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NASCER E CRESCER

revista do hospital de crianças maria pia


ano 2007, vol XVI, n.º 2

Prevalência da enurese nocturna em crianças em


idade escolar na zona Norte de Portugal
Anabela Bandeira1, João Luís Barreira2, Paula Matos3

Grupo Coordenador: João Luís Barreira, Laura Soares, Paula Matos, Paulo Teixeira, Teresa Costa
Grupo de Colaboradores: Teresa Costa, Eunice Moreira (HMaria Pia), Paula Matos, Felisbela Rocha, Anabela Bandeira (HSanto
António), João Luís Barreira (HSão João), Joana Rios (HViana Castelo), Paulo Teixeira (HFamalicão), Manuel Reis (HAmarante),
Susana Lira (HVale Sousa), Fátima Dias, Miguel Fontes (HVila Real), Gorete Lobarinhas (HBarcelos), Laura Soares, Isabel Loureiro,
Virgínia Monteiro, Susana Lima (HOliveira Azeméis), Fátima Madruga (HOvar), Paula Rocha, Sílvia Almeida, Lígia Peralta (HAveiro),
Reis Morais (HChaves), Eduarda Cruz, Sílvia Saraiva (HMatosinhos).

RESUMO de 62%. O total de questionários obtidos apontam para a necessidade de maior


A enurese nocturna é um problema foi de 2104 (sexo feminino 50%). A pre- discussão pública e divulgação sobre
comum na infância, podendo considerar- valência global de enurese encontrada a enurese nocturna e as formas de tra-
se em muitos casos uma perturbação foi de 6,9% (9,4% para o sexo masculino tamento, de forma a que mais crianças
do desenvolvimento com resolução es- e 4,3% para o sexo feminino); 18% dos possam ser tratadas.
pontânea com o crescimento. Na nossa casos eram enureses secundárias. En- Palavras-chave: Enurese nocturna,
comunidade não se conhecem verda- controu-se associação estatisticamente Prevalência, Ensino Básico
deiramente a prevalência, as causas e o significativa entre enurese nocturna e
impacto que este problema acarreta nas o sexo masculino, história familiar posi- Nascer e Crescer 2007; 16(2): 65-69
crianças e nas famílias afectadas. tiva, encoprese, incontinência urinária,
Objectivos: Estimar a prevalência instabilidade vesical e noção de sono INTRODUÇÃO
da enurese nocturna em crianças do en- pesado. Não foi encontrada associação A enurese nocturna é uma das al-
sino básico. Verificar a associação entre com significado estatístico entre enure- terações do desenvolvimento mais fre-
enurese nocturna e história familiar de se e hiperactividade, ressonar, infecção quentes na criança. Apesar de se tratar
enurese, roncopatia, noção de sono pe- do tracto urinário ou obstipação. A enu- de um sintoma geralmente benigno é
sado, hiperactividade, história de infec- rese tendeu a ser mais frequente nos responsável por problemas emocionais e
ção urinária, instabilidade vesical, incon- alunos com pior rendimento escolar. A sociais na criança e na sua família. Po-
tinência urinária e obstipação. Avaliar o procura de ajuda profissional verificou- derá existir nestas crianças um atraso na
impacto da enurese nocturna na qualida- se apenas em metade dos casos de maturação funcional do sistema nervoso
de de vida. enurese (51%), sendo mais frequente central mas a etiopatogenia da enurese é
Participantes e métodos: Parti- quanto maior a percepção de atingimen- desconhecida.
ciparam no estudo quinze hospitais. A to na qualidade de vida. Apenas em um Byrd e al, em 1996, estimaram a
população alvo era constituída pelas terço das crianças com enurese (33% ) prevalência da enurese em crianças en-
crianças do 1º ciclo do ensino básico das tinha sido experimentada alguma forma tre os 5 e os 17 anos de idade na Améri-
áreas dos hospitais envolvidos no estu- de tratamento. ca do Norte em 10,63%, 33% entre os 5
do. Trata-se de um estudo transversal e Comentários: A prevalência de anos de idade, 18% aos 8 anos e 0,7%
descritivo realizado através de um ques- enurese nesta população escolar foi aos 17 anos(1). Na Holanda, a prevalên-
tionário anónimo, de auto-preenchimen- concordante com estudos realizados cia de enurese entre os 5 e os 15 anos
to pelos encarregados de educação. A noutros países, bem como a diminuição foi estimada em 6%, 15% aos 5-6 anos e
enurese foi definida como molhar a cama significativa da prevalência da enurese 1% aos 13-15 anos(2). Na China, a preva-
pelo menos uma vez por mês a partir dos com a idade. Confirma-se a associa- lência da enurese nocturna em crianças
5 anos de idade. ção significativa da enurese com o sexo entre os 5 e os 18 anos foi estimada em
Resultados: Dos questionários en- masculino, a história familiar positiva, a 4,07%, 11,8% aos 5 anos e 1,21% aos
viados obtivemos uma taxa de resposta incontinência urinária, a instabilidade ve- 15 anos(3).
__________
sical e a encoprese. Apenas metade das Em Julho de 2006, The Committe of
1
Interna Complementar de Pediatria
crianças com este problema foi levada the International Children’s Continence
2
Assistente Hospitalar de Pediatria ao médico, e apenas um terço recebeu Society(4), propôs uma revisão da termi-
3
Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria algum tipo de tratamento. Os resultados nologia dos sintomas do tracto urinário

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na criança. Assim, enurese significa in- MATERIAL E MÉTODOS O estudo decorreu entre os meses
continência urinária intermitente durante Trata-se de um estudo transversal e de Janeiro a Outubro de 2006. O tama-
o sono em crianças com pelo menos 5 descritivo realizado através de um ques- nho da amostra foi calculado usando a
anos de idade, ou seja, qualquer quan- tionário anónimo, de auto-preenchimento estimativa da prevalência em outros pa-
tidade de perda urinária durante o sono pelos pais ou encarregado de educação. íses europeus. Foram excluídos inquéri-
é considerada enurese. Noctúria significa Foram convidados para participar no es- tos que não estavam devidamente pre-
que a criança acorda para urinar. Enu- tudo 25 hospitais. A população estudada enchidos ou que continham informação
rese secundária significa enurese numa compreendia as crianças do 1º ciclo do contraditória.
criança que já esteve pelo menos 6 me- ensino básico da área de influência de O inquérito foi elaborado pelo gru-
ses sem molhar a cama. cada hospital. O inquérito foi autorizado po coordenador do estudo tendo sido
pelas Direcções Regionais de Educação baseado em inquéritos anteriormente
OBJECTIVOS do Norte e Centro, assim como pelos Con- realizados e validados noutros estudos
Estimar a prevalência da enurese selhos Directivos das respectivas escolas. (figura 1)(5). Compreendia uma folha
nocturna em crianças do ensino básico. Cada hospital ficou responsável pela dis- (frente e verso): a primeira página com
Determinar a associação entre enu- tribuição de 200 inquéritos numa ou mais perguntas sobre a identificação (sexo e
rese e sexo, história familiar de enurese, escolas. Os inquéritos foram entregues idade da criança), dados demográficos
roncopatia nocturna, noção de sono pe- aos professores em cada turma, que por (escolaridade dos pais), assim como
sado, hiperactividade, história de infec- sua vez os distribuíram pelos educandos perguntas relacionadas com enurese; a
ção urinária, instabilidade vesical, incon- para preenchimento em casa. Os alunos segunda página continha uma tabela so-
tinência urinária e obstipação. devolveram os inquéritos preenchidos ao bre as perturbações diurnas da micção,
Avaliar o impacto da enurese noc- professor num envelope fechado para ga- questões sobre obstipação, continuação
turna na qualidade de vida. rantir maior confidencialidade. do questionário sobre os tratamentos

XVIII Reunião do Hospital Maria Pia


III. Em relação a perdas de urina durante o dia ou outros sintomas relacionados com a micção:
INQUÉRITO SOBRE ENURESE NOCTURNA EM CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAR 20. Com que idade deixou de usar fralda durante o dia? ______ anos
21. Quantas vezes faz chichi durante o dia ? (responda o que lhe parecer mais aproximado):
Caro Encarregado de Educação: 4 ou menos vezes/dia 5 a 7 vezes/dia 8 ou mais vezes/dia Não sei
A resposta a este inquérito pode ajudar a perceber melhor o problema da Assinale com um X na seguinte grelha a resposta que lhe parecer mais adequada:
enurese (fazer chichi na cama) nas crianças portuguesas e a tentar organizar os serviços de saúde
Não Poucas Muitas Não sei
de forma a dar resposta às famílias que o necessitem. Trata-se de um estudo vezes vezes
elaborado por um grupo de médicos pediatras da região norte do país e os 22. Tem de voltar a fazer chichi pouco tempo após ter
inquéritos são rigorosamente anónimos e confidenciais. “esvaziado a bexiga”?
23. Tem de fazer força para começar a fazer chichi ?
I. Caracterização da criança e do seu agregado familiar
24. Refere dor ao fazer chichi?
1. Idade da criança: ______ anos 2. Sexo: Masculino Feminino
25. Depois de começar a fazer chichi, pára e recomeça (o
3. Escolaridade dos pais (indicar o máximo concluído): jacto de chichi parece ser interrompido) ?
Mãe : Ensino primário 9ºano 12ºano ou equivalente Bacharelato ou Licenciatura 26. Quando sente vontade de fazer chichi “não pode
Pai : Ensino primário 9ºano 12ºano ou equivalente Bacharelato ou Licenciatura esperar” ( fica logo aflito) ?
27. Procura aguentar o chichi quando tem vontade, até
4. Alguém na família molhou a cama depois dos 6 anos (irmãos, pais ou tios)? Sim Não Não sei “à última”, apertando ou abanando as pernas ?
Em relação ao seu filho: 28. Teve perdas de chichi durante o dia nos últimos 15
dias ?
5. O seu filho sofre de alguma doença ? Não Sim – Qual ? 29. Essas perdas acontecem quando já vai a
asma / epilepsia / infecções urinárias / diabetes / outras ? _____________________ caminho da casa-de-banho ?
6. Do seu ponto de vista, como tem decorrido até ao momento a aprendizagem na escola ?: 30. Quando tem perdas , humedece apenas as
Tem muitas dificuldades Tem algumas dificuldades É bom aluno cuecas ?
31. Quando tem perdas , molha um pouco as
7. Acha que o seu filho é hiperactivo ? Sim Não calças ?
33. Quando tem perdas , “encharca as calças” ?
8. Esse diagnóstico foi confirmado por médico ou psicólogo ? Sim Não
9. O seu filho ressona na maioria das noites ? Sim Não IV. Em relação ao hábitos intestinais:

10. Acha que seu filho tem dificuldade em ser acordado durante a noite ? Sim Não 34. O seu filho é habitualmente “preso do intestino” (obstipado) ? Sim Não
35. Quantas vezes “faz cocó” por semana?: Menos de três Três a Cinco Mais de cinco Não sei
11. O seu filho já alguma vez teve uma infecção urinária ? Sim Não
36. Por vezes tem perdas de fezes e suja as cuecas ? Sim Não
II. Em relação a perdas de urina durante a noite: V. Qualidade de vida e atitudes
12. O seu filho ainda faz chichi na cama (ou na fralda) à noite, pelo menos uma vez por mês?
Sim Não 37. Se o seu filho apresenta perdas de chichi durante a noite e/ou durante o dia isso afecta a sua vida
Se respondeu NÃO à pergunta 12: familiar, escolar ou social ? Não Por vezes Sim, afecta Afecta muito
13. Com que idade deixou de fazer chichi na cama ou na fralda durante a noite ? ______ anos 38. Já procurou ajuda para tentar resolver o problema de fazer chichi na cama?
14. Acorda de noite para fazer chichi ? Não Raramente Muitas vezes Não Médico Psicólogo Outro – Qual ?_______________________________
15. Costuma acordá-lo de noite para o pôr a fazer chichi ? Sim Não 39. Já experimentou algum tratamento? Não Sim – Qual ?
Se respondeu SIM à pergunta 12: Minirin / Desmospray / Alarme / Ditropan / Outros ?_________________ Não me lembro
16. Dorme com fralda? Sim Não
17. Quantas vezes molha a cama ou a fralda, em média, por semana ? 40. Quem preencheu este inquérito ? Mãe Pai Outro ________________________
Menos que 1 vez 1-2 vezes 3-5 vezes 6-7 vezes Muito obrigado pela sua participação. Por favor devolva o inquérito à professora, fechado
18. Quando molha a cama (ou fralda) durante a noite, ficam molhados: dentro do envelope fornecido.
pijama (fralda) pijama e lençóis (fralda pesada) roupa “encharcada” (fralda ensopada)
Se o seu filho tem problemas urinários, deverá dirigir-se ao seu Médico de Família que o
19. O seu filho já tinha estado mais de 6 meses sem molhar a cama e sem usar fralda? poderá tratar ou orientar para uma consulta especializada.
Sim Não

Figura 1. Inquérito sobre enurese em crianças em idade escolar

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efectuados e o impacto da enurese na RESULTADOS anteriormente mais de seis meses sem


qualidade de vida. Dos 25 hospitais convidados partici- molhar a cama). Dois-terços dos casos
Enurese foi definida pela presença param 15, três hospitais centrais e doze de enurese ocorriam no sexo masculino.
de micção involuntária durante o sono, distritais. Foram devolvidos 2104 (62%) A prevalência nos rapazes foi de 9,4 %
pelo menos uma vez por mês. dos inquéritos distribuídos pelos hospi- e nas raparigas de 4,3 % (p<0,001). A
Os dados colhidos foram registados tais como mostra o quadro I. A distribui- prevalência da enurese foi diminuindo ao
em suporte digital na forma de uma base ção por sexo foi de 49,6% de rapazes e longo da idade (Figura 2 e 3), sendo de
de dados SPSS® 10. Foi feita a análise 50,4% de raparigas. A média de idades 16,3 % aos 5 anos, 7,8 % aos 7 anos e
descritiva dos dados e estimada a preva- foi de 7,9 anos, com um mínimo de 5 3,7 % aos 9 anos (p<0,001). Em todos as
lência da enurese na população amos- anos e um máximo de 13 anos. faixas etárias verificou uma maior preva-
trada. O teste de Qui-quadrado com um Setenta e oito por cento dos inqué- lência no sexo masculino.
nível de significância p < 0,05 foi utilizado ritos foram preenchidos pela mãe, 17 % Das crianças que apresentavam
para determinar a relação estatística en- pelo pai e em 5% dos casos por outros enurese quase um terço (31%) dormia
tre enurese e as patologias mencionadas familiares ou responsáveis pela criança. habitualmente com fralda. Relativamente
anteriormente. A escolaridade dos pais distribuía-se uni- à frequência dos episódios de enurese,
formemente pelos diferentes graus de 42% das crianças tinha enurese menos
ensino: 30 e 32% com ensino básico; 22 de uma vez por semana, 24% entre um
Quadro I - Distribuição dos inquéritos pelos e 24% com 9º ano e 26 e 21% com en- e dois episódios por semana, 21% três
hospitais participantes sino superior, respectivamente na mãe e a cinco episódios por semana e 13 % ti-
no pai. O controlo de esfíncteres durante nham enurese todas as noites. Em rela-
Número o sono tinha ocorrido antes dos 5 anos ção à estimativa do volume de urina per-
%
absoluto
de idade em 96% e antes dos 6 anos em dido por episódio de enurese, 32% dos
H. São João 17,9 377 99% das crianças que não apresentavam casos tinham episódios de pequeno vo-
H. Ovar 10,1 212 enurese na altura do inquérito. lume (“molham apenas o pijama”), 54%
H. Santo António 8,2 173 Sessenta e dois por cento das crian- eram de médio volume (“molham o pija-
ças sem enurese acordam de noite para ma e os lençóis”) e 14 % eram de grande
H. Vale de Sousa 7,1 150
urinar, sendo que 4 % o fazem frequente- volume (“encharcam pijama, lençóis e até
H. Santo Tirso 6,9 146
mente (noctúria). Cerca de dois por cento cobertores”).
H. Aveiro 6,8 142 (2,2%) dos pais referiram que costumam A existência de enurese não se
H. Viana Castelo 6,7 141 acordar as crianças durante a noite para correlacionou de forma estatisticamente
H. Matosinhos 6,4 135 urinar. significativa com o nível de instrução da
Para efeitos do cálculo da preva- mãe e/ou do pai, embora a frequência en-
H. Oliveira Azeméis 5,6 117
lência da enurese foram validados 2089 contrada fosse ligeiramente maior entre
H. Barcelos 5,1 108 inquéritos (99% da amostra), tendo res- os que tinham quatro anos ou menos de
H. Maria Pia 4,9 104 pondido afirmativamente à pergunta 12 escolaridade do que nos que frequenta-
H. Amarante 4,4 93 cento e quarenta e quatro casos. Portan- ram o ensino superior (10,0% vs 6,85%,
H. Chaves 4,2 89 to, a prevalência global de enurese nesta respectivamente, p=n.s.). A história fami-
amostra foi de 6,9%. Dezoito por cento liar de enurese era positiva em 58 % das
H. Famalicão 2,8 59
dos casos podiam ser considerados crianças com enurese comparativamente
H. Vila Real 2,8 58 enurese secundária (já tinham estado a 27% nas restantes (p<0,001). Verificou-

Figura 2 - Prevalência da enurese de acordo com a idade e sexo Figura 3 - Prevalência da enurese de acordo com a idade

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se associação estatisticamente significa- escolar (67% achava que isso acontecia associação da enurese nocturna com a
tiva entre a presença de enurese e a no- apenas em algumas ocasiões, mas 6% descrição pelos pais que essas crianças
ção que os pais tinham acerca das suas achavam que afecta muito). A procura têm “o sono pesado” poderá ser resul-
crianças terem o sono pesado (19,7% das de ajuda para a resolução do problema tado de um viés resultante do facto da
crianças com enurese vs 5,4% das crian- “enurese” verificou-se em 51% dos ca- maioria dos pais de crianças que não tem
ças sem enurese, p<0,001), mas não foi sos. A procura de ajuda associou-se es- problemas de enurese não as acordarem
encontrada nenhuma associação com o tatisticamente com o grau de afectação a meio da noite(8). A associação entre a
facto das crianças ressonarem (23% vs da vida social e com o volume aparente roncopatia e a enurese é frequentemen-
17%, p=n.s.). Em relação ao rendimen- dos episódios enuréticos (p<0,001). Não te descrita na literatura(9) mas tal não se
to escolar, as crianças com mais dificul- encontrámos associação com a frequên- conseguiu demonstrar na nossa popu-
dades na aprendizagem apresentaram cia de enurese por semana. Em 31 % lação.
tendência a uma maior prevalência de dos casos foi utilizada alguma forma de A presença simultânea de enurese
enurese (14,6% nos alunos “com muitas tratamento, sendo a terapêutica medica- e instabilidade vesical com ou sem in-
dificuldades” vs 7,3% nos “bons alunos”). mentosa a mais utilizada. O medicamen- continência urinária constitui o síndrome
Não foi encontrada nenhuma associa- to mais utilizado (40 % dos casos) foi a de disfunção miccional que necessita de
ção entre enurese e obstipação ou com desmopressina via oral (Figura 5). orientação especializada. O facto de não
número de dejecções inferior a três por DISCUSSÃO se ter verificado nenhuma associação
semana (25% vs 22%, p=n.s), mas foi A prevalência de enurese obtida significativa entre a enurese secundária
encontrada uma associação significativa é concordante com estudos realizados e sintomas de instabilidade vesical com
entre enurese e encoprese (13% vs 5%, noutros países. A maior prevalência no ou sem incontinência urinária, infecções
p<0,001). A presença de sintomas de sexo masculino é também concordante do tracto urinário, obstipação ou enco-
instabilidade vesical, nomeadamente po- com diversos estudos. Foi encontrada prese poderá ser explicado pelo reduzido
laquiúria, imperiosidade, manobras de re- associação estatisticamente significativa número de crianças com enurese secun-
tenção apresentou uma associação com entre enurese e a presença de história fa- dária (23 crianças) nesta população.
enurese (p<0,001), assim como com a miliar de enurese (presente em 58 % das Em relação ao rendimento escolar
existência de incontinência urinária diur- crianças enuréticas). Esta relação é en- foi encontrada uma tendência para os
na (17% vs 5%, p<0,001), Figura 4. contrada na maioria dos estudos sendo piores alunos apresentarem maior pre-
Nas crianças com enurese não se mais frequente história familiar paterna valência de enurese. Não foi encontrada
encontrou maior prevalência de nenhuma do que materna(6). Foi também encontra- nenhuma relação entre enurese e síndro-
doença, nomeadamente asma, diabetes, da uma associação estatisticamente sig- me de hiperactividade contrariamente ao
epilepsia, infecções do tracto urinário ou nificativa entre enurese e encoprese, no- que está descrito(10).
síndrome de hiperactividade e défice de ção dos pais de sono pesado na criança O grau de afectação da vida familiar,
atenção. e sintomas de instabilidade vesical com social e escolar condiciona a procura de
Não foi encontrada nenhuma rela- ou sem incontinência urinária. Nem todos ajuda para resolver o problema da enure-
ção entre enurese secundária e sintomas os estudos verificam estas associações. se, que ocorreu em metade das crianças
de instabilidade vesical com ou sem in- A relação entre enurese e encoprese com enurese nocturna. A instituição de
continência urinária, infecções do tracto está bem documentada noutros estu- tratamento verificou-se apenas em cerca
urinário, obstipação ou encoprese. dos(7) Por outro lado, não se demonstrou de um terço dos casos.
Em 41 % dos casos os pais conside- em nenhum estudo que o tipo de sono ou Este é um estudo pioneiro no nosso
raram que o facto de os filhos terem enu- a dificuldade (limiar) para acordar fosse país que permitiu avaliar a prevalência de
rese afectava a sua vida familiar, social e diferente nas crianças com enurese. A enurese em crianças em idade escolar.

Figura 4 - Associação entre enurese e sintomas de instabilidade urinária Figura 5 - Terapêutica utilizada pelas crianças

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Os resultados são concordantes com es- Results: A total of 2104 (62%) ques- Primary Nocturnal enuresis in Chine-
tudos realizados noutros países, nome- tionnaires were completed. The overall se children and adolescents. Eur Urol
adamente a relação significativa com o prevalence of nocturnal enuresis was 2006; 49:1107-1113.
sexo masculino, história familiar positiva, 6.9%. The ratio of male to female was 4. Néveus T et al. Standardization of
incontinência urinária, instabilidade vesi- about 2.0 (9,4 % vs. 4.3%); 18% were terminology of lower urinary tract in-
cal e encoprese. considered secondary enuresis. Of the fection in children and adolescent.
Os resultados apontam para a ne- factors investigated gender, age, hered- Report of the Standardization Com-
cessidade de maior discussão pública e ity, difficulty in waking, urinary frequency mittee of the International Children’s
divulgação sobre a enurese nocturna e or urgency, urinary incontinence and en- Continence Society. J Urol 2006;
as formas de tratamento no nosso país, copresis, showed significant association 176:314-334.
para que mais crianças com enurese with enuresis. Previous history of urinary 5. Akbal C, Genc Y, Burgu B, Ozden E,
possam ser correctamente orientadas infection, constipation, snoring, hyperac- Tekgul S. Dysfuncional voiding and
pelo seu médico. tivity, were not associated with enuresis incontinence scoring system: quan-
Os autores sugerem o alargamento in this study. Children with difficulties in titative evaluation of incontinence
do estudo ao Centro e Sul do país, para school tend to have enuresis more fre- symptoms in pediatric population. J
uma completa caracterização da situação quently. Professional help were looked Urol 2005; 173: 969-973.
nacional for in only 51% of children with enuresis, 6. Von Gontard A, Schaumburg H, Holl-
most frequently when the impact in qual- mann E, Eiberg H, Rittig S. The gene-
ity of life were more perceived. Only one- tics of enuresis: a review. J Urol 2001;
PREVALENCE OF NOCTURNAL ENU- third of enuretic children received some 166:2438-43.
RESIS IN CHILDREN OF ELEMENTA- form of treatment. 7. Von Gontard A, Hollmann E. Comor-
RY SCHOOL AGE Conclusion: Our investigation bidity of functional urinary inconti-
showed the prevalence of enuresis is nence and encopresis: somatic and
ABSTRAT similar to those reports from most of other behavioral associations. J Urol 2004;
Bedwetting (nocturnal enuresis) western countries, as well the significant 171:2644-7.
is a common problem throughout child- reduction of prevalence with growing age. 8. Neveus T, et al. Depth of sleep and
hood and most of the times is expected Only half of the children with this problem sleep habits among enuretic and
to have a spontaneous remission. How- is brought to medical attention and only incontinent children. Acta Paediatr
ever bedwetting can have a considerable a third received treatment. The results 1999; 88:748-52
impact on children and families, affecting point to the necessity of bigger public dis- 9. Alexopoulos EI, et al. Association be-
a child’s self-esteem and interpersonal cussion and information on enuresis and tween primary nocturnal enuresis and
relationships, and his or her performance its treatment options in order that more habitual snoring in children . Urology
at school. We don’t know much about children with this problem have access to 2006; 68:406-9
prevalence, associated factors and the professional help. 10. Bayens D, Roeyers H, Walle JV, Ho-
real impact of bedwetting in children of Key-words: Nocturnal enuresis, ebeke P. Behavioural problems and
our community. Prevalence; Elementary school children attention-deficit hyperactivity disorder
Purpose: To investigate the preva- in children with enuresis: a literature
lence of nocturnal enuresis among chil- Nascer e Crescer 2007; 16(2): 65-69 review. Eur J Pediatr 2005; 164:665-
dren in elementary school and to evaluate 672.
associated factors, severity and impact in BIBLIOGRAFIA
quality of life.
Materials and Methods: Fifteen 1. Hjalmas K, Arnold T, Bower W, Caio- CORRESPONDÊNCIA
hospitals were enrolled in the study. A ne P, Chiozza LM, von Gontard A, Paula Matos
randomly selected cross-sectional study et al. Nocturnal enuresis: an interna- Serviço de Pediatria – HGSA, SA
was conducted from elementary schools, tional evidence based management Largo do Prof. Abel Salazar
most at the North but some at the Cen- strategy. J Urol 2004; 171:2545-61. 4099-001 Porto
tre of our country. Questionnaires were 2. Wekke JS, Hirasing RA, Meulmeester Telefone: 222 077 500
anonymously fulfilled by parents at home JF, Radder JJ. Childhood nocturnal
and then returned to the school. Noctur- enuresis in the Netherlands. Urology
nal enuresis was defined if a child older 1998; 51:1022-1026.
than five wets the bed at least once per 3. Guo Wen J, Wang QW, Chen Y, Wen
month. JJ, Liu K. An Epidemiological study of

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