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As Novas Armas da Rússia (1): O discurso histórico de Putin


Transcrição da parte final (na qual foram apresentados os novos sistemas de armamentos) do
discurso do presidente Vladimir Putin da Rússia perante a Assembleia Geral da Federação Russa e
o Parlamento Russo.

[…]
Todos os projetos e prioridades de que falei hoje, como o desenvolvimento urbano,
investimentos em infraestrutura, educação, saúde, meio ambiente, tecnologias e pesquisa de
inovação para apoiar a economia, promover os talentos, a juventude, tudo isso está sendo concebido
para uma tarefa estratégica – o desenvolvimento realmente renovador da Rússia.
Ao mesmo tempo, não podemos esquecer de cobrir, de modo confiável, as questões de
segurança da Rússia.

Colegas,
A operação na Síria mostrou as novas grandes capacidades das Forças Armadas Russas. Em
anos recentes muito foi feito para melhorar o Exército e a Marinha. As Forças Armadas têm hoje
3,7 vezes mais armas modernas. Mais de 300 novas unidades de equipamentos foram postas em
serviço. As forças estratégicas de mísseis receberam 80 novos mísseis balísticos intercontinentais,
102 mísseis balísticos lançáveis de submarinos e três submarinos Borei movidos a energia nuclear e
armados com mísseis balísticos. 12 regimentos de mísseis receberam novos mísseis balísticos
intercontinentais Yars. O número de transportadores de mísseis de longo alcance e alta precisão
aumentou 12 vezes, e o número de mísseis cruzadores guiados foi multiplicado por 30. O Exército,
as Forças Aeroespaciais e a Marinha também são hoje significativamente mais fortes.
Todos, a Rússia e o mundo inteiro, já sabem os nomes de nossos mais novos aviões,
submarinos, armas antiaéreas e sistemas de mísseis teleguiados em terra e embarcados no ar e no
mar. Todos são armas de alta tecnologia, novas em folha. Temos um sólido campo de radar para
alertar no caso de ser concebido algum ataque de míssil em todo o perímetro do território russo
(recurso importantíssimo). Depois que a URSS foi desmantelada, apareceram vários buracos. Hoje
já não há buracos. Foram todos consertados.
Demos um salto adiante no desenvolvimento de aviação tripulada à distância; criamos o
Centro de Controle da Defesa Nacional; e formou-se o comando operacional de zonas marítimas
distantes. O número de profissionais militares foi multiplicado por 2,4, e a disponibilidade de
equipamento nas Forças Armadas cresceu, de 70% para entre 95 e 100%. As longas filas de espera
por moradia permanente foram eliminadas; e o período de espera foi reduzido em 83%.
E agora, afinal, sobre a questão da defesa, importantíssima.
Falarei sobre os mais novos sistemas de armas estratégicas da Rússia que estamos criando
como reação à retirada unilateral dos EUA do Tratado de Mísseis Antimísseis, e ao posicionamento
que eles dão aos seus sistemas de defesa, tanto em território dos EUA como fora das suas fronteiras
nacionais.
Gostaria de rememorar rapidamente uma parte de nosso passado recente.
Em 2000, os EUA anunciaram que se retiravam do Tratado de Mísseis Antimísseis. A
Rússia opôs-se categoricamente a esse gesto. Víamos o Tratado EUA-URSSs sobre Mísseis
Antimísseis, assinado em 1972, como o principal alicerce do sistema de segurança internacional.
Nos termos desse tratado, as partes tinham o direito de instalar sistemas de defesa com mísseis
antimísseis exclusivamente nos limites do próprio território. A Rússia instalou seus sistemas desse
tipo em torno de Moscou; os EUA, em torno de sua base de mísseis antimísseis em terra, em Grand
Forks.
Junto com o Tratado de Redução de Armas Estratégicas, o Tratado ABM não só criou uma
atmosfera de confiança, mas, além disso, também impedia que qualquer dos lados usasse armas
atômicas de modo completamente temerário e irresponsável, porque essas armas põem em risco a
própria vida humana sobre o planeta, e, também, porque o número limitado de mísseis antimísseis
de defesa tornava o agressor potencial vulnerável a um contra-ataque.
Fizemos o máximo possível para dissuadir os EUA da decisão de sair do Tratado. Em vão.
Em 2002, os EUA se desligaram do Tratado de Mísseis Antimísseis. Mesmo depois disso, ainda
insistimos no esforço de construir um diálogo construtivo com os EUA. Propusemos trabalhar
juntos nessa área para aparar arestas e manter a atmosfera de confiança. A um certo ponto, cheguei
a pensar que seria possível algum acordo, mas não. Rejeitaram todas, todas as nossas propostas,
absolutamente tudo. Então, dissemos que teríamos de melhorar nossos modernos sistemas de
ataque, para proteger nossa segurança. Como resposta, os EUA disseram que não criariam um
sistema global de mísseis antimísseis de defesa contra a Rússia, que podíamos fazer o que
quiséssemos, e que os EUA presumiriam que nossas ações não seriam de agressão aos EUA.
As razões por trás dessa posição são óbvias. Depois do colapso da URSS, a Rússia, ainda
chamada no exterior de União das Repúblicas Soviéticas Socialistas, perdeu 23,8% do próprio
território nacional; 48,5% da própria população; 41% do PIB; 39,4% do potencial industrial (quase
metade de nosso potencial, vejam bem), além de 44,6% de sua capacidade militar, por causa da
dispersão das Forças Armadas Soviéticas entre as várias repúblicas ex-soviéticas. O equipamento
militar do exército russo estava ficando obsoleto, e as Forças Armadas estavam em estado
lastimável. Havia terrível guerra civil em curso no Cáucaso, e inspetores dos EUA vigiavam a
operação de nossas principais usinas de enriquecimento de urânio.
Por algum tempo, a questão nem era se conseguiríamos desenvolver algum sistema de armas
estratégicas – havia quem duvidasse de que nosso país fosse capaz de armazenar em segurança e
manter as armas nucleares que herdamos depois do colapso da URSS. A Rússia tinha dívidas
gigantescas, a economia não funcionava sem empréstimos do FMI e do Banco Mundial; era
impossível manter a esfera social.
Aparentemente, nossos parceiros concluíram que seria completamente impossível, na
perspectiva histórica previsível, que nosso país ressuscitasse sua economia, sua indústria, sua
indústria da defesa e suas Forças Armadas, até níveis suficientes para garantir apoio ao
indispensável potencial estratégico. E sendo assim, ninguém precisaria ouvir o que a Rússia tivesse
a dizer; e, para o futuro, bastaria manter aquela grande vantagem militar unilateral, para ditar as
ordens em todas as esferas.
Basicamente, essa posição, essa lógica, se se consideram as realidades daquele momento, é
compreensível, e grande parte da culpa é nossa. Todos esses anos, os 15 anos desde que os EUA se
retiraram do Tratado de Mísseis Antimísseis, nós tentamos insistentemente nos reengajar ao lado
dos norte-americanos, para discussões sérias, tentando acordos na esfera da estabilidade estratégica.
Conseguimos alcançar alguns daqueles objetivos. Em 2010, Rússia e EUA assinaram o
Tratado de Redução de Armas Estratégicas START, com medidas para prosseguir na redução e
limitação de armas estratégicas de ataque. Mas, à luz do plano para construir um sistema global de
mísseis antimísseis, que ainda prossegue até hoje, todos os acordos assinados no contexto do Novo
Tratado START estão agora sendo gradualmente esvaziados, porque, enquanto o número de
transportadores e de armas é reduzido, uma das partes, a saber, os EUA, permite o crescimento
constante não controlado do número de mísseis antimísseis, melhora a qualidade desses mísseis e
constrói novas áreas para lançamento de mísseis. Se não fizéssemos coisa alguma, isso levaria à
completa degradação do arsenal e nossos mísseis poderiam ser simplesmente interceptados.
Apesar de nossos numerosos protestos, a máquina norte-americana foi posta em movimento,
a correia de transmissão foi ligada e posta a andar adiante. Há hoje novos sistemas de mísseis de
defesa instalados no Alasca e na Califórnia; como resultado da expansão da OTAN para o leste,
duas novas áreas para mísseis de defesa foram criadas na Europa Ocidental: uma já está implantada
na Romênia, e o deslocamento do sistema também para a Polônia já está agora praticamente
concluído. O alcance dele será sempre crescente; devem ainda ser criadas novas áreas de
lançamento no Japão e na Coreia do Sul. O sistema global de mísseis de defesa dos EUA também
inclui cinco cruzadores e 30 destroieres, os quais, pelo que sabemos, foram instalados em regiões
muito próximas das fronteiras da Rússia. Não exagero, absolutamente, no que lhes digo; e o
processo avança rapidamente.
Nesse quadro, o que fizemos, além de protestar e alertar? Como a Rússia respondeu a esse
desafio? Pois lhes digo como.
Durante todos esses anos, desde a saída unilateral dos EUA do Tratado de Mísseis
Antimísseis, trabalhamos sem descanso em armas e equipamentos avançados, que nos levaram a
descobertas indispensáveis para desenvolver novos modelos de armas estratégicas.
Permitam-me lembrar que os EUA estão criando um sistema global de mísseis de defesa que
visa, principalmente, a enfrentar armas estratégicas que cumprem trajetórias balísticas. Armas desse
tipo são a espinha dorsal de nossas forças de contenção, como são também a espinha dorsal do
armamento de outros membros do clube nuclear.
Assim sendo, a Rússia desenvolveu e trabalha continuamente para aperfeiçoar sistemas
altamente efetivos, mas de preço razoável, capazes de superar a defesa de mísseis. Estão instalados
em todos os nossos complexos de mísseis balísticos intercontinentais.
Além disso, cuidamos também de desenvolver a próxima geração de mísseis. Por exemplo,
o Ministério da Defesa e empresas da indústria aeroespacial e de mísseis estão em ativa fase de teste
de um novo sistema de mísseis com um pesado míssil intercontinental. Demos a ele o nome de
“Sarmat”.
O sistema Sarmat substituirá o sistema Voevoda criado pela URSS. Seu imenso poder foi
reconhecido universalmente. Nossos colegas estrangeiros deram-lhe até um nome muito ameaçador
[N. do T.: os americanos deram os nomes de “Satan” (Satã) ao Voevoda, e “Satan-2” ao Sarmat].
Isso posto, as capacidades do míssil Sarmat são muito superiores. Pesando mais de 200
toneladas, tem fase de arranque curta, o que torna mais difícil interceptá-lo para os sistemas de
mísseis de defesa. O alcance desse novo míssil pesado, o número e a potência de seus blocos de
combate, é maior que o do Voevoda. O Sarmat será equipado com várias ogivas nucleares de
grande alcance, inclusive hipersônicas, e os mais modernos recursos para escapar dos mísseis de
defesa. O alto grau de proteção dos lançadores desses mísseis e as significativas capacidades de
energia que o sistema oferece permitirá que ele seja usado em quaisquer condições.
Por favor, assistam ao vídeo.
O Voevoda tem alcance de 11 mil quilômetros. O alcance do Sarmat é praticamente
ilimitado.
Como o vídeo mostra, o Sarmat pode alcançar alvos via os dois polos, Norte e Sul.
O Sarmat é um míssil formidável e, dadas as suas características, não pode ser detido nem
pelos mais avançados sistemas de mísseis de defesa.
Mas não paramos nisso. Começamos a desenvolver novos tipos de armas estratégicas que
absolutamente não seguem trajetórias balísticas no caminho até o alvo e, portanto, os sistemas
existentes de mísseis de defesa são inúteis contra ele. Não fazem sentido algum.
Permitam comentar essas novas armas.
As armas avançadas da Rússia são baseadas em tecnologia de ponta, realizações únicas e
exclusivas, descobertas de nossos cientistas, projetistas e engenheiros. Uma dessas descobertas é
uma unidade de energia nuclear pequena e de alto desempenho que pode ser instalada num míssil
semelhante ao nosso míssil X-101, que pode ser disparado de avião, ou num míssil Tomahawk dos
EUA – parecido com isso, mas com alcance dúzias de vezes mais longo, dúzias de vezes,
basicamente tem alcance ilimitado. É um míssil de tipo ‘invisível aos radares’, que voa a baixa
altitude e transporta uma ogiva nuclear. Tem alcance quase ilimitado, trajetória não previsível e
capacidade para contornar os limites conhecidos de interceptação. É invencível contra todos os
sistemas existentes e em estudo de mísseis de defesa e de defesa antiaérea. Hoje repetirei várias
vezes essa informação.
No final de 2017, a Rússia lançou com sucesso seu mais novo míssil movido a energia
nuclear, no campo central de testes. Durante o voo, o motor movido a energia nuclear alcançou a
capacidade prevista no projeto e garantiu a propulsão necessária.
Agora que os testes de lançamento e operação em campo foram bem-sucedidos, podemos
começar a desenvolver um tipo completamente novo de arma, um sistema estratégico de armas
nucleares com um míssil movido a energia nuclear.
Assistam ao vídeo.
Podem ver o modo como o míssil evita os interceptadores. Dado que o alcance é ilimitado, o
míssil pode manobrar pelo tempo que for necessário.
Como os senhores com certeza compreenderam, nenhum outro país desenvolveu qualquer
coisa semelhante a isso. Algum dia aparecerá, mas até lá já teremos inventado algo ainda melhor.
Noutro campo, todos nós sabemos que projetos e desenvolvimento de sistemas de armas
remotamente tripulados é tendência comum no mundo. No que concerne à Rússia, desenvolvemos
veículos submersíveis remotamente tripulados que podem navegar em grandes profundidades
(pode-se dizer, profundidades extremas), intercontinentais, em velocidades várias vezes superiores à
de submarinos, torpedos de última geração e todos os tipos de navios de superfície, mesmo alguns
dos mais rápidos. É realmente fantástico. São objetos silenciosos, altamente manobráveis com
mínimas vulnerabilidades que o inimigo possa tentar explorar. Absolutamente nada há no mundo
capaz de superá-los.
Veículos subaquáticos remotamente tripulados podem transportar ogivas convencionais e
ogivas nucleares, o que os capacita a buscar vários tipos de alvos, incluindo esquadrões de
aeronaves, fortificações litorâneas e infraestrutura.
Em dezembro de 2017, uma unidade de motor nuclear para esse drone subaquático [mas
silencioso] remotamente tripulado completou um ciclo de testes que durou vários anos. Essa
unidade de motor nuclear é excepcional, porque é muito pequena, ao mesmo tempo em que tem
impressionante relação potência-peso. É uma centena de vezes menor que as unidades nucleares que
operam como motores dos modernos submarinos atômicos, mas ainda muito mais potente, e pode
rapidamente ser posta em modo de combate, quero dizer, atingir capacidade máxima, 200 vezes
mais rápido.
Os testes já completados nos permitem começar a desenvolver um novo tipo de arma
estratégica que pode transportar massiva carga nuclear.
Assistam ao vídeo.
Devo dizer que essas duas novas armas estratégicas ainda não têm nome, o míssil cruzador
de alcance global, e o veículo subaquático tripulado à distância. Sugestões, por favor, para o
website do Ministério da Defesa.
Sabe-se que países que têm alto potencial de pesquisa e tecnologia avançada estão
desenvolvendo ativamente as chamadas armas hipersônicas. A velocidade do som é em geral
medida em números Mach, homenagem ao cientista austríaco Ernst Mach, conhecido por sua
pesquisa nesse campo. Mach 1 equivale a 1.062 km/h, em altitude de 11 quilômetros. A velocidade
do som é igual a Mach 1. Velocidades entre Mach 1 e Mach 5 são chamadas supersônicas; e acima
de Mach 5, hipersônicas. Claro que esse tipo de arma oferece vantagens substanciais num conflito
armado. Especialistas militares creem que seja arma extremamente poderosa, e que as velocidades
hipersônicas a tornam invulnerável pelos sistemas de defesa aérea existentes, porque, dito de forma
simplificada, os mísseis interceptores não a alcançam. Assim sendo, é compreensível que todos os
principais exércitos do mundo trabalhem para obter essa arma ideal.
Amigos, a Rússia já tem essa arma.
O estágio mais importante no desenvolvimento de modernos sistemas de armas foi a
construção de um sistema de mísseis hipersônicos de alta precisão. Como os senhores podem ter
certeza, é o único sistema desse tipo no mundo. Os testes foram completados com sucesso e, o mais
importante: dia 01 de dezembro do ano passado, esses sistemas entraram em operação experimental
nas bases aéreas do Distrito Militar Sul.
As características exclusivas da aeronave transportadora de alta velocidade permitem levar o
míssil ao local-alvo em minutos. O míssil que voa a velocidade hipersônica, 10 vezes mais rápido
que a velocidade do som, pode também manobrar em todas as fases da trajetória de voo, o que
também lhe permite superar todos os demais mísseis existentes e, creio, também todos os sistemas
de defesa antiaérea e antimísseis em estudo hoje, transportando ogivas nucleares e convencionais,
com um alcance superior a 2.000 quilômetros. Esse sistema recebeu o nome de Kinzhal (Adaga).
Vídeo, por favor.
Tenho ainda de falar sobre mais um avanço tecnológico realmente revolucionário – o
sistema de míssil estratégico instalada num novo equipamento de combate, uma asa planadora, que
também já foi testada com sucesso.
Repetirei mais uma vez o que dissemos incontáveis vezes aos nossos parceiros norte-
americanos e europeus que são membros da OTAN: nós os russos faremos todos os esforços
necessários para neutralizar todas as ameaças que se apresentem contra nós, que hoje se
concretizam no deslocamento do sistema global de mísseis de defesa dos EUA. Dissemos isso nas
conversações, e também dissemos publicamente.
Em 2004, depois dos exercícios de forças nucleares estratégicas, quando esse sistema foi
testado pela primeira vez, eu mesmo disse o seguinte numa conferência de imprensa (é incômodo
para mim citar palavras minhas, mas ainda é o que há de mais adequado para dizer aqui). Disse eu
em 2004:
“Dado que outros países aumentam o número e a qualidade das próprias armas e do próprio
potencial militar, a Rússia também terá de assegurar que tenha à sua disposição nova geração de
armas e de tecnologia.
Sobre isso, tenho o prazer de informar aos senhores que testes já concluídos com sucesso
durante as recentes manobras nos permitem confirmar que, em futuro próximo, as Forças Armadas
Russas, as Forças de Mísseis Estratégicos, receberão novos sistemas de armas de velocidade
hipersônicas e de alta precisão que podem atingir alvos em distância intercontinental e podem auto-
ajustar a própria altitude e o próprio curso durante o voo. É declaração muito importante, porque
nenhum país do mundo até agora conta com esse tipo de armamento no respectivo arsenal militar.”
[fim da citação].
Claro, cada palavra tem significado relevante, porque falamos da possibilidade de
ultrapassar os limites da percepção. Por que fizemos tudo isso? Por que falamos sobre isso?
Como os senhores podem ver, não fizemos segredo de nossos planos e falamos abertamente
sobre eles, em primeiro lugar, para atrair nossos parceiros à mesa de conversações. Vejam bem,
aquela conferência de imprensa aconteceu em 2004.
É realmente surpreendente que, apesar de todos os problemas com a economia, finanças e
nossa indústria da defesa, a Rússia tenha-se mantido, como ainda é, uma grande potência nuclear.
Mas também é fato que ninguém quis conversar conosco sobre o xis da questão da nossa segurança
nacional. Ninguém quis nos ouvir. Agora, nos ouvirão.
Diferente de todos os tipos hoje existentes de equipamento de combate, esse sistema é capaz
de voar, em distâncias intercontinentais, em velocidades supersônicas de mais de Mach 20.
Como eu mesmo disse em 2004, na rota até o alvo, o bloco míssil planador é capaz das
manobras mais radicais – tanto lateralmente (a distâncias de vários milhares de quilômetros) como
na vertical. É isso que o torna absolutamente invulnerável por quaisquer sistemas de defesa aérea ou
de defesa por míssil. O emprego de novos tipos de materiais possibilita que a asa-bloco planadora
voe longas distâncias praticamente em condições de formar plasma. Voa para seu alvo como um
meteoro, como uma bola de fogo. A temperatura na superfície da asa-bloco alcança de 1.600 a
2.000 graus Celsius, mas a asa-bloco mesmo assim permanece sob controle confiável.
Assistam ao vídeo, por favor.
Por razões óbvias, não podemos mostrar aqui a aparência externa desse sistema. É
importante demais. Espero que os senhores compreendam. Mas posso garantir que, sim, temos
todas essas máquinas e todas funcionam perfeitamente. Além disso, nossas indústrias de defesa já
começaram a produção em massa dessa nova arma estratégica. Chamamos ela de Avangard.
Sabemos perfeitamente que vários outros países estão desenvolvendo armas avançadas com
novas propriedades físicas. Temos todos os motivos para crer que estamos pelo menos um passo à
frente – sob todos os critérios – nas áreas mais essenciais.
Alcançamos progresso notável em armas com laser. Não é simples conceito ou simples
plano. Esse projeto já ultrapassou, mesmo, os estágios iniciais de produção. Desde o ano passado,
nossos soldados já estão equipados com armas com laser.
Não quero revelar mais detalhes, porque ainda não é a hora. Mas os especialistas
compreenderão que, com esse tipo de armas, a capacidade de defesa da Rússia foi multiplicada.
Temos aqui mais um pequeno vídeo.
Os que se interessem por equipamento militar, estão convidados a sugerir um nome para
essa nova arma, para esse sistema de ponta.
Claro que o processo avança e refinaremos também essa tecnologia que hoje é o estado-da-
arte. Obviamente, há muito mais desenvolvimentos do que lhes apresentei hoje. Mas fiquemos por
aqui, por hora.
Quero enfatizar muito especialmente que as novas armas estratégicas que foram
desenvolvidas mais recentemente – são de fato novos tipos de armas estratégicas – não são de modo
algum resultado de algo que tenhamos recebido da União Soviética. Evidentemente, trabalhamos
sobre algumas ideias de nossos engenhosos antecessores. Mas tudo que os senhores viram hoje é
resultado do trabalho dos vários últimos anos, produto de dúzias de organizações de pesquisa,
gabinetes e institutos de projetos.
Milhares, literalmente milhares de nossos especialistas, cientistas renomados, projetistas,
engenheiros, operários apaixonados e talentosos trabalham literalmente há anos, discretos, calados,
sem egoísmos, doando o melhor de cada um, em total dedicação. Muitos desses profissionais são
muito jovens. São nossos heróis, ombro a ombro com nossos soldados, que manifestam todos as
melhores qualidades do Exército Russo quando convocado ao combate.
Quero dirigir-me pessoalmente a cada um deles, e dizer-lhe que não haverá prêmios ou
recompensas. Muitas vezes estive pessoalmente com essas pessoas, e sei que não trabalham à espera
de recompensas. O maior prêmio para eles é a certeza de que assim se garante a segurança de nosso
país e de nosso povo. Como presidente e em nome do povo russo, agradeço muito a todos vocês,
pelo trabalho dedicado e seus resultados. Nosso país precisa muito desse trabalho e desses
resultados.
Como eu já disse, todos os futuros produtos para finalidades militares estão baseados em
avanços notáveis que podem, devem e serão usados nos setores civis de alta tecnologia. Não me
canso de repetir que só um país que tenha alto nível de educação e de pesquisa fundamental,
pesquisa aplicada, tecnologia, infraestrutura industrial e recursos humanos pode desenvolver com
sucesso armas complexas, sem igual no planeta, do tipo que vimos aqui. Pelos resultados, os
senhores podem ver que a Rússia tem todos esses recursos.
Expandiremos nosso potencial e nos focaremos em alcançar as metas ambiciosas que nosso
país se propôs a alcançar em termos de desenvolvimento econômico, social e de infraestrutura.
Nossa defesa efetiva servirá como garantia do desenvolvimento russo de longo prazo.
Permitam-me insistir que cada um dos sistemas de armamentos aos quais me referi aqui tem
sua própria extraordinária importância. Ainda mais importante, todos esses avanços tomados em
conjunto capacitam o Ministério da Defesa e o Alto Comando do Estado-maior para que
desenvolvam um sistema de defesa muito amplo, no qual cada peça do novo equipamento militar
terá sua específica insubstituível função. Acima de armas estratégicas que estão hoje em prontidão
para combate, e se beneficiam de atualizações regulares, a Rússia terá capacidade de defesa que
garantirá a segurança da nação no longo prazo.
Claro que há muitas coisas que teremos de fazer em termos de construção militar, mas uma
coisa já está bem clara: a Rússia possui exército moderno, altamente tecnológico, muito compacto,
dadas as dimensões do território, centrado em seu corpo de oficiais, dedicados ao país e prontos a
sacrificar qualquer coisa pelo povo russo. Mais cedo ou mais tarde, outros exércitos também terão a
tecnologia, as armas, inclusive as mais avançadas. Mas nada disso me preocupa, porque já temos
hoje os melhores armamentos, e melhores ainda teremos no futuro. Nós temos, e eles jamais terão,
gente como Roman Filipov, Major-Aviador russo [N. do T.: Filipov pilotava a aeronave SU-25 da
Força Aérea Russa em missão na Síria que em 03fev2018 foi abatida por terroristas, ejetou-se de
paraquedas e combateu até a morte os terroristas em solo].
Espero que tudo que aqui ficou dito leve agressores potenciais a pensar duas vezes, porque
passos inamistosos contra a Rússia, como instalar mísseis de defesa e trazer a infraestrutura da
OTAN para junto da fronteira russa, tornaram-se inefetivos em termos militares e implicam custos
injustificáveis, tornando inúteis aqueles passos agressivos para os que promovem as agressões.
É nosso dever informar nossos parceiros de tudo que aqui foi dito hoje, nos termos dos
tratados e compromissos internacionais que a Rússia assinou. No momento adequado, especialistas
dos ministérios da Defesa e de Relações Exteriores terão muitas ocasiões para discutir todos esses
assuntos com nossos parceiros. Isso, evidentemente, se nossos parceiros se interessarem e quiserem
trocar ideias.
De minha parte, devo dizer que conduzi todo o trabalho para reforçar a capacidade de defesa
da Rússia dentro do que determinam os acordos vigentes para controle de armas; não estamos
violando coisa alguma. Devo dizer especificamente que a força militar crescente da Rússia não é
ameaça contra ninguém; jamais tivemos planos para usar esse nosso novo potencial para finalidades
ofensivas, muito menos para finalidades agressivas.
Não estamos ameaçando nada nem ninguém. Não atacaremos ninguém nem tomaremos
coisa alguma, de quem quer que seja, pela força das armas, novas ou antigas. A Rússia não precisa
de absolutamente nada. Antes o contrário. Considero indispensável destacar – porque é muito
importante – que o crescente poder militar dos russos é sólida garantia para a paz global. O poder
militar dos russos preserva e sempre preservará a paridade estratégica e o equilíbrio de forças no
mundo, o qual, como se sabe, foi e continua a ser fato chave da segurança internacional desde o
final da 2ª Guerra Mundial, até hoje.
E, àqueles que nos últimos 15 anos se dedicaram a acelerar a corrida armamentista e
buscaram arrancar vantagens unilaterais contra a Rússia, impondo restrições e sanções – que são
ilegais do ponto de vista da Lei Internacional – com vistas a conter o nosso desenvolvimento
nacional, inclusive na área militar, direi o seguinte: ‘Tudo o que tanto vocês tentaram impedir que
acontecesse, com sua política ilegal, já aconteceu. Ninguém conseguiu conter a Rússia’.
Agora temos de estar atentos a essa realidade. Ninguém alimente qualquer dúvida sobre o
que eu disse aqui: não é blefe. Dediquem um momento de reflexão ao que aqui foi dito e feito.
Descartem os que insistem em viver no passado. Parem de sacudir a canoa na qual viajamos todos,
essa nossa Terra comum.
Quanto ao futuro de nossa Terra comum, quero dizer ainda que estamos muito preocupados
com algumas disposições da revisão do posicionamento nuclear recentemente publicadas pelos
EUA, que reduzem as limitações ao uso de armamento nuclear. Por trás das portas fechadas dos
gabinetes, há quem fale de calma. Mas nós estamos lendo o que está escrito. E o que está escrito é
que essa nova estratégia nuclear poderá ser acionada mesmo em resposta a ataques com armas
convencionais, e até mesmo contra algum ciberataque.
Chamo atenção para a evidência de que a doutrina militar da Rússia diz que a Rússia se
reserva o direito de usar armas nucleares exclusivamente em resposta a ataque nuclear, ou a ataque
com outras armas de destruição em massa contra nosso país ou nossos aliados, ou em resposta a ato
de agressão contra nós, com armas convencionais, que ameacem a própria sobrevivência do Estado
russo. Tudo aqui está claramente especificado.
Assim sendo, entendo que é meu dever anunciar o seguinte:
Qualquer uso de armas nucleares contra a Rússia ou contra seus aliados, seja por armas de
pequeno porte, médio porte ou qualquer outro porte será, em todos os casos, considerado
equivalente a ataque nuclear contra nosso país. A retaliação será imediata, com todas as
consequências que se devem esperar de ataque desse tipo contra a Rússia e aliados.
Não deve pairar quanto a isso nenhuma dúvida. O mundo não precisa de mais ameaças. Em
vez disso, vamos sentar à mesa de negociações, para juntos concebermos um novo e relevante
sistema de segurança internacional e desenvolvimento sustentável para a civilização humana. Todo
o tempo, nós repetimos isso. Todas as nossas propostas continuam válidas. A Rússia está pronta
para esses novos tempos.
Nossas políticas jamais serão erigidas sobre declarações de excepcionalismo. Protegemos
nossos interesses e respeitamos os interesses de outros países. Observamos a lei internacional e
acreditamos no papel inviolável da ONU. Esses são os princípios e os modos de abordar a realidade
que nos permitem construir relações fortes, amistosas e iguais com a absoluta maioria dos países.
Exemplo disso é nossa ampla e abrangente parceria estratégica com a República Popular da
China. Rússia e Índia também se beneficiam mutuamente de relação estratégica especial,
privilegiada. Nossas relações com muitos outros países no mundo estão chegando a um estágio de
novo dinamismo.
A Rússia está amplamente envolvida em organizações internacionais. Com nossos parceiros,
estamos promovendo e fazendo avançar associações e grupos como a Organização do Tratado de
Segurança Coletiva (CSTO), a Organização para a Cooperação de Xangai e os BRICS. Estamos
promovendo agenda positiva na ONU, no G20 e na Cooperação Econômica do Pacífico Asiático
(APEC). Estamos interessados em cooperação normal e construtiva com os EUA e a União
Europeia. Esperamos que o bom senso prevaleça, e que nossos parceiros optem pela via do trabalho
honesto, igual e coletivo.
Ainda que nossos pontos de vista colidam vez ou outra em algumas questões, nem por isso
deixamos de ser parceiros, porque temos de trabalhar juntos para conseguir responder aos desafios
mais complexos, garantir a segurança global e construir o mundo do futuro, mais interconectado a
cada dia, com mais e mais processos de integração dinâmica.
A Rússia e seus parceiros na União Econômica Eurasiana querem fazer dela um grupo de
integração econômica globalmente competitivo. A agenda da UEE inclui construir um mercado
comum para eletricidade, petróleo, derivados de petróleo e gás, harmonizando mercados financeiros
e conectando nossas autoridades alfandegárias. E também continuamos a trabalhar numa maior
parceria eurasiana.
Colegas,
Esse é momento de virada para todo o mundo, e os que querem e conseguem mudar, os que
agem e andam adiante fatalmente tomarão a dianteira. A Rússia e os russos expressamos esse desejo
de andar adiante em todos os momentos de definição de nossa história. Em apenas 30 anos, fizemos
mudanças que custaram séculos a outros países.
Continuaremos confiantemente a traçar nossa própria rota, como sempre fizemos. Nos
manteremos unidos, como sempre estivemos. Nossa unidade é o mais firme alicerce para o
progresso futuro. Nos próximos anos, nossa meta é fortalecer sempre mais essa unidade, de modo a
sermos uma só equipe coesa, que compreende que é indispensável mudar sempre e que devota toda
sua energia, seu conhecimento, sua experiência e seu talento a alcançar os objetivos de todos.
Desafios e altos objetivos dão significado especial a nossa vida. Temos de ser claros e
firmes em nossos planos e ações, temos de tomar iniciativas e assumir responsabilidades, temos de
nos fortalecer, o que significa que temos de ser úteis à nossa família, aos nossos filhos e a todo o
país; temos de mudar o mundo e mudar nosso país, sempre para melhor; e temos de construir a
Rússia com a qual todos sonhamos.
Só então a próxima década e todo o século 21 serão com certeza tempos de grandes vitórias
para todos os russos e de sucessos partilhados. Acredito firmemente que assim será.
Obrigado. [Fim da transcrição]
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As Novas Armas da Rússia (3): Implicações militares

organizado por Ruben Bauer Naveira


Este é o terceiro artigo da série “As Novas Armas da Rússia”, que busca apresentar ao
público brasileiro a nova realidade mundial inaugurada pelo discurso do presidente da Rússia
Vladimir Putin no dia primeiro de março, o qual marca uma ruptura histórica de consequências
imensuráveis para todo o mundo inclusive o Brasil: os Estados Unidos já não detêm mais a
supremacia militar no planeta, e os seus dias de superpotência estão contados.

As Novas Armas da Rússia (3): Implicações militares


Por Andrei Martyanov

Durante a guerra russo-georgiana de agosto de 2008, as operações do 58º Exército da Rússia


foram definidas como “coerção para a paz”. É definição adequada, que faz lembrar o que estava
então realmente em jogo. Os russos venceram aquela guerra e, sim, realmente coagiram a Geórgia a
adotar comportamento muito mais pacífico. Nos termos de Clausewitz, os russos alcançaram o
principal objetivo da guerra, dado que compeliram o inimigo a fazer a vontade da Rússia. Os russos,
como mostram os eventos dos últimos 19 anos, já não têm ilusões sobre a possibilidade de algum
tipo de conduta civilizada razoável do Ocidente como um todo, menos ainda dos EUA, que
continuam a viver na bolha que os isola das vozes exteriores da razão e da paz. O currículo global
dos EUA das últimas décadas não exige quaisquer elaborações sofisticadas: é currículo de repetidos
desastres militares e humanitários.
O discurso de Vladimir Putin no dia 01mar2018 à Assembleia da Federação Russa não
tratou das próximas eleições presidenciais, como sugerem muitos no Ocidente obcecados com
eleições. A fala de Putin teve o objetivo de coagir as elites norte-americanas, se não para a paz, pelo
menos para alguma forma de sanidade – aquelas elites que estão atualmente completamente
isoladas das realidades geopolíticas, militares e econômicas de um mundo recentemente surgido.
Como no caso da Geórgia em 2008, a coerção baseou-se no poder militar. O Exército Russo pré-
Shoigu [N. do T.: refere-se ao general Serguei Shoigu, Ministro da Defesa da Rússia, que desde
então tem comandado a modernização das Forças Armadas da Rússia], com todas as deficiências
reais e sabidas, precisou de apenas cinco dias para liquidar a força georgiana treinada e
parcialmente equipada pelos EUA – a tecnologia, o pessoal e o manejo operacional do Exército
Russo foram simplesmente melhores. Obviamente, esse tipo de cenário não é concebível entre
Rússia e os EUA; vale dizer, não é… a menos que o mito da superioridade tecnológica dos EUA
tenha esvaziado como bolha de sabão.
A maioria das elites do poder nos EUA jamais prestaram um dia de serviço militar na vida,
nem nunca frequentaram instituições acadêmicas militares sérias. Sua expertise em questões
tecnológico-militares e geopolíticas se limita a um ou dois ‘seminários’ sobre armas atômicas, e, no
melhor dos casos, aos esforços do Serviço de Pesquisa do Congresso. Essas elites simplesmente não
têm a qualificação mínima indispensável para compreender a complexidade e a natureza de uma
força militar; muito menos são capazes de compreender o serviço que presta esse tipo de força. Elas
simplesmente não têm pontos de referência. Mesmo assim, uma vez que são produto da cultura
norte-americana pop-militar – também chamada “pornografia militar” ou simplesmente propaganda
–, essa coleção de advogados, ‘cientistas políticos’, sociólogos e jornalistas que dominam a cozinha
estratégica norte-americana e que vivem de cozinhar, em regime non-stop, as doutrinas geopolíticas
e militares as mais delirantes –, eles com certeza entendem alguma coisa, quando veem os seus
entes queridos com um alvo desenhado ou na testa ou nas costas.
A mensagem de Putin aos EUA foi extremamente simples: fez os EUA lembrarem as
incontáveis vezes em que se recusaram até a ouvir o que os russos tinham a dizer sobre a posição da
Rússia no Tratado dos Mísseis Antimísseis. Como escreveu Jeffrey Lewis, em um momento de
surpreendente sobriedade da revista Foreign Policy:
A verdadeira origem da nova geração de bizarras armas nucleares russas não está na mais
recente Atualização da Doutrina Nuclear dos EUA, mas na decisão do governo George W. Bush,
em 2001, de retirar os EUA do Tratado dos Mísseis Antimísseis; e no fracasso bipartidário dos dois
governos, de Bush e de Obama, que absolutamente não conseguiram dedicar atenção significativa
às preocupações dos russos frente aos mísseis de defesa dos EUA. Putin disse claramente em seu
discurso: “Durante todos esses anos, desde a saída unilateral dos EUA do Tratado dos Mísseis
Antimísseis, nós trabalhamos sem descanso em armas e equipamentos avançados, que nos levaram
a descobertas indispensáveis para desenvolver novos modelos de armas estratégicas. Esses feitos
tecnológicos agora estão aí. Infelizmente, nós não conseguimos os feitos diplomáticos de que
precisávamos”.
A mensagem de Putin foi clara: “Ninguém quis conversar conosco sobre o xis da questão da
nossa segurança nacional. Ninguém quis nos ouvir. Agora, nos ouvirão”. Desse ponto em diante, a
fala de Putin só pode ser descrita como um “Stalingrado versus Pearl Harbor” da tecnologia militar.
Os desdobramentos estratégicos dos mais novos sistemas de armas que Putin apresentou são
imensos. De fato, eles têm peso histórico decisivo. Claro, muitos especialistas norte-americanos,
como era de se esperar, trataram de minimizar o evento o mais possível, o qual não passaria de
evento de autopromoção – é o que se pode esperar vindo de qualquer ‘especialista’ da comunidade
militar norte-americana. Já outros não foram tão longe, e vários, sim, nem tentaram disfarçar o
susto. A impressão geral hoje, um dia depois da apresentação de Putin, pode ser descrita, em termos
simples, do seguinte modo: o degrau que separa os mísseis dos EUA e da Rússia é real, mas não se
trata de um mero degrau; se trata, na verdade, de um abismo tecnológico. Paradoxalmente, esse
abismo nem está onde muitos até já admitiram que estaria – por exemplo, no míssil balístico RS-28
Sarmat, cuja existência e características aproximadas eram mais ou menos conhecidas já há anos.
Claro que se trata, inegavelmente, de realização tecnológica impressionante, um míssil balístico que
não só tem alcance praticamente ilimitado mas que, além disso, é capaz de adotar trajetórias que
tornam inúteis todas as defesas com mísseis antimísseis. Afinal, ser atacado a partir do Polo Sul por
um míssil que viajará sobre toda a América do Sul, absolutamente não é evento que os militares dos
EUA tenham meios para neutralizar. E eles continuarão sem dispor desses meios por ainda muitos e
muitos anos.
O mesmo se pode dizer do sistema de asa planadora hipersônica de velocidade Mach 20,
chamado Avangard, que já está sendo produzido em série, num desenvolvimento completamente
surpreendente – os EUA têm programa semelhante para esse tipo de arma, mas ainda não lograram
sucesso; ideias assim circulam nos EUA desde meados dos anos 2000s, sob o guarda-chuva do
programa PGS (Prompt Global Strike). Essas são sim fantásticas conquistas tecnológicas dos
russos, que Jeffrey Lewis chama de “bizarras” apenas para não confessar que “nós não temos nada
que sequer se aproxime disso”, mas nem foi esse o verdadeiro choque. Vários dos meus artigos
nesse universo trataram precisamente da área na qual os EUA estão absolutamente atrasados: os
mísseis cruzadores, todos os tipos deles. Previ há muito tempo que o real declínio militar dos EUA
viria precisamente desse lado. Hoje é absolutamente claro que a Rússia está em posição de
gigantesca vantagem militar-tecnológica em mísseis cruzadores e aerobalísticos, décadas à frente
dos EUA nesse campo crucial.
Enquanto os acadêmicos ocidentais discutiam esses sistemas exóticos e sem dúvida
surpreendentes, projetados e construídos para transportar armas atômicas até qualquer ponto do
globo com a mais alta precisão, muitos daqueles que são realmente profissionais lá estavam sem
respirar, de queixo caído, ao ser relevado o míssil Kinzhal (adaga). Essa sim, é a arma que muda
definitivamente o jogo, em termos geopolíticos, estratégicos, operacionais, táticos e psicológicos. Já
se sabia há algum tempo que a Marinha russa dispunha de um míssil revolucionário, de velocidade
Mach 8, o míssil antinavios 3M22 Zircon. Por mais impressionante e virtualmente não interceptável
por qualquer das defesas conhecidas que o Zircon seja, o Kinzhal é simplesmente estarrecedor, tais
as suas capacidades. O Kinzhal, que muito provavelmente é baseado no padrão do famoso míssil
Iskander, alcança Mach 10, é altamente dirigível e manobrável. Esse míssil aerobalístico com
alcance de 2.000 quilômetros, transportado e lançado por jatos MiG-31BM, simplesmente
reescreveu o manual da guerra naval. É arma que torna obsoletas as frotas de superfície. Não, você
não está lendo errado. Nenhuma defesa aérea ou sistema antimísseis que há hoje no mundo é capaz
de obter qualquer vantagem no confronto com o Kinzhal (talvez com a exceção do futuro S-500,
especialmente projetado para interceptar alvos hipersônicos [N. do T.: o mais avançado sistema
russo antimísseis]) e, muito provavelmente, levará décadas até que se encontre um antídoto para
ele. Mais especificamente: nenhum sistema moderno ou projetado de defesa aérea usado por
quaisquer das frotas da OTAN pode interceptar nem sequer um único míssil dotado de tais
características. Uma salva de cinco ou seis desses mísseis garante a destruição de qualquer porta-
aviões e respectiva grupo de combate de destroieres e cruzadores, por exemplo. E tudo isso sem
usar munição nuclear.
O emprego de tal arma – detalhe importante, especialmente porque agora sabemos que já há
uma delas voando no Distrito Militar Sul da Rússia – é muito simples. O ponto-alvo mais provável
de mísseis lançados dos MiG-31’s estará nas águas internacionais do Mar Negro, o que implica
dizer que todo o Mediterrâneo Oriental estará fechado para qualquer tipo de navios ou esquadras de
superfície.
A Rússia pode também fechar completamente o Golfo Pérsico. Ela pode também estabelecer
uma vastíssima zona de exclusão no Pacífico, áreas nas quais os jatos MiG-31 estacionados em
Yelizovo na península de Kamchatka ou na Base Aérea Centralnaya Uglovaya em Primosrky Krai
poderão patrulhar grandes distâncias sobre o oceano. Vale ressaltar que a atual plataforma de
transporte e lançamento do míssil Kinzhal é o MiG-31 – possivelmente o melhor jato interceptador
da História. Obviamente, a capacidade do jato MiG-31 para alcançar altas velocidades supersônicas
(bem acima de Mach 2) é um fator chave para o lançamento. Mas não importa quais sejam os
procedimentos para lançar essa arma aterrorizante, as consequências estratégicas imediatas da
entrada em operação do Kinzhal são as seguintes:

1. Os porta-aviões são finalmente deslocados para o nicho da mera projeção de poder contra
adversários fracos e indefesos, e para bem longe das áreas marítimas da Rússia, sejam o
Mediterrâneo, o Pacífico ou o Atlântico Norte. Significa também uma zona de exclusão para
qualquer um dos 33 destroieres e cruzadores da Marinha americana equipados com o
sistema Aegis [N. do T.: sistema originalmente defensivo de mísseis antimísseis, que podem
no entanto disparar também mísseis de ataque Tomahawk, que são mísseis de cruzeiro de
difícil detecção, o que sempre representou uma grave preocupação para a Rússia], cruciais
para o escudo dos chamados Mísseis Balísticos de Defesa dos norte-americanos;
2. O míssil Kinzhal torna completamente inúteis e obsoletos as clássicas esquadras de combate
comandadas por porta-aviões, que se tornam imprestáveis como principal força de ataque
contra adversário de força igual ou semelhante. Também deixa sem defesas qualquer navio
de combate de superfície, sejam quais forem as suas defesas antiaérea e antimísseis. O
Kinzhal anula completamente as centenas de bilhões de dólares que foram investidos
naquelas plataformas e armas, que de repente foram convertidas em nada mais que gordos
alvos indefesos. Todo o conceito de Batalha Ar-Mar, que também atende pelo nome de
Conceito Conjunto para Acesso e Manobra nas Áreas Globais em Comum, e que é a pedra
de toque da dominação global pelos EUA, foi também tornado simplesmente inútil. Pode-se
chamar isso de catástrofe completa, doutrinária e orçamentária.
3. O chamado “controle sobre os mares e negação de acesso aos mares” muda completamente
de natureza, as duas coisas se fundem. Quem possui essas armas é simplesmente ‘dono’ de
vastos espaços nos mares cobertos pelos alcances do míssil Kinzhal e das aeronaves que os
transportam. Isso também remove completamente qualquer apoio de superfície, crucial para
os submarinos em todos os casos, expondo-os à aviação e aos navios de superfície de
patrulha e de guerra antissubmarina. O efeito é multiplicativo e é profundo.

A Rússia possui muitos desses transportadores-lançadores – o programa de modernização


dos jatos MiG-31s para o modelo BM já está há anos funcionando a pleno vapor, e as unidades da
frente de combate da Força Aérea russa vêm recebendo considerável influxo desse tipo de aeronave.
Ficou claro agora o motivo pelo qual foi empreitado esse processo de modernização – ele fez dos
MiG-31BM as plataformas de lançamento do Kinzhal. Como o Major-Almirante James L. Jones
deixou registrado em 1991, depois da Primeira Guerra do Golfo: “Para botar para correr em
pânico uma esquadra de combate de porta-aviões e tudo, basta alguém despejar na água meia
dúzia de barris com inflamáveis”. O míssil Kinzhal efetivamente remove para milhares de
quilômetros de distância das praias russas qualquer força de superfície não suicida, e torna
irrelevante toda a sua capacidade. Em linguagem de leigos, significa apenas uma coisa – toda a frota
de superfície da Marinha dos Estados Unidos vira uma força oca, boa só para desfilar em dias de
parada e exibir bandeira nos litorais de países fracos e subdesenvolvidos. E isso pôde ser feito
apenas com uma fração mínima dos custos astronômicos das plataformas e armas norte-americanas.
É muito difícil, nesse momento, prever o efeito de médio e longo prazo, nos EUA, do
discurso de Putin. Pode-se prever bem mais facilmente que usarão o clichê, muito batido e já
semimorto, da “assimetria”. Mas esse clichê não se aplica. O que aconteceu no dia primeiro de
março desse ano, com o anúncio e a exibição das novas armas russas, não é fenômeno de
“assimetria”: foi o reconhecimento do advento de um paradigma completamente novo na concepção
da guerra, na tecnologia militar e, como consequência, também na estratégia e no manejo
operacional. As velhas regras e os velhos saberes já não se aplicam mais. Os EUA não estavam e
não estão preparados para o que veio, apesar de muitos profissionais competentes, inclusive nos
EUA, terem alertado sobre um novo paradigma militar-tecnológico que estava em andamento, e
alertado também para a miopia e a arrogância dos norte-americanos em tudo que tenha a ver com
militares e militarismos. Como o coronel Daniel Davies se viu forçado a admitir:
Por mais justificado que o orgulho possa ter sido naquele momento, o orgulho rapidamente
se converteu na mais insuportável arrogância. Hoje, essa arrogância é perigo mortal para a nação.
Talvez nada exemplifique melhor essa ameaça do que o sistema disfuncional de compras do
Pentágono.
É prudente prever hoje, considerado o pano de fundo de uma abordagem geral da guerra
pelos norte-americanos, que não haverá resposta tecnológica sensível dos EUA à Rússia no futuro
previsível. Os EUA simplesmente não têm recursos para se contrapor, exceto botar para rodar suas
máquinas de imprimir dinheiro, levando a si próprios completamente à falência nesse processo. Mas
esse é o ponto: os russos sabem disso, e o discurso de Putin não visou ameaçar diretamente os EUA,
ainda que, para todos os efeitos e propósitos, os EUA estejam hoje simplesmente indefesos diante
do arsenal de armas hipersônicas da Rússia. A Rússia não persegue o objetivo de destruir os EUA.
As ações da Rússia são ditadas por uma única razão: dar um tranco, meter um trabuco no nariz de
um bêbado armado com dois punhais que está aos pulos num bar apinhado de gente, para obrigá-lo
a parar de pular, entregar os punhais e ouvir o que os outros tenham a dizer. Em outras palavras, a
Rússia entrou armada de pistola numa briga de faca. Porque esse parece ser o único modo de lidar,
hoje, com os EUA.
Se o tranco e a demonstração da superioridade militar-tecnológica dos russos terão algum
efeito, como foi desde o começo a intenção dos russos, poderá ter início uma conversa racional e
sensível sobre a nova ordem mundial entre os atores geopolíticos decisivos. O mundo já não tem
como continuar arcando com um abusador valentão, pretensioso, superficial e guiado por
autopromoção, que nem percebe o que faz e que ameaça a estabilidade e a paz do mundo. A
autoproclamada hegemonia dos norte-americanos está encerrada, precisamente no ponto que
realmente importa para qualquer real ou suposto hegemon – no campo militar. Ela já estava
encerrada faz algum tempo, mas faltava o discurso de Putin para demonstrar o velho e bom truísmo
de Al Capone, que sabia que sempre se pode obter muito mais com uma palavra gentil e uma arma
do que só com a palavra gentil. Afinal de contas, ninguém mais que a Rússia insistiu em usar só a
palavra gentil. Não funcionou, e os EUA agora só têm a si mesmos para culpar.
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As Novas Armas da Rússia (4): Implicações políticas


Este é o quarto artigo da série “As Novas Armas da Rússia”, que busca apresentar ao
público brasileiro a nova realidade mundial inaugurada pelo discurso do presidente da Rússia
Vladimir Putin no dia primeiro de março, o qual marca uma ruptura histórica de consequências
imensuráveis para todo o mundo inclusive o Brasil: os Estados Unidos já não detêm mais a
supremacia militar no planeta, e os seus dias de superpotência estão contados.

As Novas Armas da Rússia (4): Implicações políticas


Por The Saker

Para aqueles interessados nas implicações militares das recentes revelações por Vladimir
Putin a respeito dos novos sistemas de armamento, eu recomendaria o excelente artigo de Andrei
Martyanov intitulado “As Implicações dos Novos Sistemas de Armamento da Rússia” (que foi o
texto anterior publicado nesta série, que oferece uma análise soberba do que essas novas armas
representam para os Estados Unidos, e especialmente para a Marinha americana. O que eu pretendo
fazer aqui é algo um pouco diferente, que é examinar algumas das consequências mais políticas
dessas revelações.

Os dois primeiros estágios do luto: negação e raiva


Agora mesmo, os AngloSionistas estão passando por algo muito similar aos dois primeiros
estágios do modelo de Kübler-Ross dos Cinco Estágios do Luto: negação, raiva, barganha,
depressão e aceitação. Isto se manifesta basicamente em críticas à qualidade dos vídeos
apresentados por Putin e em vociferação simplória do tipo “essas armas só existem no papel”. Isto é
absolutamente normal, e não vai durar muito. Esse tipo de negação é um mecanismo comum de
enfrentamento da realidade cuja função básica é “suavizar o impacto”, mas não se trata de algo em
que se possa basear qualquer política pública ou estratégia real. Ainda assim, vale a pena examinar
porque exatamente aquelas revelações dispararam reação tão forte, uma vez que as coisas são um
pouco mais complicadas do que à primeira vista aparentam ser.
Primeiramente, uma espantosa revelação de fundo: a disposição dessas armas não altera
fundamentalmente o equilíbrio nuclear entre a Rússia e os Estados Unidos, pelo menos não em
termos da estabilidade quanto ao “primeiro golpe” (para uma discussão detalhada veja aqui) [N. do
T.: “first strike”, ou “primeiro golpe”, refere-se a um ataque de surpresa para destruir os mísseis
nucleares do inimigo antes que cheguem a ser disparados, reduzindo ou eliminando sua
capacidade de retaliação; por “first strike stability”, o autor quer dizer que nem Estados Unidos
nem Rússia chegam a deter essa capacidade de aniquilação preventiva completa do outro]. Sim, é
verdade que o arsenal nuclear americano está se tornando crescentemente antiquado, especialmente
se comparado ao russo, e, sim, também é verdade que, por meio de uma família inteira de
tecnologias, os russos se encontram agora claramente muitos anos à frente dos americanos. Mas,
não, isso não significa que a Rússia possa sair impune de um “primeiro golpe” contra os Estados
Unidos (tampouco os Estados Unidos poderiam, no que interessa, sair impunes de um “primeiro
golpe” contra a Rússia). Ambos os países possuem mais que suficientes capacidades de ataque
nuclear, ainda que suas forças tenham sido reduzidas em mais de noventa por cento por um suposto
ataque de aniquilação. O propósito do alerta de Putin não foi de modo algum ameaçar o Ocidente,
ou sugerir que a Rússia poderia ir atrás da vitória em uma guerra nuclear, longe disso! Antes de
mais nada, seu discurso foi um caso muito necessário de psicoterapia em público. Pode-se dizer
que sua intenção foi a de forçar o Império a mais cedo ou mais tarde adentrar as três seguintes, e
mais construtivas, fases do luto: barganha, depressão e aceitação.

Trazendo um Império profundamente delirante a um senso de realidade


Os líderes do Império, juntamente com seus drones ideológicos cerebralmente lavados,
vivem em um mundo completamente dissociado da realidade. É por isso que Martyanov escreve
que os Estados Unidos “continuam ainda a morar na sua bolha que os mantém isolados de
quaisquer vozes exteriores de racionalidade e paz”, e que a fala de Putin visou “coagir as elites da
América a, senão paz, ao menos uma forma de sanidade, dado que elas atualmente se encontram
completamente dissociadas das realidades geopolítica, militar e econômica de um mundo
recentemente emergido”. Martyanov explica que:
As elites do poder americano, a maior parte das quais nunca serviu em uniforme um dia
sequer, nem mesmo frequentou instituições acadêmicas militares sérias, e cuja expertise em
assuntos militares tanto geopolíticos como tecnológicos se limita a um par de seminários sobre
armas nucleares, ou, na melhor hipótese, aos esforços do Serviço de Pesquisa do Congresso,
simplesmente não estão credenciadas a alcançar a complexidade, a natureza e a aplicação da força
militar. Elas simplesmente não dispõem de pontos de referência. Ainda assim, por serem um
produto da cultura militar-pop americana – também conhecida como “military porn”, e propaganda
– essas pessoas, essa coletânea de advogados, “cientistas” políticos, sociólogos e jornalistas que
dominam a cozinha estratégica americana na qual ininterruptamente se cozinham doutrinas
geopolíticas e militares delirantes, uma coisa eles podem entender com certeza, e isso é quando os
seus entes mais queridos ganham um vistoso alvo pintado nos seus traseiros ou nas suas testas.
O fato de que, no mundo real, essas elites estão, há décadas, com um alvo pintado em seus
traseiros, não altera o fato de que elas também têm conseguido convencer a si próprias que elas
poderiam remover esse alvo, ao se retirar do tratado de proibição de mísseis antimísseis (ABM) e
circundar a Rússia com esses mísseis. O fato de que alguns (muitos? a maioria?) dos políticos
americanos se dão conta, ao menos no seu subconsciente, que seus sistemas ABM jamais
protegeriam verdadeiramente os Estados Unidos de um ataque de retaliação russo, de fato nunca
importou, porque havia alguns fatores psicológicos singularmente americanos que tornavam
irresistivelmente atrativa a noção de um sistema ABM:
1. Um sistema ABM prometia aos Estados Unidos impunidade: juntamente com a
superioridade militar, a impunidade é um dos grandes mitos americanos (conforme discutido
aqui). Desde Reagan com suas “armas para matar armas” até a atual crise com a Coreia do
Norte, os americanos sempre buscaram impunidade para suas ações no estrangeiro: deixe
que todos os países se afoguem num oceano de fogo, matança e caos desde que a nossa
“mãe pátria” permaneça uma cidadela sacrossanta e intocável. Após a Segunda Guerra
Mundial os americanos mataram muitos milhões de pessoas mundo afora, mas, quando
sobreveio o 11 de setembro (deixando de lado que se tratou obviamente de um “false flag”),
o país entrou em algo clinicamente similar a um choque, pela morte de cerca de três mil
civis inocentes. As armas nucleares da União Soviética, e, depois disso, da Rússia,
prometiam causar dezenas de milhões de mortes se a URSS/Rússia fosse atacada, e é por
isso que girar o conto de fadas sobre um “escudo” ABM foi tão atrativo, mesmo que isso
fosse, tecnologicamente falando, ou um sonho impossível (o “Guerra nas Estrelas” de
Reagan) ou um sistema extremamente limitado, capaz de parar no máximo talvez alguns
poucos mísseis (o atual sistema ABM na Europa). Novamente, fatos nada importam, ao
menos não nas políticas americanas ou na psique coletiva dos Estados Unidos.
2. Um sistema ABM prometia ser um imenso golpe de sorte financeiro para o fantasticamente
corrupto Complexo Industrial Militar dos Estados Unidos, para o qual trabalham milhões de
americanos e que faz muitos deles fantasticamente ricos. Francamente, eu suspeito que
muitos (a maioria?) dos caras envolvidos nos programas ABM se davam plenamente conta
de que não passava de perda de tempo, mas, na medida em que eles tinham suas contas
bancárias abastecidas de dinheiro, eles simplesmente não ligavam: ei, eles me pagam – eu
vou pegar!
3. A cultura militar dos Estados Unidos nunca deu muita ênfase à coragem pessoal ou ao auto-
sacrifício (por razões óbvias). As diversas variações do conto de fadas do ABM fizeram
possível aos americanos acreditar que a próxima guerra poderia ser travada apertando botões
e confiando em computadores. E, se bombas de verdade começarem a cair, deixe que caiam
em outro lugar, de preferência em cima de algum povo marrom longínquo que, afinal, bem,
não são de fato tão preciosos para Deus e para a humanidade quanto nós, a “nação
indispensável” Branca.

Acrescente a tudo isto uma crença quase-religiosa (um dogma, na verdade) no mito da
superioridade tecnológica americana e você entenderá que os líderes russos começaram a se dar
conta que seus congêneres americanos iam gradualmente se esquecendo que seus traseiros estavam
com um alvo pintado. Então, o que Putin fez foi simplesmente pintar mais alguns alvos, diferentes,
apenas para se certificar que os líderes dos Estados Unidos retornassem à realidade.
O objetivo do discurso de Putin foi também provar que tanto Obama (“a economia russa está
em frangalhos”) quanto McCain (“a Rússia é um posto de gasolina fantasiado de país”) estavam
errados. A mensagem russa para as elites governantes americanas foi simples: não, nós não apenas
não estamos atrás de vocês tecnologicamente, por muitas maneiras nós já estamos décadas à frente
de vocês, a despeito das suas sanções, das suas tentativas de nos isolar, da queda dramática nos
preços da energia, ou das suas tentativas de limitar nosso acesso aos mercados mundiais (o
desenvolvimento bem-sucedido dessa nova geração de sistemas de armamentos é um claro
indicador do estado real da pesquisa básica na Rússia em campos tais como ligas metálicas
avançadas, nanotecnologia, supercomputação etc.)
Aos belicistas do Pentágono, a mensagem foi igualmente clara e firme: nós gastamos menos
de dez por cento do que vocês gastam em agressão global; nós contrabalançaremos a sua vantagem
quantitativa com a nossa superioridade qualitativa. De forma simples, vocês lutam com dólares, nós
lutaremos com neurônios. Os propagandistas dos Estados Unidos, que adoram falar sobre como a
Rússia sempre se utiliza de grandes contingentes de soldados inábeis e de armas toscas porém
brutais, terão agora que lidar com um paradigma que lhes é completamente estranho: um soldado
russo é muito melhor treinado, muito melhor equipado, muito melhor comandado e a sua moral e
força de vontade é quase que infinitamente maior que a de um militar típico dos Estados Unidos.
Para uma cultura militar que repete como um mantra que tudo a respeito de si própria é “o melhor
do mundo” ou mesmo “o melhor da História”, essa nova realidade chegará como um choque muito
doloroso, e a maioria responderá a ela entrando em negação profunda. Para aqueles que acreditaram
na (historicamente, falsa por completo) narrativa sobre os Estados Unidos e Reagan levando a
União Soviética à falência por meio de uma corrida armamentista bem-sucedida, será sentido como
bastante estranho se colocar no “lugar invertido” com a velha e má URSS, e se ver na situação de
ter que encarar a falência induzida pela gastança militar.

Nada vai mudar no Império das Ilusões (ao menos não no futuro previsível)
Por falar em falência, as recentes revelações confirmaram aquilo que os russos vêm
alertando há muitos anos: toda a imensa soma de dinheiro gasto pelos Estados Unidos em defesas
ABM foi completamente desperdiçada. A Rússia descobriu e implantou uma resposta assimétrica
que faz da totalidade do programa ABM algo completamente inútil e obsoleto. Ademais, como
Martyanov também assinalou, a atual estrutura das forças navais de superfície dos Estados Unidos
foi também tornada obsoleta e inútil, ao menos contra a Rússia (mas você pode estar certo que a
China vem logo atrás). Potencialmente, este estado de coisas deveria implicar repercussões imensas,
tectônicas: quantias imensas de dinheiro do contribuinte americano foram completamente
desperdiçadas, as estratégias naval e nuclear dos Estados Unidos foram completamente
equivocadas, a inteligência falhou (tanto a nível de aquisição como de análise), os políticos
americanos tomaram decisões desastrosas, e isso é uma tamanha m**** que deveria desencadear
sabe lá Deus quantas investigações e renúncias, além de numerosas punições, administrativas ou
mesmo criminais. Mas, é claro, absolutamente nada disso vai acontecer, nada mesmo. Nem uma
única cabeça rolará…
No “Império das Ilusões”, os fatos simplesmente não têm a menor importância. De fato, eu
prevejo que o agora claramente inútil programa ABM prosseguirá como se nada tivesse acontecido.
E, de certo modo, isso é verdade. Ao zumbificado público geral dos Estados Unidos não será dito o
que está acontecendo, aqueles que compreenderem serão marginalizados e não terão poder para
efetuar nenhuma mudança, e, quanto aos parasitas corruptos que vêm ganhando milhões e bilhões
por meio desse total desperdício de dinheiro do contribuinte, estes possuem demasiado em jogo
para atirar a toalha. De fato, uma vez que os Estados Unidos são agora governados pelos Neocons
[N. do T.: apelido para neoconservadores], nós podemos muito facilmente prever o que eles irão
fazer. Eles farão o que Neocons sempre fazem: dobrarão a aposta. Assim, após ter se tornado de
conhecimento público que a totalidade das instalações ABM é inútil e desatualizada, pode-se
esperar uma injeção adicional de dinheiro por “congressistas patriotas” (<<== meu esforço para ser
politicamente correto!) rodeados por bandeiras, que explicarão ao público lobotomizado que eles
estão “adotando uma postura firme” contra “o ditador russo”, e que os orgulhosos Estados Unidos
da América não irão ceder à pressão da “chantagem nuclear russa”. As cores da nossa bandeira não
desbotam! Unidos nos erguemos! Etc. etc. etc.
No que diz respeito à Marinha dos Estados Unidos, isso nem mesmo será um tema. Quer
dizer então que um sujeito russo (refiro-me a Martyanov) escreveu alguma coisa para a Unz
Review. E daí? Isso não passa de mais “propaganda russa”, é claro. Será desconsiderado antes
mesmo de poder ser realmente estudado, e inevitavelmente a conclusão reconfortante será “nós
somos número um”, “a América reina sobre os mares” e todo o resto da insensatez ufanista habitual
com que os almirantes dos Estados Unidos vêm alimentando o público há décadas. Tenha ainda em
mente que os sujeitos sagazes na Marinha, e há muitos deles, compreenderam o tempo todo o que
estava se passando, mas eles ou não detêm influência nenhuma ou se mantêm em silêncio por
razões óbvias de carreira.
A realidade é que aquilo que Martyanov denomina “o mito americano da superioridade
tecnológica” se encontra tão profundamente arraigado na psique coletiva dos Estados Unidos que
foi tornado parte da identidade nacional, não podendo jamais ser questionado com êxito. Ainda que
Putin decida que vídeos e discursos simplesmente não bastam e resolva fazer uma demonstração
com munição de verdade, os zumbis agitadores de bandeira na mídia, no governo e no público
encontrarão algum modo de negar por completo, fingir que não aconteceu, ou colocar um sorriso
misterioso na cara e replicar algo na linha de “yeah, legal, mas, se vocês apenas desconfiassem das
superarmas que nós não estamos mostrando para vocês!!” (como um desses drones de fato
escreveu, “há de haver armamento escondido na manga dos Estados Unidos para ser usado no
caso de um ataque”). Assim, para o futuro previsível, espere pela continuidade da negação coletiva.

“Quando a sua cabeça está na areia, o seu traseiro está no ar”


Mas, ainda assim, a realidade existe. Não importa o quanto os propagandistas americanos
tentem torcê-la, negá-la, ofuscá-la ou menosprezá-la, algo muito fundamental mudou para os
Estados Unidos. Um desses elementos da realidade que começará com o tempo a penetrar nas
mentes dos americanos é que a sua tão amada “mãe pátria”, e eles próprios, estão agora direta e
pessoalmente sob risco. De fato, pela primeira vez na História, os Estados Unidos se encontram
agora debaixo da mira de poderosas armas convencionais que podem atingir qualquer alvo dentro
dos Estados Unidos. Como se isso não bastasse, os lançadores dos novos sistemas de armas, os
mísseis de cruzeiro, que agora podem atacar qualquer parte dos Estados Unidos, são, ao contrário
dos velhos e maus mísseis balísticos intercontinentais, extremamente difíceis de se detectar, o que
pode deixar os Estados Unidos com pouco ou nenhum tempo de alerta. Nós já sabíamos a respeito
dos mísseis de cruzeiro 3M-54 Kalibr e KH-101/102, com alcances de 2.600 km e 5.500 km (ou
mais). Vladimir Putin anunciou agora que a Rússia também dispõe de mísseis de cruzeiro
impulsionados a energia nuclear, cujo alcance é essencialmente infinito. Tenha em mente que esses
mísseis são muito difíceis de detectar porque o seu lançamento não produz um sinal térmico forte,
eles voam a maior parte de sua trajetória a velocidades subsônicas (somente acelerando no final)
pelo que a sua assinatura térmica é muito baixa, o seu formato produz uma seção transversal de
radar também muito baixa, e eles podem seguir cursos de voo a altitudes extremamente baixas
(“nap of the earth”), o que os oculta ainda mais. O melhor de tudo, contudo, é que eles podem ser
lançados daquilo que, externamente, aparenta ser um contêiner comercial comum. Dê por favor uma
olhada neste curto vídeo de propaganda, mostrando como esses mísseis podem ser escondidos,
dispostos e utilizados:
https://www.youtube.com/watch?v=XgyZzRRFLlg]
O que Putin agora oficialmente acrescentou a este arsenal são mísseis de cruzeiro de alcance
infinito que poderiam, teoricamente, destruir um posto de comando, digamos, no Meio Oeste
americano, tendo sido lançados do sul do Oceano Índico ou do Mar da Tasmânia. Ainda melhor, a
plataforma de lançamento não necessita de modo algum ser um navio da Marinha russa, mas
poderia ser qualquer navio comercial (de carga, pesca etc.), ou até mesmo um navio de cruzeiro. Os
aviões de transporte pesados russos poderiam também entregar tais “contêineres” em qualquer
lugar, digamos, na África ou mesmo na Antártida, para, a partir de lá, atacar o bairro central de
Omaha [N. do T.: cidade do estado americano de Nebraska] portando tanto uma ogiva
convencional quanto uma nuclear. Isso é também um divisor de águas fundamental.
Por outro lado, você pode considerar o novo torpedo a propulsão nuclear como um tipo de
“míssil de cruzeiro subaquático”, com capacidades similares contra navios de superfície ou
instalações costeiras – à exceção de que tal “míssil de cruzeiro subaquático” é capaz de “voar” por
debaixo da calota polar. Desnecessário dizer, todos esses mísseis de cruzeiro podem, se necessário,
ser equipados com ogivas nucleares.
Mas não somente o território dos Estados Unidos é agora vulnerável. Todas as instalações
militares americanas ao redor do mundo podem agora ser atacadas deixando os Estados Unidos com
pouco ou nenhum tempo de reação.
Não é exagero dizer que isto é verdadeiramente uma mudança radical, ou mesmo uma
revolução, na guerra moderna. Eu detesto ter que admitir, mas isto é também um desdobramento
indesejável em termos da estabilidade quanto ao “primeiro golpe” [N. do T.: “fisrt strike stability”,
conceito já mencionado], uma vez que coloca uma grande parte da tríade nuclear [N. do T.: ogivas
nucleares carregadas em mísseis disparados por silos em solo, por submarinos, e por aviões (terra,
mar e ar)] dos Estados Unidos em perigo, juntamente com praticamente todas as instalações vitais
americanas, militares ou não.
Tendo dito isto, toda a culpa por ter a situação chegado a este ponto deve ser debitada às
políticas arrogantes e irresponsáveis dos Estados Unidos desde a desastrosa retirada americana em
2002 do tratado de proibição de sistemas ABM. Ademais, eu me sinto seguro de que os russos com
satisfação se sentariam com os americanos para explorar quaisquer alternativas razoáveis até se
chegar a um entendimento mútuo para a restauração da estabilidade quanto ao “primeiro golpe”
entre os dois países. Ninguém, é claro, para além dos líderes corruptos do Complexo Industrial
Militar dos Estados Unidos, necessita de nenhum tipo de corrida armamentista entre a Rússia e os
Estados Unidos, nem dos imensos custos associados a uma tal empreitada. Mas, uma vez que essa
corrida armamentista irá prosseguir (como já dito, Neocons sempre dobram as apostas), a Rússia
detém uma enorme vantagem nessa corrida, por duas razões chave:
1. Ao contrário da Rússia, os Estados Unidos irão, por razões de prestígio
absolutamente idiotas, se recursar categoricamente a reduzir os seus inúteis
programas de ABM e de encomendas de novos porta-aviões, e todas as verbas
alocadas a conter de fato as capacidades russas serão gastas, agora com mais
empenho, justamente nesses programas inúteis e obsoletos. A Rússia, em
contrapartida, gastará seu dinheiro em programas que de fato fazem diferença.
2. Os Estados Unidos estão agora ficando dramaticamente para trás em muitas áreas
nas quais os ciclos de desenvolvimento são longos. Francamente, eu não consigo
sequer imaginar como os Estados Unidos irão se desvencilhar de desastres de projeto
como o navio de combate de litoral (LCS) ou, talvez o pior deles todos, o F-35 [N.
do T.: o mais avançado avião de combate americano]. Assim como a Rússia na
década de 1990, os Estados Unidos se encontram atualmente governados por
covardes incompetentes que, simplesmente, não contam com o que é necessário para
empreender uma real e significativa reforma militar, e, como resultado disso, as
forças armadas dos Estados Unidos padecem de problemas que estão para se tornar
muito piores antes que possam vir a melhorar. Por enquanto, a diferença entre a
Rússia de Putin e os Estados Unidos de Trump é tão simples quanto cruel: a Rússia
gasta seu dinheiro em defesa, os Estados Unidos gastam seu dinheiro enriquecendo
políticos e executivos corruptos. Com base nisso, os Estados Unidos não têm a
menor chance em qualquer corrida armamentista, não importa o talento e o
patriotismo de seus engenheiros e soldados.

A Rússia e os Estados Unidos já estão em guerra, e a Rússia está ganhando


A Rússia e os Estados Unidos têm estado em guerra desde pelo menos 2014 (eu venho
alertando a esse respeito ano, após ano, após ano). Até aqui, esta guerra tem sido cerca de 80%
informacional, 15% econômica e apenas 5% cinética [N. do T.: como exemplo de guerra cinética, a
derrubada recente de um avião de combate SU-25 da Rússia em missão na Síria em 03.fev.2018,
por um míssil terra-ar portátil do tipo MANPAD entregue pelos americanos a terroristas sírios].
Mas essa correlação pode muito bem mudar, e muito repentinamente. A Rússia embarcou assim
num esforço imenso para se preparar contra um ataque tanto convencional quanto nuclear do
Império AngloSionista. Aqui vão listadas algumas das providências que vêm sendo adotadas neste
contexto: (é uma lista parcial, não-exaustiva!)

Em resposta à ameaça convencional da OTAN a partir do Ocidente:


– Putin ordenou a recriação do Primeiro Exército de Guardas de Tanques. Esse exército
comporta duas divisões de tanques (as melhores dentre os militares russos – a Segunda
Divisão de Guardas Motorizada de Rifles Tamanskaya e a Quarta Divisão de Guardas de
Tanques Kantemirovskaya), e um total de mais de quinhentos tanques Armata T-14. Esse
exército de tanques será apoiado pelo Vigésimo Exército de Guardas de Armas Combinadas.
Isto é o que seria chamado, durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, de um
“Exército de Choque” (em andamento).
– O posicionamento de sistemas de mísseis operacionais-táticos Iskander-M (completado).
– A duplicação do tamanho das forças aerotransportadas russas, de 36.000 para 72.000 (em
andamento).
– A criação de uma Guarda Nacional, que incluirá tropas do Ministério do Interior (cerca de
170.000 soldados), pessoal do Ministério de Situações de Emergência, as forças policiais
antimotim OMON (cerca de 40.000 soldados), as forças de resposta rápida SOBR (mais de
5.000 soldados), o Centro de Designação Especial das Forças de Reação Operacional e
Aviação do Ministério de Assuntos Internos, incluindo as unidades de Forças Especiais
“Zubr”, “Rys” e “Iastreb” (mais de 700 agentes), em um total de cerca de 250.000 soldados,
que provavelmente chegará a um contingente de 300.000 homens em futuro próximo.
– A encomenda e a entrada em serviço de caças e interceptadores avançados multifuncionais
de superioridade aérea (MiG-31BM, Su-30SM e Su-35S, e, em breve, MiG-35 e Su-57).
– A disposição dos sistemas de defesa aérea S-400 e S-500, juntamente com radares de grande
alcance.
– A adoção de cerca de 70% de sistemas novos e modernos para todas as forças armadas.

Em resposta ao “cerco” da Rússia pelos Estados Unidos com sistemas ABM:


– A disposição dos mísseis balísticos intercontinentais RS-28 Sarmat dotados de veículos de
reentrada hipersônicos [N. do T.: são consideradas hipersônicas as velocidades acima de
cinco vezes a velocidade do som] e manobráveis.
– A disposição de mísseis de cruzeiro de longo alcance convencionalmente armados.
– A disposição de mísseis de cruzeiros de propulsão por energia nuclear, com um alcance
essencialmente ilimitado.
– A disposição de submersíveis não-tripulados de propulsão por energia nuclear com alcance
intercontinental, velocidade muito alta, propulsão silenciosa e capazes de se mover a
grandes profundidades.
– A disposição do míssil hipersônico Kinzhal, de velocidade Mach 10 [N. do T.: dez vezes a
velocidade do som] e alcance de 2.000 quilômetros.
– A disposição do novo míssil estratégico Avangard, capaz de velocidades Mach 20.

Esta lista está longe de ser exaustiva, há muito mais que nela falta inclusive novos
submarinos (de propulsão sem oxigênio, de propulsão convencional diesel-elétrica, submarinos
nucleares de ataque e SSBNs), aeronaves de ataque, novos veículos blindados de vários tipos, novos
equipamentos avançados de alta tecnologia individuais para os soldados, novos sistemas de
artilharia, etc. etc. etc. Mas, de longe, o elemento mais importante na prontidão russa para
confrontar e, se necessário, repelir qualquer agressão ocidental é a moral, a disciplina, o treinamento
e a determinação dos soldados russos (tão poderosamente ilustrado por diversos exemplos recentes
na Síria). Vamos dizer apenas que, em comparação, os militares americanos e europeus (ou os seus
comandantes, naquilo que interessa) não são exatamente impressionantes, e vamos ficar por aqui.

Si vis pacem, para bellum


A realidade, claro, é que ninguém na Rússia planeja uma guerra, precisa de uma guerra ou
quer uma guerra. De fato, a Rússia como país necessita de muitos anos mais de paz (mesmo
relativa). Primeiro, porque o tempo está obviamente do lado da Rússia, com o equilíbrio militar com
os Estados Unidos se deslocando rapidamente a favor da Rússia. Mas não menos importante é o
fato que, ao contrário dos Estados Unidos que anseiam por conflitos, guerras e caos, a Rússia
necessita seriamente de paz para lidar com os seus ainda muito numerosos problemas internos, que
há muito tempo vêm sendo negligenciados. O problema é que a totalidade do sistema político e da
economia dos Estados Unidos são completamente dependentes de um estado de guerra permanente.
Isso, juntamente com uma arrogância imperial impulsionada por uma russofobia crescentemente
vocalizada, é uma combinação potente e potencialmente perigosa, que não deixa à Rússia outra
opção senão mostrar os dentes e assumir também algum modo de ostentação do seu poderio militar.
Assim, terá sido o discurso de Putin suficiente, para despertar do seu sono delirante as elites
governantes do Império?
Provavelmente não. De fato, no curto prazo, ele poderá ter o efeito contrário.
Lembra de quando a Rússia bloqueou o ataque planejado de Obama contra a Síria? A reação
dos Estados Unidos foi disparar o Maidan [N. do T.: refere-se ao golpe de estado havido em 2014
na Ucrânia]. Lamentavelmente, eu espero que algo muito similar acontecerá em breve, mais
provavelmente na forma de um ataque em grande escala Ukronazi [N. do T.: refere-se à Ucrânia]
contra o Donbass [N. do T.: refere-se às repúblicas separatistas de Lugansk e Donetsk do leste da
Ucrânia, agora nesta primavera, ou durante a Copa do Mundo neste verão. É claro que,
independente do real desfecho de um tal ataque (já discutido aqui), isso não afetará de modo algum
a real correlação de forças entre a Rússia e o Império. Mas fará com que os americanos se sintam
bem (Neocons adoram a vingança em todas as suas formas). Nós podemos ainda esperar novas
provocações na Síria (já discutidas aqui). A partir de agora e para o futuro previsível, os russos
terão de prosseguir no seu assumidamente frustrante e até doloroso procedimento corrente, que é
manter uma postura relativamente passiva e evasiva a qual o Império e seus bajuladores
previsivelmente interpretarão como sinal de fraqueza. Deixa eles. À medida que, no mundo real, o
poder efetivo do Império (seja soft ou hard) continue a declinar, à medida que o Complexo
Industrial Militar dos Estados Unidos continue a produzir em massa sistemas de armamentos
fantasticamente caros porém militarmente inúteis, à medida que os políticos dos Estados Unidos
estejam ocupados culpando a “interferência russa” enquanto nada fazem para reformar as suas
próprias economia e infraestrutura rumo ao colapso, à medida que os Estados Unidos continuem a
usar suas máquinas de imprimir dinheiro como substituto para a riqueza real, e à medida que as
tensões sociopolíticas internas nos Estados Unidos continuem a esquentar – então o plano de Putin
estará funcionando.
A Rússia necessita continuar a caminhar sobre uma trilha bastante estreita: agir de forma
suficientemente evasiva de modo a evitar provocar uma confrontação militar direta com os Estados
Unidos, enquanto, ao mesmo tempo, envia sinais suficientemente claros para evitar que os
americanos interpretem essa evasividade da Rússia como sinal de fraqueza para então vir a cometer
algo realmente estúpido. O objetivo final da Rússia é simples e óbvio: chegar a uma desintegração
gradual e pacífica do Império AngloSionista de forma combinada com uma substituição gradual e
pacífica de um mundo unipolar, regido por um único país hegemônico, para um mundo multipolar
administrado conjuntamente por nações soberanas respeitadoras da lei internacional.
Assim, quaisquer desfechos catastróficos ou violentos são altamente indesejáveis e devem
ser evitados o mais possível. Paciência e foco serão muito mais importantes nesta guerra pelo futuro
do nosso planeta do que reações imediatistas ou propaganda ufanista. O “paciente” necessita ser
trazido de volta à realidade um passo de cada vez. O discurso de Putin do dia primeiro de março
entrará para a História como um desses passos, porém muitos outros passos serão necessários antes
que o paciente finalmente desperte.

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