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07-9835 CDD-306.480981
ISBN 978-85-7516-538-6
www.atomoealinea.com.br
Conselho Editorial
Apresentação
Capítulo 1
Subsídios para uma Política de Lazer: o papel da administração municipal
Nelson Carvalho Marcellino
Capítulo 2
Pressupostos de Ação Comunitária: estruturas e canais de participação
Nelson Carvalho Marcellino
Primeira fase
Segunda fase
Terceira fase
Capítulo 3
Políticas de Lazer: mercadores ou educadores? Os cínicos bobos da corte
Nelson Carvalho Marcellino
Capítulo 4
Estado e Sociedade na Construção de Inovações nas Políticas Sociais de Lazer no Brasil
Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto
Quanto à institucionalidade
Quanto ao objetivo principal
Quanto ao enfoque
Quanto à lógica de tomadas de decisões
Descentralização da administração pública e de decisões
Intersetorialidade
Gestão em rede
Quanto ao financiamento
Capítulo 5
Políticas Públicas de Lazer no Brasil: uma história a contar
Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto
Capítulo 6
Territórios do Lazer: panoramas e reflexões sobre a animação sociocultural
Débora Alice Machado da Silva
Capítulo 7
Formação dos Agentes Sociais de Esporte e Lazer: história, limites e desafios
Andréa Nascimento Ewerton e Marcelo Pereira de Almeida Ferreira
Capítulo 8
Espaços e Equipamentos de Lazer: apontamentos para uma política pública
Nelson Carvalho Marcellino, Felipe Soligo Barbosa e Stephanie Helena Mariano
Capítulo 9
Controle Social das Políticas de Esporte e Lazer
Cláudia Regina Bonalume
Capítulo 10
O Papel do Estado nas Políticas Sociais: elementos para discussão sobre a gestãodas
Políticas Públicas de Lazer no Brasil
Rejane Penna Rodrigues
Sobre os Autores
Apresentação
A partir da Constituição de 1988, o lazer passou a ser considerado direito social de todos
os cidadãos brasileiros. Sendo assegurado, também, praticamente em todas as constituições
estaduais e em todas as leis orgânicas de municípios de nosso país.
No entanto, a política de hierarquização de necessidades, a pouca difusão de pesquisas
e de sistematização (advindas de discussões e experiências concretas vivenciadas em
políticas públicas inovadoras, diferentes daquelas do evento por si só) e os poucos recursos
disponíveis, fazem com que esta área ainda careça de ações que abranjam, de forma
efetiva, os municípios, os estados e a esfera federal.
Qual seria o lugar do direito ao lazer nos órgãos de governo? A confusão é gritante, com
secretarias e departamentos de cultura, esporte, turismo, arte... Quais as estratégias mais
adequadas para a formulação de políticas? Que itens devem compô-las?
A apresentação de novos estudos na área, em Congressos, como o ENAREL – Encontro
Nacional de Recreação e Lazer, abrigando em suas edições o Encontro de Gestores Públicos
de Esporte e Lazer e; o Seminário Nacional de Políticas Públicas em Esporte e Lazer; tem
ganhado força em eventos mais amplos, como o Congresso Brasileiro de Ciências do
Esporte, – com o desenvolvimento de dois grupos de trabalho temático, um em Recreação e
Lazer e outro em Políticas Públicas em Educação Física, Esportes e Lazer, – entre outros
eventos significativos nas áreas de Educação Física, Turismo e Ciências Humanas etc. O que
vem mudando, pouco a pouco, o panorama quanto à pesquisa.
O número de grupos de pesquisa sobre a temática, por sua vez, cresceu muito, nos
últimos anos, principalmente no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. A organização
dos gestores públicos na ASMEL – Associação de Gestores Municipais de Esporte e Lazer [1]
e no Fórum Nacional de Secretários e Gestores Estaduais de Esporte e Lazer [2] contribuiu,
de forma semelhante, para a troca de experiências e organização do setor.
Uma importante contribuição foi dada à área pelo Governo Federal, mediante o
Ministério do Esporte [3], ao se realizar a I Conferência Nacional do Esporte, em 2004, com
a temática “Esporte, Lazer e Desenvolvimento Humano”. A I Conferência indicou, ainda, a
necessidade de criação do Sistema Nacional de Esporte e Lazer tema da II Conferência –
realizada em 2006 – e discutida em quatro eixos:
1. Estrutura: organização, agentes e competências;
2. Recursos humanos e formação;
3. Gestão e controle social;
4. Financiamento.
Notas
1. asmel@uol.com.br
2. http://www.sejel.sp.gov.br/sejel/ContentBuilder.do?open=subforum
secretarios&pagina=estatutosecretario. Acesso em 15 maio 2006.
Como sabemos, tendo como pano de fundo a questão econômica, existe uma série de
barreiras de gênero, faixa etária, espaços e equipamentos, estereótipos etc., portanto, intra
e inter-classes sociais, que limitam o lazer qualitativa e quantitativamente (Marcellino,
1983), o que requer, no âmbito municipal, que se enfatize a atuação, objetivando minimizar
seus efeitos, priorizando ações que facilitem o acesso às camadas da população que,
normalmente, não são atendidas;
Considerar os limites da Administração Pública Governamental Municipal significa levar
em conta que a questão do lazer só pode ser entendida na totalidade da ação humana,
abrangendo questões que transcendem os executivos municipais, como jornada de
trabalho, ocupação do solo urbano, por exemplo, o que requer, no âmbito municipal,
incentivar e participar das discussões e ações que envolvam a questão de modo amplo,
junto aos órgãos de classe, ao poder legislativo, ao setor público não governamental e
outros setores constituídos da sociedade civil. Se considerarmos o lazer de uma perspectiva
ampla, como cultura vivenciada no tempo disponível, com determinadas características
próprias (Marcellino, 1987), as diretrizes gerais de uma política municipal de lazer não
podem se restringir apenas a uma política de atividades, mas devem contemplar, também,
questões relativas à formação e desenvolvimento de quadros para atuação, aos espaços e
equipamentos e critérios de reordenação do tempo (Requixa, 1980; Carvalho, s/d.);
Finalmente, no âmbito público governamental municipal existe a necessidade de fixação
de prioridades, baseadas na análise de situação, confrontadas com os valores que orientam
a Política Geral da Administração, o que envolve a resposta a algumas questões, dentre elas:
Há equipamentos específicos subutilizados?
Como os equipamentos estão distribuídos?
Como são gerenciados?
Há possibilidade de adaptação e utilização de equipamentos não específicos?
Existe uma estrutura de animação capacitada e atuante?
Notas
1. Publicado em Marcellino, N. C. (Org.). Políticas públicas setoriais de lazer: o papel das
prefeituras. Campinas: Autores Associados, 1996. (Esgotado)
Referências
BOBBIO, B. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1986.
REQUIXA, R. Sugestões de diretrizes para uma política nacional de lazer. São Paulo: SESC,
1980.
CAPÍTULO 2
Pressupostos de Ação Comunitária:
estruturas e canais de participação [1]
Nelson Carvalho Marcellino
Segunda fase
É marcada pela avaliação dos resultados da ação, geralmente ocorridos no que pode ser
denominado de período de carência. Aqui, a intensidade da ação dos técnicos já é menor,
mas continua presente através, de contatos, buscando a efetivação de resultados latentes.
Podem ser considerados dois grupos de resultados:
Respostas – que estão intrinsecamente ligadas aos objetivos da ação, previstas no
projeto e, geralmente, necessitando de acompanhamento técnico para a
continuidade do processo;
Reflexos – que independem de acompanhamento, uma vez que são assumidos por
grupos ou pessoas, ou podem nem mesmo estar previstos no planejamento da ação.
Terceira fase
Caracteriza-se como continuidade da ação, com a retomada dos resultados dependentes
de acompanhamento, num período de sedimentação, durante o qual é exigido
acompanhamento direto, necessário à consolidação do processo, tendo em vista o alcance
do estágio de autonomia, em que o acompanhamento será levado a efeito a título de
reciclagem.
Observa-se, portanto, que o acompanhamento técnico está presente em todas as fases
do processo, variando em intensidade.
Notas
1. Texto publicado em Marcellino, N. C. (Org.). Políticas públicas setoriais de lazer: o papel
das prefeituras. Campinas: Autores Associados, 1996. (Esgotado)
Referência
REQUIXA, R. Lazer e ação comunitária. São Paulo: SESC, 1973.
CAPÍTULO 3
Políticas de Lazer:
mercadores ou educadores? Os cínicos bobos
da corte [1]
Nelson Carvalho Marcellino
Esse programa de governo deverá ser pautado, num primeiro momento, pela ação numa
dupla frente:
Ampliar a visão restrita do lazer;
Buscar superar o conformismo, pela crítica e pela criatividade, ou seja, entre outras
coisas, continuar com os programas de difusão cultural, mas acrescentar programas
de participação e criação culturais.
E deve ser respaldado por uma necessidade imperiosa e urgente: a quebra da política de
hierarquia de necessidades da população, que seja colocada pelas ações e não só pelo
discurso.
Os pilares básicos em que uma política de lazer, nesses moldes, precisa se assentar são,
entre outros:
1. Respeito e incentivo às manifestações espontâneas da população, partindo delas, e
junto a elas, tendo o devido cuidado para que o respeito não signifique “purismos”
ou, para usar uma expressão gramsciana, partir do “húmus” da cultura do povo,
“húmus” que é seiva, que alimenta, que faz crescer e florescer, mas que vem da
impureza;
2. Trabalho conjunto com grupos organizados (parcerias), buscando sua autonomia e
respeitando-a;
3. Trabalho conjunto com a iniciativa privada, sem abrir mão da participação no
processo decisório (parcerias atentas, digamos assim);
4. Trabalho conjunto com outros setores públicos (ONGs) e corporativos (Sistema S,
clubes) etc.;
5. Trabalhar na perspectiva de regiões metropolitanas-consórcios. É impossível ficar
restrito aos âmbitos municipais, inclusive com a série de impactos que políticas de
lazer podem trazer para regiões inteiras;
6. Trabalhar com o Estado (plano estadual e federal), o que não significa, de forma
alguma, contribuir para perpetuá-lo, termos modelos alternativos fixados “a priori”
e, menos ainda, acreditar que não seja possível a construção de novos modelos,
inclusive com a nossa ação no plano cultural.
A busca de alternativas
O profissional do lazer precisa ser respeitado, reclamar a sua dignidade profissional,
sendo chamado para opinar em equipes de planejamento, em projetos de equipamentos,
de atividades e até onde, aparentemente, extrapolem sua área de intervenção, como em
projetos de transporte urbano, por exemplo.
Isso, entretanto, requer que ele mesmo se respeite, estude, se aprofunde, percebendo a
interseção de suas áreas com as demais e não reforçando os estereótipos do sujeito
simpático, bom camarada, que sabe “agitar”, pura e simplesmente .
Enfim, se quisermos entender o lazer como questão contemporânea, em toda a
grandeza dessa problemática, já está na hora, ou melhor, já passou há muito tempo da hora,
dos executivos municipais deixarem de contar com o trabalho muitas vezes gracioso e
solícito de profissionais mal-remunerados e mal-formados, repetindo pacotes de atividades
de duvidoso gosto e, ainda assim, de forma bastante esporádica, em bairros da cidade; ou
de formarem equipes, cuja principal característica é o sorriso forçado nos lábios,
promotores de atividades que não são mais do que pacotes de “festinhas” para passar o
tempo ou entreter o povo antes das autoridades chegarem para inaugurações de obras.
Às vezes, quando a qualidade de trabalho se verifica com relação ao lazer, no poder
público, em administrações populares e progressistas, isso é feito com verba ínfima, quadro
de pessoal reduzido e com grande dose de sacrifício individual da vida particular dos
técnicos envolvidos, que confundem militância política com atuação profissional e que
vivem o dilema de pregarem qualidade de vida para as pessoas sacrificando a sua própria
qualidade de vida por falta de estruturas adequadas, que suavizariam, em muito, o trabalho
desenvolvido.
Já está na hora de os discursos de campanha de um lazer emancipador serem
acompanhados de verbas e infraestrutura e de atuação profissional, compromissada
politicamente sim, mas com competência e profissionalismo. E já está na hora do setor
privado perceber que é com competência que se faz “lucro”, que se atende bem ao cliente,
e não “dourando a pílula”, com o comportamento estereotipado de “bobos da corte”.
É preciso considerar ainda que, quando se quiser que o trabalho a ser desenvolvido
respeite o conceito do lazer e conjugue difusão e participação culturais, se tornará
necessário que, além do trabalho profissional, sejam preparados/capacitados animadores
voluntários. Quando se fala neles, o profissional mal-informado e o dirigente mal-
intencionado pensa ou em concorrência profissional, ou em mão de obra gratuita. Não é
isso o que entendemos, mas sim colocamos o trabalho voluntário como participação efetiva
no planejamento, execução e avaliação dos programas e dos equipamentos de lazer da
cidade, garantindo o estabelecimento das ações a partir das aspirações da comunidade.
Os executivos municipais diretamente ligados à questão precisam de um esforço
constante de formação e desenvolvimento de capacitação de quadros.
Mas isso não basta.
É preciso que nossas faculdades que mais se encontram na “ponta” na pesquisa dos
estudos do lazer deem atenção, pelo menos, a treze itens, que elencamos a seguir:
1. Deem a atenção devida aos cursos de graduação;
2. Enfatizem a pesquisa na área;
3. Atuem com projetos de extensão não extensionista (Saviani, 1995), funcionando
como verdadeiros laboratórios de pesquisa “quase experimental” (Bruyne et al.,
1977);
4. Estimulem o intercâmbio com as outras universidades e faculdades, que anualmente
jogam no mercado um número de profissionais muito grande;
5. Promovam o intercâmbio com empresas e poder público governamental e não
governamental e setores corporativos (clubes-sistema etc.), procurando saber suas
expectativas de profissional, trabalhando com, mas não ficando restritas a elas, e
mostrando como vem se organizando a formação profissional;
6. Não tenham pudores, na quase totalidade preconceituosos, de locais de trabalho. É
possível desenvolver uma ação profissional competente e consequente em qualquer
âmbito de trabalho. Um dos meus projetos editoriais trata exatamente sobre os
múltiplos olhares que podem ser lançados sobre uma relação vista com extrema
reserva por alguns setores da área: Lazer e Empresa (Marcellino, 1999);
7. Não forneçam, como se diz no jargão, “receitas” de atividades, mas propiciem a
formação de um repertório de atividades, vivenciadas e refletidas, que possa servir
de base para o início das atividades profissionais, com constante aprimoramento. É
um elemento neutralizador aos profissionais que só leram “Manuais de atividades”
ou, o que é pior, compilações desses manuais;
8. Equilibrem, na formação dos profissionais, pelo menos quatro eixos
complementares: teoria do lazer, relatos de experiência refletidas de profissionais,
vivências dos conteúdos culturais e políticas e diretrizes gerais no campo. Isso
permitirá que se estude a especificidade do lazer, sua “disciplinaridade”;
9. Mostrem, repetidamente, que o lúdico e o prazer podem se manifestar em outros
tempos, fora do lazer, mesmo na nossa sociedade. Isso significa entender o lazer
"como ‘especificidade concreta’ e, na sua especificidade, com possibilidades de gerar
valores que ampliem o universo das manifestações do brinquedo, do jogo, da festa,
da recreação, para além do próprio lazer" (Marcellino, 2000, p. 35), o que poderá
estimular a participação em equipes que busquem a interdisciplinaridade, sem a qual
a questão do lazer fica muito empobrecida;
10. Deem condições do “alicerçamento” de uma sólida cultura geral, necessária para o
trabalho interdisciplinar em todas as áreas e, de modo específico, no lazer, aliado ao
exercício constante de reflexão (Marcelino, 1995, p. 21);
11. Privilegiem em seus currículos a formação geral, voltada para a especificidade da
área, e não a específica descontextualizada;
12. Não estabeleçam o “perfil do profissional” a ser formado a priori. Esse perfil deve ser
construído ao longo do curso, principalmente em uma fase de aceleradíssimas
transformações, em que o que é atual no início de um curso, por exemplo, em
termos de habilidades específicas, pode-se tornar obsoleto rapidamente. É preciso
que se prepare o aluno para o desenvolvimento de quadros. É preciso atualizar, ou
mesmo formar, quem já trabalha na área e é preciso, também, formar os voluntários
[6];
13. Incutam nos alunos a necessidade de desenvolvimento profissional constante para
que, como já foi dito anteriormente, não se tornem presas fáceis de discursos de
manuais de “autoajuda” de baixa categoria, em situações adversas do mercado de
trabalho, vendendo a “alma” e o “corpo”.
Concluindo
A não fixação e implementação de políticas de lazer sérias significa a ausência de
contraponto aos desmandos do lazer mercadoria colocado no “mercado” pela esmagadora
maioria da indústria cultural. Serviços públicos culturais são elementos de hegemonia, como
dizia Gramsci [7], e uma política de lazer deve ser uma política para todos, e da melhor
qualidade. O que é público não é gratuito, como nos querem fazer acreditar e, mesmo que
fosse gratuito, não justificaria a baixa qualidade dos serviços.
Profissionais de lazer devem ser educadores, no sentido amplo da palavra, e não
mercadores, como habitualmente vem ocorrendo.
Não é possível ignorar a necessidade de políticas de lazer, apesar dos discursos “cínicos”,
e não é possível tê-las apenas para fazer constar ou, o que é pior ainda, como o “circo”,
quando o pão é escasso.
Notas
1. Originalmente publicado em Marcellino, N. C. Lazer & esporte: políticas públicas. 2. ed.,
Campinas: Autores Associados, 2001. (Esgotado)
2. Vide artigo: Marcellino, N. C.; GPL. Lazer e trabalho, no cotidiano da sociedade pós
industrial, a partir da obra de Domenico de Masi publicada no Brasil. Licere, Belo
Horizonte, v. 7, n. 2, p. 1-37, dez. 2004.
3. O assunto é muito bem analisado na opinião de Raul Cortez, em Muito além das cifras,
publicado na Folha de São Paulo, 6 jun. 2000, A 3.
Referências
ALVES, R. A gestação do futuro. Campinas: Papirus, 1986.
BRUYNE, P.; NERMAN, J.; SCHOUTHEETE, M. Dinâmica da pesquisa em ciências sociais. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
CALLOIS, R. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990.
DEMO, P. Avaliação qualitativa. 3. ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1991.
KEL, M. R. O pacto do cinismo. Folha de São Paulo, 4 jun. 2000. Mais, 30 e 31.
______.; GPL. Lazer e trabalho, no cotidiano da sociedade pós industrial, a partir da obra
de Domenico de Masi publicada no Brasil. Licere, Belo Horizonte, v. 7, n. 2, p. 1-37, dez.
2004.
SAVIANI, D. Ensino público e algumas falas sobre Universidade. 2. ed. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1995.
CAPÍTULO 4
Estado e Sociedade na Construção de
Inovações nas Políticas Sociais de Lazer no
Brasil
Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto
Quanto à institucionalidade
Iniciamos a discussão pelo aspecto da institucionalidade, pois as mudanças observadas
nas políticas sociais brasileiras são gestadas, especialmente, com base em mudanças do
sentido dominante de institucionalidade, segundo o qual o Estado exerce monopólio nas
políticas sociais: desenhando, implementando, unificando funções, financiando e
controlando suas ações. Propostas emergentes mudam esse quadro, assumindo a
pluralidade de setores corresponsáveis pelas políticas sociais.
Para Bresser Pereira e Grau (1998), a construção das políticas sociais envolve, além de
setores informais como a família, quatro setores sociais formais, considerando as esferas e
formas de propriedade relevantes no capitalismo contemporâneo. São eles: o setor público
estatal (detém o poder de Estado e/ou é subordinado ao aparato do Estado); o público não
estatal (conhecido por terceiro setor, ou setor não governamental, que se volta ao interesse
público e não tem fins lucrativos, mesmo regido pelo direito privado); o corporativo
(também sem fins lucrativos, é orientado pelos interesses setoriais de um grupo ou
corporação como, por exemplo, os sindicatos, associações clubísticas, sistema S e outros) e
o privado, voltado ao lucro ou consumo privado.
A mudança do paradigma da institucionalidade das políticas sociais brasileiras se tornou
mais visível no Brasil dos anos 90, a partir da crise do Estado de Bem-estar Social que
colocou “em cheque” a capacidade de o setor público estatal prover o bem-estar de
maneira universal. Essa crise colocou em debate os papéis do Estado, mercado e família na
garantia do bem-estar individual e coletivo. Tais discussões trataram da crise financeira e da
suposta insuficiência do Estado, propagada pelo pensamento neoliberal, que enalteceu as
virtudes da autorregulamentação do mercado, do associativismo civil e do setor privado.
Sílvio Bava (2002) lembra que é importante não esquecermos que o reconhecimento de
vários setores com interesse público não quer dizer que estes tenham papéis substitutivos
das políticas públicas. Às vezes, de certa forma, suas ações começam “tapando buracos” nos
quais o Estado não dá resposta adequada, mas a tendência está na função mais significativa
da organização da sociedade civil: articular diversas forças sociais para melhor construir
respostas aos problemas que atingem a todos.
Esse contexto nos faz pensar também que os direitos não são, portanto, garantidos
apenas pela promulgação de leis. Valendo-nos delas, precisamos descruzar os braços e unir
pessoas, grupos e organizações no cumprimento das nossas responsabilidades. A cidadania
organizada delega ao Estado funções importantes para a sedimentação de canais de
participação. O espaço coletivo, porém, revela que uma política social não pode ser
desenvolvida somente na esfera pública, requer pactos entre os setores sociais e a
sociedade civil na elaboração e gestão das políticas, de modo organizado e consciente dos
problemas prioritários a serem tratados e opções possíveis para a conquista do “direito a ter
direito”, como discutido por Hannah Arendt (apud Telles, 1999).
Segundo Azevedo e Prates (1991), as políticas orientadas pela participação coletiva
implicam mudanças nas práticas individuais, grupais e institucionais, operadas no plano
interpessoal e no das organizações. Requerem, pois, mudanças na gestão que orienta as
relações interpessoais formais e de poder entre os atores envolvidos no processo: a
população beneficiária, gestores, provedores, financiadores e parceiros dos vários setores
sociais. Implicam, pois, inovações diversas quanto à gestão das políticas sociais, como
discutimos a seguir.
A1: Ouvimos o público por meio de trabalho coletivo, diálogo, reflexão e respeito
sobre o dito. Procuramos qualificar nossos recursos humanos e comunidades para
exercício da crítica, autocrítica e trocas de experiências.
Esses depoimentos reafirmam o que diz Melucci (2001) quando destaca a democracia
como prática da liberdade e, por isso, direito de construção de espaços sociais de
reconhecimento, representação e expressão de identidades, que se afirmam nas diferenças
entre o eu e o outro. A liberdade resulta da necessidade de que todos tomem parte da sua
vida social, agindo para promover os interesses e as necessidades de todos (dimensão civil
da cidadania); diz respeito, também, ao fazer parte da vida em sociedade, com
oportunidade de pertencer a um sistema, identificando-se com os interesses gerais dos
grupos e comunidades (dimensão cívica). A existência simultânea dos componentes e
valores que estruturam essas duas dimensões é condição para que a ação política seja
autônoma.
A mudança de paradigma do objetivo buscado hoje pelas políticas sociais se traduz na
compreensão da política de lazer não mais como modo de preencher tempos ociosos das
pessoas, mercadorizar práticas culturais ou fazer favor a alguém, como aconteceu e
acontece em nosso meio, mas como ação que influi na constituição de identidades
individuais e coletivas, de corpos em movimento, falas, sonhos, erros, gostos, afetos,
conhecimentos, culturas, atitudes, funções e papéis sociais, que sofrem influência das
condições de homem, mulher, criança, jovem adulto, idosos, negro, índio, branco, com
diferentes habilidades corporais e outras especificidades.
Nessa concepção, o campo das decisões políticas inclui novos sujeitos, como
trabalhadores, índios, imigrantes, mulheres, homossexuais, crianças, jovens, idosos,
deficientes físicos, presidiários, enfermos e outros com necessidades especiais. É atribuída
uma especial relevância ao multiculturalismo e às memórias que expressam as diferenças
coletivas e individuais, valorizando culturas particulares historicamente desconsideradas
pelos grupos de poder.
Enfim, como campo de vivência de política inclusiva, o lazer é reconhecido como
tempo/espaço/oportunidade de constituição de sujeitos e identidades individuais e
coletivas.
E1: Programas: Lazer na empresa – promoção de estilo de vida saudável por meio
de assessoria, consultoria e desenvolvimento de projetos de lazer nas áreas de
atividade física/exercício físico (Programa SESI Ginástica na Empresa, avaliação
física, reeducação postural, fitness); arte (teatro, informação, coral); esporte
(formação de times, torneios internos); turismo (pacotes turísticos, Colônias de
Férias) e eventos (festas comemorativas, gincanas, concursos); SESI esporte –
promoção da prática esportiva de participação, formação e rendimento voltada à
valorização humana pelos Jogos do SESI; esporte de inclusão social; formação
físico-esportiva; atividades físico-esportivas de participação; assessorias e
consultorias e eventos esportivos; SESI Cultura – promoção de acesso às vivências
artístico-culturais diversificadas, capacitação de gestores da cultura; organização de
Banco de Dados (Censo Cultural do País); Gestão do Conhecimento e da Informação
na Cultura; circulação de espetáculos; projetos especiais de implementação do
Programa SESI Cultura em empresas e escolas; incentivo à dramaturgia (educativa);
realização da Bienal das Artes e do Prêmio Bianual “Marcoantonio Vilaça para as
Artes Plásticas” (2004/primeira edição; exposição itinerante com vencedores em
2005/2006).
Quanto ao enfoque
Por um lado, as políticas sociais ainda mantêm o enfoque nos meios, isto é, na cobertura
à infraestrutura física e recursos materiais para instituições prestadoras dos serviços sociais,
tendo-os como indicadores, isto é, como medida de avaliação da relação custo-benefício no
gasto público social. O gasto social é a soma de todos os gastos do estado que possui
conotação social. Não é um indicador adequado para o desenvolvimento social – que se
relaciona também com o desempenho econômico do país – nem adequado ao investimento
em capital humano, por ser elevado e, muitas vezes, mal-utilizado para alcançar essa
finalidade.
Por outro lado, cada vez mais, as políticas sociais inovadoras focalizam os fins,
orientando-se por resultados: impactos dos programas sociais e magnitude dos benefícios
de acordo com os objetivos, definidos com base em reais necessidades e tendo, por
finalidade, mudanças nas condições de vida dos beneficiários. O indicador utilizado é a
relação custo-impacto, que permite apreciar se o programa está otimizando os recursos e
maximizando o impacto, ao menor custo possível.
Mas isso não é fácil. Quantas vezes encontramos a valorização de uma ação ou entidade
pelo muito que ela gastou, sem se preocupar com os resultados efetivos de quantas pessoas
ela atendeu? A intensificação dos meios é, muitas vezes, confundida com a realização dos
objetivos.
Por isso, o primeiro passo para concretizar políticas participativas é a realização de
diagnósticos sobre a realidade vivida pelos beneficiários das políticas, para o que é
necessário o envolvimento destes. E são muitos os problemas que vêm sendo identificados
quanto às políticas sociais de lazer em nosso meio, como, por exemplo:
D1: a sociedade hoje exige formação acadêmica dos profissionais de lazer para
atuar em políticas participativas, maior disponibilidade de tempo de todos os
envolvidos, processos menos burocráticos e decisões mais rápidas.
Esses dados apontam, também, para o aspecto das inovações políticas discutidas a
seguir.
O local que é força é também limite. As ações descentralizadas sem dúvida são úteis,
mas não podemos descuidar do acúmulo progressivo de forças que precisam se consolidar
por meio de medidas mais amplas em outros níveis de poder.
Uma possibilidade de efetiva participação na cidade, citada por todos os gestores
entrevistados, é o Orçamento Participativo (OP). Essa é uma estratégia fundamental para as
políticas sociais, uma vez que reflete a direção política das relações econômicas referentes
ao processo estatal de alocação e distribuição de valores conforme as prioridades dos
municípios. O alcance de certo patamar de equidade implica a combinação de opções
políticas: negociação de interesses, incentivos à acumulação e ao crescimento, provisão de
meios de subsistência aos mais carentes e ações redistributivas.
Segundo Rodrigues e Gutterres (1996), o OP contribuiu para aumentar a consciência da
população e da administração municipal sobre a importância do lazer como fator de
qualidade de vida. Por intermédio dele, muitas regiões de Porto Alegre priorizaram
investimentos também na área de lazer (construção de ginásio poliesportivo, praças e
parques com fixação de profissionais de Educação Física nesses locais, reforma de campos
de futebol e quadras esportivas).
Intersetorialidade
A intersetorialidade é outra condição necessária para superar a fragmentação existente
no planejamento e execução das políticas setoriais, bem como para garantir uma gestão
sinérgica e equalizadora que supere as superposições e competições dos diversos
programas e ações setoriais. As estruturas colegiadas de gestão serão espaços de
consolidação dessa integração, coordenados pelas áreas centrais e contando com a
participação das áreas temáticas e regionais (Rosa, 2001).
A intersetorialidade é compreendida como um princípio que privilegia a integração
matricial das políticas sociais, tanto na fase de formulação quanto nas de execução e
monitoramento. Essa matricialidade representa o eixo coordenador e organizador dessas
políticas, potencializando sua integração, com impacto positivo em seus efeitos (PBH, 2001).
As ações devem ser integradas de modo interdisciplinar, envolvendo profissionais e
multifuncionalidade dos equipamentos que articulam diversos serviços e atividades.
Exemplificando, a escola pode incorporar também posto de saúde, centro cultural, espaço
de lazer; os centros esportivos públicos podem incorporar ações preventivas de saúde,
educação informal, complementação alimentar e educação para o lazer. Essas e outras
propostas implicam planejamentos e gestão em rede.
Gestão em rede
A gestão em rede é a construção de espaços de convergência de vários atores sociais
que se completam à medida que articulam esforços para atuar em relação a objetivos
comuns, otimizando recursos e impactos de cada ação no público beneficiário, que também
é comum (Ricci, 2001).
Assim, a gestão em rede consiste, em última instância, da fusão das ações de setores a
partir da territorialização da gestão, pois não há como resolvermos sozinhos os problemas
sociais. Cresce a necessidade da compreensão do todo do contexto e das relações de
complementaridade e interdependência entre as partes envolvidas no trato dos problemas.
Por isso, a gestão em rede baseia-se na inter-relação de necessidades e suas influências
mútuas, bem como na articulação de diversos campos sociais no trato das demandas
atendidas na sua globalidade. Requerem a compreensão dos beneficiários das ações
políticas, considerando a totalidade de suas necessidades socioculturais (familiares,
escolares, de trabalho, lazer, comunitária, culturais etc.).
Para isso, a lógica é simples. Há integração de ações interdependentes, complementares
entre elas e com equifinalidade. Ou seja, todo ator – individual ou coletivo – está inserido
numa rede de sistemas que pode mobilizar e promover mudanças desejadas na ação
sociocultural vivida (Sesi, 2005).
As redes dependem das alianças que conseguem estabelecer internamente nos
setores/organizações e com parceiros externos. Os processos de tomadas de decisões
baseiam-se na participação ativa, crítica e criativa das pessoas, seu sentir e agir
coletivamente, cujo aprendizado provavelmente será mais tácito que explícito. Por sua vez,
os sujeitos, grupos e comunidades constroem novos conceitos sobre as atividades vividas e
desenvolvem novos sistemas de atividades que evoluem historicamente. Os conhecimentos
afetam preferências e comportamentos dos indivíduos. A participação afeta as decisões das
organizações e essas decisões afetam o ambiente, que influi nos conhecimentos e nas
preferências dos indivíduos.
Assim, as políticas participativas em rede, ao implicar corresponsabilidades nas tomadas
de decisões sobre ações a serem desenvolvidas, requerem definição de competências e
atribuições na elaboração e gestão das políticas setoriais e superação no centralismo das
decisões. Os dirigentes precisam se fazer reconhecidos como gerentes dos assuntos de
interesse público, com a responsabilidade pelo diagnóstico, programação, supervisão e
continuidade das ações de lazer do âmbito a que referem.
No entanto, convivemos com resistências, formas disfarçadas de clientelismo,
ineficiência e inoperância que podem bloquear ou corromper a descentralização de gestão.
Essa não é uma prática política simples, ela envolve várias instâncias da cidade – entidades,
movimentos e grupos – exigindo recursos e sinergias (Nogueira, 1997).
Além disso, nossas experiências de gestão de políticas vêm nos mostrando que existem
muitos limites a transpor no desenvolvimento das ações intersetoriais e em rede. São
dinâmicas muito diferentes das culturas vividas e exigem uma nova sociabilidade, novos
modos de liderança que implicam menos saber mandar e mais ouvir e interagir.
Compreender e exercitar essas experiências são importantes para enxergarmos como a
dinâmica da gestão pode dinamizar a cultura e ampliar o poder articulador das práticas
sociais e culturais.
Assim, as políticas participativas requerem um novo perfil de liderança, pois participação
implica novas formas de pensar a relação e partilhar poder entre sujeitos, grupos,
organizações. A participação está vinculada à cultura, valores e hábitos pessoais e coletivos.
As lideranças são desafiadas a participar de mudanças na cultura política local, a ver e a ler a
realidade. Precisam ser mobilizadoras de ações, saber participar da formulação e da
implementação das políticas, seus programas e projetos, sendo sensíveis às possibilidades e
aos limites vividos na concretização de sonhos e necessidades. São comprometidos com a
discussão de problemas coletivos, o protagonismo dos sujeitos e a realização de ações
conscientes e lúdicas.
Para que essas formas de gestão tenham êxito, voltamos a afirmar que há necessidade
de superarmos a centralização e o controle arbitrário da comunicação, bem como a
precariedade de informações e usos das tecnologias de informação. É fundamental a gestão
da informação, não apenas reunindo, mas disponibilizando dados levantados pelas
avaliações continuadas e que facilitem o diálogo, o intercâmbio, a compreensão e superação
de limites, a otimização de possibilidades e a modernização da gestão, com a criação de
redes dinâmicas e funcionais.
Quanto ao financiamento
Há mudanças bastante significativas em relação ao financiamento das políticas sociais
dominantes e emergentes. Nas primeiras, os recursos são da própria instituição Estado,
arrecadados por meio de fontes fiscais, sempre sendo limitados em relação a demandas.
Nesse sentido, nas políticas sociais emergentes o Estado não é o único ator da política
social. Há um cofinanciamento, o usuário contribui com parte. Outra forma de recuperação
dos custos é mediante cobrança de tarifa por serviços públicos, de quem pode pagar. Nisso
há um problema, pois essa forma de gestão marginaliza os mais pobres.
Outro aspecto que muda quanto ao financiamento se refere à asignação de recursos,
pois, segundo o paradigma dominante, as políticas sociais são políticas de oferta, isto é,
oferecem bens e serviços com os quais pretendem solucionar ou paliar o problema social,
convivendo com problemas de competência na promoção desses serviços. O novo
paradigma instiga mudança nesse sentido, requerendo competência de promotor,
financiador que transfere poder de compra instigando a criação de um quase mercado, e
liberdade de escolha do consumidor, que tem informações sobre os serviços.
Há, também, flexibilização do acesso aos financiamentos para a área social, estratégia
que tende crescer à medida que as ações democratizadas adquirem maior peso e
importância no cenário político.
Outra mudança se refere à criação de fundos municipais, mecanismo que, junto com o
conselho e o plano municipal, recebe recursos públicos e outros para desenvolver
programas e projetos em áreas específicas, dentre elas o lazer. A constituição de um fundo
orçamentário representa outra forma de garantia de recursos, além da destinação de verbas
para a área do lazer no orçamento anual do município e a busca de recursos para a
execução de projetos em diferentes órgãos e esferas de apoio/financiamento.
Um exemplo: em Caxias do Sul, o Fundo Municipal de Desenvolvimento de Esporte e
Lazer (FUNDEL) foi criado na 1ª Conferência Municipal de Esporte (2001) e implantado em
2004. É um investimento de recursos públicos que financia ações na área, beneficiando as
comunidades por meio de entidades esportivas, organizações comunitárias, sindicais, não
governamentais e outras promotoras do esporte e lazer na cidade. Em 2004, foram
recebidos 121 projetos e selecionados 62, atendendo aproximadamente 14 mil pessoas em
atividades comunitárias de esporte e lazer, além de atletas e equipes da cidade (Bonalume,
2004).
Analisando-se, também, os orçamentos participativos como estratégias de ampliação de
recursos para as políticas sociais, Sílvio Bava (2002) entende que sejam mecanismos criados
para que os cidadãos possam participar do processo de definição de prioridades e
aproveitamento dos recursos públicos, embora, muitas vezes, neles haja muita participação
e pouco orçamento. Há apenas o empenho de pequenas verbas públicas, o que mostra que
não há mudanças de prioridades no conjunto dos gastos públicos. O que se dá, em geral, é
justificado sob a alegação de que o restante já está comprometido com outras despesas
como pagamento de pessoal, manutenção etc. Com isso não se concretiza a participação
cidadã.
Apesar das dificuldades na criação de mecanismos participativos de gestão,
financiamento e controle das políticas sociais os passos já vividos são decisivos para
inovações políticas.
Mas, em que as políticas sociais, especialmente as de lazer, têm inovado?
As análises das práticas políticas em geral, em nosso meio, mostram que muitas ações
consideradas inovadoras não inovam tanto assim. Muitas buscam garantir o cumprimento
de leis tentando democratizar direitos por meio de ampliação de atendimentos para a
população-alvo, mas mantendo o processo das práticas políticas dominantes. Nesse sentido,
há atendimento mínimo das necessidades, muitas vezes mantendo-se o sentido
compensatório.
Por outro lado, as experiências relatadas com gestão de políticas de lazer mostram que
existem inovações nas políticas sociais vividas em nosso meio. O que mais chama atenção é
que se ampliam os debates sobre a democratização no país, principalmente incluindo o
lazer na pauta dessas discussões. Isso é algo novo na história das políticas sociais brasileiras.
Ampliam-se, também, as experiências participativas, embora algumas delas tenham
resultados mais significativos no que se refere à participação popular nas tomadas de
decisões políticas como mostram, por exemplo, os relatos dos municípios de Porto Alegre e
Caxias do Sul.
Nas experiências participativas, ao ser permitido que diferentes atores possam falar
quanto ao direito ao lazer, observa-se que as pessoas chamam a atenção para questões
mais amplas relacionadas aos problemas sociais como um todo (falta de educação
conscientizadora sobre a vida social e dilemas historicamente vividos, articulando questões
do lazer com os demais fatores de qualidade de vida como saúde, educação, trabalho,
segurança, participação etc.).
Outra inovação revelada refere as experiências corporativas que mostram dados de um
cenário de pactos éticos, que mudam sentido de políticas filantrópicas, utilitárias e
compensatórias para políticas de defesa de direitos. Os casos do SESI exemplificam isso.
Cresce o exercício da responsabilidade social.
As inovações nas políticas sociais revelam que os vários setores sociais e a sociedade
estão se aproximando, ampliando articulações e mobilizando esforços conjuntos para
enfrentar os problemas sociais por meio de estratégias, algumas vezes ousadas, outras
vezes tímidas, mas que, igualmente, surtem efeitos interessantes nos gestores e públicos
beneficiários.
Não há dúvida de que, nos jogos de poder, influi mais quem detém instrumentos mais
eficazes de pressão; de que avanços implicam o envolvimento dos dirigentes, mas que
também a pressão da sociedade vem provocando reformas do Estado e das corporações.
Não há dúvida, ainda, de que os vários instrumentos participativos e a promoção de ações
conscientizadoras vêm anunciando essas possibilidades e requerendo a presença mais ativa
da população.
Refletem, assim, a direção política do desenvolvimento, que passa a ser tratado não
apenas como síntese econômico-política (acumulação e utilidade social), mas como ação
social do Estado no que diz respeito à promoção de justiça, superação de desigualdades e
pobrezas diversas, com vista à promoção dos direitos sociais da cidadania e consequente
desenvolvimento social, humano, econômico e ambiental, como discute Patrícia Zingoni
(2002).
A construção de um ambiente de transparência efetiva, de respeito mútuo, de dignidade
nas relações e honestidade na apresentação dos problemas, construção de saídas precisa
estar latente em todos os momentos discutidos – dos objetivos ao financiamento. Isso não
acontecia nas práticas baseadas na desonestidade, espoliação, violência e hipocrisia. Por
isso, não basta melhorar as técnicas sem melhorar as relações, sem mudar a cultura política
e o reconhecimento do valor do lazer na vida das pessoas e coletividades.
A importância das experiências relatadas neste texto precisa ser considerada não
propriamente pelo volume de resultados quanto às pessoas e percentual de orçamento
envolvido, mas pela mudança cultural. Quem já participou de experiências dessa natureza
sabe o que estou dizendo, lembra com certeza do brilho nos olhos e voz embargada de
cidadãos que nunca vivem a oportunidade concreta de ter “voz” na política de sua cidade ou
de sua entidade. E isso é muito sério. O cidadão precisa, é fato, ser respeitado pelo poder
dirigente da ação, pois este é um exercício concreto de garantia de um fator de qualidade
de vida e cidadania: a participação.
Por isso, espero que as análises aqui tecidas possam ajudar na construção de “novos
olhares” e a ter bom senso no julgamento dos efeitos diversos e multiplicadores de nossas
práticas políticas, nossos programas, nossos projetos e ações que realizamos no lazer.
Notas
1. Conversamos com duas gestoras do Rio Grande do Sul. A primeira (identificada como
A1), foi secretária municipal de esporte e lazer de Porto Alegre no período de 1998 a
2004, durante governo que valorizou e incentivou a participação dos cidadãos de diversas
formas. A segunda (A2), viveu experiência participativa de lazer em Caxias do Sul, de
1999–2004, que começou com o programa do governo municipal eleito. Esse programa
previa a construção de uma cidade institucionalmente democrática e participativa e, no
lazer, a participação comunitária como diretriz norteadora. Em Minas Gerais, também
identificamos duas experiências participativas de lazer. A primeira aconteceu em Belo
Horizonte (B1) desde 1993, quando a administração municipal assumiu características de
um governo popular comprometido com os segmentos mais desfavorecidos da população
e passou a desenvolver ações comunitárias participativas de lazer, assumido, esta, como
fim e meio educativos para cidadania, qualidade de vida e participação democrática. A
segunda realizou-se em Contagem (B2) desde 1998, tendo continuidade mesmo com
mudança de partido responsável pela administração municipal. O início dessa história foi
a discussão do lazer do servidor municipal, gerando o programa de “Lazer e Trabalho”,
implementado como programa “Lazer na Cidade”. O estado do Pará nos dá exemplo de
política participativa de lazer articulada pela Secretaria Municipal de
Educação/Coordenadoria de Esporte, Arte e Lazer de Belém (1997-2004). Segundo duas
gestoras que viveram essa experiência (C1) a história do município revela demandas pelas
políticas participativas. A cidade conviveu, por séculos, com relações conflituosas e
antagônicas entre os interesses hegemônicos das elites e os diversos movimentos sociais
que demandavam a superação de políticas clientelistas e fragmentadas, no lazer,
realizadas nos poucos equipamentos da cidade. O Departamento Regional do SESI na
Bahia nos mostra um exemplo de política de lazer corporativa, integrada aos interesses
da sociedade, política destacada pela ação intersetorial, que gerou parcerias internas e
externas entre o campo do lazer e outros campos da ação social. A depoente dessa
experiência (D1) ressalta que tudo começou com a consciência dos educadores de lazer
de que o modelo tradicional – centrado no saber unilateral do corpo técnico da
instituição – não promovia o envolvimento dos beneficiários dos programas de lazer, uma
condição indispensável para o sucesso estes. A conscientização dos educadores de lazer
foi crescendo com as capacitações continuadas que geraram construções coletivas a
partir de reflexões sobre o vivido. A política nacional do SESI, cuja liderança (E1) encontra-
se em Brasília, é outro exemplo de ação política corporativa que conseguiu articular os 26
estados brasileiros e o Distrito Federal na reestruturação da Política de Lazer da entidade.
A ação participativa foi um dos princípios que nortearam esse processo (2002-2005). A
experiência acumulada da entidade no lazer forneceu a matéria-prima para a
reformulação dessa política que se fez refletindo e (re)significando a própria prática.
2. Vários dados apresentados neste texto são extraídos de pesquisa realizada e publicada
no livro Políticas participativas de lazer (Pinto, 2005).
Referências
AZEVEDO, S.; PRATES, A. A. Planejamento participativo, movimentos sociais e ação
coletiva. Anuário de antropologia, política e sociologia, Ciências Sociais Hoje. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 122-152.
BAVA, S. C. Participação, representação e novas formas de diálogo público. In: SPINK, P.;
BAVA, S. C.; PAULICS, V. (Org.). Novos contornos da gestão local: conceitos em
construção. São Paulo: Programa Polis/FGV-ESESP, 2002.
BRESSER PEREIRA, L. C.; GRAU, N. C. O público não estatal na reforma do estado. Caracas:
Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo/Fundação Getúlio Vargas,
1998.
CASTRO, E. Inovação em gestão pública com vistas à cidadania. Belo Horizonte: Fundação
Getúlio Vargas/Curso de Administração Pública, 2001. (Mimeo)
CHOO, C. W. A organização do conhecimento; como as organizações usam a informação
para criar significado, construir conhecimento e tomar decisões. São Paulo: Editora
SENAC, 2003.
DALLARI, D. de A. O que é participação política. São Paulo: Brasiliense, 1983.
TELLES, V. da S. Direitos sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: Editora da UFMG,
1999.
VEIGA, L. Inovação em gestão pública. Belo Horizonte: Fundação Getúlio Vargas/Curso de
Administração Pública, 2001. (Mimeo)
***
Em síntese, essa releitura histórica das políticas de lazer no Brasil nos mostra que o lazer
não é uma esfera social isolada. Insere-se nas relações sociais e é perpassado por relações
de poder da mesma forma que toda a sociedade. Nesse contexto, mesmo imbuídos da
necessidade e desejos de mudanças históricas, estamos sempre sendo confrontados com
vários interesses: políticos, econômicos e outros.
Os quatro momentos históricos identificados mostram que, ao mesmo tempo em que o
lazer participou da reprodução social vivida em cada momento histórico, abriu espaços
importantes para a reversão de valores e papéis sociais e históricos. Pois o lazer é tempo-
espaço-oportunidade de reprodução da ideologia dominante e desigualdades sociais e
também de produção crítica e criativa sobre suas próprias relações e conteúdos vividos.
Desse modo, as políticas de lazer não podem ser pensadas somente a partir das suas
questões. Precisam também implicar as potencialidades que se abrem no lazer. A
consciência da importância do lazer nas políticas sociais nos motiva a aprofundar esses
estudos, como diz Bernardo Kliksberg (2000), nesse processo que é influenciado pela
capacidade de funcionamento adequado da vida das pessoas e dos grupos, pela
intermediação de interesses e fatores mobilizadores de comprometimento e adesão de
sujeitos às ações coletivas; processo que se constitui em um dos fatores de melhoria da
qualidade de vida, pois impacta na superação de preconceitos, desagregação da vida social
e de desigualdades, mobilizando a autoestima individual e coletiva, assim como a
organização dos sujeitos e grupos para lutar e corresponsabilizar a favor de melhorias de
condições de vida.
Em síntese, a reflexão realizada mostrou que as inovações têm sido vividas pelas
políticas centradas em pessoas, que têm como pontos de partida e de chegada o vivido.
Experiências históricas que implicam civilidade, desejos, motivações, demandas, vontade
política e lutas dos sujeitos.
Notas
1. Discussão da reconstrução histórica aqui apresentada no livro Políticas participativas
de lazer (2005).
2. Os dados legais citados no presente texto foram extraídos da Coletânea de Leis (2005).
3. Cury (2005) nos lembra que a nossa primeira Constituição Federal, que data de 1891,
silencia-se quanto aos direitos dos trabalhadores, exceto quando, indiretamente, na
Revisão Constitucional de 1925-26 emenda o art. 14 e atribui ao Congresso Nacional a
competência de legislar sobre o trabalho.
4. A Constituição federal de 1946 estabelece, em seu art. 157, os princípios da legislação
do trabalho, explicitando no inciso V a duração diária do trabalho não excedente a oito
horas; no inciso VI o repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, e
no VII as férias anuais remuneradas. A Constituição de 1967 preserva os direitos de 1946
e acrescenta no art. 158, inciso XIX, colônias de férias e clínicas de repouso, recuperação,
convalescença mantidas pela União. Aborda, também, as 8 horas de trabalho com
intervalo para descanso, o que se repetirá no art. 165 da ementa da Junta Militar de 1969.
5. Segundo Arretche (1998), a eficiência analisa a relação entre esforço empregado na
implementação da política e resultados alcançados, que pode ser medida pela capacidade
de mobilizar e motivar o maior número possível de sujeitos para participar, de promover
parcerias, articular com outras políticas e de administrar os recursos disponíveis. A
eficácia compreende a relação entre objetivos, instrumentos explícitos de um programa e
resultados efetivos. E a efetividade social de uma política se refere à relação entre a sua
implementação e impactos e/ou resultados sociais que alcança.
Referências
ARRETCHE, M. T. S. Tendências no estudo sobre avaliação. In: RICO, E. M. Avaliação de
políticas sociais; uma questão em debate. São Paulo: Cortez, 1998.
BRASIL. II Conferência nacional do esporte. Brasília: Ministério do Esporte, 2006.
BRESSER PEREIRA, L. C.; GRAU, N. C. O público não estatal na reforma do estado. Caracas:
Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo/Fundação Getúlio Vargas,
1998.
CASTRO, E. Inovação em gestão pública com vistas à cidadania. Belo Horizonte: Fundação
Getúlio Vargas/Curso de Administração Pública, 2001. (Mimeo)
DIEESE. Jornada de trabalho por meio de banco de horas. Brasília: 2002. Documento.
ONU. Declaração dos direitos universais do homem. Genebra, Assembléia Geral da ONU,
10 dez. 1948. Impresso.
______. Lazer: responsabilidade social das empresas. In: CURY, C. R. J. Lazer, cidadania e
responsabilidade social. Brasília: SESI/DN, 2005.
CAPÍTULO 6
Territórios do Lazer:
panoramas e reflexões sobre a animação
sociocultural [1]
Débora Alice Machado da Silva
"É fundamental viver a própria existência como algo unitário e verdadeiro, mas
também como um paradoxo: obedecer para subsistir e resistir para poder pensar no
futuro. Então a existência é produtora de sua própria pedagogia" (Milton Santos,
2000).
Pensar em os “territórios do lazer” pressupõe o esclarecimento da dupla
intencionalidade deste capítulo, de apresentar os panoramas da animação sociocultural no
Brasil e na França e de aprofundar as reflexões em torno da animação entendida como uma
das facetas do lazer, destacando suas particularidades na realidade brasileira e apontando
caminhos para ampliar seu debate.
Buscamos na geografia alguns subsídios para compreender o conceito de território, que
extrapola a mera justaposição de elementos naturais e dos sistemas de coisas criadas pelo
homem, abarcando a identidade que se constrói num determinado espaço físico/geográfico.
Ou seja, os territórios não se constituem em campos neutros, mas sim são fruto da
população que os vivencia/integra, fruto das diferentes apropriações a que são submetidos,
das trocas materiais neles existentes, da ação e da vida neles presente. Daí emerge o fato e
o sentimento de pertencimento àquilo que nos pertence, construindo uma relação mais
aprofundada e consciente com o espaço que nos cerca.
Ao propor a análise de duas realidades geográficas e culturais distintas fez-se necessário
entender que cada uma delas se apresenta como complexo espaço de manifestação, posto
que são “territórios” que acolhem e beneficiam vetores da racionalidade dominante, mas
que também permitem a emergência de outras formas de vida. Esse estado caótico, próprio
dos territórios, desempenha papel ativo na formação da consciência de suas populações
(Santos, 2000).
Ao mesmo tempo em que construímos nossas casas, nosso trabalho e nossas práticas de
lazer, essas também nos constroem, numa relação constante, tensa e paradoxal. No
entanto, a ideia de povo e nação depende exatamente de um aprofundamento dessas
relações constituídas na medida em que o “espaço” adquire significados e significações.
Nesse sentido, deixamos de lado a ideia de ‘espaço’ e buscamos o entendimento dos
“lugares” que se delineiam, particulares em seus significados, revelando e realizando o
mundo em seus tempos históricos, tornando-o campo de múltiplas experiências.
Para Santos (2000),
"os lugares são, pois, o mundo que eles reproduzem de modos específicos, individuais
e diversos. Eles são singulares, mas são também globais, manifestações de uma
totalidade-mundo, da qual são formas particulares" (p. 112).
Dessa forma, não poderíamos restringir
"a discussão em torno da animação sociocultural apenas num aspecto global, o que
nos remeteria a pensar a influência francesa de forma colonizadora, passível de ser
inserida no contexto brasileiro. É fundamental discutir as semelhanças existentes nos
dois contextos mas, sobretudo, considerar as múltiplas influências existentes na
realidade brasileira, o que justifica a emergência em ampliarmos o debate sobre a
temática para entendermos determinadas particularidades."
Considerando a animação sociocultural como um dos territórios do lazer e, ao mesmo
tempo, como manifestação que se particulariza em diferentes lugares (no caso, Brasil e
França), podemos situá-la como espaço vivido e vivificado pelas tensões que são próprias do
“lugar” e, também, como universo de influências advindas de outras realidades. Ou seja,
atualmente, considerando a velocidade da informação e da difusão do conhecimento,
rompe-se a antiga oposição entre o mundo e os “lugares” e, no caso da animação (e não só
dela),
"a informação mundializada permite a visão, mesmo em flashes, de ocorrências
distantes. O conhecimento de outros lugares, mesmo superficial e incompleto, aguça
a curiosidade" (Santos, 2000, p. 116).
Por um lado, tal curiosidade nos leva a verificar as semelhanças e as diferenças da
animação sociocultural nos dois contextos analisados. No entanto, a “descoberta das
diferenças” perde seu sentido se não for acompanhada de uma “tomada de consciência da
diferença”, o que acarretaria lidar com a informação geral, fragmentada, buscando situá-la
num contexto e processo histórico crítico que, em última análise, é um dos responsáveis
pelas particularidades da animação no Brasil e na França.
Inicialmente, é importante destacarmos a contemporaneidade do lazer e da animação
sociocultural. Na França, esses termos surgem com a industrialização, processo que se
instaura concomitantemente à urbanização. No caso do Brasil, tendo em vista o fato da
industrialização ter acontecido antes da urbanização, esses termos começam a aparecer a
partir da organização urbana da sociedade, ou seja, na transição do século XIX para o século
XX, momento em que novas formas de habitar, trabalhar e se divertir passaram a ser
necessárias.
Nesse período, os divertimentos passam a estar vinculados à questão do consumo de
bens industrializados e predominam propostas de lazer dirigido, um contexto bem diferente
daquele vivenciado na sociedade rural. Muitas iniciativas no campo do lazer surgiram nessa
época, buscando, em parte, reduzir o impacto causado pela nova ordem urbano-industrial,
destacando a promissoriedade das cidades.
Os primeiros estudos sistematizados sobre as práticas de lazer surgiram no final do
século XIX, na França e nos Estados Unidos, ou seja, alguns anos após o surgimento de
iniciativas desenvolvidas sob essa nomenclatura. Tais estudos traziam uma conceituação
específica sobre o lazer e a recreação, fortemente vinculada às necessidades dos
trabalhadores. Assim, preservando a ideia de conhecimento e controle social do “tempo
livre” dos trabalhadores, começa a se constituir, nos EUA, um campo de pesquisa
denominado sociologia do lazer. Tal campo se consolida a partir das abordagens teóricas da
sociologia do trabalho, o que desconsidera o desenvolvimento de modos de investigação
peculiares aos estudos do lazer.
É importante destacar que o termo “lazer” foi adotado e desenvolvido particularmente
pelos estudos franceses, enquanto os estudos norte-americanos preferiram adotar o termo
“recreação”. No entanto, ambos eram vistos como mecanismos para tentar resolver a
problemática decorrente da redução da jornada de trabalho e, consequentemente, dos usos
que os trabalhadores faziam de seu “tempo livre”.
Se, nos dias de hoje, é bastante polêmica a discussão de tais termos, em seus primórdios
ambos apresentavam características bastante similares. O que se falava sobre a “recreação”
nos Estados Unidos, se aproximava significativamente das discussões travadas sobre o
“lazer” na França. Mas, aos poucos, as diferenças foram se construindo, considerando os
“lugares” em que ambos se inseriram.
Segundo Melo (2001), as preocupações com o lazer, no Brasil, surgem no final do século
XIX, estando presentes no discurso de médicos e sanitaristas, responsáveis pelas novas
reformas típicas da organização urbano-industrial. Já os estudos sistematizados aparecem
por volta dos anos 20 e 30, ainda pautados pela defesa de lazeres saudáveis, buscando
difundir os valores morais e higienistas presentes na época.
O lazer surge, portanto, como fruto da revolução industrial, fundamentado numa ideia
de homem diferente da existente na sociedade rural: um homem que passa a ser movido
por normas e valores veiculados pelos meios de comunicação de massa e pelos pares. Nesse
sentido, a influência desses outros países passa a ser mais uma variável a ser considerada,
afinal, neles, o processo urbano-industrial já se consolidava, enquanto, no Brasil, ainda
estava se estruturando. Alguns teóricos da sociologia do lazer, entre eles Joffre Dumazedier
(grande influenciador do debate sobre o lazer no Brasil), chegaram mesmo a prever a
instauração de uma “civilização do lazer”, fato que, mesmo com o desenvolvimento
tecnológico, não tem se mostrado possível.
A instituição pioneira no debate sobre o lazer no Brasil foi, sem dúvida, o Serviço Social
do Comércio (SESC) que, nas décadas de 1960 e 1970, começa a criar mecanismos de
difusão da área. O lazer passa a ser o campo prioritário de ação da instituição e, aos poucos,
essa área se consolida, em razão da abertura a e intercâmbio com a França, por meio do
sociólogo Joffre Dumazedier; e da sistematização do conhecimento (Centro de Estudos do
Lazer), levando em conta novas concepções e técnicas de investigação sobre o tema.
Entretanto, é fundamental destacar que
"o Sesc, ao longo de sua história, sempre se destacou por uma ação social de cunho
assistencialista, seja no nível da saúde, como nos primeiros anos de sua existência, no
da educação ou do lazer dos trabalhadores comerciários" (Sant’anna, 1994, p. 48).
Nesse sentido, a instituição pretendia assumir um papel complementar ao do Estado,
buscando integrar-se ao poder público e, por suas propostas, incutir no “tempo livre” dos
trabalhadores os valores necessários ao aumento da produtividade e ao cultivo de uma
sociedade organizada, em que os conflitos dariam lugar ao espírito comunitário que se
pretendia criar (Sant’anna, 1994).
Além da notável difusão do lazer via SESC, a partir de 1969, foi cada vez mais frequente
o uso do termo “lazer” nos discursos políticos, destacando-se, principalmente, as práticas
consideradas saudáveis como forma de combate ao ócio, considerado um perigo social. O
lazer se constituiu, aos poucos, como instrumento de disciplina e organização da sociedade,
voltado ao ajustamento e à educação social, fato que pode ser observado por meio da
análise das formas de controle dos usos diversificados do “tempo livre” que, na época,
passaram a ser substituídas por formas de lazer institucionalizadas.
Ao aproximar as propostas de lazer de valores e interesses relacionados à saúde, à moral
e à higiene, a área logo se aproximou das discussões vinculadas à Educação Física, o que
justifica, em grande parte, a presença maciça dos profissionais dessa área, até os dias de
hoje, no âmbito do lazer.
De forma bastante paradoxal, os usos do “tempo livre” dos trabalhadores começaram a
se relacionar com as formas de lazer institucionalizadas, instaurando-se, assim, uma
discussão em torno do lazer mais adequado, melhor e verdadeiro, a construção de uma
verdade capaz de "justificar o lazer como um valor social imprescindível" (Sant’anna, 1994,
p. 63).
Ao se analisar o lazer no Brasil permanece, portanto, o questionamento sobre suas
finalidades e sobre o tipo de engajamento social que o difundiu. No caso da França, essa
luta surge da organização política e social conduzida pelas associações e sindicatos, tendo,
como princípio, a busca da integração social e a participação cultural ativa da população. Já
no Brasil, o lazer como campo de ação e pesquisa é fortemente incutido na população
através de uma instituição regida pelo patronato do comércio, preservando ideais e
interesses em consonância com a ordem vigente. Podemos falar, nesse sentido, em
organização e participação cultural? Em que medida essa participação acontece, se o
princípio é de paz social e a organização social pressupõe conflitos, frutos da relação entre
diferentes pontos de vista, interesses e grupos?
Não negamos, dessa forma, o paradoxo que encerra o lazer e a animação sociocultural,
apresentado como possibilidade de questionamento e superação do estabelecido e, ao
mesmo tempo, instrumento de manutenção e propagação da ordem dominante.
Considerando as contradições apresentadas, optamos por analisar com maior
profundidade as questões do lazer e da animação sociocultural na França e no Brasil,
buscando suas semelhanças e diferenças e fazendo-as dialogar, além de buscar entender em
que medida podemos nos desprender das influências francesas, na tentativa de trazer à
tona as particularidades brasileiras e, assim, traçar políticas públicas e políticas de ação cada
vez mais efetivas e consistentes.
Considerações finais
Apesar das particularidades destacadas nas análises anteriores é evidente a importância
de buscarmos ampliar o contato com as experiências de outros países, superando a ideia de
reprodução destas e buscando os elementos que podem ser devidamente adequados à
realidade brasileira. Para tanto, é fundamental haver um campo vasto de práticas e
experiências profissionais que subsidiem e consolidem as discussões da área.
Aliás, a relação entre a teoria e a prática tem se tornado um outro limite no avanço das
discussões e na reformulação das ações profissionais no Brasil. É fundamental ampliar as
discussões do lazer e da animação sociocultural na perspectiva da práxis, permitindo a
instauração de intervenções educativas no plano cultural.
Enfim, se quisermos entender o lazer como questão contemporânea em suas múltiplas e
complexas possibilidades é fundamental entendê-lo como campo multidisciplinar, fazendo
dialogar as diferentes áreas que o integram. Para tal, é importante refletirmos sobre a
inviabilidade de disciplinarizar o lazer, buscando, cada vez mais, a interação das áreas
engajadas.
Ao mesmo tempo, isso requer a superação de propostas desenvolvidas por profissionais
mal-remunerados e mal-formados, que reproduzem “pacotes de atividades” de caráter
duvidoso. A qualidade do trabalho no campo do lazer deve ser construída levando-se em
conta verbas e estruturas compatíveis com as necessidades existentes, bem como
profissionais que tenham engajamento político suficiente para desencadear intervenções
nas comunidades, caso contrário veremos prevalecer a promoção de atividades e
“festinhas” com o objetivos de entreter e ocupar a população.
Para Miranda (2003) a superação desta lógica distributiva dos bens culturais passa
necessariamente por uma intervenção que considere o mercado cultural como difusor de
bens culturais de consumo, cabendo a ele, portanto, um papel fundamental de
democratização da cultura. Ao mesmo tempo que é fundamental intervir considerando a
cultura como um projeto de sociedade que busca sua autossustentação alicerçada na
participação cultural dos cidadãos e na valorização do potencial cultural existente.
Essas vias de intervenção na área cultural, sobretudo a segunda, só ganham sentido
quando o lazer assume sua interface com a educação, entendida no sentido mais amplo de
processo permanente de formação dos indivíduos, que não pode, de maneira alguma, ficar
restrito ao ambiente formal de educação (escola).
Da relação lazer-educação emerge a animação sociocultural como possibilidade de
intervenção educativa preocupada com a emancipação dos sujeitos. Para tanto, é mister
que os profissionais do lazer (animadores, monitores, agentes culturais, gentis
organizadores...) possuam uma bagagem cultural sólida que possa auxiliar na dinamização
de propostas diversificadas e tenham a intenção de exercer influências pautadas em seu
engajamento e compromisso político com a mudança, incentivando a participação e
valorizando os elementos que pululam na dinâmica social. Em suma, o animador assume um
papel de educador que exercita seu caráter opinativo na busca de soluções e
encaminhamentos coerentes com as necessidades, interesses e expectativas do público.
Dessa forma, é importante ampliar as discussões sobre o lazer e a animação
sociocultural na perspectiva da práxis, buscando superar os paradigmas tecnológico (vertical
– de cima para baixo) e interpretativo (próprio dos diferentes grupos), para nos inserirmos
num paradigma dialético que considere ambos em uma tensão que se faz necessária para
superarmos propostas conformistas, dando à população/público a possibilidade de
intervenções críticas e criativas.
Para Miranda (2003) isso nos remete à ideia de que "a cultura não é algo a ser
distribuído, é algo a ser vivido e a ser criado conjuntamente" (p. 31), no entanto, isso exige a
integração de algumas ações, entre elas: a reformulação, elaboração e implementação de
políticas de lazer sérias, que seriam o contraponto das propostas colocadas no “mercado”; o
resgate do respeito ao profissional do lazer, passando por sua formação e, principalmente,
pela assunção de seu papel como educador (e não mercador, como habitualmente vem
ocorrendo); a consideração da relação lazer-trabalho não em oposição, mas como
elementos que se complementam.
Além disso, é fundamental que os profissionais do lazer assumam a profissão tendo
como base o engajamento político, considerando-se militantes da área de sua atuação.
Nesse sentido, os preconceitos relativos aos locais de trabalho são superados, posto que o
profissional passa a ter condições de argumentar e discutir determinadas propostas
impostas pelo mercado.
Considerando que o lazer é um campo de ação e pesquisa multidisciplinar, não é
interessante delimitar um perfil profissional, mas acreditamos ser urgente a necessidade de
se incutir nos animadores a questão do desenvolvimento profissional constante, na
tentativa de se garantir um alicerce sólido de cultura geral que subsidie intervenções
comprometidas com o que foi até aqui discutido.
Neste capítulo, certamente, há muitas brechas para discussão e questionamentos, o
que, é bastante positivo, pois representa a possibilidade de se fazer avançar os debates
sobre a animação sociocultural no Brasil, buscando destacar nossas particularidades e
construir, aos poucos, uma identidade para a área.
Notas
1. Este texto foi elaborado com base na fala apresentada na abertura do I Encontro de
Animadores Socioculturais, realizado no XVII ENAREL – Encontro Nacional de Recreação e
Lazer, em novembro de 2005, em Campo Grande – MS.
Referências
ALVES JÚNIOR, E. D.; MELLO, V. M. Introdução ao lazer. Barueri: Manole, 2003.
BESNARD, P. L’animation socioculturelle. Paris: Presses Universitaires de France, 1980.
______. Subsídios para uma política de lazer: o papel da administração municipal. In:
MARCELLINO, N. C. Políticas públicas setoriais de lazer: o papel das prefeituras. Campinas:
Autores Associados, 1996.
MELLO, V. A. de. A animação cultural no Brasi: um panorama. Disponível em:
<http://www.lazer.eefd.ufrj.br/producoes>. Acesso em: 22 out. 2005.
MIGNON, J-M. Le métier d’animateur. Syros, Coll. Alternatives Sociales, Paris, 1999.
É importante destacar que tais possibilidades (que não devem ser entendidas de forma
ordenada) dialogam com seus limites como, por exemplo:
1. Os valores coletivos de uma comunidade em relação aos valores individuais,
consumistas e privados;
2. Um tempo da política pública ainda distante do tempo das necessidades dessa
comunidade;
3. A relação dos agentes sociais com o senso comum, sobre os conteúdos e/ou o
referencial teórico-metodológico no trato com oficinas de esporte e lazer;
4. O perfil de “escolinhas esportivas” e de promoção de eventos esportivo-
competitivos das muitas políticas públicas no país.
Ainda assim, as experiências construídas pelos convênios do PELC nos apontam soluções
e nos dão a esperança de estarmos no caminho certo. Um pilar importante desse caminho
é, justamente, o investimento na formação continuada dos agentes sociais de esporte e
lazer, que passamos a tratar a seguir.
Formação a distância
Num país com dimensões continentais, como é o caso do Brasil, e com o avanço
tecnológico da atualidade, não podemos deixar de enxergar a necessidade de construirmos
uma ação de formação a distância dentro do programa de formação desses agentes.
Os três níveis de formação dos agentes sociais do Programa Esporte e Lazer da Cidade
buscam construir as condições necessárias para que o fazer pedagógico (quer nas atividades
sistemáticas, quer nas atividades assistemáticas) ganhe sentido e significado no dia a dia dos
núcleos. O fator principal dessa relação entre o pensar e o fazer pedagógico é que ela não se
constrói de maneira hierárquica, ou seja, não existe uma mão única na relação entre a
formação do agente e a sua prática pedagógica e social. Essa construção é mútua e
permanente e só poderia ser assim, levando-se em consideração os princípios do PELC. Se
não o fosse, como trabalhar, por exemplo, os desafios e as superações no campo do trato
intergeracional, na relação com o resgate e o fortalecimento da cultura local?
Para o PELC, é impossível pensar no desenvolvimento de uma oficina de dança, que
resgate as manifestações locais e regionais – o cacuriá no Maranhão, o caboclinho em
Pernambuco, o carimbó no Pará, o samba de roda no Recôncavo Baiano, o vanerão no Sul, a
polka paraguaia no Mato Grosso do Sul –, sem fazê-lo numa perspectiva de trato
intergeracional, sem se garantir o planejamento participativo no pensar e fazer pedagógico,
sem dialogar, por exemplo, com o hip-hop e a dança de rua, tão expressivas e tão próximas
à juventude.
Nesse ensejo, destacamos os conteúdos significativos que devem ser trabalhados na
formação, a fim de realmente indicar a estrutura central dos princípios tratados até o
momento. No entender do Programa Esporte e Lazer da Cidade, a estrutura da formação
(continuada e em serviço) dos agentes sociais deve garantir:
1. Conteúdos significativos nos campos do esporte, da cultura, da dança, da luta, do
jogo, do teatro, da música, das artes;
2. O estudo aprofundado das pessoas que vivenciam o núcleo de esporte e lazer: a
idade, a comunidade, a história, as dificuldades;
3. A importância do diálogo com outras áreas do conhecimento;
4. A instrumentalização dos agentes: a organização das atividades, o planejamento e os
estudos regulares;
5. A pesquisa e a sistematização da prática social;
6. A apropriação de instrumentos didático-metodológicos necessários à prática
pedagógica crítica e criativa;
7. A formação intelectual coletiva dos agentes sociais de esporte e lazer.
Por fim, entendemos que o Governo Federal, pelo Programa Esporte e Lazer da Cidade,
vem construindo bases sólidas para democratizar o acesso, especialmente de forma
contínua, da população brasileira – sobretudo aquela parcela mais carente de políticas
públicas e de condições econômicas para sua sobrevivência – a práticas esportivas e de lazer
de qualidade. É com esse intuito que o PELC desafia-se constantemente, a cada novo núcleo
organizado, a cada nova comunidade atendida, a aprofundar suas experiências e a construir
bases sólidas de organização e mobilização comunitária.
Notas
1. Destaca-se que, nessa oportunidade, delegou-se ao sujeito que atua no campo do
esporte e lazer o estatuto de “agente comunitário de esporte e lazer”. No entanto,
optamos por manter a categoria “agentes sociais de esporte e lazer”, por entender que
abrange mais e melhor o perfil e o trabalho nesta área.
3. O destaque aos trabalhadores do campo está sendo dado pelo fato de o PELC possuir
núcleos ou convênios com Entidades que possibilitaram a atuação em áreas de
assentamentos rurais e, consequentemente, o envolvimento – a formação – de
trabalhadores rurais com experiência em educação, organização, mobilização etc.
4. Realizada a cada dois anos, teve sua primeira edição em setembro de 2006.
5. A experiência de consórcios vem sendo executada em três situações: (1) convênio com
a União dos Dirigentes Municipais de Educação do MT (UNDIME/MT), que chega a 19
municípios; (2) Liga Ipatinguense de Esportes Especializados (LIESPE/MG), que chega a 35
municípios da região do Vale do Aço em Minas Gerais, com o funcionamento de 77
núcleos; e (3) algumas entidades no DF (ARUREMAS, IACC, LINFANB), da metodologia
consorciada, articulando diversas outras entidades com atuação em administrações
regionais do DF e cidades do entorno. A tendência é a ampliação dessa experiência de
consórcios para todos os estados brasileiros.
Referências
BRASIL. Ministério do Esporte; Conferência Nacional do Esporte. Esporte, lazer e
desenvolvimento humano: documento final. Brasília: Ministério do Esporte, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 22. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura)
______. Pedagogia do oprimido. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
Espaço e equipamentos são componentes dinâmicos para uma Política Pública de Lazer,
estando em constante transformação. Hoje, nas grandes cidades, vivendo o dilema entre o
“ser” e o “ter”, as pessoas, principalmente os jovens, estão optando por viver o “estar”,
assim, o trajeto e o tempo da noite são o principal espaço do lazer (Almeida; Tracy, 2003).
Por seu lado, os equipamentos não podem ser vistos apenas de uma perspectiva, como
centros de consumo, como muitas vezes acontece com os shoppings centers (Padilha,
2003), mas nas suas múltiplas possibilidades de significados atribuídos pela população. E é
impossível negar a importância do tema, quando se trata do lazer, pois se as duas
circunstâncias que caracterizam essa manifestação humana são as de tempo e atitude, elas
supõem a existência de um espaço real ou virtual. Embora reconheçamos o grande vulto
que vem ganhando o espaço virtual, ficaremos restritos, neste texto, à relação lazer e
espaço urbano. Mas a dimensão que o espaço toma, aqui, é ainda maior porque se trata do
acesso a ele, ligado à Política Urbana.
Os estudos do lazer, no mundo ocidental moderno, nascem e ganham impulso com o
processo de urbanização. O lazer [1], tal como o conhecemos hoje, é uma problemática
tipicamente urbana, característica das grandes cidades, mas que ultrapassa fronteiras, uma
vez que os grandes centros urbanos as levam, com as mesmas características, pela mídia,
para outras regiões do país, nem tão grandes ou tão urbanizadas.
A noção de cultura deve ser entendida em um sentido amplo, consistindo "num conjunto
de modos de fazer, ser, interagir e representar que, produzidos socialmente, envolvem
simbolização e, por sua vez, definem o modo pelo qual a vida social se desenvolve" (Macedo,
1982).
Implica-se, assim, no reconhecimento de que a atividade humana está vinculada à
construção de significados que dão sentido à existência. A análise da cultura, pois, não pode
ficar restrita ao produto da atividade humana, mas deve considerar, também, o processo
dessa produção, ou seja, "o modo como esse produto é socialmente elaborado" (Marcellino,
2005).
Os conceitos de espaço e equipamento frequentemente se confundem. Santini (1993)
acredita existirem duas formas de entendimento para essa diferença entre os conceitos. O
primeiro entendimento propõe que os conceitos sejam utilizados como sinônimos. Já o
segundo sugere uma distinção clara entre espaço e equipamento. Espaço é entendido como
o suporte para os equipamentos. E os equipamentos são compreendidos como os objetos
que organizam o espaço em função de determinada atividade. Seguindo o segundo ponto
de vista apontado por Santini, conclui-se ser possível exercer atividades de lazer sem um
equipamento, mas não sem a existência de um espaço.
Uma análise de situação da questão do espaço e dos equipamentos de lazer, põe em
destaque algumas características indesejáveis quando se pensa em democratização, um dos
valores centrais, ao lado da participação popular, na concepção de políticas de lazer, que
vêm orientando os trabalhos de políticas públicas mais progressistas (Marcellino, 2001).
Democratizar o lazer implica democratizar o espaço. Muito embora as pesquisas
realizadas na área das atividades desenvolvidas no tempo disponível enfatizem a atração
exercida pelo tipo de equipamento construído, deve-se considerar que, para a efetivação
das características do lazer é necessário, antes de tudo, que ao tempo disponível
corresponda-se um espaço disponível. E se a questão for colocada relativamente à vida
diária da maioria da população, não há como fugir do fato: o espaço para o lazer é o espaço
urbano.
Se procedermos à relação lazer/espaço urbano, verificaremos uma série de
descompassos derivados da natureza do crescimento das nossas cidades, relativamente
recente e caracterizado pela aceleração e imediatismo. O aumento da população urbana
não foi acompanhado pelo desenvolvimento de infraestrutura adequada, o que gerou
desníveis na ocupação do solo e diferenciou marcadamente, de um lado, as áreas centrais
ou os chamados polos nobres, concentradores de benefícios, e de outro a periferia, com
seus bolsões de pobreza, verdadeiros depósitos de habitações. Mesmo quando estão
localizados equipamentos, nesses espaços, tais como shoppings, a população local
geralmente não tem acesso privilegiado a eles.
Constata-se, principalmente, a centralização de equipamentos específicos [2] (teatros,
cinemas, bibliotecas etc.), ou a sua localização em espaços para públicos segmentados, o ar
de “santuário” de que ainda se revestem um bom número deles e as dificuldades para
utilização de equipamento não específico – o próprio lar, bares, escolas etc.
Essa situação é agravada, sobretudo, se considerarmos que, cada vez mais, as camadas
mais pobres da população vêm sendo expulsas para a periferia e, portanto, afastadas dos
serviços e dos equipamentos específicos: justamente as pessoas que não podem contar com
as mínimas condições para a prática do lazer em suas residências e para quem o transporte
adicional, além de economicamente inviável, é muito desgastante. Nesse processo, cada vez
menos encontramos locais para os folguedos infantis, para o futebol de várzea, ou que
sirvam como pontos de encontro de comunidades locais.
Assim, pouco restou aos espaços destinados ao lazer. O lazer também passou a ser visto
pelos grandes investidores como uma mercadoria.
"Há muito a cidade deixou de ser basicamente um espaço público, neutro, sem querer
chamar a atenção. A própria cidade é um produto a ser vendido para o
desenvolvimento de atividades lucrativas" (Sassen, 2000, p. 120).
É preciso que o poder municipal entenda a importância dos espaços urbanos de lazer
nas cidades, antes que empresas os transformem em produtos acessíveis somente a classes
sociais mais altas.
Se o lazer é colocado pela sociedade capitalista como um momento de consumo, o
espaço para o lazer também é visto como um espaço para o consumo.
"A constituição dos núcleos é primordialmente assentada em interesses econômicos.
Foram e são concebidos como locais de produção ou de consumo" (Marcellino, 2002a,
p. 25).
Dessa forma, também os equipamentos de lazer, os espaços de convívio, seguem uma
tendência à privatização, incluindo aí as áreas verdes que, como o próprio lazer, passam a
ser “mercadorias”.
Somos partidários da opinião de que uma bela cidade constitui o equipamento mais
apropriado para que o lazer possa se desenvolver. É aí, onde se localizam os grandes
contingentes da população, que a produção cultural pode ser devidamente estimulada e
veiculada, atingindo um público significativo.
O crescimento desordenado, a especulação imobiliária, enfim, uma série de fatores vem
contribuindo para que o quadro das nossas cidades não seja dos mais promissores, quer na
defesa de espaços, quer na paisagem urbana, quando se fala da contemplação estética. Em
nome da economia e da funcionalidade, muito se tem feito para ‘enfeiar’ a paisagem
urbana.
Mas não somente a urbanização é regida pelos interesses imediatistas do lucro. A visão
utilitarista do espaço é determinante também nos processos de renovação urbana, ou seja,
nas modificações do espaço já urbanizado, ditadas pelas transformações verificadas nas
relações sociais. Além da alteração da paisagem, fato mais facilmente observado e que, pela
ausência de critérios, geralmente contribui para a descaracterização do patrimônio
ambiental urbano e a consequente perda das ligações afetivas entre o morador e o hábitat,
há a diminuição dos equipamentos coletivos e o aumento do percurso casa/trabalho, enfim,
o favorecimento de pequenos grupos sociais em detrimento dos antigos moradores.
É relativamente recente a preocupação com os efeitos nocivos causados pelo processo
de urbanização crescente à estrutura de nossas cidades. A ação predatória, motivada pelos
interesses imediatistas, ocasiona problemas muito sérios, que afetam a qualidade de vida e
o lazer das populações, contribuindo com a violência e a falta de segurança, inclusive.
Atualmente, fala-se muito em entretenimento. Pelo nosso entendimento de lazer, o
entretenimento deveria ser um dos componentes do lazer, ligado, basicamente, aos valores
de divertimento. Mas o que se percebe, hoje, é uma clara alusão ao entretenimento como
“lazer mercadoria”. Não atividades populares ligadas à alma da população, mas
“popularescas”, no sentido de nivelamento “por baixo”, com o único objetivo de “desviar a
atenção de”, e esse “de”, quase sempre, pode ser entendido como a triste realidade pessoal
e social dos seres humanos. É a distração significando alheamento e não atração por um
outro mundo, um mundo diferente, de sonho e invenção, de uma sociedade mais justa, de
um ser mais humano.
Um dos fatores mais importantes para o crescimento do “lazer mercadoria” em
detrimento do lazer de criação e participação culturais é a falta de espaços vazios
urbanizados. A começar da infância, uma vez que para o desenvolvimento de uma cultura
da criança a disponibilidade de espaço é fundamental. Fernandes (1979) já destacava a
importância da "cultura infantil, constituída de elementos culturais quase exclusivos [...] e
caracterizada por sua natureza lúdica", distinguindo nela uma "educação da criança, entre
as crianças e pelas crianças. A carência de espaços, aliada a outros fatores" (Marcellino,
2005), vem contribuindo para a substituição quase maciça da produção cultural da criança
pela produção cultural para a criança que, por melhor que seja, não tem condições de
substitui-la. Isso é destacado por vários autores, incluindo Perroti (1982), que observa a
substituição que ocorre do real pelo simbólico. Mas Benjamin já alertava para os “perigos”
da produção cultural para a criança. Na sua análise do teatro infantil proletário, o autor
considera tanto a produção como a fruição da atividade cultural positivas, desde que feitas
por crianças para crianças:
"Esse teatro infantil é ao mesmo tempo para o espectador infantil o único proveitoso.
Quando adultos representam para crianças, irrompem patetices" (Benjamin, 1984).
As consequências desse processo são bastante conhecidas: a mais negativa delas,
provavelmente, é a diminuição das ocasiões de reunião das crianças, isto é, das brincadeiras
coletivas, tão importantes no aprendizado da vida em grupo e no desenvolvimento do
sentimento comunitário.
Tratando de equipamentos não específicos de lazer, as escolas contam com grandes
possibilidades de espaço nos vários campos de interesse: quadras, pátios, auditórios, salas
etc. Deve-se considerar ainda seus períodos de ociosidade, em férias e fins de semana, e a
existência, que pelo menos deveria ocorrer, de vínculos com a comunidade próxima. No
entanto, a tão propalada abertura comunitária desses equipamentos não vem se
verificando, talvez pelo temor dos riscos de depredação. Embora algumas iniciativas estejam
ocorrendo com o desenvolvimento de atividades de lazer em escolas, pode-se e deve-se
questionar suas metodologias de abordagem. Mesmo assim, em trabalhos comunitários, ao
contrário do que se possa imaginar à primeira vista, uma ação bem realizada nesse sentido
só contribui para aumentar o respeito das pessoas pelo equipamento, uma vez que, à
medida que o utilizam, vão desenvolvendo sentimentos positivos, passando a colaborar na
sua conservação. Guimarães (1985, 1990) deixa isso muito claro quando analisa a
depredação escolar por dentro do equipamento, chegando à conclusão de que a violência
está ligada à vigilância e punição escolares, e quando estuda a violência externa ao
equipamento, chegando à conclusão de que a violência, nesse caso, está ligada à exclusão
do próprio sistema escolar.
A proposta da Pedagogia da Animação (Marcellino, 2004, 2005) considera a escola como
equipamento e organização de educadores, funcionando como centro de cultura popular, e
analisa, entre seus vários componentes, a tarefa educativa no que compete ao espaço,
ultrapassando os limites dos muros dos prédios escolares, estendendo-se a outros
equipamentos da comunidade próxima e procurando dessacralizá-los.
As consequências das questões políticas e econômicas que envolvem o espaço acabaram
fazendo com que um equipamento não específico de lazer – o lar – se tornasse o principal
espaço de lazer, situação minimizada com o advento do automóvel, que ‘expulsou’ as
famílias de suas casas, e agravada agora, porque a casa vem se tornando cada vez mais, por
circunstâncias diversas, também um local de trabalho, tanto na classe dominante – uso de
micros e equipamentos eletrônicos sofisticados, que ‘empurram’ as pessoas para dentro –,
quanto na classe dominada – em razão da necessidade crescente de pequenos negócios de
economia informal, em decorrência da crise do desemprego estrutural.
Saímos de uma situação histórica, na chamada “sociedade tradicional”, em que o brincar
e o trabalhar conviviam com o ambiente familiar no espaço da casa e seu entorno. Por uma
série de razões, na sociedade contemporânea, a casa volta a ser novamente e cada vez mais,
um lugar de morar, de trabalhar e de brincar. Quais as consequências dessa situação? Como
nos preparar para enfrentá-la ou conviver com ela, enquanto profissionais do lazer? Como
equilibrar o lazer em família com o lazer da família? O lar, como espaço para brincar, morar
e trabalhar será o local de aproximação forçada ou possibilidade de afirmação das
individualidades?
Mesmo os bares vêm perdendo sua característica de ponto de encontro, embora
algumas iniciativas ocorram no sentido de transformá-los em espaço alternativo para
atividades como exposições, lançamentos de livros, música ao vivo etc. Essas iniciativas
quase sempre se restringem aos chamados “barzinhos”. Os tradicionais “botequins” são
substituídos pelas lanchonetes, os fast-food, onde o consumo é rápido e a convivência
desestimulada.
As ruas e a maioria das praças das grandes cidades são concebidas, quase sempre,
unicamente como locais de acesso e passagem.
Com o crescimento desordenado das cidades, agrava-se o isolamento de seus
habitantes, e sua condição de passividade frente às decisões que afetam diretamente sua
vida diária. É perfeitamente lógica, nesse esquema de raciocínio, a falta de espaço para o
lazer, quase sempre colocado numa falsa hierarquia de necessidades. Nas grandes cidades
atuais sobra pouca ou quase nenhuma oportunidade espacial para a convivência. O vazio
que fica entre o amontoado de coisas é insuficiente para permitir o exercício mais efetivo
das relações sociais produtivas em termos humanos. Os equipamentos urbanos para o lazer,
quando concebidos, quase sempre são assumidos pela iniciativa privada, que os vê como
uma mercadoria a mais para atrair o consumidor. As possibilidades de lucro são os critérios
levados em conta para a construção e para a manutenção em funcionamento dos
equipamentos de lazer.
Sintomas desse mau arranjo da vida urbana são encontrados no cotidiano das pessoas
em geral e, mais particularmente, nas fugas grandiosas que se repetem em todas as
ocasiões em que a população tem oportunidades para tal.
Os condomínios verticais e horizontais buscam a ilusão da saída individual para o “lar,
doce lar”, construindo suas moradas como “cantinho de sonho”, “refúgio do guerreiro”, mas
têm, em suas construções, guaritas medievais e fossos com pontes elevadiças separando as
casas. E o lazer é individualizado, com profusão de piscinas e parabólicas e bancos
individuais, nos jardins, distando, em alguns casos, pelo menos dez metros uns dos outros.
O lazer, visto como manifestação humana, com suas especificidades, mas entendido no
conjunto delas, sofre as mesmas influências que qualquer área do social. Entendê-lo como
um “oásis” ou gerador de tranquilidade, é uma visão contraditoriamente mercantilista –
lazer como mercadoria a ser consumida, funcionando como válvula de escape. Pelo
contrário: a violência e a falta de segurança são apontados como fatores que impedem a
escolha do lazer das pessoas, contribuindo para que fiquem reféns de suas próprias casas,
aumentando o já elevadíssimo número de indivíduos que têm na casa o seu principal
“equipamento” de lazer.
Raquel Rolnik (2000a), urbanista e presidente do Instituto Polis, ao abordar a
impossibilidade de uma noção única de qualidade de vida numa metrópole, chama a
atenção notadamente para o uso do espaço, referindo a noção limitada, baseada em valores
comerciais, de equipamentos incorporados com finalidades exclusivas, como oferecimento
de academias de ginásticas, proximidade a grandes empreendimentos etc. Chama a
atenção, também, em especial aos profissionais da área de arquitetura e urbanismo, para
não caírem na "noção mesquinha de qualidade de vida, superando a noção privatista de
espaço e cidade, retomando os ideais que informam a própria constituição do exercício
profissional" (Rolnik, 2000a, p. 35).
Lia Diskin (2000) (cofundadora da Associação Palas Athena) ao abordar a riqueza a ser
avaliada no mundo social, diz que ela "fica evidenciada pela pluralidade cultural que
consegue legitimar-se na convivência", chamando a atenção para o fato de que
"hoje, a qualidade de vida individual e coletiva está condicionada às oportunidades de
conhecer e escolher um repertório de valores, que nem sempre pertence à sociedade
na qual está inserido" (p. 37).
Para a autora,
"a qualidade de vida pessoal, institucional ou social depende em grande escala da
capacidade de se relacionar com o outro (o diferente), o entorno e o planeta de
maneira respeitosa e responsável, promovendo o legítimo direito de oportunidades
para usufruir dos bens naturais e culturais que todas as comunidades humanas têm
disponibilidade ao longo da nossa história" (p. 37).
Muito se fala da péssima qualidade de vida das grandes metrópoles. A mudança na
percepção da importância do lazer na vida das pessoas poderia trazer mudanças nesse
aspecto, sem dúvidas. Seria uma mudança de valores, mas ela não acontece per si. É preciso
que se tenha condições objetivas. O mundo do lazer também pode ser o mundo da
violência: o lazer como esfera de manifestação humana é pleno de possibilidades, inclusive
de violência.
A grande maioria das cidades não conta com um número suficiente de equipamentos
específicos de lazer para o atendimento à população. E o que é pior: muitos deles, mantidos
pela iniciativa privada, como teatros e cinemas, estão fechando e dando lugar a
empreendimentos mais lucrativos. Mesmo as cidades que contam com um razoável número
desses equipamentos nem sempre têm seu uso otimizado, pela falta de conhecimento do
grande público, ou seja, pela falta de divulgação insuficiente entre os próprios moradores.
Iniciativas particulares vêm sendo tomadas e devem merecer apoio. O poder público,
entretanto, não pode ficar ausente. O urbanismo moderno atribuiu às cidades quatro
funções: lazer, moradia, trabalho e circulação. Destas, três ficaram confinadas e localizadas
em espaços privados, cada vez mais circunscritos e homogêneos, cabendo à dimensão
pública a quarta função (Rolnik, 2000b). As classes sociais média e alta atribuem à cidade a
função exclusiva de circulação, já que podem desfrutar de lazer em seus espaços
privatizados. Porém, para as classes mais pobres, a cidade continua com a função de lazer,
de morar, de trabalho e de circulação. Contudo, como os investimentos em equipamentos
de lazer são feitos, na sua grande maioria, pela iniciativa privada, o espaço público passa a
possuir equipamentos de péssima qualidade, já que o poder público vem sendo negligente
com essa questão. Há uma crescente privatização dos espaços de convivência social em
favor das classes mais favorecidas. Assim, o bairro é substituído pelo condomínio fechado,
os espaços públicos de lazer pelos clubes e centros de entretenimento e as ruas pelos
shoppings centers (Bonalume, 2002).
O espaço público vem perdendo seu uso multifuncional, deixando de ser local de
encontro, de prazer, de lazer, de festa, de circo, de espetáculo e, para que as cidades
deixem de possuir somente a função de circulação, é necessário:
"implementar uma política de investimento muito clara na retomada da qualidade do
espaço da cidade, na retomada da sua multifuncionalidade e beleza, na retomada da
idéia de uma cidade que conecte usos, funções e pessoas diferentes, em segurança.
Esse modelo não só é urgente para quem defende uma posição mais democrática de
utilização do espaço público, da vida pública, mas também porque é mais
sustentável" (Rolnik, 2000b, p. 184).
Um dos canais possíveis para isso é a implantação de políticas setoriais de lazer,
devidamente conectadas com as demais áreas socioculturais. A manutenção e a animação
de equipamentos de lazer e esporte podem ser instrumentos importantes na ressignificação
do espaço urbano.
Nas grandes cidades, as pessoas buscam por áreas abertas (praças, parques etc.), pois
sentem a necessidade de estar em contato com o meio ambiente. "Eis porque alguns
grandes parques, espalhados pela cidade, tornam-se pólos centralizadores de verdadeiras
multidões" (Santini, 1993, p. 44). A existência de parques nas cidades torna-se, assim, de
extrema importância para o lazer da população. Porém, muitas vezes, falta espaço para a
construção desses parques.
"O processo desordenado de constituição das cidades brasileiras não garantiu espaço
para uma ocupação planejada do solo urbano. A conseqüência deste problema
aparece na forma de disfunções urbanas" (Santos; Miotto, 2003).
Essa falta de espaços de lazer contribui para o enclausuramento das pessoas que, por
não terem opções de lazer nos logradouros públicos, acabam gastando seu tempo
disponível em ambiente doméstico, conforme já havíamos destacado anteriormente. Mas
esse processo não é só resultado da falta de espaços para o lazer. A violência das cidades
também contribui com isso.
"Assim, a vida privada é marcada cada vez mais pelo medo e pelo enclausuramento.
Vivemos uma realidade travestida pelo virtual e pelo simulacro. Desaparece a rua
como lócus da sociabilidade. Da mesma forma como desaparecem a família e a rua,
as relações de vizinhança e de compadrio, tende a desaparecer também o mundo
vivido" (Rodrigues, 2002, p. 154).
Para lutar contra essa individualização do lazer, é necessário que, cada vez mais, o poder
público crie políticas de lazer que possam dar mais ênfase aos espaços e equipamentos. Ao
invés disso, cresce o lazer doméstico, amparado nas possibilidades individuais eletrônicas,
que contribui para que as pessoas busquem somente o lazer entretenimento, deixando de
lado o lazer convivência social (Rodrigues, 2002).
Conforme colocado, a iniciativa privada vem criando novos espaços de lazer no
ambiente urbano. Num país periférico como o Brasil, todavia, a grande maioria da
população não possui condições financeiras de desfrutar de espaços de lazer pagos. Dessa
maneira, o poder público, através de políticas de lazer, deve criar novos equipamentos e
espaços e revitalizar os antigos. Dessa forma, a população em geral poderá ter maior
disponibilidade de acesso às atividades de lazer, tendo garantido o seu direito constitucional
[3].
"O governo não pode ficar refém da política globalizante, que o coloca no ínfimo
papel de preparar a cidade para receber os novos padrões de produção do mundo
globalizado. É necessário romper com os modelos existentes de ocupação espacial
das áreas urbana e rural, enfrentando as dificuldades e resistências inerentes ao
processo, para que as pessoas possam ser inseridas em um espaço harmônico. As
políticas de ocupação do solo devem democratizar oportunidades, resgatar a
funcionalidade e a qualidade dos logradouros públicos e melhorar a circulação de
pessoas, favorecer o convívio, a integração, o encontro" (Bonalume, 2002, p. 198).
Além da luta para a obtenção de novos espaços, é preciso tratar da conservação dos já
existentes. Muitas vezes, a solução não está na construção de novos equipamentos, mas na
recuperação e revitalização de espaços, destinando-os à sua própria função original ou, com
as adaptações necessárias, a outras finalidades. Algumas iniciativas vêm sendo tomadas
nesse sentido, mas muito mais pode ser feito e, na maioria das vezes, dependendo de
recursos bem menores do que os necessários para novas construções.
No processo de construção e adaptação de equipamentos, é importante observar a
redução das barreiras arquitetônicas, pois estas impossibilitam as pessoas idosas e
portadoras de necessidades especiais de usufruírem dessas áreas (Müller, 2002). Só dessa
maneira a democratização cultural do lazer será efetivamente alcançada. Afinal,
democratizar significa tornar acessível a todos. E “todos” inclui crianças, adolescentes,
idosos e portadores de necessidades especiais.
Os clubes recreativos (privados ou públicos) são equipamentos específicos de lazer.
Porém, hoje, há pouco investimento técnico efetuado para uma conceituação adequada de
clubes. É preciso que se crie um dimensionamento adequado da infraestrutura de água,
energia elétrica, esgoto e lixo, bem como uma projeção proporcional à frequência, ao tipo
de atividade e à boa circulação de pessoas dessas instalações. Infelizmente, a arquitetura de
lazer ainda é amadora, ainda está se firmando (Camargo, 1998, p. 48). O estudo de Capi
(2006) aponta para a importância do clube como espaço privilegiado para a concretização
do associativismo e como um dos componentes do setor corporativo que pode fazer parte
de uma política pública de esporte e lazer. Se os clubes [4], com toda a estrutura existente
no país, conseguissem se estruturar em movimento [5], boa parte da política pública de
esporte e lazer estaria definida, pelo seu componente corporativo, que inclui também o
Sistema S [6].
No processo de planejamento de um equipamento específico de lazer, antes de sua
construção, é preciso conhecer quais são as aspirações e as necessidades da comunidade
em questão. Assim, é possível saber que tipo de equipamento construir e que aspirações
atender em termos de conteúdos culturais.
Se o espaço para o lazer é privilégio de poucos, todo o esforço para a sua
democratização não pode depender unicamente da construção de equipamentos
específicos. Eles são importantes e sua proliferação é uma necessidade que deve ser
atendida. Mas a ação democratizadora precisa abranger a conservação dos equipamentos já
existentes, sua divulgação, “dessacralização” e incentivo à utilização, por meio de políticas
específicas, e a preservação do patrimônio ambiental urbano (Marcellino, 2002a).
Mesmo quando superados todos os entraves para a participação da população em
atividades realizadas nos equipamentos específicos e, particularmente, naqueles dirigidos às
áreas de interesses intelectuais e artísticos, caso de bibliotecas, museus, galerias de arte,
teatros etc., frequentemente, essa participação é dificultada e inibida pelo ar de santuário
de que se revestem as construções e sua sistemática de utilização, principalmente quando
são mantidos pelo poder público.
Talvez por nossa falta de tradição, fruto de uma história ainda recente e marcada por
longo período de colonialismo e, ultimamente, do consumismo das obras da indústria
cultural que em última análise também representa uma forma de colonialismo, a
necessidade de preservação de bens culturais, até pouco tempo atrás, atingia um pequeno
número de especialistas e cultores, os quais, não raro, adotavam atitudes que, aos olhos da
maioria, assumiam características de esnobismo.
Outro fator deu uma parcela bastante significativa, nesse sentido: a crença na
impossibilidade de conciliar tradição e progresso e a própria ideia do que seria essa tradição
e esse progresso.
Até bem pouco tempo era difundida uma falsa noção de memória cultural, de sentido
muito restrito e embebida na ideologia dominante. Essa noção estava ligada ao conceito
clássico de patrimônio histórico e artístico, tal como definido no decreto de criação do
Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Assim, o Decreto-lei n. 25, no artigo 1,
definia como patrimônio artístico nacional: "o conjunto de bens móveis e imóveis existentes
no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos
memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico ou artístico".
Historicamente, entre estudiosos e instituições voltadas para a preservação, nota-se
uma ampliação gradativa da abrangência do conceito, com a ideia de excepcionalidade
dando lugar à noção de representatividade dos elementos a serem preservados. Dessa
forma, evoluiu-se para o conceito de Patrimônio Ambiental Urbano, constituído por
espaços, que, inclusive, transcendem a obra isolada e que caracterizam as cidades pelo seu
valor histórico, social, cultural, formal, técnico ou afetivo.
Congressos e seminários mais recentes vêm ampliando ainda mais a abrangência do
conceito, incluindo usos e costumes. Para nós, importa destacar que, enquanto a primeira
noção era baseada em atributos como a singularidade e a monumentalidade, o conceito
mais recente reconhece, inclusive, os elementos afetivos como critérios para a preservação.
Dessa perspectiva, a participação comunitária é fundamental para o conhecimento do
valor do ambiente e da cultura e para o incentivo a um comportamento destinado à
preservação, valorização e revitalização urbanas.
O lazer pode contribuir, de forma prazerosa, no processo de valorização e preservação
do patrimônio, desde que entendido da perspectiva colocada anteriormente e não como
mero item da indústria cultural. Cumpre importante papel, também, na revitalização dos
espaços e equipamentos. Assim, é muito importante a consideração dos patrimônios
artísticos, arquitetônicos e urbanísticos, que fazem parte da memória das cidades, como
elementos de enriquecimento da paisagem urbana. Esse “patrimônio ambiental urbano”,
desde que preservado e revitalizado, pode e deve se constituir em novos equipamentos
específicos de lazer para as cidades.
Além disso, contribui de maneira significativa para uma vivência mais rica da cidade,
quebrando a monotonia dos conjuntos, estabelecendo pontos de referência e mesmo
vínculos afetivos. Outro aspecto, não menos importante, é que preservando a identidade
dos locais pode-se manter e até mesmo aumentar o potencial turístico de nossas cidades.
Se os equipamentos específicos de lazer são necessários, a adaptação e utilização de
equipamentos não específicos subtilizados é mais premente ainda. Nesse sentido, vale
lembrar:
1. A necessidade de desenvolvimento de uma política habitacional que considere, entre
outros aspectos, também o espaço para o lazer – o que não é fácil num país como o
nosso, com alto déficit habitacional, e que deve estimular alternativas criativas para
áreas coletivas;
2. A consideração da necessidade da utilização dos equipamentos não específicos para
o lazer, por meio de uma política de animação;
3. A preservação de espaços urbanizados “vazios” (Marcellino, 2002a).
Por outro lado, a observação do uso dos equipamentos de lazer tem nos levado à
constatação de inúmeros casos de adaptações ou de novos usos pela população, diferentes
daqueles para os quais foram planejados, o que exige uma postura diferenciada dos
animadores ou uma nova forma de planejamento de equipamentos, mais participativa, de
acordo com as aspirações da população e, diga-se de passagem, em consonância com o
próprio conceito de lazer.
Toda essa questão do acesso aos equipamentos e espaços de lazer deve ser vista não
somente no âmbito municipal, com a formação das chamadas Regiões Metropolitanas, em
muitas áreas do país.
"O termo ‘megalópole’ é usado principalmente para designar um fenômeno
preponderante contemporâneo. Baseia-se na superposição e interpenetração de
áreas metropolitanas anteriormente distintas, formando um setor urbanizado
contínuo. Onde havia cidades menores, forma-se uma área urbanizada maior, na qual
os centros metropolitanos são as unidades básicas" (Santini, 1993, p. 41).
Diante do novo quadro urbano que se desenha no país, com a concentração das
populações em regiões metropolitanas, e tendo em vista que o lazer se configurou,
historicamente, como uma problemática essencialmente urbana (Requixa, 1977), é
imperativo que se trabalhe em políticas públicas na perspectiva dessas regiões-consórcios. É
impossível ficar restrito aos âmbitos municipais, inclusive em razão da série de impactos que
as políticas de lazer podem trazer para regiões inteiras (Marcellino, 2001).
A pesquisa de informações básicas municipais, realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (2001), aponta que, em quase metade da região metropolitana de
Campinas (RMC), não há espaços culturais e de lazer construídos, embora o perfil
apresentado para a região esteja acima da média brasileira em oferta de serviços de lazer e
cultura. Ainda assim, as cidades periféricas da região conseguem ter algum serviço de
qualidade em lazer quando eles são da natureza, como lagos e cachoeiras. Ademais, mesmo
aqueles mais democráticos, como parques, também são muito pobres nas periferias. Dos
municípios que integram a RMC apenas um não tem clube ou associação recreativa e
somente dois não têm estádio ou ginásio poliesportivo, mas a pesquisa constata a alta
concentração dos serviços na cidade sede.
Segundo Rinaldo Bárcia Fonseca, coordenador do Núcleo de Economia Social, Urbana e
Regional (Nesur) do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), esses dados refletem o perfil tradicional das regiões metropolitanas,
caracterizadas por “centro” e “periferia”, em que a oferta de serviços de qualidade está no
centro (Costa, 2002).
Partimos do pressuposto de que o que ocorria antes com a concentração dos
equipamentos de lazer no centro das cidades e que, com o decorrer do processo de
urbanização e especulação imobiliária, fez tais equipamentos deslocarem-se para outras
áreas urbanizadas, hoje se dá com o centro das regiões metropolitanas em relação às
cidades periféricas, dificultando o acesso da população.
Mesmo para os municípios sede das regiões metropolitanas, onde há mais facilidade de
acesso aos equipamentos, é preciso verificar o grau de “sacralização”, de que muitas vezes
eles são revestidos, como fator inibidor do seu efetivo uso democrático por parte da
população.
Em pesquisa realizada em Campinas-SP (Marcellino, 2002b), pudemos constatar os
seguintes itens:
1. A moradia e seus prolongamentos são os principais espaços de lazer, mesmo
enfatizando a observação dos interesses físico-esportivos ou, dito de uma forma
mais abrangente, as práticas corporais de lazer;
2. Embora os interesses físico-esportivos sejam preponderantes, são combinados a
outros ou convivem com outros interesses no lazer;
3. A defasagem entre o querer e o fazer nem sempre é consciente e, quando isso
ocorre, as razões são variadas, porém ligadas às barreiras socioeconomicas que se
verificam interclasses, mas também intraclasses sociais, englobando aí aspectos
como faixa etária, gênero, estereótipos, tempo, espaço, violência urbana e
dificuldades de acesso à informação;
4. A ausência de uma política pública de lazer, e dentro dela uma política de animação
sociocultural, contribui para a defasagem entre o querer e o fazer para a prática, o
consumo (assistência) e a informação em níveis conformistas, dificultando a
passagem para níveis críticos e criativos;
5. Há disponibilidade de espaço para a prática dos interesses físico-esportivos, porém,
ele vem cada vez mais sendo ocupado para outras finalidades, sem que a população
seja consultada;
6. O espaço é ocupado, pela população local e vizinha, por faixas etárias diferenciadas,
no decorrer do dia. Durante a semana e fins de semana: pela manhã, idosos e donas
de casa; à tarde, por crianças; à noite, por jovens e, aos finais de semana,
preponderantemente, por crianças e jovens;
7. Nesses espaços são improvisados pela própria população equipamentos específicos,
às vezes muito próximos de equipamentos públicos, o que evidencia a necessidade
de uma política de animação sociocultural para os próprios municípios, que a
população não vem reconhecendo como seus;
8. Apesar de criar seus espaços de lazer, a população dos locais investigados gostaria
de ter mais equipamentos de lazer em sua comunidade, porém não desenvolve, ou
desenvolve muito pouco, ações conjuntas reivindicatórias junto ao poder público,
nesse sentido. As ações de construção levadas a efeito pela própria comunidade são
poucas e prendem-se, quase que exclusivamente, a equipamentos permanentes
ligados ao futebol e a equipamentos móveis ligados a brincadeiras infantis.
Notas
1. O lazer é entendido, aqui, “[...] como a cultura – compreendida no seu sentido mais
amplo – vivenciada (praticada ou fruída) no ‘tempo disponível’. É fundamental como
traço definidor o caráter ‘desinteressado’ dessa vivência. Não se busca, pelo menos
basicamente, outra recompensa além da satisfação provocada pela situação. A
‘disponibilidade de tempo’ significa possibilidade de opção pela atividade prática ou
contemplativa” (Marcellino, 2004).
3. Na Constituição de 1988, o lazer consta do Título II, Capítulo II, Artigo 6, como um dos
direitos sociais; o termo aparece em outras ocasiões mas é tratado, quanto à formulação
de ações, no Título VIII, Capítulo III, Seção II, Do Desporto, no Artigo 217, nº 3 e último
parágrafo do item IV – “O Poder Público incentivará o lazer – como forma de promoção
social”.
4. Segundo a Confederação Brasileira dos Clubes, em todo o Brasil, há 13.826 clubes com
sede própria. Para a CBC, esse total de clubes têm, em média, mil sócios titulares.
Multiplicando cada título pelo número médio de quatro pessoas, deve haver cerca de 53
milhões de pessoas vinculadas aos clubes, quase um terço da população nacional (CBF,
2005).
6. Sistema que inclui o SESI – Serviço Social da Indústria, e o SESC – Serviço Social do
Comércio.
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Controle social sobre as políticas públicas é um tema que vem sendo muito debatido em
áreas como a saúde, assistência social e educação, principalmente a partir da década de
1980 e, mais especificamente, no Brasil, da constituição de 1988. No tocante às políticas
públicas de esporte e lazer, falar em controle social ainda significa falar de experiências
pontuais que estiveram ou estão em construção e, na maior parte dos casos, encontram
dificuldades no que diz respeito às possibilidades de aprofundamento e, especialmente, de
continuidade.
Longe de ter a pretensão de elucidar todas as questões que envolvem esse tema, o texto
se propõe a trazer algumas referências, problematizações e hipóteses que venham a
contribuir com o debate e, quem sabe, estimular o aprofundamento da relação entre Estado
e sociedade civil.
Observando-se o processo histórico, é possível perceber que o conceito de controle
social vem evoluindo: o Estado controla a sociedade; a sociedade apenas contempla o
Estado; a sociedade combate o Estado; a sociedade participa das decisões do Estado.
Para desencadearmos o debate acerca de como se dá tal participação, lançamos
algumas questões:
1. Como chegar a uma gestão participativa, partilhada com a sociedade civil?
2. Como romper com a visão particularista de atendimento de demandas públicas e
fiscalização de governos que gera corporativização e fragmentação da questão social
e, em especial, desresponsabilização do Estado?
3. Que aspectos ainda dificultam uma efetiva implementação da participação da
sociedade na formulação e implementação das políticas públicas de esporte e lazer?
Dessa forma, tudo indica que o procedimento democrático deve ser um exercício
coletivo de poder político, baseado em um processo livre de apresentação de razões entre
iguais.
Nas democracias, o Estado precisa estar voltado para o agenciamento da vontade geral,
para o interesse público e não para determinados grupos que estão no poder ou mesmo
que são parceiros para que esse poder se mantenha.
A importância da participação é reconhecida pela maioria dos autores e mesmo
governantes, o que é questionada é sua viabilidade técnica e as formas de
operacionalização, dada a magnitude, complexidade e burocratização dos sistemas políticos
contemporâneos. Surge, então, a necessidade de criar e institucionalizar procedimentos
democráticos viáveis.
Quando falamos em democratização, estamos tratando de um processo e não de um
estado, processo este que deve articular os mandatos executivos e representativos com
formas efetivas de deliberação em nível local. População e governo devem estar juntos
desde a elaboração das regras da participação que devem ser integradas e avaliadas
permanentemente para evitar que sejam transformadas em processos de controle social
organizados de cima para baixo, fazendo prevalecer os interesses de uma minoria.
A democracia participativa exige transparência entre a ação política e o resultado. Essa
transparência depende da gestão eficaz das ações, da sua relação com os resultados e da
capacidade de retorno das estruturas de delegação e representação. Por sua vez, a
intensidade da participação depende do desenho institucional e das regras de
funcionamento das instâncias participativas.
A gestão eficaz das ações de participação depende de fatores como frequência,
organização, duração dos encontros, acessibilidade, relação entre o investimento nas ações
de participação e os resultados, entre outros.
A participação requer oportunidades igualitárias de acesso à informação e de
capacitação, de forma que as discussões sejam feitas entre pessoas com entendimento claro
das questões, com vista à construção de alternativas e decisões que contribuam para o
avanço coletivo.
Se a informação é imprescindível no processo de democratização, cabe ao poder público
investir no acesso à mesma, na sua difusão e inteligibilidade, ou seja, garantir que a
informação disponível seja informação acessível e não tão técnica que não possa ser
compreendida pela população.
A ampliação da democracia, para além da atuação das instituições, requer também
iniciativas dos atores sociais com o objetivo de transformar demandas e reivindicações
particulares em questões coletivas capazes de se tornarem políticas públicas, fazendo o
Estado atuar na sociedade.
"O poder é produto da capacidade humana de agir no espaço público e, através de
suas ações, representar não apenas desejos individuais, mas aspirações coletivas
expressadas pelos movimentos sociais e demais entidades da sociedade" (Bezerra,
2005).
Para avançar na construção de uma sociedade na qual todos se reconheçam e se
respeitem como iguais, porque cidadãos, é imprescindível a junção da democracia
representativa a mecanismos que permitam a participação direta, como o OP (Orçamento
Participativo), as conferências, plenárias temáticas, audiências públicas, congressos etc.
É mais difícil praticar a democracia direta, uma vez que não é possível colocar os
usuários permanentemente envolvidos na discussão da política pública em questão, porém,
em determinadas circunstâncias, a participação direta é possível e muito importante.
"quando menor for uma unidade democrática maior será o potencial para a
participação cidadã e menor será a necessidade para os cidadãos de delegar as
decisões de governo para os seus representantes. Quanto maior for a unidade, maior
será a capacidade para lidar com problemas relevantes para os cidadãos e maior será
a necessidade dos cidadãos de delegar decisões para os seus representantes" (Dahl,
1998, p. 110 apud Santos, 2002).
Falar em representação significa considerar, no mínimo, três escalas: a da autorização,
via representação; a da identidade e a da prestação de contas.
A tensão entre democracia participativa e representativa parece fazer parte constitutiva
das democracias modernas, já que a expansão de qualquer uma delas implica a redução da
outra.
É possível combinar essas duas formas de democracia em articulação profunda se
houver coexistência e complementaridade, ou seja, convivência de diversas práticas,
organização administrativa e variação de formas de gestão, com o reconhecimento, pelos
gestores, de que a participação, o controle social sobre o que é público e as deliberações
coletivas podem substituir boa parte do processo de representação e deliberação.
Só tal articulação poderá viabilizar um processo de democracia participativa, coibir
práticas clientelistas/patrimonialistas e construir políticas públicas que contribuam na
reversão da desigualdade e na afirmação de direitos.
É importante transformar as práticas locais de democracia, por mais simples que sejam,
em elos de redes e movimentos mais amplos e, consequentemente, com mais capacidade
de transformação, pois estes permitem a aprendizagem recíproca e contínua, considerando
não existirem soluções válidas para qualquer contexto. Não se deve confundir o valor
intrínseco da democracia com uma mera utilidade instrumental ou estaremos criando uma
caricatura de democracia.
Existem barreiras à participação que impedem a acessibilidade, principalmente dos
setores populares mais carentes e menos organizados, que têm dificuldades em participar.
Para superá-las é preciso investir no cidadão, construir formas de ação que facilitem a
participação dos que mais precisam dela, combater os fatores que são indicados como
nocivos à democracia: a burocratização, o clientelismo, a instrumentalização partidária, a
manipulação das pessoas e/ou instituições participantes.
Para evitar os riscos oferecidos por esses fatores, a formação e reflexão permanentes
são indispensáveis. É preciso assegurar e fomentar o pluralismo e a tolerância nas diversas
ações participativas, sem os quais a democracia participativa definha.
Podemos dizer que a distinção entre a democracia como ideal e a democracia como
prática é a diferença entre o que se realiza e o que se deseja. É preciso buscar o que é
possível, indo além do que existe na realidade atual.
Segundo Paulo Freire, uma proposta de trabalho democrático exige conhecimentos
organizados, mas não cabe em pacotes predeterminados e está em constante processo de
descoberta, ou seja, é necessário refletir sobre a própria situacionalidade, na medida em
que, desafiados por ela, agimos sobre ela de forma crítica. Os homens são porque estão em
situação. Pensá-la é pensar a própria condição de existir.
Institucionalizar a democracia é um processo de construção e depende do que Paulo
Freire denomina “paciência histórica”.
Conferências
São eventos realizados periodicamente, cujo fim é discutir as políticas públicas em cada
esfera e propor diretrizes de ação; suas deliberações devem nortear a implantação dessas
políticas e podem influenciar, inclusive, as discussões dos conselhos.
Conferências são momentos privilegiados de avaliação da política e construção da
agenda participativa a ser implementada pelos governos. Contribuem para a definição das
diretrizes e princípios, definidos em forma de resoluções, a serem implementados pelo
executivo e pela própria sociedade civil.
Uma conferência garante a participação somente se há realização de encontros
preparatórios e/ou pré-conferências que permitam a participação direta da população.
Desses encontros são tiradas as propostas e neles são eleitos os representantes que
seguirão defendendo os interesses e necessidades dos envolvidos.
Orçamento participativo
O processo do orçamento participativo tem por princípio básico a discussão e a decisão
coletiva dos investimentos públicos. É uma das principais formas de democracia direta. Para
tal, é preciso que quem está no governo tome a iniciativa de abrir mão de prerrogativas de
poder, que até então lhe eram exclusivas, em favor das formas de participação. É a
sociedade política decidindo por ampliar a participação pela transferência e devolução de
deliberação de prerrogativas decisórias até então sob sua única responsabilidade.
A experiência do OP configura um modelo de cogestão, ou seja, um modelo de partilha
do poder político mediante uma rede de instituições democráticas orientadas para obter
decisões por deliberação, por consenso e por compromisso.
Santos (2002) aponta três principais características do orçamento participativo:
1. Participação aberta a todos os cidadãos sem nenhum status especial atribuído a
qualquer organização, inclusive as comunitárias;
2. Combinação de democracia direta e representativa, cuja dinâmica institucional
atribui aos próprios participantes a definição das regras internas;
3. Alocação dos recursos para investimentos baseada na combinação de critérios gerais
e técnicos, ou seja, compatibilização das decisões e regras estabelecidas pelos
participantes com as exigências técnicas e legais da ação governamental,
respeitando também os limites financeiros.
Plenárias temáticas
Como o próprio nome sugere, são plenárias em que governo e população discutem e
deliberam a respeito de temas ou determinadas políticas públicas mais específicas,
impulsionando o processo democrático ao aprofundarem a discussão acerca das carências e
necessidades destas para a sociedade em geral.
As experiências de plenárias temáticas já desenvolvidas usualmente decidem os
investimentos de caráter mais geral, ou seja, que beneficiam a maior parte da população
usuária direta ou indireta de determinada política.
São espaços abertos à população em geral, nos quais as entidades representativas do
setor exercem um papel importante por contribuírem com os conhecimentos específicos
das demandas da área.
Considerações finais
A democratização do Estado exige abertura de canais de participação acompanhados
pela crescente organização da sociedade civil e de sua apropriação dos diversos espaços de
discussão. Para que isso ocorra é imprescindível a consolidação de modelos de gestão que
combinem democracia direta com democracia representativa, eficiência administrativa e
qualificação dos serviços públicos.
Pelo que foi apontado e observando-se o dia a dia da construção, implementação,
fiscalização e avaliação das políticas públicas de esporte e lazer, é possível afirmar que,
apesar dos avanços contidos na Constituição Federal, se não houver intensa mobilização da
sociedade civil, desde a escolha de seus representantes até a busca da construção de canais
diretos de participação, o controle social sobre as políticas públicas permanecerá muito
restrito.
Para alterar a tendência histórica de subordinação da sociedade civil ante ao Estado, é
preciso que se permita e se estimule a atuação da população como interlocutora, dotada de
representatividade e legitimidade, no processo de encaminhamento e tomada de decisões.
Trata-se da construção de uma nova cultura política que consolide a participação da
sociedade civil na gestão das políticas públicas em geral.
As experiências de controle social precisam permitir a aprendizagem fundamental de
uma dada consciência democrática de valorização da participação ativa, que ajude e/ou
estimule os governos a voltar-se aos interesses dos setores populares, socialmente
construídos. Trata-se da reconstrução do Estado enquanto pacto de poder, avançando da
tradição autoritária na direção de uma concepção democrática de esfera pública.
É a devolução da palavra e da ação a quem a história sonegou o direito de constituir-se
como sujeito na sociedade brasileira (Raichelis, 2000).
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ação municipal. São Paulo: Pólis, 2000.
CAPÍTULO 10
O Papel do Estado nas Políticas Sociais:
elementos para discussão sobre a gestão das
Políticas Públicas de Lazer no Brasil
Rejane Penna Rodrigues
Além disso, como estratégia político-institucional, essa Política de Lazer valoriza a rede
fundamentada na solidariedade de base informal, isto é, nos códigos culturais e simbólicos
comuns construídos no cotidiano das pessoas e/ou grupos (família, comunidade, trabalho,
lazer) e nas ações coletivas que busquem o bem comum, considerando as dimensões do
conflito e da diferença.
Isso porque concordamos com Pedro Demo (1994), quando este afirma que a arte
qualitativa do sujeito é a sociedade desejável que é capaz de criar. E isso passa,
necessariamente, pela sua participação. Mais ainda, só haverá democracia se houver
participação capaz de integrar todas as propostas que se colocam como transformadoras.
Referências
ABRUCIO, F. L. Reforma do estado e administração pública gerencial. 5. ed. Rio de Janeiro:
Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998.
ADRIAO, T.; PERONI, V. (Org.). O público e o privado na educação: interfaces entre estado
e sociedade. São Paulo: Ed. Xama, 2005.
AMORIM, M.; FONSECA, M. T. N. M. Família e história. Série tudo haver. Belo Horizonte:
PBH/AMEPPE, n. 2, 1999.
BENEVIDES, M. V. de M. A cidadania ativa. São Paulo: Ática, 1996.
HOLMES. M.; SHAND, D. Management reform: some practitioner perspectives on the past
tem years. Governance, v. 8, n. 4, 1995.
SZAZI, Ed. Terceiro setor: regulação no Brasil. São Paulo: Gife, Editora Fundação
Peirópolis, 2003.
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