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ABSTRACT
Introdução
Entre 2002 e 2003, observou-se aumento de lência de aproximadamente 500 mil pessoas
6,5% e 16% na realização de reprodução assis- com TEA, baseando-se no censo 2000. Dentre
tida nos Estados Unidos da América (EUA) e os poucos estudos realizados, uma pesquisa pi-
Austrália, respectivamente. No Brasil em 2012, loto feita em 2010 em Atibaia (SP), revelou uma
a média nacional da taxa de Fertilização In Vi- prevalência de aproximadamente 0,3 % de au-
tro (FIV) ficou em 73%, produzindo 93.320 em- tismo em jovens de até 20 anos.3,4
briões e realizando 21.074 ciclos para FIV. Glo-
balmente em 2012, nasceram cinco milhões de O TEA é um distúrbio do desenvolvimento
bebês por meio dessa tecnologia. 1,2 neurológico caracterizado por prejuízo quali-
tativo na comunicação, comportamento repeti-
Os dados epidemiológicos internacionais in- tivo ou incomum e por um grave comprometi-
dicam uma maior incidência do Transtorno mento social. A FIV, também conhecida como
do Espectro Autista (TEA) no sexo masculino, reprodução assistida, consiste na fecundação
com uma proporção de 4,2 nascimentos para de ovócitos por espermatozoides e na transfe-
cada um do sexo feminino. A prevalência é es- rência dos zigotos em clivagem para o útero.
timada em um a cada 88 nascimentos confir- Concepções resultantes de FIV diferem das es-
mando que o autismo tem se tornado um dos pontâneas com o agravo de ascenderem os ris-
transtornos de desenvolvimento mais comuns. cos materno-fetais. Essa técnica é cada vez mais
No Brasil, apesar de estudos epidemiológicos procurada, sobretudo por casais incapazes ou
escassos, no primeiro Encontro Brasileiro para com dificuldades para conceber uma concep-
Pesquisa em Autismo, estimou-se uma preva- ção natural.5,6
Tabela 1
Estratégias de busca e bases de dados
Medline
Estratégia de busca Scielo Capes BVS
(via Pubmed)
A seleção dos artigos foi feita por dois grupos de da combinação desses foram realizadas buscas
três pessoas e um grupo de duas pessoas. Cada no Medline (via Pubmed), Portal BVS, Scielo e
grupo procurou descritores no DeCS e, através Portal Capes. As referências bibliográficas se
restringiram aos idiomas português, inglês e abordarem intervenção fora do escopo desta re-
espanhol, tendo como limites os estudos pu- visão. Dos 13 restantes, outras cinco referências
blicados até fevereiro de 2014 e realizados em foram excluídas após leitura completa, uma
humanos. Utilizou-se os seguintes critérios de vez que dissertavam sobre autismo mas não so-
inclusão: abordar a relação autismo e FIV e os bre sua relação com FIV. Portanto, apenas oito
fatores de risco para a presença do autismo nas artigos científicos preencheram os critérios de
crianças nascidas por essa técnica. Excluiram- inclusão (Figura 1 em anexo).
-se os artigos que abordavam os riscos do autis-
mo em crianças nascidas pelo método biológico
natural e aqueles que apesar de dissertarem so- Características dos artigos científicos
bre o autismo não fizeram qualquer associação selecionados:
com a FIV. Discordâncias na aplicação destes
Incluiu-se oito artigos: uma revisão sistemática,
critérios foram resolvidas por consenso entre
uma revisão não sistemática, três estudos coor-
os três grupos (Figura 1 em anexo).
te e três caso-controle, todos escritos na língua
inglesa e publicados na Dinamarca, Estados
Síntese dos dados: Unidos da América, Finlândia, Israel, Escandi-
návia e Suécia. Os estudos incluíram em torno
Pesquisa na literatura: de 3,1 milhões de crianças, destas aproximada-
mente 86.000 nasceram por FIV e 6.000 (7.0%)
Foram encontrados 65 artigos científicos, dos com diagnóstico de TEA e na maioria dos arti-
quais excluíram-se 23 por duplicação e outros gos não houve registro do sexo das crianças es-
29 estudos, após leitura do título e resumo, por tudadas (Tabela 2).
Tabela 2
Descrição dos estudos
Sandin et Coorte -FIV sem ICSI com transfer- 1,5% das crianças Não há associação
al (2013) 2,5 milhões de crian- ência de embriões frescos com transtorno entre FIV e autismo,
Suécia ças suecas nascidas -FIV sem ICSI com transfer- autista (RR=1.14) porém, a técnica
entre 1982 e 2007. ência de embriões conge- e 1,1% (RR=1.18) de introdução do
lados com retardo mental espermatozoide
foram concebidas coletado pelo mé-
11/12 (CAPS) -ICSI utilizando esperma-
por FIV. todo cirúrgico é um
tozoides ejaculados com
fator de risco para
embriões frescos
desenvolvimento
-ICSI com esperma ejaculado do autismo.
e embriões congelados
-ICSI com esperma extraído
cirurgicamente e embriões
frescos
-ICSI com esperma extraído
cirurgicamente e embriões
congelados.
9/12 (CAPS)
Legenda Tabela 2: ICSI: injeção intracitoplasmática de espermatozoides; RR: risco relativo; TEA: Transtorno do Espectro
do Autismo; OR: Odds Ratio; IC: Intervalo de Confiança.
Dentre os artigos selecionados, uma revisão não Qualidade metodológica dos artigos
sistemática da literatura, dois estudos coorte e selecionados:
dois caso-controle concluíram não existir asso-
A avaliação da qualidade da evidência cientí-
ciação entre FIV e TEA. Entretanto, estes artigos
fica depende da robustez do desenho do estu-
indicaram que a FIV com injeção intracitoplas-
do, de sua qualidade metodológica e da quali-
mática de espermatozoides para a infertilidade
dade da reportagem do mesmo. Os desenhos
paternal associou-se a um pequeno aumento no
de maior robustez encontrados nos estudos
risco relativo para desenvolvimento do TEA e
incluídos nesta revisão são, em ordem decres-
de retardo mental em comparação com a FIV
cente: revisão sistemática, coorte, caso-controle
sem uso da injeção intracitoplasmática de es-
e revisão não sistemática. A avaliação da qua-
permatozóides.8 Ademais, análises de subgru-
lidade metodológica dos estudos incluídos foi
pos de mulheres com idade materna igual ou
realizada mediante a utilização de instrumen-
superior a 35 anos ou mulheres que receberam
tos disponíveis nos sites http://amstar.ca/
hormônio folículo estimulante (FSH) como tra-
Amstar_Checklist.php e http://www.casp-uk.
tamento para fertilização demonstraram que a
net/find-appraise-act/appraising-the-eviden-
inseminação artificial foi significativamente
ce/. O instrumento AMSTAR foi utilizado na
associada com o desenvolvimento de TEA.9
avaliação metodológica da revisão sistemática,
Um estudo caso-controle verificou que crian- enquanto dois outros instrumentos contidos no
ças nascidas após a concepção assistida tive- segundo site foram utilizados para a avaliação
ram um risco menor de desenvolver autismo, metodológica dos estudos coorte e caso-contro-
demonstrando a FIV como um possível fator le. Não foi encontrado instrumentos para ava-
protetor.10 Apesar disso, em um estudo coorte, a liação metodológica de revisões não sistemáti-
reprodução assistida mostrou-se um importan- cas.
te fator de risco independente para o autismo,
Nenhum dos oito artigos incluídos foi avaliado
uma vez que não está associada a outros fatores
como de baixa qualidade metodológica, um es-
de risco estabelecidos para o desenvolvimen-
tudo caso-controle10 e um coorte11 como de mo-
to do TEA, os quais incluem a idade materna
derada e uma revisão sistemática12, dois casos-
avançada, prematuridade, baixo peso ao nascer
-controles7,13 e duas coortes8,9 foram avaliados
e história de autismo na família.11 A revisão sis-
como de alta qualidade metodológica (Tabela
temática analisou 12 estudos e mostrou resulta-
3). Assim, tem-se que os achados da revisão sis-
dos divergentes entre estes quanto a associação
temática foi o estudo de maior peso para a aná-
da FIV e o autismo.12 (Tabela 2)
lise e conclusão deste estudo.
(461) consistiram em todas as crianças nascidas contraste, outro estudo demonstrou um efeito
entre 1990 e 1999 e diagnosticadas com TEA in- protetor entre a concepção assistida e autismo
fantil. Encontrou-se um menor risco (59%) de infantil em seu estudo de caso-controle. Esse es-
desenvolver autismo entre crianças nascidas tudo mostra divergências, enquanto um revela
após a concepção assistida e uma diminuição que FIV é fator de risco para autismo, outro re-
do risco de 63% após o ajuste dos fatores de ris- lata efeito protetor da FIV para o autismo.12
co conhecidos para a FIV e autismo. Assim, o
estudo verificou que crianças nascidas após a
concepção assistida tiveram um risco menor de Conclusão
desenvolver autismo.10 Por outro lado, a coorte
Não há consenso se a Fertilização In Vitro é fa-
incluiu 624 participantes de nove meses a 18
tor de risco ou protetor para o desenvolvimento
anos, dos quais 507 foram diagnosticados com
do Transtorno do Espectro do Autismo. Porém,
autismo e 108 com outros diagnósticos. Daque-
quando a técnica utilizada é a injeção intracito-
les diagnosticados com autismo, 54 foram con-
plasmática de espermatozóide, quando a mu-
cebidos por tecnologia de reprodução assistida,
lher necessita de indução da ovulação ou ainda
demonstrando ser essa um importante fator de
quando a mulher tem idade acima de 35 anos
risco independente para o TEA, não associada
a FIV passa a ser um fator de risco para o TEA.
a outros fatores de risco estabelecidos para a
Considerando a deficiente produção científica
doença, incluindo a idade materna avançada,
nacional na área, urge incrementar a produção
prematuridade, baixo peso ao nascer e história
de mais pesquisas no Brasil, sobretudo aquelas
de autismo na família.11
com maior tamanho amostral e maior tempo de
A revisão sistemática avaliou 19.462 crian- seguimento.
ças expostas a FIV e estimou-se um odds ratio
Colaboradores: Todos os autores conceberam
de 2,18 (95% intervalo de confiança, 1,71-2,77).
e redigiram o manuscrito sendo que Letícia Si-
Nessa revisão, avaliaram oito estudos relacio-
mões Brion de Oliveira coordenou o trabalho
nados ao autismo que mostraram resultados di-
em equipe e Nathan Mendes Souza orientou a
vergentes. Além disso, dois estudos avaliaram o
produção científica.
risco de desenvolvimento de autismo em crian-
ças nascidas após concepção assistida e apre-
Agradecimentos: Agradecemos Geraldo An-
sentaram resultados inconsistentes. Apenas
tônio Roni Neto, Tamara Chaves Oliveira Quei-
um estudo relatou um aumento significativo
roz e Vanessa Ferreira Reis pelo apoio inicial da
do risco de uma ampla variedade de distúrbios
concepção desta revisão.
psiquiátricos, incluindo autismo em crianças
nascidas após FIV, porém, eles não fornece- Declaração de conflitos de interesse: sem
ram resultados somente para o autismo. Em conflitos de interesse