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O exército futurista da Rússia: soldados


ciborgues
novembro 20, 2019 , 12:41 pm , ERIS

                     Jonas de Paula Vieira, graduando em Relações Internacionais pela

Universidade Estadal Paulista (UNESP), campus de Franca

 
Historicamente, as grandes potências têm investido no desenvolvimento de novas

tecnologias militares para obter vantagens estratégicas em relação aos seus rivais. Assim,

por exemplo, foram criados contemporaneamente os armamentos nucleares, as armas

ultrassônicas (AUS), as bombas EMPs (Electronic Magnetic Pulse) os caças de quinta

geração, os drones, além dos modernos sistemas de monitoramento e localização (GPS,

Strelets), entre uma diversidade de tecnologias mais ou menos signi cativas militarmente.

Na ordem global atual, essas inovações têm sido lideradas, principalmente, pelos Estados

Unidos e pela Rússia que apresentam níveis semelhantes de poderio militar, tal qual a

China, que tem se destacado nos últimos anos nos setores espacial e aeroespacial. Todavia,

o Estado russo está desenvolvendo uma tecnologia que poderia lhe dar uma relativa

vantagem em relação ao seu principal rival, os Estados Unidos, pelo menos no que condiz à

infantaria, já que por meio de seu projeto Rátnik (“Guerreiro” em português) está

conseguindo transformar o seu soldado em um verdadeiro ciborgue, como se tivesse saído

de um lme de cção cientí ca.

Para seu criador, Manfred Clynes, o termo ciborgue foi cunhado em 1960 e é uma

contração de organismo cibernético – pois em inglês cyborg consiste da junção das

palavras cybernetic organism –  que signi ca a incorporação de estruturas robóticas em

um organismo biológico, sem que ele sofra modi cações da sua hereditariedade. Clynes

era engenheiro biomédico e levantou a hipótese de desenvolver um organismo

modi cado, parte máquina e parte humana, que potencializasse as chances de exploração

do espaço sideral. O ciborgue seria a solução das limitações humanas, já que sofreria

melhorias bioquímicas, psicológicas e físicas, proporcionadas por suas partes eletrônicas e

assim, o homem estaria “livre” de suas limitações e uma nova era evolucionista começaria.

Por outro lado, Donna Haraway, lósofa e teórica do “ciberfeminisno”, discorda do conceito

defendido por Clynes , porém dá uma de nição crucial do termo ciborgue em seu ensaio

“Manifesto Ciborgue”: “um ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e

organismo, uma criatura de realidade social e também uma criatura de cção” (Haraway,

1991, p. 36). Para ela, a ideia de ciborgue alude a um corpo-máquina de alta performance,

no qual habita um humano, sendo toda a sociedade ciborgue, pois a vida atual provoca

uma tênue relação entre tecnologia e pessoas, tornando-se impossível diferenciar onde

termina o humano e começa o arti cial. Já as de nições mais modernas de Chris Gray e

Figueroa-Sarriera de 1995, incluem todo o tipo de intervenção tecnológica no corpo

humano, seja o uso de medicamentos ou psicotrópicos, seja a interconectividade do


homem com instrumentos de mecânica, informática ou eletrônica.

As de nições dos autores apresentam oscilações quanto ao conceito do que é ciborgue,

porém, concordam que o amálgama entre corpo biológico e máquina potencializa as

capacidades sensoriais e cognitivas, além da resistência e da durabilidade da espécie

humana. O homem se torna capaz de dar grandes saltos evolutivos em um curto prazo de

tempo e de romper barreiras biológicas intransponíveis, como deter uma superforça

proveniente de exoesqueletos ou usar um simples marca-passo que regula os batimentos

cardíacos de seu usuário, postergando sua vida.

O Estado russo se inspirou na terminologia da palavra ciborgue e procurou criar um

exército de “humanos-máquina”. Assim, impulsou a concepção do projeto Rátnik em

meados de 2011. O audacioso projeto é dividido em três etapas: Rátnik-1, Ratnik-2 e Rátnik-

3. Os dois primeiros apresentam armadura corporal modernizada, visão noturna/térmica,

um moderno sistema de comunicação via voz e vídeo (Strelets), muito inspirado no sistema

de combate francês FELIN, dentre outros equipamentos. Vale destacar que o Rátnik-2

apresenta um sistema de camu agem inteligente, que muda conforme o ambiente de

combate do soldado, além do  traje que suporta temperaturas entre -30ºC e 50ºC.  Os trajes

Rátnik começaram a ser entregues às Forças Armadas Russas ainda em 2015, e vestem as

tropas das forças especiais (Spetsnaz), os fuzileiros da Frota do Pací co e os snipers da base

militar russa na Armênia, e posteriormente, os soldados russos que combatiam na guerra

civil da Síria. Segundo o governo, até 2020 todos os combatentes estarão equipados com o

traje. O Tenente General Andrey Grigoriev, chefe da Advanced Research Foundation (ARF)

responsável pelo projeto Rátnik, disse em uma entrevista em 2018 à rede de televisão

estatal russa, RIA Novosti, como seria o campo de batalha do futuro: “Eu vejo uma grande

robotização, de fato, a guerra do futuro envolverá operadores e máquinas, e não soldados

atirando uns nos outros no campo de batalha”.

O principal avanço que a Rússia vem dando para a concretização de seu exército ciborgue,

se dá pela terceira etapa do projeto Rátnik, no qual o traje será composto por dois

exoesqueletos: um exoesqueleto ativo, cujas dobradiças são equipadas com

movimentações hidráulicas e elétricas e um exoesqueleto passivo, servindo unicamente

para reduzir a carga sobre as articulações e proteger os usuários de choques balísticos.

Somado a isso, o traje apresentaria um tecido invisível à imagem infravermelha com

camu agem inteligente e um capacete com HUD (head up display) exibindo informações
ç

sobre o traje, o ambiente, as horas e o tipo de armamento e vestimenta do inimigo. O

exoesqueleto daria características sobre-humanas para os soldados que o usarem, pois

também terá um sistema com a função de estancar o sangramento de seus combatentes

feridos, munindo-os de uma vantagem substancial no campo de batalha, além de

potencializar o tempo de marcha dos soldados em campo de batalha.

Enquanto os russos pretendem equipar suas Forças Armadas até 2027 com a etapa mais

avançada do traje, os Estados Unidos vêm acumulando alguns fracassos na criação de

trajes similares, como é o caso do projeto TALOS (Tactical Assault Light Opeartor Suit) ou

“iron man”, que tinha a mesma proposta do Rátnik -3, porém foi descartado pela

di culdade em adequá-lo a um ambiente de combate real. Além do projeto TALOS, os

Estados Unidos junto com a empresa estadunidense Lockheed Martin vêm desenvolvendo

em estágio embrionário um novo exoesqueleto para os soldados, chamado de ONYX.

Porém, segundo o próprio Pentágono, ainda está muito longe de ser empregado em

campo de batalha.

Tais situações sinalizam, por enquanto, vantagem estratégica para a Rússia em combate

de solo perante os Estados Unidos. A competição estratégica entre os Estados russo e

estadunidense remonta à Guerra Fria, seja no âmbito espacial, cultural, tecnológico ou

armamentista, com destaque para as ogivas nucleares de ambos os lados. Os dois países 

tiveram um acirramento militar muito forte, quase equiparáveis, todavia, a introdução dos

ciborgues nas forças armadas russas demonstra uma clara vantagem russa sobre o seu

rival estratégico, o que se torna bené co para o país, pois apesar de ter uma defasagem

marítima em comparação aos Estados Unidos consegue se lançar como propulsor de uma

tecnologia quase que ccional e assim, coloca em xeque o domínio estadunidense em

guerra terrestre.

A primazia de desenvolvimento do Estado russo sobre essa nova tecnologia também é

capaz de bene ciá-lo do ponto de vista econômico, já que ele pode vender os trajes

ciborgues para parceiros estratégicos, tornando-os dependentes de sua tecnologia e assim

maximizar seu poder em suas zonas de in uência, procurando mitigar a in uência

estadunidense, ou despertar o interesse de seus parceiros para investirem no

desenvolvimento do traje, logo, diminuindo os custos de sua produção. Ademais, a Rússia é

uma grande especialista em guerra híbrida, assim como os Estados Unidos, porém com a
concretização da última etapa de seu projeto, ela poderia obter vantagens substanciais no

combate a grupos terroristas, contra insurgentes e guerrilheiros, ou seja, combates

irregulares, já que poderá aplicar todo o seu conhecimento adquirido em táticas de guerra

híbrida com a nova tecnologia desenvolvida.

Desse modo, o Estado russo encontrou o armamento amalgamador da guerra híbrida, o

soldado híbrido, metade máquina e metade humano, adequado ao novo ambiente de

combate que caracteriza o século XXI. No qual, vem como uma resposta ao árduo processo

de revitalização das forças armadas russas, que passaram por um momento de

encolhimento e defasagem no pós-Guerra Fria. Assim, o ciborgue pode ser uma das

tecnologias bélicas responsáveis por recuperar o status e prestígio que a Rússia

apresentava no sistema internacional antes do esfacelamento da União Soviética.

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Créditos da Imagem: The Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory (JHU/APL)/

Public Domain

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