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ÁREA CIENTÍFICA

ESTUDO PROSPETIVO SOBRE OS HÁBITOS


DE SONO NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE
PROSPECTIVE STUDY ON SLEEP HABITS
IN CHILD AND ADOLESCENT

Vera Rocha1, Jacinta Fonseca2, Cláudia Monteiro 1, Conceição Silva3, Isabel Ribeiro3
1
Serviço de Pediatria: Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, Unidade Padre Américo – EPE; 2Serviço de Pediatria: Centro Hospitalar Gaia/Espinho, EPE; 3Unidade
de Saúde de Cuidados Personalizados de Barão do Corvo – UCSP Barão Corvo, Gaia

RESUMO essa proporção de 11,8% (17% do total de inquiridos) naque-


les com uma autoavaliação “muito bom” (p <0,001). Crianças/
Introdução: O sono desempenha um papel fundamental adolescentes com uma duração de menos de oito horas/ dia
do ponto de vista biológico, emocional, familiar e social. O apresentavam uma probabilidade 5,5 vezes maior de ficarem
impacto do sono sobre a saúde ganhou nos últimos tempos, retidos no mesmo ano escolar em comparação com aqueles
uma maior atenção e tem-se tornado uma preocupação cres- com a duração mínima de 8 horas de sono. Foram encontradas
cente dos pais. diferenças estatisticamente significativas (p <0,001) entre a
Este estudo tem como objetivos avaliar e caracterizar os duração do sono e a dificuldade em adormecer e o adormecer
hábitos de sono das crianças e dos adolescentes e relacionar em sala de aula.
o padrão de sono e o rendimento escolar desta população. Discussão/ Conclusões: Os resultados mostram que é
Métodos: Foi aplicado um inquérito por entrevista direta importante atuar na prevenção, alertando pais, crianças e
com as crianças e adolescentes com idades entre os 10 e os adolescentes para a importância de uma boa higiene do sono,
18 anos, em consulta de vigilância de saúde infantil, durante promovendo padrões de sono saudável.
três meses.
Resultados: Analisaram-se 113 inquéritos. A idade me- Palavras-chaves: sono, criança, adolescente, rendimento
diana foi de 13 anos, sendo 62,8% do sexo feminino. A me- escolar
diana da duração do sono em ambos os sexos foi de 8 horas.
Apenas 15 (13,3%) cumpriram a recomendação das 10 a ABSTRACT
11 horas de sono. 51,2 % das crianças / adolescentes que
ficaram retidos, pelo menos uma vez, no mesmo ano letivo, Introduction: The impact of sleep on health has in recent
dormiam menos de oito horas / dia (p <0,001). Cerca de 88% times, attracted greater attention and is a growing concern
com a autoavaliação do desempenho escolar como “mau” of parents. Sleep plays a key role in the biological, emotional,
apresentavam uma duração do sono inferior a 8 horas, sendo family and social point of view.
Os autores não beneficiaram de qualquer subsídio ou bolsa para a realização deste trabalho
ASSOCIAÇÃO PEDIÁTRICA DO MINHO

Methods: We applied an inquiry by direct interview to diária de horas de sono diminui com o aumento da idade, com
children and adolescents aged between 10 and 18 years in a uma significativa heterogeneidade entre indivíduos 4,5,6. Ou
children’s health surveillance consultation, during the period seja, apesar de estar comprovado que o número de horas de
of three months. sono diminui com a idade, sabe-se que este número é variá-
Results: 113 inquiries were analyzed. The median age vel de pessoa para pessoa.
was 13 and 62.8% female. The median of sleep duration in A privação de sono em crianças mais jovens apre-
both sexes were 8 hours. Only 15 (13.3%) had fulfilled the senta um risco acrescido de desenvolver sintomas de
10 – 11 hour recommendation of sleep. 68% of the chil- hiperatividade, impulsividade e disfunção neurocogni-
dren/adolescents who had failed at least one school year tiva, incluindo distúrbios de atenção e vigilância pre-
were found to sleep < 8 hours/day (p<0.001). About 88% judicada. Por sua vez, nos adolescentes podem existir
of the students who carried out a self-assessment of their sintomas de sonolência diurna tais como adormecer no
school work considered it to be “bad” as a result of slee- autocarro, na sala de aulas ou não acordar a tempo da
ping < 8 hours, while with good students, after completing primeira aula 7,8,9. É importante ter em mente as varia-
the same self-assessment they indicated that their school ções individuais da necessidade do sono, bem como os
work was “very good” and whose result was only11.8% efeitos de um sono insuficiente nas atividades diárias
(p<0.001). da criança 10.
Children/adolescents whose sleep duration was < 8 O sono é crucial para as crianças e adolescentes para
hours/day were 5.5 times more likely to have failed a year a aprendizagem, atenção, memória e rendimento escolar.
at school when compared with those students whose sleep No entanto, devido às diferentes metodologias usadas
duration was 8 or more hours a day. nos vários estudos existentes, é difícil retirar conclusões
Statistically significant differences (p<0.001) were found generalizadas acerca da relação entre o sono e o rendi-
between sleep duration, difficulty falling asleep and falling mento escolar 11, 12, 13.
asleep in class. Este estudo pretende avaliar e caracterizar os hábitos
Discussion/Conclusions: The results show that it is im- de sono em crianças e adolescentes e relacionar o padrão de
portant to act in the prevention of inadequate sleep time and, sono com a performance escolar nesta população.
to alert parents, children and adolescences about the impor-
tance of sleep and in healthy sleep patterns. MATERIAL E MÉTODOS

Keywords: sleep, child, adolescent, school performance O estudo decorreu num período de três meses, entre
Abril e Junho de 2013, num Centro de Saúde em área urba-
INTRODUÇÃO na do norte do país. Foi aplicado um questionário, através
de entrevista direta, a crianças e adolescentes com idades
A importância e o impacto do sono na saúde em geral compreendidas entre os 10 e os 17 anos e 364 dias que
têm merecido, nos últimos tempos, uma maior atenção, frequentaram a consulta de vigilância de saúde infantil
sendo uma preocupação crescente dos pais. O sono desem- e a consulta aberta nesse período. Foram registados da-
penha um papel fundamental não só do ponto de vista bio- dos relativos a: idade, género, escolaridade, patologias
lógico, mas também emocional e social. O sono é essencial e medicação, rendimento escolar, retenções escolares,
para o adequado crescimento e desenvolvimento físico e autoavaliação, número de horas diárias de sono, horário
psicomotor da criança. Os distúrbios do sono podem ter habitual de deitar e de levantar, características do sono,
um impacto negativo significativo na criança/ adolescente atividades realizadas antes de deitar.
e na sua família 1,2,3. Foram consideradas a faixa etária até aos 10 anos como
O padrão de sono em idade pediátrica, nomeadamente crianças e a partir dos 11 anos os adolescentes.
a sua quantidade e distribuição, têm sido alvos de vários Foram excluídos da análise duas crianças/ adoles-
estudos, verificando-se de forma homogénea que a média centes sob metilfenidato por Perturbação Hiperatividade
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e Défice de atenção (PHDA), tendo sido analisados 113 Quadro 1 – Descrição da amostra e características
questionários. relativas ao rendimento escolar, de acordo com o sexo.
A análise estatística foi realizada com recurso ao sof-
tware IBM SPSS Statistics (IBM corp. Released 2012. IBM Total Raparigas Rapazes
n=113 n=71 n=42
SPSS Satistics for Windows, version 21.0. Armonk, NY:IBM
Corp.). Foi assumido um nível de significância de 0,05 em n (%) P

todos os testes realizados. Idade (anos)*


13.0 13.0 13.0
A distribuição das variáveis foi avaliada através do (11.5-14.0) (12.0-14.0) (11.0-14.0) 0.952

teste Shapiro-Wilk. A comparação de medianas entre duas Ano escolar* 8.0 (5.0-8.0) 8.0 (6.0-8.0) 7.0 (5.0-8.0) 0.586
variáveis foi realizada através do teste de Mann-Whitney
Retenções escolares
e a comparação de proporções através do teste de Qui-
Não 85 (75.2) 57 (80.3) 28 (66.7)
Quadrado.
Para quantificar a magnitude das associações entre Sim 28 (24.8) 14 (19.7) 14 (33.3) 0.163
as características relativas ao padrão de sono e ao ren- Número retenções
dimento escolar, foram calculados odds ratios (OR) e res- 0 85 (71,4) 57 (80,3) 28 (66,7)
petivos intervalos de confiança a 95% (IC 95%), através
1 20 (16,8) 10 (14.1) 10 (23.8)
de regressão logística. Foi usada a regressão logística
2 ou mais 14 (11,2) 7 (9.9) 7 (16.7) 0.157
binomial, quando a variável dependente avaliada era a re-
tenção escolar, e a regressão logística multinominal para Rendimento escolar (autoavaliação)

as variáveis dependentes “rendimento escolar” e “número Mau 34 (30.1) 21 (29.6) 13 (31.0)


de negativas”. A classe de referência considerada para a Razoável 21 (18.6) 13 (18.3) 8 (19.0)
variável “rendimento escolar” foi a classe “Muito Bom”, e
Bom 41 (36.3) 26 (36.6) 15 (35.7)
a classe “Nenhuma” foi a considerada para a variável “nú-
Muito Bom 17 (15.0) 11 (15.5) 6 (14.3) 0.997
mero de negativas”. Em todos os modelos de regressão as
estimativas foram ajustadas para a idade e para o sexo Número de negativas

dos participantes. Nenhuma 60 (53.1) 39 (54.9) 21 (50.0)


Foi garantido o anonimato e a confidencialidade de 1 19 (16.8) 11 (15.5) 8 (19.0)
todos os dados obtidos neste estudo.
2 ou mais 34 (30.1) 21 (29.6) 13 (31.0) 0.845
* Mediana e respetivos percentis 25 e 75.
RESULTADOS

Foram analisados 113 questionários. A taxa de recusa ao O quadro 2 apresenta as características relativas ao pa-
preenchimento do questionário foi nula. drão de sono das crianças/ adolescentes.
No quadro 1 são apresentados os dados relativos a A maioria das crianças/ adolescentes referiu adormecer
características gerais da amostra e ao rendimento es- sozinho (92%), mas 28,3% demorava mais de 30 minutos a
colar. A mediana (P25-P75) de idades foi de 13,0 anos adormecer e 19,5% referiu ter dificuldade em adormecer.
(11,5-14,0) e 62,8% eram do sexo feminino. Cerca de A mediana (P25-P75) da duração foi de oito horas (7,0-9,0)
30% da amostra referiu ter ficado retido de ano escolar quer nos rapazes quer nas raparigas.
pelo menos uma vez, e esta proporção foi superior nos Cerca de metade da amostra refere ter dificuldade em acor-
rapazes (33,3% vs 19,7%), embora a diferença entre os dar e 41,6% referiu não acordar com energia. Apesar de apenas
sexos não seja estatisticamente significativa (p=0,163). 7% dos participantes terem reportado sono durante o dia, cerca
Apesar disso, a autoavaliação do rendimento escolar de 20% confessou já ter adormecido na aula pelo menos uma
reportadas pelos participantes foi semelhante entre os vez. A prevalência de pesadelos e sonambulismo reportada foi de
sexos. 8% para as duas situações, mas “falar durante a noite” foi mais
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Quadro 2 – Características do padrão de sono, de acordo com prevalente (27,4%). A grande maioria referiu ter quarto próprio
o sexo. (85%) e apenas um participante referiu tomar medicação para
Total Raparigas Rapazes dormir. Todos os resultados relativos ao padrão de sono foram
n=113 n=71 n=42 semelhantes entre os sexos. No quadro 3 é apresentada a rela-
n (%) p
Adormece sozinho
Não 9 (8.0) 7 (9.9) 2 (4.8)
Sim 104 (92.0) 64 (90.1) 40 (95.2) 0.543 Quadro 3 – Relação entre as características relacionadas
Acorda noite com o padrão de sono e a duração de sono.
Não 83 (73.5) 51 (71.8) 32 (76.2)
Duração sono
Sim 30 (26.5) 20 (28.2) 10 (23.8) 0.774
< 8h >
– 8h
Tempo adormecer
n (%) p
>30min 32 (28.3) 19 (26.8) 13 (31.0)
Adormece sozinho
<=30min 81 (71.7) 52 (73.2) 29 (69.0) 0.793
Não 3 (7,5) 6 (8,2)
Dificuldade adormecer Sim 37 (92,5) 67 (91,8) >0,999
Não 91 (80.5) 58 (81.7) 33 (78.6) Tempo adormecer
Sim 22 (19.5) 13 (18.3) 9 (21.4) 0.874 >30min 14 (35,0) 18 (24,7)
Horas sono* 8.0 (7.0-9.0) 8.0 (7.0-9.0) 8.0 (7.0-9.0) 0.792 <=30min 26 (65,0) 55 (75,3) 0,343
Dificuldade acordar Dificuldade adormecer
Não 57 (50.4) 39 (54.9) 18 (42.9) Não 27 (67,5) 64 (87,7)
Sim 56 (49.6) 32 (45.1) 24 (57.1) 0.296 Sim 13 (32,5) 9 (12,3) 0,019
Acordar energia Acorda noite
Não 47 (41.6) 27 (38.0) 20 (47.6) Não 26 (65,0) 57 (78,1)
Sim 14 (35,0) 16 (21,9) 0,199
Sim 66 (58.4) 44 (62.0) 22 (52.4) 0.422
Dificuldade acordar
Dificuldade acordar 1ª aula
Não 16 (40,0) 41 (56,2)
Não 83 (73.5) 50 (70.4) 33 (78.6)
Sim 24 (60,0) 32 (43,8) 0,148
Sim 30 (26.5) 21 (29.6) 9 (21.4) 0.467
Acordar com energia
Adormecer aulas
Não 20 (50,0) 27 (37,0)
Não 91 (80.5) 59 (83.1) 32 (76.2) Sim 20 (50,0) 46 (63,0) 0,253
Sim 22 (19.5) 12 (16.9) 10 (23.8) 0.515 Dificuldade acordar 1ª aula
Sono dia Não 27 (67,5) 56 (76,7)
Não 105 (92.9) 65 (91.5) 40 (95.2) Sim 13 (32,5) 17 (23,3) 0,402
Sim 8 (7.1) 6 (8.5) 2 (4.8) 0.719 Adormecer aulas
Falar noite Não 26 (65,0) 65 (89,0)
Não 82 (72.6) 51 (71.8) 31 (73.8) Sim 14 (35,0) 8 (11,0) 0,005
Sim 31 (27.4) 20 (28.2) 11 (26.2) 0.992 Sono dia
Pesadelos Não 36 (90,) 69 (94,5)
Não 104 (92.0) 66 (93.0) 38 (90.5) Sim 4 (10,0) 4 (5,5) 0,451
Sim 9 (8.0) 5 (7.0) 4 (9.5) 0.911 Falar noite
Sonambulismo Não 29 (72,5) 53 (72,6)
Não 104 (92.0) 69 (97.2) 40 (95.2) Sim 11 (27,5) 20 (27,4) >0,999
Pesadelos
Sim 9 (8.0) 2 (2.8) 2 (4.8) 0.989
Não 33 (82,5) 71 (97,3)
Levantar WC
Sim 7 (17,5) 2 (2,7) 0,009
Não 71 (62.8) 45 (63.4) 26 (61.9)
Sonambulismo
Sim 42 (37.2) 26 (36.6) 16 (38.1) >0.999
Não 38 (95,0) 71 (97,3)
Quarto próprio
Sim 2 (5,0) 2 (2,7) 0,614
Não 17 (15.0) 9 (12.7) 8 (19.0) Levantar WC
Sim 96 (85.0) 62 (87.3) 34 (81.0) 0.520 Não 23 (57,5) 48 (65,8)
Medicação dormir Sim 17 (42,5) 25 (34,2) 0,506
Não 112 (99.1) 70 (98.6) 42 (100) Quarto próprio
Sim 1 (0.9) 1 (1.4) 0 --- Não 10 (25,0) 7 (9,6)
* Mediana e respetivos percentis 25 e 75. Sim 30 (75,0) 66 (90,4) 0,055
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ção das diversas caraterísticas do padrão de sono com a sua du- retidos pelo menos uma vez, referiram dormir menos de oito
ração. Das caraterísticas avaliadas, verificou-se que a duração horas por dia, enquanto que essa proporção foi de 24,7% en-
de sono apenas se associou de forma estatisticamente significa- tre os que nunca ficaram retidos (p<0,001). Em concordância, o
tiva com a dificuldade em adormecer, a ocorrência de pesadelos número de retenções reportado foi significativamente superior
e o adormecer durante as aulas. A proporção de crianças/ ado- nos participantes com menor duração de sono.
lescentes que referiu ter dificuldade em adormecer, assim como Cerca de 88% dos participantes com auto-classificação
a proporção daqueles que reportaram pesadelos, foi superior do rendimento escolar como “mau” reportaram uma dura-
nas crianças/ adolescente cuja duração de sono foi inferior a oito ção de sono inferior a oito horas, enquanto essa proporção
horas por dia, comparativamente com aqueles que reportaram foi muito inferior (11,8%) entre os que referiram uma auto-
maior duração de sono. Também uma maior proporção de crian- -classificação de “muito bom”. Também entre aqueles que
ças/ adolescentes referiu ter adormecido algumas vezes na sala apresentaram um maior número de negativas, a duração
de aula entre os que reportaram menor duração de sono (35,0% de sono reportada foi menor.
vs 11,0%, p=0,005). Para além da duração de sono, há outras variáveis
Os indicadores de rendimento escolar avaliados relaciona- que se relacionaram com o rendimento escolar. Adorme-
ram-se com o padrão de sono das crianças/ adolescentes (Qua- cer nas aulas foi reportado mais frequentemente entre os
dro 4). Cerca de 51,2% das crianças/ adolescentes que ficaram que alguma vez tinham ficado retidos (35,4% vs 14,1%)

Quadro 4: Relação entre o rendimento escolar e o padrão de sono

Duração sono Dificuldade adormecer Adormecer aulas Pesadelos


n (%) < 8h >
– 8h Não Sim Não Sim Não Sim
Retido
Não 21 (24,7) 64 (75,3) 70 (82,4) 15 (17,6) 73 (85,9) 12 (14,1) 80 (94,1) 5 (5,9)
Sim 19 (67,9) 9 (32,1) 21 (75,0) 7 (25,0) 18 (64,3) 10 (35,7) 24 (85,7) 4 (14,3)
p<0,001 p=0,564 p=0,026 p=0,307
Número retenções
0 21 (24,7) 64 (75,3) 70 (82,4) 15 (17,6) 73 (85,9) 12 (14,1) 80 (94,1) 5 (5,9)
1 10 (50,0) 10 (50,0) 15 (75,0) 5 (25,0) 14 (70,0) 6 (30,0) 19 (95,0) 1 (5,0)
2 ou mais 11 (78,6) 3 (21,4) 10 (71,4) 4 (28,6) 8 (57,1) 6 (42,9) 11 (78,6) 3 (21,4)
p<0,001 p=0,344 p=0,013 p=0,157
Rendimento escolar
Mau 30 (88,2) 4 (11,8) 24 (70,6) 10 (29,4) 23 (67,6) 11 (32,4) 28 (82,4) 6 (17,6)
Razoável 6 (28,6) 15 (71,4) 16 (76,2) 5 (23,8) 18 (85,7) 3 (14,3) 19 (90,5) 2 (9,5)
Bom 2 (4,9) 39 (95,1) 37 (90,2) 4 (9,8) 34 (82,9) 7 (17,1) 41 (100) 0
Muito Bom 2 (11,8) 15 (88,2) 14 (82,4) 3 (17,6) 16 (94,1) 1 (5,9) 16 (94,1) 1 (5,9)
p<0,001 p=0,174 p=0,106 p=0,023
Número de negativas
Nenhuma 4 (6,7) 56 (93,3) 52 (86,7) 8 (13,3) 52 (86,7) 8 (13,3) 59 (98,3) 1 (1,7)
1 6 (31,6) 13 (68,4) 15 (78,9) 4 (21,1) 16 (84,2) 3 (15,8) 17 (89,5) 2 (10,5)
2 ou mais 30 (88,2) 4 (11,8) 24 (70,6) 10 (29,4) 23 (67,6) 11 (32,4) 28 (82,4) 6 (17,6)
p<0,001 p=0,164 p=0,074 p=0,014
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e particularmente nos que referiram maior número de Quadro 6 – Descrição das atividades realizadas pelos
retenções. A ocorrência de pesadelos foi mais frequente participantes pelo menos até 1 hora antes de deitar
nas crianças/ adolescentes com pior rendimento escolar
e, em concordância, nas que apresentaram maior número Atividade n(%)
de negativas. Ver TV 97 (85,8)
As crianças/ adolescentes com duração de sono in- Jogar computador/jogos 42 (37,2)
ferior a oito horas apresentaram uma probabilidade Ler 19 (16,8)
5,5 vezes superior de alguma vez terem ficado retidos Tomar banho 35 (31,0)
(OR=5,50; IC 95% 2.10-14.40), comparativamente aos que Comer 35 (31,0)
apresentaram maior duração de sono (igual ou superior a Falar telemóvel/telefone 24 (21,2)
oito horas). Após ajuste para os potenciais confundidores, Estudar 33 (29,2)
adormecer nas aulas e a ocorrência de pesadelos não se Outros 4 (3,5)
associaram de forma estatisticamente significativa com a
retenção escolar dos participantes (Quadro 5).
DISCUSSÃO

Quadro 5 – Associação entre características relativas ao Durante a infância e a adolescência, para uma correta
padrão de sono e a retenção, calculada através de regressão aprendizagem e desenvolvimento psíquico é necessária vi-
logística binomial. talidade física e psíquica, sendo ambas diretamente rela-
cionadas com a qualidade do sono. Vários aspetos ganham
Retido
importância como parâmetros da qualidade do sono: número
OR (IC95%) OR (IC95%) de horas, horário de despertar, interrupções, frequência de
bruto ajustado* distúrbios do sono e repercussões desses distúrbios na ro-
Duração sono
tina diurna 14, 15.
O instrumento de diagnóstico mais utilizado para avaliar
< 8h 6,43 (2,53-16,37) 5,50 (2,10-14,40) o sono e distúrbios do sono ainda é a anamnese realizada
–> 8h 1 1 pelo médico na consulta. Questionários e escalas para a ava-
liação do sono na faixa etária pediátrica em língua portugue-
Adormecer aulas
sa são escassos 16.
Não 1 1 Como podemos verificar com este estudo, a mediana de
Sim 3,38 (1,26-9,05) 2,46 (0,86-7,01)
horas de sono foi de oito horas, que se encontra abaixo das
séries internacionais 3,4, e segundo as novas recomendações
Pesadelos é um número de horas insuficiente para as idades em estudo.
Não 1 1 Essa diferença poderá refletir a cultura e os hábitos específi-
cos da população portuguesa, ou por outro lado, representar
Sim 2,67 (0,66-10,72) 3,70 (0,79-17,34)
uma menor necessidade de dormir das crianças portugue-
* Ajustado para idade e sexo. sas1. Segundo alguns estudos, foram identificados vários
polimorfismos em genes reguladores dos ritmos circadianos,
com heterogénea distribuição geográfica17.
Os participantes com menor duração de sono (OR Podemos constatar que as crianças /adolescentes com
34,56; IC95% 9,99-119,50) apresentaram maior probabi- menos horas de sono apresentaram pior rendimento esco-
lidade de ter negativas escolares. lar e um maior número de retenções escolares. Para além
Relativamente às atividades realizadas até uma hora disso, as que tiveram uma duração de sono inferior a 8
antes de deitar são apresentadas no Quadro 6. horas apresentaram uma probabilidade de 5,5 vezes supe-
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rior de alguma vez terem ficado retidos e uma maior pro- realizada de um modo retrospetivo pelos participantes e
babilidade de ter negativas escolares. Com isto, podemos não por avaliação direta. Para além disso, a autoavaliação
inferir que a duração do sono em crianças/ adolescentes realizada por estes é uma apreciação subjetiva, uma vez
interfere de forma significativa no rendimento escolar que algumas raparigas consideram como “mau” mesmo
desta população, estando de acordo com a literatura exis- não tendo retenções e os rapazes mesmo com retenções
tente 10,18,19,20. consideram o rendimento escolar pelo menos “razoável”,
Este estudo mostrou também, naqueles com uma menor como podemos verificar no quadro 1, o que pode enviesar
duração de sono (inferior a 8 horas), uma maior ocorrência de algum dos resultados.
pesadelos e uma maior proporção de crianças/ adolescentes O desenho prospetivo deste estudo foi um dos pontos
que adormeceram na sala de aula, comparativamente aos que fortes. O facto da taxa de recusa ao preenchimento dos ques-
apresentavam uma maior duração de sono. De acordo com tionários ter sido nula e os inquiridos serem crianças/ ado-
a literatura, a sonolência diurna, a existência de desperta- lescentes acompanhadas, na maioria das vezes por um dos
res noturnos, assim como a dificuldade em adormecer, são pais, confere maior validade aos resultados obtidos.
sintomas de existência de um distúrbio do sono ou de uma
má higiene do sono 21,22 . CONCLUSÕES
Relativamente às atividades realizadas pelos participan-
tes até 1h antes de deitar verificamos que 85,7% via televi- O conhecimento do padrão de sono nas crianças/ ado-
são e 37,2% jogava computador/ jogos. Segundo a literatura, lescentes é importante, no sentido que uma menor duração
atrativos noturnos como televisão, jogos e internet causam de sono coloca-as em risco de privação do sono, com todas
atraso na hora de dormir, diminuindo as horas de sono 23 com as consequências já demonstradas dessa privação, nomea-
todas as consequências que daí advêm e que já foram discu- damente um pior rendimento escolar e um maior número de
tidas anteriormente. No entanto, com este estudo não conse- retenções escolares.
guimos, nem foi objetivo inicial relacionar estas atividades É importante atuarmos na prevenção, alertando
com o padrão de sono destas faixas etárias. os pais, crianças e adolescentes para a importância de
É uma limitação deste estudo o facto desta amostra uma boa higiene do sono. Torna-se claro, que é necessá-
não ser grande e de ter sido apenas num só Centro de Saú- rio ajudar a criança/ adolescente e seus pais e fornecer
de, dadas as possibilidades de heterogeneidade geográfi- orientações claras no sentido de promoção de padrões de
ca. Por outro lado, a caracterização do padrão do sono foi sono saudáveis.

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