).” ³

H. J. Koorevaar divide o Livro de Josué em quatro seções principais, cada


uma dominada por um conceito particular em hebraico:

• Atravessar ('abar- 1.15.12)


• Tomar (laqah- 5.13-12.24);
• Dividir (halaq-13.1-21.45);
• Adorar ('abad - 22.1-33)

148
Formação em Teologia

IV A conquista

Um modo didático de estudar o Livro de Josué é observando as batalhas,


pois a história mostra o esforço conjunto das tribos de Israel na conquista da
terra.

• Conquista de Jericó e Ai (Josué 2-8)


• Campanha sulista (Josué 9-10)
• Campanha do norte (Josué 11)
• Um resumo das cidades conquistadas (Josué 12)
• Distribuição da terra entre as tribos (Josué 13-22)
• A morte de Josué (Josué 23-24)

Recorrendo ao texto, observamos:

• Capítulo 1-5, Josué conduz o povo à terra prometida para tomar.


• Capítulo 6-12, encontramos as batalhas, pelo território, contra os
cananeus.
• Capítulo 13-22, Josué divide a terra conquistada entre as tribos.
• Capítulo 23-24, Josué lembra as palavras de Moisés, abençoa o povo,
e cria um memorial para lembrar aos hebreus de cumprirem a lei e o
pacto da aliança.

‘’E sucedeu após a morte de Moisés, servo do SENHOR, que o


SENHOR falou a Josué, filho de Num, servo de Moisés, dizendo:
Moisés, meu servo, é morto; levanta-te, agora, passa este
Jordão, tu e todo este povo, à terra que eu dou aos filhos de
Israel. Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho
dado, como eu disse a Moisés. Desde o deserto e do Líbano, até
o grande rio Eufrates, toda a terra dos heteus, e até o grande
mar para o poente do sol, será o vosso termo. Ninguém te
poderá resistir, todos os dias da tua vida; como fui com Moisés,

149
Formação em Teologia

assim serei contigo; não te deixarei nem te desampararei.


Esforça-te e tem bom ânimo porque farás este povo herdar a
terra que jurei a seus pais. Tão somente esforça-te e tem mui
bom ânimo, para teres o cuidado de fazer conforme toda a lei
que meu servo Moisés te ordenou; dela não desvies, nem à
direita nem à esquerda, para que prudentemente te conduzas
onde quer que andares.” (Josué 1: 1-7)

Deus repete a frase “Esforça-te e tem bom ânimo.” várias vezes (mesmo
com Moisés ainda vivo, o Senhor já tinha essa mensagem para Josué). E Deus
enfatizou a importância da coragem e do ânimo para Josué, pois o trabalho
seria grande.

“Josué, filho de Num, que está diante de ti, ele ali entrará;
fortalece-o, porque ele a fará herdar a Israel.” (Dt 1: 38)

Deus orientou Moisés para que fortalecesse Josué. O que antes ouviu da
boca de seu mentor, passou a ouvir do próprio Deus e a cada novo evento
Josué é confirmado sucessor de Moisés, assim, da mesma forma que Moisés
ficou em frente ao mar vermelho, Josué ficou à frente do rio Jordão. Ambos
tiveram suas lideranças confirmadas por um milagre, realizado por Deus
para que o povo atravessasse as águas. O próprio ato miraculoso é uma
mostra de continuidade, pois a história seguia com líderes diferentes, mas
Deus permanecia à frente de seu povo. Sobretudo, Josué era um líder
escolhido pelo próprio Deus.

Esse primeiro evento aqueceu o coração do povo, que sentiu que Deus
continuava junto com eles. Através de sua liderança, Josué enviou os espias
(recebidos e protegidos por Raabe). O capítulo cinco do livro retrata o
encontro de Josué com um anjo, veja:

150
Formação em Teologia

‘’E sucedeu que, estando Josué perto de Jericó, levantou os seus


olhos e olhou; e eis que se pôs em pé diante dele um homem
que tinha na mão uma espada nua; e chegou-se Josué a ele, e
disse-lhe: És tu dos nossos, ou dos nossos inimigos? E disse ele:
Não, mas venho agora como príncipe do exército do SENHOR.
Então Josué se prostrou com o seu rosto em terra e o adorou, e
disse-lhe: Que diz, meu senhor, ao seu servo? Então disse o
príncipe do exército do Senhor a Josué: Descalça os sapatos de
teus pés, porque o lugar em que estás é santo. E fez Josué
assim.’’ (Josué 5:15-15)

A ideia de se descalçar e pisar em solo sagrado é um sinal de reverência,


mais importante é perceber que o centro dessa mensagem não está na
impureza dos calçados, mas sim na necessidade de que Josué tocasse e
entrasse em contato com o solo sagrado. Josué passou pela mesma
experiência de santidade que o seu antecessor, Moisés. Tirar as sandálias
significa abrir espaço em nós para sermos conectados pela santidade.

No versículo acima, o anjo mostra que a pergunta de Josué está


invertida. A batalha, na verdade, é de Deus. Devemos refletir se estamos no
mesmo time que Ele. Notam-se dois lugares diferentes: primeiro, Jericó, onde
há a experiência de um povo que se submeteu a vontade de Deus e aprendeu
a conquistar, e que por meio dessa obediência, Deus os ensinou a avançar.
Logo depois há uma segunda cidade, chamada Aí, onde o povo conhece a
derrota. A lição tirada nesse contexto é que uma batalha travada de qualquer
jeito, com o povo compactuando com o pecado, tornará impossível a
conquista da Terra. Nesse segundo momento, o pecado de Acã foi revelado,
afetando a vida do povo. Na cidade de Aí ficou claro que a obediência
precisava fazer parte da trajetória desse povo pois Deus deseja um povo fiel.

No capítulo nove de Josué, podemos ver duas relações diferentes de


Israel com os povos vizinhos. O primeiro exemplo se dá com os gibeonitas,
um povo que manteve uma atitude positiva, ao ver o povo de Deus, eles
selaram a paz com Israel. O segundo povo eram os cananeus, neste caso, a
relação foi oposta. Quando esses dois povos se encontraram, ao invés de um
tratado de paz ser selado, os cananeus buscaram a destruição de Israel,

151
Formação em Teologia

sofrendo a derrota ao fim. Sabendo desses fatos, propomos a seguinte


questão: Será que, o Deus cheio de graça e amor da Bíblia, é um Deus que
ordenou a matança de tanta gente? Vamos elucidar esse aparente
problema, através da leitura abaixo:

''Falou mais o SENHOR a Moisés, dizendo: Fala aos filhos de Israel,


e dize-lhes: Eu sou o Senhor vosso Deus. Não fareis segundo as
obras da terra do Egito, em que habitares, nem fareis segundo
as obras da terra de Canaã, para a qual vos levo, nem andareis
nos seus estatutos. Fareis conforme os meus juízos, e os meus
estatutos guardareis, para andardes neles. Eu sou o Senhor
vosso Deus.'' (Levítico 18: 1-4)

A narrativa segue contando detalhes, quem eram os cananeus:

“Quando o Senhor teu Deus desarraigar de diante de ti as


nações, aonde vais a possuí-las, e as possuíres e habitares na
sua terá, guarda-te, que não te enlaces seguindo-as, depois
que forem destruídas; e que não perguntes acerca dos seus
deuses, dizendo: Assim como serviram estas nações os seus
deuses, do mesmo modo também farei eu. Assim não farás ao
Senhor; porque tudo o que é abominável ao Senhor, e que ele
odeia, fizeram eles a seus deuses; pois até seus filhos e suas
filhas queimaram no fogo aos seus deuses.” (Dt 12:29-31)

Os cananeus eram uma tribo pagã que tinham costume de matar seus
filhos em seus rituais religiosos. De acordo com o que o texto apresenta,
faziam o que era “abominável” aos olhos do Senhor. Analisaremos mais dois
textos:

152
Formação em Teologia

“Então Josué, e todo o Israel com ele, foi de Eglom para Hebrom
e a atacou. Tomaram a cidade e a feriram à espada, e também
ao seu rei, os seus povoados e todos os que nela viviam, sem
deixar sobrevivente algum. Destruíram totalmente a cidade e
todos os que nela viviam, como tinham feito com Eglom. Depois
Josué, e todo o Israel com ele, voltou e atacou Debir. Tomaram
a cidade, seu rei e seus povoados e os mataram à espada.
Exterminaram os que nela viviam, sem deixar sobrevivente
algum. Fizeram com Debir e seu rei o que tinham feito com
Libna e seu rei e com Hebrom.” (Josué 10: 36-39)

“Como o Senhor havia ordenado a Josué, uma parte da terra


do povo de Judá foi dada a Calebe, filho de Jefoné. Josué lhe
deu Hebrom, que era a cidade de Arba, o pai de Anaque.
Calebe expulsou dali os três filhos de Anaque, isto é, Sesai, Aimã
e Talmai. De lá foi atacar o povo que vivia em Debir, cidade que
antes se chamava Quiriate-Sefer.” (Josué 15: 13-15)

Estes textos se tratam de hipérboles, ou seja, usam figuras de linguagem,


por isso é necessário compreender bem o que se lê. Duas coisas
aconteceram ao mesmo tempo: o povo conquistando a sua terra, e a região
de Canaã recebendo o juízo por ter chegado, e até ultrapassado, o limite sem
aproveitar a chance e o tempo que Deus dera. Não podemos brincar com o
juízo de Deus, a história de Canaã é um reflexo da história do ser humano, e
mostra que devemos saber desfrutar dessas chances, pois a misericórdia de
Deus (ainda) está estendida. Porém Sua justiça é um tema que ainda causa
embaraço a muitas pessoas, fazendo parte de uma questão mais complexa,
a ser discutida pela Teologia Sistemática.

No capítulo 13 do Livro de Josué (e também 22 a 33), acontece a divisão


das terras. E essa narrativa se assemelha a uma partilha de herança, um
testamento para cada tribo. A terra que estava sendo entregue ao povo de
Deus como herança já tinha moradores, e isso vale a reflexão: Quanto tempo

153
Formação em Teologia

se passou desde que Abraão recebeu a promessa da terra até Josué colocar
os pés em Canaã? Eles tiveram tempo para se arrepender? Será que nunca
foram advertidos pelos seus atos? Sabiam que estavam errados? A sua
resposta vai te ajudar a entender um pouco sobre a justiça de Deus, e os
capítulos 23 e 24 trazem as palavras finais:

“Josué liderou Israel para a sua herança, para o seu descanso


(Deuteronômio 3: 20; 12: 10; 25: 19. Josué 1: 13,15; 14: 15; 21: 44; 22: 4;
23: 1). Mas, na melhor das hipóteses, foi um descanso
temporário dos inimigos, pois Israel teria muito mais inimigos
nos séculos seguintes. Embora Javé houvesse garantido uma
herança ao seu povo, esta ainda poderia ser tomada deles, o
que se daria por fim quando os reinos do norte e do sul fossem
ambos invadidos, saqueados, dominados e levados ao exílio.
Ocorre um final em aberto no Livro de Josué (Woudstra, 1981, p.
33): o povo possui uma herança, mas existe terra ainda não
dominada (Josué 13: 1-7; 15: 63; 17: 12). No final do livro vemos
que cerca de 70% das terras conquistadas, da perspectiva do
Novo Testamento, os sucessos de Josué foram apenas parciais,
na melhor das hipóteses e, no entanto, eles apontaram para
além de si mesmos, para um tempo quando Jesus traria o povo
de Deus para uma herança que não lhes poderia ser tirada (l
Pe 1: 3-5). Jesus proveria o descanso que Josué não havia
alcançado (Hebreus 3.11, 18; 4.1-11).” ³

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Notas:

1 Dillard e Longman II

2 Dillard e Longman II

3 Dillard e Longman II

Bibliografia sugerida:

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD, Robert L. Jr. BLOMBERG, Craig L. (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006)

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Formação em Teologia

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Livros Históricos: Juízes e Samuel – Um Período de


Governo Sacerdotal e Profético.

I O período dos juízes

Embora a terra tivesse sido conquistada e ocupada por Israel, sob a


liderança de Josué, ainda havia muitos focos de resistência cananeus.
Contado no Livro dos juízes, esse período demorou quase quatro séculos, e
narra desde a morte de Josué até o advento da monarquia em Israel.

“Esse foi um período de grandes migrações étnicas por todo o


Oriente Médio na segunda metade do segundo milênio a.c. Foi
um período que testemunhou o desaparecimento de algumas
grandes culturas, o começo da Idade do Ferro no Oriente Médio
e a chegada dos filisteus na planície litorânea.” ¹

O título do livro em português pode gerar uma conclusão precipitada e


equivocada, os "juízes" não eram propriamente autoridades judiciais, eram
líderes militares e chefes de clãs que surgiam de tempos em tempos, sendo
que os principais foram registrados nas páginas da Bíblia. Os juízes surgiam
em diferentes regiões e tribos, para salvar alguma parte de Israel que se
encontrava sob ameaças de algum inimigo (inclusive ele mesmo), e a
pergunta que surge é: Como poderia um Deus santo, que exige obediência e
submissão do seu povo, tolerar a contínua prática do pecado e rebeldia do
povo? Curioso perceber que vários dos juízes foram retratados como seres
humanos profundamente corrompidos, escolhidos para libertar uma nação
profundamente corrompida. Com isso o leitor de Juízes aprende como Deus
é paciente e misericordioso, vemos nesse livro um Deus amoroso que jamais
revogaria a eleição de Israel devido ao Seu compromisso com os
descendentes de Abraão.

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Formação em Teologia

Amor, justiça, santidade e misericórdia vão se equilibrando (sobre um


povo desequilibrado) ao longo das narrativas, mas é apenas na cruz que
enxergamos plenamente como essas realidades do “ser de Deus” se
compõem e se comportam. Há uma estrutura cíclica no comportamento do
povo, que sempre volta a cometer os mesmos erros, e essa tendência ao
pecado é evidenciada no Livro de juízes. Abaixo, o ciclo do pecado do povo
em Juízes:

1- O pecado. Quando o povo peca, começa a abandonar os princípios de


Deus e ser influenciado pela cultura dos povos vizinhos.

2- Consequência. O povo passa a ser oprimido, como resultado do


pecado.

3- Perda de identidade. O povo começa a se misturar com vários povos,


e sua fé e religião também. Começa um processo de perda da
identidade.

4- Consciência. O povo percebe que está naquela situação por conta dos
pecados. O sofrimento está ligado ao fato de estar na direção errada.

5- Arrependimento. O povo volta ao caminho de Deus.

6- Súplicas (clamor por um libertador). Junto com o arrependimento eles


clamam a Deus por misericórdia.

7- Deus levanta um libertador, que trabalha primeiro para resgatar o que


o povo perdeu (identidade).

8- Resgate da identidade do povo.

9- Libertação. Depois que a identidade é resgatada vem a libertação.

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Formação em Teologia

A liberdade é proporcional à essência da identidade. Não seremos livres


o bastante e de verdade enquanto não entendermos quem somos em Cristo.
Nosso libertador resgatou nossa identidade, portanto, não precisamos rodar
em ciclos de pecado. Assim a liberdade de Israel era conectada à aliança
com Deus, quando não se viam como povo dEle, perdiam a identidade, a paz
e a liberdade.

Alguns estudiosos preferem não chamar de “ciclo”, sistematizando a


estrutura pecado-opressão-libertação como uma espiral descendente,
justificando que a palavra "ciclo" transmite a ideia de ser cada ciclo igual a
todos os outros, sendo que no Livro de Juízes não é assim que acontece, pois
o ciclo não é uma repetição do anterior, mas é uma deterioração.

II Análise literária

A maioria dos estudiosos concorda que o livro contém três partes


distintas: um prólogo (Juízes 1: 1-2,5), um núcleo (Jz 2: 6; 16; 31) e um epílogo
ou apêndice (Jz 7.1-21; 25), consistindo em duas narrativas principais²:

Prólogo - O livro começa recordando a morte de Josué, (Josué 24: 29-


31), em seguida informa como a conquista da terra continuou após a sua
morte (Juízes 1: 1-36). A atitude de Israel de fazer aliança com os povos nativos
desagradou a Deus e a consequência imediata foi que os israelitas não
conseguiriam mais expulsá-los da terra, e além disso, se transformaram em
inimigos domésticos. Essa é a função do prólogo do livro, estabelecer o pano
de fundo para os relatos seguintes, nos quais Israel será várias vezes oprimido
por esses vizinhos remanescentes (Jz 3: 1-5). A desobediência do passado se
tornou a pedra de tropeço do presente, e ao longo de sua narrativa, o Livro
de Juízes responde a pergunta: Por que os cananeus não foram
completamente expulsos da terra?

Núcleo - Nessa parte do livro, surgem as narrativas dos juízes maiores.


São eles:

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Otniel (Jz 3: 7-11). Um modelo do que um juiz deveria ser, ele é elevado
por Deus e investido com o Seu Espírito. Foi um hábil guerreiro no tempo de
Josué (Js 15: 13-19) e conduziu Israel numa guerra bem sucedida, semelhante
ao próprio Josué.

Eúde (Jz 3: 12-30) - Várias informações e detalhes estão ausentes em


sua história, e comparativamente, o livro não declara que Deus o escolheu,
como fez com Otniel, nem Eúde foi investido com o Espírito de Deus, nem
"julga" Israel, pela acepção da palavra nesse contexto. O que sabemos é que
era canhoto (!). Uma curiosidade ainda mais estranha está na narração de
sua história, a Palavra diz que Eúde “liberta” Israel por meio de artimanha e
traição, mas nada informa sobre os sentimentos e o relacionamento de Deus
com ele. Tal característica foi encontrada entre muitos da tribo de Benjamim
(Jz 20: 15-16; 1. Cr 12: 2). Mas, devemos nos atentar, também, para o uso da
palavra, pois "Benjamim" em hebraico significa "o filho de minha mão direita".

Débora (Jz 4: 1-5,31) - Era profetisa quando julgou a nação de Israel, e


seu período levanta uma questão controversa: o fracasso da liderança
masculina em Israel. Nesse episódio vemos tanto a vitória militar, quanto as
artimanhas para matar o general do exército inimigo. Para além da figura de
Débora, a história bíblica nos apresenta Jael, que não era juíza nem profetiza,
de fato, era somente meio-israelita, e apesar disso, foi responsável direta
pela morte de Sísera, o comandante inimigo (Jz 4:11,17; 5:24). Interessante
notar que o famoso “Cântico de Débora” inclui maldições contra outras tribos
que não se uniram à batalha (Jz 5:15 b, 18,23), a letra da canção antecipa o
partidarismo e a desunião entre as tribos de Israel, que aparecem de forma
explícita no final do livro (Jz 20-21).

Gideão (Juízes 6: 1-9, 5:6) - Juiz, guerreiro e fazendeiro, o início de sua


história chama a atenção, se pautando na demora para
reconhecer/responder ao chamado de Deus. Sua atitude insegura fez com
que fosse necessários três milagres para alcançar seu coração, mas por
outro lado, a obediência de Gideão é um exemplo. Apesar de sua marcada

161
Formação em Teologia

timidez, é importante lembrar que ele derrubou o altar de Baal e o poste-


ídolo, como Deus ordenara.

Embora Gideão tenha ganhado o apelido Jerubaal, que significa "Baal


contenda contra ele" (Jz 6:32), ao fim, ele próprio sucumbiu à falsa adoração
que desviou o povo de Israel (Jz 8: 22-27). Conforme o desenrolar dos
capítulos, vez após vez nos deparamos com a rivalidade entre as tribos e clãs
(Jz 8: 1-9). Outro fato a ser mencionado é que o filho de Gideão “não se torna
um libertador, mas um opressor, não um servo da nação, mas um assassino
de israelitas e da sua própria família” ³.

Jefté - Até certo ponto, a narrativa explicita dois lados de um conflito,


humano e divino: num extremo a rebeldia de Israel, que peca e provoca a ira
divina (Jz 10: 6-16), e no outro a aliança que Deus fez com o povo, inquebrável
devido ao Seu caráter santo. Mais uma vez, notamos que a ira divina e a
misericórdia, o amor e a lealdade de Deus não se excluem mutuamente.

“Embora o Espírito de Deus já tivesse vindo sobre ele para a


batalha com Amom (v. 29), Jefté faz um voto impulsivo e
desnecessário (v. 30), como se fosse preciso mais para garantir
a vitória. Aquele que foi tão calculista em seu egoísmo acaba
por destruir o que calculava ser o mais valioso; a sua única filha
(Jz 11: 34-40). Uma vez mais uma vitória faz irromper a disputa
intertribal e a rivalidade regional (Juízes 12: 1-6).” ⁴

Sansão - O último dos juízes maiores, cuja história é a mais conhecida,


ele está longe de ser um juiz modelo, ao contrário, trata-se de alguém
buscando desculpar os próprios erros, que aceita facilmente os próprios
defeitos.

Uma característica notória foi o descontrole do próprio apetite sexual, a


inclinação de Sansão para as mulheres estrangeiras tornou-se uma

162
Formação em Teologia

metáfora do próprio Israel, pouco disposto a resistir à tentação de prostituir-


se aos deuses estrangeiros (Jz 2: 17; 8: 27,3).

Numa afronta direta, o casamento de Sansão com uma mulher de outro


povo viola a ordem divina (Jz 3:56). Ironicamente, o homem que foi
consagrado a Deus quando nasceu, viveu centrado em si mesmo, e sua
morte trouxe mais benefícios à Israel do que toda a sua vida (Jz 16:30).

Concluímos o panorama desse livro lembrando da herança deixada por


Josué e no que ela se tornou: uma nação unificada que foi desintegrada ao
longo do tempo por rivalidades partidárias e regionais. Esse cenário criou o
caos religioso e político que exigiram a expectativa para um novo tipo de
liderança, e agora, a questão é se a monarquia desejada pelo povo será uma
solução às crises de Israel (Jz 17-21). As últimas duas histórias preparam o
terreno para uma mudança em direção à monarquia.

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Formação em Teologia

Segue uma tabela com os juízes e suas referências:

Nome Referência Identificação

Conquista cidade
Otniel Jz 1.12-13;3.7-11
Cananéia
Eúde Jz 3.12-30 Derrotou Moabitas
Sangar Jz 3.31 Matou 600 filisteus
Convenceu Baraque
Débora Jz 4-5
comandar exército
Liderou 300 homens
Gideão Jz 6-8
contra 135 mil Midianitas
Tola Jz 10.1-2 Julgou por 23 anos
Jair Jz 10.3-5 Julgou por 22 anos
Jefté Jz 11.1-27 Derrotou amonitas
Ibsã Jz 12.8-10 Julgou por 7 anos
Elom Jz 12.11-12 Julgou por 10 anos
Abdom Jz 12.13-15 Julgou por 8 anos
Sansão Jz 13-16 Julgou por 20 anos
Último juiz, primeiro
Samuel 1 e 2 Samuel
profeta

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Formação em Teologia

III Mensagem teológica de juízes

Existem duas questões teológicas principais no Livro de Juízes:

Graça e lei - Dois conceitos que se traduzem em outros dois:


condicionalidade e incondicionalidade. Conforme a história se expande, dos
Livros de Josué à Reis, a relação de Deus com Israel é investigada e
apresentada ao leitor de forma muito especial, surgindo questões cruciais à
teologia cristã.

Destacamos os pontos brilhantemente formulados por Dillard e


Longman II:

• A santidade de Deus e a exigência de obediência às Suas ordens


anulariam Suas promessas à Israel?

• O compromisso irrevogável com a nação, e as Suas promessas


de graça aos patriarcas, significariam que Ele, de alguma
maneira, deixaria passar os seus pecados?

• Quem tem prioridade, a lei ou a graça?

Devemos admitir que o Livro de Juízes, de fato, não resolverá essa


questão. A partir daí percebe-se um paradoxo na relação de Deus com Israel,
ao mesmo tempo condicional e incondicional, numa tensão que movimenta
toda a narrativa.

A administração do governo de Deus sobre o seu povo - Deus era o rei


e senhor de Israel (Jz 8:23), então, qual seria a melhor forma de governo para
produzir uma nação santa e fiel a Deus? Um governo descentralizado?
Monarquia? Ou alguma outra? A resposta dos livros históricos é que nenhum
sistema é capaz de produzir uma nação santa e fiel a Deus.

165
Formação em Teologia

Um grupo de estranhos e improváveis heróis nos é apresentado em


Juízes: o fazendeiro inconstante, uma mulher profetiza, um assassino
canhoto, um bandido bastardo, um nazireu viciado em sexo, etc. Seremos nós
melhores do que esses estranhos personagens? Observe os textos a seguir,
no primeiro, o apóstolo Paulo dá uma lição de humildade, afinal de contas,
com semelhante misto de ignorância, fraca obediência e motivos confusos,
nós, como eles, fomos:

"(...) lavados, santificados e justificados em nome do nosso


Senhor Jesus, pelo Espírito do nosso Deus.” (1 Co 6:11)

Através de todas as suas falhas, aprendemos de sua fé, pois foram


Gideão, Baraque, Jefté, e Sansão que:

"(...) por meio da fé, subjugaram reinos, praticaram a justiça,


obtiveram promessas" (Hebreus 11: 32-33)

Não obstante os fracassos, sua fé não foi equivocada, eles se tornaram


uma parte daquela grande nuvem de testemunhas que nos clama a
perseverar e firmar os nossos olhos em Jesus (Hb 12:1-2). Também
precisamos de um redentor para garantir a herança que Deus prometeu,
alguém que aperfeiçoará a nossa fé no meio das nossas inconsistências.

IV O livro e a vida de Samuel

Destacamos Samuel do grupo dos grandes juízes em virtude de sua


função como o primeiro profeta de Israel e de sua posição na própria
narrativa, e seu livro marca a transição do período de juízes ao período
monárquico. Samuel foi sacerdote, profeta e o último juiz, usado por Deus
para levantar e ungir os primeiros reis da nação e orientá-los a como
proceder diante de Deus e do povo.

166
Formação em Teologia

A partir desse resumo, estabelecemos o pano de fundo para entender a


relação entre os personagens principais desse livro: Samuel (o último juiz),
Saul (o primeiro rei) e Davi (o fundador da dinastia). O primeiro Livro de
Samuel termina com a morte de Saul, ao passo que o segundo livro é
dedicado em grande parte ao reinado de Davi. Em sua maior parte, o livro é
composto em prosa, porém, surgem algumas seções poéticas, e as
principais dizem respeito à Ana e Davi: uma mãe e um rei.

Segundo Polzin, essas seções fornecem “uma espécie de moldura para


o todo do livro: a oração de Ana em 1 Samuel 2: 1-10 e os cânticos de David
em 2 Samuel 22: 1-23.7”. Na opinião de Dillard e Longman II, essas orações
mostram “como os sentimentos do triunfante rei se fundem com os de uma
mãe triunfante''. Ambas as composições se regozijam por haver se libertado
dos inimigos (1 Sm 2: 1-4), celebram Deus como “uma rocha” (1 Sm 2:2), falam
de Sheol (1 Sm 2:6), descrevem Deus “trovejando na escuridão” (1 Sm 2:10), sua
proteção ao crente (1 Sm 2:9) e seu “fiel amor pelo ungido do Senhor” (1 Sm
2:10).

O cântico de Ana (1 Sm 2), resume e antecipa os temas de todo o livro:

• O anseio pelo surgimento da realeza em Israel (1 Sm 2: 7-8)


• A preconização das vitórias de Davi (1 Sm 2:10)
• A santidade e proteção do seu ungido (1 Sm 2: 9-10)

Ana e Eli se referem a Samuel como o "pedido" ou "rogado" ao Senhor (1


Sm 1: 17,20,27; 2: 20). Um fato interessante é que a raiz verbal hebraica “sa'al”,
que encontramos na referência ao filho de Ana, também é expressa no
pedido do povo por um rei (1 Sm 8:10; 12;13; 17:19). Outra curiosidade é que o
nome Saul é construído com base na mesma raiz verbal “sa'úl”: “o pedido”.
Trata-se de uma variação sutil, melhor observada na grafia: sa'al e sa'úl. De
forma poética, histórica e até etimológica, Samuel é o símbolo do pedido de
uma mãe, enquanto Saul é o símbolo do pedido do povo. Então, vamos olhar
a vida e o chamado de Samuel.

167
Formação em Teologia

Nascimento - O nascimento de Samuel foi um grande presente na vida


de Ana. A narrativa mostra essa personagem sendo esmagada tanto pela
maldade de Penina, a outra mulher de Elcana, quanto pelo peso de sua
condição de esterilidade. A dor e o sofrimento transformaram Ana em uma
mulher de oração, e Samuel chega à vida de sua mãe como bálsamo. Em
seus momentos de aflição, Ana fez um voto a Deus, ofereceria seu filho ao
Senhor, caso Ele a concedesse essa benção.

Chamado - Por ter sido consagrado ao serviço a Deus, Samuel cresceu


sob os cuidados do sacerdote Eli, mas ele só pôde desempenhar esse ofício
devido ao fato de seus pais pertencerem à linhagem sacerdotal. Samuel era
uma criança quando teve sua experiência de chamado da parte de Deus, ao
mesmo tempo, a Bíblia relata que apesar de Eli ser temente a Deus, e de ter
uma família que também tinha origens na linhagem sacerdotal, seus filhos
tinham corações pervertidos, mas Samuel foi usado por Deus para restaurar
a santidade e o temor do sacerdócio:

“Era, porém, Eli já muito velho e ouvia tudo quanto seus filhos
faziam a todo o Israel e de como se deitavam com as mulheres
que em bandos se ajuntavam à porta da tenda da
congregação.” (1 Sm 2:22)

“Era, pois, muito grande o pecado desses jovens perante o


Senhor, porquanto os homens desprezavam a oferta do
Senhor.” (1 Sm 2:17)

Ministério – Samuel foi além do sacerdócio, foi profeta, pois ouvia a voz
de Deus, continuamente: quando foi chamado, quando ungiu os reis de Israel
e quando trazia uma ordem de Deus ao povo, sendo também “juiz”, além de

168
Formação em Teologia

conselheiro e pastor, que orientava o rebanho israelita, Saul entre estes, a


próxima figura desse estudo.

V História de Saul

Saul era da tribo de Benjamim, um homem cujo porte físico tomou


destaque na própria narrativa bíblica, ele inicia sua jornada caminhando
com Deus, mas se perde no caminho, e com o passar do tempo, as batalhas
revelavam a essência arrogante e vaidosa de Saul. No momento em que é
confrontado (1 Sm 15) pelo o sacerdote, onde Samuel lhe diz "Atenta, ouça,
escute.", vemos no texto uma relação entre as ideias “ouvir e escutar”
contrapondo com “barulho, palavra, voz”. Saul afirma estar escutando (1 Sm
15:13), mas quando Samuel ouve o barulho dos animais (1 Sm 15:14)
entendemos que Saul ouviu a voz do povo ao invés de ouvir a voz de Deus (1
Sm 15: 19-24), e observando descobrimos que ele era:

• Tímido. Escondendo-se atrás da bagagem (1 Sm 10: 22,27)

• Desobediente. Conforme referência a seguir:

“Alguns deles atravessaram o rio Jordão e fugiram para à terra


de Gade e de Gileade. Entretanto, Saul ficou em Gilgal e os que
estavam com ele tremiam de medo à espera do que poderia
acontecer. Samuel avisou anteriormente a Saul que deveria
esperar sete dias pela sua chegada...

“...Mas Saul, impaciente, vendo que ele não chegava, e perante


aquela fuga das tropas, decidiu sacrificar ele próprio o
holocausto e as ofertas de paz. Estava a acabar a cerimónia
quando Samuel chegou. Saul foi ao encontro dele para o
saudar. Samuel perguntou-lhe: Que foi que fizeste?”
(1 Sm 13: 7-11)

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Formação em Teologia

• Invejoso. Uma vez mais, a Bíblia é clara e não nos furta o


conhecimento do caráter do primeiro rei de Israel:

“Enquanto dançavam, as mulheres cantavam: ‘Saul matou


milhares, e Davi, dezenas de milhares’. Saul ficou muito irritado
com esse refrão e, aborrecido, disse: ‘Atribuíram a Davi dezenas
de milhares, mas a mim apenas milhares. O que mais lhe falta
senão o reino?’ Daí em diante Saul olhava com inveja para
Davi.” (1 Sm 18: 7-9)

Inconstante. Saul perseguia Davi de forma violenta e obstinada, mesmo


consciente do mal que estava fazendo:

“Tendo Davi falado todas essas palavras, Saul perguntou: ‘É


você, meu filho Davi?’ E chorou em voz alta. ‘Você é mais justo
do que eu’, disse ele a Davi. ‘Você me tratou bem, mas eu o
tratei mal’”. (1 Samuel 24: 16,17)

Vemos ainda Saul sendo atormentado por um espírito, variando


dramaticamente de humor (1 Sm 16: 14-23).

• Supersticioso. Abaixo, o relato de Saul buscando uma vidente:

“Quando Saul viu o acampamento filisteu, teve medo; ficou


apavorado. Ele consultou o Senhor, mas este não lhe respondeu
nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas. Então Saul
disse aos seus auxiliares: [...]

170
Formação em Teologia

[...] ‘Procurem uma mulher que invoca espíritos, para que eu a


consulte’. Eles disseram: ‘Existe uma em En-Dor’”. (1 Sm 28:5-7)

Cada um desses motivos revela porque o reinado de Saul foi rejeitado


por Deus. O declínio de Saul segue na direção oposta a ascensão de Davi, seu
sucessor:

“Então Samuel lhe disse: O Senhor tem rasgado de ti hoje o


reino de Israel, e o tem dado ao teu próximo, melhor do que tu”.
(1 Sm 15: 28)

VI História de Davi

A partir de agora, nos debruçaremos na biografia de um personagem


bíblico fascinante. Chamado de um “homem segundo o coração de Deus”,
Davi foi um indivíduo complexo, cheio de contradições; ora passivo, ora
atuante; ora bruto, ora sensível e dedicado. Sua história é recheada de
retumbantes sucessos e de fracassos terríveis. É apresentada como a
interação entre o seu papel público (realeza) e o privado (pai, marido).

O pastor de ovelhas - Duas experiências fundamentais são adquiridas


enquanto exercia a função de pastor: o cuidado e a invisibilidade. A
expressão “Por trás das malhadas” é reveladora:

"Eu te tirei do curral, de detrás das malhadas, para que fosses


chefe do meu povo Israel. E estive contigo por toda parte, por
onde foste". (1 Cr 17: 7,8)

171
Formação em Teologia

Quando Samuel vai à casa de Jessé para ungir o novo rei, os filhos do
patriarca são apresentados um a um. Entendendo da parte de Deus que
nenhum daqueles seria o novo rei, Samuel pergunta: Acabaram seus filhos?
E o pai de Davi diz: Ainda tem um! Mas está atrás das malhadas.

Essa frase revela muito sobre o lugar que Davi ocupava na família,
obviamente não era uma posição de destaque, mas um lugar periférico, e o
próprio Livro de Samuel relata como ele era enxergado por sua família (1 Sm
17:28). Em sua missão solitária de apascentar nos campos, Davi aprendeu
não somente a cuidar das ovelhas, mas a contemplar a criação e expressar
seu louvor e adoração a Deus com harpas e canções.

O músico e compositor - Davi foi o responsável por introduzir música no


culto do Antigo Testamento:

"Também estabeleceu os levitas na Casa do SENHOR com


címbalos, alaúdes e harpas, segundo mandado de Davi e de
Gade, o vidente do rei, e do profeta Natã; porque este mandado
veio do SENHOR, por intermédio de seus profetas." (2 Cr 29:25)

Sua experiência com louvores o fez perceber a importância que a


música podia exercer na vida e no culto. Davi canta quando vê a tempestade;
quando vê o perigo e o inimigo; quando vê o livramento divino; quando está
aflito; quando está alegre e quando contempla a criação. Cada
circunstância da vida é pretexto para cantar e tocar. Davi é o maior autor do
Livro de Salmos, em suas composições, ele expressa dúvidas e angústias,
sofrimento e fé, e a esperança nas promessas de Deus. Relacionando-o à fé,
à música e à Palavra, o legado de Davi pode ser sintetizado da seguinte
maneira:

172
Formação em Teologia

“Louvai ao Senhor com harpa, cantai-lhe louvores com saltério


de dez cordas. Cantai-lhe um cântico novo; tocai bem e com
júbilo. Porque a palavra do Senhor é reta; e todas as suas obras
são feitas com fidelidade.” (Sl 33: 2-4)

O guerreiro - Davi possui uma extensa e bem-sucedida carreira no


campo de batalha. Derrotou os filisteus e tirou de seu controle a região de
Metegue-Amá (2 Sm 8:1). Também derrotou os moabitas, os fez deitar-se no
chão e mandou que os medissem com uma corda; os moabitas que
ficassem dentro das duas primeiras medidas da corda eram mortos, mas os
que ficavam dentro da terceira eram poupados. Assim, os moabitas ficaram
sujeitos a Davi, pagando-lhe impostos.

Além deles, Davi derrotou Hadadezer, filho de Reobe, rei de Zobá, na


ocasião em que Hadadezer tentava recuperar o controle na região do rio
Eufrates. Davi se apossou de mil dos seus carros de guerra, sete mil cavaleiros
e vinte mil soldados de infantaria. Ainda levou cem cavalos de carros de
guerra, aleijando todos os outros. Quando os arameus, de Damasco, vieram
ajudar Hadadezer, rei de Zobá, Davi matou vinte e dois mil deles. Em seguida
estabeleceu guarnições militares no reino arameu, sujeitando-os com
impostos. Também levou à Jerusalém os escudos de ouro usados pelos
oficiais de Hadadezer. E de Tebá e Berotai, cidades que pertenciam a
Hadadezer, Davi levou grande quantidade de bronze:

“O Senhor dava vitórias a Davi em todos os lugares aonde ia.”


(2 Sm 8 :1 -14)

Quando Toú, rei de Hamate, soube que Davi derrotara o exército de


Hadadezer, enviou seu filho, Jorão, ao rei Davi para parabenizá-lo por sua
vitória na batalha contra Hadadezer, que esteve em guerra contra Toú.
Através de Jorão, mandou todo tipo de utensílios de prata, de ouro e de
bronze.

173
Formação em Teologia

Davi consagrou esses utensílios ao Senhor, como fizera com a prata e o


ouro tomados dos povos e nações que havia subjugado: Edom e Moabe; os,
amonitas e os filisteus; e Amaleque. Também consagrou os bens tomados de
Hadadezer.

Davi ficou mais famoso ao voltar da batalha em que matou dezoito mil
edomitas, no Vale do Sal, e dominando, estabeleceu guarnições militares em
todo o território de Edom. Guerreiro vitorioso, o que trouxe consequências
boas e ruins, os bons resultados vieram na finalidade que o Senhor à sua
coragem e habilidades: realizar grandes conquistas. Entretanto, houve
aspectos negativos:

“Agora, pois, a espada jamais se apartará da tua casa,


porquanto me desprezaste, e tomaste a mulher de Urias, o
heteu, para ser tua mulher”. (2 Sm 12:10)

A união do desejo desordenado com sua destreza militar trouxe uma


consequência trágica à sua vida, atingindo as gerações futuras. O castigo
divino vem quando Davi se desvia de seu propósito, empregando sua
competência de guerreiro estrategista para satisfazer seus desejos. Outra
consequência foi não ter a permissão de Deus para construir um templo para
adoração:

“Bem sabes que Davi, meu pai, não pôde edificar casa ao nome
do Senhor seu Deus, por causa das guerras que o cercaram, até
que o Senhor lhe pôs os inimigos debaixo dos pés. Agora,
porém, o Senhor meu Deus me tem dado descanso de todos os
lados: adversário não há, nem calamidade alguma. Pretendo,
pois, edificar uma casa ao nome do Senhor meu Deus, como
falou o senhor a Davi, meu pai, dizendo: Teu filho, que porei em
teu lugar no teu trono, ele edificará uma casa ao meu nome”. (1
Reis 5:3-5)

174
Formação em Teologia

O Rei - Em seu reinado, Davi consolidou Israel como nação, conquistou


outros povos e estabeleceu a paz. Teve uma voz de governo, não como líder
autoritário, mas como alguém que se posiciona como modelo, fazendo o que
manda fazer.

Davi reinou por 40 anos, sendo os sete primeiros anos do seu reinado
sediados na cidade de Hebrom. Depois que seu general conquistou a cidade
dos jebuseus, transferiu a capital para Jerusalém. De acordo com a Palavra,
as conquistas de Davi e Salomão estenderam o território de Israel,
adicionando territórios que correspondem a partes da Síria, Jordânia, Faixa
de Gaza, Palestina, uma parte do Egito e uma parte do Líbano (1 Reis 4: 21). De
fato, muitas nações foram trazidas para debaixo do domínio de Israel. A casa
de Davi, e sua dinastia, é a consequência da aliança que Deus fez com Davi,
prometendo-lhe:

“Quanto a você, sua dinastia e seu reino permanecerão para


sempre diante de mim; o seu trono será estabelecido para
sempre”. (2 Sm 7:16)

O Homem - Enquanto o rei Davi era conhecido por sua bravura,


habilidade de combate e competência ao liderar, o homem Davi é marcado
por inconstância e dramas pessoais. Citamos a esterilidade de sua esposa
Mical, filha de Saul, e o pecado com Bate-Seba, este último é marcado por
uma atitude passivo-agressiva, conforme algumas narrativas apresentam.
Por vezes, Davi assumia um traço de passividade, porém em outras, é
mostrado como aquele que conquista pelo favor e poder:

“Por exemplo, o rei que não conquista o reino de Saul (2 Sm 2-


5) é o mesmo que está disposto a conquistar uma mulher que
é o objeto de seu desejo (Bate-Seba).” ⁵

175
Formação em Teologia

Davi era cheio de contrastes e dilemas, foi extremamente sábio e


honrado em algumas circunstâncias, mas em outras foi carnalmente
insensato; foi um ótimo rei, mas um péssimo pai; um guerreiro corajoso, mas
um homem omisso. Alguém demasiadamente humano, e apesar de uma
vida de contradições, tinha a virtude de guardar um coração quebrantado
diante de Deus. Em última análise, era um homem disposto a se arrepender
diante do Senhor, o que nos leva a refletir sobre o real significado ser alguém
segundo o coração de Deus.

O Pai - A parte mais assustadora da vida de Davi ocorreu em seu próprio


círculo familiar, encontramos uma série de acontecimentos trágicos aqui.
Tudo começa com o estranho envolvimento de Davi com Bate-Seba. Anos
depois, seu filho Amnom, estupra Tamar, sua própria irmã. Depois, Absalão,
revoltado com o ocorrido, mata Amnon, afronta o pai, e se insurge contra o
reinado dele, violentando as concubinas do rei (2 Sm 16:21-22).

O silêncio e a omissão de Davi deixam um rastro de tragédias. Absalão


fugira por três anos, e mesmo após sua volta, não houve uma conversa
franca entre pai e filho. A lição surpreendente desses acontecimentos é que,
o fracasso de Davi como pai e suas tragédias familiares, não são sinônimo
de ausência de uma fé genuína.

VII Conclusão

As vidas de Davi e Saul fazem perguntar: Por que Davi foi aprovado e Saul
não? O que valeu mais para Deus? O que coloca Davi acima de Saul? O
preparo e o caráter para reinar os diferiu, mas a separação mais significativa
foi a fé que tinham. A vida de Davi é um caso clássico de causa e efeito, seus
pecados pesaram sobre sua casa, porém, nem as circunstâncias mais
terríveis mudaram seu coração quebrantado, e estava aí seu valor.

Sobretudo, o Livro de Samuel mostra que nem mesmo os melhores reis


conseguem, por si só, governar, todos dependem da graça divina.

176
Formação em Teologia

Notas:

Todas as notas (1-5) fazem referência à obra: Introdução ao AT, por Dillard e
Longman II

Bibliografia:

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House. Tradução: Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD JR, Robert L. BLOMBERG, Craig L. (Tradução:


Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova, 2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução: Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006)

JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. (Tradução: Vicente Pedroso. Rio de Janeiro.
CPAD, 1990)

BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento - esboço, mensagem e


aplicação de cada livro (Shedd Publicações)

CARSON, G. K. BEALE, E D. A. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo


Testamento

PINTO, Carlos Osvaldo. Foco no Antigo Testamento (Editora: Hagnos)

177
Formação em Teologia

BUSH, Frederic W. HUBBARD, David A. LASOR, Willians. Introdução ao Antigo


Testamento. MESQUITA, Antônio Neves de. Povos e Nações do Mundo Antigo (Editora:
Hagnos)

PHILLIPS, John. Explorando as Escrituras: uma visão geral de todos os Livros da


Bíblia. 2. ed. (Rio de Janeiro: CPAD, 2005)

SHEDD, Russel. O Novo Comentário da Bíblia. (Editora Vida Nova, 1997)

DAVIS, John D. Dicionário da Bíblia. (São Paulo: JUERP, s/d)

DOUGLAS, J. O Novo Dicionário da Bíblia. (São Paulo: Edições Vida Nova, 1986)

Insight on the Scriptures, 2 vols. EUA: Watch Tower, 1988

RAWLINSON, George. The Historical Evidence of the Truth of the Scripture


Records (1892)

178
Formação em Teologia

179
Formação em Teologia

180
Formação em Teologia

Livros Históricos: Livro de Reis - o início da monarquia em


Israel e a divisão do reino
O Livro de Reis não é apenas um registro da história dos reis de Israel,
como bem adianta o seu título, mas uma narrativa reveladora sobre a
condição e as consequências de governos e governantes que andaram por
conta própria, desprezando a direção e a vontade de Deus. O livro inicia
mostrando os últimos dias de Davi e a ascensão de seu filho Salomão, ao
reinado, e sua grandeza diante de Deus e dos homens:

“Reis narra a história de Israel começando com a transmissão


do poder de Davi para Salomão (c. 931 a.c.; lRs 1.1-2.12) e
terminando com a libertação de Joaquim da prisão durante o
jugo babilônico (562-561 a.C. 2Reis 25: 27-30).” ¹

Após vinte anos, o governo de Salomão entra em fase de declínio, pois


ele se permitiu contaminar pelas mulheres, costumes e por toda sorte de
religiosidade profana dos outros povos e suas culturas questionáveis, abrindo
as portas para o fim da era de paz, inaugurada nele mesmo, e para a queda
do reino.

Veremos a ruptura do reino, numa divisão vista sob duas perspectivas:


Norte e Sul. Infelizmente, a maioria dos governantes reinou de maneira
inadequada, desagradando ao Senhor e trazendo sérias consequências à
nação. Mas, apesar da desobediência generalizada, de monarcas e do povo,
e de seus efeitos desastrosos, nesse livro Deus que revela que a história ainda
não chegou ao fim, encorajando as pessoas a prosseguir.

Todavia, para se saber em que terreno estamos pisando, pode ser útil
fazer duas paradas: uma na história de Israel e outra em sua geografia.

181
Formação em Teologia

I História

• Patriarcas - 2.000 a.C.;

• Egito / Êxodo - 1.400 a.C.;

• O Reino unido (monarquia) - 1.030 a.C.;

• Esdraelom dividida em três seções: Planície Marítima, banhada


pelos rios Quisom e Belus; Planície Central, que forma a parte
principal de Esdraelom (Essa é a planície de Megido, relatada na
Bíblia em Zacarias 12:11; Vale de Jezreel (Bate Seã era a principal
cidade desse vale e se acha a 6 km de distância do rio Jordão.
Referência ao local em 2 Samuel 4:4).

O Livro de Reis é uma continuação direta dos Livros de Samuel. O


contexto é de um reino unificado, cujos três primeiros reis foram
respectivamente:

• Saul, 40 (quarenta) anos de reinado;

• Davi, 40 (quarenta) anos de reinado;

• Salomão, 40 (quarenta) anos de reinado.

Após o mandato de Salomão, o reino é dividido, e a partir de agora


encontramos as histórias dos Reinos do Norte e do Sul. Lembrando que as
datas dos eventos em estudo são todas aproximações:

• Queda do Reino do Norte. 722 a.C. Israel foi conquistada pela


Assíria, que tinha como estratégia ocupar o território de interesse,
despojar, destruir e abandonar.

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Formação em Teologia

• Queda do Reino do Sul pela Babilônia. 587 a.C. A estratégia


babilônica difere da assíria pois capturavam o povo derrotado,
com fins de empregá-los como mão-de-obra, e abandonavam os
territórios conquistados.

II Geografia e clima

Enfatizamos a importância da geografia de Israel pois nos possibilita


localizar personagens e fatos ao longo das épocas, contextos históricos e
referências bíblicas, para podermos chegar num panorama mais apurado
dos eventos. Entre montanhas, planícies, vales e desertos, destacamos os
principais lugares retratados no Livro de Reis:

Planície da Palestina Ocidental

• Genesaré. Planície amena e fértil na Alta Galileia, produzia figos e


uvas (Mateus 14: 34);

• Zebulom. Localizado na Galileia Central, possuía prados verdes e


férteis;

• Sarom. Localizada ao sul do Monte Carmelo, se estende por 75 km


para Jope (Cantares 2: 1,2. Isaías 35: 2);

• Planície ou Vale do Jordão. Região extremamente fértil, próxima à


Jericó (Gênesis 13: 10-11).

Planície da Palestina Oriental

• Haurã. Terra plana e fértil denominada o “celeiro de Damasco”.

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Formação em Teologia

Vale - É uma depressão alongada entre montes. Abaixo, alguns vales de


israelitas:

• Siquém (Juízes 9: 7 e Josué 20: 7);

• Aijalom. À 18 km de Jerusalém, área regularmente devastada por


filisteus (Js 10: 12);

• Soreque. Atravessado por um rio que tem o mesmo nome (Juízes


16: 4);

• Arcor. Fez fronteira com Judá. Onde Acã foi morto a pedradas (Js
7:24-26);

• Refaim. Fronteira setentrional de Judá (2 Samuel 5: 18-25);

• Escol. Onde os espias colheram uvas gigantes para levá-las a


Moisés (Números 13-24);

• Sucote (Genesis 33: 17).

Planalto da Judeia - Longe do litoral, surgem diversos montes,


localizados em maiores altitudes. A própria Bíblia chama a região de Canaã
de “terra de montes e vales” (Dt 11: 11).

Desertos de Israel - Nas Escrituras, de acordo com o novo dicionário da


Bíblia, os vocábulos traduzidos como “deserto” incluem, não somente os
desertos estéreis de dunas de areia ou de rocha, mas igualmente designam
terras planas e estepes, e terras de pastagem - essas últimas apropriadas à
criação de gado. O vocábulo “deserto” é encontrado pelo menos 358 vezes

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Formação em Teologia

em toda a Bíblia, este termo é derivado do substantivo hebraico “midbar”.


Abaixo uma lista de alguns desertos:

• Tecoa (Amós 1: 1);

• Judéia (1 Samuel 17: 28);

• En-Gedi (1 Samuel 24 :1-23);

• Berseba (Gênesis 21: 14);

• Betsaida (Lucas 9: 10).

Clima de Israel - O relevo palestino produz uma variada superfície, com


regiões baixas e elevadas, originando todo tipo de clima, desde o tropical
Jordão até o intenso frio no Hermom (2.815 metros de altura). No litoral a
temperatura média é de 21 graus, e em janeiro chega a 4 graus. É devido a
essa variedade de clima que a Palestina usa toda espécie de cultura agrícola.
Tendo visto os locais e suas referências bíblicas, observe os mapas abaixo:

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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O Mar da Galileia (localizado ao norte), também é chamado de Lago de


Tiberíades (ou Lago de Genesaré), é o maior lago de água doce de Israel, cujo
comprimento máximo chega aos 19 km, e a largura máxima alcança até 13
km. Também temos o Mar Morto (ao sul), encontrado a 400 metros abaixo do
nível do mar, corresponde a um lago de água salgada. E da ligação entre
esses dois lagos surge o Rio Jordão (150 metros abaixo do nível do mar).

Os elementos da geográficos surgem do litoral para o continente: a


planície costeira, o planalto da Judéia e a depressão, onde ficam o Mar da
Galileia, o Rio Jordão e Mar Morto. Filisteus e cananeus geralmente se
situavam nas planícies, sendo que as guerras ocorriam geralmente na
junção entre a planície e o planalto, ou entre o planalto de Israel e o planalto
onde hoje se situa a Jordânia. Havia duas cidades cananitas fortificadas,
criando um corte horizontal no mapa de Israel: Megido e Bete Seã. Isso nos
leva a entender duas questões básicas:

• Quando a Bíblia fala em “destruir completamente”, o texto está


usando uma hipérbole. Um exemplo está nas cidades cananitas.
Apenas no período de Salomão essas regiões ficaram sob o
domínio de Israel, pois logo após o término do reinado dele,
voltaram ao comando dos cananeus.
• A presença dessas cidades entre o reino do Norte e o reino do Sul
influenciou diretamente no distanciamento entre os reinos,
mesmo não sendo fronteiras diretas com os mesmos.

As Doze Tribos – A localização das doze tribos no escopo geográfico nos


ajudará a entender o contexto dos personagens e sua respectiva tribo. Além
disso, é fundamental reconhecermos a configuração geopolítica das tribos,
especialmente no período de divisão dos reinos, então listaremos as tribos de
acordo com seus fundadores. Jacó foi o pai do grupo de homens que deu
origem às tribos, esses filhos, por sua vez, vieram de diferentes mães
biológicas. Observe:

189
Formação em Teologia

Filhos de Lia

• Rúben
• Simeão
• Judá
• Issacar
• Zebulom
• Diná

Filhos de Raquel

• José
• Benjamim

Filhos de Bila

• Dã
• Naftali

Filhos de Zilpa

• Gade
• Aser

*Filhos de José

• Efraim
• Manassés

190
Formação em Teologia

Observação – Lembre-se que Efraim e Manassés são filhos de José, não


de Israel. José foi tão importante que seus filhos deram origem a duas tribos.
Também vale lembrar que Levi era filho de Israel, mas sua tribo não recebeu
herança em terra pois foi consagrada ao sacerdócio, cabendo às outras
tribos sustentá-la:

191
Formação em Teologia

III Salomão

Filho de um relacionamento que começa da pior forma possível: um


caso de adultério e assassinato. A misericórdia de Deus é a causa dessa
história ter capítulos felizes. Diz a Palavra que Bate-Seba convenceu Davi a
instaurar Salomão como rei, cumprindo a promessa que fizera a ela:

“E foi Bate-Seba ao rei na sua câmara; e o rei era muito velho; e


Abisague, a sunamita, servia ao rei. E Bate-Seba inclinou a
cabeça, e se prostrou perante o rei. E disse o rei: Que tens? E ela
lhe disse: Senhor meu, tu juraste à tua serva pelo Senhor teu
Deus, dizendo: Salomão, teu filho, reinará depois de mim, e ele
se assentará no meu trono. E agora eis que Adonias reina; e tu,
ó rei meu senhor, não o sabes”. (1 Rs 1: 15-18)

O início da jornada de Salomão é marcado pelo seu pedido por


sabedoria, um de seus pontos altos, e a seguir, analisaremos os momentos
de auge, e também de declínio, do seu reinado:

“E Salomão amava ao Senhor, andando nos estatutos de Davi


seu pai; somente nos altos sacrificava e queimava incenso. E foi
o rei a Gibeom para sacrificar, porque aquele era o alto maior;
mil holocaustos sacrificou Salomão naquele altar. E em Gibeom
apareceu o Senhor à Salomão de noite em sonhos e disse-lhe
Deus: Pede o que queres que eu te dê.

E disse Salomão: De grande beneficência usaste tu com teu


servo Davi, meu pai, como também ele andou contigo em
verdade, em justiça, e em retidão de coração, perante a tua
face; e guardaste-lhe esta grande beneficência, e lhe deste um
filho que se assentasse no seu trono, como se vê neste dia.
Agora, pois, ó Senhor meu Deus, tu fizeste reinar a teu servo em

192
Formação em Teologia

lugar de Davi meu pai; e sou apenas um menino pequeno; não


sei como sair, nem como entrar. E teu servo está no meio do teu
povo que elegeste; povo grande que nem se pode contar, nem
numerar pela sua multidão. A teu servo, pois, dá um coração
entendido para julgar a teu povo, para que prudentemente
discirna entre o bem e o mal; porque quem poderia julgar a
este teu tão grande povo? E esta palavra pareceu boa aos
olhos do Senhor, de que Salomão pedisse isso. E disse-lhe Deus:
Porquanto pediste isso, e não pediste para ti muitos dias, nem
pediste para ti riquezas, nem pediste a vida de teus inimigos;
mas pediste para ti entendimento, para discernires o que é
justo; eis que fiz segundo as tuas palavras; eis que te dei um
coração tão sábio e entendido, que antes de ti igual não houve,
e depois de ti igual não se levantará.” (1 Rs 3:3-13)

A construção do templo - O projeto demandou que Israel se aliasse a


Hirão, rei de Tiro, na Fenícia, o que possibilitou o acesso à artesãos habilidosos
na construção de templos (1 Rs 13-14. Vide o Livro de Crônicas) e material para
a construção, a qual teve início no quarto ano do reinado de Salomão (966
a.C). No total, a obra precisou de sete anos e meio e muitos trabalhadores de
Israel (1 Rs 5: 13-1):

“E Salomão mandou dizer a Hirão, rei de Tiro: Como fizeste com


Davi meu pai, mandando-lhe cedros, para edificar uma casa
em que morasse, assim também faz comigo. Eis que estou para
edificar uma casa ao nome do Senhor meu Deus, para lhe
consagrar, para queimar perante ele incenso aromático, e para
a apresentação contínua do pão da proposição, para os
holocaustos da manhã e da tarde, nos sábados e nas luas
novas, e nas festividades do Senhor nosso Deus; o que é
obrigação perpétua de Israel. E a casa que estou para edificar
há de ser grande; porque o nosso Deus é maior do que todos os
deuses. Porém, quem seria capaz de lhe edificar uma casa,
visto que os céus e até os céus dos céus o não podem conter?

193
Formação em Teologia

E quem sou eu, que lhe edificasse casa, salvo para queimar
incenso perante ele? Manda-me, pois, agora um homem hábil
para trabalhar em ouro, prata, bronze, ferro, púrpura, carmesim
e em azul; e que saiba lavrar ao buril, juntamente com os
peritos que estão comigo em Judá e Jerusalém, os quais Davi,
meu pai, preparou. Manda-me também madeiras de cedro, de
cipreste, e alguns do Líbano; porque bem sei eu que os teus
servos sabem cortar madeira no Líbano; e eis que os meus
servos estarão com os teus servos. E isso para prepararem
muita madeira; porque a casa que estou para fazer há de ser
grande e maravilhosa. E eis que a teus servos, os cortadores,
que cortarem a madeira, darei vinte mil coros de trigo malhado,
vinte mil coros de cevada, vinte mil batos de vinho e vinte mil
batos de azeite. E Hirão, rei de Tiro, respondeu por escrito que
enviou a Salomão, dizendo: ...

... Porque o Senhor tem amado o seu povo, te constituiu sobre


ele rei. Disse mais Hirão: Bendito seja o Senhor Deus de Israel,
que fez os céus e a terra; o que deu ao rei Davi um filho sábio,
de grande prudência e entendimento, que edifique casa ao
Senhor, e para o seu reino. Agora, pois, envio um homem sábio
de grande entendimento, a saber, Hirão Abiú. Filho de uma
mulher das filhas de Dã, e cujo pai foi homem de Tiro; este sabe
trabalhar em ouro, prata, bronze, ferro, em pedras e madeira,
em púrpura, azul, linho fino, em carmesim, e é hábil para toda a
obra do buril, e para toda a espécie de invenções, qualquer
coisa que se lhe propuser, juntamente com os teus peritos, e os
peritos de Davi, meu senhor, teu pai. Agora, pois, meu senhor,
mande para os seus servos o trigo, a cevada, o azeite e o vinho,
de que falou; E nós cortaremos tanta madeira no Líbano,
quanta houveres mister, e ta traremos em jangadas pelo mar
até Jope, e tu a farás subir a Jerusalém. E Salomão contou
todos os homens estrangeiros, que havia na terra de Israel,
conforme o censo com que os contara Davi seu pai; e
acharam-se cento e cinquenta e três mil e seiscentos. E

194
Formação em Teologia

designou deles setenta mil carregadores, e oitenta mil


cortadores na montanha; como também três mil e seiscentos
inspetores, para fazerem trabalhar o povo.”

(2 Crônicas 2: 3-18)

O Auge - A dedicação do templo foi o auge do reinado de Salomão, da


presença de Deus no meio do povo e da confirmação da aliança com a casa
de Davi:

“E sucedeu que, saindo os sacerdotes do santuário, uma nuvem


encheu a casa do Senhor. E os sacerdotes não podiam
permanecer em pé para ministrar, por causa da nuvem, porque
a glória do Senhor enchera a casa do Senhor.” (1 Rs 8: 10,11)

Israel prospera, e a expansão do reino se dá em termos nunca vistos, de


forma que o favor do Senhor é notável, não somente entre o Seu povo, mas
por todos os reinos vizinhos. A rainha de Sabá é testemunha, e referência do
espanto e fascínio de outros reinos, ao notar as dimensões e o alcance do
reinado de Salomão.

“Vendo, pois, a rainha de Sabá toda a sabedoria de Salomão, e


a casa que edificara, e a comida da sua mesa, e o assentar de
seus servos, e o estar de seus criados, e as vestes deles, e os
seus copeiros, e os holocaustos que ele oferecia na casa do
Senhor, ficou fora de si. E disse ao rei: `Era verdade a palavra
que ouvi na minha terra, dos teus feitos e da tua sabedoria.’”
(1 Rs 10: 4-6)

195
Formação em Teologia

O Declínio - Para além da óbvia prosperidade material, o reinado de


Salomão foi marcado por suas decisões justas e de sabedoria ímpar. Não
obstante, o que imperava era a vontade do Senhor, expressa em Sua
constante presença. No entanto, esse reinado, de prosperidade, sabedoria e
presença divina, sofreu uma queda gradual de seus padrões de conduta até
chegar ao paganismo, como consequência dos pecados cometidos por seu
rei. A Bíblia é clara ao mostrar o gatilho dessa decadência:

“O rei Salomão amou muitas mulheres estrangeiras, além da


filha do faraó. Eram mulheres moabitas, amonitas, edomitas,
sidônias e hititas. Elas eram das nações sobre as quais o Senhor
tinha dito aos israelitas: "Vocês não poderão tomar mulheres
dentre essas nações, porque elas os farão desviar-se para
seguir os seus deuses". No entanto, Salomão apegou-se
amorosamente a elas. Casou com setecentas princesas e
trezentas concubinas, e as suas mulheres o levaram a desviar-
se. À medida que Salomão foi envelhecendo suas mulheres o
induziram a voltar-se para outros deuses, e o seu coração já
não era totalmente dedicado ao Senhor, o seu Deus, como fora
o coração do seu pai Davi. Ele seguiu os postes sagrados, a
deusa dos sidônios, e Moloque, o repugnante deus dos
amonitas. Dessa forma Salomão fez o que o Senhor reprova;
não seguiu completamente o Senhor, como o seu pai Davi. No
monte que fica a leste de Jerusalém, Salomão construiu um
altar para Camos, o repugnante deus de Moabe, e para
Moloque, o repugnante deus dos amonitas. Também fez altares
para os deuses de todas as suas outras mulheres estrangeiras,
que queimavam incenso e ofereciam sacrifícios a eles. O
Senhor irou-se contra Salomão por ter-se desviado dEle, o Deus
de Israel, que lhe havia aparecido duas vezes. Embora ele
tivesse proibido Salomão de seguir outros deuses, Salomão não
obedeceu à ordem do Senhor. Então o Senhor disse a Salomão:
"Já que essa é a sua atitude e você não obedeceu à minha
aliança e aos meus decretos, os quais lhe ordenei, certamente
lhe tirarei o reino e o darei a um dos seus servos.” (1 Rs 11: 1-11)

196
Formação em Teologia

IV Divisão dos reinos Norte e Sul

A fim de melhor explicar os acontecimentos pós reinado de Salomão,


lançamos mão das lições valiosas abaixo:

“Depois da narrativa sobre o reinado de Salomão (1 Reis 2: 12-11;


43), o escritor relata os eventos relacionados ao cisma (1 Reis
12-14). A maior parte da narrativa é dedicada, então, à história
dos dois reinos, na qual o escritor se move para frente e para
trás, através das narrativas dos reinados sobrepostos em cada
um dos países (1 Reis 15; 2 Reis 17). O relato do reinado de um
determinado reino é acompanhado pela história do governo do
outro reino, cuja mudança de monarca ocorreu durante aquele
reinado. Por exemplo, a narrativa do reinado de Asa em Judá (1
Reis 15: 9-24) é seguida pelos reinados do Norte: Nadabe,
Baasa, Elá, Zinri, Onri e Acabe (1 Reis 15: 25; 16: 34); todos que
ascenderam ao trono durante o reinado de Asa. O reinado de
Josafá (1 Reis 22: 41-50), o rei que sucedeu Asa em Judá, é
comentado somente depois do relato da morte de Acabe. A
narrativa alterna-se entre os reinos do Norte e do Sul até que o
reino do norte é levado para o exílio pelos assírios. Judá
permanece isolada no sul como sucessora espiritual dos reinos
de Israel (2 Reis 18-25) e sua história é narrada até a conquista
babilônica, a destruição de Jerusalém e a libertação de
Joaquim do cativeiro.” ²

Motivos para a divisão de Israel – O início da ruptura está nas atitudes


de Salomão, cuja idolatria e alianças equivocadas tiveram um peso
determinante. Depois temos seu filho, Roboão, influenciado por maus
conselhos, o monarca perde a oportunidade de reduzir os impostos, um ato
que restauraria a confiança do povo, mas faz o oposto, e tanto a fala quanto
a postura de Roboão, de endurecimento ante a reação do povo,
concretizaram a separação em dois reinos. Veja:

197
Formação em Teologia

“Roboão foi a Siquém, onde os israelitas se reuniram para


coroá-lo. Assim que Jeroboão, filho de Nebate, que estava no
Egito fugindo de Salomão, soube, voltou. E mandaram chamá-
lo. Então ele e toda a assembleia de Israel foram à Roboão e
disseram: Teu pai pôs sobre nós jugo pesado, mas agora
diminui o trabalho árduo e o jugo pesado, e te serviremos.
Roboão respondeu: Voltem em três dias. Então o povo se foi. O
rei Roboão perguntou às autoridades que serviram seu pai
Salomão durante a vida dele: Como vocês aconselham a
responder ao povo? Eles responderam: Se hoje fores servo
desse povo e servi-lo, dando-lhe uma resposta favorável,
sempre serão teus servos. Mas Roboão rejeitou o conselho das
autoridades e consultou os jovens que cresceram com ele e o
serviam. Perguntou-lhes: Qual é o conselho de vocês? Como
devemos responder a este povo que me diz: Diminui o jugo que
teu pai pôs sobre nós? Os jovens que haviam crescido com ele
responderam: A este povo que te disse: Teu pai pôs sobre nós
jugo pesado; torna-o mais leve — dize: Meu dedo mínimo é
mais grosso que a cintura do meu pai. Pois bem, meu pai pôs
pesado jugo; eu tornarei mais pesado. Meu pai castigou com
simples chicotes; eu castigarei com chicotes pontiagudos.”
(1 Rs 12:1-11)

Após esse episódio, Roboão reinou apenas sobre a região sul, e assim,
outro personagem importante surge, é Jeroboão. Ainda no primeiro Livro de
Reis, alguns inimigos se levantaram contra a casa de Davi, o primeiro
adversário foi Hadade, da linhagem real de Edom, ainda menino sobreviveu
ao ataque devastador do general de Davi, chamado Joabe. Hadade fugiu
para o Egito, onde foi bem acolhido, mas, quando soube da morte de Davi e
do seu general, resolveu voltar a sua terra natal.

O segundo inimigo que se levantou contra Salomão foi Rezom, que se


tornou rei da Síria. A Bíblia relata que enquanto Salomão viveu “trouxe-lhe
muitos problemas, além dos causados por Hadade” (1 Rs 11: 25).

198
Formação em Teologia

O terceiro inimigo que se levantou contra Salomão foi justamente quem


se tornou o rei de Israel (reino do Norte), Jeroboão era da tribo de Efraim, além
de um dos oficiais de Salomão:

“...quando Salomão viu como ele fazia bem o seu trabalho,


encarregou-o de todos os que faziam trabalho forçado,
pertencentes às tribos de José.” (1 Rs 11: 28)

O Profeta Aías profetizou sobre ele dizendo que seria o próximo rei de
Israel sobre 10 tribos. Infelizmente, ao assumir o reino do norte como dádiva
do próprio Deus, Jeroboão se desvia inclinando-se à idolatria.

A monarquia unificada durou cerca de cento e vinte anos. Lembrando


que, após a divisão, o reino do Sul, sediado na capital Jerusalém, ficou sob
comando de Roboão, enquanto o reino do Norte, cuja capital era Samaria, foi
governado por Jeroboão. A citação abaixo deixa claro o quanto a narrativa
bíblica priorizava a conduta do rei, e o quanto esta ditava o comportamento
de todo o povo:

“Havendo a nação se dividido em Norte e Sul, certamente uma


das primeiras medidas de Jeroboão, no reino do Norte, foi
erguer santuários concorrentes em Dã e Betel, a fim de afastar
os sentimentos religiosos das tribos do Norte para longe de
Jerusalém, o lugar que Deus havia escolhido (1 Reis 12: 25-30).
Essa transgressão inicial do reino do Norte é usada para avaliar
quase todos os futuros reis de Israel. E quase todos são
condenados por seguirem ‘os pecados de Jeroboão’ (...). [...]

[...] Fica claro que o escritor de Reis não estava muito


interessado nos sucessos militares ou políticos dos reis, mas

199
Formação em Teologia

antes na fidelidade individual do rei aos mandamentos de


Deus.” ³

IV O período dos reis e a relação cronológica

Ao todo, vinte reis governaram em Judá e dezenove em Israel. Todos os


dezenove reis do Norte demonstraram um péssimo desempenho em sua
função, especialmente do ponto de vista espiritual, sendo reprovados por
Deus. O desvio do caminho do Senhor e a idolatria, foram decisivos para
queda. Em contrapartida, no do Sul, oito reis foram aprovados e doze
reprovados. Enfatizamos, uma vez mais, que o declínio ou ascensão dos reis
estavam condicionados à relação que estes possuíam com os altares que
existiam entre o povo nesse período. O templo era o lugar adequado para se
prestar culto, porém, com a divisão do reino, centenas de altares se
multiplicaram no meio do povo, abrindo margem para a apostasia idólatra.
Todos os altares alternativos foram rejeitados por Deus.

Por mais que, no reino do Sul, vejamos a casa de Davi sendo preservada,
não foi simples o caminho de Judá. Sobre isso Dillard e Longman II comentam:

“Poderíamos pensar que a obediência à ordem para a


adoração centralizada teria sido fácil no reino do Sul, pois, afinal
de contas, o templo de Jerusalém se localizava em sua capital.
O que poderia fazer frente ao templo no sentimento religioso de
Judá? No entanto, havia muitos rivais. Embora Deuteronômio 12
tenha ordenado a destruição de todos os altares e outros locais
de adoração dos cananeus, estes continuaram a florescer e
competir com o templo de Jerusalém. (...) Os altares desviaram
o coração do próprio Salomão (1 Reis 11: 7-13), o que
consequentemente lhe custou o reino. Os que sucederam a
Salomão também foram seduzidos, até que por fim o reino de
Judá foi destruído.

200
Formação em Teologia

Do mesmo modo que os altares rivais de Jeroboão foram usados pelo


autor para avaliar os reis de Israel, assim os altares se tornaram o padrão de
medida no julgamento dos reis de Judá. Dois reis (Ezequias e Josias) agiram
corretamente: eles não apenas foram fiéis ao templo de Jerusalém, como
ainda eliminaram os altares. Outros tantos fizeram individualmente o que era
certo aos olhos do Senhor, mas os altares continuaram prosperando durante
os seus reinados.” ⁴

Cronologia - Visto que a maioria dos reis incorreu em graves pecados,


não é de se admirar que um ministério profético tenha ganhado vigor nessa
época, mas antes desse tópico, veja a cronologia dos reinos e suas
respectivas quedas:

• Reino unificado (1030 a.C.)

• Assíria invade e domina o reino do Norte, tomando sua capital,


Samaria (732 a.C.).

• Babilônia invade e domina o reino do Sul (587 a.C.).

V O Nascimento do ministério profético

“A Bíblia hebraica seguiu um sistema diferente de classificação.


Ela foi dividida em três seções: a lei, os profetas e os escritos. Os
"profetas" foram ainda subdivididos em profetas "anteriores" e
"posteriores". Os anteriores são formados por Josué, Juízes,
Samuel e Reis, que por sua vez são seguidos pelos "profetas
posteriores", uma divisão que inclui todos os livros associados a
profetas (com exceção de Daniel e Lamentações, ambos
ficaram na terceira divisão, os escritos). Para aqueles
acostumados ao modo como os livros se agrupam nas
traduções modernas, à primeira vista causa certa surpresa
encontrar Josué-Reis classificados entre os profetas.

201
Formação em Teologia

Esses livros de narração histórica são literariamente bastante


diferentes dos outros livros caracterizados como proféticos.
Porém, sob uma nova consideração, não é difícil entender
porque Reis foi classificado desse modo na Bíblia hebraica. (l)
Os atos e as realizações de um grande número de profetas
estão registrados em Reis. Ali, lemos sobre Natã, Aías, Jeú,
Micaías, Isaías, Hulda e vários profetas não nomeados, sem
falar da extensa cobertura dos ministérios de Elias e Eliseu
(1 Rs 17; 2 Rs 13).” ⁵

Os profetas nascem como atalaias para denunciar o pecado da nação


e chamá-los ao arrependimento, e eram guardiões da aliança feita no Sinai,
vigiando e denunciando a idolatria e as injustiças, tanto dos reis como do
povo.

Elias - Desenvolveu seu ministério no reino do Norte, durante a maior


crise religiosa de Israel. Num contexto desolador, Acabe e Jezabel tentam
fazer do reino do Norte uma nação pagã, onde Israel cultuasse a Baal e a
Aserá. Tendo em vista que Baal era considerado deus da vegetação e da
chuva, Elias anuncia uma grande seca:

“Elias era humano como nós. Ele orou fervorosamente para que
não chovesse, e não choveu sobre a terra durante três anos e
meio. Orou outra vez, e o céu enviou chuva, e a terra produziu
os seus frutos.” (Tiago 5: 17,18)

A intenção do profeta foi mostrar que Deus, e não Baal, detinha a


verdadeira autoridade, pois a seca era um franco desafio à religião de Baal.
Durante o período da estiagem, Elias morou na casa de uma viúva e do filho
dela, em Sarepta, que se localizava na Fenícia, terra da própria Jezabel,
esposa do rei Acabe e principal promotora do culto a Baal.

202
Formação em Teologia

Na casa da viúva, Elias realizou o milagre do “azeite na botija", provendo


o alimento necessário àquela família. Esse tempo de penúria também marca
um grande milagre do profeta, que ressuscita o filho da viúva após orar três
vezes. Esse milagre destaca-se por seu significado, resumida em dois
aspectos: 1) Trata-se de uma ressurreição. 2)Por ter ocorrido na Fenícia, terra
de Baal, mostrou a guerra entre as duas religiões e que Deus é soberano em
qualquer território.

O próximo grande evento foi o embate contra os profetas de Baal. O


desafio de Elias tinha como objetivo atingir o coração do povo, a fim de que
entendesse quem era o verdadeiro Deus e porque deveria servi-Lo:

“Elias dirigiu-se ao povo e disse: Até quando vocês vão oscilar


entre duas opiniões? Se o Senhor é Deus, sigam-no; mas, se
Baal é Deus, sigam-no. Mas o povo nada respondeu.”
(1 Rs 18: 21)

Importante notar que até o último minuto, no momento em que o fogo


veio do céu, o povo ainda não havia aprendido quem eram os verdadeiros
profetas e o verdadeiro Deus. Continuavam se deixando seduzir pela idolatria,
mas esse incrível acontecimento demonstra que o fogo é a validação do
ministério de Elias.

Seguindo a narrativa bíblica, depois que Elias derrota os profetas de Baal,


a chuva cai sobre a terra, exatamente como havia profetizado. Seguindo o
estilo dos eventos miraculosos que marcaram sua jornada em Israel, o
ministério desse profeta termina quando ele é levado aos céus num
redemoinho:

“De repente, quando caminhavam e conversavam, apareceu


um carro de fogo, puxado por cavalos de fogo, que os separou,
e Elias foi levado aos céus num redemoinho.” (2 Rs 2: 11)

203
Formação em Teologia

204
Formação em Teologia

Eliseu - Também profetizou no Reino do Norte. Discípulo de Elias, ficou


conhecido por “receber porção dobrada” de seu antecessor, o que o levou a
realizar vários milagres, e sua vida ministerial foi marcada por muitos
acontecimentos, que veremos brevemente na lista abaixo:

• 2 Reis 2: 21. Eliseu restaura as águas contaminadas e a terra estéril.

• Reis 2: 23-24. Amaldiçoa jovens perversos que zombavam dele,


insistindo para que Eliseu subisse ao céu como Elias. Assim, duas
ursas saíram do bosque e devoraram 42 daqueles jovens.

• Reis 3: 1-27. Jorão, filho de Acabe, reinava sobre Israel e Josafá


reinava sobre Judá. Os moabitas se rebelaram contra Israel,
fazendo com que Josafá e Jorão se unissem para lutar contra eles,
mas no caminho para a batalha não achavam água para seu
exército e o gado, então resolveram consultar um profeta sobre as
decisões que deveriam tomar na guerra. Eliseu os instruiu como
proceder e venceram a batalha.

• 2 Reis 4 :1-7. Uma mulher passava por uma situação difícil e


constrangedora após a morte do marido, por conta das muitas
dívidas da mulher, o credor estava exigindo os filhos dela como
escravos, Eliseu multiplicou o azeite da viúva, que foi vendido para
pagar as dívidas.

• 2 Reis 4:8-37. Sunamita abrigou o profeta e, por gratidão, ele ora a


Deus, que concede um filho a ela. Tempos mais tarde, a criança
morre, mas por meio da oração do profeta, o menino revive (como
fez Elias).

• 2 Reis 4: 38-41. Em Gilgal, Eliseu purificou uma comida envenenada


feita por uma pessoa que não conhecia a região e havia colocado
uma erva venenosa na refeição.

205
Formação em Teologia

• Reis 4: 42- 44. Alimentou milagrosamente cem homens com vinte


pães (como fez Jesus).

• 2 Reis 5:1-27. Curou Naamã, comandante do rei da Síria, da lepra.


Eliseu se recusou a receber qualquer presente em função do
milagre, mas Geazi, movido por cobiça, deteve Naamã para pedir
dinheiro, e em função disso, Eliseu o condenou a contrair a lepra
de Naamã.

• 2 Reis 6:1-7. Os discípulos de Eliseu decidiram ir ao Jordão para


fazer ali um local de reuniões. Então foram até lá e cortaram toras
de madeira. Enquanto um dos discípulos cortava a árvore, o ferro
do machado deslocou-se da madeira e caiu na água. Eliseu
interveio, fazendo com que o ferro do martelo flutuasse.

• 2 Reis 6:24-33 e 7:1-20. Ben Hadade cercou a capital do reino do


norte até haver fome. Eliseu profetiza a ação de Deus para livrar o
povo.

• 2 Reis 8: 11-13. Eliseu profetiza que Hazel será o novo rei da Síria e
que provocará muitos males a Israel.

• 2 Reis 13: 14-19. Eliseu profetiza 3 vitórias de Jeoás, rei de Israel,


sobre a Síria.

• 2 Reis 13: 20,21. A morte de Eliseu e a ressurreição de um homem


que caiu morto sobre os ossos de Eliseu.

VI A queda de Samaria (reino do Norte)

Tendo em mente que a Bíblia relata os acontecimentos do reino do Norte


e do Sul de forma simultânea, é importante o foco nos estudos. Judá, reino do
Sul, era governado por Acaz, no décimo segundo ano deste reinado, Oséias,
filho de Elá, assumiu como o rei do Norte, em Samaria, ficando no poder
durante nove anos. A Bíblia conta que Oséias era um desses casos de “líder

206
Formação em Teologia

reprovado” pelo Senhor, porém, suas atitudes o diferenciavam de seus


antecessores.

Salmaneser, rei da Assíria, foi atacar Oséias, que fora seu vassalo e lhe
pagará tributo. Mas o rei da Assíria descobriu que Oséias era um traidor, pois
havia mandado emissários a Sô, rei do Egito, e já não pagava mais o tributo
como costumava fazer a cada ano. Por isso, Salmaneser mandou lançá-lo
na prisão, invadiu todo o país, levou seu exército a marchar contra Samaria,
a sitiando por três anos. No nono ano do reinado de Oséias, o rei assírio
conquistou Samaria e deportou os israelitas para Hala, Gozã (rio Habor) e
para as cidades dos medos.

Tudo isso aconteceu porque os israelitas haviam pecado contra o


Senhor, que os tirara do poder do faraó, rei do Egito. Eles prestaram culto aos
outros deuses e seguiram os costumes das nações que o Senhor havia
expulsado de diante deles, bem como os costumes que os reis de Israel
haviam introduzido, praticaram o mal secretamente contra Deus, desde
torres de sentinela até cidades fortificadas, eles mesmos construíram altares
idólatras em todas as suas cidades:

“O Senhor advertiu Israel e Judá por meio de seus profetas e


videntes: "Desviem-se de seus maus caminhos. Obedeçam às
minhas ordenanças e decretos, segundo toda a Lei que ordenei
a seus antepassados que obedecessem e que lhes entreguei
pelos meus servos, os profetas". Mas não ouviram e foram
obstinados como seus antepassados, que não confiaram no
Senhor seu Deus. Rejeitaram seus decretos; o corpo da aliança
que tinham feito com seus antepassados e suas advertências.
Seguiram ídolos inúteis, tornando-se eles mesmos inúteis.
Imitaram as nações ao redor, embora o Senhor tivesse
ordenado: "Não as imitem". Abandonaram todos os
mandamentos do Senhor, e fizeram dois ídolos de metal na
forma de bezerros e um poste sagrado. Inclinaram-se diante de
todos os exércitos celestes e prestaram culto a Baal.

207
Formação em Teologia

Queimaram seus filhos e filhas em sacrifício. Praticaram


adivinhação e feitiçaria, e venderam-se para fazer o que o
Senhor reprova, provocando-o à ira. Então, o Senhor indignou-
se muito contra Israel e os expulsou da sua presença. Só a tribo
de Judá escapou, mas nem ela obedeceu aos mandamentos
do Senhor seu Deus. Seguiram os costumes que Israel
introduziu. Por isso, o Senhor rejeitou todo o povo de Israel; ele o
afligiu e o entregou nas mãos de saqueadores, até expulsá-lo
da sua presença.” (2 Rs 17:13-20)

VII A queda de Jerusalém (reino do Sul)

Após a queda de Samaria, o reino do Sul ainda sobreviveu por cem anos,
Josias e Ezequias fizeram reformas significativas até Judá conhecer
Manassés, o rei que decretou os últimos dias de Judá/Jerusalém por sua
perversidade:

“Então, no nono ano do reinado de Zedequias, no décimo dia do


décimo mês, Nabucodonosor, rei da Babilônia, marchou contra
Jerusalém com todo o seu exército, acampou em frente à
cidade e construiu rampas de ataque ao redor dela. A cidade
foi mantida sob cerco até o décimo primeiro ano do reinado de
Zedequias. No nono dia do quarto mês, a fome na cidade havia
se tornado tão severa que não havia nada para o povo comer.
Então o muro da cidade foi rompido, e todos os soldados
fugiram à noite pela porta entre os dois muros próximos ao
jardim do rei, embora os babilônios estivessem em torno da
cidade. Fugiram na direção da Arabá, mas o exército babilônio
perseguiu o rei e o alcançou nas planícies de Jericó. Todos os
seus soldados o abandonaram e ele foi capturado. Foi levado
até o rei babilônio, em Ribla, onde pronunciaram a sentença
contra ele. Executaram os filhos de Zedequias na sua frente;
depois furaram seus olhos, prenderam-no com algemas de
bronze e o levaram para a Babilônia. No sétimo dia do quinto
mês do décimo nono ano do reinado de Nabucodonosor,

208
Formação em Teologia

Nebuzaradã, comandante da guarda imperial e conselheiro do


rei da Babilônia, foi a Jerusalém. Incendiou o templo do Senhor,
o palácio real, todas as casas de Jerusalém e todos os edifícios
importantes. Todo o exército babilônio, que acompanhava
Nebuzaradã, derrubou os muros de Jerusalém.

E ele levou para o exílio o povo que sobrou na cidade, os que


passaram para o lado do rei da Babilônia e o restante da
população. Mas alguns dos mais pobres do país o comandante
deixou para trás, para trabalharem nas vinhas e nos campos.”
(2 Rs 25:1-12)

VIII Elias e Eliseu - João Batista e Jesus

Mateus traça paralelos entre as vidas de Elias e Eliseu e as de João


Batista e Jesus. João é apresentado como o cumprimento da profecia de
Malaquias (4:5), de que Elias voltaria. Se Elias foi sucedido por alguém com
porção dobrada, João Batista teve o sucessor perfeito, o próprio Cristo. É
provável que os judeus do tempo de Jesus esperassem que Elias ressurgisse
literal e fisicamente, e sobre isso, as escrituras nos informam que, quando
João Batista foi questionado se era Elias, a resposta foi "Não sou" (João 1: 21).
Aparentemente, João Batista parece não estar consciente de que cumpria o
papel do Elias esperado, pelo menos não no início de seu ministério, por outro
lado, Jesus descreveu João como o “Elias que estava para vir" (Mateus 11:14;
17:12). Acompanhe abaixo, quatro argumentos de Dillard e Longman II, no livro
Introdução ao Antigo Testamento, que apontam a relação entre Elias-
Eliseu/João-Jesus:

• Elias era conhecido pelo modo peculiar de se vestir. Quando


Acazias enviou mensageiros para consultar Baal-Zebube, deus de
Ecrom, os emissários se depararam no caminho com uma figura
misteriosa que os mandou de volta ao rei. Quando o rei lhes
perguntou: "Qual era a aparência do homem que vos veio ao
encontro?", os mensageiros responderam: "Era homem vestido de

209
Formação em Teologia

pelos, com os lombos cingidos de um cinto de couro" (2 Rs 1: 7,8). A


partir dessa mínima descrição, o rei soube imediatamente que
seus enviados haviam se encontrado com Elias. Quando João
Batista começou sua pregação, Mateus o apresentou dizendo:
"Usava João vestes de pelos de camelo e um cinto de couro" (Mt
3:4). Essa singular vestimenta evocava a memória de Elias.

• Ao longo de suas vidas, Elias e João Batista enfrentaram um poder


político hostil, em particular, o principal antagonista de ambos foi
uma mulher que atentou contra suas vidas. Para Elias, fora Jezabel
(1 Rs 19: 2,10,14), para João foi Herodias (Mt 14: 3-12).

• Elias e João Batista ungiram seus sucessores no rio Jordão. Eliseu


acompanhou Elias ao Jordão e pediu-lhe que uma porção
dobrada do espírito de Elias também repousasse sobre si (2 Rs 2:
9-14). Quando João batizou Jesus no Jordão, ele viu os céus se
abrindo e o Espírito de Deus descendo sobre o Filho de Deus (Mt 3:
13,17). Elias foi o precursor de Eliseu, da mesma forma que João
Batista foi de Jesus. Lucas também trabalha esse tema: quando o
nascimento de João Batista foi predito a seu pai, Zacarias, o anjo
Gabriel disse que João viria "adiante do Senhor, no espírito e poder
de Elias" e que João cumpriria a missão atribuída a Elias por
Malaquias: "Para converter o coração dos pais aos filhos" (Lucas 1:
17; Malaquias 4: 6).

• Talvez não exista nenhuma outra parte do Antigo Testamento tão


farta em milagres quanto à narrativa de Eliseu, após conceder a
porção dobrada de espírito pedida pelo profeta, Deus demonstrou
sua aprovação a Eliseu e testificou a mensagem por ele
proclamada através dos milagres que acompanharam o seu
ministério. Do mesmo modo se deu a multiplicação de milagres
quando Deus testificou o ministério do seu próprio Filho (Hebreus
2: 3,4). Supunha-se que o aparecimento de Elias inauguraria
aquele grande e terrível dia do Senhor, o dia em que Deus julgaria
o mal, enquanto preservaria o seu povo. Durante sua prisão, João
Batista ouviu que Jesus estava ensinando e pregando na Galileia.

210
Formação em Teologia

“Por causa disso, João enviou mensageiros para que


perguntassem a Jesus: És tu aquele que estava para vir ou
havemos de esperar outro? E Jesus respondeu-lhes: Ide e
anunciai a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos vêem,
os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem,
os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado
o evangelho." (Mt 11: 4,5)

Interessante notar que este último tópico remete ao paralelo entre Eliseu
e Jesus, pois em grande parte, é a lista dos milagres de Eliseu:

Ele restabeleceu visão a um cego (2 Rs 6); curou a lepra (2 Rs 5); trouxe


um morto à vida (2 Rs 4; 8:4; 13:21) e trouxe boas-novas ao destituído (2 Rs 1-
7; 7: 1-2; 8: 6). Tal lista de milagres de Eliseu se confunde com a do Servo
prometido do Senhor (Is 61: 1-3). Jesus, com efeito, estava dizendo a João, "O
sucessor de Elias chegou. Eu sou aquele que você está procurando".

IX Elias e Moisés

Na esteira dos paralelos, devemos notar a associação da figura de


Moisés (lei) e Elias (profetas), com a própria ideia de que o messias viria para
restaurar Israel. Elias e Moisés aparecem juntos no texto bíblico, nas
referências ao Dia do Senhor (Ml 4:4,5), no Monte da Transfiguração (Mt 17:3-
4; Mc 9:4-5; Lc 9:30-33) e em Apocalipse (Ap 11:3-6), e isso acontece pois eles
são testemunhas de Jesus.

X Conclusão

De um lado a idolatria traz um desfecho inevitável: Canaã, que mana


leite e mel, deixa de ser experimentada. A promessa ainda tem valor, mas o
povo perde seu direito de usufruto. A idolatria os afasta da promessa e dos
direitos que vêm com a terra. Foi assim com o reino do Norte, com o reino do

211
Formação em Teologia

Sul, e assim é conosco. Por outro lado, vemos o escritor do Livro de Reis
demonstrar a fidelidade de Deus, relatando as promessas feitas a Davi e o
registro ininterrupto da dinastia davídica, enfatizando a história de Judá
(reino do Sul) por mais de três séculos.

O Livro de Reis se revela uma batalha, a mesma que ainda hoje


travamos no coração: a idolatria luta contra a graça de Deus – vencedora
em si e garantida pelo Senhor. Por isso esse livro termina com esperança,
revelando que nem o exílio ou a dominação estrangeira, nem as
circunstâncias mais terríveis são suficientes para impedir que a graça
alcance os descendentes do Israel de Deus, nem que Suas promessas se
cumpram, pois agindo Deus, nada impedirá Seu amor e providência.

212
Formação em Teologia

Notas:

Todas as notas de 1 a 4 foram extraídas da obra Introdução ao Antigo Testamento


de Dillard e Longman

Bibliografia sugerida:

MONEY, Netta Kemp. Geografia Histórica do Mundo Bíblico (Tradução: Etuvino


Adiers- São Paulo Editora Vida. 2002)

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House. Tradução: Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD, JR Robert L. BLOMBERG, Craig L. Introdução à


Interpretação Bíblica (Tradução: Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro:
Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy Yamakami.
Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução: Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006)

BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento: esboço, mensagem e


aplicação de cada livro (Shedd Publicações)

CARSON, G. K. BEALE. E D. A. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo


Testamento

213
Formação em Teologia

BUSH, Frederic W. HUBBARD, David A. LASOR, Willians. Introdução ao Antigo


Testamento.

DAVIS, John D. Dicionário da Bíblia. (São Paulo: JUERP, s/d)

DOUGLAS, J. O Novo Dicionário da Bíblia (São Paulo: Edições Vida Nova, 1986)

Insight on the Scriptures, 2 vols. (EUA: Watch Tower, 1988)

RAWLINSON, George. The Historical Evidence of the Truth of the Scripture


Records (1892)

214
Formação em Teologia

215
Formação em Teologia

216
Formação em Teologia

Livros históricos

Livro de Crônicas: restauração e encorajamento

Em sua primeira parte, o Livro de Crônicas aborda praticamente o


mesmo período visto nos Livros de Reis (I, II). A segunda parte foca nos atos
dos reis de Judá, apresentando os períodos de concerto e avivamento diante
de Deus, com destaque para Josafá, Ezequias e Josias, reis que promoveram
diversas reformas e reavivamento na nação. E no fim, vemos o decreto de
Ciro, rei da Pérsia, permitindo aos judeus voltarem ao país (depois do exílio)
e reconstruir o templo. A referência ao decreto de Ciro (2Cr 36.22-23) nos
permite dizer que o escritor do livro viveu no período pós-exílio.

Perspectiva

O Livro de Crônicas tem uma perspectiva sacerdotal e foi escrito para


uma comunidade em reconstrução, para lembrá-la que ainda havia um
propósito àquele povo. Enquanto o Livro de Reis tem uma perspectiva
profética, é dirigida a uma comunidade exilada, contando sobre o fracasso
da monarquia.

História

No Livro de Crônicas, o templo é o centro, a história é mais abrangente,


iniciando em Adão e dando uma ideia de continuidade, uma história local
cuja palavra de ordem é restauração e encorajamento. De outro modo, no
Livro de Reis o palácio é o centro, a ênfase da história está no período
monárquico e o alvo é a corte, pois precisa de urgente arrependimento, que
é a essência desse livro. O Livro de Reis é um chamado ao arrependimento, e
o Livro de Crônicas é um chamado ao encorajamento, pois Deus é que
possibilita que a história continue:

“Os historiadores bíblicos não estavam apenas escrevendo uma


narrativa de sua história nacional, como de fato resultou, mas eles também

217
Formação em Teologia

escreviam para refletir as questões teológicas ao público da sua época.


Existe uma interação considerável entre as necessidades da geração do
autor e a sua seleção e apresentação de dados. O autor de Reis viveu
durante o Exílio, ou bem no início do período pós-exílico, seus leitores haviam
recentemente experimentado a destruição de Jerusalém e o fim da
sucessão davídica. Para eles, as questões teológicas urgentes que
precisavam ser tratadas para a sobrevivência da fé eram: "Deus falhou?",
"Como isto pode ter acontecido conosco?" e "O Marduque da Babilônia é
realmente mais poderoso do que Javé?". O escritor de Reis se dispôs a tratar
dessas questões mostrando que Deus não falhou, antes cumpriu as
advertências que fizera à nação, trazendo sobre ela as consequências por
haver falhado na obediência à aliança. O exílio confirma o poder de Javé,
em vez de suscitar dúvidas sobre ele. O cronista viveu num período posterior
ao do escritor de Reis. As necessidades de seu público eram diferentes. A
comunidade da restauração não estava mais perguntando "como isto podia
ter acontecido?", mas sim questionando a sua relação com o passado: "No
julgamento do exílio, teria Deus revogado sua aliança com Israel?", "somos
ainda o povo de Deus?", "Deus ainda está interessado em nós?", "o que as
promessas feitas por Deus a Israel, Jerusalém e Davi, antes do Exílio, tem a
ver conosco que vivemos depois?". Por isso, o Cronista prepara uma outra
história da nação, uma que trata de um conjunto de questões diferentes
daquelas que influenciaram Reis.” (Dillard e Longman II)
O nome do livro

No cânon hebraico, os dois livros de Crônicas são considerados um, visto


que eles eram escritos em rolos que tinham um limite, sendo necessário
dividir o livro (embora não seja consenso entre os estudiosos, pode ser o caso
de Reis, Samuel e Crônicas), estão situados no final do Antigo Testamento, ou
seja, é o último texto da Bíblia hebraica. A sua divisão em duas partes, e a
colocação após os Livros de Reis na Bíblia cristã, deve-se à influência da LXX
(Septuaginta), Jerônimo, um dos “pais” da igreja (expressão usada para se
referir aos mestres e líderes das igrejas cristãs primitivas), em sua introdução
feita aos livros de Samuel e Reis, disse que os livros continham "a crônica de
toda a história sagrada", o costume de chamar esses livros de "crônicas" vem
dessa declaração de Jerônimo. Por outro lado, o nome hebraico de Crônicas
é "Os atos dos dias" (dibrê yamim).

218
Formação em Teologia

Genealogia

Assim como o Evangelho de Mateus, Crônicas procura abranger toda a


história humana, desde a criação até a época em que foi escrita, usando as
genealogias. Nos nove primeiros capítulos de Crônicas, as genealogias
desafiam o interesse do leitor moderno, não era assim com os primeiros
ouvintes e leitores, segundo Dillard e Longman II “a geração que questionava
a sua relação com o Israel do passado, as genealogias tratavam diretamente
da questão da continuidade entre a comunidade da restauração e o antigo
Israel. Usando as genealogias, o cronista reata sua própria geração a Adão (l
Cr 1.1); para os que desejavam saber se ‘Deus ainda está interessado em
nós?’, o cronista responde ‘Sim, ele sempre esteve!’ As genealogias falam da
continuidade de Israel e de sua eleição como o povo de Deus.”

É importante que o leitor de Crônicas, ao se deparar com as genealogias,


tenha a sensibilidade de perceber Deus juntando pedaços para (re)conectar
a história israelita:

“Um dos temas mais notáveis em Crônicas é a preocupação do escritor


com "todo o Israel" (e.g., 1Cr9.1; 11.1,10; 12.38; 14.8; 15.3,28; 18.14; 2Cr 1.2; 7.8; 9.30;
10.3,16; 12.1; 13.4,15; 18.16; 24.5). No momento em que as tribos do norte haviam
passado muito tempo no exílio, o Cronista fornece uma lista genealógica
para todas as tribos (menos de Zebulom e Dã): ao fazer tal lista, o Cronista
está (l) expressando sua consciência de que a continuidade incluía o maior
número de pessoas, (2) mostrando sua preocupação com a inclusão das
tribos do norte, em vez de as excluir, (3) sugerindo que ele não considerava
o cisma nem permanente nem desejável e (4) possivelmente dando alguma
expressão a uma esperança escatológica de um reflorescimento da nação
em sua mais ampla extensão.” (Dillard e Longman II)

As genealogias ainda trazem funções práticas para comunidade que


está experimentando restauração, como as questões de linhagem,
identificando as pessoas que podiam ser consagradas ao sacerdócio, as
pessoas que faziam parte da realeza, ou ainda, direitos de herança e
distribuição de terras poderiam ser verificados, e em parte resolvidos através

219
Formação em Teologia

das genealogias. Em suma, a genealogia (linhagem) revelava os direitos e


deveres de um indivíduo (lembrando que, espiritualmente, somos da
linhagem de Jesus! Logo, quais nossos direitos e deveres?!).

A monarquia unificada (1Cr 10 - 2Cr 9)

Como já vimos, a comparação entre as narrativas de Crônicas e os


outros livros históricos é vital no estudo desses livros, por exemplo, ao
comparar a narrativa sobre Davi e Salomão, feita pelo cronista, com a
narrativa encontrada em Samuel - Reis, talvez a diferença mais notável seja
o material que o cronista preferiu omitir. Com exceção da narrativa do censo
de Davi (lCr 21; cf. 2Sm 24), que foi um episódio que registra um erro grave de
Davi, o cronista não registrou os outros acontecimentos que revelassem
fraqueza, ou que de alguma forma pudessem manchar a imagem de Davi ou
Salomão. Observe que em Crônicas:

1. Não foi mencionado o reino rival nas mãos de um descendente de


Saul durante os sete anos de Davi em Hebrom.
2. As negociações de Davi para dominar as tribos do norte.
3. O autor omite qualquer relato sobre as rebeliões de Absalão e
Adonias, e as ações de Amnom e Simei.
4. Não faz nenhuma referência aos pecados de Davi com relação a
Bate-Seba e Urias.
5. O cronista não narra Salomão se vingando dos inimigos de Davi (I Rs
2).
6. Sobre a divisão do reino, o cronista mostra a responsabilidade de
Jeroboão (2Cr 13.6-7), e não informa os pecados de Salomão, que, de
acordo com o texto de Reis, foram centrais para promover a divisão
do reino (IRs 11)

Em Crônicas, Davi e Salomão são retratados como gloriosos, figuras


completamente vitoriosas, que não apenas desfrutam da bênção divina,
mas também do apoio de toda a nação. Essas percepções são verdadeiras,

220
Formação em Teologia

porém incompletas, pois as ênfases encontradas em cada livro são


complementares. Por isso que, ao ler os livros históricos, é necessário agrupar
e organizar todas as informações disponíveis sobre cada evento e cada
personagem, e com cautela se chegar à visão mais completa possível dos
fatos históricos. Uma análise completa e cautelosa, olhando e comparando
as narrativas (nos diferentes livros históricos) nos permitirá não ter um olhar
míope sobre o texto.

É importante saber que as glórias que acompanharam Davi e Salomão


não excluem, por exemplo, ao final de sua história, Davi ser mostrado
acamado e avançado em dias, e que só consegue salvar o reino para
Salomão no último minuto, graças à prontidão de Bate-Seba e Natã (l Rs1).
Por outro lado, no Livro de Crônicas, o autor mostra uma tranquila transição
de poder, sem divergência alguma. O próprio Davi anuncia em público a
escolha de Salomão como seu sucessor, um anúncio recebido com total
entusiasmo e aceitação pelo povo (lCr 28.1-29.25), incluindo seus outros
filhos, oficiais militares e aqueles que haviam apoiado a tentativa de golpe
de Adonías (lCr 29.24; cf. l Rs 1.7-10). Enquanto no Livro de Reis, os pecados de
Salomão são uma das razões para o cisma entre os reinos do Norte e Sul,
onde o rei é comparado ao seu pai, Davi (l Rs 11; cf. 11.11- 13,32-36), porém em
Crônicas, Roboão é louvado porque "andou no caminho de Davi e Salomão"
(2Cr 11.17).

Tal visão dos reinados de Davi e Salomão poderia ser considerada um


tipo de idealização dos "bons velhos tempos", mas, quando somada à ênfase
do cronista sobre a promessa de uma dinastia duradoura, feita por Deus, em
Davi (1Cr 17:11- 14; 2Cr 13:5,8; 21:7; 23:3), damos um passo à frente na
compreensão da narrativa desse livro, entendendo que o tratamento dado a
Davi e Salomão reflete uma genealogia messiânica.

Numa época em que Israel era dominado pelos persas, o escritor ainda
tinha esperanças duma restauração do governo davídico e, desse modo,
olhou o passado e descreveu o lado glorioso do reinado de Davi e Salomão,
como antídoto para o presente e esperança para o futuro do povo de Deus.
Assim, a narrativa gloriosa de Davi e Salomão, descritos em Crônicas, são
uma antecipação da maior glória do maior Filho de Davi, Jesus Cristo!

221
Formação em Teologia

Outra característica da narrativa do cronista a respeito de Davi e


Salomão é que os seus reinados são apresentados a partir do envolvimento
deles na construção do templo. Tão logo o santuário foi inaugurado, Davi se
preocupou em transferir imediatamente a arca para Jerusalém (1Cr 13-16). O
cronista acrescenta uma extensa parte referente à preparação de Davi para
o trabalho que deixaria a Salomão (c. 22-27), perceba que, se em Reis a
sabedoria de Salomão é uma sabedoria para governar (1Rs 3:7-15; cf. 3:16;
4:34), em Crônicas, é uma sabedoria para construir (cf. 2Cr 2.12 e seu paralelo
em 1Rs 5:7).

Podemos listar outra técnica de composição do cronista como


"historiografia recapitulativa", Dillard e Longman II descrevem:

“O cronista parece apreciar a eleição de um antigo incidente da história


de Israel, ou de um dos seus próprios escritos, e usá-lo como paradigma ou
modelo para descrever uma situação subsequente. O cronista considera a
relação entre Moisés e Josué como um modelo para a sua apresentação da
sucessão de Davi e Salomão. Ele também apresenta Salomão e o artesão de
Tiro, Hirão-abi, como um segundo Bezalel e Aoliabe. Bezalel é mencionado em
apenas dois livros da Bíblia: Crônicas e Êxodo. Da mesma maneira que Bezalel
foi dotado com o espírito de sabedoria para construir o tabernáculo, assim
também Salomão foi dotado com o mesmo espírito, no altar construído pelo
primeiro (1Cr 2:20; 2Cr 1:5; cf. Êx 35:30-31), e tanto Bezalel quanto Salomão
eram da tribo de Judá (Êx 35:30).

O Cronista modifica a narrativa registrada em Reis para traçar um


paralelo entre Hirão-abi e Aoliabe de quatro maneiras: (l) Tempo de
chegada. Na narrativa em Reis, Hirão surge quando a construção do templo
em si já estava completa (l Rs 7:13); o cronista o coloca em cena desde o
início, do mesmo modo que Aoliabe é associado a Bezalel desde o início (2Cr
2:7,13). (2) Lista de habilidades. Em Reis, Hirão é um especialista em bronze
(IRs 7.14) e parece fazer uma grande quantidade de peças em bronze (v. 15-
47). Em Crônicas, a lista de habilidades de Hirão-abi é muito mais extensa,
quase idêntica à lista de habilidades de Bezalel e Aoliabe (2Cr 2:7,14; cf. Êx
35:31-36:1). (3) Nome. Em Reis, o artesão de Tiro é chamado Hurão ou Hirão,
mas em Crônicas o nome dele é determinado como Hirão-Abi. Esse elemento
adicional, ao fim de seu nome, proporciona a sua denominação a mesma
terminação do nome de Aoliabe. (4) Ascendência. Onde Reis relata que Hirão

222
Formação em Teologia

era o filho de uma viúva de Naftali (1Rs 7:14), o cronista identifica como sua
mãe uma viúva de Dã, o que dá a Hirão-abi a mesma ascendência de
Aoliabe (2Cr 2:14; cf. Êx 35:34). Embora todas essas diferenças possam ser
muito facilmente reconciliadas, é importante observar o que o cronista
estava pretendendo: ao traçar paralelos entre a construção do tabernáculo
e a construção do templo de Salomão, ele intensifica o continuum entre o
Israel das antigas gerações e aquelas que testemunharam a construção do
segundo templo. Exemplos semelhantes de narrativas padronizadas podem
ser encontrados quando o cronista fala dos últimos quatro reis de Judá: ele
eleva Ezequias a um segundo Salomão, traça paralelos entre os eventos nos
períodos de Abias e Acaz (2Cr 13,28), e modela Josafá a partir de seu pai, Asa.”

O reino pós-cisma (2Cr 10-36)

Uma das principais preocupações de Reis é mostrar a história das más


ações que conduziram Israel ao exílio, por exemplo: "Porquanto fizeram o que
era mau perante mim e me provocaram à ira, desde o dia em que seus pais
saíram do Egito até ao dia de hoje" (2Rs 21:15). Os próprios exilados não
enxergavam isso e justificavam seu estado de forma equivocada, eles
reclamavam que estavam sendo punidos por pecados que não haviam
cometido: “Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se
embotaram." (Jr 31:29; Ez 18:2).

Quando o cronista reconta a história de Judá, ele está preocupado em


mostrar que o castigo pelo pecado nem sempre é postergado para gerações
futuras, mas, antes, cada geração experimentará a bênção ou o julgamento
de acordo com as próprias ações.

Passagens que são exclusivas do Livro de Crônicas

O autor trata especificamente do tema da imediata resposta divina aos


eventos ocorridos (1Cr 28.8-9; 2Cr 12.5; 15.2; 20.20). Embora não seja a primeira
formulação deste tipo, 2 Crônicas 7:14 (o versículo mais conhecido de
Crônicas) é uma declaração programática de grande importância. A oração
de Salomão à consagração do templo e a resposta de Deus a ela (2Cr 6.1-
7:22) estabelecem um tipo de acordo para a futura história da nação. A

223
Formação em Teologia

resposta divina à oração de Salomão é extraída quase que literalmente de


sua correspondente em 1Rs 9:1-9, com exceção do que o cronista acrescentou
em 2 Crônicas 7:13-15, e nesse momento, o escritor passa a usar um
vocabulário que ocorrerá cada vez, à medida que ele tentar demonstrar a
validade da sua teologia de retribuição imediata.

"Buscar a Deus" se torna a pedra de toque para a prosperidade ou aflição


(1Cr 10:13,14; 22:19; 28:9; 2Cr 11:16; 12:14; 14:4,7; 15:2,4,12,13,15; 16:12; 17:4; 18:4; 19:3;
20:4; 22:9; 25:20; 26:5; 30:19; 31:21; 33:12; 34:3). Do mesmo modo, humilharse, ou
falhar em fazê-lo, determina a resposta divina (2Cr 12:6,7,12; 28:19; 30:11;
33:12,19,23; 34:27; 36:12).

As respostas contrárias a buscar Deus e se humilhar são introduzidas


pelo uso de “deixar” e “abandonar" (1Cr 28:9,20; 2Cr 7:19,22):

“Quando se compara a narrativa sobre um determinado rei de Judá em


Reis com a de Crônicas, a maioria das diferenças está relacionada à teologia
da retribuição imediata defendida pelo Cronista. A maior parte do material
exclusivo de Crônicas fornece uma razão teológica para os eventos narrados
ou mostra como Deus realmente abençoa ou julga cada geração em termos
de sua própria resposta às ordens divinas. O Cronista usa um conjunto de
motivos razoavelmente estável para demonstrar a desaprovação ou
aprovação divina. Os atos de devoção e obediência são recompensados
com o sucesso e a prosperidade (lCr 22.11,13; 29.23; 2Cr 14.7; 26.5; 31.21; 32.27-
30 ), programas de construção (2Cr 11.5; 14.6-7; 16.6; 17.12; 24.13; 26.2,6,9-10;
27.3,4; 32.3-5,29,30; 33.14; 34.10-13, vitória na guerra (13.13-18; 14.8-15; 20.2-30;
25.14; 26.11-15; 27.5-7; 32.20-22), apoio popular (2Cr 11.13- 17; 15.10-15; 17.5; 19.4-
11; 20.27-30; 23.1-17; 30.1-26; 34.2932; 35.24- 25) e grandes exércitos (2Cr 11.1;
14.8; 17.12-19; 25.5; 26.10). De modo inverso, a desobediência e a infidelidade
trazem a derrota militar (2Cr 12.1-9; 16.19; 21.8-11; 16-17; 24.23-24; 25.15-24; 28.4-
8,16-25; 33.10; 35.20-24; 36.15-20), a inimizade do povo (2Cr 16.10; 21.19; 24.25-
26; 25.27-28; 28.27; 33.24-25) e a doença (16.12; 21.16-20; 26.16-23 - comparar
32.24). Ao lado das ofensas de culto e do fracasso em buscar a Deus e em
humilhar-se, as alianças estrangeiras significavam falta de confiança em
Deus e sempre resultavam em julgamento (l6.2-9; 19.1-3; 20.35-37; 22.3-9;
25.7-13; 28.16-21; 32.31). Em Crônicas, os reis pecaminosos não se ocupam de

224
Formação em Teologia

programas de construção, não possuem grande número de esposas e filhos,


nenhuma grande riqueza e não comandam um grande exército; ...

225
Formação em Teologia

... esses símbolos de bênção divina são reservados aos piedosos. Em sua
ênfase sobre a retribuição imediata, o Cronista está advertindo a
comunidade da restauração contra qualquer complacência ou presunção
de que o castigo possa ser adiado, como ocorrera no passado. Para uma
nação que está uma vez sofrendo a "servidão dos reinos da terra" (2Cr 12.8),
a sobrevivência e a benção seriam encontradas pela busca a Deus e no ato
de humilhar-se diante dele.” (Dillard e Longman II).

226
Formação em Teologia

Bibliografia:

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall


Price e H Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro:
Thomas Nelson. 2020);

KLEIN, William W. HUBBARD, Robert L. Jr. BLOMBERG, Craig L. Introdução a


Interpretação Bíblica - (Tradução Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de
Janeiro: Thomas Nelson, 2017);

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida
Nova,2001);

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B.


Dillard, Tremper Longman II. Tradução Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida
Nova, 2006).

227
Formação em Teologia

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Formação em Teologia

229
Formação em Teologia

LIVROS HISTÓRICOS - Esdras e Neemias

I Panorama

O Livro de Neemias começa a partir de um homem que experimenta um


chamado especial para auxiliar o seu povo, que se encontra em profundo
desânimo e tristeza. Este livro nos apresenta profundas lições de liderança,
organização e resiliência em relação às oposições que surgem para impedir
o avanço do povo de Deus. Como veremos mais tarde, esse livro possui uma
unidade singular com o Livro de Esdras, o qual foi usado para um despertar
religioso e restauração espiritual através do ensino adequado da lei de Deus.

É importante salientar que, embora encontremos nas nossas Bíblias


como livros separados, a tradição judaica considera os livros de Esdras e
Neemias como um apenas. Foi durante a Idade Média que o livro foi dividido,
sendo que Orígenes é a primeira autoridade erudita a diferenciar os dois
livros. Já a Vulgata de Jerônimo é a primeira edição da Bíblia que traz essa
separação. É importante notar que embora o título aponte para estes dois
homens, o livro trata de todo o povo da aliança.

“Os livros registram os últimos eventos do período do Antigo


Testamento, abrangendo desde a época imediata ao pós-exílio (o decreto
de Ciro, 539 a.C) até a obra de Neemias (final do séc. V a.C). A tradição
posterior assinala Esdras como a conclusão da era do Antigo Testamento e
o descreve como aquele que completou o cânon.” ¹

Esdras e Neemias descrevem um período de transição, onde não apenas


o templo, mas toda a cidade se torna território sagrado. É uma ocasião
histórica em que os documentos escritos substituem a autoridade dos
discursos orais.

230
Formação em Teologia

II Autoria e Composição

A tradição cita Esdras como autor do livro, embora isso seja possível,
faltam evidências internas. Mas apesar das incertezas, Williamson (1985)
afirma que a composição dos livros de Esdras e Neemias ocorreu ao longo
das seguintes linhas:

• Fontes foram escritas na época dos eventos que as relatam.

• As memórias de Esdras e Neemias foram reunidas posteriormente.

• Esdras 1-6 foi adicionado como introdução, e feito a partir de


várias fontes, para indicar o que houve do decreto de Ciro até
Esdras e Neemias.

Howard fornece uma lista útil, de fontes primárias e secundárias,


encontradas no texto bíblico:

Fontes primárias

• Uma revisão histórica (Esdras 1-6);


• Memórias de Esdras (Esdras 7-10 e Neemias 8-10);
• Memórias de Neemias (Neemias 1-7 e 11-13).

Fontes secundárias

• Listas (Esdras 1:9-11; 2; 7; 8: 1-14; Neemias 3; 10:18-43; 11:3-36; 12:1-26);


• Cartas (Esdras 1:2-4; 4:11-16; 4:17-22; 5:7-17; 6:2-5; 6:6-22; 7:12-26).

III Data

Uma vez que não podemos identificar o autor, é impossível ser preciso
sobre a data. Mas um fator importante na determinação da data do livro, é

231
Formação em Teologia

usar as datas dos eventos narrados nele. Embora haja discordância entre
estudiosos, a data tradicional para a “missão” de Esdras é 458 a.C., o que nos
permite fixar uma data em torno da virada do século, por volta de 400 a.C.

IV História

O pano de fundo da história desses livros é o decreto do rei Ciro, da


Pérsia, que permitiu que o povo exilado voltasse às suas terras. O texto bíblico
narra os eventos que aconteceram entre 539 a. C. e 515 a.C. Apenas algumas
pessoas decidem fazer a viagem de volta à pátria dizimada para reconstruir
a cidade e o templo, sob a liderança de Zorobabel, descendente de Davi (1
Crônicas 3:19):

“O propósito declarado do retorno para a Palestina era


reconstruir o templo. Os sacerdotes começaram a reconstrução
do altar para a adoração sacrificial (Esdras 3:1-6). Os alicerces
foram lançados (v. 10-13), mas, antes que o próprio templo
pudesse ser construído, surgiu uma oposição, a qual veio na
forma daqueles, talvez do norte, que já estavam na região
quando os judeus retornaram. Eles se ofereceram para ajudar
na reconstrução, mas Zorobabel e os outros líderes recusaram
a oferta deles (Esdras 4:13).” (...) Os esforços para impedir a
reconstrução do templo tiveram sucesso quando Artaxerxes
ordenou que a construção do templo fosse interrompida
(Esdras 4:18-22). Ele não seria completado até o reinado de
Dario, em alguma época em torno de 515 a.C. O trecho
corresponde de Esdras 7 até Neemias 13 reporta os eventos de
458-433 a.C.” ² Dillard e Longman II.

No mesmo período, Esdras e Neemias voltam à Judá e conduzem o povo


a um avivamento. Nesse momento, o objetivo é a reconstrução dos muros de
Jerusalém.

232
Formação em Teologia

Existem elementos históricos externos que apontam o motivo de o


império persa permitir a reconstrução dos muros de Jerusalém. O cenário
geopolítico nos ajuda a entender. Novamente, como Dillard e Longman II
resumem a questão:

"O quadro que surge dos dados é o de um império com


problemas no seu lado ocidental. Os egípcios tinham se
revoltado e os gregos estavam procurando oportunidades para
debilitar os persas naquela parte do mundo. O império
precisaria usar um amigo forte para salvaguardar seus
interesses, e a Palestina de Esdras e Neemias poderia oferecer o
apoio. Em resposta à questão sobre as razões do império haver
encorajado o que correspondia a um fortalecimento militar de
Jerusalém (a reconstrução dos muros), (...) a cidade
(Jerusalém) poderia servir como um forte contra o Egito e os
interesses gregos.”

233
Formação em Teologia

V Os reis persas

Rei Persa Data de Governo Referência Bíblica

Ciro 539-530 a.C. 2 Crônicas 36:22-23; Esdras 1;


Isaías 44:28 Isaías 45:1; Daniel
1:21; Daniel 10:1

Cambisses 530-522 a.C

Dario I 522-486 a.C. Esdras 4-6; Neemias 12:22;


Histaspes) Ageu 1:1; Zacarias 1:1-7

Xerxes I 486- 465 a. C. Esdras 4:16; Ester


Assuero)

Artaxerxes I 464-423 a. C. Esdras 4:7-23; Esdras 7:8-1;


Longímano) Neemias 2:1-8
(provavelmente época de
profeta Malaquias)

Dario II (Noto) 423- 404 a. C.

Artaxerxes II 404-359 a. C.
(Mnemom)

Artaxerxes III (Oco) 359-338 a. C.

Arses 338- 335 a. C.

Dario III (Codômano) 335- 331 a. C.

VI Estrutura

• Uma revisão histórica (Esdras 1-6);


• Memórias de Esdras, Parte 1 (Esdras 7-10);
• Memórias de Neemias, Parte 1 (Neemias 1-7);
• Memórias de Esdras, Parte 2 (Neemias 8-10);
• Memórias de Neemias, Parte 2 (Neemias 11-13).

234
Formação em Teologia

Essas etapas estão dispostas da seguinte forma:

A divulgação do objetivo:

O decreto de Ciro para construir a casa de Deus (Ed 1.1-4).

A comunidade constrói a casa de Deus (Esdras 1.5; Neemias 7.72)

• Introdução: o povo se prepara para voltar à terra (Esdras 1:5-6);

• A comunidade retorna e reconstrói o altar e o templo em meio à


oposição (Esdras 1:7-6.22);

• Esdras e o povo retornam para construir uma comunidade em


meio ao conflito em torno do casamento misto (Esdras 7:1-10.44);

• Neemias volta à terra para reconstruir os muros da cidade, apesar


da oposição (Neemias 1:1-7.5);

• Final: a lista dos que regressaram (Neemias 7.6-72, que reitera


Esdras 2 e unifica tudo).

O objetivo alcançado:

"A comunidade celebra a conclusão da casa de Deus de


acordo com a Torá." (Neemias 7.73-13.31).

235
Formação em Teologia

VII Mensagem

Como já observado, Esdras e Neemias marcam a passagem “de um


tempo de liderança das elites, de santidade restrita e de autoridade oral para
uma era centrada na comunidade, com santidade ampliada e baseada na
autoridade dos documentos escritos.” ³

Vemos uma mudança, da liderança centralizada em um rei para a


comunidade (É a comunidade que realiza a tarefa de reconstruir o templo e
os muros de Jerusalém). A santidade já não está limitada a lugares especiais,
começamos a perceber a ideia de que tudo é santo, e isso fica claro quando
os muros ficam prontos. De acordo com o texto, eles são consagrados (não
"dedicados", v. Neemias 3:1), o que mostra que eles foram considerados como
sendo parte de uma "cidade santa" reconstruída (Neemias 11:1).

A mudança da autoridade oral para a escrita, tanto nas relações


políticas onde os documentos escritos têm autoridade de fazer a obra parar
ou continuar, quanto no sentido espiritual onde o texto dado pelo Senhor ao
povo tem função vital na restauração da vida da nação.

VIII Os dois Muros

O muro de Neemias tem o óbvio objetivo de proteger, fortificar o povo e


mantê-lo a salvo do inimigo ao separar fisicamente. O segundo muro é
espiritual, é o muro de Esdras, simbolizado pela própria lei, com a função de
distinguir os que fazem parte do povo da aliança dos que não fazem, com
uma forte ênfase na proibição do casamento misto, para manter o povo livre
da idolatria dos povos vizinhos. Assim, a santidade deve ser pensada, tanto
num sentido positivo quanto num sentido negativo, nas coisas que temos que
fazer e naquilo que não devemos fazer. Esdras é responsável pela
restauração da lei como a base da vida do povo de Deus, e o seu livro termina
com um “povo santo vivendo numa cidade santa.”

IX Esdras e Neemias

Esdras tinha linhagem sacerdotal, foi um estudioso versado na lei,


mestre e praticante, encarregado pelo rei Artaxerxes de voltar à Jerusalém e

236
Formação em Teologia

ensinar os estatutos da vida religiosa judaica. As reformas iniciadas por


Esdras conduzem o povo ao arrependimento e ao compromisso com a
aliança. E além disso, em seu livro, vemos que Deus usa desde reis pagãos
até líderes fiéis para restaurar o povo através do culto e da lei.

• Zorobabel e a reconstrução do Templo (Esdras 1:1-6.22);


• O decreto de Ciro (1:1-11);
• O Registro dos remanescentes (2:1-70);
• O culto e a reconstrução (3:1-13);
• A oposição à obra (4:1-24);
• A autoridade de Deus para construir (5:1-17);
• Dario e a reconstrução do trabalho (6:1-22);
• Esdras e a reforma pela lei (7:1-10.44);
• A mão de Deus sobre Esdras (7:1-28);
• O preparo espiritual (8:1-36);
• A oração de confissão de Esdras (9:1-15);
• O arrependimento dos culpados (10:1-44)

Diferente de Esdras, Neemias não vinha de uma linhagem sacerdotal. Ele


era “copeiro do rei”, um criado especial que era provador do vinho do rei
(Neemias 1:11), um cargo que exigia extrema confiança (devido ao risco de
envenenamento). Abaixo, a ordem dos eventos:

• Oração de Neemias e reconstrução dos muros (Neemias 1:1-7.73)


• Os preparativos de Neemias (2:1-20)
• A restauração dos portões e dos muros (3:1-32)
• A oposição à obra de Deus (4:1-23)
• A opressão econômica (5:1-19)
• A intimidação final (6:1-19)
• A proteção de Jerusalém (7:1-73)
• Esdras lê a lei (8:1-10.39)
• Israel confessa seu pecado (9:1-38)
• A aliança é selada (10:1-39)

237
Formação em Teologia

• A reforma social e estabelecimento das cidades (11:1-13.36)


• A dedicação dos muros (12:1-47)
• A renovação do povo (13:1-31)

238
Formação em Teologia

X O retorno do exílio

Data Referênci Líder Rei Persa Extensão do retorno Acontecimento do retorno


a Bíblica Judeu

538 a. C. Esdras 1-6 Zorobabel Ciro (1) Qualquer um que (1) Oferecimento de holocaustos
quisesse voltar podia (2) Celebrada a festa dos
(2) O templo de Tabernáculos
Jerusalém seria (3) Início da reconstrução do templo
reconstruído (4) O rei persa ordena que a
(3) O tesouro real reconstrução pare
providenciou fundos (5) Dario, rei da Pérsia, ordena que a
para a reconstrução reconstrução recomece em 520 a. C.
do templo (6) O templo é construído e dedicado
(4) Os utensílios de em 516 a. C.
culto feitos de ouro e
prata, tirados por
Nabucodonozor, são
restituídos

458 a. C. Esdras 7- Esdras Artaxerxes (1) Qualquer um podia Homens de Israel casados com
10 voltar mulheres estrangeiras
(2) O tesouro real
providenciou recursos
(3) Autorização para
instituição de
magistrados e juízes
civis judeus

444 a. C. Neemias Neemias Artaxerxes Permissão para (1) Reconstrução dos muros de
1-13 reconstrução dos Jerusalém Encontra oposição de
muros de Jerusalém Sambalate, o heronita, Tobias, o
amonita e Gérsen o árabe
(2) Reconstrução dos muros
completadas em 52 dias
(3) Dedicação dos muros
(4) Esdras lê o livro da lei para o povo
(5) Neemias inicia reformas

Notas:

1,2 e 3: Dillard e Longman II

239
Formação em Teologia

Bibliografia sugerida:

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House. Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD, Robert L. Jr. BLOMBERG, Craig L. (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman II. Tradução Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006)

240
Formação em Teologia

241
Formação em Teologia

242
Formação em Teologia

Livros Históricos: Rute e Ester - Parte 6


Primeiramente é preciso informar que não separamos esses livros na
ordem em que aparecem na Bíblia. A razão de termos esses dois livros unidos
em nosso estudo é destacar as histórias de duas personagens excepcionais,
para refletirmos sobre a importância da mulher na narrativa
bíblica. Separaremos Rute e Ester em dois grandes blocos, e colocaremos as
informações pertinentes a cada um, de acordo com o tema, em subtítulos.

I Rute

Data e autoria

“E sucedeu que, nos dias em que os juízes julgavam, houve uma


fome na terra; por isso um homem de Belém de Judá saiu a
peregrinar nos campos de Moabe, ele e sua mulher, e seus dois
filhos.” (Rute 1:1)

A própria introdução do livro coloca o acontecimento da história no


período dos juízes, mas não diz nada sobre sua autoria nem sobre a data em
que foi escrito. Na Bíblia hebraica, Rute aparece na terceira seção dos livros
chamados Escritos, e tradicionalmente, os judeus leem este livro durante a
Festa das Semanas (Pentecostes). Podemos nos perguntar: no Novo
Testamento, durante a época do Pentecostes, os discípulos reunidos liam o
Livro de Rute enquanto esperavam pela descida do Espírito de Deus? Isso é
bem possível!

Apesar da autoria do livro ser desconhecida, este recebe o título de sua


principal personagem e não do autor. O Talmude identifica Samuel como o
autor, mas ele viveu muito antes, o que inviabiliza a possibilidade. Já a data
é objeto de profundo debate, enquanto alguns defendem que o livro foi
escrito no início da monarquia (cerca de 950 a. C.), outros estudiosos
argumentam que o Livro de Rute foi escrito num período posterior ao exílio
(cerca 450 de a.C.).

243
Formação em Teologia

Muitos argumentos são usados na tentativa de comprovar a


composição mais recente ou mais tardia desse livro, e ao longo dos nossos
estudos temos seguido a posição de Dillard e Longman II que, baseados no
pensamento do comentarista e especialista bíblico, Hubbard, afirmam o
seguinte sobre a composição do livro:

"O livro tem um propósito político: obter a aceitação popular do


governo de Davi através do apelo à continuidade da orientação
de Javé nas vidas dos antepassados de Israel e de Davi.
Quando tal propósito político seria mais útil? Hubbard revê as
possibilidades e verifica que o tempo de Davi estava se
formando. Porém, ele nota que o único obstáculo para tal
contexto se encontra em Rute 4:7, que indica que o livro foi
escrito na época em que os documentos jurídicos escritos eram
a norma e o costume de tirar as sandálias já estava esquecido.
Hubbard sugere que 4:7 é um dispositivo literário, mas ainda
favorece a autoria salomônica por causa desse versículo.
Contudo, ele consente num tempo de composição na época de
Davi e aponta que ali havia de fato uma necessidade, pelas
seguintes razões: primeiro, os defensores da casa de Saul
provavelmente viam Davi como um intruso real e, portanto, a
sua nobreza precisava de ‘legitimação’; segundo, a base de
poder de Davi era formada em grande parte por estrangeiros.
Rute, um paradigma do compromisso de um estrangeiro com
Israel e Javé, serviria bem a essa situação. ‘Estrangeiros que
adotam Javé e excedem os israelitas em hesed (palavra
hebraica que significa "bondade") merecem ser aceitos como
israelitas genuínos’.

Podemos não ser dogmáticos sobre esse desfecho, pois ele é baseado
em provas circunstanciais, mas a melhor conclusão a respeito do propósito
do Livro de Rute nos leva a aceitar uma data pré-exílio para sua composição.

244
Formação em Teologia

Propósito e Mensagem

A história proporciona uma transição dos patriarcas para a monarquia.


A genealogia no final do livro traça uma linhagem direta, de Boaz até Davi.
Esse fato é determinante para entender tanto o propósito quanto a
mensagem do livro. Rute é uma história de fidelidade, a constância de Noemi
retornando a terra da promessa, e igualmente a de Rute acompanhando
Noemi, mas sobretudo, a fidelidade de Deus. Os exemplos de fidelidade,
sejam humanos ou divinos, são apresentados mostrando suas
consequências.

Uma leitura superficial desse livro pode distorcer o objetivo do texto.


Dillard e Longman II nos advertem para que não venhamos a cair nessa
armadilha. Acompanhe o raciocínio nas citações a seguir:

“ ‘Seja leal como a Rute e gentil como o Boaz, e Deus o


recompensará’. O bem supera o mal para as pessoas
bondosas. Tal leitura despretensiosa distorce o livro e deixa
escapar o seu profundo ensinamento teológico.” ¹

“A doutrina central que aparece no livro de Rute é a doutrina da


providência. O livro nos mostra que de forma contínua, e muitas
vezes oculta, a providência de Deus governa não só o mundo,
mas, também, a nossa vida nas questões mais simples do
cotidiano.” ²

“O livro instrui os seus leitores em relação ao trabalho contínuo


de Deus na vida das pessoas simples.” ³

“Não foi o acaso que levou Rute aos campos e à vida de Boaz;
foi a providência de Deus. As impossibilidades, as
incapacidades, não são suficientes para frear a benevolente
providência divina.” ⁴

245
Formação em Teologia

“Nenhum evento sobrenatural ou milagres pontuam Rute, mas


o leitor atento termina o livro sabendo que a mão de Deus
guiou os eventos dessa história tão diretamente quanto a
narrativa do êxodo do Egito.” ⁵

O Livro de Rute relata a origem de um dos maiores líderes que Israel já


teve: Davi. Assim como em outras narrativas bíblicas, o nascimento e vida
desses personagens foi marcado pela superação de obstáculos gigantes, e
em cada evento, a graça de Deus se revela em providência, o que também
se reflete no Livro de Rute. Aquilo que seria o fim de uma família se tornou o
início da Casa de Davi.

Tradições legais

O primeiro passo é entender que o Livro de Rute não é um texto como o


de Deuteronômio ou Levítico, trazendo uma forte ênfase na lei, Rute é uma
narrativa que traz alguns costumes e tradições menos conhecidos, e sobre
estes, é importante saber que “apesar de estabelecidos na história, a efetiva
aplicação das leis e dos costumes pode ser ignorada em situações da vida
real. Além do mais, os antigos códigos de lei não eram exaustivos ou
abrangentes. Eles davam os princípios gerais, admitindo flexibilidade em sua
aplicação conforme situações específicas.” ⁶

A tradição ou costume que aparece no livro é o papel do resgatador


(Goel), vemos a referência dessa prática nos seguintes textos: Levítico 25:25-
30; 47-55; Jeremias 32:1-15. A lei em si não trata de forma específica o
casamento com a esposa de um parente falecido, sendo assim, não era uma
obrigação legal. O que podemos entender é que a lei gerou costumes e
tradições, em outras palavras, desdobramentos que eram observados pelo
povo, e tais desdobramentos da lei foram incorporados na tradição popular.

246
Formação em Teologia

Estrutura

Tischler escreveu um artigo (1993) propondo um esquema para o Livro


de Rute:

• Introdução (Rute 1:1-5)


• Ato I: Êxodo (1:6-18)
• Ato II: Belém (1:19-22)
• Ato III: Apresentação de Boaz (2:1-23)
• Ato IV: O plano (3:1-18)
• Ato V: O pronunciamento público (4:1-12)
• Poslúdio (4:13-22)

II Ester

O livro trata dos judeus que viveram a diáspora (fora de Israel). E uma
curiosidade desse livro é que o nome de Deus não é mencionado nenhuma
vez.

Estrutura

I. As festas de Assuero (Ester 1:1-2.18).

• Vasti é deposta (c. 1);


• Ester torna-se rainha (2:1-18).

II. As festas de Ester (2:19-7.10).

• Mordecai descobre uma conspiração (2:19-23);


• A conspiração de Hamã (c. 3);
• Mordecai persuade Ester a ajudar (c.4);
• O primeiro banquete de Ester (5:1-8);
• Uma noite de insônia (5:9-6.14);
• O segundo banquete de Ester (c. 7).

247
Formação em Teologia

III. A festa de Purim (c. 8-10).

• O édito real a favor dos judeus (c. 8);


• A instituição de Purim (c. 9);
• A promoção de Mordecai (c. 10).

Contexto histórico

Segundo Dillard e Longman III:

“O autor de Ester preferiu permanecer anônimo. Os eventos que


o livro registra se referem ao reinado de Assuero (ou Xerxes, em
persa, 486-465 a.C), e a primeira versão da história
provavelmente não deve ter sido escrita muito depois. Os
conhecimentos do autor sobre a vida da corte persa, e a
ausência de vocabulário grego, indicam um período anterior às
conquistas de Alexandre. Alguns estudiosos defendem uma
data posterior, por exemplo, sugerem que o confronto entre
judeus e gentios no livro reflete o intenso conflito entre o
judaísmo e o helenismo no período asmoniano; [...]

[...] a primeira referência histórica ao livro de Ester é desse


período (2 Macabeus 15.36: a época de Mordecai). O objetivo do
livro em sua forma atual é claramente narrar a origem da festa
judaica do Purim (Ester 9:18-10.3). O nome da celebração deriva
da palavra acádia puru, que quer dizer “sorte" (Ester 3:7), e
refere-se às sortes lançadas por Hamã.”

Tabela cronológica de Ester:

Referência Dia/Mês/Ano Evento do período de Assuero

248
Formação em Teologia

1:3 -/-/3 Assuero realiza seus banquetes

2:16 -/10/7 Ester é levada para Assuero

3:7 -/1/12 Hamã lança as sortes

3:12 13/1/13 Promulgação do decreto de Hamã

3:13 13/12/13 Data de realização do decreto

8:9 23/3/13 Promulgação do decreto de Mordecai

8:12 13/12/13 Data de realização do novo decreto

Gênero e técnica literária

O escritor desse livro consegue juntar as características da literatura de


sabedoria com a narrativa histórica, e as articula usando figuras de
linguagem, uma técnica curiosa chamada ironia e sátira:

“O entusiasmo do autor pela ironia é visível nos constantes


relatos de reversão de destino. As ações ou situações
particulares resultam, com frequência, no oposto do resultado
esperado; um tema especificamente expresso em Ester
9:1,22,25. Esse dispositivo literário é chamado de peripécia (cf
Berg 1979, p. 104-6). Hamã, que pretende destruir Mordecai e os
judeus, no final das contas destrói a si mesmo, juntamente com
a sua própria família. A forca que ele constrói para Mordecai
torna-se o instrumento da sua própria morte. Pelo seu édito, a
riqueza dos judeus deveria ser saqueada, mas, ao fim da
narrativa, a riqueza de Hamã está em mãos judaicas. Ao

249
Formação em Teologia

elaborar um roteiro para a sua própria glorificação, acabou


sendo o executor do rei na glorificação de Mordecai (Ester 6:1-
11). Hamã teve, durante um tempo, a posse do anel do rei, o
qual por fim passou para Mordecai, para que este agisse da
forma que desejasse (Ester 3:10; 8:8). Ao lado dessas passagens,
há outras ironias menores dentro da narrativa. A sátira
destinada aos persas é digna de nota. O decreto do rei
instruindo os homens do comando de sua casa, enquanto ele
mesmo não tinha controle sobre sua mulher, ou ainda: ‘O rei
que queria fazer da esposa um espetáculo’ (1:11) acabou se
tornando uma atração (1:12; 2:1-2). O glorioso monarca, cuja lei
não podia ser alterada (1:19; 8:8), é enganado e manipulado,
mas a lei não é invalidada”. ⁷

Mensagem teológica

A soberania de Deus é o centro da mensagem deste livro: se vemos em


Rute o desenrolar da história da redenção, em Ester não é diferente. A
providência de Deus age de forma a transformar a ameaça de extinção do
povo em manifestação do governo e da soberania de Deus na história. Deus
sempre tem o controle. Acompanhe como Dillard e Longman II resumem a
soberania de Deus no livro de Ester, revelado numa sucessão de eventos:

“A sua narrativa é construída sobre uma série cumulativa de


aparentes coincidências, todas indispensáveis quando a
narrativa alcança o seu momento de máxima tensão
dramática no início do capítulo 6. Quanta "sorte" os judeus
tiveram por Ester ser tão atraente e haver sido escolhida entre
outras possíveis candidatas; por Mordecai haver descoberto a
conspiração de assassinato; e um relato de sua denúncia sobre
os planos de morte ter sido registrado nas crônicas reais; por
Ester ter escondido a sua identidade e o rei tê-la recebido sem
que a houvesse chamado; por Assuero não haver conseguido
dormir naquela noite e, então, ter ordenado a leitura dos anais
e o escriba optado por ler a partir do incidente passado com

250
Formação em Teologia

Mordecai; pelo rei ser consciente o bastante para indagar se o


havia recompensado... Realmente, é muita sorte! O que o
escritor de Ester conseguiu foi nos proporcionar uma narrativa
onde o ator principal é um tanto quanto omitido - a presença
de Deus está contida e implícita ao longo da narrativa, de
forma que essa escalada de coincidências é apenas o
subproduto do seu domínio sobre a história e do cuidado
providencial com o seu povo. É um extraordinário exemplo de
genialidade literária: o autor escreveu um livro que, do princípio
ao fim, fala sobre as ações e domínio de Deus e, no entanto,
Deus não é nomeado numa única página da narrativa. [...]

[...] Para os judeus contemporâneos do autor, e para todos os


leitores dessa história pelos séculos e milênios desde então,
essa narrativa da providência e eleição divinas tem trazido
uma mensagem de conforto e certeza. As ações de Deus na
narrativa podem estar ocultas e, certamente, não são evidentes
para todos. Mas, apesar da nossa inabilidade para entender o
propósito divino em toda a sua plenitude, nada está além do
alcance de sua mão. A doutrina da soberania divina é
fundamental em Ester, mas não é um tipo de fatalismo. Pois,
onde as ações e os propósitos de Deus não são evidentes, a
importância da obediência e a fidelidade humana se tornam
mais aparentes. A esse respeito, Ester 4:13,14 se une a vários
outros textos bíblicos que integram, de forma admirável, a
responsabilidade humana e a providência divina (Mateus 26.24;
Atos 2:23; 3:18,19).” – grifo nosso

Observação: A História de Rute precisa ser conectada a um grave erro


cometido por Saul que “fora instruído por Deus para destruir os amalequitas''
(1 Samuel 15), mas desobedeceu ao Senhor. O incidente entre Saul, Agague e
os amalequitas se tornaria, por fim, a razão da própria derrota de Saul e a
perda da sua dinastia (1 Samuel 28:18). Um amalequita declararia mais tarde
que matara Saul (2 Sm 1.8).

251
Formação em Teologia

Israel ainda se achava em luta com os amalequitas nos tempos de


Ezequias (1 Crônicas 4:43). As genealogias de Hamã e Mordecai representam
o conflito: Mordecai é identificado como um benjamita do clã de Quis (Ester
2:5), pai de Saul: Hamã é um descendente de Agague (3:1), o rei dos
amalequitas contra quem Saul havia lutado (1 Sm 15). Desde o tempo do
êxodo, houve uma história de desavenças entre Israel e os amalequitas.
Moisés declarou:

"Haverá guerra do SENHOR contra Amaleque de geração em


geração." (Êx 17:16)

252
Formação em Teologia

Notas:

1,2,3,4,5,6 e 7: Dillard e Longman II

Bibliografia sugerida:

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD, Robert L. Jr. BLOMBERG, Craig L. (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman II. Tradução Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006)

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

Livros Poéticos: O Livro de Jó - parte 1


Os livros poéticos não tratam especificamente da história de Israel como
estudamos anteriormente, tampouco de leis e normas de culto. Conhecidos
como livros de sabedoria, falam ao coração do homem tratando sobre a
importância da sabedoria, da oração, da fé, da paciência e da intimidade
com Deus em todas as circunstâncias. Eles nos apontam um caminho para
uma vida plena e feliz apesar de todas as adversidades, pois transmitem a
mensagem bíblica de uma forma poética. Na poesia, a Palavra de Deus
ganha efeito e propósito diferente em nós.

Os Livros Poéticos abrangem Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e


Cântico dos Cânticos. Eles contêm uma estrutura específica, a qual requer
um olhar atencioso, de modo que tanto sua leitura quanto sua interpretação
sejam fiéis. Ademais, as relações entre a poesia e o texto com ênfase
doutrinária são diferentes, e este estudo tem o propósito de trazer essas
distinções à consciência do estudante.

Dica: sugerimos um canal do YouTube chamado The Bible Project, que será
uma ferramenta útil nos seus estudos. Você pode ativar as legendas em
português e aproveitar ao máximo esse projeto.

I Lendo poesia

A poesia é a segunda característica literária mais comum no texto


bíblico, ocupa cerca de um terço de toda a Bíblia, portanto, não usar as
ferramentas adequadas para ler e entender a poesia bíblica pode ser um
prejuízo incalculável. Isso ocorre porque mesmo os textos narrativos
apresentam inúmeros trechos ou seções de poesia.

A poesia é a linguagem das imagens, não existem escolhas aleatórias


em sua construção, cada palavra importa porque seus versos são mais
curtos do que em outros gêneros literários. O poeta quer sempre que você
sinta e experimente.

256
Formação em Teologia

Podemos exemplificar da seguinte forma: se o poeta fala do frio, ele quer


que o leitor sinta frio; se fala da guerra, ele trabalha para que o leitor
experimente o conflito, vivencie a guerra de alguma forma, através das
palavras que foram pensadas. Esse conceito poético vale para o Livro de Jó.
Assim, o ato da leitura precisa nos levar a provar, em alguma medida, os
dilemas de Jó - sua agonia, incompreensão e ausência de respostas.

Como as imagens são uma característica desse gênero, as figuras de


linguagem como, por exemplo, as hipérboles, que criam um “efeito literário”
para dar contorno às ideias e criar o ambiente que o autor deseja que seu
leitor conheça ao ler o texto. Veja o exemplo:

“Sobre isto também treme o meu coração, e salta do seu lugar.” (Jó 37:1)

Obviamente um coração não salta, mas essa imagem transmite


perfeitamente a ideia do autor, qual seja de angústia e ansiedade. A poesia
hebraica tem som, estrutura, textura e linguagem. Os versos mais curtos
transmitem a ideia de ações rápidas, enquanto os versos mais longos
mudam o ritmo, trazendo lentidão e contornos mais dramáticos. As variações
criam “efeitos especiais” na poesia bíblica. Perceba que na leitura os
versículos podem ser subdivididos, chegando mais perto da estrutura
original. Em português é diferente, pois são as vírgulas e o fluxo do texto que
vão nos ajudar a achar o tamanho real dos versos, para que possamos
determinar o ritmo ideal da leitura:

“Ele bloqueou o meu caminho,

e não consigo passar;

cobriu de trevas as minhas veredas.

[...]

257
Formação em Teologia

[...]

Despiu-me da minha honra e tirou a coroa de minha cabeça.

Ele me arrasa por todos os lados,

enquanto eu não me vou;

desarraiga a minha esperança como se arranca uma planta.

Sua ira acendeu-se contra mim;

ele me vê como inimigo.” (Jó 19: 8-11)

A “voz” é também uma particularidade decisiva da poesia. Podemos


dizer que ao se repetirem fonemas específicos, o encadeamento dos sons
gerados traz unidade e reforçam os sentidos, além de ampliar os significados
e até mesmo a compreensão. Um exemplo dado na obra Introdução à
interpretação bíblica ajuda a clarear esse conceito, segue-se que Martin
Luther King ensinava a “não julgar as pessoas pela cor da sua pele, mas pelo
conteúdo do seu caráter”. A fala de Luther King se torna marcante e mais fácil
de lembrar pelo uso dos fonemas. Todas as palavras capitais dessa sentença
começam com a letra “c” (“cor”; “conteúdo”; “caráter”), e o exemplo continua
através de um equivalente de encadeamento de fonemas encontrado no
Livro de Jó. A essa repetição de sons parecidos em versos paralelos damos o
nome de aliteração. Abaixo, transcrevemos os fonemas¹, observe no texto a
repetição dos sons de “K” e “Ts”:

“Ketsis yatsa wayyimmal

Wayyibrach katstsel welo yaamôd”. (Transliteração)

“Sai como a flor e seca, foge também como a sombra e não


permanece.” (Jó 14:2)

258
Formação em Teologia

Para interpretar o sentido transmitido pelas figuras poéticas de


linguagem seguimos os seguintes passos:

• Devemos identificar as figuras de linguagem presentes no


texto (símile, metáfora, personificação, etc.)

• Interpretar a figura de linguagem, com suas conotações


emocionais positivas e negativas.

• Extrair o sentido real a partir do sentido figurado.

• Definir a função da figura de linguagem. Em outras palavras:


por que o poeta escolheu especificamente aquela
determinada figura de linguagem? No que essa figura de
linguagem contribui ao sentido que o poeta desejou
transmitir?

A tabela abaixo o ajudará a se familiarizar com as figuras de linguagem:

Figura Definição Exemplos

Salmos 98:8
Personificação Detalhe não humano em termos humanos
Romanos, 6:19

Abordagem direta a algo ou alguém como Salmos, 2:10


Apóstrofe
se estivesse realmente presente Tiago 5:1

Jó 37:1
Hipérbole Exagero consciente para se dar um efeito
Gálatas 5:12

Substituição da palavra ou ideia pela Salmos 23:5


Metonímia
palavra, ou ideia intimamente relacionada Mateus 23:37

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Formação em Teologia

Amós 8:10
Sinédoque Parte da ideia ou do item representa o todo
Mateus 14:30

Afirmação divertida do oposto do sentido I Reis 18: 27


Ironia
desejado ICoríntios 4:8-10

Mais uma vez, recorreremos ao método apresentado no livro Introdução


à interpretação bíblica de como podemos usar esses princípios de
interpretação num texto poético. O trecho selecionado pelos autores está no
salmo 18:1:

“O Senhor é a minha rocha, a minha fortaleza e o meu


libertador; o meu Deus é o meu rochedo, em quem me refúgio.
Ele é o meu escudo e o chifre que me salva, a minha torre alta.”

• Neste caso o salmista usa a figura chamada metáfora.

• Sentido literal. O verso retrata várias imagens comuns e


concretas: rocha, fortaleza, escudo, chifre e torre alta.

• Em conjunto, elas sugerem ideias de firmeza, proteção, algo


impenetrável e grande, além de força. Emocionalmente, as
conotações são positivas; imagens que sugerem que no dia
de grande risco existe proteção e salvação.

• Essa análise nos ajuda a ver o sentido figurado. O que a


fortaleza e os escudos têm em comum com Javé é a sua
força e proteção, portanto, o sentido figurado mostra o real: o
Senhor é a proteção do salmista. No salmo 18 as figuras
servem para expressar a proteção de Deus.

260
Formação em Teologia

Sugerimos que você observe o exemplo acima e procure usar os


mesmos princípios nos textos poéticos encontrados no Livro de Jó. O pano de
fundo da literatura de sabedoria, como no caso de Jó, é a “teologia da
criação”, ou seja, a relação que precisamos fazer é que a poesia e a prosa
estão desenhando um quadro onde o sofrimento e drama humanos, justiça
e sabedoria, são percebidos através da relação com o Criador, e nesse
contexto, toda sabedoria surge do diálogo e da revelação do Deus que cria e
sustenta todas as coisas. Nosso próprio sofrimento pode ser aliviado a partir
dessa noção. Se Ele está na administração da vida, logo, Ele é o alicerce para
tudo o que existe.

(Para refletir: Se Deus é um Deus que coloca limite para o mar, Deus
pode limitar a dor na sua vida, pois “sua misericórdia dura para sempre” (Sl
106:1). Se Deus criou a luz, Ele sabe dissipar as trevas no seu coração. Ele é,
também, o Senhor dos animais, pois todas as criaturas, por mais selvagens e
perigosas que sejam, foram criadas e sustentadas por Ele. Deus não teme a
mordida de um animal feroz, nem a chifrada de um touro, nem mesmo o
rugido dos leões, mas por todos os animais é temido. Ele cuida de cada um
dos mais temíveis animais, por exemplo, Ele zela até mesmo pelo avestruz,
que pode correr mais rápido do que um cavalo, que é um animal estranho,
cruel, e que às vezes come e mata seus próprios filhos. Esse animal curioso
tem espaço na criação de Deus. Pense que, por mais estranho que você
esteja se sentindo, no meio do sofrimento, Deus dá um valor único a você.
Deus tem um lugar para aquilo que ninguém mais consegue ver valor ou
utilidade.)

Retomando, o breve exercício de reflexão nos sugere buscar na teologia


da criação elementos de consolo e refrigério. À medida que observamos a
criação, a idolatria do nosso ego é quebrada. O nosso próprio senso de
justiça, que antes era um aliado, é desmascarado para que surja em nós
reverência e adoração. Citamos como mais um exemplo, as palavras de
Gladir Cabral, compositor cristão:

261
Formação em Teologia

“... que a justiça não é obra do homem, a nossa justiça é


limitada, e quando o sofrimento vem, a nossa fé pode enfim
triunfar, vencer. É nesse momento que a nossa vitória se
estabelece, a graça é suficiente para sustentar, e quando
admitimos que somos criaturas, filhos e servos, reconhecemos
realmente que a graça é tudo que precisamos nessa vida. Jó
afirmava que antes conhecia Deus de ouvir falar e, mesmo
assim, aprendeu a ser justo. Agora que ele vê, aprendeu sobre a
graça”.

II Debates

O Livro de Jó incorpora muitos gêneros literários. Por vezes Jó se


comporta como um salmista, conforme vemos no capítulo 16, contudo,
excluindo a seção onde o texto é apresentado de forma narrativa (Jó 1-2;
42:7-17), o restante do livro se encontra naquilo que Klein, Blomberg e Hubbard
Jr. definem como “gênero de debate”, e a poesia presente no livro se
encontra dentro dessas seções. No debate Jó tenta provar sua inocência
enquanto todos os participantes debatem quais são as causas reais do
sofrimento, entretanto, é importante perceber que Jó é considerado íntegro
pelo próprio Deus no início do livro. Levando isso em conta, o estudante deve
dar atenção redobrada à autodefesa de Jó e tomar cuidado com os
conselhos aparentemente sábios de seus amigos, que refletem um
pensamento diametralmente oposto ao de Deus, como é revelado no final do
livro.

III O Livro de Jó

Muito ouve-se a expressão “Paciência de Jó” (Jó 5,11), mas note que a
ênfase na paciência revela que a maioria das pessoas geralmente conhece
a parte da história em prosa (Jó 1: 1 - 2,13: 42: 7-17), mas ignoraram
completamente o poema que divide essa história em duas partes (Jó 3: 1 –
42: 6). Fato é que o poema, ao contrário da imagem mais conhecida,
apresenta o mais impaciente dos homens. Samuel Terrien aponta:

262
Formação em Teologia

“Mesmo aqueles que têm familiaridade com o poema, tendem


a considerá-lo simplesmente como um ato de protesto contra
o dogma da retribuição individual (lei da semeadura). Segundo
a opinião comum, o poeta de Jó poria a questão: ‘Há inocentes
que sofrem?’ E responderia afirmativamente. Aí estaria todo o
fim e a significação do poema. Essa visão é correta, mas
incompleta, e o seu caráter parcial vicia completamente seu
valor. [...]

[...] A análise do texto, o exame de sua composição e a


determinação de sua data mostra que a obra não é sequer um
tratado poético de teodicéia (tentativa de conciliar o problema
do mal e a bondade e onipotência de Deus). Ao contrário, ela
critica implicitamente qualquer tentativa de ‘justificação das
vias de Deus’. Indiretamente, ela ensina que os esforços do
homem para defender a conduta de Deus só têm como
resultado abaixar a divindade ao nível de um ideal humano de
justiça e revelam, por isso, uma forma intelectual de idolatria.
Poderíamos aceitar, sem cedermos muito ao paradoxo, que o
livro de Jó seja um tratado anti-religioso, porque mostra o
insucesso da religião em assegurar uma felicidade
antropocêntrica (baseada no homem). Ele oferece a resposta
da fé pura à graça pura. Podemos descobrir nele toda uma
teologia em miniatura porque ele apresenta um Deus que
parece livre das formulações humanas. De fato, uma divindade
que não obedece às aspirações utilitárias da piedade ou moral
e que não foi criada à imagem ou segundo as necessidades do
homem.” ²

Não há como negar que o Livro de Jó trata da experiência humana


diante do sofrimento e das perdas, dos infortúnios e das atrocidades da vida.
Também desmistifica a ideia de que o justo não pode sofrer neste mundo e
ensina que a questão maior não é o sofrimento em si, mas, sim, em como o

263
Formação em Teologia

justo se comporta diante das adversidades da vida. Como nos ensina Martin
Luther King:

“A verdadeira medida de um homem não se vê na forma como


se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas
em como se mantém em tempos de controvérsia e desafio”.

É desconcertante ver que a dor de Jó não foi causada por escolhas ruins,
o sofrimento simplesmente estava ali, se apresentou e se impôs como um
fato, e Jó é um homem que nos inspira por se manter firme em seu
relacionamento com Deus, independentemente de suas perdas, das suas
dúvidas e dos conceitos equivocados que nutria em seu coração em relação
a Deus e à vida. Esse precioso livro nos mostra o dilema que todo cristão
enfrenta: se equilibrar entre a dor, a satisfação, a limitação do nosso
entendimento e a confiança. Quando a vida nos impõe um questionamento,
os limites da mente e o peso da dor serão capazes de destruir nossa
confiança?

“O enredo definitivamente se passa no período patriarcal. Jó é


um patriarca gentio muito semelhante a Abraão. A grande
riqueza de Jó é medida em termos do número de gado que
possui e de criados que emprega (Jó 1: 3; 42: 12). Ele era
também o chefe de uma grande família, a qual ele servia como
sacerdote tal, qual Abraão fazia à sua família. Por exemplo, Jó
oferecia sacrifícios (Jó 1: 5), um ato que seria inconcebível
depois de o sacerdócio formal haver sido estabelecido no Sinai.
Além disso, a idade de Jó excede aquela dos patriarcas. Ele
viveu mais 140 anos depois da sua restauração (Jó 42: 16). O
mais certo é que Jó é um não-israelita. Uz, embora não esteja
definitivamente localizada, com certeza não se situava dentro
dos limites de Israel. Em termos de desenvolvimento da
redenção, Jó é mais bem compreendido como tendo vivido

264
Formação em Teologia

antes da aliança de Abraão, que restringiu a comunidade da


aliança a uma família particular.” ³

Percebemos que o estudo desse livro pode criar “anticorpos” em nossa


espiritualidade, e uma reflexão mais profunda e bem-vinda sobre a questão
do sofrimento, especificamente, sobre o sofrimento dos justos.

No prólogo, vemos que Jó era homem justo, que honrava a Deus e se


desviava do mal, ao ponto de a Escritura chama-lo de “pai dos necessitados”
(Jó 29: 15,16). O texto segue com a apresentação de uma espécie de ‘’corte
celestial’’, onde Deus está reunido com seus conservos. Nesse ponto da
história surge um acusador, que após ouvir do próprio Deus que Jó era reto e
temente a Ele, faz uma intrigante provocação:

“E o Senhor disse a Satanás: Tu consideraste o meu servo Jó,


que não há ninguém como ele na terra, homem perfeito e
íntegro, que teme a Deus e se afasta do mal? Então Satanás
respondeu ao Senhor e disse: Acaso Jó teme a Deus por nada?”
(Jó 1: 8,9)

O argumento do acusador está baseado na ideia de que o que sustenta


a integridade de Jó são as bênçãos e a proteção de Deus. O sofrimento entra
na história como provocação do inimigo e como insinuação de que o
sofrimento vai desmascarar o coração de Jó. E assim, o que foi contra Jó
também é contra nós, pois o desafio de Jó é o desafio de hoje: se perdermos
os benefícios de Deus, nos voltaremos contra Ele?

Segue algumas questões centrais do livro que serão vistas ao longo da


lição:

265
Formação em Teologia

• Por que o justo sofre?

• Como a justiça de Deus se revela em meio ao caos do


mundo?

• Deus governa o universo baseado em justiça?

• Qual o sentido da vida humana?

• A religião e a moralidade são garantias de felicidade?

• O que Deus quer do homem?

A primeira pergunta não possui uma resposta completa e satisfatória,


simplesmente porque a vida num mundo caído não apresenta a solução
definitiva das coisas, incluindo a razão do sofrimento de um servo de Deus.
Dessa forma, não se encontra resposta direta à causa do sofrimento de Jó.
Os livros poéticos levantam questionamentos profundos, então é importante
preparo para nos deparar com questões que fogem às simples respostas
superficiais, como os questionamentos ao longo do livro de Jó.

Veja o exemplo as palavras da esposa de Jó: ‘’Amaldiçoa o seu Deus e


morre.’’, questionamentos profundos, quando não encontram a verdade em
Deus (ou repouso nEle), viram insinuações, tentação e confronto. Em suma,
se transformam em falsos conselhos. Na história de Jó, o questionamento
humano é amplificado pelo acusador, que tem o objetivo de fazer com que
Jó vire as costas para a sua fé ao usar o sofrimento para que ele amaldiçoe
o Criador, fazendo com que a dor e a dúvida criem um abismo entre Deus e
o ser humano.

A dor e a dúvida criam o abismo, e esse abismo cria inimizade, que


produz o senso de conflito ao redor e uma guerra interna. E todos esses
elementos permeiam a vida humana, nos dias de sofrimento essa guerra
invisível se evidencia, pois são as ocasiões em que a inimizade contra Deus
relembra e convida o coração do homem, mas a narrativa de Jó oferece a
essa guerra um oponente capaz de promover a paz.

266
Formação em Teologia

IV Ciclos

O texto se apresenta numa estrutura de ciclos de diálogo, onde Jó fala e


um amigo responde, isso demonstra uma característica dialética (debate)
na obra, marcada pela troca de ideias entre os personagens:

• Primeiro ciclo (do capítulo 3 ao 14);

• Segundo ciclo (do capítulo 15 ao 21);

• Terceiro ciclo (do capítulo 22 ao 28).

O livro demonstra que essas questões são muito antigas. O pensamento


ancestral pode ser visto na atualidade: se eu for justo e bom, a recompensa
virá; se eu for ímpio, a punição virá. Porém, será que todo sofrimento no
mundo pode ser resumido nisso?

V Argumentos de Jó

As conversas terminam em grandes embates entre Jó e seus amigos,


vemos os argumentos de Jó ao se defender das acusações, e algumas
indagações podem ser levantadas desses diálogos: Diante do esforço para
ter uma vida melhor e agradável a Deus, como equilibrar esforço, sofrimento
e a justiça de Deus? Para relacionarmos essas coisas entre si, que equação é
possível?

A segunda leva de perguntas é: Como Deus governa um mundo


baseado em justiça? Como isso é possível, se os que buscam a retidão e a fé
em Deus, continuam se sentindo rodeados por injustiça o tempo todo?

O terceiro grupo de questões é: Como explicar o sofrimento de Jó? Como


podemos racionalizar o nosso sofrimento e o sofrimento das pessoas? Os
argumentos de Jó podem ser resumidos a uma frase: Eu sou inocente, não

267
Formação em Teologia

estou entendendo o que está acontecendo comigo, e o meu sofrimento não


pode ser explicado como justiça divina.

A percepção de Jó o faz afirmar “Sou inocente. A justiça divina não está


provocando isso.” E sabemos que essas afirmações são verdadeiras pois no
início do livro Deus apresenta Jó como alguém reto e temente a Deus, o que
nos leva ao próximo passo: os argumentos de Jó a respeito da origem do seu
sofrimento estão certos, mas suas conclusões são totalmente equivocadas.
Vejamos:

• Se eu sou inocente e estou sofrendo, Deus não governa o


mundo com justiça, e tudo piora.

• Se eu sou inocente e estou sofrendo, Deus é injusto ou pelo


menos não está sendo justo comigo.

Sendo assim, nossos argumentos podem ser justos, mas o governo de


Deus não é injusto, Ele é perfeitamente bom, justo e santo. Essa lembrança se
faz necessária, pois nossos sentidos, ligados à condição humana, são
afetados pelo pecado e nos afetam, tornando-nos cegos à bondade de Deus.
Além disso, as simples circunstâncias da vida desafiam a nossa confiança
em nEle.

Ao contrário de Jó, seus amigos seguem outra direção, sua premissa


inabalável é de que Deus governa o mundo de acordo com a sua justiça, logo,
Jó está sendo injusto e/ou está em pecado. De uma forma dramática, o fim
do livro nos informa que esses homens “não falaram a verdade sobre Deus”,
pois seus argumentos estão descolados da realidade. Já os argumentos de
Jó se tornam protestos que podem ser percebidos em três direções:
Questiona por que Deus o nega a justiça; Afirma sua inocência; Pede um
julgamento:

268
Formação em Teologia

“Ah! Quem me dera um que me ouvisse! Eis que o meu desejo é


que o Todo-Poderoso me responda, e que o meu adversário
escreva um livro.” (Jó 31:35)

De qualquer forma, o sofrimento humano revela que existe a


necessidade de um mediador, que possa estar posicionado entre a nossa dor
e a justiça, entre nós e o próprio Deus. Sabemos que Cristo é o nosso
advogado, que intercede em nosso favor, e já vemos, nas páginas desse livro,
vestígios do nosso redentor.

“Esse livro é mesmo uma das antecipações da teologia


neotestamentária porque prefigura a realidade da salvação
pela fé.” ⁴

As palavras de Jó trazem um confronto: No momento em que a vida ruir,


qual o significado da nossa fé? Diante da crise, da dor e do luto, o que significa
ter fé? Esse é o alicerce para cada ato e momento de nossas vidas, e por isso
que a descoberta de Jó, de que a religião e a moralidade não conferem
nenhum direito à felicidade, o leva a um novo entendimento, onde a graça é
suficiente:

“Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser
frustrado. Tu perguntaste: ‘Quem é este que, sem
conhecimento, encobre os meus planos?’ Na verdade, falei do
que não entendia, coisas que são maravilhosas demais para
mim, coisas que eu não conhecia. Disseste: ‘Escute, pois eu vou
falar; farei perguntas e você responderá. Eu te conhecia só de
ouvir, mas agora os meus olhos te veem.” (Jó 42: 2-5)

269
Formação em Teologia

VI A agonia de Jó

“Jó difere, todavia, dos pagãos antigos ou modernos, porque se


apega contra toda evidência: à sua crença no Deus que é, ao
mesmo tempo, justo e onipotente. Se ele pudesse ceder à
descrença seu problema cessaria imediatamente.
Permaneceria, sem dúvida, a sua luta física e moral contra um
mal sem causa aparente, mas a sua tortura espiritual acabaria.
Assim o caminho de sua agonia não é comparável a uma
descida contínua para o horror; é antes uma incessante
oscilação entre a negação e a afirmação, a dúvida e a certeza,
a revolta e a suspeita de uma esperança. Um combate contra
Deus e uma esperança nele. Uma evasão de sua presença e
uma paixão por reencontrá-la. Mas essa esperança e essa
paixão, em certo sentido, são errôneas, porque Jó crê não em
Deus, mas em sua própria concepção de Deus. Ele aspira a
encontrar Deus, mas segundo suas próprias regras, a fim de
fazer com que a sua integridade seja reconhecida diante de
todos” ⁵ (grifo nosso)

Terrien dá cores vivas ao drama interno sofrido por Jó e aponta ainda


para uma grande ironia ao concluir a discussão no capítulo 30. Jó lista seus
atos de virtude como credenciais para receber os favores da parte de Deus,
o que prova “que ele não abandonou, assim como seus amigos também não
abandonaram, a crença no dogma da retribuição”. ⁶

VII O grande erro

É importante perceber qual foi realmente o erro que os personagens


dessa história cometeram, e novamente recorremos às palavras de Terrien,
que desenha com precisão o grave equívoco dos amigos de Jó:

“Para eles, a religião é mercado; a humildade uma apólice de


seguro; e a moralidade uma moeda que compra a paz da

270
Formação em Teologia

alma e a prosperidade. Na superfície, eles professam um credo


magnífico, e o seu teísmo parece sem mancha. Em
profundidade, a sua crença não é a fé. (...) para eles um meio
de manipular o sentido da sua honra. Não é Deus que eles
defendem, mas a sua necessidade de segurança. Eles afirmam
seu orgulho condenando Jó e revelam a qualidade particular
de seu pecado de "gente de igreja" quando prestam
homenagem à soberania divina. (...) A presunção desses
homens ‘honestos’ é comparável à das pessoas arrogantes
‘que tem Deus na palma da sua mão’. O seu teísmo se
transformou numa forma refinada de idolatria.” ⁷

A palavra encorajar em grego é parakaleo (“chamado para dentro”),


isto é, para encorajar é necessário “estar dentro”, ou do coração ou da
situação com a pessoa. Os amigos de Jó ofereceram de consolo uma
teologia superficial, distorcida e exterior, usando uma série de clichês
religiosos. Mas também temos o próprio Jó, que mesmo sendo um homem
de fé e íntegro, comete graves erros, fazendo contínuas referências à sua
honra, como bem sugere seus lamentos e reclamações. Ele se queria
encontrar com Deus segundo as suas próprias regras, de modo que a sua
integridade fosse reconhecida, pois em algum momento a luta pela honra se
tornou mais importante do que as outras coisas. É quando Jó começa a se
perder nos seus questionamentos:

"Você vai pôr em dúvida a minha justiça? Vai condenar-me


para justificar-se?” (Jó 40: 8)

Jó pôs a justiça de Deus em dúvida, ironicamente, Deus não coloca em


dúvida a retidão de Jó. No esforço para se legitimar, o homem passa a
condenar a Deus, exigindo dEle a proclamação da sua justiça, e sem
perceber, ele negou a liberdade de Deus, tentando justificar-se, reduziu Deus
à finitude, o que ocorre quando se entende a justiça divina a partir do próprio

271
Formação em Teologia

ego e não da perspectiva divina. “Vivendo sua egocentricidade, ignorou a


teocentricidade da vida.” ⁸

De outro modo, o homem que busca justificar a Deus está preso na


idolatria de si mesmo; O homem que tenta justificar a si mesmo, nega a
soberania de Deus, pois torna-se refém de uma tentativa de levar o Eterno ao
tribunal de sua própria consciência, segundo seu próprio código. O livro de Jó
não explica o problema do mal e do sofrimento, mas mostra o triunfo da fé
quando o “eu” é desnudado pelo caos da existência. E a pergunta que fica é:
Pra você é mais fácil repetir o erro dos amigos de Jó ou do próprio Jó?

Agora, na última parte desta seção, aparece um novo personagem, seu


nome é Eliú, e ele reafirma que Deus é justo e que o Seu governo é baseado
na justiça, opondo-se a insinuação de Jó de que este estaria sendo
injustiçado. Importante notar que a postura de Eliú é completamente
diferente do que se apresentou até então, ele enfrenta a superficialidade dos
amigos de Jó, que se limitam às acusações, e assim, a conclusão de Eliú é
diferente das demais, incluindo do próprio Jó: o sofrimento nos serve como
um curso preparatório para o futuro. É um construtor do nosso caráter.

No final do livro Deus se revela para mostrar a complexidade do universo,


da vida, do mundo e dEle mesmo, do Seu agir e da Sua justiça; O Senhor
revela-se para dizer que o homem tem a visão e o entendimento limitados, e
por isso não tem condições de discernir os atos e planos divinos.

272
Formação em Teologia

Notas:

1: cit. Blomberg e Hubbard Jr.

2: cit. Samuel Terrien

3: cit. Dillard e Longman II

4, 5, 6, 7, 8 e 9: cit. Samuel Terrien

Bibliografia sugerida:

Site: https://bibleproject.com/

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ RandallPrice e H


Wayne House. Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD JR., Robert L. CRAIG, L. Blomberg (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2006)

TERRIEN, Samuel. Jó (Tradução: Benôni Lemos- São Paulo: Paulus 1994)

KELLER, Timothy. Gálatas para você (São Paulo. Vida Nova. 2017)

LOPES. Hernandes Dias. As teses de satanás. (United Press)

273
Formação em Teologia

274
Formação em Teologia

275
Formação em Teologia

Livros Poéticos: O Livro de Jó - parte 2

VIII Questão teológica

Precisamos conversar sobre a ideia da teologia retributiva, ou, a lei da


semeadura, isto é, a relação plantar-colher. A primeira confusão vem do fato
de várias religiões falarem sobre o tema, com uma abordagem, ora muito
diferente, ora muito sutil. Entre essas definições religiosas, a que mais
confunde e se infiltra entre os cristãos é o conceito do karma. E o objetivo é
usar o conhecimento que o Livro de Jó nos revela a fim de esclarecer essa
confusão.

Grosso modo, o karma é um conceito que ajusta o efeito a sua causa,


isto é, todas as ações, boas e más, terão consequências, boas e más, nesta e
nas outras vidas. Por isto a palavra “karma” significa “ato deliberado”,
dependendo daquilo que você lança no universo, ele pode te retribuir de
acordo. O karma pode ser descrito como a "lei moral de causa e efeito", e está
presente nas religiões orientais como o Budismo, Hinduísmo e Jainismo,
nesse tipo de pensamento nada é aleatório, e tudo está interligado numa
relação de causa e efeito, ações positivas trazem um karma positivo
enquanto ações negativas trazem um karma negativo, tanto na vida
presente quanto nas futuras.

O conceito do karma não tem nenhuma relação com o cristianismo, e


crer nele implica na aceitação da reencarnação, o que é obviamente
contrário ao pensamento cristão. E ainda de acordo com essa definição, não
sabemos o quanto devemos nem quanto tempo se leva para pagar, criando
as seguintes perguntas:

• O que fizemos de errado?


• Como vamos pagar pelos nossos erros?
• Por quanto tempo vamos pagar?

276
Formação em Teologia

Perceba que essas questões nos fazem reféns de um subjetivismo moral,


no cristianismo nós temos respostas claras e objetivas para o que existe de
errado e para o que fazemos de errado.

A Bíblia não falha em trazer a resposta: o pecado. E sobre como pagar


pelos erros, entendemos que o ser humano não tem condições de pagar e
que os nossos pecados foram pagos por Cristo na cruz do calvário com sua
própria vida, e nada diferente disso é capaz de pagar ou reparar os nossos
erros. O ensino do karma pressupõe dívida e crédito, dívida pelos nossos erros
e crédito pelos nossos acertos. No cristianismo, nossa dívida já foi
completamente paga (Colossenses 2:14) e o único crédito que temos não
está relacionado com algo que fizermos, mas a justiça de Cristo é creditada
em nossa vida (Romanos 4:5). Veja que são raciocínios completamente
diferentes, Cristianismo e karma são incompatíveis.

A segunda distinção entre o Karma e o ensinamento bíblico é que a lei


da semeadura tem uma relação orgânica. A relação é biológica e não
matemática, a qual nos ensina que iremos colher a essência daquilo que
plantamos. Se usamos sementes para plantar maçãs, não devemos esperar
que nasça algo diferente disso. Um raciocínio matemático destruiria essa
relação. Imagine que as suas boas ou más ações pudessem ser
quantificadas, acreditar no karma seria acreditar em algo como: Se você faz
“2 kg de bondade”, você recebe “2 kg de bondade”; ou, se você faz “2 kg de
maldade”, você recebe “2 kg de maldade”. Mas não se resolve os problemas
depositando “créditos kármicos” no universo. Infelizmente, muitos cristãos
bons e sinceros acreditam na doutrina do karma sem notar.

Conforme estudamos a vida de Jó, vemos a prova definitiva de que todo


o nosso esforço em viver uma vida íntegra e irrepreensível diante de Deus não
nos dá garantias de uma vida sem sofrimentos, e a própria vida comum
desmascara a doutrina pagã, pois muitas vezes fazemos coisas boas e
recebemos de volta coisas ruins, ou, ainda, fazemos coisas ruins e recebemos
coisas boas.

277
Formação em Teologia

O que recebemos da vida não faz parte de uma equação matemática


de causa e efeito, de fato, a realidade é muito mais complexa, portanto,
acreditar em retribuição dessa forma é antibíblico.

Seja por uma percepção errada da lei da semeadura ou por influência


da filosofia do karma, o Livro de Jó ensina o oposto, que merecimento pode
rimar com sofrimento, mas também ensina que tudo está à mercê da
vontade de Deus. Vejamos uma passagem da Bíblia:

“Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o


homem semear, isso também ceifará.” (Gálatas 6:7)

Nunca veremos a Bíblia ensinando semeadura e retribuição da forma


pagã, que diz: O que você faz de bom retorna pra você; de outra via, o que
você faz de mal, volta para você. Definitivamente não é isso! A relação
estabelecida, como já mencionado, é sobre semente e ceifa: se você planta
feijão, não vai colher uvas. Entendemos que a lei da semeadura é
advertência à:

• Falta de consciência sobre a semeadura dos nossos atos.

• Ilusão na hora da colheita. (Fique atento ao que você planta!)

“Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a


corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a
vida eterna.” (Gálatas 6:8)

Logo, temos a seguinte oposição: semear na carne é totalmente


diferente de semear no Espírito, pois plantar na carne é: adultério, fornicação,
impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras,

278
Formação em Teologia

pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias


(Gálatas 5:19-21).

A colheita será: ruína, corrupção e afastamento de Deus. Semear no


Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé,
mansidão, temperança (Gálatas 5:22), e nesse caso a colheita é vida eterna
e intimidade com Deus.

É fundamental notar a diferença, então vamos analisar alguns exemplos


práticos vistos no cotidiano, para trazer clareza ao conceito da semeadura:
Um homem em adultério pode se tornar ainda mais atencioso com sua
mulher e filhos, sendo capaz de grandes realizações para mascarar sua
culpa (nesse contexto é que devemos entender que Deus não se deixa
escarnecer). Esse homem infiel está semeando na carne. O conceito de que
“o que ele fez de bom vai voltar em coisas boas” não se aplica, o que esse
homem irá colher está relacionado ao que ele está semeando,
independentemente de centenas de coisas boas que possa fazer.

Por outro lado, um cristão fiel e temente a Deus, atravessando um


momento difícil que demanda perseverança, se desespera, perde a
paciência e comete alguns erros, mas por ser morada do Espírito Santo, se
arrepende e atravessa o restante de sua adversidade com paciência. Nesse
caso, “o que ele fez de mal retorna em mal” não se aplica! Esse cristão está
semeando longanimidade e fé, e apesar dos erros cometidos irá colher vida
eterna.

A terceira questão é que muitos tentam encaixar “toda a vida cristã” na


lei da semeadura, como se a vida fosse apenas uma relação de causa e
efeito. Reflita:

• Muito do que você está colhendo hoje foi seus pais que
plantaram em sua vida.

279
Formação em Teologia

• Muito do que você está colhendo hoje foi amigos que


plantaram em sua vida.

• Muita coisa que faz parte de sua vida, e que você está
colhendo hoje, foi políticos, ou até mesmo civilizações
antigas, que plantaram.

• Você ainda não colheu muito do que semeia, e algumas


coisas não irá colher, sendo que outras pessoas é que irão se
beneficiar do que você está plantando hoje, assim como hoje
você se beneficia de coisas que gente no passado plantou.

Atenção: Resumindo, nem tudo que colhemos hoje, fomos nós a plantar.
Muitas vezes você chega para pastorear uma igreja, já se beneficiando pelo
que os outros pastores plantaram antes de você. Às vezes você chega ao
emprego e é beneficiado por aquilo que seu chefe e outros companheiros de
trabalho plantaram antes de você. Da mesma forma, muito do que nós
estamos investindo e plantando hoje serão os nossos filhos que irão colher;
talvez uma casa ou investimento em educação. Precisamos entender essa
dimensão de não tentar reduzir a vida numa equação de retribuição, sem
enxergar que ela é muito mais ampla que isso.

Podemos afirmar ainda que, se o salário do pecado é a morte, porque


nós ainda não a colhemos? De forma mais precisa, como pecadores podem
colher a vida eterna, se mesmo depois de convertidos ainda são pecadores?
O Livro de Jó nos permite compreender que existe mais do que esse tipo de
relação na vida, entendendo que parte é semeadura, parte é graça e parte é
mistério. Se quisermos ser bíblicos precisamos ter em mente as seguintes
perspectivas:

• Parte eu explico porque eu plantei.


• Parte eu explico porque alguém plantou.
• Parte eu explico porque é graça.
• Parte eu não explico porque é mistério.

280
Formação em Teologia

IX Questão filosófica

O Livro de Jó levanta um questionamento entre a relação da moralidade


e o sofrimento. Reflita: o que um ateu tem contra Deus? Um ateu geralmente
argumenta que não acredita na existência de Deus porque a existência do
mal e do sofrimento são provas de que não existe um ser bondoso e todo
poderoso.

A conclusão apressada é que bondade e onipotência são incompatíveis


com o sofrimento do ser humano, logo o próprio sofrimento é imoral. Mas, se
os ateus não acreditam na existência de Deus, para que preocuparem-se
com a moralidade? Sabemos que a moralidade desafia o conceito de
relatividade: a moral indica que existe uma conduta aceitável e outra
inaceitável. Quem não acredita na espiritualidade tem necessidade de
moralidade?

Dostoiévski, em um de seus livros, chamado Irmãos Karamazov,


escreveu: “se Deus não existe, tudo é permitido.” Essa afirmação fez com que
vários autores e filósofos, como Sartre, reagissem transformando a liberdade
do homem num pretexto para a não-existência de Deus. Por trás da
descrença do ateu existe uma premissa de moralidade: a morte de uma
criança, ou o sofrimento de alguém próximo que é muito amado, por
exemplo. Tais coisas causam tanto desconforto no ateu quanto a percepção
de um padrão de moral mais desenvolvido pelo Deus apresentado nas
religiões, em outras palavras, o ateu não consegue crer, pois confia com
todas as suas forças que têm um padrão ético e moral superior ao de Deus,
assim, Deus se torna inútil para o ateu.

Inconscientemente, há na mente do ateu um grandioso dilema moral:


por um lado ele percebe a exigência de “absolutos morais”, por outro, confere
a si mesmo o título de árbitro, que julga esses absolutos; por um lado, não
consegue abrir mão de tais padrões absolutos morais, por outro, se ressente
contra Deus por não corresponder a suas exigências morais. Em última
análise, se existe uma moral, sempre vai existir um juiz da moral.

281
Formação em Teologia

Para refletir: O Livro de Jó ensina que sofrimento não é exclusividade de


gente ruim, verdade é que pessoas honestas, boas e leais também sofrem,
pois a Bíblia não diz que o cristão sofrerá:

"Sofre, pois, comigo, as aflições, como bom soldado de Jesus


Cristo.” (2 Timóteo 2:3-4)

“Tenho-vos dito isto, para que, em mim, tenhais paz; no mundo


tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.” (João
16:33)

“Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da


justiça, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados sois
vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo,
disserem todo o mal contra vós por minha causa.” (Mt 5:10,11)

Sempre buscamos relacionamentos e caminhos que não nos façam


sofrer. A grande questão é que não existe nenhum caminho na vida que nos
isente da dor, porém, guiados pela Palavra, podemos enfrentar qualquer
circunstância, levando duas convicções:

• A presença dEle - “e eis que eu estou convosco todos os dias, até


a consumação dos séculos. Amém.” (Mt 28:20)

• A vitória nEle - “Quem nos separará do amor de Cristo? A


tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez,
ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: por amor de ti,
somos entregues à morte todo o dia; somos reputados como
ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos
mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou
certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os

282
Formação em Teologia

principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir,


nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos
poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso
Senhor.” (Rm 8:35-39)

O sofrimento continua sendo uma realidade na vida porque ele faz parte
do ambiente em que vivemos, uma consequência do pecado e um fato
universal, todos experimentam a dor porque é o senso-comum, e todas as
religiões tentam explicar porque sofremos ou como devemos enfrentar isso,
repare que grande parte das conversões religiosas é explicada pela
descoberta e aceitação da resposta para o sofrimento e angústia humanas,
ou seja, as pessoas se aproximam de uma crença ou de outra, porque se
agradam mais com a resposta oferecida por determinado dogma. Em sua
maioria, as religiões explicam que o sofrimento é sempre, ou quase sempre,
punitivo; no cristianismo o sofrimento nasce como resultado da separação
com Deus, não é uma mera consequência de um ato errado, antes é um
“estado”, assim, tanto ateus quanto adeptos de outras religiões se debatem
insistindo que dor e o sofrimento são imorais, mas quem decidiu que sofrer é
uma imoralidade? Não se torne refém de filosofias humanas, saiba que,
apesar de termos que lidar com o sofrimento, a grande boa-nova é que, na
cruz, Jesus Cristo levou o nosso sofrimento permanentemente, significa que
para o cristão qualquer sofrimento, por mais difícil que seja, é provisório e
passageiro. Vai passar!

283
Formação em Teologia

Notas:

1: cit. Blomberg e Hubbard Jr.

2: cit. Samuel Terrien

3: cit. Dillard e Longman II

4, 5, 6, 7, 8 e 9: cit. Samuel Terrien

Bibliografia sugerida:

Site: https://bibleproject.com/

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ RandallPrice e H


Wayne House. Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD JR., Robert L. CRAIG, L. Blomberg (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2006)

TERRIEN, Samuel. Jó (Tradução: Benôni Lemos- São Paulo: Paulus 1994)

KELLER, Timothy. Gálatas para você (São Paulo. Vida Nova. 2017)

LOPES. Hernandes Dias. As teses de satanás. (United Press)

284
Formação em Teologia

285
Formação em Teologia

286
Formação em Teologia

Livros Poéticos: O Livro de Jó - parte 3

X As teses de satanás

O objetivo dessa aula é ajudar a perceber o movimento do mal, e do


nosso adversário, que tenta usar a dor e o sofrimento:

• Fazendo com que expliquemos o sofrimento de forma


equivocada, criando uma forte sensação de injustiça.

• Criando um padrão equivocado para nos relacionarmos com


a dor e a frustração, de forma que no dia mau, ao invés de
esperança, tenhamos incredulidade, solidão e frustração.

A armadilha de Satanás em meio ao sofrimento é esvaziar a nossa


adoração a Deus, enquanto ele nos acusa diante dEle. E se o sofrimento pode
se tornar armadilha, embaraço e escândalo para o cristão, como se
proteger? No Livro de Jó, de uma forma muito inteligente e ardilosa, satanás
questiona os nossos princípios éticos e morais. Como ensina o Pastor
Hernandes Dias Lopes em seu livro, essas são as teses de satanás:

• Ninguém ama mais a Deus do que ao dinheiro;

• Ninguém ama mais a Deus do que à família;

• Ninguém ama mais a Deus do que a si mesmo e sua própria


saúde.

O argumento do livro é que, quando os seres humanos são colocados


entre o dinheiro e o amor a Deus, todos darão preferência ao dinheiro. E isso
se repetirá em relação à família e à saúde. Satanás levanta essas teses

287
Formação em Teologia

questionando: é claro que com saúde, dinheiro e família, qualquer um Te


adora!

Já no início do Livro de Jó, ele lança essa maldosa sugestão. O que está
em jogo é: será que Jó teme a Deus sem segundas intenções? Será que
alguém teme a Deus sem segundas intenções?

XI Provocação do inimigo

Há uma luta espiritual esquecida por muitos cristãos, uma batalha


permanente que alcança todas as gerações. Satanás continua provocando
e falando de nós o que falou de Jó: “Se o Senhor tirar o que ele tem, Jó vai
blasfemar contra o Senhor!” E infelizmente, muitos que gastaram anos no
serviço na igreja, têm virado as costas ao Senhor, foram derrotados.

Então, qual é a essência da nossa fé? Vamos blasfemar caso formos


testados? Será que Deus precisa subornar as pessoas com bênçãos para que
o adorem? A provocação do inimigo é esta: tire as bênçãos e a adoração
acaba.

O plano de ação do inimigo é distorcer nosso relacionamento com Deus,


querendo que acreditemos que a adoração é uma troca, uma barganha, um
negócio. Mas pelo Novo Testamento, somos ensinados que o relacionamento
do homem com Deus é baseado num propósito eterno e perfeito, fundado no
amor de Cristo. E é notável que o Livro de Jó antecipe essa relação; a
adoração genuína feita pela ação do Espírito de Deus no coração humano
renovado, regenerado e reconciliado com Deus, que não tem nada
circunstancial, é o próprio Senhor.

Conforme o ensino do pr. Hernandes, quando Jó estava triste, cabisbaixo


e questionando, ele não notou que foi escolhido para deixar uma marca
inequívoca de que Satanás está errado, isto é, sua história é usada para
mostrar que a relação com Deus não é comércio, pois a adoração envolve o
caráter de quem está se relacionando, e nessa relação o nosso caráter é
afetado pelo caráter de Deus, não por interesse material mesquinho, mas
pelo amor e santidade dEle.

288
Formação em Teologia

Sob a permissão de Deus, mas pela mão de Satanás, recai sobre as


posses de Jó desastres “naturais” e bandos de salteadores, para acabar com
toda a prosperidade dele. Quando o homem mais rico do seu tempo vai à
falência, o primeiro round é inaugurado. Satanás vai provar sua tese? Será
que a fé de Jó é uma ilusão? Imagine que anjos e demônios estão assistindo
à batalha esperando se Jó vai ou não blasfemar contra Deus. A reação de Jó
quando perde sua riqueza não é uma de blasfêmia, pelo contrário, ele rasgou
seu coração, dizendo que Deus está acima de todas as coisas.

O segundo momento narrado (Jó 1:19) nos conta que no mesmo dia em
que perde toda sua riqueza, Jó perde seus dez filhos. Então assume o luto o
Jó, mas não deixa de adorar a Deus. Mais um round termina e a fé de Jó
permanece:

“Então Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a sua cabeça


e, lançando-se em terra, adorou; e disse: [...]

[...] nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá. O


Senhor deu, o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor.” (Jó
1: 21)

Uma a uma, as teses de satanás foram sendo desmontadas, e, mesmo


sem perceber, Jó está vencendo o mais importante combate da sua vida, e
Satanás ainda tente um último movimento: tocar na saúde de Jó para que
ele amaldiçoe a Deus. Assim inicia a terceira fase desta batalha, o corpo de
Jó fica cheio de feridas, furúnculos, lesões por toda a pele, e ao que parece, é
a doença que hoje conhecemos como lepra. Antes Jó possuía, não apenas
um relacionamento em sua comunidade, como também prestígio, mas por
conta da doença, agora ele é afastado desse convívio, o que faz sua mulher
questionar:

289
Formação em Teologia

“Então disse sua mulher: Ainda reténs tua integridade?


Amaldiçoa a Deus, e morre. Mas ele lhe disse: Como costumam
falar as mulheres tolas, hás falado tu. Se receberemos o bem
da mão de Deus, não receberemos o mal? Em tudo isto não
pecou Jó com os seus lábios.” (Jó 2: 9,10)

Apesar de todas as provações, Jó não pecou contra Deus, e as teses de


Satanás foram frustradas. Jó deu um testemunho a todas as gerações que
viriam depois dele, de que é possível servir e adorar a Deus; é possível colocar
Deus acima do dinheiro, da família e da própria saúde, mesmo quando
angustiados e confusos no mundo espiritual:

“Assim como a nuvem esvai-se e desaparece,

assim quem desce à sepultura não volta. [...]

[...] Nunca mais voltará ao seu lar;

a sua habitação não mais o conhecerá.

"Por isso não me calo; na aflição do meu espírito me desabafarei,

na amargura da minha alma farei as minhas queixas.

Sou eu o mar, ou o monstro das profundezas,

para que me ponhas sob guarda?

Quando penso que minha cama me consolará


e meu leito aliviará a minha queixa,

mesmo aí me assustas com sonhos e me aterrorizas com visões.

Prefiro ser estrangulado e morrer a sofrer assim;

sinto desprezo pela minha vida!...

290
Formação em Teologia

...Não vou viver para sempre;

deixa-me, pois os meus dias não têm sentido.

"Que é o homem, para que lhe dês importância e atenção,

para que o examines a cada manhã e o proves a cada instante?

Nunca desviarás de mim o teu olhar?

Nunca me deixarás a sós, nem por um instante?

Se pequei, que mal te causei, ó tu que vigias os homens?

Por que me tornaste teu alvo? Acaso tornei-me um fardo para ti?

Por que não me perdoas as ofensas e não apagas os meus pecados?

Pois logo me deitarei no pó; tu me procurarás, mas eu já não existirei".

(Jó 7: 9-21)

Observação: Será que temos uma consciência de fé que acalma o


nosso coração? Quando a dor e o sofrimento chegam, a nossa fé é
espremida contra a parede e as respostas faltam, o que nossa fé produz em
nós? Vemos uma geração que adora a Deus nos dias bons. Mas, e o dia mal,
quando vier, a fé que carregamos vai nos sustentar? Vamos buscar a Deus
ou blasfemar? Será que Satanás tem razão?

Será que a nossa adoração tem segundas intenções? Será que a nossa
fé sobrevive às calamidades da vida? John Piper, pastor americano, declarou:

“Um dos meus deveres como pastor é pregar e orar de tal


modo que você esteja preparado na mente e no coração para
não amaldiçoar a Deus no dia da sua calamidade, mas que
possa adorar a Deus e bendizê-lo como vosso Pai livre,
soberano, não importando quão intensa ou profunda a dor que
ele permitir sobre a sua vida.”

291
Formação em Teologia

XII A teologia dos amigos de Jó

Os amigos de Jó são fascinantes, parte importante da narrativa e do seu


sentido, no início da história parecem ser amigos perfeitos:

“Quando o viram à distância, mal puderam reconhecê-lo e


começaram a chorar em alta voz. Cada um deles rasgou o
manto e colocou terra sobre a cabeça. Depois se assentaram
no chão com ele, durante sete dias e sete noites. Ninguém lhe
disse uma palavra, pois viam como era grande o seu
sofrimento.” (Jó 2: 12,13)

Mas a conduta deles se desvia, e é surpreendente ver como a teologia


dos amigos de Jó são palavras que não trazem consolo, ao estudar sobre o
pensamento desses amigos, somos desafiados a refletir para interpretar o
momento e saber que palavras usar, e não se pode generalizar, por exemplo:
não se conversa com uma mulher que perdeu o filho num suicídio da mesma
forma que com um adolescente rebelde. Assim, a conduta certa é não dar
conselhos vazios, por isso é necessário buscar saber como falar e agir.

Os amigos de Jó não tinham nomes israelitas. Outro ponto é que, apesar


de Jó ser considerado íntegro por Deus, a história não se passa em Israel. Não
é à toa que os conselhos dos amigos de Jó “Estavam presos ao pensamento
revelado em uma multidão de textos acádicos que atestam a ideia segundo
a qual prosperidade, boa saúde e longa vida são resultados da virtude.
Inversamente, consideram a doença, a pobreza, a aflição e a morte
prematura como punições por atos criminosos ou, mais frequentemente, por
pecados dissimulados, muitas vezes até desconhecidos daqueles que os
cometeram”. ⁹

É importante lembrar que, no texto, essas três pessoas simbolizam a


amizade e a sabedoria. O que poderíamos esperar mais se o momento é
difícil? O que poderia ser mais útil do que bons amigos e conselhos sábios?

292
Formação em Teologia

Quando eles surgem na história, criamos uma expectativa de que irão


acalmar o coração de Jó, apontar direção, mas ao final do livro, Deus
considera que esses três “especialistas” não falam a verdade sobre Ele. Surge
então o questionamento: se os meus amigos não podem consolar e
aconselhar, quem poderia? Se esses homens, aparentemente sábios, não
entendem Deus e nem o sofrimento, quem entende?

293
Formação em Teologia

Notas:

1: cit. Blomberg e Hubbard Jr.

2: cit. Samuel Terrien

3: cit. Dillard e Longman II

4, 5, 6, 7, 8 e 9: cit. Samuel Terrien

Bibliografia sugerida:

Site: https://bibleproject.com/

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ RandallPrice e H


Wayne House. Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD JR., Robert L. CRAIG, L. Blomberg (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2006)

TERRIEN, Samuel. Jó (Tradução: Benôni Lemos- São Paulo: Paulus 1994)

KELLER, Timothy. Gálatas para você (São Paulo. Vida Nova. 2017)

LOPES. Hernandes Dias. As teses de satanás. (United Press)

294
Formação em Teologia

295
Formação em Teologia

296
Formação em Teologia

Livros Poéticos: O Livro de Jó - parte 4

XIII A teologia de Elifaz

O primeiro princípio teológico é de Elifaz:

“Lembra-te agora qual é o inocente que jamais pereceu? E


onde foram os sinceros destruídos? Segundo eu tenho visto, os
que lavram iniquidade, e semeiam o mal, segam o mesmo.” (Jó
4: 7-8)

Ou seja, o revés é somente para aqueles que merecem, e inocentes não


recebem o infortúnio; o sofrimento vem do pecado e a prosperidade vem da
justiça.

É importante notar que esse tipo de pregação enche os púlpitos de hoje,


mas a Palavra de Deus discorda dessa mensagem.

XIV A teologia de Bildade

A ideia do amigo anterior repete-se aqui:

"Até quando você vai falar desse modo? Suas palavras são um
grande vendaval! Acaso Deus torce a justiça? Será que o Todo-
Poderoso torce o que é direito? Quando os seus filhos pecaram
contra ele, ele os castigou pelo mal que fizeram.” (Jó 8:2-4)

O argumento de Bildade é de que os filhos de Jó morreram porque


estavam em pecado, e aconselha Jó para enfrentar o luto:

297
Formação em Teologia

"Se você for íntegro e puro, ele se levantará agora mesmo em


seu favor e o restabelecerá no lugar que por justiça cabe a
você. O seu começo parecerá modesto, mas o seu futuro será
de grande prosperidade.” (Jó 8:6,7)

Acontece que Jó sempre foi íntegro, e no momento do luto, aconselhar


uma pessoa a ser íntegra é vago, prova de grande cegueira. Se alguém perde
seus filhos, todos no mesmo dia, e ouve: “Seja íntegro, busque a Deus porque
a vida continua.” Isso não passa de crueldade e insensatez.

XV A teologia de Zolfar

O terceiro amigo conseguiu ser mais cruel, quando Jó se declara


inocente das acusações, seu amigo responde:

“Então Zofar, de Naamate, respondeu: Ficará sem resposta


essas palavras? Irá se confirmar o que esse tagarela diz? Sua
conversa tola calará os homens? Ninguém o repreenderá por
sua zombaria? Você diz a Deus: A doutrina que eu aceito é
perfeita, e sou puro aos teus olhos.” (Jó 11: 1-4)

Enquanto Jó tenta explicar sua inocência, falar sobre sua fé em Deus, de


como buscava ao Senhor e que não conseguia entender seu sofrimento,
baseado numa relação de causa e efeito, Zolfar o chama de tagarela, e
classifica os argumentos de Jó como zombaria. Agora, o que fazer quando
amigos chamam a dor de uma pessoa, piedosa e temente a Deus, de
zombaria?

Zolfar questiona Jó dizendo que um homem inocente e íntegro nunca


chegaria ao ponto em que ele chegou. O julgamento de Zolfar é severo, pois
ele afirma que existe iniquidade nas mãos de Jó. A avaliação de Deus sobre
Jó, de que ele era um homem íntegro e que se desviava do mal, foi desafiada
por um homem religioso sem compaixão.

298
Formação em Teologia

Quanto mais os amigos de Jó fracassam em seus argumentos, mais


ficam cruéis, sustentando uma teologia carnal sem poder para consolar o
coração. Uma vez que fracassaram em confortar e animar, usam da calúnia
como proteção de suas próprias falhas.

299
Formação em Teologia

Notas:

1: cit. Blomberg e Hubbard Jr.

2: cit. Samuel Terrien

3: cit. Dillard e Longman II

4, 5, 6, 7, 8 e 9: cit. Samuel Terrien

Bibliografia sugerida:

Site: https://bibleproject.com/

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ RandallPrice e H


Wayne House. Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD JR., Robert L. CRAIG, L. Blomberg (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2006)

TERRIEN, Samuel. Jó (Tradução: Benôni Lemos- São Paulo: Paulus 1994)

KELLER, Timothy. Gálatas para você (São Paulo. Vida Nova. 2017)

LOPES. Hernandes Dias. As teses de satanás. (United Press)

300
Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

Livros Poéticos: O Livro de Jó - parte 5

XVI Eliú

Interessante notar que durante quase o livro inteiro (Jó 36, 37), ele estava
somente observando.

Eliú começa a falar sobre a finalidade educadora do sofrimento, pois, se


é verdade que o sofrimento pode ser uma maldição (como o exílio de Israel
em consequência da desobediência), ele também pode ter um propósito
pedagógico na vida. São nos dias de sofrimento, mais que em outros tempos,
que podemos entender muito do amor de Deus.

Esta é a essência que Deus espera de nós, uma adoração que não é
baseada em circunstâncias e sobrevive aos dias maus. Em sua conversa
com a samaritana, Jesus diz:

“No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que


os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em
verdade. São estes os que o Pai procura.” (João 4:23)

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Formação em Teologia

XVII Conclusão

As palavras dos apóstolos evocam a oração de Jó, e nos servem como


bússola e conselho para como devemos olhar para as coisas que
sobrevieram sobre Jó, e que podem atingir a vida de um cristão fiel:

“Eu sei que o meu Redentor vive, e que no fim se levantará


sobre a terra.” (Jó 19: 25)

“Irmãos, tenham os profetas que falaram em nome do Senhor


como exemplo de paciência diante do sofrimento. Como vocês
sabem, consideramos felizes aqueles que mostraram
perseverança. Vocês ouviram falar sobre a paciência de Jó e
viram o fim que o Senhor lhe proporcionou. O Senhor é cheio de
compaixão e misericórdia.” (Tiago 5: 10,11)

“Meus irmãos: considerem motivo de grande alegria o fato de


passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a
prova da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve
ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e
íntegros, sem lhes faltar coisa alguma.” (Tiago 1:2-4)

“E não somente isto, mas também nos gloriamos nas


tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, e a
paciência a experiência, e a experiência a esperança, e a
esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está
derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi
dado.” (Romanos 5:3-5)

Notas:

1: cit. Blomberg e Hubbard Jr.

2: cit. Samuel Terrien

3: cit. Dillard e Longman II

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Formação em Teologia

4, 5, 6, 7, 8 e 9: cit. Samuel Terrien

Bibliografia sugerida:

Site: https://bibleproject.com/

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ RandallPrice e H


Wayne House. Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD JR., Robert L. CRAIG, L. Blomberg (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2006)

TERRIEN, Samuel. Jó (Tradução: Benôni Lemos- São Paulo: Paulus 1994)

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Livros poéticos: Cânticos dos cânticos

I Cantares

Também conhecido como Cântico dos Cânticos, o Livro de Cantares até


hoje é objeto de muita controvérsia:

“Talvez nenhum outro livro bíblico tenha sido lido de modos tão
diferentes ao passar de um período para outro. Na Idade Média,
poucos interpretariam o livro relacionando-o à sexualidade
humana. Na verdade, fazê-lo era perigoso e poderia resultar em
excomunhão ou coisa pior (Pope, p. 112-6). Hoje, a maioria dos
cristãos acha esse tipo de abordagem natural e sensata.
Contudo, é correto interpretar Cântico dos Cânticos de forma
‘não-teológica?’. Por que um livro que apresenta tais
implicações obviamente eróticas está no cânon?” ¹

II Três Principais Interpretações

Primeira interpretação - Utilizada por judeus, que interpretam como


sendo o amor entre Deus e Israel, assim, é um livro que explica a relação de
Deus com o povo israelita. É importante notar que nas canções/poemas, a
voz principal é da mulher, nesse caso, a voz do povo de Israel.

Segunda interpretação - Usada pela maioria dos cristãos, ecoa a


explicação de Paulo, na Carta aos Efésios (5), sobre o mistério do amor de
Deus pela Igreja, que tem a voz principal e que suspira de amor pelo seu Deus.

Terceira interpretação - Lança um olhar sobre o livro como sendo uma


coletânea de poesias que mostram o amor de um casal como um presente
de Deus.

308
Formação em Teologia

III Gênero

Duas direções disputam entre os estudiosos a primazia sobre qual seria


a melhor estrutura do Livro de Cantares. São elas:

Drama - A primeira possibilidade é tratar o livro como um “drama”, com


três personagens: o Noivo (Salomão), a Noiva (Sulamita) e as filhas de
Jerusalém (que funcionam como um tipo de coro). O primeiro obstáculo que
surge no texto é a dificuldade em precisar quantos personagens existem.

Considerando Cantares um drama, o enredo está centrado no amor


entre o rei e a mulher. A história desenvolve-se desde o primeiro encontro e
as expressões de afeto até o casamento (frequentemente associado a 3:6;
5:1). A relação é perturbada logo após o casamento, mas, no fim, (8:5-14) o
laço que os une mostra-se leal e profundo. Como dissemos, existe uma
discussão sobre qual é a melhor forma de olhar para o Livro de Cantares.
Abaixo seguem as principais dificuldades em considerar Cantares como um
drama²:

• É impossível atribuir passagens a personagens específicos, e


essa ambiguidade fica clara no debate entre as correntes
defensoras de dois ou três personagens. Deveria ser fácil
reconhecer o total de personagens num drama, e essa
dificuldade prejudica a abordagem dramática.

• O livro não traz aspectos, em geral, associados a uma


narrativa. Entre os defensores de uma abordagem focada no
enredo do livro, há certa confusão em relação aos eventos e
atos da peça. A única consistência real está em situar o
casamento antes do primeiro ato sexual do casal (Ct 4:16; 5:2).

• Positivamente, os poemas de amor da Mesopotâmia e do


Egito exibem semelhanças interessantes com Cantares.

• A abordagem dramática falha de modo mais evidente ao


não conseguir demonstrar uma clara estrutura de enredo.

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Formação em Teologia

Poemas de amor - A segunda possibilidade é olhar para o livro como


uma coletânea de poemas de amor, ou seja, trechos poéticos que exaltam o
amor compartilhado entre um homem e uma mulher. Por exclusão dos
argumentos acima, consideramos ser mais coerente adotar esta posição ao
nosso estudo.

IV Contexto histórico

O livro é “uma coletânea de cânticos, e não uma narrativa unificada. Tal


condição deixa aberta a possibilidade (embora não a resolva) de que
Cantares é uma antologia de poemas de diferentes autores e diferentes
épocas.”² Por isso existe dúvida entre os estudiosos quanto a Salomão ser o
autor de todos os poemas.

V Interpretação alegórica

Algo deve ser esclarecido quanto aos tipos de interpretação anteriores,


se considerarmos o livro uma coleção de poemas de amor entre Deus/Israel,
ou entre Cristo/Igreja, trataremos o livro como uma alegoria. Qual é a
consequência disso? O Targum, de Cântico dos Cânticos (séc. VII d.C.), é um
exemplo de interpretação alegórica feita pelos judeus. Ao considerar os
poemas uma alegoria, na perspectiva judaica, Cantares se torna uma
história da redenção.

O Targum ensina que o livro é a história do amor que Israel tem por Deus,
mas que é atrapalhado pelo pecado da nação. O livro é dividido em cinco
partes, referentes a cinco períodos históricos diferentes:

“Beija-me com os beijos de tua boca;

pois melhor é o teu amor que o vinho.

Suave é o aroma dos teus perfumes,

como perfume derramado é teu nome;

por isso, as donzelas te amam.

310
Formação em Teologia

Leva-me após ti, apressemo-nos.

O rei me introduziu em suas recâmaras.”

(Cântico dos Cânticos 1: 2-4)

O Targum trata esse texto como referência ao Êxodo, assim, Deus estaria
tirando o povo do Egito e o colocando em suas recâmaras (terra prometida).

Não apenas a tradição judaica trata cantares como alegoria, a tradição


cristã antiga faz o mesmo. A história mostra que muitos cristãos do primeiro
século, como Orígenes e Jerônimo, aderiram a essa abordagem. Hipólito (200
d.C.) interpretou o texto acima como sendo Cristo conduzindo os salvos à
igreja.

Noutro exemplo, extraído do livro Introdução ao Antigo Testamento, os


autores² analisam a interpretação do capítulo 1:13, de Ciríaco de Alexandria:

“O meu amado é para mim um saquitel de mirra, posto entre os


meus seios.”

Interpretação: os seios são símbolos do Antigo e Novo Testamento,


enquanto o saquitel de mirra é Cristo ("posto entre ambos os testamentos”).

VI Consideração crítica

Em parte, podemos explicar essa migração do significado imediato para


um significado espiritual ou alegórico em consequência dos pensamentos
filosóficos que influenciaram a mentalidade cristã. Pode-se notar o dualismo
platônico, estoicismo e cultos helenístico-romanos entrando no ambiente
cristão e resultando numa visão do corpo como mau e pecaminoso,
portanto, o ele passa a ser tratado de forma severa, com “jejuns e açoites”,
pois tudo o que era relacionado à matéria e ao corpo era mau. Por isso, o Livro

311
Formação em Teologia

de Cantares é visto com o máximo afastamento de qualquer narrativa que


contenha sexualidade.

VII Posição atual sobre a interpretação alegórica

Na metade do século XIX havia uma forte tendência entre estudiosos e


teólogos de irem contra uma abordagem alegórica do Livro de Cantares. A
principal razão para essa mudança foi a descoberta dos poemas de amor
da Mesopotâmia e do Egito (Cooper, Lambert, White). Esses poemas tinham
muitas semelhanças com Cântico dos Cânticos, os poemas descobertos por
Cooper são naturalmente interpretados como a exaltação do amor entre
homens e mulheres, e essa interpretação influencia a percepção moderna
do texto de cantares.

Abaixo veremos o exemplo do poema descoberto (Papiro Harris 500),


observe como a amada é chamada de "irmã", semelhante ao Cântico dos
Cânticos, além disso, vemos várias referências à natureza no poema:

“Plantas de Sa'am estão ali,

na presença das quais somos enlevados.

Eu sou a tua melhor irmã:

(Quanto) a mim, veja, eu sou como as Terras da Coroa

nas quais plantei flores e todas as plantas aromáticas

Gracioso é o canal de água ali,

o qual tuas mãos escavam

Para nos refrescar com a brisa do norte.

Lá é um bom lugar para caminhar.

Tua mão segura a minha.

312
Formação em Teologia

Meu corpo está à vontade.

Meu coração está alegre em razão de juntos viajarmos.

Ouvir a tua voz é sorver o vinho da romã.

Eu vivo porque eu ouço.

Se eu visse em cada relance,

Seria mais esplêndido para mim do que comer e beber.” (Poema 19)

J. G. Wetzstein é outro estudioso que tem influenciado a posição atual


sobre o Livro de Cantares. Ele publicou seu estudo dos cânticos de casamento
entre os habitantes árabes da Síria, e note que é fácil ver a semelhança com
Cantares:

“Eu digo: Ó, formosa mulher, teus encantos eu jamais posso contar.

E, apenas o pouco que irei descrever, é o que os meus olhos me


permitem ver:

Sua cabeça é como o cálice de cristal, seu cabelo como a noite escura,

Seu cabelo é como as sete noites, igual não há em todo o ano;

Em ondas se movem para cá e para lá, como a corda que ela lança
para pegar água.

E as suas faces exalam qual fragrância, que me mata. [...]

Seu nariz é como a tâmara do lraque, como o fio da espada indiana;

Seu rosto é como a lua cheia, e um coração se partindo são as suas


faces. [...]

Sua saliva, puro mel de virgem, e a cura para a picada da víbora.

Comparável à escrita elegante, o Seijai desce por seu queixo. [...]

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Formação em Teologia

Seus seios como placas mármore polido, quando os navios as trazem


para Sidom.

Ali, como pomos da romã, duas joias brilhantes…”

As semelhanças nos poemas levam os estudiosos a abandonar a


abordagem alegórica na interpretação de Cantares. Some-se a isso a
postura da teologia reformada, de resistir a todo método alegórico de
interpretação, e encontramos o resultado para esse livro: uma coletânea de
poemas “que se deleitam na boa dádiva de Deus da sexualidade e do amor
íntimo entre um homem e uma mulher³”. Logo, o propósito percebido nessa
perspectiva é a instrução divina sobre uma área importante da experiência
humana: a sexualidade. E pode-se ver isso claramente nas metáforas e na
linguagem usada, como exemplo “muro” e “porta” (8:10-12), que são
referências, respectivamente, de castidade e licenciosidade.

Cantares seria, então, a afirmação bíblica de que a sexualidade foi


criada por Deus como um presente, tendo de ser vivida a partir dos padrões
divinos.

VIII Conclusão

Fugir da alegoria é importante, apesar disso, podemos usar a metáfora


apresentada num sentido positivo. Significa dizer que o amor de um casal,
como descrito no texto sagrado, pode nos servir de analogia do amor de
Cristo pela Igreja (ou de Deus por seu povo, como em Efésios 5:22-23), que
ensina exatamente isso.

A intensidade do amor se revela em ondas de encontros e desencontros,


como num relacionamento; conversas, aproximação, distância, o sentimento
da nova aproximação e a ansiedade da paixão. A analogia de Cantares
ensina sobre a aproximação e o afastamento entre as pessoas amadas. A
duplicidade da paixão e o sonho de quem está amando, seguida da
decepção ao acordar do sonho e não ter o objeto do seu amor; o sentimento
de perder e achar, a alegria de estar na presença da amada, depois a tristeza

314
Formação em Teologia

e o suspense do que ainda está por vir; a angústia de não saber como será.
Os versículos abaixo resumem a força do amor:

“Põe-me como selo sobre o teu coração e sobre o teu braço,


porque o amor é forte como a morte, e duro como a sepultura
o ciúme; as suas brasas são brasas de fogo, com veementes
labaredas. As muitas águas não podem apagar este amor,
nem os rios afogá-lo; ainda que alguém desse todos os bens
de sua casa pelo amor, certamente o desprezariam.”
(Cantares 8: 6-7)

O amor vence a ausência, a insegurança (Cantares 1: 5-6), as


circunstâncias adversas e até mesmo a morte. Com o cuidado devido,
podemos fazer a analogia entre o amor homem/mulher e o amor de
Cristo/Igreja, sem cair em alegorias vazias, como o exemplo abaixo:

“Eu dormia, mas o meu coração velava; e eis a voz do meu


amado que está batendo: abre-me, minha irmã, meu amor,
pomba minha, imaculada minha, pois minha cabeça está
cheia de orvalho, e meus cabelos das gotas da noite. Já despi a
minha roupa; como a tornarei a vestir? Já lavei os meus pés;
como os tornarei a sujar? O meu amado pôs sua mão pela
fresta da porta, e minhas entranhas estremeceram por amor
dele. Levantei para abrir ao meu amado e minhas mãos
gotejavam mirra, e meus dedos mirra com doce aroma, sobre
as aldravas da fechadura. Abri ao meu amado, mas já o meu
amado tinha se retirado; a minha alma desfaleceu quando ele
falou; busquei-o e não o achei, chamei-o e não respondeu.”
(Cânticos 5: 2-6)

315
Formação em Teologia

O texto sugere um desencontro: A noiva não quis sujar-se, já tinha se


banhado e estava vestida para dormir. É uma armadilha tentar achar um
sentido espiritual oculto em “não querer sujar os pés.”, antes, deve-se refletir
sobre um coração que é nutrido de amor, mas procrastina e se acomoda.
Essa é uma interpretação viável.

Expectativas cruzadas: O noivo queria sair da chuva e encontrar a


noiva, mas ela queria se aquecer e não se sujar. Até que a mão do noivo
surgiu na fresta da porta, o coração da noiva acendeu de paixão e mostrou
a prioridade, mas já era tarde.

Aplicação: Mesmo amados por Deus, ainda somo mesquinhos, o que


demonstra que as nossas expectativas se encontram em descompasso com
vontade de Deus, até que o toque do amor divino reoriente nossas
prioridades. A cama vazia faz parte, mas não é sinal de ausência de amor,
pois uma pessoa e uma igreja podem dizer “Eu pertenço ao meu amado, e
ele me deseja.” (Cânticos 7:10)

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Formação em Teologia

Notas:

1,2 e 3: extraídas de Introdução ao Antigo Testamento por Longman II e Dillard

Bibliografia sugerida:

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House. Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD JR, Robert L., BLOMBERG, Craig L. Introdução à


Interpretação Bíblica (Tradução Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro:
Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III Tradução Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006)

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

Provérbios: O livro da Sabedoria


O Livro de Provérbios apresenta princípios e verdades para o dia a dia.
Ele nada mais é que uma coletânea de ditados; ‘’máximas’’ para se fixar na
mente; frases curtas, mas cujas ideias expressam uma verdade essencial.

Autoria

A maior parte do Livro de Provérbios foi feita por Salomão, entretanto,


outros escritores também participaram da produção do texto, em algumas
partes do livro há uma nota ou um título que indica a autoria múltipla, como
Agur (30:1) e o rei Lemuel (31:1) e Salomão (1:1; 10:1; 25:1). Somente Provérbios
1:8-9:18 e 31:10- 31 não possuem uma atribuição explícita de autoria. Ainda
existe uma fonte citada pelo próprio livro, um grupo chamado de "os sábios":

“Preste atenção e ouça os ditados dos sábios; aplique o


coração ao meu ensino.” (Provérbios 22:17 NVI)

“Aqui vão outros ditados dos sábios: Agir com parcialidade nos
julgamentos não é nada bom.” (Provérbios 24:23 NVI)

Os textos de Pv 22:17-24:34 são atribuídos a esses sábios, “o orador se


dirige aos leitores e os exorta a ouvir os "ditados dos sábios". A seção é
finalizada pelo cabeçalho que introduz a próxima parte do livro (25:1). Além
disso, há duas partes distintas nos ditados dos sábios, separadas por uma
nota explicativa: "São também estes provérbios dos sábios" (24:23). Os
ditados dos sábios cobrem muitos dos mesmos tópicos dos provérbios
salomônicos: sensibilidade ao pobre (22:22,23); a natureza transitória das
riquezas (23:4,5); evitar as prostitutas (23:26-28); ridicularizar o preguiçoso
(24:30-34).” (Dillard e Longman III). E outro grupo deve ser destacado: “Estes
são outros provérbios de Salomão, compilados pelos servos de Ezequias, rei
de Judá.” (Pv 25:1)

320
Formação em Teologia

Datação

Os homens ou servos de Ezequias (o mesmo que recebeu a palavra


profética de Isaías), como vimos acima, têm o papel de reunir os textos, por
isso podemos datar sua atuação em 700 a.C., quanto aos escritos por
Salomão, a data provável é século X a.C.

Estrutura literária

A primeira parte do livro é composta de longos discursos sobre a


sabedoria (capítulos 1-9), enquanto a segunda parte é composta por ditados
curtos e diretos (capítulos 10-31). Dillard e Longman trazem a seguinte
sugestão para a estrutura do livro:

• Preâmbulo (1:1-7)
• Extensos discursos sobre a sabedoria (1:8-9:18)
• Provérbios salomônicos (10:1-22:16; 25:1-29:27)
• Ditados de sábios (22:17-24:34)
• Ditados de Agur (30)
• Ditados do rei Lemuel (31:1-9)
• Poema para a mulher virtuosa (31:10-31)

“É interessante notar a existência de uma concentração nos


paralelismos antitéticos (...), nos quais a mesma verdade é
examinada de perspectivas opostas:

“O coração do justo medita o que há de responder, mas a boca


dos perversos transborda maldades.” (Pv 15:28)

O uso da forma antitética se adapta bem a um dos temas principais


desses provérbios: o contraste entre o sábio justo e o tolo perverso.” (Dillard e
Longman III)

321
Formação em Teologia

Propósito e Mensagem

Os provérbios visam gerar impacto e memória usando frases rápidas,


mas que contêm profundas verdades universais, o que os tornam
inesquecíveis em nossa mente, e podem auxiliar nas decisões e práticas do
dia a dia. Em nossa cultura, tomamos as decisões de acordo com a sabedoria
que temos ou com o grupo de provérbios adquiridos ao longo do tempo, seja
por meio dos nossos pais e familiares, seja por meio da cultura em que
vivemos. Por exemplo: “O que não me mata, me deixa mais forte”, “Siga a voz
do seu coração”, “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, “Sem
dor, sem ganho”.

Um filme, uma música, um vídeo no YouTube, uma foto do Instagram, ou


mesmo uma mensagem no domingo à noite concorrem, dentro de nossas
mentes e corações, como fonte das nossas escolhas e crenças.

Normalmente, publicitários usam frases de impacto para criar uma


cultura de consumo, enquanto, no Livro de Provérbios, as frases de impacto
estão a serviço da ética e da sabedoria - verdades a serem internalizadas e
tornadas referência para a vida. De outro modo, quanto mais nos faltar
sabedoria, mais seremos afetados por uma idolatria que forja necessidades
(falsas) e uma cultura de consumo, pois quando começamos a aceitar e
acreditar em ideologias, frases de efeito e máximas que não são
fundamentadas na Palavra de Deus, nossa capacidade de decisão se
deteriora, tornando-se e nos tornando carnais. Aqui, o mais afetado é o
inexperiente, isto é, os jovens, pois a falta de tempo e experiências os deixa,
em certa medida, vulneráveis e suscetíveis, por isso, inicialmente, os jovens
eram o público alvo deste livro, vemos constantemente o uso da expressão
“Filho meu”. O objetivo do Livro de Provérbios é nos cercar dessa sabedoria
divina para nos fazer mais sábios, alimentando a nossa alma e assim nos
habilitar para tomar as decisões diárias, decisões estas que honrem nossos
semelhantes e glorifiquem a Deus.

O principal tema de Provérbios é a sabedoria como uma questão prática


do dia-a-dia, como algo aplicável, no entanto, não deve-se confundir
sabedoria com inteligência, alguém inteligente possui uma capacidade de
raciocínio, seja em matemática, história, linguística, química, etc., e isso não

322
Formação em Teologia

é sabedoria; O mesmo vale para a cultura, que tem a ver com relações
sociais, educação, formação, erudição e o acúmulo de experiências, e mais
uma vez, isso não é sabedoria, pois como diz o sábio, ela começa no temor-
do-Senhor (Pv 9:10), a sabedoria nasce quando uma pessoa, por um lado
percebe a própria pequenez e finitude, e por outro percebe a eternidade do
Deus Altíssimo, e contemplar esse contraste deve gerar assombro e
humildade, mas também confiança visto que um ser tamanho quer nos dar
sabedoria para viver. Sobretudo, o temor-do-Senhor nos põe em perspectiva
para constatar a dimensão de Deus, e um olhar espantado e reverente a Ele
é o melhor modo de notar as Suas dimensões (e as nossas!), o que pode
trazer (mais) intimidade com nosso Senhor porque “O pressuposto de toda a
sabedoria é o temor a Deus. Em outras palavras, de acordo com o autor do
preâmbulo, o relacionamento precede a ética.” (Dillard e Longman III).

Personagens

Temos alguns personagens no Livro de Provérbios, e eles nos ajudam a


nos situar. O primeiro personagem é o ingênuo, tolo, preguiçoso, libertino e
pecador. O livro cria um jogo de contrastes entre sabedoria e loucura, vida e
morte, justiça e impiedade, honra e desonra, prudência e imprudência, os
dois lados ficam claros nos provérbios, pois a sabedoria busca um ponto de
equilíbrio para vivermos da melhor forma possível, e como resultado desse
contraste, temos dois lados muito bem definidos: Sabedoria X Insensatez.

POR DENTRO DO TEXTO:

Capítulos 1 e 2

A sabedoria aparece como personagem, uma personificação gritando


e clamando nas ruas, mas rejeitada pelas pessoas. Esse clamor é para que
as pessoas percebam o que realmente precisam, a sabedoria começa
apresentando e denunciando o caminho dos gananciosos e traça um curso
para quem deseja seguir o seu caminho, “Se você quer ser sábio, precisa
buscar sabedoria como quem busca um tesouro, algo valioso.” A busca pela
sabedoria precisa ter a mesma intensidade de quem procura uma mina de
diamantes.

323
Formação em Teologia

No grego, a palavra sabedoria expressa a ideia de alguém que consegue


ver a natureza das coisas, enxergar o que há por de trás de tudo e se
posiciona corretamente, uma sabedoria prática definida pelo bom senso; ser
sábio é ter discernimento e bom senso, características vindas a partir do
temor-do-Senhor. A sabedoria nos livra e liberta - livra de situações
perigosas e liberta nossa existência -, é essa ideia que temos nos capítulos 1
e 2, pelo temor ao Senhor a sabedoria previne nosso andar para não cair no
caminho da maldade nem ceder à sedução perversa.

Capítulos 3 e 4

Aqui encontramos mais conselhos sobre sabedoria. Muitas expressões


como ‘’não esqueça’’, ‘’guarde no seu coração’’, têm o propósito de orientar
o nosso procedimento diante das circunstâncias, por exemplo, a expressão
“guardar no coração” visa trazer e manter a sabedoria no centro da nossa
alma com o intuito de prolongar a vida, pois na medida que criamos bom
senso, aprendemos a viver de forma mais equilibrada e saudável, assim, ao
conservar a sabedoria no centro, vivemos mais e melhor. Expressões como
“Confie no Senhor de todo o seu coração”, “Não se apoie no seu
entendimento”, nos instruem a confiar que Deus está conduzindo a vida.
Nesse ponto, é estabelecida uma relação entre sabedoria e confiança em
Deus, e por sua vez, a confiança em Deus cria a necessidade de honrá-lo,
entre outras coisas, com nossos recursos, pois ser sábio também é questão
de generosidade, e a sabedoria sempre é generosa.

Um outro apontamento diz que não devemos nos magoar com a


repreensão feita pelos mais sábios pois ela constrói no coração a sabedoria
que traz vida, no entanto, quando a palavra de correção vem, e magoados,
fechamos o coração, estaremos fechando a porta para a sabedoria e para
qualidade de vida. Portanto, não se magoe com a repreensão, pois ela é parte
necessária do caminho para a sabedoria.

Ainda nos capítulos 3 e 4, temos a orientação de não planejar o mal nem


ter inveja dos homens violentos, não podemos adotar o método deles por
estarmos irritados ou nos sentindo injustiçados, ou por qualquer motivo. Os
conselhos vão se seguindo como uma coleção de ideias e conselhos que um
pai semeia ao filho ao longo da vida, apontando também para algo muito

324
Formação em Teologia

importante, embora difícil, que é construir uma boa relação entre gerações,
pois, quando existe o choque entre elas, a tendência é que a geração mais
nova não entenda, e a mais velha não saiba comunicar, e quando essa
comunicação se quebra, o prejuízo é incalculável para ambas. Portanto,
deve-se guardar o coração, não somente no sentido emocional, mas em
todos os sentidos, lembrando que para o escritor bíblico o coração não é
emoção, para ele o coração é o ser inteiro, é o indivíduo integral, então,
guardar o coração é guardar o pensamento, o sentimento, a vontade, a
decisão e a atitude, pois nossa vida depende disso:

“Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração,


porque dele procedem as fontes da vida.’’ (Pv 4:23)

Em oposição à sabedoria, um personagem aparece, o tolo, é justamente


ele quem não valoriza a sabedoria e os conselhos, encheu o coração de si
mesmo e cegou-se pela própria vontade, assim, ele ignora a sabedoria,
agora impenetrável ao seu coração. A figura do tolo está associada a alguém
que resiste aos conselhos e fecha o coração por acreditar que a sua vontade
é suficiente, substitui o temor ao Senhor, a sabedoria, a repreensão e o
conselho pela auto-suficiência. E depois, outro inimigo da sabedoria surge, o
zombador, que leva a oposição ao próximo nível, pois enquanto o tolo não
ouve e somente ignora, o zombador vai além ao menosprezar e ridicularizar
a sabedoria. É necessário cuidado com um e outro.

Os provérbios chamam atenção para a vida em si, para percebermos a


necessidade de buscar sabedoria em cada área dela, pois não nascemos
sábios, e o sábio é aquele que dá valor ao caminho que o temor-do-Senhor
está abrindo, e, instruído por essa sabedoria, adquire discernimento para
tomar boas decisões. E visto que, ou acumulamos tolice ou acumulamos
sabedoria, e o ponto de partida é o temor-do-Senhor, a grande questão é:
estamos acumulando sabedoria (pois o temor está nos transformando em
pessoas prudentes e de bom senso) ou estamos acumulando tolice? Guarde
essa pergunta porque tomamos decisões o tempo todo, e o Livro de

325
Formação em Teologia

Provérbios nos ajuda a perceber a qualidade dessas decisões, nos equipando


para fazermos o melhor.

Capítulos 6 e 7

Os próximos dois capítulos irão nos fazer pensar sobre relacionamentos


e desejos. É claro que desejar não é o problema, mas é um problema quando
o desejo é administrado pela insensatez, e nesses capítulos, obtemos uma
direção para que o nosso desejo seja administrado pela sabedoria. Por
exemplo, recebemos alguns conselhos para nos proteger e orientar como
olhamos o sexo oposto, e como devemos olhar os relacionamentos de forma
que os nossos desejos não se tornem armadilhas. Estes provérbios nos
ensinam a olhar o que é desejável e dizer não quando for necessário,
enxergando o que há por trás, ou qual a consequência de darmos ouvido a
um determinado desejo, como um bom jogador de xadrez, que pensa
algumas jogadas à frente antes de jogar, a sabedoria nos ajuda a olhar para
o que se deseja antecipando os eventos, para nos ensinar a tomar as
decisões corretas. Em outro exemplo, o sábio diz para não se aproximar da
casa da “mulher (ou homem) imoral”, a ideia é evitar o adultério e a
imoralidade, pois estes roubarão seus bens e seu coração, então mantenha
distância!

Além disso, os provérbios não apontam somente para o ser humano, o


capítulo seis olha para Deus mostrando sete coisas que Ele abomina:

• Olhos altivos: precisamos vigiar, não os olhos do outro, mas


os nossos olhos, para não sermos arrogantes;
• Língua mentirosa: precisamos vigiar, não a língua dos outros,
mas a nossa;
• Mãos que derramam sangue: precisamos vigiar nossas
mãos, para que nossos atos não tragam morte, nem tirem
vida;
• Coração que planeja o mal: vigiar para que, no dia da
amargura, o nosso coração não planeje a maldade contra o
próximo;

326
Formação em Teologia

• Pés que se apressam em fazer o mal: vigiar, não os pés do


nosso irmão, mas os nossos pés, para não tomarmos uma
direção perversa;
• Falso testemunho: precisamos vigiar nosso testemunho
(atos e palavras), porque se não enxergo tanto quanto
deveria, preciso ter cuidado e humildade para aceitar que
não sei tudo sobre mim, nem sobre o outro;
• Semear discórdia entre irmãos: devemos cuidar para não
sermos uma fonte de conflito entre irmãos.

Ao ler essa lista, vemos que a sabedoria se aplica a nós mesmos, não ao
outro.

Capítulos 8 e 9

Mais uma vez a sabedoria clama e convida. Se a sociedade entendesse


esses capítulos, aconteceria uma revolução, pois o homem está aplicado a
buscar o dinheiro, a beleza, a fama e o poder. O convite da sabedoria é que
se estivéssemos buscando mais a ela do que as outras coisas, encontramos
um caminho seguro de paz, e o temor-do-Senhor nos colocaria debaixo das
asas do nosso Senhor. Quanto tempo gastamos buscando dinheiro e fama?
E quanto tempo gastamos procurando sabedoria?

Vemos uma grande festa nos capítulos 8 e 9: a festa da sabedoria. Luiz


Sayão, quando ensina sobre esse texto, afirma que o violento, o zombador e
o tolo foram excluídos pelo texto e não participam da festa da sabedoria. E
vemos o contraste, de um lado temos a Senhora Sabedoria convidando a
banquetear com ela, e do outro, temos um outro convite, a Senhora
Insensatez, invariavelmente vamos acabar na mesa de uma dessas duas
senhoras, aceitaremos um dos convites. Ao contrário da sabedoria, a
insensatez gosta de ignorância e exibição: ‘’...água roubada é doce, o pão que
se come escondido é mais saboroso...’’ (Pv 9:17), segundo sua própria voz,
porém, o texto nos ensina que os convidados dela serão destruídos, e sendo
assim, não ouçam o conselho, nem o convite, da insensatez, pois o fim é a
ruína.

327
Formação em Teologia

Capítulos 10, 11 e 12

Aqui, o sábio fala das balanças desonestas (o desequilíbrio que causa


dano) que desagradam o coração de Deus, pois retidão e integridade são
princípios importantes para Ele e devem ser para nós. O Senhor se alegra nos
pesos exatos e nas pessoas justas e honestas, que andam com integridade
e sabem que adquirir coisas de forma desonesta não é sábio. Nesses
capítulos, vimos mais uma vez que o temor e a sabedoria prolongam a vida,
e tenha em mente que isso é um provérbio, mas não é uma promessa
(falaremos mais sobre isso no Livro de Eclesiastes).

A crítica que encontramos no texto agora é feita ao preguiçoso, que


empobrece pois não trabalha o suficiente. Ao contrário do preguiçoso, temos
o diligente, que se esforça e trabalha com dedicação. Temos, então, o
combate à preguiça e à desonestidade, e a orientação sobre o cuidado com
as palavras, pois quem fala demais está perto do pecado, e mais alguns
conselhos: controle a língua; não alimente ódio no coração; não espalhem
calúnia ou ofensas; e quem busca ser sábio também busca ser generoso.

Capítulos 13, 14 e 15

O sábio insiste na ideia de guardar a língua, mas também fala da


necessidade de se ter amigos, sempre precisaremos deles. O caminho da
sabedoria passa necessariamente por esses dois lugares. E mais uma vez,
pode-se ver o contraste entre o desejo do preguiçoso e o desejo do diligente,
assim como o contraste entre o pobre e o rico, que os provérbios fazem
questão de destacar.

Outra preocupação do sábio mostra que o orgulho gera discussões


enquanto a sabedoria procura conselhos, ao contrário do senso comum, que
ensina que “Se conselho fosse bom não se dava, se vendia.”, a Palavra de
Deus vai na direção oposta, o sábio é aquele que busca os outros sábios e se
aconselha, de forma humilde, ele busca sabedoria, pois ela um processo de
busca e uma construção, mas, quem se tranca em si mesmo e está sempre
disposto a discutir, pode estar dominado por orgulho. Todavia, quanto mais
sábio menos orgulhoso.

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Formação em Teologia

Buscar sabedoria é entender o que há por trás das coisas, e como


responder as questões que aparecem no dia a dia, por exemplo, como Luiz
Sayão parafraseando Pv 15:16,17 : ‘’É melhor comer alface e tomate mesmo
que seja sem tempero do que comer uma bela picanha cheia de ódio.’’ Mais
importante que o que estamos comendo, é com quem estamos comendo e
a relação que temos com essas pessoas. Segue mais conselhos:

• Um conselho certo na hora certa é espetacular;


• O avarento põe sua vida em apuros;
• A humildade antecede a honra (se você quer ser honrado,
seja humilde antes).

Provérbios, “termina com um vigoroso poema acróstico sobre a mulher


virtuosa. Essa mulher reflete a sua ligação com a senhora Sabedoria em
Provérbios 8. Ela é competente tanto dentro quanto fora de casa. Não por
acaso, na Bíblia hebraica, Provérbios (e especificamente Pv 31) é seguido
primeiro por Ruth e então por Cânticos dos Cânticos. Todos os três textos
apresentam personagens femininos positivos que são competentes sem
depender por completo dos homens.” (Dillard e Longman III)

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

Provérbios: As Armadilhas de Provérbios


Não se deve absolutizar os provérbios, eles devem ser interpretados
sempre dentro do contexto, e encaixados dentro do conhecimento produzido
por toda a Bíblia. Os provérbios não são promessas, são observações, sendo
assim, no texto abaixo podemos interpretar de duas formas distintas:

“No temor do SENHOR, tem o homem forte amparo, e isso é refúgio para
os seus filhos.” (Pv 14.26)

a) Interpretar como promessa e acreditar que por temermos ao Senhor


nada acontecerá com os nossos filhos;

b) Interpretar como observações de sabedoria e entender que pais que


temem a Deus, os seus filhos andam em segurança.

Outro ponto deve ser entendido: a aplicação do provérbio é limitada ao


seu contexto:

“Não responda ao insensato com igual insensatez, do contrário


você se igualará a ele. Responda ao insensato como a sua
insensatez merece, do contrário ele pensará que é mesmo um
sábio.” (Pv 26: 4,5)

Observe que o papel do sábio é ter discernimento e sensibilidade para


saber tratar o insensato de acordo com a situação.

Também não é recomendado isolar os provérbios, como afirmam Dillard


e Longman III, “A outra armadilha potencial na leitura de Provérbios é isolar os
provérbios individuais de seu ambiente canônico, retalhando o livro em
pequenos pedaços de bons conselhos. A análise acima da relação entre
Provérbios 1-9 e 10- 31 é o primeiro passo no sentido de corrigir uma leitura
exclusivamente moralista do livro. O próximo passo é relacionar a teologia de
Provérbios à teologia do Novo Testamento.”

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Formação em Teologia

Devemos entender que o texto está fazendo uma representação poética


do atributo da sabedoria de Deus, que obviamente percebemos em Jesus.
Logo, o nosso papel ao ler o Livro de Provérbios, não é colecionarmos
conselhos morais ou éticos, mas relacionarmos toda a sabedoria com Cristo:

“A sabedoria de Cristo é uma das suas características mais


frequentemente destacadas no Novo Testamento. Jesus Cristo é a sabedoria
de Deus (l Co 1:30). Ele é aquele "em quem todos os tesouros da sabedoria e
do conhecimento estão ocultos" (Cl 2:3). Mesmo durante seu ministério
terrestre, a sabedoria foi revelada através de seus ensinos (Mc 1:22). Durante
a sua juventude, Jesus confundiu os mestres da lei (Lc 2:41-50), enquanto
"crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens" (Le
2.52).(...) Assim, conforme os cristãos lerem Provérbios à luz da contínua
revelação do Novo Testamento, serão confrontados com a mesma questão
dos antigos israelitas, mas com uma nuance diferente. Jantaremos com a
Sabedoria ou com a Insensatez? A Sabedoria que nos convida é ninguém
menos do que Jesus Cristo, enquanto a insensatez que procura nos seduzir é
qualquer coisa criada que colocamos no lugar do Criador (Rm 1:22,23).” (Dillar
e Longman III).

333
Formação em Teologia

Bibliografia:

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall


Price e H Wayne House. Tradução: Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro:
Thomas Nelson. 2020)

KLEIN, William W. HUBBARD JR, Robert L. BLOMBERG, Craig L. (Tradução:


Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida
Nova, 2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B.


Dillard, Tremper Longman III. Tradução: Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida
Nova, 2006)

SAYÃO, Luiz ROTA 66: Antigo Testamento: manual de apoio do comentário


bíblico falado/ 1 Ed- São Paulo: Rádio Trans Mundial, 2008.

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

Livros Poéticos - Parte 01

I Eclesiastes - O Sentido da Vida

O Livro de Eclesiastes proporciona uma profunda reflexão sobre o real


sentido da vida. Com uma inclinação filosófica, este livro nos faz pensar nos
porquês da existência, auxiliando o leitor a distinguir o fútil do útil e o perene
do efêmero. Estudando as palavras do Eclesiastes, o leitor irá se deparar com
um livro sem romantismos, em com diversos fatores da vida que é tentado a
resistir, ignorar ou não aceitar. Os questionamentos de Salomão se
encontram com os mesmos questionamentos da atualidade, e a ausência
de respostas claras e objetivas que enfrentamos na vida também nos servem
como um exercício de fé para que descansemos na soberania de Deus, até
nas questões difíceis da vida, e mesmo nas questões impossíveis dela. O livro
reforça aquilo que já se sabe, a vida não é previsível, portanto, nossa
completa confiança deve estar na perfeita, boa e agradável vontade do
Senhor.

Autoria e Datação - Eclesiastes começa com uma apresentação nos


dois primeiros versículos: “Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém:
Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade.”

E numa outra tradução ele diz: “As palavras do Mestre, filho de Davi, rei
em Jerusalém: Que grande inutilidade! Diz o Mestre: Que grande inutilidade!
Nada faz sentido!” (NVI).

Acontece que, no hebraico, a palavra traduzida é “Coélet”, sobre isso


vejamos o que Dillard e Longman III ensinam:

“A raiz verbal do nome significa "congregar", assim o seu nome


(particípio feminino qal) pode ser traduzido literalmente por
"congregante”. [...]

337
Formação em Teologia

[...] As traduções comuns como "Pregador" ou "Mestre", resultam


de suposições de que o tipo de grupo que Coélet congregava
destinava-se à instrução. Nenhuma tradução é precisa, mas
"congregante" parece inadequado ao contexto. Os
tradicionalistas apontam para indícios de que Coélet é um
apelido de ninguém menos do que Salomão. Em primeiro lugar,
a raiz de seu nome ("congregar") é usada com frequência em I
Reis 8, quando Salomão reúne o povo para a consagração do
templo. Além disso, Coélet se identifica como um rei e um filho
de Davi (Ec 1: 1,2). Essas declarações explícitas, junto com a bem
estabelecida reputação de Salomão, como um mestre da
sabedoria, confirmam, na opinião de muitos, a autoria e a
época salomônica.”

A visão tradicional coloca a data no século X a.C., já a visão crítica data


o livro entre 225 e 250 a. C. Existe ainda uma posição alternativa sobre a
autoria, onde acredita-se na existência de duas vozes dentro do livro: Coélet
e um segundo sábio, sendo este segundo a voz narrativa que controla o livro.
O segundo sábio estaria avaliando as palavras do primeiro sábio (Salomão)
ao seu filho. Mas independentemente da posição usada, a mensagem de
Eclesiastes é bastante chocante, contrastando, por exemplo, com o Livro de
Provérbios, que exalta a sabedoria, uma longa vida e uma família numerosa,
por outro lado, o Livro de Eclesiastes diz:

“Um homem pode ter cem filhos e viver muitos anos. No


entanto, se não desfrutar as coisas boas da vida, digo que uma
criança que nasce morta e nem recebe um enterro digno, tem
melhor sorte do que ele. Ela nasce em vão, e parte em trevas, e
nas trevas o seu nome fica escondido.” (Eclesiastes 6: 3,4)

Não podemos ser descuidados ao interpretar esse livro, sabemos e


cremos que a Bíblia é a palavra de Deus, inspirada e capaz de nos edificar,
sendo assim, precisamos atentar para sentenças como estas: "Correr atrás

338
Formação em Teologia

do vento"; "que proveito tem?..."; "Vaidade de vaidades, tudo é vaidade!” e nos


questionar como devemos ler esse livro, como ele se encaixa no restante da
Bíblia, como esse livro pode ser voz de Deus para a vida, e de que forma deve
ser lido?

Para responder a essa questão usaremos a visão alternativa da autoria


de que, de acordo com Dillard e Longman III, “Duas vozes podem ser ouvidas
dentro de Eclesiastes, Coélet e o anônimo mestre de sabedoria que
apresenta o livro no prólogo e que avalia Coélet no epílogo” (...) “O discurso
de Coélet (Ec 1:12-12:7) é um contraste, um recurso pedagógico usado pelo
segundo sábio para instruir o seu filho (v. 12) sobre os perigos da sabedoria
especulativa e cética em Israel. Do mesmo modo como ocorre no livro de Jó,
a maior parte do livro é dedicada aos discursos não ortodoxos dos
participantes humanos, apenas para serem derrubados e demolidos
quando Deus falar do redemoinho. O ensinamento positivo de Eclesiastes
encontra-se nos últimos dois versículos do livro:”

“De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda


os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem.
Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que
estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más.” (Ec 12.13-
14)

O texto acima precisa ser entendido como chave para interpretar todo
o livro, a especulação de Salomão é parte da sua apostasia e fruto de seu
paganismo, que culmina na decadência espiritual de Israel, como pode ser
vista nos livros históricos.

II Eclesiastes (por dentro do texto)

O Livro de Eclesiastes é tido por muitos como um livro pessimista, mas se


usarmos o Novo Testamento como princípio para interpretarmos o Antigo
Testamento, perceberemos que há um norte que nos leva a uma sabedoria
útil e necessária para a vida. Então, qual é o sentido da vida? Por que estamos

339
Formação em Teologia

aqui nessa história? O capítulo 1 se inicia com a frase ‘’Palavras do pregador,


filho de Davi, rei em Jerusalém...’’, aí algumas palavras chaves do livro são
introduzidas ao leitor:

Vaidade - a ideia original é ‘’ inutilidade’’, quando o sábio fala de


vaidade, ele exclama sobre a inutilidade das coisas, afinal de contas, o que
seria útil?

Debaixo do sol - esse é o cenário da existência, onde a jornada acontece


e o lugar onde os seres humanos afetados pelo pecado vivem. A inutilidade,
os propósitos, enganos, erros e acertos acontecem debaixo do sol, as
reflexões do livro apontam para “debaixo do sol”, estabelece-se, então, um
contraste necessário, se essa sabedoria se aplica a esse espaço reduzido,
certamente existe uma sabedoria que vai além. Para melhor compreensão
desse livro, essa sabedoria “local” precisa ser instruída pela sabedoria da
Graça, se assim o fizermos, Eclesiastes não será mais um livro pessimista e
sombrio, mas um tesouro espetacular que proporciona respostas para a
vida, principalmente a realidade local: nessa vida o que vale? O que faz
sentido? Ao se ler essa expressão é importante coloca-la nessa perspectiva,
para que essa realidade também seja vista e posta no ângulo certo.

Salomão foi o homem mais rico, sábio e bonito, era impossível competir
contra ele em qualquer desses quesitos, ele é o pregador do livro, é quem fala
sobre o sentido da vida e aplica seu coração a descobrir porque vale a pena
viver, ele é aquele observador que olha a vida em sua volta e descobre que
muitas vezes as coisas contrariam as nossas expectativas.

Se, no Livro de Provérbios aprendemos a buscar a sabedoria que vai nos


proteger e abençoar, no Livro de Eclesiastes aprendemos que existe uma
imprevisibilidade na vida, e que, em algum momento dela, nossa força,
recursos e conhecimentos serão insuficientes.

As recompensas dos justos e dos ímpios

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Formação em Teologia

''Há mais uma coisa sem sentido na terra: justos que recebem o
que os ímpios merecem, e ímpios que recebem o que os justos
merecem. Isto também, penso eu, não faz sentido.’’ (Eclesiastes
8:14)

Salomão está dizendo algo que já sabemos intuitivamente, e que às


vezes não queremos admitir, ele viu justos receberem a recompensa do
ímpio, e ímpios tendo a vida dos justos, e vice-versa. Imaginamos que o justo
receberá bênçãos, vida calma, próspera e bem ajustada, mas Salomão diz
que viu o contrário, e a conclusão é que existe uma imprevisibilidade inerente
à existência que nos faz refletir: Qual o sentido da vida se os justos podem
receber o galardão do ímpio? E no capítulo seguinte ele complementa:

‘’...percebi ainda outra coisa debaixo do sol: Os velozes nem


sempre vencem a corrida; os fortes nem sempre triunfam na
guerra; os sábios nem sempre têm comida; os prudentes nem
sempre são ricos; os instruídos nem sempre têm prestígio; Pois
o tempo e o acaso afetam a todos.’’ (Eclesiastes 9:11-12)

Muita gente foge do livro de Salomão pois essas questões são


complexas e não há como tratá-las com superficialidade.

O que ele diz no capítulo 9 é que viu pessoas que eram mais rápidas não
chegarem em primeiro lugar, viu pessoas mais fortes perderem a batalha, viu
que muitas vezes a sabedoria não se transformou em conhecimento que traz
segurança, ou ainda que o trabalho não resultou em comida, viu prudentes
viverem ameaçados e vulneráveis como se fossem pessoas inconsequentes,
ele viu pessoas bem instruídas sem reconhecimento. O argumento é que o
tempo ou o acaso vão afetar todo mundo, desafiando, não só as nossas
habilidades, mas também o nosso caráter. Ninguém sabe a hora da sua

341
Formação em Teologia

morte e ninguém sabe a hora do imprevisível, por isso, ficamos à mercê de


vários fatores além das certezas e possibilidades.

A princípio, Salomão realmente parece ser uma pessoa muito


pessimista, mas será que ele realmente é? Aonde será que ele quer chegar
com tantos questionamentos e observações? Quando a vida sai do que é
esperado e o ímpio começa a receber como justo (e vice-versa), isso deixa
nosso coração inquieto, temos dentro de nós uma certa ilusão de
previsibilidade, justamente porque tudo foi afetado pelo pecado, a vida, sua
“lógica, e tudo o mais que Deus criou, não estão funcionando como deveriam,
esse é um ponto, a outra questão é que a soberania de Deus, responde à
questão que não sabemos nem mesmo formular. O governo divino conduz a
história por lugares fora da nossa percepção, razão, vontade e justiça. A
busca de Salomão pelo sentido da vida “debaixo do sol”, e o choque com o
inominável, constrange e até revolta:

‘’A estultícia está posta em grandes alturas, mas os ricos estão


assentados em lugar baixo. Vi os servos à cavalo, e os príncipes
andando sobre a terra como servos.’’ (Ec 10:6)

Salomão percebe que “debaixo do sol” as coisas nem sempre seguem a


ordem esperada, da mesma forma que sucede com o tolo, também sucede
ao sábio.

O pensamento simplista entende que fazer as coisas da forma correta


manterá a vida sob controle, mas quando chegamos ao Evangelho vemos
que o controle está com Cristo, e a felicidade do crente não é ter controle ou
garantias. Salomão está lembrando que a vida pode ser imprevisível, e em
muitos momentos ela realmente é, e que a recompensa e o sentido da vida
não estão em domá-la.

Muitas vezes queremos blindar a vida ao saber do dia de amanhã, mas


mesmo sabendo o futuro, podemos não ter a solução para ele. O sentido da
vida passa por crer que, entre tudo que acontece “debaixo do sol”, há um

342
Formação em Teologia

Deus que rege o universo e provê paz e segurança ao nosso coração, e que
diante do inesperado, esse mesmo Deus faz tudo cooperar para o nosso bem.

Promessas Vs. Provérbios

Nessa altura dos nossos estudos devemos ter clareza de algumas


expressões:

• Lei - os mandamentos de Deus a nós.

• Promessas Condicionais - algo jurado por Deus sob certas


condições.

• Promessas Incondicionais - algo garantido por Deus de forma


incondicional.

• Provérbio - são máximas, isto é, verdades gerais e genéricas.


Não têm a obrigatoriedade de se cumprirem na vida de todos,
mas são expressões da sabedoria de um povo, isto é,
princípios gerais que “não podem” ser aplicados em todas as
circunstâncias (muitas vezes confundimos um provérbio com
uma promessa e nos frustramos).

Em busca do Sentido

Salomão apresenta, ao longo do livro, as respostas que encontrou para


a sua busca do sentido da vida, e as perguntas abaixo apontam onde ele fez
sua busca: Debaixo do Sol, o que faz sentido? Será que é o trabalho? Será
que é prazer? Ou está nas riquezas?

O Prazer - A primeira tentativa de responder qual é o sentido da vida,


está no prazer. Salomão tinha 700 esposas e 300 concubinas, além do melhor
vinho e comida, ele não negou nada ao seu coração, e naquela época, a

343
Formação em Teologia

poligamia era tolerada na sociedade, mas a ideia é: será que eu posso


construir ou sustentar o sentido da vida com base no prazer?

A felicidade da vida é sobre a capacidade que temos de construir,


conquistar e nos relacionar de alguma forma, Salomão experimenta tudo que
pode, deixa seu coração livre e percebe que o prazer não é a questão central
da vida. Várias vezes ele tenta e mostra a frustração, como se quisesse nos
dizer “tentei o sentido da vida nessa direção e não fui (co)respondido’’, em
algum momento ele chega a dizer ‘’odiei (aborreci) a minha vida’’, no sentido
de que, quando ele colocou o significado da vida no prazer, ela não fez
sentido:

‘’E tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem
privei o meu coração de alegria alguma; mas o meu coração
se alegrou por todo o meu trabalho, e esta foi a minha porção
de todo o meu trabalho. ‘’ (Eclesiastes 2:1)

O prazer não é o real sentido da vida, mas deve ter um lugar na vida do
crente. É importante pensar no Jardim do Éden e lembrar que “Éden”, em
hebraico, significa “prazer”, ou seja, Jardim do Prazer, então, se o Deus todo-
poderoso colocou o homem e a mulher num jardim do prazer, é porque no
propósito dEle tem espaço para o prazer na vida das pessoas. Mas lembre-
se quem é o tolo, aquele que coloca a própria vontade acima de tudo, e dessa
forma, transforma o prazer, ao invés de benção, em maldição.

Há cristãos que tentam relativizar a ética (moral) que existe no prazer,


mas também existem cristãos que tentam destruir o prazer, porém, a questão
é quando o nosso prazer não ofende a santidade de Deus, pois o prazer é um
presente e não podemos transformá-lo em armadilha. A primeira tentativa
de colocar ou buscar o sentido da vida no prazer, fracassa, e Salomão
descobre que o prazer tem um lugar importante, mas não é o fundamental
sentido da vida.

344
Formação em Teologia

Riqueza - Outra tentativa que identificamos no texto está na riqueza, e


ele fracassa novamente, mas começa a descobrir que todos esses fatores
têm um lugar na vida, embora nenhuma delas, por si só, consegue prover
sentido à vida:

“Amontoei também, para mim, prata e ouro e tesouros de reis e


de províncias.” (Eclesiastes 2:8)

Realizações e trabalho - A próxima tentativa de Salomão foi no caminho


do trabalho, empenhando-se em grandes e inúmeras realizações:

“Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas [...].”


(Eclesiastes 2:4)

O Eclesiastes descreve uma lista dos seus muitos afazeres, e entre eles,
muitos casamentos, a ideia é que muitos dos seus casamentos foram formas
de negociar acordos políticos, e com isso, ter mais escravos, que eram
usados para fazer suas obras. Salomão construiu inúmeras coisas dentro da
cidade, colocando muita gente para trabalhar e realizar seus projetos,
entretanto, descobriu que o sentido da vida também não está nas
realizações:

‘’E olhei eu para todas as obras que fizeram as minhas mãos,


como também para o trabalho que eu, trabalhando, tinha feito,
e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito
nenhum havia debaixo do sol.” (Eclesiastes 2:11)

345
Formação em Teologia

Mas no trabalho, ele encontra algo especial, diversas vezes Salomão


repete que o trabalho é algo importante, que se existe alguma coisa “debaixo
do sol” que alegra o coração do homem, é desfrutar do seu trabalho:

“Eis aqui o que vi, uma boa e bela coisa: comer e beber, e gozar
cada um do bem de todo o seu trabalho, que trabalhou
debaixo do sol, todos os dias de vida que Deus lhe deu, pois
esta é a sua porção. E a todo o homem, a quem Deus deu
riquezas e bens, e lhe deu poder para delas comer e tomar sua
porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus. Pois não se
lembrará muito dos dias da sua vida; porquanto Deus lhe
enche de alegria o coração.” (Eclesiastes 5: 18-20)

Se parte da vida ganha significado ao desfrutarmos do fruto do nosso


trabalho, acontece um desdobramento inevitável: parte do sentido que
conseguimos encontrar na vida, está na mesa da nossa casa, junto com a
família e os amigos. “Debaixo do sol”, parte do que temos de precioso é
encontrado à mesa, junto com os irmãos em comunhão.

O que nos resta?

O Amor - A vida tem valor e faz sentido quando compreendemos o valor


da Cruz e da pessoa de Cristo, presente em todas as áreas do nosso viver. Se
olharmos simplesmente para esse lugar “debaixo do sol”, realmente
poderemos ser tomados pelo pessimismo. Essa busca é apenas uma parte,
mas nos dá dicas importantes:

“Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida
fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol; porque esta é a tua
porção nesta vida pelo trabalho com que te afadigaste debaixo
do sol.” (Eclesiastes 9:9)

346
Formação em Teologia

O Livro de Eclesiastes precisa produzir uma pergunta: Aquilo com que


estamos gastando nossa energia realmente importa? No final, quando
respirarmos pela última vez, falaremos que valeu a pena?

Meditar com o Livro de Eclesiastes é uma viagem ao centro da existência,


e quando nos deixamos impactar pelo seu questionamento sobre o sentido
da vida, precisamos parar, ouvir a voz do Espírito Santo e deixar a Palavra de
Deus encontrar o rumo para o nosso coração, para não cair num pessimismo
vazio, e tão pouco num otimismo vazio. Fomos criados para glória de Deus e
para boas obras, servindo ao próximo e testemunhando as maravilhas de
Deus em Cristo Jesus, eis o nosso sentido: Cristo. Apenas quando Jesus dirige
as nossas vidas, é que o prazer, a riqueza, o trabalho e a ética, farão sentido,
“Pois nEle vivemos, nos movemos e existimos.” (At 17:28).

347
Formação em Teologia

Bibliografia

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ Randall Price e H


Wayne House. Tradução: Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson.
2020)

KLEIN, William W. HUBBARD JR, Robert L. BLOMBERG, Craig L. Introdução à


Interpretação Bíblica Tradução: Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro:
Thomas Nelson, 2017

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova, 2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard,


Tremper Longman III. Tradução: Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006)

SAYÃO, Luiz ROTA 66: Antigo Testamento: manual de apoio do comentário bíblico
falado/ 1 Ed- São Paulo: Rádio Trans Mundial, 2008

https://www.youtube.com/user/thejourneystl/videos

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

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Formação em Teologia

Livros Poéticos - Parte 01

O Livro de Salmos

O título do livro como o conhecemos vem da Septuaginta (Vulgata). No


grego, psalmos foi usado para traduzir a palavra hebraica mizmor, que vem
da raiz verbal zamar, que significa "cantar/tocar". O título hebraico, Tehillim,
significa "louvores". Dos 27 livros do Novo Testamento, 23 livros falam alguma
coisa do Livro de Salmos, assim, há uma estreita relação entre Salmos e o
Novo Testamento, até mesmo no primeiro sermão da igreja, no Livro de Atos,
vemos uma citação. Temos no total 116 citações, e isso representa 40% das
citações no Novo Testamento.

I Contexto histórico

O livro possui 150 poemas escritos num longo período de tempo, sendo
assim, o contexto histórico dos salmos é a própria história israelita. Um outro
ponto precisa ser observado, devido ao caráter dinâmico do livro, e ao fato
de ser usado no culto durante toda sua história, existe muita discordância
para determinar o período específico de cada salmo.

II Os títulos dos salmos

Os títulos fornecem informações importantes sobre a autoria dos


salmos, referência histórica, arranjo musical e uso na adoração comunitária.
Os títulos devem ser considerados uma tradição antiga e confiável, por isso
as informações que eles nos trazem são úteis e relevantes. Dillard e Longman
III escrevem: "Os títulos não são originais, mas antigos; não canônicos, mas
confiáveis.”
III Autoria

Como vimos, os títulos nos trazem referências sobre a autoria dos


salmos, essas informações nos levam aos seguintes dados:

Asafe (12 salmos), os filhos de Coré (11 salmos), Salomão (2 salmos),


Jedutum (4 salmos), Hernã, Etã e Moisés (1 salmo de cada) e Davi (73 salmos
na tradição textual hebraica, nas versões gregas e latinas esse número é

351
Formação em Teologia

maior). Essa diferença em relação a autoria dos salmos davídicos se dá


porque a preposição em hebraico, que aparece ao lado do nome de Davi,
pode ser traduzida de algumas formas diferentes como: “de Davi”, “para
Davi”, “sobre Davi”, “por Davi”.

IV Contexto social

Muitos estudiosos divergem sobre a interpretação do contexto histórico,


alguns chegam a afirmar que é inútil, enquanto outros defendem que o
contexto histórico de cada salmo é totalmente verificável, a tendência de
hoje, como já mencionamos, é de não dar ao contexto histórico centralidade
e instrumentalidade na interpretação do texto, a alternativa que surge então
é o contexto social, isto é, como os salmos eram usados e como funcionavam
na adoração de Israel. No próprio texto encontramos referência, por exemplo,
à peregrinação, ao templo e aos atos de adoração.

Os Saltérios, como também é chamado, funcionava como o hinário de


Israel. O adorador israelita tinha uma oração pronta para todas as
circunstâncias da vida, portanto, o texto tem a capacidade, não de recriar
com clareza um determinado momento histórico, mas de revelar a
mentalidade de adoração do povo Israelita. O fato de ser usado no culto de
Israel faz com que os eventos históricos percam clareza e precisão, já que os
textos eram usados ao longo dos anos e os eventos acabam se perdendo na
experiência litúrgica, conferindo ao texto uma flexibilidade e um dinamismo
inerentes a experiência religiosa, isto é, sai de cena o evento que originou o
salmo e entra em cena a experiência cumulativa do povo, de usar um
determinado texto ao longo dos anos em situações de culto a Deus.

Exemplo, por ocasião da Páscoa, durante a refeição, um primeiro cálice


circulava pela sala onde os participantes da festa bebiam e davam ações de
graça, o cordeiro era colocado na mesa com os pães sem fermento, depois
ervas amargas e uma tigela de purê eram trazidas, o pai ou leitor oficial
contava a história do êxodo e cantavam a primeira parte dos salmos 113 - 114,
Halel, Salmos 113-118. O segundo cálice passava e faziam a refeição, após o
término, o terceiro cálice era abençoado e todos bebiam. O quarto cálice era
acompanhado da bênção do chefe da casa ou do oficiante, que abençoava

352
Formação em Teologia

a todos com o salmo 118:26 “Bendito é o que vem em nome do Senhor. Da


casa do Senhor nós os abençoamos”.

A pergunta que se segue é, qual a relação do povo com os salmos


mencionados? A relação direta era com um evento histórico ou com a
experiência de, a cada ano, usarem no culto e na celebração pascal?
Evidente que a abordagem que prevalecia era a experiência do uso dos
salmos no culto. Desta forma os salmos eram tão presentes na vida e no culto
de Israel que alguns historiadores afirmam que o Saltério seria lido na
sinagoga, num ciclo de um ou três anos, de acordo com a forma que era feita
a divisão da estrutura do livro como um todo.

V Poesia Bíblica

A poesia apresenta imagens concretas para transmitir ideias abstratas,


assim, “A Poesia consiste na redação escrita tipificada pela brevidade, pelas
palavras vivas, pela criatividade verbal, por ter unidade o verso poético, e pelo
grau de estrutura” (Klein, Blomberg e Hubbard Jr.). Já estudamos, no Livro de
Jó, alguns conceitos da poesia bíblica e dos princípios que devemos adotar
para interpretar um texto poético, agora, no estudo de Salmos,
complementaremos, trazendo ao estudante novas ferramentas para ler,
interpretar e entender a poesia bíblica:

Paralelismo - Começaremos mostrando o que não é paralelismo. O


paralelismo não quer dizer que o segundo verso reafirma ou contesta o
sentido do verso anterior com palavras diferentes, ou seja, o paralelismo não
pressupõe um sinal de igual ligando os versos:

“Paralelismo é o fenômeno através do qual dois ou mais versos


sucessivos dinamicamente fortalecem, reforçam e
desenvolvem o pensamento uns dos outros. Como uma
espécie de pensamento adicional, os versos seguintes definem,
especificam, intensificam ou contrastam, o primeiro um pouco
mais. Como define Berlim: “O paralelismo concentra a
mensagem em si mesma, mas a sua visão é binocular. Do
mesmo modo que a visão humana, ela sobrepõe dois ângulos

353
Formação em Teologia

diferentes do mesmo objeto e da sua convergência ela produz


uma sensação de profundidade.” (Klein, Blomberg e Hubbard Jr.)

Algumas informações adicionais são necessárias para analisarmos o


paralelismo na poesia bíblica, e consequentemente no Livro de Salmos. O
nome que damos para um verso separado da poesia é linha poética, duas
linhas poéticas formam uma unidade chamada de parelha ou dístico; três
linhas paralelas formam um terceto ou um trístico. Quando vamos analisar o
poema atribuímos uma letra maiúscula a cada linha considerada paralela.
Observe o exemplo abaixo:

(Salmo 77:1)

É possível que em uma das linhas exista uma omissão ou acréscimo de


palavras, desenhando contrastes e significados do texto poético. É possível
ainda que a primeira linha tenha o mesmo significado, usando apenas
palavras diferentes, não havendo desenvolvimento de significado da linha “A”
para a linha “B”, mas é importante o estudante notar que esses casos são
raros, como já dissemos, o paralelismo não pressupõe sinônimo. O contraste
entre as linhas pode ser criado de diversas formas, como, por exemplo,
enquanto a primeira linha exprime uma afirmação, a segunda linha faz uma
pergunta, ou o uso de palavras com sons semelhantes na parelha. Segue
abaixo uma tabela resumindo as principais formas de paralelismo:

354
Formação em Teologia

A poesia e o imaginário: a natureza da linguagem poética é construída


com palavras que criam imagens, pintam quadros, como diz Hyken, em seu
livro “How to read” (Como ler), “Palavras que evocam uma experiência
sensorial em nossa imaginação”.

A escolha das palavras é tão fundamental porque as palavras certas


podem despertar quadros mentais vivos e emoções poderosas, capturando
nossos sentidos e emoções. Observe:

“Rios de lágrimas correm dos meus olhos, porque a tua lei não
é obedecida.” (Salmo 119: 136)

“Quão doces são as tuas palavras ao meu paladar! Mais que o


mel à minha boca.” (Salmo 119: 103)

355
Formação em Teologia

“Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os


meus caminhos.” (Salmo 119: 105)

Figuras de linguagem: ainda mais importante que os paralelismos, é


reconhecer as figuras de linguagem. Na Bíblia, as duas principais figuras de
linguagem são a símile e a metáfora. A símile é uma figura de linguagem que
compara as coisas, comumente usando o termo “como”. Veja o exemplo:

“Como um lírio entre os espinhos é a minha amada entre as


jovens.” (Cânticos 2:2)

A metáfora também faz comparação entre duas coisas, mas não usa
nenhuma conjunção, a correspondência estabelecida acontece de forma
brusca.

“A tua palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz


que clareia o meu caminho.” (Salmo 119: 105)

Existe ainda um tipo de metáfora chamada antropomorfismo,


acompanhe o exemplo:

“Os olhos do Senhor voltam-se para os justos e os seus ouvidos


estão atentos ao seu grito de socorro; o rosto do Senhor volta-
se contra os que praticam o mal, para apagar da terra a
memória deles.” (Salmo 34: 15,16)

O texto não faz uma afirmação teológica sobre a corporeidade de Deus,


mas simplesmente, que Ele usa todos os seus sentidos em favor do seu povo.
A metáfora compara duas coisas que, mesmo sendo diferentes através da
percepção do poeta, encontram algo em comum como ponto de referência,

356
Formação em Teologia

criando a imagem que o poeta julga ser necessária, a fim de comunicar o


sentido pretendido.

Superinterpretação de símiles e metáforas: O salmo 92: 12 diz que o


justo “florescerá como a palmeira”. A superinterpretação faz o leitor
abandonar o contexto, ignorar o sentido da imagem criada e criar
associações diretamente ligadas à própria imagem, descaracterizando a
relação entre as coisas que foram comparadas, por exemplo, ao invés de
perceber a relação entre o florescimento do justo e o da palmeira, o leitor se
concentra na palmeira fazendo projeções e afirmações que são
inadequadas ao florescimento do justo. Isso pode acontecer, tanto no caso
da símile, quanto no caso da metáfora.

Obs.: na sua apostila, lembre-se do Livro de Jó, de como se deve


interpretar a linguagem poética.

VI O que você procura em uma poesia?

Depois de termos estudado sobre a poesia bíblica, a pergunta que


devemos responder é justamente o que procuramos numa poesia? Como
devemos lê-la? Essa questão será respondida depois de estudarmos mais de
perto o gênero no Livro de Salmos.

VII Gênero

Salmos é uma antologia (coleção) de poemas agrupados, e por sua


extensão, comporta vários tipos de texto. A seguir os principais gêneros:

Hino - O gênero característico de Salmos é o hino, a marca


característica é o louvor ao Senhor:

“Celebrai com júbilo ao Senhor, todas as terras. Servi ao Senhor


com alegria, apresentai-vos diante dele com cântico. Sabei que
o Senhor é Deus; foi ele quem nos fez, e dele somos; somos o
seu povo e rebanho do seu pastoreio.” (SI 100: 1-3)

357
Formação em Teologia

Normalmente o louvor é justificado como é observado na


argumentação de Dillard e Longman III:

“O salmo 29 canta louvor a Deus porque Ele é o rei (cf. Sl 47, 93,
95, 96); o salmo 24 louva a Deus porque Ele foi vitorioso sobre
os inimigos de Israel; o salmo 45 louva a Deus no contexto de
um casamento real; e o salmo 48 exalta Sião como o lugar da
presença especial de Deus.” (SL 46, 76, 87)

Os hinos são originalmente parte de uma festividade israelita, os dois


elementos principais na estrutura de um hino são “a convocação para louvar,
dirigida a outros adoradores e provavelmente ministrado por um cantor ou
coral, e o próprio louvor a Javé.” (Klein,Blomberg e Hubbard Jr.). Segue mais
alguns exemplos de salmos que são hinos: 8; 19; 65; 66; 67; 68; 95; 96; 100; 104;
105.

Lamento ou protesto - Os lamentos são identificáveis com base na


origem do problema enfrentado, a origem pode ser o inimigo (Sl 51; 57.4); o
próprio salmista (Sl 22:14-15); ou a fonte pode ser o próprio Deus, nesse caso,
o salmista está lutando com Deus e sentindo-se abandonado, ferido,
amargurado e cheio de dúvidas:

“Por pão tenho comido cinza e misturado com lágrimas a


minha bebida, por causa da tua indignação e da tua ira,
porque me elevaste e depois me abateste.” (Sl 102: 9-10)

Os lamentos tem estrutura definida com 7 elementos, o que não significa


que todos os salmos de lamentos tenham os 7 elementos, ou ainda que eles
apareçam em ordem no texto. Os elementos são:

358
Formação em Teologia

A. Invocação;
B. Apelo a Deus por ajuda;
C. Reclamação;
D. Confissão de pecado ou declaração de inocência;
E. Maldição aos inimigos (imprecação);
F. Confiança na resposta de Deus;
G. Hino ou benção.

Importante dizer, baseado no último elemento, que os salmos de


lamento geralmente terminam em louvor, marcando a transição da tristeza
para alegria, ou ao menos, à esperança de que isso aconteça.

Salmos de ação de graças - O salmista expressa a sua gratidão. É uma


grande experiência ter passado por uma situação difícil e ter recebido o favor
do Senhor, um livramento ou algo do tipo. Um exemplo é o salmo 18,
importante salientar que o texto é dirigido tanto a Deus quanto aos ouvintes
da cerimônia, visto que esses salmos eram feitos para serem usados em
“cultos de gratidão”. Salmos de confiança - São declarações de confiança
em Deus como protetor, vale dizer que em outros estilos de salmos também
encontraremos tais expressões, a questão é que, nesses salmos específicos,
as declarações de confiança são o cerne do texto. Encontramos isso em 9
salmos (SI 11, 16, 23, 27, 62, 91, 121, 125, 131).

Salmos de recordação - Primeiro, precisamos notar a importância da


memória dentro do culto e da adoração, pois a memória cria ações e
reações. Esse tipo de salmo se volta para os atos redentores de Deus como
forma de construir esperança no presente, ensinando que Deus é confiável,
vemos esse direcionamento nos salmos 78, 105, 106, 135 e 136.

Salmos de sabedoria – Esses olham na mesma direção que a literatura


de sabedoria (Provérbios e Eclesiastes). Muitos especialistas reconhecem
que alguns salmos “não pertenciam a vida pública de adoração do povo,
mas, sim, a esfera educacional particular de seus sábios. (...) Esses Salmos
tem uma intenção didática e se concentram em questões éticas como a
justiça do sofrimento humano e a aparente injustiça de Deus em tolerá-la.

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Formação em Teologia

Teologicamente, o seu interesse está mais em Deus como criador e


governante cósmico do que como redentor de Israel e Senhor.” (Klein,
Blomberg e Hubbard Jr.). Temos os salmos 1; 19; 33; 39; 49; 127.

Salmos de realeza - Apontam tanto para o rei humano, que tem a sua
representação na figura de Davi, como apontam para Deus como o rei.

Salmos Penitenciais - A primeira coisa importante a saber é que não se


trata de penitência no sentido de auto flagelo, comum em algumas religiões
onde a pessoa se açoita ou passa por restrições auto impostas. Existem 7
salmos (6, 32, 38, 51, 102, 130 e 143) extremamente dolorosos onde o indivíduo
contrito e aflito busca misericórdia de Deus para o seu pecado, o alívio do
transtorno que ele eventualmente possa ter causado a alguém e a
restauração da alegre intimidade com Deus. Estes salmos são preciosos para
que possamos expressar o nosso arrependimento e desejo por misericórdia
e restauração, frente aos pecados que cometemos contra Deus e contra o
nosso próximo.

Salmos de Liturgia - É o texto usado na adoração, onde os participantes


têm as suas falas numa espécie de diálogo (forma responsiva). Observe
abaixo:

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Formação em Teologia

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VIII Os Salmos e a Morte

Cântico fúnebre - As características principais desse tipo de texto são o


lamento, a descrição de algum desastre e uma convocação para que os
outros lamentem, segundo Klein,Blomberg e Hubbard Jr., o cântico fúnebre “é
uma lamentação funerária entoada como parte de ritos antigos”. A
importância desse material está na influência de vários textos como os
salmos 35: 13-14; 44; 77.

Esses salmos são canções para o momento do luto, logo, é importante


saber como os israelitas entendiam a morte. No Antigo Testamento não
vemos de forma direta uma crença em vida após a morte. Para muitos pode
ser surpreendente, apesar de Deus já ter se revelado de forma significativa, a
nação de Israel não possuía uma crença ou entendimento da vida pós-
morte. Na sequência de textos abaixo, veja a relação e percepção do salmista
sobre a morte, que reflete a mentalidade de seu tempo:

‘’Quem morreu não se lembra de ti. Entre os mortos, quem te


louvará?’’ (Sl 6: 5)

"Se eu morrer, e descer à cova, que vantagem haverá? Acaso o


pó te louvará? Proclamará a tua fidelidade?’’ (Sl 30: 9)

‘’Mostra-me, Senhor, o fim da minha vida e o número dos meus


dias, para que eu saiba quão frágil sou. Deste aos meus dias o
comprimento dum palmo; a duração da minha vida é nada
diante de ti. De fato, o homem não passa de um sopro.’’ (Sl 39:
4,5)

“Lembra-te de como é passageira a minha vida.” (Sl 89: 47)

‘’Acaso mostras as tuas maravilhas aos mortos? Acaso os


mortos se levantam e te louvam? Será que o teu amor é

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Formação em Teologia

anunciado no túmulo, e a tua fidelidade, no Abismo da Morte?


Acaso são conhecidas as tuas maravilhas na região das trevas,
e os teus feitos de justiça, na terra do esquecimento?’’ (Sl 88: 10-
12)

Curiosamente, os egípcios pensavam mais na vida após a morte do que


o povo de Israel. C. S. Lewis argumenta como os salmistas ajudaram a
construir um conceito de eternidade: “Quando Deus começou a se revelar aos
homens, mostrando que ele, e mais ninguém, é o verdadeiro objeto e
satisfação de suas necessidades, que deveria ser alvo dos clamores
humanos simplesmente por ser quem ele é, independentemente do fato de
ter poder para lhes conceder ou negar alguma coisa, talvez isso fosse
absolutamente necessário, que está revelação não começasse com
nenhuma alusão a bem-aventurança ou à perdição futura”.

O aprendizado sobre a eternidade não começou com lições sobre o céu


e o inferno, de outra forma, a eternidade começou a ser ensinada com o
apetite por Deus, que esbarra nas esperanças e temores pessoais: “depois de
séculos de treinamento espiritual, os homens estão aprendendo a desejar e
a adorar a Deus, a suspirar por ele “como suspira a corça”, aí é diferente. Pois
então os que amam a Deus desejarão não somente desfrutar dele, mas
“desfrutar dele para sempre” e temerão perdê-lo”.

Precisamos aprender com o Livro de Salmos que o senso de justiça,


abalado por temores e circunstâncias da vida, criam uma rota de colisão
entre as nossas “fomes” e “desejos”, criando no coração uma esperança
frustrada. A justiça que se espera e se frustra afeta a nossa (ad)oração. Esse
ato de orar que sobrevive ao desencanto e a frustração, essa adoração que
permanece depois do luto da alma, aprende a reconhecer a soberania de
Deus e transforma a esperança:

“Século após século, por golpes que nos parecem cruéis, pela
derrota, pela deportação e pelo massacre, os judeus foram
persuadidos de que a prosperidade terrena não é de fato, a

364
Formação em Teologia

forma mais correta ou mesmo provável de se ver Deus. Toda


esperança deles foi frustrada.” (C.S. Lewis)

O salmista se torna um profeta, um revolucionário, pois os seus olhos


estão postos além, fixados em Deus, a eternidade começa a ganhar
contorno, a oração se enche de alegria, além de conquistas terrenas, a
adoração rompe a percepção limitada e subtraída pelo pecado!

“Aleluia! Louve, ó minha alma ao Senhor. Louvarei ao Senhor por


toda a minha vida; cantarei louvores ao meu Deus enquanto eu
viver.” (Sl 146: 1,2)

IX Salmos Imprecatórios

Como vimos anteriormente, o “Lamento” pode apresentar a


característica da imprecação, ou amaldiçoar os inimigos, nesse ponto do
nosso estudo veremos especificamente os salmos que são imprecatórios.
Alguns textos no Livro de Salmos podem gerar estranheza, os salmos
imprecatórios tem a capacidade de deixar constrangidos muitos cristãos
sinceros. Leia com atenção os salmos 59: 12b-13; 109: 6-15; 137: 7-9 e 139: 19-
22. O estudante da Bíblia deve interpretar a linguagem desses textos como
hipérbole, exageros emocionais de alguém que está num estado de agonia,
com raiva, e espera sensibilizar a Deus para agir em seu favor.

Esses salmos servem à função de “expor a violência e a opressão do


mundo para que não sejam ignoradas, e de dar às suas vítimas as palavras
para expressarem o seu legítimo desespero e afronta.” (Klein, Blomberg e
Hubbard Jr.). Entretanto, é muito importante lembrar como esses mesmos
autores citados advertem que os salmos imprecatórios devem ser lidos à luz
da crítica bíblica sobre a vingança (Rm 12: 9-21).

365
Formação em Teologia

X Discussão teológica

Os salmos imprecatórios suscitam um debate, como textos tão pesados


podem fazer parte da Bíblia? Começamos a discussão ouvindo os
argumentos de Dillard e Longman III: “Outra relação que salta aos nosso
olhos, muitas vezes o salmista revela sua preocupação com a justiça e com
a lei, o salmista chega a dizer expressões fortes como: ‘’eu odeio
escarnecedores’’, essa preocupação com a justiça e com a lei, move o
coração e as palavras do salmista, numa posição radicalmente contra os
que não andam em retidão, que muitas vezes suas palavras soam ofensivas,
percebemos que a ética citada nos versos é diferente da que aprendemos, e
nem por isso o Livro de Salmos é menos importante ou menos inspirado,
apenas devemos saber como vê-lo. Salmos é essencialmente poesia.

O outro potencial obstáculo para uma teologia do Saltério é que ele é


um livro composto principalmente de preces, homens e mulheres clamando
a Deus, e nesse sentido, Salmos pode ser contrastado com o restante do
Antigo Testamento. Por exemplo, nos profetas ouvimos claramente a voz de
Deus quando Ele se dirigia à comunidade por meio do seu mediador
escolhido (cf. a frase familiar "assim diz o Senhor"). Por essa comparação,
muitos concluem que Salmos se apresenta como a resposta humana ao
encontro divino, assim, embora instrutivo, seu ensino não é o de uma teologia
normativa.

Muitas pessoas sustentam esse tipo de ideia sobre o Saltério, apelando


às maldições dos salmos (69: 22-29; 109:6-21). Deus não está ensinando seu
povo a odiar os inimigos, está? Afinal de contas, em outras partes, Deus instrui
seu povo a amar os seus inimigos. É uma verdade incontestável que os
salmos são orações, não oráculos, porém, a inclusão deles no cânon certifica
sua natureza como Palavra de Deus, afinal de contas, embora a presença
divina esteja muito mais clara nos profetas, e até mesmo nos livros históricos,
Suas palavras também foram proferidas por intermédio de seres humanos.

Além disso, nem todas as preces de Israel se encontram no Saltério, as


orações de Salmos são aquelas aprovadas pelos sacerdotes na adoração
formal de Israel (I Cr 16.4-38). É importante discutir a teologia do Saltério,
contudo, precisamos ter em mente que “a teologia do livro é extensa, mas
não sistemática, que é confessional e doxológica, não abstrata.” Também

366
Formação em Teologia

vale lembrar que essa atitude agressiva e vingativa não é correta nem
mesmo dentro do judaísmo:

"Se você encontrar perdido o boi ou o jumento que pertence ao


seu inimigo, leve-o de volta a ele. Se você vir o jumento de
alguém que o odeia caído sob o peso de sua carga, não o
abandone, procure ajudá-lo.” (Ex 23: 4,5)

"Não guardem ódio contra o seu irmão no coração; antes


repreendam com franqueza o seu próximo para que, por causa
dele, não sofram as consequências de um pecado. Não
procurem vingança, nem guardem rancor contra alguém do
seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo.
Eu sou o Senhor.” (Levítico 19: 17,18)

A mesma ética do Antigo testamento que ensina o “olho por olho”, que
incentiva as batalhas por conquista, devido ao seu contexto histórico, que
manda apedrejar o adúltero, não deixa de ter misericórdia com o inimigo, e
são textos que mostram que, a hostilidade presente em alguns salmos, não
têm respaldo ético, como também vemos em Provérbios, e importante ao
ponto de Paulo repetir:

“Não se alegre quando o seu inimigo cair, nem exulte o seu


coração quando ele tropeçar.” (Provérbios 24: 17)

“Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-
lhe de beber.” (Provérbios 25: 21)

“Pelo contrário: "Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se


tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará
brasas vivas sobre a cabeça dele." (Romanos 12: 20)

367
Formação em Teologia

C. S. Lewis observa que há um requinte de maldade ao pronunciar uma


bênção a qualquer um que pegue a cabeça de um bebê babilônico e bata
numa pedra (Sl 137: 9), ou ainda no salmo 143, depois de traduzir e comunicar
tão perfeitamente a angústia humana durante 11 versículos, no versículo 12
surgem palavras tão duras: “aniquila o inimigo”.

Esses salmos desconcertantes revelam algo que todos conhecem muito


bem, como diz C.S. Lewis: “O ressentimento expressando-se com total
liberdade, sem disfarce, sem inibição, sem vergonha… não era preciso
disfarçar o ódio em nome do decoro social ou por temor de que alguém o
acusasse de neurose”. Esses sentimentos, por conta do pecado, estão
presentes dessa forma para apresentar orações sinceras. Ao se prestar um
louvor sincero e autêntico, é inevitável passar por esse lugar, onde residem
os nossos sentimentos mais vis.

Desta forma, se o Livro de Salmos nos ensina a orar e adorar, conectando


a nossa alma ao nosso Deus, não há como deixar de fora nenhum canto da
alma, nem os mais sujos e incômodos, pois eles são reais. Se quisermos orar
e louvar de verdade, esses cantos precisam ser expostos, então, que os
salmos cumpram esse papel.

A percepção de Lewis da questão é esclarecedora: “É extremamente


raso ler as maldições nos salmos e não ter qualquer sentimento a elas, exceto
a de horror diante da falta de compaixão dos poetas. Eles são
verdadeiramente maus. Mas também devemos pensar naqueles que fizeram
com que eles se tornassem tão maus. Seu ódio é reação a algo. Esse ódio é o
tipo de sentimento produzido graças a algum tipo de lei natural, pela
crueldade e pela injustiça. Injustiça, entre outras coisas é isso. Tire de um
homem a sua liberdade ou os seus bens e é possível que você tire dele sua
inocência, ou talvez sua humanidade. Nem todas as vítimas se enforcam.
Algumas vivem para alimentar esse ódio”.

E Lewis complementa: “A indignação é pecado, mas ao menos mostra


que aqueles que a sentem não se permitem sucumbir”. Existe um sentimento
de que “tal coisa não é justa” gravado na alma, e sua conclusão é de que “se
os judeus amaldiçoavam com mais amargura do que faziam os pagãos, em

368
Formação em Teologia

minha opinião isso era resultado, ao menos em parte, do fato de eles levarem
mais a sério”. E não devemos pensar que esses salmos estão presentes na
Bíblia apenas como uma licença poética, longe disso, eles são Palavra de
Deus por duas razões: 1) Ensinam a não maquiar a raiva e o ressentimento, e
apresentá-las de forma honesta a Deus; e 2) Advertem sobre o risco de ter a
alma inflamada pelo ressentimento e tornarse perseguidor zeloso, que usa a
justiça como pretexto para ser vingativo, irreconciliável, soberbo,
intransigente, sem afeto nem paz.

O que você procura em uma poesia?

Agora essa pergunta pode ser respondida, os versos desses salmos


chegam a nós pela poesia, usada para ministrar e nos conduzir entre
inúmeros sentimentos e experiências ruins que colecionamos ao longo da
vida, iluminar os recantos escuros que ocultam os ressentimentos e injustiças
para acender a verdade, revelando o nosso pior para poder tratar-nos. A
poesia dos salmos torna essa jornada possível e suportável.

XI Cristão sente raiva?

Nosso estudo até aqui é suficiente para mostrar que a resposta é “sim”,
o Livro de Salmos ensina nossa alma a falar a verdade, mesmo que seja
indesejada e/ou esteja escondida. A noção de justiça é enferma sem a
mediação da graça, e nos deixa enfermos; sem adoração a Deus, a nossa
percepção de justiça nos deixa raivosos.

“Alguém da multidão lhe disse: Mestre, diz a meu irmão que


divida a herança comigo. Respondeu-lhe Jesus: Homem, quem
me designou juiz ou árbitro entre vocês? Então lhes disse:
Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a
vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens."
(Lc 12: 13-15)

No texto, um homem queria apenas a sua parte da herança,


aparentemente, a necessidade dessa pessoa é justa, mas a surpresa se

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Formação em Teologia

revela em duas informações, a primeira é que Jesus acusa esse homem de


avarento, logo depois vem o versículo tão conhecido sobre ansiedade (‘’Não
andeis ansioso com coisa alguma.’’). A avareza no sentido que Jesus fala é
uma insatisfação crônica, onde estamos tão insatisfeitos que não
conseguimos ver a vida como Deus quer que vejamos.

O diagnóstico de Jesus revela o coração humano: a avareza e a


ansiedade de quem pleiteia por justiça, e não a justiça que se revela no
Evangelho. E a raiva é só o sintoma de uma busca por justiça que se perde, é
o sintoma da avareza e da ansiedade que ainda residem no coração. Então,
ensine a sua alma: Salmodiai!

XII Ética em Salmos

Quando olhamos para o Livro de Salmos, devemos ter em mente que a


ética cristã é superior à ética apresentada ali. O Cristianismo ensina a
“caminhar a segunda milha”, a amar os inimigos e a pagar o mal com o bem.
Portanto, entendese que a revelação de Deus na história é gradativa até a
consumação da obra de Cristo na cruz, e em cada período da história, o ser
humano lidava com porções daquilo que Deus revelava de si mesmo. Ao
longo dos salmos vemos que essa revelação ainda estava incompleta.

Outra coisa é que o Livro de Salmos não traz uma ética referencial e não
deve ser lido a partir dessa perspectiva. O que é mais importante que a ética?
Se a ética tem a ver com os nossos princípios, o Livro de Salmos é anterior,
está trabalhando com a substância que constrói a ética: oração, adoração e
culto. Assim, não adianta construir ética ou um padrão moral por si só, é
necessário algo que sustente a ética. E o que sustenta a ética do crente? Não
são convenções nem aparência, o que sustenta a ética do cristão não são os
padrões a obedecer, porém, antes da ética, eu preciso ser imerso na
intimidade com Deus.

O Livro de Salmos nos ajuda a remover a ética que se baseia em


expectativas carnais de padrões humanos, pois quando a alma entra em
erupção, as injustiças e dúvidas, dores e temores levantam a questão: Na
guerra o que é permitido? Como se luta? Na fome brutal, que um dia
enfrentaremos, na alma ou no corpo, como buscamos ser saciados? No luto,

370
Formação em Teologia

como esperamos ser consolados? Na alegria como devemos celebrar? Ainda


existe uma estação antes da ética ser modelada; uma relação, um gesto, um
lugar: oração, adoração e culto.

"Em troca da minha amizade eles me acusam, mas eu


permaneço em oração. Retribuem-me o bem com o mal, e a
minha amizade com ódio. Designe-se um ímpio como seu
oponente; à sua direita esteja um acusador. Seja declarado
culpado no julgamento, e que até a sua oração seja
considerada pecado. Seja a sua vida curta, e outro ocupe o seu
lugar. Fiquem órfãos os seus filhos e a sua esposa, viúva. Vivam
os seus filhos vagando como mendigos, e saiam rebuscando o
pão longe de suas casas em ruínas. Que um credor se aposse
de todos os seus bens, e estranhos saqueiem o fruto do seu
trabalho. Que ninguém o trate com bondade nem tenha
misericórdia dos seus filhos órfãos! Sejam exterminados os seus
descendentes e desapareçam os seus nomes na geração
seguinte.” (Salmos 109: 4-13)

Consegue ler esse texto sem se perder nessa encruzilhada?

XIII Estrutura de Salmos

O Livro de Salmos é dividido em 5 blocos, como se fossem vários livros,


pois “A divisão quíntupla é uma tentativa de espelhar o quíntuplo do
Pentateuco.” (Dillard e Longman III). E pensando no que estudamos
anteriormente, pode-se afirmar que existem mais salmos de lamento do que
hinos. No último bloco é onde encontramos uma predominância de hinos, e
a colocação dos hinos no último bloco já sugere uma arrumação teológica
significativa. Já a abundância de salmos de lamento, finalizados com uma
doxologia triunfante, nos leva a entender que, apesar das inúmeras
experiências de dor, a profunda alegria e o louvor hão de prevalecer no final
para o povo de Deus.

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Formação em Teologia

O primeiro bloco (salmos 1-41) trata de uma primeira comunidade do


povo de Israel, e quanto a autoria desses salmos, a maioria é atribuída em à
Davi. O objetivo nesse primeiro bloco é produzir avivamento, possivelmente o
avivamento de Josias ou Ezequias, isto é, o texto é escrito com o intuito de
reacender o relacionamento com Yahweh (como Deus é chamado nesse
bloco).

No segundo bloco (42-72), vemos já no título que são os salmos dos


filhos de Coré, e foram salmos com um papel muito especial pois foram
cantados no templo para adorar Elohim (como Deus é chamado nesse
bloco).

No terceiro bloco (73-89) são os salmos de Asafe. E no quarto bloco (90-


106), anônimo em sua maioria, o texto fala de uma segunda comunidade. Por
fim, no quinto bloco (107-150), os textos retratam outra comunidade, e são
salmos litúrgicos, usados no culto.

Mas por que um livro poético do Antigo Testamento sempre esteve


presente? A verdade é que na história da Igreja, a tradição cristã manteve o
Livro de Salmos como referência para aprendermos a orar e louvar, além de
ser um refrigério ao coração, pois os salmos também são um desabafo, é a
voz humana dirigida a Deus.

372
Formação em Teologia

Estrutura Geral

373
Formação em Teologia

374
Formação em Teologia

XIV Salmos e a Criação

O salmista é alguém que fala da natureza de uma forma muito diferente


do que é encontrado na poesia e nos textos dos povos vizinhos, pois entende
que criação e Deus são realidades distintas. Quando o Livro de Salmos ensina
que a natureza é uma coisa, e que não é sinônimo de Deus, é removida a
divindade da natureza, que volta a seu devido status de criação.

A doutrina da criação traz na poesia do salmista o ensino de como olhar


para Deus como criador, e essa percepção transforma a oração. Por outro
lado, na contra mão dessa percepção, as outras culturas, por exemplo,
ensinavam que o sol era deus e se curvavam para o sol.

O salmista, em vez de cultuar qualquer elemento da natureza, como o


mar, usa atributos do mar para exemplificar os atributos divinos, e assim a
natureza reflete a majestade de Deus, pois não aponta para si mesma, mas
para o seu criador.

XV Os Salmos e a Justiça

C.S. Lewis traça uma distinção sobre a percepção da justiça entre os


judeus antigos e os cristãos, ele diz “Os judeus antigos como nós, pensavam
no juízo de Deus em termos de uma corte de justiça terrena. A diferença é que
o cristão retrata o caso a ser julgado como uma causa criminal, com ele
mesmo sentado no banco dos réus; o judeu, por sua vez, o apresenta como
uma causa civil, na qual ele mesmo é o reclamante. Um espera não ser
condenado (...) o outro espera por um triunfo retumbante com grande
prejuízo para o inimigo”. E defender o seu direito é o que tem em mente o
salmista:

“Mas o Senhor está assentado perpetuamente; já preparou o


seu tribunal para julgar. Ele mesmo julgará o mundo com
justiça; exercerá juízo sobre povos os com retidão.” (Sl 9: 7,8)

375
Formação em Teologia

“Desperta e acorda para o meu julgamento, para a minha


causa, Deus meu e Senhor meu.’’ (Sl 35: 23)

“Pai de órfãos e juiz de viúvas é Deus, no seu lugar santo.”

(Sl 68: 5)

“Tu te levantaste para julgar, ó Deus, para salvar os oprimidos


da terra.” (Sl 76: 9)

A justiça no Livro de Salmos não é a mesma vista no Livro de Romanos:


“Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente
da lei” (3: 21). Apesar disso, é uma justiça que traz equilíbrio, protege as
relações e a sociedade. O conceito de justiça dos salmos está mais próximo
daquela que usamos em nosso dia a dia, mas ainda longe daquela que se
revelou na cruz. Essa justiça ainda esconde um perigo, ser uma máscara para
inveja e vaidade, e por essa razão o nosso desejo por justiça precisa passar
pelo filtro da oração para que possa ser purificada, ou desmascarada.

C.S. Lewis demonstra que é necessário fazer uma distinção entre a


certeza de que alguém tem razão e a convicção de que alguém é justo, a fim
de desmascarar os esconderijos da alma nessa questão, acompanhe:

“Considerando que nenhum de nós é justo, a segunda


convicção (sobre ter razão) é uma ilusão. No entanto, qualquer
pessoa pode ter certeza (...). Além disso, é possível que o pior
homem do mundo esteja certo quando confrontado com o
melhor homem do mundo (...), a confusão fatal é entre estar
certo e ser justo.”

376
Formação em Teologia

O ponto central é que o nosso desejo por justiça pode servir de


esconderijo ou de álibi para um desejo de vingança, tanto quanto as nossas
convicções e certezas podem servir de camuflagem para não usarmos de
misericórdia com quem precisa, para não perdoar, para não enxergarmos os
nossos erros, para não enxergarmos que não somos justos, e entendermos
que a nossa justiça vem de Jesus, é o Cristo.

XVI Jesus e os Salmos

No Novo Testamento, a relação entre Jesus e os salmos é direta, apenas


o Livro de Isaías consegue competir com o número de referências feitas a
Cristo. “O nosso interesse imediato recai sobre o grande número de vezes que
os autores do Novo Testamento citaram Salmos para provar a identidade de
Jesus como Messias e Filho de Deus.” (Dillard e Longman III). E o próprio Cristo
se apropriou do livro mostrando que os salmos profetizaram sobre Ele:

“A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos


falei, estando ainda convosco: importava que se cumprisse
tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e
nos Salmos.” (Lc 24: 44)

“Deus meu, Deus meu! Por que me desamparastes?” São palavras em


referência ao início do salmo 22, aqui Jesus está se apropriando do saltério
novamente. Já no Livro de Atos (4:11), Pedro cita o salmo 118, afirmando que
Jesus é a pedra angular, e alguns salmos, como o 2, 16, 22, 69 e 110, são
considerados messiânicos, apesar de possuírem um contexto relacionado ao
Antigo Testamento.

Quando entendemos a afirmação neotestamentária de que esses


salmos se cumpriram em Cristo, é preciso ter em mente a premissa da
relação entre Jesus e o salmista, não podemos esquecer que Davi é uma das
vozes principais dos salmos, e é na relação entre Davi e Jesus que devemos
entender o caráter messiânico do texto. A aliança de Deus com Davi carrega

377
Formação em Teologia

a promessa de que um filho de Davi se sentaria no trono para sempre. Vemos,


por exemplo, Lucas e Paulo atestarem essa descendência:

“[...] acerca de seu Filho, que, como homem, era descendente


de Davi.” (Romanos 1:3)

“Mas o anjo lhe disse: Não tenha medo, Maria; você foi
agraciada por Deus! Você ficará grávida e dará à luz um filho, e
lhe porá o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado
Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai
Davi, e ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó; seu reino
jamais terá fim.” (Lucas 1: 30-33)

Ainda podemos afirmar que Jesus é antecipado no Livro de Salmos por


ser o próprio Deus, se cremos que o Pai e o Filho são um, isso significa que o
louvor e súplica devem ser feitas também a Jesus Cristo. Vemos o Livro de
Hebreus apontar essa confirmação de Salmos:

“E também diz: No princípio, Senhor, firmaste os fundamentos


da terra, e os céus são obras das tuas mãos. Eles perecerão,
mas tu permanecerás; envelhecerão como vestimentas. Tu os
enrolarás como um manto, como roupas eles serão trocados.
Mas tu permaneces o mesmo, e os teus dias jamais terão fim."
(Hebreus 1: 10-12)

“No princípio firmaste os fundamentos da terra, e os céus são


obras das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permanecerás;
envelhecerão como vestimentas. Como roupas tu os trocarás e
serão jogados fora.” (Salmos 102: 25,26)

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Formação em Teologia

Se em Salmos a referência é ao Pai, em Hebreus a referência é ao Filho.


Se Salmos é um livro de orações e louvor a Deus, podemos estar seguros que
também são feitas a Jesus Cristo, nosso Senhor.

O objetivo do estudo é que o Livro de Salmos se torne um professor da


nossa alma, que as nossas emoções e expectativas sejam reconfiguradas
num lugar de adoração; que os sentimentos mais nobres e mais sombrios, os
mais simples e os mais profundos, sejam refeitos na cruz, o único e verdadeiro
altar, e que nesse lugar encontremos a graça e a misericórdia
surpreendentes. Concluímos com o comentário do reverendo Spurgeon
sobre o salmo 126: 1-3:

“A misericórdia foi tão inesperada, tão surpreendente, tão


singular, que eles só puderam rir, e riram muito; sua boca
estava cheia de riso, pois seu coração estava cheio de alegria.
Quando finalmente a língua conseguiu articular palavras, não
se contentou em simplesmente falar, mas precisou cantar, e
cantar de coração, pois estava cheio de canções. Sem dúvida,
a dor anterior aumentou o entusiasmo da satisfação; o
cativeiro lançou uma cor mais luminosa sobre a emancipação.
O povo se lembrou dessa inundação de alegria durante anos a
fio, e eis aqui o registro disso transformado em canção. Observe
o “quando” e o “foi”. O “quando” de Deus é o nosso “foi”. No
momento em que ele transforma o nosso cativeiro, o coração
sai da sua tristeza; quando Ele nos enche de graça, nós ficamos
cheios de gratidão. Fomos criados para ser como quem sonha,
mas rimos e cantamos enquanto dormíamos. Agora estamos
bem acordados e, embora mal possamos perceber a benção,
ainda assim nos regozijamos extremamente com ela.”

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Formação em Teologia

Bibliografia:

Price , Randall Manual de arqueologia bíblica Thomas Nelson/ Randall


Price e H Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro:
Thomas Nelson. 2020

William W. Klein, Robert L. Hubbard Jr., Craig L. Blomberg; Introdução à


Interpretação Bíblica; tradução Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de
Janeiro: Thomas Nelson, 2017.

Manual bíblico vida nova / Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida
Nova, 2001.

Dillard, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento / Raymond B.


Dillard, Tremper Longman III ; tradução Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida
Nova, 2006

Coelho Filho, Isaltino Gomes - Teologia dos Salmos - princípios para


hoje e sempre - Rio de Janeiro:JUERP, 2000

Lewis, C.S.; Lendo os Salmos; tradução Jorge Camargo.- Viçosa MG


:Ultimato, 2015

Spurgeon, Charles Haddon; Lendo os Salmos com Charles H. Spurgeon;


tradução: João Ricardo Morais - Curitiba/PR; Publicações Pão Diário

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LIVROS PROFÉTICOS - PARTE II

l Introdução

Vamos continuar nossa jornada pelo estudo da Palavra de Deus. Lembro


que muitas vezes uso a expressão ‘’ da minha preocupação pastoral’’, e isso
porque quando lemos algum texto, precisamos saber como essa informação
pode atingir a nossa prática pessoal, então quando me preocupo com a ideia
de Oráculo, o que estou tentando chamar de ‘’ pensamento de Oráculo’’, essa
forma de buscar o sobrenatural está muito presente no Antigo Testamento, e
vemos isso nos dias de hoje também, um ressurgimento dessa forma de se
relacionar com deus via Oráculo.

O Oráculo Hebraico é uma ‘’ quebra’’, com pensamentos de todo o povo


ao redor de Israel, pois visivelmente através da revelação de Deus para
aquele povo, esse pensamento está se destacando, se desenvolvendo de
tudo o que os povos vizinhos tinham, então se todos costumavam fazer a
mesma coisa e essa era a prática comum, de procurar de forma sobrenatural
uma resposta da divindade, agora vemos uma diferença nessa forma
profética hebraica. A diferença está na estrutura abaixo:

• A palavra é buscada pelo homem;


• A palavra é enviada por Deus;
• A descoberta de um enigma;
• Descoberta de uma missão;
• Busca de segurança pessoal;
• Choque de responsabilidade;
• Do interesse pessoal para a responsabilidade frente aos demais.

O pensamento hebraico desenvolve um senso de urgência de


responsabilidades, e isso se desenvolve de uma forma que nenhuma cultura
viu e experimentou. Lembrando que assim inicia a busca por ouvir a voz de
Deus. A revelação agora me inclui dentro da história, pois na Nova Aliança o
centro da história não é o que eu estou precisando, mas sim, a vontade do
cordeiro, temos intermediários nesse pensamento profético. Em 1 Samuel 6:2:

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‘’os filisteus chamaram os sacerdotes e os adivinhadores, dizendo: Que


faremos nós com a arca do Senhor? Fazei-nos saber como a tornaremos a
enviar ao seu lugar.’’

Aqui, estão os advindos dos Filisteus. Isaías 44:25: ‘’que desfaço os


sinais dos inventores de mentiras, e enlouqueço os adivinhos; que faço
tornar atrás os sábios, e converto em loucura o conhecimento deles.’’

Assim, temos uma série de textos que falam sobre pessoas que tentam
fazer algo mas vão por outro caminho, ora os Filisteus, ora os Babil ônicos ou
os Egípcios (também em Isaías 19:3). Essa forma de buscar resposta e buscar
a voz de Deus é contrastada o tempo todo na Bíblia. São os agoureiros, os
magos, aqueles que observam a natureza, então a Bíblia começa a condenar
fazendo a separação entre Profetas de Deus e Profetas que não são de Deus.

Vemos esses intermediários sendo a figura de anjos, de sacerdotes e a


figura dos profetas. Os profetas são aqueles que ajudam o povo a conhecer
a vontade de Deus, e os concorrentes as vezes usam métodos muito
parecidos com os profetas, mas não vão nos ajudar a conhecer a vontade
de Deus, ao contrário, irão nos atrapalhar. As vezes os métodos são muito
parecidos e nos confundimos.

Nesse momento, vários profetas recebem a palavra por um


intermediário, é como se fosse um anjo ou o profeta do profeta, podemos ver
isso em alguns textos:

• 2 Reis 1 3:4
• 2 Reis 1:15
• Zacarias 1:9-14, 2:1-13, 3:5-7, 4:1-6, 5:5, 6:5
• Daniel 8:16-26, 9:21-27.

Leia 2 Reis 1:3-4: ‘’Mas o anjo do Senhor disse a Elias, o tisbita: Levanta-
te, sobe para te encontrares com os mensageiros do rei de Samaria, e dize-
lhes: Porventura não há Deus em Israel, para irdes consultar a Baal-
Zebube, deus de Ecrom? E por isso assim diz o Senhor: Da cama, a que
subiste, não descerás, mas sem falta morrerás. Então Elias partiu.’’

384
Formação em Teologia

É importante perceber que na Antiga Aliança existe um caminho mais


complexo para termos acesso a Deus e esse caminho é tremendamente
dificultado, enquanto na Nova Aliança esse caminho é facilitado.

Vamos pensar na etimologia, ou seja, no significado das palavras, para


entender ainda mais o que o texto bíblico diz. Quando o texto se refere a
‘’profeta’’ para falar sobre aquele que traz a Palavra de Deus, ele não usa a
mesma palavra.

l Ro'eh - Vidente

A primeira palavra a aparecer é Ro´eh, e traz a ideia de ‘’vidente’’, não no


sentido que temos hoje, mas sim, no sentido de enxergar, ver o futuro, o Ro´eh
é aquele que conhece as coisas ocultas e essa figura é chamada para
resolver coisas grandes da nação, ele nunca é chamado para resolver
problemas simples, apenas questões importantes e relevantes.

Essa palavra aparece onze vezes no Antigo Testamento, ou seja, não é


uma das palavras mais usadas para falar sobre profetas. Vemos essa
palavra em 1 Samuel 9:9 se referindo ao sacerdote Samuel, que também é
um profeta. Essa palavra aparece também em 2 Crônicas 16:7-10

l Hozeh - Visionário

Vemos também a palavra Hozeh se referindo aos profetas, o sentido é


próximo ao de visionário, ela aparece dezesseis vezes no Antigo Test amento,
seu sentido se divide, sendo positivo ou negativo, pois o visionário pode ser
do bem ou do mal. Quando é um profeta nos moldes corretos, é alguém que
orienta o povo. Essa palavra aparece em 1 Crônicas 25, 5. O uso negativo dela
vemos em Miquéias 3 5:7.

l 'is' elohîm - Homem de Deus

Outra palavra é ‘’ homem de Deus’’ ou ‘’ `is ´elohîm’’, ela aparece setenta


e seis vezes, e dessas vezes, cinquenta e cinco é só em Reis. Vemos de forma
clara o uso dessa palavra em 1 Reis 20, 28 ou 2 Crônicas 25:7-9. O homem de

385
Formação em Teologia

Deus é alguém que traz a palavra com poder, um poder que transforma a
realidade, ele fala diferente, e quando fala, as coisas acontecem.

l Nabi - Profeta

Outra palavra que vemos é Nabî, aquele que tem como função básica,
comunicar a palavra, e é o que mais aparece, sendo trezentas e quinze vezes.

Existe uma relação próxima do profeta com a música, e o verbo que seria
equivalente a Nabî, pode ser definido como cantar ou dançar de forma
intensa, então a relação é muito interessante.

l Etimologia

Por que pensar na etimologia? Quando pensamos em livros proféticos


ou ministério profético, estamos falando de que tipo de profeta? Estamos
pensando naquele homem de Deus que fala com poder, em um visionário
que orienta o povo ou em um vidente que vê o futuro? Ou estamos
simplesmente pensando no Nabî que tem como função essencial, comunicar
a palavra?

Entender que a palavra ‘’ profeta’’ possui variações é muito importante


para entender os livros proféticos, quando pensamos em ‘’ profeta’’, não
pensamos em uma única coisa, mas sim, em uma pluralidade de ideias,
várias direções que caminham paralelamente.

Existe uma ênfase ora positiva, ora negativa no sentido da profecia, se


em 1 Crônicas 25:1-3 um sentido leve, suave, que aquele que profetiza
tranquiliza a consciência ao som das harpas, temos em Jeremias ou Ezequiel
uma outra palavra, não é a mesma, porém quando se profetiza, existe um
enfrentamento com a consciência do povo.

Quais as características dos profetas hoje? Os estudos nos ajudam a


entender isso. Quais são os meios de comunicação? Através da visão, o
profeta sempre inicia seu texto vendo algo e comunicando. O profeta é
profeta porque viu e falou, e isso está entranhado no ministério do profeta.

386
Formação em Teologia

O profeta possui uma visão diferente da realidade, por exemplo, se


pegarmos o livro de Amós (Amós 3:9-11), Amós confronta a consciência das
pessoas, refletindo sobre o porquê o justo é vendido por dinheiro e pobre é
trocado por um par de sandálias, então ele confronta uma sociedade que
não sabe fazer justiça e está chamando a sociedade a enxergar o que ela
não vê. O profeta então é alguém que vê o que mais ninguém vê, ele traz uma
nova leitura da realidade. O profeta é o homem da palavra.

Quando falamos sobre profeta hoje, falamos sobre dons, mas perdemos
a característica principal, que é a fala. Precisamos de profetas que não se
limitem a questão de um simples dom e entendam que o ministério profético
vai muito além disso. Ser profeta é ter algo relevante para falar sobre a
realidade e ajudar o povo a se posicionar, nossos olhos se perdem pelo nosso
pecado, pelo nosso orgulho e sofrimento, e o profeta ajuda a abrir os olhos
novamente.

Temos então as fórmulas proféticas:

• ‘’ veio a mim a palavra do Senhor ‘’ – aparece 130 vezes;


• ‘’ Disse o Senhor’’ – aparece 103 vezes;
• ‘’ Assim diz o senhor’’ – aparece 425 vezes;
• ‘’ Oráculo do Senhor’’ – aparece 365 vezes;
• ‘’ Diz o senhor’’ – aparece 69 vezes;
• ‘’ Fala o Senhor’’ – aparece 41 vezes.

O que isso significa? Que o profeta é alguém que traz uma fala, essas
expressões muitas vezes são desprezadas, mas a mensagem profética
precisa ser clara.

Vemos a chamada de Jeremias 1:4-10, ele recebe a palavra do Senhor e


aí Deus a fala: eu te formei, te consagrei e te colocarei como profeta. Deus se
apresenta como alguém que já traçou o destino profético em sua vida. No
versículo 6, Jeremias faz uma objeção: ‘’ mas eu sou só uma criança’’, e Deus
o encoraja.

387
Formação em Teologia

Quando pensamos nas vocações dos profetas, vemos que a mensagem


as vezes tem um impacto devastador na vida das pessoas. A palavra
profética não traz uma vanglória, mas sim, na maior parte do tempo, traz um
peso. A palavra profética incomoda. E por isso muitos profetas foram
assassinados pois eram mal vistos.

388
Formação em Teologia

389
Formação em Teologia

390
Formação em Teologia

Livros Proféticos: Introdução à profecia e ao ministério


profético - parte 1

Profetas - O surgimento do ministério profético ocorre


aproximadamente em 800 a.C. e está relacionado à monarquia, onde o papel
do profeta era denunciar a corrupção, tanto das lideranças quanto do povo,
e seu desvio do caminho do Senhor. Exatamente por essa característica
podemos datar o ministério profético no período pré exílico, se estendendo
por todo o período do exílio, terminando junto com o fim do exílio, e posterior
retorno à Israel.

“Nos momentos em que Israel, gravemente, se desviou para a


idolatria, Deus enviou profetas para anunciar os seus planos
para o povo. Ainda que a sua proclamação geralmente
produziu “predição” (previsões sobre o futuro), a sua atividade
principal era a “transmissão” (anúncio de julgamentos divinos
iminentes no presente ou no futuro próximo).” (Klein, Blomberg,
Hubbard Jr.)

O equívoco comum é pensar que o cerne do ministério profético é o


anúncio do futuro, ao contrário do senso comum, precisamos considerar que
o ministério profético nasce no coração de Deus, primeiramente, como um
cuidado com seu povo, isto é, um Deus que está preocupado com o caminho
que o povo tem seguido. O profeta é alguém que compartilha essa
preocupação, seja com os desvios do povo, seja a devida observância da lei,
ou a preocupação com a aliança de Deus e Sua honra, o profeta é alguém
que se ocupa com a justiça e o reino de Deus, uma preocupação
compartilhada entre Deus e profeta, como é perceptível no diálogo entre
Deus e Samuel:

391
Formação em Teologia

“E disseram-lhe: Eis que já estás velho, e teus filhos não andam


pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora um rei sobre
nós, para que ele nos julgue, como o têm todas as nações.
Porém esta palavra pareceu mal aos olhos de Samuel, quando
disseram: Dá-nos um rei, para que nos julgue. E Samuel orou ao
Senhor. E disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo
quanto te dizem, pois não te têm rejeitado a ti, antes a mim me
têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles. Conforme a todas
as obras que fizeram desde o dia em que os tirei do Egito até
ao dia de hoje, a mim me deixaram, e a outros deuses serviram,
assim também fazem a ti. Agora, pois, ouve à sua voz, porém
protesta-lhes solenemente, e declara-lhes qual será o costume
do rei que houver de reinar sobre eles. E falou Samuel todas as
palavras do Senhor ao povo, que lhe pedia um rei. E disse: Este
será o costume do rei que houver de reinar sobre vós; ele
tomará os vossos filhos, e os empregará nos seus carros, e
como seus cavaleiros, para que corram adiante dos seus
carros. E os porá por chefes de mil, e de cinqüenta; ...

... e para que lavrem a sua lavoura, e façam a sua sega, e


fabriquem as suas armas de guerra e os petrechos de seus
carros. E tomará as vossas filhas para perfumistas, cozinheiras e
padeiras.E tomará o melhor das vossas terras, e das vossas
vinhas, e dos vossos olivais, e os dará aos seus servos. E as
vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos
seus oficiais, e aos seus servos. Também os vossos servos, e as
vossas servas, e os vossos melhores moços, e os vossos
jumentos tomará, e os empregará no seu trabalho.” (1 Samuel
8:5-16)

Essa preocupação apontava na direção da relação entre a nação e seu


rei, pois, uma vez que o povo lhe devia submissão, o risco era que o rei se
corrompesse e o povo seguisse seus passos. O profeta era o atalaia que,
tanto denunciava os desvios do rei e do povo, como sinalizava o retorno à
aliança com Deus. Porém, quando pensamos no ministério profético, vemos
que a mensagem produz um impacto poderoso e significativo na vida do

392
Formação em Teologia

profeta, mas que não acontece na vida das pessoas que o ouvem. Além
disso, cada profeta e cada profecia produziram um efeito único, e por isso
estudaremos alguns padrões de profecias.

Entendendo os padrões nos livros proféticos

Profecia de Desastre:

“O gênero mais comum entre os profetas é a profecia de desastre, que


era um anúncio de um desastre iminente ou futuro, tanto para um indivíduo
como para uma nação inteira” (Klein, Blomberg, Hubbard Jr.)

Segue abaixo uma estrutura que nos serve como exemplo:

Comissão profética - geralmente,


no início das profecias encontramos "Vá encontrar-se com os
uma orientação, como “Vá e diga.”, mensageiros do rei de Samaria
e um chamado para ouvir: “Ouçam e lhes pergunte:”
esta palavra”.

“Acaso não há Deus em Israel?


Indicação da situação - que revela
Por que vocês vão consultar
a razão do desastre;
Baal-Zebube, deus de Ecrom?”

Expressão do mensageiro “Por isso, assim diz o Senhor:”

“Você não levantará mais


Predição (anúncio do que vai
dessa cama e certamente
acontecer)
morrerá.” (2 Rs 1:3,4)

Obviamente esse modelo não é fixo e encontramos muitas variações, os


autores Klein, Blomberg e Hubbard Jr. ensinam que a chave para interpretar

393
Formação em Teologia

esse tipo de profecia é encontrar a predição, as indicações de situações e


observar quaisquer outros elementos que sejam significativos.

Precatórias Proféticas - Outro tipo de profecia é a Precatória Profética,


sua estrutura é de um julgamento, o primeiro passo é uma espécie de
preliminar do processo convocando as testemunhas; o segundo passo é um
interrogatório, Deus se apresenta interrogando como juiz e acusador, no
terceiro passo recorda-se os benefícios que Deus trouxe para a vida do
acusado (e as infidelidades desse réu); o passo quatro é a declaração de
culpa; e em último lugar, o processo não termina com uma sentença
propriamente dita, ao invés disso, temos uma ameaça, no sentido de trazer
consciência e mostrar que o castigo virá sobre os que andam fora do
caminho.

Mas por que não há sentença, e sim, uma ameaça? Por um lado,
entendemos que existe “absolvição para os crimes e criminosos” em Cristo
Jesus. O profeta convida a ouvir, faz a acusação, anuncia o castigo, coloca-
nos em tribunal, chama as testemunhas, interroga e nos provoca à
consciência. No Novo Testamento, quem crê está salvo e quem não crê está
condenado, quando trazemos esse conceito neotestamentário percebe-se
que existe uma suspensão do veredito final (pena). Por outro lado, a
percepção de que existe uma ameaça é trabalho do profeta, mostrando que
a ameaça está intimamente ligada à justiça:

“...agora, pois, ouve a palavra do Senhor: Tu dizes: Não profetizes


contra Israel, nem fales contra a casa de Isaque. Portanto,
assim diz o Senhor: Tua mulher se prostituirá na cidade, e teus
filhos, e tuas filhas cairão à espada, e a tua terra será repartida
a cordel, e tu morrerás na terra imunda, e Israel certamente
será levado cativo para fora da sua terra.’’ (Amós 7:16-17)

Ler os livros proféticos é entrar em contato com palavras duras de


reprovação e ameaça, pois o juízo de Deus não pode ser ignorado.

394
Formação em Teologia

Profecia contra as nações estrangeiras - Muitas profecias foram feitas


contra as nações vizinhas, em Israel havia a tradição dos “Oráculos de
guerra”, neles o povo consultava a Deus sobre questões bélicas, recebendo
permissão e orientação de como proceder em batalha, mostrando que o
próprio Deus era o comandante militar de Israel (e por isso um dos apelidos
dEle é ‘Senhor dos Exércitos’!).

“O homem de Deus foi ao rei de Israel e lhe disse: Assim diz o


Senhor: Como os arameus pensam que o Senhor é um Deus
das montanhas e não um Deus dos vales, eu entregarei esse
exército enorme nas suas mãos, e vocês saberão que eu sou o
Senhor." (1 Reis 20:28)

Os profetas de Israel, por vezes, também utilizavam as profecias de


desastre (que já vimos anteriormente) contra os povos inimigos, esse
movimento tinha um duplo significado, por um lado, anunciar a derrota dos
inimigos, e por outro, reafirmar a Israel que Deus é quem provê sua
segurança. Veja o exemplo:

“A advertência do Senhor é contra a terra de Hadraque e cairá


sobre Damasco, porque os olhos do Senhor estão sobre toda a
humanidade e sobre todas as tribos de Israel, e também sobre
Hamate que faz fronteira com Damasco, e sobre Tiro e Sidom,
embora sejam muito sábias. Tiro construiu para si uma
fortaleza; acumulou prata como pó, e ouro como lama das
ruas. Mas o Senhor se apossará dela e lançará no mar suas
riquezas, e ela será consumida pelo fogo. Ao ver isso, Ascalom
ficará com medo; Gaza também se contorcerá de agonia,
assim como Ecrom, porque a sua esperança fracassou. Gaza
perderá o seu rei, e Ascalom ficará deserta. Um povo bastardo
ocupará Asdode, e assim eu acabarei com o orgulho dos
filisteus. Tirarei o sangue de suas bocas, e a comida proibida
dentre os seus dentes. Aquele que restar pertencerá ao nosso
Deus e se tornará chefe em Judá, e Ecrom será como os

395
Formação em Teologia

jebuseus. Defenderei a minha casa contra os invasores. Nunca


mais um opressor passará por cima do meu povo, porque
agora eu vejo isso com os meus próprios olhos. Alegre-se
muito, cidade de Sião! Exulte, Jerusalém! Eis que o seu rei vem a
você, justo e vitorioso, humilde e montado num jumento, um
jumentinho, cria de jumenta.” (Zacarias 9:1-9)

Os “Ais” - Essa interjeição tem o objetivo de apresentar uma predição


de punição divina, sendo uma expressão de ira profética diante do
comportamento pecaminoso que, por vezes, encontramos nos livros
proféticos:

“Ai de vocês que adquirem casas e mais casas, propriedades e


mais propriedades até não haver mais lugar para ninguém e
vocês se tornarem os senhores absolutos da terra. O Senhor dos
Exércitos me disse: ‘Sem dúvida muitas casas ficarão
abandonadas, as casas belas e grandes ficarão sem
moradores. Uma vinha de dez alqueires só produzirá um pote
de vinho, um barril de semente só dará uma arroba de trigo.’"
(Isaías 5:8-10)

"Ai dos assírios, a vara do meu furor, em cujas mãos está o


bastão da minha ira!” (Isaías 10:5)

“Ai de você, destruidor, que ainda não foi destruído! Ai de você,


traidor, que não foi traído! Quando você parar de destruir, será
destruído; quando parar de trair, será traído.” (Isaías 33:1)

"Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do meu


pasto! ", diz o Senhor.” (Jeremias 23:1)

396
Formação em Teologia

“Ai da cidade sanguinária, repleta de fraudes e cheia de roubos,


sempre fazendo as suas vítimas!” (Naum 3:1)

Observe abaixo a estrutura:

Declaração do Ai “Ai daqueles que planejam maldade, dos que


tramam o mal em suas camas!”

Explicação: Ofensas “Quando alvorece, eles o executam, porque isso eles


Afirmações básicas podem fazer…”

Ampliação “Cobiçam terrenos e se apoderam deles; cobiçam


casas e as tomam. Fazem violência ao homem e à
sua família, a ele e aos seus herdeiros.”

Expressão de Mensageiro “Portanto, assim diz o Senhor:”

Predição “Estou planejando contra essa gente uma desgraça,


da qual não poderão salvar-se. Vocês já não vão
andar com arrogância, pois será tempo de desgraça.
Naquele dia vocês serão ridicularizados; zombarão de
vocês com esta triste canção: ‘Estamos totalmente
arruinados; dividida foi a propriedade do meu povo.
Ele tirou-a de mim! Entregou a invasores as nossas
terras’. Portanto, vocês não estarão na assembléia do
Senhor para a divisão da terra por sorteio.” (Mq 2:1-5)

Klein, Blomberg e Hubbard Jr. sintetizam esse gênero apontando que “O


efeito do gênero literário é ressaltar o juízo como caso encerrado e por meio
do sarcasmo desencorajar qualquer sentimento de pena por parte dos
destinatários.”

Cântico Fúnebre Profético - A relação construída nesse tipo de texto


mostra que o profeta se dirige à nação de Israel como se fosse um cadáver
pronto para o enterro, revelando o futuro doloroso que vai atingir o povo:

397
Formação em Teologia

Chamado para ouvir “Ouça esta palavra, ó nação de Israel, este


lamento acerca de vocês:”

O Cântico fúnebre "Caída para nunca mais se levantar, está a


virgem Israel. Abandonada em sua própria
terra, não há quem a levante".

Expressão do Mensageiro “Assim diz o Soberano SENHOR:”

Predição "A cidade que mandar mil para o exército


ficará com cem; e a que mandar cem ficará
com dez." (Amós 5:1-3)

Disputa Profética - Do mesmo modo que estudamos no Livro de Jó, o


debate ou disputa faz parte da tradição israelita. Na disputa profética, o
profeta deseja convencer seus ouvintes a aceitar alguma verdade, tendo o
objetivo de facilitar a discussão a partir de duas ou mais perspectivas (como
padrão). Geralmente existem três partes, a primeira é afirmação ou
apresentação da tese em disputa, a segunda é afirmação do pensamento
contrário, e por último os argumentos reais em favor da tese ou conclusão
(lembre-se que esses princípios gerais podem aparecer de forma variadas):

Série de perguntas “Duas pessoas andarão juntas se não estiverem


de acordo? O leão ruge na floresta se não apanhou
presa alguma? O leão novo ruge em sua toca se
nada caçou? Cai o pássaro num laço se não há
nenhuma armadilha? Será que a armadilha do laço
se desarma se nada foi apanhado? Quando a
trombeta toca na cidade, o povo não treme?

398
Formação em Teologia

Ocorre alguma desgraça na cidade, sem que o


SENHOR a tenha mandado?” (Amós 3:3-6)

Conclusão “Certamente o Senhor Soberano não faz coisa


alguma sem revelar o seu plano aos seus servos, os
profetas.” (Amós 3:7)

Lição “O leão rugiu, quem não temerá? O Senhor


Soberano falou, quem não profetizará?” (Amós 3:8)

Note que a disputa profética tende a caminhar para uma lição que deve
ser aprendida. A tese que Amós defende é que nada acontece sem uma
causa, o que se segue é que o pecado do povo vai encontrar sua
consequência - o julgamento de Deus.

Relato de visão profética - Os profetas do Antigo Testamento eram


conhecidos como videntes, uma palavra que pode gerar equívocos, e sobre
isso, veremos mais à frente o sentido real dessa palavra, quando estudarmos
a etimologia de algumas expressões. Por enquanto, nos importa saber que
eles tinham esse nome porque “recebiam visões”, como vemos em I Samuel
9:9; Amós 1:1 e 7:12; Miquéias 3:6-7. E algumas palavras são características
desse gênero, como “ver” ou “fez ver", “e eis que”, essas palavras marcam a
realidade de que o profeta recebe uma visão da parte de Deus.

Liturgia Profética - A liturgia contém a organização do culto em forma


de texto, falado ou cantado, onde os personagens participam de forma
responsiva (um após o outro). O profeta usa a liturgia como parte de sua
mensagem. A liturgia cumpre o papel de apresentar um clamor a Deus, em
Isaías 63 vemos a liturgia acontecendo de forma responsiva, primeiro o
profeta lembra os grandes feitos de Deus no passado, e depois o povo
responde rogando por misericórdia. Abaixo, um exemplo diferente de liturgia
profética no Livro de Jeremias:

399
Formação em Teologia

Introdução “Esta é a palavra que o Senhor dirigiu a


Jeremias acerca da seca:” (Jr 14)

Descrição "Judá pranteia, as suas cidades estão


definhando e os seus habitantes se lamentam,
prostrados no chão! O grito de Jerusalém sobe.
Os nobres mandam os seus servos à procura
de água; eles vão às cisternas mas nada
encontram…”

Protesto “Embora os nossos pecados nos acusem, age


por amor do teu nome, ó Senhor! (…) Estás em
nosso meio, ó Senhor, e nós pertencemos a ti;
não nos abandones!” (Jeremias 14:7-9)

Expressão do Mensageiro “Assim diz o Senhor acerca deste povo…”


(Jeremias 14:10)

Mensagem “Eles gostam muito de vaguear; não


controlam os pés. Por isso o Senhor não os
aceita; agora ele se lembrará da iniqüidade
deles e os castigará por causa dos seus
pecados." (Jr 14:10)

Normalmente o protesto é respondido com restauração e alívio (Profecia


de salvação), porém, especialmente nesse texto, o protesto é negado por
Deus.

Como já mencionado, há um padrão em cada tipo de profecia, apesar


disso, existe flexibilidade, esse fato pode ser comprovado no texto
apresentado acima, em que conseguimos notar dois tipos de profecia na
mesma revelação. Diferente do primeiro exemplo, em Isaías 63, onde a
liturgia profética aparece de forma clara e distinta, no texto de Jeremias a
liturgia e a resposta de Deus funcionam como uma profecia de desastre.

400
Formação em Teologia

Profecia de Salvação - As profecias de salvação seguem a mesma


estrutura das profecias de desastre com a diferença de apresentarem um
conteúdo positivo, de esperança e salvação.

‘’Porém tu, ó Israel, servo meu, tu Jacó, a quem elegi


descendência de Abraão, meu amigo; Tu a quem tomei desde
os fins da terra, e te chamei dentre os seus mais excelentes, e te
disse: Tu és meu servo, a ti, escolhi e nunca te rejeitei. Não
temas, porque sou contigo; não te assombres, porque eu sou
teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a destra
da minha justiça. Eis que, envergonhados e confundidos serão
todos os que se indignaram contra ti; tornar-se-ão em nada, e
os que contenderem contigo, perecerão. Buscá-los-ás, porém
não os acharás; os que pelejarem contigo, tornar-se-ão em
nada, e como coisa que não é nada, os que guerrearem
contigo. Porque eu, o Senhor teu Deus, te tomo pela tua mão
direita; e te digo: Não temas, eu te ajudo.’’ (Is 41:8-13)

Hino Profético - Algumas vezes, para se expressar, o profeta usa o


mesmo recurso que encontramos nos salmos, os hinos, nesse caso, a
expressão de louvor está a serviço da profecia e a relação estabelecida é
entre louvor e julgamento. Dentro dessa perspectiva há duas possibilidades:

1) Expressão de louvor feita pelo profeta enquanto anuncia os juízos do


Senhor, com em Amós 4:12,13:

Juízo: "Por isso, ainda os castigarei, ó Israel, e, porque eu farei isto com
você, prepare-se para encontrar-se com o seu Deus, ó Israel.”

401
Formação em Teologia

Hino: "Aquele que forma os montes, cria o vento e revela os seus


pensamentos ao homem, aquele que transforma a alvorada em trevas, e
pisa sobre as montanhas da terra; o Senhor, o Deus dos Exércitos, é o seu
nome.”

2) O louvor a Deus pela restauração que viria depois da disciplina:

Hino: “Naquele dia você dirá: ‘Eu te louvarei, Senhor! Pois estavas irado
contra mim, mas a tua ira desviou-se, e tu me consolaste. Deus é a minha
salvação; terei confiança e não temerei. O Senhor, sim, o Senhor é a minha
força e o meu cântico; ele é a minha salvação!’ ...

… Com alegria vocês tirarão água das fontes da salvação. Naquele dia
vocês dirão: ‘Louvem ao Senhor, invoquem o seu nome; anunciem entre as
nações os seus feitos, e façam-nas saber que o seu nome é exaltado.
Cantem louvores ao Senhor, pois ele tem feito coisas gloriosas, sejam elas
conhecidas em todo o mundo. Gritem bem alto e cantem de alegria,
habitantes de Sião, pois grande é o Santo de Israel no meio de vocês.’" ( Isaías
12: 1-6)

Ações Simbólicas - O que são as Ações Simbólicas? São símbolos usados


pelos profetas para comunicar mais enfaticamente a mensagem. Oséias
casa com uma mulher de moral questionável. Em Isaías 20 o profeta anda
nu, e os nomes dos seus filhos servem como mensagem ao povo (e o profeta
tinha essa consciência):

“Aqui estou eu com os filhos que o Senhor me deu. Em Israel


somos sinais e símbolos da parte do Senhor dos Exércitos, que
habita no Monte Sião.” (Isaías 8:18)

402
Formação em Teologia

O simbolismo dos nomes reforçava a mensagem, e toda vez que o


profeta saía ao lado de seu filho, a mensagem era passada:

“Então o Senhor disse a Isaías: Saiam, você e seu filho Sear-


Jasube, e vão encontrar-se com Acaz no final do aqueduto do
açude superior, na estrada que vai para o campo do
Lavandeiro. Diga a ele: ‘Tenha cuidado, acalme-se e não tenha
medo. Que o seu coração não se desanime por causa do furor
destes restos de lenha fumegantes: Rezim, a Síria e o filho de
Remalias.’” (Isaías 7:3,4)

Sear-Jasube significa “Um remanescente retornará”. E a mesma coisa


acontece com o segundo filho:

“Então deitei-me com a profetisa, minha mulher, e ela


engravidou e deu à luz um filho. E o Senhor me disse: Dê-lhe o
nome de Maher-Shalal-Hash-Baz. Pois antes que o menino
saiba dizer ‘papai’ ou ‘mamãe’, a riqueza de Damasco e os bens
de Samaria serão levados pelo rei da Assíria." (Isaías 8:3,4)

O nome do segundo filho pode ser traduzido como ‘’Pronto para o saque,
preparado para o butim’’ ou “Ativa-se a pilhagem, apressa-te em recolher
os despojos”. Essa palavra era direcionada à Israel, que, por conta da sua
idolatria, seria derrotada e saqueada pelo rei assírio, como vemos em II Reis
15: 29; 17: 3-6.

Outro ponto interessante é que alguns teólogos afirmam que a ação


simbólica tem um eixo:

1) Instrução de YHWH para realizar a ação;

403
Formação em Teologia

2) Relato da execução;

3) Uma palavra de interpretação.

Na vida de Jeremias, por exemplo, vemos várias ações simbólicas para


comunicar a mensagem de forma dramática - o cinto de linho (13:1-11); o fato
do profeta não poder ter esposa (16:1-4); não poder comparecer em casas
de luto e em banquetes (16:5-9); a quebra do jugo no vale do filho de Hinom
(19:1-13); os canzis de madeira e de ferro (27–28); a compra da porção de
terra em Anatote (32):

“Ao analisarmos as ações simbólicas dos profetas reparamos


que o propósito primário delas era a persuasão. Através de
suas etapas características e a utilização, muitas vezes, de
ações convencionais em contextos inovadores, tais ações
tinham a intenção de provocar a audiência. Os discursos
acompanhados das ações e a interpretação divina das ações
normalmente aparentam ter uma relação com o contexto da
aliança no Pentateuco. Mais especificamente, as maldições da
aliança.” (Lucas Alamino Martins)

O ato profético é uma dramatização da mensagem, em que, segundo


Schökel, “o profeta profetiza em carne viva.”

Etimologia - Por que pensar na etimologia? Quando pensamos em livros


proféticos ou ministério profético, estamos falando de que personagem?
Estamos pensando num homem de Deus que fala com poder, alguém com
visão que orienta o povo, ou alguém que prevê o futuro? Ou estamos
simplesmente pensando em alguém que tem como função essencial
comunicar a palavra?

404
Formação em Teologia

Para se interpretar corretamente os livros proféticos é importante


entender que a palavra ‘’profeta’’ possui significados diversos, e assim,
quando ele surge não é um personagem fixo com características rígidas, mas
é dotado de várias nuances. Por exemplo, o profeta ou a profecia em 1
Crônicas 25:1-3 tem um sentido leve e suave, pois a profecia ao som das
harpas tranquiliza a consciência, porém, em Jeremias e Ezequiel, a palavra
designada para profeta ganha novos contornos, não é a mesma usada em
Crônicas, pois o profeta e a profecia trazem ao povo um enfrentamento.

Então, quais as características dos profetas hoje? Nossos estudos


podem ajudar a perceber semelhanças e diferenças daquilo que
entendemos ser um profeta na atualidade. Quais são os meios de
comunicação da profecia no A.T.? Ou ainda, como um profeta recebia a
mensagem? O profeta sempre inicia alegando que recebeu algo
(mensagem) de Deus e por isso está comunicando. Necessariamente, o
profeta é profeta porque “viu” e/ou “ouviu” por isso falou, e isso é a essência
do ministério do profeta.

Esse personagem possui uma visão diferente da realidade, por exemplo,


se pegarmos o Livro de Amós (3:9-11), ele confronta a consciência das
pessoas, refletindo sobre o estado da sociedade em que viviam e sobre
porquê “o justo é vendido por dinheiro e o pobre é trocado por um par de
sandálias.” Sua provocação mostra um país que não sabe fazer justiça, e a
denúncia do profeta é um chamado à sociedade para enxergar o que não
quer ver. Pense no profeta como alguém que vê o que mais ninguém vê, por
isso traz uma nova leitura da realidade. Pense no profeta como o homem da
palavra e da realidade.

Hoje, quando se fala sobre profetas, a conversa fica limitada pois esse
tema se restringe aos dons, perdendo a característica principal que é a “Fala
profética”. Por isso, é necessário profetas que não se limitem à questões
secundárias, focados na prioridade que é ser porta-voz de uma mensagem
divina, pois ser profeta é ter algo relevante a falar sobre a realidade e ajudar
o povo de Deus a enxergar e se posicionar. E pensando na fala de um profeta,
pode-se perceber algumas fórmulas em sua comunicação:

405
Formação em Teologia

• ‘’veio a mim a palavra do Senhor‘’ (aparece 130 vezes);


• ‘’Disse o Senhor’’ (aparece 103 vezes);
• ‘’Assim diz o senhor’’ (aparece 425 vezes);
• ‘’Oráculo do Senhor’’ (aparece 365 vezes);
• ‘’Diz o senhor’’ (aparece 69 vezes);
• ‘’Fala o Senhor’’ (aparece 41 vezes).

O profeta do Antigo Testamento faz a denúncia pela justiça, como, por


exemplo, denunciar um povo que esqueceu de exercer misericórdia
(pensando que há distinção entre ministério profético e dom de profecia), e
a etimologia da palavra nos ajuda a entender que esse ministério é clamor
por justiça, onde o clamor do profeta é um anseio pelo retorno.

A seguir, vamos analisar as principais palavras que se referem a esse


personagem:

Ro'eh (Vidente) - O vidente não tem um sentido místico como temos hoje,
mas tem o sentido de enxergar, ver o presente e suas consequências futuras
que são ocultas aos demais, e por isso, o Ro´eh é chamado para resolver
grandes ocorrências da nação e nunca para coisas simples, apenas
questões de grande relevância.

Essa palavra aparece 11 vezes no Antigo Testamento e não é uma das


mais usadas para se referir aos profetas, sendo usada em 1 Samuel 9:9
(“Antigamente em Israel, quando alguém ia consultar a Deus, dizia: ‘Vamos
ao vidente, pois o profeta de hoje era chamado vidente”). O mesmo
acontece em 2 Crônicas 16:7-10.

Hozeh (Visionário) - Também vemos a palavra “Hozeh” se referindo aos


profetas, com um sentido próximo ao de visionário, ela aparece 16 vezes no
Antigo Testamento, porém, seu sentido se divide em positivo e negativo, pois
o visionário pode ser do bem ou do mal. Positivamente, é alguém que orienta
o povo (essa palavra aparece em 1 Crônicas 25: 5 “Todos esses eram filhos
de Hemã, o vidente do rei. Esses lhe nasceram conforme as promessas de
que Deus haveria de torná-lo poderoso. E Deus deu a Hemã catorze filhos e
três filhas.”).

406
Formação em Teologia

E negativamente, como vemos no Livro de Miquéias 3:5-7 : “Assim diz o


Senhor: ‘Aos profetas que fazem o meu povo desviar-se, e que, quando lhes
dão o que mastigar, proclamam paz, mas proclamam guerra santa contra
quem não lhes enche a boca: Por tudo isso a noite virá sobre vocês, noite sem
visões; haverá trevas, sem adivinhações. O sol se porá e o dia se escurecerá
para os profetas. Os videntes envergonhados e os adivinhos constrangidos,
todos cobrirão o rosto porque não haverá resposta da parte de Deus."

'is' elohîm (Homem de Deus) - Outra expressão é ‘’homem de Deus’’, ela


aparece 76 vezes (só no Livro de Reis ocorre 55 vezes). Vemos um uso claro
dessa expressão em 1 Reis 20: 28 e 2 Crônicas 25:7-9. O homem de Deus é
alguém que traz a Palavra, com poder para transformar a realidade, pois
quando ele fala as coisas acontecem, visto que é a expressão da voz do
Senhor.

Nabi (Profeta) - Mais uma palavra usada é “Nabî ”, aquele que tem como
função básica comunicar a Palavra, sendo a mais recorrente (315 vezes) no
Antigo Testamento, pois esse termo e seu sentido são os mais comuns e
usados ao se referir à figura do profeta.

Cumprimento das Profecias


As profecias bíblicas não se limitam a predizer o futuro, e, quando se
referem ao futuro, existem muitas formas pelas quais as profecias se
cumprem. Segundo Klein, Blomberg e Hubbard Jr., esses cumprimentos são:

1. Cumprimento literal - são profecias que já tiveram o cumprimento


histórico (II Reis 7:1-2 ; Mt 16:21-27 ; Lc 19:41-44).

2. Cumprimento suspenso - aqui existe uma série de cumprimentos


incompletos que apontam para um cumprimento posterior ao próprio

407
Formação em Teologia

profeta, e ainda é possível que a relação do tempo seja alterada (Is


44:28 ; Amós 9:11-15).

3. Cumprimento histórico figurativo - existe alguma realidade histórica,


mas não se exige um cumprimento histórico preciso, observe como
Jesus aplica o texto de Zacarias 13:7, o texto diz “...fira o pastor e as
ovelhas se dispersarão.” Nas palavras de Jesus isto se cumpre com a
fuga dos seus discípulos após a sua prisão em Mt 26:31, é possível
perceber diferenças entre as palavras de Zacarias e a interpretação de
Jesus, o que nos leva a concluir que existia na profecia um sentido
figurativo (não exato nem literal).

4. Cumprimento histórico espiritual - em Amós 9:11-12 lemos a profecia


sobre a restauração da monarquia davídica, mas em Atos 15:16-17 o
apóstolo Tiago diz que o cumprimento é o acesso de crentes não
judeus ao reino de Deus.

5. Cumprimentos inesperados históricos - recebem um novo sentido ao


longo do tempo e o seu cumprimento pode ir além da profecia original.
O exemplo clássico é o servo sofredor em Isaías 52/53, ele era muito
mais que um homem de Deus e um significado novo apresenta o servo
sofredor como o próprio Deus-homem Jesus Cristo.

Consultar sobre o futuro ou conhecer a Deus?


Regularmente percebe-se um desejo no habitante do mundo antigo:
saber sobre o futuro. É curioso ver como o ser humano começa a desenvolver
técnicas para isso, por um lado temos o poder de Deus de revelar o futuro aos
seus servos, e pelo outro existe a tendência humana em desenvolver
métodos para que isso aconteça, sem pensar nas consequências. Criar e
confiar em métodos está no cerne da idolatria.

408
Formação em Teologia

A revelação é progressiva, e, no surgimento do ministério profético, a


profecia e a adivinhação não tinham fronteiras muito claras. O desejo de
quem tem o coração contrito, de ouvir a voz de Deus, é bem distinto de
curiosidade, manipulação e presunção de quem quer dominar poderes
espirituais, mas apesar disso, esses dois trilharam caminhos muito parecidos,
no texto a seguir percebemos que os babilônios tinham o costume de
consultar o fígado de um animal para tomar decisões:

“Pois o rei da Babilônia parará no local donde partem as duas


estradas para sortear a escolha. Ele lançará a sorte com
flechas, consultará os ídolos da família, examinará o fígado.”
(Ezequiel 21:21)

“E Eliseu lhe disse: ‘Traga um arco e algumas flechas’; e ele


assim fez. ‘Pegue o arco em suas mãos’, disse ao rei de Israel.
Quando pegou, Eliseu pôs suas mãos sobre as mãos do rei e lhe
disse para abrir a janela que dava para o leste e atirar. O rei o
fez, então Eliseu declarou: ‘Esta é a flecha da vitória do Senhor, a
flecha da vitória sobre a Síria! Você destruirá totalmente os
arameus, em Afeque.’" (2 Reis 13:15-17)

Observe nos textos acima que os instrumentos usados para consultar o


futuro são estranhos, no texto de Ezequiel o ímpio rei babilônio usou flechas,
ídolos e um fígado, no texto de Reis o profeta do Senhor usou flechas. Como
se percebe, por vezes, a forma de consultar se assemelhava, entretanto, o
coração de místicos e profetas eram diferentes.

No livro de Oséias encontramos mais um objeto curioso que era usado


para consultar (sobre) o futuro: um bastão (ou uma vara de madeira):

409
Formação em Teologia

“O meu povo consulta o seu pedaço de madeira, e a sua vara


lhe dá resposta; porque um espírito de prostituição os enganou,
eles, prostituindo-se, abandonaram o seu Deus.” (Oséias 4:12)

No Antigo Testamento, percebemos que o ser humano já tinha uma


preocupação com o futuro, e, ao buscar maneiras de prevê-lo, o habitante
do mundo antigo se deparou com um padrão simples e direto de respostas:
‘’Sim” ou “Não’’, exemplificando, quando um povo queria fazer guerra contra
outra nação, consultava os oráculos para saber se deveriam, ou não,
guerrear:

Pergunta: Subiremos para lutar contra os filisteus?

Resposta do oráculo: Sim.

Pergunta: O Senhor irá conosco?

Resposta: Sim.

Vemos esse raciocínio até mesmo entre os sacerdotes, podemos ver o


uso de um conjunto de objetos especiais, chamados “Urim e Tumim”, que
eram pedras (runas) colocadas nas vestes sacerdotais para consultar a
Deus em questões difíceis de discernir naturalmente, e provavelmente essas
pedras forneciam respostas diretas às circunstâncias apresentadas,
também “Sim” ou “Não”:

“Apresentar-se-á perante Eleazar, o sacerdote, o qual por ele


consultará, segundo o juízo do Urim, perante o Senhor; segundo
a sua palavra, sairão e, segundo a sua palavra, entrarão, ele, e
todos os filhos de Israel com ele, e toda a congregação.”
(Números 27:21)

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Formação em Teologia

“Consultou Saul ao Senhor, porém o Senhor não lhe respondeu,


nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas.” (1 Samuel
28:6)

Entre muitas outras, podemos acrescentar algumas formas de se


consultar o futuro usadas na antiguidade:

Oniromancia: interpretação de sonhos.

Necromancia: consulta de mortos (fortemente condenada pelo texto


bíblico).

Oráculos: como Urim e Tumim (e outros, desaprovados por Deus, como


bastão de madeira, árvores, fígado de animais, entre outros).

Uma das grandes questões do mundo é “Para onde a humanidade está


indo?”. As pessoas sempre buscaram por elementos e fórmulas para obter
um conhecimento do futuro, e até mesmo Deus permitiu e usou isso (em
respeito à limitação e ignorância humana de épocas remotas). Sendo assim,
as circunstâncias e objetos estranhos nesses processos não podem, nem
devem, ser entendidos de forma mística, foram apenas um jeito didático
usado por Deus para que a comunicação fosse efetiva, num período em que
o entendimento e a relação do ser humano com o divino era muito nova e
infantil e ainda subdesenvolvido. Repetir tais métodos hoje, como flechas,
runas e varas, é absolutamente artificial, estéril e idólatra, além disso, Deus
decide como se revelar e o que vai revelar, e não é uma escolha humana.
Sobretudo, hoje, Deus escolheu se revelar através do Seu Filho:

“Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras


aos nossos antepassados por meio dos profetas, mas nestes
últimos dias falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu

411
Formação em Teologia

herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez o universo.”


(Hebreus 1:1,2)

A Bíblia é muito mais que um oráculo, é relacionamento! No oráculo,


apenas recebemos informações sobre o futuro, porém nossa mentalidade ao
ler as Escrituras precisa estar de acordo com o que nos ensina o escritor de
Hebreus pois no passado, a mentalidade de oráculo perguntava “O que vai
acontecer?”, mas, quando lemos a Palavra de Deus, a pergunta deve ser
“Quem o Senhor é?”, para conhecê-lo e prosseguir em conhecer.

412
Formação em Teologia

Bibliografia:

Price , Randall Manual de arqueologia bíblica Thomas Nelson/ Randall


Price e H Wayne House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro:
Thomas Nelson. 2020

William W. Klein, Robert L. Hubbard Jr., Craig L. Blomberg; Introdução à


Interpretação Bíblica; tradução Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de
Janeiro: Thomas Nelson, 2017.

Manual bíblico vida nova/ Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy
Yamakami. Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida
Nova,2001.

Dillard, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento / Raymond B.


Dillard, Tremper Longman III ; tradução Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida
Nova, 2006

SCHÖKEL, L. A. Profetas. Madrid, ES: Ediciones Cristandad, v. 1, 1980

MARTINS, Lucas Alamino Iglesias- ENCENAÇÃO E MALDIÇÃO: A RELAÇÃO


ENTRE AS AÇÕES SIMBÓLICAS DOS PROFETAS DA BÍBLIA HEBRAICA E A ALIANÇA;
Revista Vértices No. 18 (2015) Departamento de Letras Orientais da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

413
Formação em Teologia

414
Formação em Teologia

415
Formação em Teologia

LIVROS PROFÉTICOS - PARTE IV

Introdução

Nessa parte, faremos a conclusão dos Profetas Maiores e Profetas


Menores, lembrando que optamos por escolher um profeta maior e um
profeta maior, Isaías e Malaquias, pois existe uma continuidade e um
encaixe entre esses dois profetas, e agora faremos uma visão geral de
todos os profetas.

Lembrando que ‘’maior e menor’’ não é no sentido de importância,


mas sim, no sentido de quantidade de registros. São 12 profetas
menores e 5 maiores.

Miquéias

Vamos iniciar (não necessariamente em ordem cronológica) com


uma visão geral sobre esses profetas, iniciando com Miquéias, ele é
contemporâneo de Isaías, Miquéias tem uma linguagem dura, ele
prega contra o latifúndio, contra a justiça corrompida, a violência dos
poderosos, explicando que existe uma justificativa espiritual para essa
conjuntura social desastrosa que o povo vive. Esses erros sociais
possuem uma explicação espiritual, o povo vive um grande
crescimento econômico, mas ao mesmo tempo, o povo gemia por
dificuldades econômicas.

Lembrando então, que ele está combatendo a postura de um


povo que vive muitos benefícios. É importante perceber a veia política
que os profetas têm, política no sentido de lutar e perceber o que está
deformado na sociedade e agir como homem de Deus.

O profeta nos traz denúncias de pecado, a tarefa do profeta não


era muito agradável, pois ele denuncia, dificilmente olharemos com
bons olhos para alguém que nos denuncia, o profeta precisa ser
compreendido nesse contexto como alguém que traz denúncia sobre
os pecados da Igreja, então, quando pensamos em ministério Profético,

416
Formação em Teologia

precisamos entender que a essência do ministério é daquele que


realmente percebe como a Igreja se desvia e a coloca no lugar.

Mais uma vez, o profeta Miquéias é contra a exploração dos


pobres, a falsa religiosidade, a fé fingida, e no meio de tanta hipocrisia
nessa falsa religião, o respeito ao próximo não existe, é apenas
fingimento.

A profecia que Miquéias traz é que a postura de injustiça terá


consequências e o cativeiro será a punição para um povo que não se
preocupa com justiça e nem em tratar de forma misericordiosa seu
semelhante.

Vemos então Judá sendo arrasada pela Síria, a destruição de


Jerusalém e a ascensão da Babilônia, são essas marcas que
aparecem quando vemos a profecia de Miquéias. Ele fala também que
após toda a confusão e tragédia, (o profeta é muito trágico e
dramático).

Miquéias começa a profetizar que o Messias virá. Miquéias 7:7: ‘’Eu,


porém, olharei para o Senhor; esperarei no Deus da minha salvação; o
meu Deus me ouvirá.’’ Isso mostra uma expectativa em que mesmo no
drama, o Senhor traz o juízo e Salvação.

Obadias

Vamos para Obadias, um profeta pouco conhecido, você lembra


da última mensagem que ouviu sobre ele? Obadias tem um cenário
um pouco diferente, pois a maioria dos profetas profetizam contra
nações inimigas onde a profecia maior recai sobre o próprio povo, em
Obadias, vemos de forma muito violenta, uma profecia contra Edom,
os inimigos de Israel, existe uma ideia de que eles ultrapassaram a sua
linha, existe um peso profético mais forte contra os inimigos de Deus,
Obadias é aquele que vai falar do dia do Senhor: ‘’o dia do Senhor vai
vir’’, todos os profetas falam contra injustiça e pecado, mas todos eles
anunciam uma salvação que virá um dia, e esse dia traz uma ideia
muito forte referente a salvação e juízo.

417
Formação em Teologia

Nessa palavra profética contra Edom, precisamos pensar que é


errado se alegrar com a desgraça dos nossos inimigos, o orgulho
humano é inútil, não adianta se orgulhar porque ele caiu, pois na
mesma medida que nosso inimigo se orgulha com a nossa queda e
recebe punição, devemos cuidar do nosso coração para esse orgulho
não existir. A vitória do Senhor é uma âncora para que permaneçamos
firmes com alegria e esperança em nossa jornada, pois o dia do Senhor
vai vir e tudo se encaixará perfeitamente, que a certeza da vinda do dia
do Senhor, produza em nós uma firmeza de continuar com Cristo.

Sofonias

O próximo profeta é Sofonias, ele está localizado entre dois


grandes avivamentos, e ajuda esse processo a acontecer. Houve um
grande avivamento na época do Rei Ezequias e o outro, na época do
Rei Josias, ou seja, Sofonias viveu no meio desses dois, ele foi quem
Deus usou para que esse segundo avivamento acontecesse, foi ele
quem ajudou.adianta se orgulhar porque ele caiu, pois na mesma
medida que nosso inimigo se orgulha com a nossa queda e recebe
punição, devemos cuidar do nosso coração para esse orgulho não
existir. A vitória do Senhor é uma âncora para que permaneçamos
firmes com alegria e esperança em nossa jornada, pois o dia do Senhor
vai vir e tudo se encaixará perfeitamente, que a certeza da vinda do dia
do Senhor, produza em nós uma firmeza de continuar com Cristo.

Oséias

Agora, falaremos sobre o livro de Oséias, ele é um profeta mais


conhecido, é um texto que foi escrito aproximadamente em 753 ou 793
a.C, e ele pega os reinados de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, no reino do
Norte de Jeroboão, ele é um profeta incomum, e existe uma analogia
do relacionamento entre homem e mulher sobre um casamento para
revelar aos olhos do povo como Deus via seu relacionamento com o
povo, então ele constrói o casamento entre um profeta e uma
prostituta fazendo uma analogia da aliança do povo com seu Deus.

418
Formação em Teologia

O profeta tem alguns filhos, alguns são legítimos, outros são filhos
da prostituição, vemos então uma grande confusão em família, onde
os filhos, o pai e a esposa estão envolvidos, tudo isso para mostrar a
tensão que existe no relacionamento de Deus com seu povo, mas de
uma forma muito peculiar, apesar de Deus revelar a gravidade da
traição desse povo, é nítido a vontade de Deus de trazer esse povo para
a perto, apesar das suas prostituições. Deus é um Deus que revela de
forma dramática a verdade do seu povo, ele não esconde e não alivia
nada, mas depois desse anuncio, existe um movimento impressionante
de trazer de volta, o povo é acusado de injustiça e traição, mas sempre
existe um plano da parte de Deus, e quando vemos o livro do profeta
Oséias, existe um plano de Deus para trazer aquele coração mais
rebelde, que é o mais traidor de todos, para perto, ao longo do livros
vemos o massacre ocorrido anos antes, as profecias do arco quebrado,
a ideia de um objeto de valor que foi destruído, esse relacionamento
de adultério entre o profeta e uma prostituta precisa ser entendido
como Deus enxergava o relacionamento dele com o povo.

Joel

O próximo livro é o de Joel, que é bem conhecido, nele existe a


promessa do derramamento do espírito, e ao mesmo tempo existe a
profecia de julgamento das nações, lembre-se que sempre existe um
contraste entre juízo e promessa, não podemos fazer nunca essa
separação. A palavra de correção sempre está junto de uma palavra
de consolo.

Amós

O livro de Amós traz a ideia de que para a nossa adoração fazer


sentido para Deus, ela precisa ter essência de justiça. Justiça social é
uma forma de adorar a Deus, se eu quero ser alguém que adora a Deus,
tenho que saber o que é justiça.

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Formação em Teologia

Jonas

Jonas é um profeta que tem uma essência missionária, de levar a


palavra de arrependimento, mas ele mesmo tem que aprender sobre
arrependimento antes de pregar essa palavra, pois ele conhece o povo
de Nínive, sabe que o povo é duro e tem uma expectativa de ver o povo
perecer. Vemos uma relação muito importante no livro de Jonas, que
quem quer pregar arrependimento, precisa antes de tudo, conhecer o
que é misericórdia.

Aqueles que tem chamado missionário, são chamados a fazer


missões pois a misericórdia do Senhor impactou o coração de forma
poderosa. O chamado profético no livro de Jonas, é um chamado para
um profeta que perdeu a misericórdia, para reencontrar ela e para que
seu chamado missionário faça sentido. Aquele que quer ser profeta e
levar essa mensagem de arrependimento, precisa ser alcançado pela
misericórdia.

Naum

O livro de Naum fala sobre como a tolerância de Deus tem limites,


dá a ideia de que o tempo para nos apropriarmos do perdão das
promessas é agora, não significa que isso ficará de forma indistinta,
existem consequências, existe fim e precisamos aproveitar.

Habacuque

O livro de Habacuque é conhecido, e sua frase muito conhecida é


‘’o justo viverá pela fé, ainda que a figueira não floresça...’’, a ideia de
que mesmo que não dê certo, eu vou continuar confiando no Senhor.
Habacuque sobe no alto de uma torre esperando a resposta e ela vem
de forma imprevisível, vem de um povo inimigo para fazer justiça, e
quando Deus revela essa justiça de forma improvável, mais uma vez
ele nos chama a entender que a justiça que devemos experimentar,
vem pela fé.

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Formação em Teologia

Ageu

O profeta Ageu é um profeta que chama para uma retomada ao


compromisso de Deus, um povo que esqueceu de fazer a sua parte,
então Ageu é um profeta que chama essa volta.

Zacarias

Zacarias é um profeta Messiânico, um dos grandes profetas que


apontam para Cristo dizendo que ele virá.

• Temos então esse grupo de profetas menores sempre


trazendo uma linha muito consistente. Todos eles passam
pela mesma questão sobre justiça e brigam por ela. O
ministério profético fala de um povo que não está
cumprindo a sua parte da aliança e fala das consequências
desastrosas que essa quebra da aliança, traz a esse povo.

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Formação em Teologia

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Livro de Isaías - o Evangelho do Antigo Testamento


O profeta Isaías viveu numa época em que Judá estava
mergulhada em apostasia, desigualdade social e confusão religiosa, o
que fez Isaías profetizar a queda de Israel diante dos assírios. O livro fala
sobre governantes que reconheceram a ajuda de outras nações, mas
que desprezaram ao Senhor, contribuindo para o desvio espiritual do
povo. Isaías também é chamado de profeta evangelístico por abordar
a obra redentora do Messias, que Deus providenciaria por causa do
distanciamento da nação. O Livro de Isaías é o que mais faz referências
a Cristo em todo o Antigo Testamento, e nos ensina que Deus deseja
perdoar o seu povo e apagar suas transgressões através do verdadeiro
arrependimento:

• Condenação de Judá
• Cativeiro
• O sinal do Messias
• Juízos sobre diversas nações
• A grandeza de Deus
• A salvação que vem do Messias
• O plano de Deus é trazer Paz
• A glória de Israel no reino milenar

No Livro de Isaías, uma das primeiras informações é a morte do rei


Uzias. Isaías tem cerca de 20 anos, está na corte, é próximo ao rei e faz
parte de um grupo de pessoas com prestígio político, ele vive o melhor
do reino quando o óbito deixa o trono vazio, e nesse vácuo de liderança,
alguém precisa se posicionar. É nesse momento que o chamado de
Isaías acontece, na falta de uma referência, no entanto para isso, Isaías
precisa de uma experiência de santidade com Deus, o que só acontece
depois de uma real experiência de pecado, pois alguém que não
entende a gravidade de seus pecados não terá uma experiência real
de santidade, algo sério e inegociável para o Deus santo.

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Formação em Teologia

A experiência de santidade de Isaías (tão necessária a todo


cristão) começa com um ‘’Ai de mim’’, e não com “Ai dos outros’’.
Porém, para muitos, a santidade está relacionada à roupa adequada,
frequência em reuniões e obediência de protocolos, e quando a igreja
começa a falar de santidade, a tendência é falar do “outro”, mas um
ministério profético autêntico começa com um ‘’Ai de mim que sou
pecador’’. Sem essa consciência o ministério profético está fadado a
se corromper. E sendo assim, a consciência do pecado (junto da
necessidade do castigo e da esperança de salvação) faz a base do
Livro de Isaías. Profeta messiânico: O profeta Isaías fala sobre
seriedade e o significado de um Deus santo, e, mesmo falando da
necessidade de castigo, ele aponta para uma esperança, o Messias, e
esse novo elemento faz de Isaías o profeta messiânico, pois a presença
dessa salvação pode ser percebida no livro inteiro, uma redenção até
para um povo como Israel, que ainda não sabe viver fora da idolatria.

A nomeação dos filhos de Isaías dá pistas sobre o futuro e sobre o


que fazer no presente, pois esses nomes são simbólicos e carregam a
essência da mensagem do profeta. Um deles é Sear-jasube, que
significa ‘’Um resto há de voltar’’; e o outro é Maher-shalal-hash-baz,
que significa “Pronto para o saque”. Os nomes fazem parte de inúmeros
avisos, anúncios e condenações que revelavam o juízo divino sobre
Israel e a sobrevivência de um remanescente fiel, isto é, somente uma
parcela pequena, porém leal ao Senhor seria salva. Além disso,
pensando na nova aliança, o remanescente é a igreja.

A denúncia de Isaías serve para sacudir a consciência de Israel,


que está quebrando a aliança, e perceber que a situação é pior do que
eles imaginam, e a acusação não poupa nem o rei que, entre outras
coisas, está com medo de uma ameaça de invasão, vemos isso em
Isaías 7:2, onde a mensagem do profeta é direta: Se você não crer, não
vai sobreviver! De fato, a circunstância de um ataque iminente foi
usada por Deus para ministrar à nação, visto que o medo do ataque
ou, vai gerar quebrantamento e arrependimento para a redescoberta
da fé e restauração da comunhão com Deus, ou esse medo criará
novas alianças duvidosas, com povos estranhos ao Senhor, que
aproximaram Israel da idolatria. A advertência de Isaías não deixa

425
Formação em Teologia

ninguém de fora, e sua batalha não é uma luta contra o medo somente,
pois, por mais que estejamos falando de um Deus que está
reivindicando justiça, essa justiça não quer simplesmente destruir, ela
chama o país para um conserto, e só sobrevive quem crê.

Agora vamos ao capítulo 57, em que Isaías faz um desenho da


idolatria do povo:

‘’Perece o justo, e não há quem considere isso em seu


coração, e os homens compassivos são recolhidos, sem
que alguém considere que o justo é levado antes do mal.
Entrará em paz; descansarão nas suas camas, os que
houverem andado na sua retidão. Mas chegai-vos aqui,
vós os filhos da agoureira, descendência adultera, e de
prostituição. De quem fazeis o vosso passatempo?...

...Contra quem escancarais a boca, e deitais para fora a


língua? Porventura não sois filhos da transgressão,
descendência da falsidade, que vos inflamais com os
deuses debaixo de toda a árvore verde, e sacrificais os
filhos nos ribeiros, nas fendas dos penhascos? Nas pedras
lisas dos ribeiros está a tua parte; estas, estas são a tua
sorte; sobre elas também derramaste a tua libação, e
lhes ofereceste ofertas; contentar-me-ia eu com estas
coisas?’’

E no capítulo anterior, Isaías chega a acusar os atalaias de


sentinelas cegos (56:10), o profeta busca avisar do caminho errado
pois, aqueles que eram responsáveis por vigiar, não enxergaram o caos
em que o povo se meteu, afundando-se em injustiça e idolatria. Ainda
no capítulo 56 vemos que a misericórdia virou ídolo e se entende que
a bênção de ontem pode se tornar o ídolo de amanhã, como o ouro

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Formação em Teologia

egípcio que Israel recebeu no êxodo, mas que transformou em um


bezerro de ouro e que os atalaias cegos não viram.

Voltando ao capítulo 57, vemos a importância de alguns lugares


de culto nesse período da história, são eles: carvalhos, ribeiros e
montes. São lugares onde os patriarcas viveram experiências incríveis
com Deus e onde foi revelada a idolatria do povo. A cama da
prostituição apareceu no lugar do culto, isto é, o povo adulterou contra
Deus no lugar do culto, profanando a promessa ao usar elementos da
terra (ribeiros, carvalhos, colinas). E para entender a força dessas
ações é necessário perceber que há uma diferença entre o
pensamento judeu e cristão referente ao favor de Deus. O
entendimento hebreu vê o favor divino se expressar na terra prometida
- uma benção material, visível e palpável. Enquanto a mentalidade
cristã reconhece o favor de Deus na cruz de Cristo. Portanto,
entendendo que o ministério profético aponta uma continuação, o
conserto da aliança que Isaías profetiza significa voltar à essência da
cruz.

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ISAÍAS - Parte 02

Capítulo 53

Este capítulo talvez seja o que melhor retrata o Messias, trazendo


a ideia do servo sofredor, mas o povo só consegue vê-lo como aquEle
que resolverá os seus problemas. Quando o livro chega ao capítulo 57
vemos a enorme calamidade, de um lado o adultério e idolatria do
povo, e do outro, a justiça e santidade de Deus, resultando num choque
e afastamento, que é a causa da ruína de Israel, mas algo que a nação
não entende pois vê como sendo erros do Senhor, e não dela. O povo
passa a projetar seus pecados em Deus, e não vê que são eles mesmos
que fecham os ouvidos, encolhem a mão e desviam o olhar; é o próprio
povo que ignora o irmão, não protege o órfão e desampara a viúva.
Contudo, Isaías mostra que, mesmo assim, o juízo de Deus está a
serviço da salvação.

Capítulo 59

A idolatria produziu egoísmo, e o povo não faz mais o que foi


estabelecido na lei, criando uma ruptura profunda entre Deus e Israel.
Assim, a separação de Deus não é sinal de impotência dEle, ou de que
Ele está ocupado ou é insensível, porém, é sinal do pecado
generalizado da nação. Do mesmo modo, quando acontece um
afastamento entre nós e Deus, podemos ser tentados a pensar igual,
mas esse capítulo busca nos trazer a consciência de que a
responsabilidade é nossa. Logo, se nos sentimos desprotegidos, é
porque fugimos do abrigo; se nos sentimos inalcançáveis, é porque
soltamos a mão do nosso Pai; se não reconhecemos o nosso Deus, é
porque fizemos um retrato errado dEle; e se sentimos que o Senhor já
não nos ouve, é porque o pecado cortou a ligação, e isso é nossa
responsabilidade. É disso que se trata o capítulo 59, um diagnóstico de
Israel.

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Por conta da vaidade, eles confiam que podem contornar a


situação usando os próprios meios, e de forma carnal criam
alternativas fora de Deus, por isso se tornam injustos, frios, cruéis e
idólatras, pois a maldade reina onde Deus não está:

''Eis que a mão do SENHOR não está encolhida, para que


não possa salvar; nem agravado o seu ouvido, para não
poder ouvir. Mas as vossas iniquidades fazem separação
entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem
o seu rosto de vós, para que não vos ouça.’’ (Is 59:1,2)

“As suas teias não prestam para vestes nem se poderão


cobrir com as suas obras; as suas obras são obras de
iniquidade, e obra de violência há nas suas mãos. Os
seus pés correm para o mal, e se apressam para
derramarem o sangue inocente; os seus pensamentos
são pensamentos de iniquidade; destruição e
quebrantamento há nas suas estradas. Não conhecem o
caminho da paz, nem há justiça nos seus passos; fizeram
para si veredas tortuosas; todo aquele que anda por elas
não tem conhecimento da paz. Por isso o juízo está longe
de nós, e a justiça não nos alcança; esperamos pela luz, e
eis que só há trevas; pelo resplendor, mas andamos em
escuridão.” (Is 59:6-9)

Israel se tornou uma nação onde ninguém praticava a justiça, e


assim, o amor foi contaminado pois sua base é a justiça, e sem ela, o
amor em todas as relações ficou contaminado, fazendo ruir toda a
sociedade israelita, e em sua idolatria, transformaram o amor em algo
que não sustenta (pois não tem sustentação), algo menor, um simples
desejo. O final do capítulo diz que o Senhor virá e se revelará como juiz
e redentor, e termina dizendo que Ele não esqueceu do seu conserto e

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Formação em Teologia

permanece fiel a Sua palavra para fazer o necessário, apontando para


a cruz de Jesus Cristo, onde veremos o auge de Sua justiça e amor.

Capítulo 60

O capítulo 60 começa com uma afirmação gloriosa, “Levanta-te,


resplandece, pois tua luz é chegada...”. Os ‘’Ais” de condenação já
foram pronunciados e fazem parte de uma linguagem profética com
peso de juízo. A idolatria foi exposta e já foram reveladas a traição do
povo e os falsos deuses no culto, e a repreensão foi dada. Depois disso,
Deus passa a liberar promessas pacíficas sobre o Israel remanescente
que está por vir; Após as duras repreensões aos seus filhos, lindamente,
o Senhor os consola com promessas de bênção, para que essa nação
que antes era manchada pelas trevas e atravessada pela escuridão,
torne-se o farol do mundo que será luz para todas as nações.

Capítulo 61

Depois da destruição de Israel, causada por ela mesma, Deus


promete restauração. Uma profunda e abrangente reedificação (das
pessoas e lugares). Começando pelas pessoas, a restauração da
esperança, saúde, liberdade, alegria, justiça, santidade e paz. Tendo o
povo restaurado, a promessa se volta para a terra, plantações e
rebanhos, casas e cidades, tudo que foi destruído será refeito para que
as pessoas, os lares e o país tenham novamente beleza e expressem,
com honra e louvor, a glória de Deus.

O Senhor fez essa promessa pois sempre que há destruição surge


a necessidade de reconstrução, e para isso é que existe a “unção”,
sempre que ela aparece na Bíblia é para a capacitação numa tarefa
específica. E para restaurar o país e o povo (e o mundo!) Deus
levantará Jesus (as palavras “Cristo” e “Messias” significam “ungido”!),
e Ele irá além, pois foi capacitado também, para restaurar o mundo e
a humanidade, assim como foi ungido para consertar as pessoas em
ruína.

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Livros Proféticos: Isaías - parte 03

Capítulo 62

O Senhor parou de falar com Israel pois a conversa havia ficado


impossível, Ele se calou simplesmente porque o povo não queria ouvi-
lo, mas o capítulo começa com uma declaração de amor, esse amor
fará Deus romper o silêncio, e esse amor fará Deus dar-lhe um novo
nome, um nome que simboliza o reencontro. E, se antes Israel era
conhecida como “Abandonada” e “Desolada”, seu novo nome será
“Hefzibá”, que significa “deleite, prazer”, e passará a ser conhecida
como “Procurada”.

Ao longo da Bíblia Deus mudou o nome de muitas pessoas, com


isso Ele estava mudando a identidade daquela pessoa (essência,
natureza, caráter e destino), e a identidade corrompida de Israel, vista
nos capítulos anteriores, foi anulada e substituída, e a antiga Sião (que
simboliza a lei) e outrora Jerusalém (que simboliza templo e culto)
terão outro nome - agora sua terra se chamará “Beulá” (que significa
“casada”), e seu nome será Hefzibá, que era o nome da esposa do rei
Ezequias, então, Deus está tornando Israel a primeira dama e noiva, ou
seja, após a restauração (Is 61) Israel está pronta para a aliança. E sob
um novo nome Seu povo poderá celebrar. Como no Livro de Apocalipse
(2:17):

“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas:


Ao que vencer darei eu a comer do maná escondido, e
dar-lhe-ei uma pedra branca, e na pedra um novo nome
escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o
recebe.”

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Capítulo 64

Começando com uma exclamação: ‘’Oh! Se fendesses os céus, e


descesses, e os montes se escoassem de diante da tua face...’’. É um
suspiro do profeta que grita para que o consolo venha logo e a guerra
acabe, um movimento de cima para baixo, de Deus encontrando o
homem e mudando a sorte de seu povo. O profeta repete o que Deus
falou (“Por amor a Sião eu não me calarei”), e o grito dele é um eco da
voz de Deus:

“Como o fogo abrasador de fundição, fogo que faz ferver


as águas, para fazeres notório o teu nome aos teus
adversários, e assim as nações tremessem da tua
presença! Quando fazias coisas terríveis, que nunca
esperávamos, descias, e os montes se escoavam diante
da tua face. Porque desde a antiguidade não se ouviu,
nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu
um Deus além de ti que trabalha para aquele que nele
espera.” (Is 64:2-4)

Capítulo 65

O capítulo começa com uma ironia, aqueles que não buscavam a


Deus, encontraram-No, e os que buscavam, desapareceram. Uma
outra tradução da Bíblia diz: “Os que buscavam a Deus estão sentados
no cemitério inventando uma religião.” Mostrando que aqueles que
deveriam invocar o nome do Senhor se perderam em algum lugar
buscando mistérios. O profeta cria uma imagem vívida: Deus de mãos
estendidas e braços abertos, esperando o dia todo, interessado em Seu
povo, mas o povo vira as costas para Ele para buscar os próprios
pensamentos e acendem a ira de Deus:

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Formação em Teologia

“Povo que de contínuo me irrita diante da minha face,


sacrificando em jardins e queimando incenso sobre
altares de tijolos.” (Is 65:3)

Novamente o remanescente é mencionado ao longo do capítulo,


lembre-se dos nomes dos filhos de Isaías (“O restante voltará”),
lembrando que um grupo fiel será alcançado pela promessa.

Capítulo 66

O último capítulo inicia com a grandeza de Deus, cujo trono é o


céu, mostrando que é impossível medi-Lo. Esse Deus imensurável
direciona o Seu olhar para os humildes, contritos e tementes. Outros
não irão desviar a Sua atenção com ofertas, nem com incenso ou
sacrifícios, pois agora o Senhor está atento aos pequenos da terra, e
lhes dará nova terra e céu.

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Livros Proféticos - Malaquias (parte 01)


O exílio babilônico durou 70 anos, e aconteceu por volta de 400
anos a.C. O profeta Malaquias atuou num ponto significativo da
história, o período pós-exílio, especificamente 100 anos depois. Ele é
levantado por Deus para tratar o remanescente de Israel que retornou
para a terra prometida, visto que esse povo estava com sérias
dificuldades para voltar à vida normal, sobretudo espiritualmente, pois
décadas de cativeiro fez de Israel uma sociedade secularizada, junto
de mais um século de negligência, reduzindo sua comunhão com Deus
à uma religião carnal. Mesmo assim, Israel recomeça a sua vida, a
reconstrução das casas, cidades, país, templo e culto, mas percebem
que as coisas não estão caminhando tão bem como outrora foi
profetizado - a grande restauração. Malaquias se depara com o
remanescente profetizado por Isaías, e testemunha o cumprimento
das profecias boas e ruins, tendo que lidar com sacerdotes corruptos e
um povo desanimado, sem disposição para fidelidade nem para a
verdadeira adoração, entretanto, Malaquias reforça o amor de Deus e
a realidade da promessa, que eles ainda não conseguem perceber.

Algo parecido pode acontecer com a igreja de hoje, receber do


Evangelho uma promessa impactante cujo cumprimento é diferente
do esperado, causando frustração, pois a mente humana tende a
distorcer as coisas divinas que recebe, e distorcer a vivência dessas
coisas na realidade cotidiana. O profeta Malaquias viu isso acontecer
com Israel, o povo ficou abatido por uma esperança não satisfeita, e
para piorar eles estavam ainda sob o domínio dos persas, sem
liberdade política e econômica, pagando pesados impostos e havia
muitos desempregados, órfãos e viúvas (devido às guerras e exílio),
sem esquecer que os vizinhos eram hostis. Além disso, o templo
reconstruído era muito menor e os sacerdotes eram poucos e não
faziam um bom trabalho, então uma dúvida ficou pairando no ar: As
profecias sobre uma nova Jerusalém não chegavam e pareciam não
fazer sentido. Por esse motivo, mais uma vez, um profeta precisava ser
levantado para que o povo percebesse o que é necessário.

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Curiosamente, Israel sempre fracassa e Deus sempre a resgata. E


sendo assim, o ministério profético ainda não acabou seu trabalho,
Deus enviou Ageu e não houve mudança, enviou Zacarias e não houve
mudança, e enviou outros, sem sucesso, a consciência do povo
continuou amortecida e, desse modo, Israel continuava distante do
Senhor, então, Deus faz surgir Malaquias, que convoca a nação a
despertar, a abrir os olhos e ouvidos - dos sacerdotes às pessoas
comuns - para que o país retome seu caminho sob o senhorio do
Altíssimo.

Primeira Parte

Na primeira parte, Deus afirma “Eu amo vocês.”, e o povo


questiona, “Se você nos ama, isso não estaria acontecendo conosco.”,
mas Deus responde:

“Peso da palavra do SENHOR contra Israel, por intermédio


de Malaquias. Eu vos tenho amado, diz o Senhor. Mas vós
dizeis: Em que nos tens amado? Não era Esaú irmão de
Jacó? Disse o Senhor; todavia amei a Jacó, e odiei a Esaú;
e fiz dos seus montes uma desolação, e dei a sua
herança aos chacais do deserto. Ainda que Edom diga:
Empobrecidos estamos, porém, tornaremos a edificar os
lugares desolados; assim diz o Senhor dos Exércitos: Eles
edificarão, e eu destruirei; e lhes chamarão: Termo de
impiedade, e povo contra quem o Senhor está irado para
sempre. E os vossos olhos, o verão, e direis: O Senhor seja
engrandecido além dos termos de Israel.” (Ml 1:1-5)

Deus não precisava escolher ninguém, mas escolheu um povo


para que este fosse benção para as nações. Ele escolheu, pois amou
primeiro, e o primeiro passo é dEle. Enquanto o povo queria medir sua

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vida e o amor divino, Deus diz que não mostra o seu afeto através de
coisas materiais, mas sim, pela Sua escolha.

É interessante perceber que Deus está atento às nossas questões,


lembrando o teste de Jó, onde o diabo fala “É claro que Jó te adora,
você cuida e protege ele de todas as formas, todo mundo o amará
assim, mas tire tudo dele e eu quero ver se ele te amará.” Então o teste
de Jó é para ver se temos condições de adorar a Deus
independentemente das circunstâncias e presentes. A pergunta por
trás do Livro de Jó é: Existe adoração desinteressada?

Segunda Parte

“O filho honra o pai, e o servo o seu senhor; se eu sou pai,


onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está
o meu temor? Diz o Senhor dos Exércitos a vós, ó
sacerdotes, que desprezais o meu nome. E vós dizeis: Em
que nós desprezamos o teu nome? Ofereceis sobre o meu
altar pão imundo, e dizeis: Em que te havemos
profanado? Nisto que dizeis: A mesa do Senhor é
desprezível. Porque, quando ofereceis animal cego para o
sacrifício, isso não é mau? E quando ofereceis o coxo ou
enfermo, isso não é mau? Ora o apresenta ao teu
governador; porventura terá ele agrado em ti? Ou
aceitará ele a tua pessoa? Diz o Senhor dos Exércitos.
Agora, pois, eu suplico, pedi a Deus, que ele seja
misericordioso conosco; isto veio das vossas mãos;
aceitará ele a vossa pessoa? Diz o Senhor dos Exércitos.
Quem há também entre vós que feche as portas por
nada, e não acenda debalde o fogo do meu altar? Eu não
tenho prazer em vós, diz o Senhor dos Exércitos, nem
aceitarei oferta da vossa mão. Mas desde a nascente do
sol até ao poente é grande entre os gentios o meu nome;
e em todo o lugar se oferecerá ao meu nome incenso, e
uma oferta pura; porque o meu nome é grande entre os

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Formação em Teologia

gentios, diz o Senhor dos Exércitos. Mas vós o profanais,


quando dizeis: A mesa do Senhor é impura, e o seu
produto, isto é, a sua comida é desprezível. E dizeis ainda:
Eis aqui, que canseira! E o lançastes ao desprezo, diz o
Senhor dos Exércitos; vós ofereceis o que foi roubado, e o
coxo, e o enfermo; assim trazeis a oferta. Aceitaria eu isso
de vossa mão? Diz o Senhor. Pois, seja maldito o
enganador que, tendo macho no seu rebanho, promete e
oferece ao Senhor o que tem mácula; porque eu sou
grande Rei, diz o Senhor dos Exércitos, o meu nome é
temível entre os gentios.” (Ml 1:6-14)

Para saber como adorar a Deus, é necessário ter conhecimento


bíblico. O povo mais uma vez se faz de desentendido e Deus revela com
eles profanam o culto, como podemos ver, Deus inverte a reclamação.
Será que chegamos em um nível de culto tão baixo e cercado de
soberba, que Deus levantará profetas dentro da Igreja para falar que o
culto não faz sentido, e que a essência foi perdida? Se não tomarmos
cuidado, teremos a mesma atitude desse povo, Deus não aceita um
culto com motivação contaminada.

Terceira Parte

“Agora, ó sacerdotes, este mandamento é para vós. Se


não ouvirdes e se não propuserdes, no vosso coração, dar
honra ao meu nome, diz o Senhor dos Exércitos, enviarei a
maldição contra vós, e amaldiçoarei as vossas bênçãos;
e também já as tenho amaldiçoado, porque não aplicais
a isso o coração. Eis que reprovarei a vossa semente, e
espalharei esterco sobre os vossos rostos, o esterco das
vossas festas solenes; e para junto deste sereis levados.
Então sabereis que eu vos enviei este mandamento, para
que a minha aliança fosse com Levi, diz o Senhor dos
Exércitos. Minha aliança com ele foi de vida e de paz, e eu
lhes dei para que temesse; então temeu-me, e

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assombrou-se por causa do meu nome. A lei da verdade


esteve na sua boca, e a iniquidade não se achou nos
seus lábios; andou comigo em paz e em retidão, e da
iniquidade converteu a muitos. Porque os lábios do
sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua
boca devem os homens buscar a lei porque ele é o
mensageiro do Senhor dos Exércitos. Mas vós vos
desviastes do caminho; a muitos fizestes tropeçar na lei;
corrompestes a aliança de Levi, diz o Senhor dos Exércitos.
Por isso também eu vos fiz desprezíveis, e indignos diante
de todo o povo, visto que não guardastes os meus
caminhos, mas fizestes acepção de pessoas na lei. Não
temos nós todos um mesmo Pai? Não nos criou um
mesmo Deus? Por que agimos aleivosamente cada um
contra seu irmão, profanando a aliança de nossos pais?”
(Ml 2:1-10)

Muita gente não queria se sujeitar à autoridade espiritual e às


ordenanças da lei, então o culto a Deus ficou precário e o coração do
sacerdote foi corrompido, por isso a primeira palavra é para ele, e caso
não obedeça haverá consequências, pois o culto feito com padrões
humanos (e o culto ao ego) será rejeitado.

Terminamos então com quatro ameaças aos sacerdotes:

• Envio de uma maldição (perder a terra prometida,


referência em Deuteronômio 28);

• Amaldiçoar suas bênçãos (aquilo que você recebeu como


algo bom, se transformará em algo ruim);

• Ver a sua descendência ser reprovada;

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• Jogar excremento no rosto (os sacerdotes não podiam se


contaminar, em contato com o excremento, eles seriam
rejeitados);

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Livros Proféticos: Malaquias - parte 02


Anteriormente, falamos sobre as ameaças de Deus ao povo,
sabemos que ele ameaça, pois o povo saiu da rota correta, e assim,
colidiu com as consequências.

Quarta Parte

“Não temos todos o mesmo Pai? Não fomos todos criados


pelo mesmo Deus? Por que será então que quebramos a
aliança dos nossos antepassados sendo infiéis uns com
os outros? Judá tem sido infiel. Uma coisa repugnante foi
cometida em Israel e em Jerusalém; Judá desonrou o
santuário que o Senhor ama; homens casaram-se com
mulheres que adoram deuses estrangeiros. Que o Senhor
lance fora das tendas de Jacó o homem que faz isso, seja
ele quem for, mesmo que esteja trazendo ofertas ao
Senhor dos Exércitos. Há outra coisa que vocês fazem:
Enchem de lágrimas o altar do Senhor; choram e gemem
porque ele já não dá atenção às suas ofertas nem as
aceita com prazer. E vocês ainda perguntam: Por quê? É
porque o Senhor é testemunha entre você e a mulher da
sua mocidade, pois você não cumpriu a sua promessa de
fidelidade, embora ela fosse a sua companheira, a
mulher do seu acordo matrimonial. Não foi o Senhor que
os fez um só? Em corpo e em espírito eles lhe pertencem.
E por que um só? Porque ele desejava uma descendência
consagrada? Portanto, tenham cuidado: Ninguém seja
infiel à mulher da sua mocidade. "Eu odeio o divórcio", diz
o Senhor, o Deus de Israel, e "o homem que se cobre de
violência como se cobre de roupas", diz o Senhor dos
Exércitos. Por isso tenham bom senso; não sejam infiéis.”
(Ml 2:10-16)

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O argumento de Deus é que a oferta deles não está de acordo e o


povo também não está vivendo de acordo com a Sua Palavra, e ainda
respondem de forma dissimulada. Começamos a entender que, para
Deus, nossas alianças influenciam em nosso culto (e vice-versa), não
há como cultuar a Deus sem pensar no tipo de aliança que temos. O
argumento de Deus contra o povo é que as ofertas não são aceitas pois
as alianças estão sendo quebradas, a qualidade da nossa aliança
interfere diretamente na qualidade do nosso culto.

E é claro que existe uma preocupação com a identidade, pois o


povo começa a se separar para casar com mulheres estrangeiras, e a
identidade é uma preocupação, pois na medida em que a essência é
misturada, o culto também é afetado, e há uma relação dupla na
preocupação com o culto, primeiro porque, se eu não sou cuidadoso,
nem zeloso e não tenho misericórdia, que tipo de culto eu ofereço?
Depois, se eu quebro alianças e misturo minha identidade, o culto é
misturado também.

Deus chama a atenção de que essa postura de quebra de aliança


está afetando o culto, pois as esposas estrangeiras traziam seus
deuses estrangeiros, e a curiosidade pelas mulheres de fora estava
causando divórcios e criando idolatria e mistura de identidade, e um
sincretismo religioso que não tem relação com a aliança de Deus. Mas
afinal, qual é a relação do divórcio com essa estrutura do culto? É o
seguinte, nós temos o mesmo pai, então, se as mulheres são filhas de
Abraão e filhas de Deus e, se os homens também, preciso entender que
elas também têm direito à aliança, então estou desrespeitando as
mulheres que estão debaixo da mesma aliança, e, sendo desleal com
quem está debaixo da mesma aliança, como posso cultuar?

A aliança é celebrada no batismo e na ceia do Senhor, confirmada


no culto pelo sangue de Jesus, logo, precisamos honrar as nossas
alianças dentro da nossa cultura. A ligação entre o culto e o divórcio é
que, quando se quebra o pacto matrimonial, quebra-se também a
aliança com Deus. Portanto, para retornar ao verdadeiro culto, deve-se
restaurar a aliança e a identidade através da Palavra de Deus.

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Quinta Parte

Lembrando que a estrutura é de um “tribunal”, onde Deus


argumenta e o povo responde, o Senhor diz “Eu estou cansado do culto
de vocês.” (Ml 2:17-3:15). A explicação da visão negativa desse culto, é
que, depois do momento sombrio de ruínas que o povo viveu, o culto
acabou refletindo o desânimo do povo, e Malaquias estava refazendo
o significado e o caminho para as pessoas que se perderam e que
precisam ser trazidas de volta para a aliança - a perfeita,
desinteressada e amorosa comunhão com Deus.

Ao longo da história, o ser humano sempre se perguntou qual era


a vantagem de andar com Deus, Israel está se pergunta a mesma
coisa no Livro de Malaquias e é aqui que Deus entra na conversa, pois
sem uma resposta, o povo continuará confuso, errado e distante. A
importância do profeta é notada aqui, pois ele é usado para trazer uma
resposta do Senhor, pois dentro do questionamento de Israel há uma
acusação indireta: Deus é injusto conosco! Vendo isso, Malaquias
coloca tudo em seu devido lugar, explicando que o favor de Deus não
se mede pelos bens materiais, porém se reflete no Seu amor
incondicional e na escolha que fez por Israel. Contudo, é interessante
perceber que os que estavam reclamando da injustiça, eram os
mesmos que ofereciam ofertas injustas e tantas outras coisas
reprováveis, e logo o texto começa a usar palavras como “fogo”,
“purificação” e “lavação”, a dúvida que fica é se Israel suportará essa
limpeza (?); E a lição que fica é que devemos olhar a nossa justiça
antes de questionar a justiça de Deus (e do outro), que é e será como
o fogo, pois Cristo é a justa resposta de Deus.

Sexta Parte

“Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de


Jacó, não sois consumidos. Desde os dias de vossos pais
vos desviastes dos meus estatutos, e não os guardastes;
tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós, diz o

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Formação em Teologia

Senhor dos Exércitos; mas vós dizeis: Em que havemos de


tornar-se? Roubará o homem a Deus? Todavia vós me
roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas
ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim
me roubais, sim, toda esta nação. Trazei todos os dízimos
à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha
casa, e depois fazei prova de mim nisto, diz o Senhor dos
Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não
derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja
lugar suficiente para a recolherdes. E por causa de vós
repreenderei o devorador, e ele não destruirá os frutos da
vossa terra; e a vossa vide no campo não será estéril, diz
o Senhor dos Exércitos. E todas as nações vos chamarão
bem-aventurados; porque vós sereis uma terra deleitosa,
diz o Senhor dos Exércitos.” (Ml 3:6-12)

É notável em todo Livro de Malaquias a preocupação com o culto,


e a existência de uma quebra da aliança. Mas, por que a ideia de
dízimo? Na verdade, é o dízimo que vai sustentar os levitas
responsáveis pelo culto, além de ajudar viúvas e órfãos, e o povo não
trazia o dízimo, deixando os levitas desassistidos. Com essa prova,
Malaquias é usado por Deus para mostrar a injustiça e
descompromisso da nação com a aliança e com os necessitados,
revelando que Israel não poderia reclamar de injustiças, somente das
suas, e que precisa se arrepender.

Sétima Parte

“As vossas palavras foram agressivas para mim, diz o


Senhor; mas vós dizeis: Que temos falado contra ti? Vós
tendes dito: Inútil é servir a Deus; que nos aproveita
termos cuidado em guardar os seus preceitos, e em
andar de luto diante do Senhor dos Exércitos? Ora, pois,

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Formação em Teologia

nós reputamos por bem-aventurados os soberbos;


também os que cometem impiedade são edificados; sim,
eles tentam a Deus, e escapam. Então aqueles que
temeram ao Senhor falaram frequentemente um ao
outro; e o Senhor atentou e ouviu; e um memorial foi
escrito diante dele, para os que temeram o Senhor, e
para os que se lembraram do seu nome. E eles serão
meus, diz o Senhor dos Exércitos; naquele dia serão para
mim joias; poupá-los-ei, como um homem poupa a seu
filho, que o serve. Então voltareis e vereis a diferença
entre o justo e o ímpio; entre o que serve a Deus, e o que
não o serve.” (Ml 3:13-18)

“Qual é o significado de continuarmos adorando o nosso Deus?”


Os israelitas fizeram essa pergunta e existe uma promessa para
consolar os corações insatisfeitos, há uma orientação para que
obedeçam e continuem confiando, o “Elias” virá, mantenha a aliança,
mesmo se a vida não fizer sentido (mesmo se Deus não fizer sentido
para você!), deixe que o culto preserve o coração, e vice-versa, pois
mesmo Deus não precisando, Ele nos chamou. Apenas não se afaste
da Justiça.

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