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Artur Dzik
Mestre e doutor em Obstetrícia e Ginecologia pela FMUSP, Serviço de Reprodução Humana do CRSM, São Paulo
Mário Cavagna
Doutor em Obstetrícia e Ginecologia pela FMUSP, Serviço de Reprodução Humana do CRSM, São Paulo
Artur Dzik
Mestre e doutor em Obstetrícia e Ginecologia pela FMUSP, Serviço de Reprodução Humana do CRSM, São Paulo
Mário Cavagna
Doutor em Obstetrícia e Ginecologia pela FMUSP, Serviço de Reprodução Humana do CRSM, São Paulo
No Brasil, não realizamos com freqüência o ciclo em virtude das altas taxas de mortalidade perinatal,
natural em programas de fertilização in vitro (FIV), é cerca de sete vezes maior na gravidez tripla e
apesar das vantagens em termos de custos, ausência cinco na gravidez gemelar (Bergh et al.2, 1999; Fisk
de riscos associados à estimulação medicamentosa e Trew3, 1999).
dos ovários (síndrome do hiperestímulo ovariano) e Reduzir a incidência desse tipo de complicação
o risco quase inexistente de gravidez múltipla. pela redução embrionária, além de não ser uma
A primeira gravidez por FIV descrita, Louise Bro- conduta aceitável, não melhora o prognóstico dos
wn, ocorreu após aspiração de único folículo em ciclo nascimentos nas gravidezes triplas (Leondires et al.4,
natural. Na publicação de Edwards et al.1 (1980), a 2000). Além disso, impõe aos casais dificuldades
onda de hormônio luteinizante (LH) pôde ser iden- adicionais, envolvendo o aspecto financeiro (tam-
tificada em 68 pacientes, ovócitos foram aspirados bém para os serviços públicos e privados de saúde),
na maioria delas, além disso, fertilização e clivagem emocional e até de logística familiar (ESHRE Capri
ocorreram em 34 indivíduos, sendo 32 embriões Workshop Group5, 2000). Portanto, todos esses fa-
transferidos; quatro pacientes engravidaram. Entre- tos constituiriam sólidos argumentos na tentativa de
tanto, após essa publicação, as decepcionantes taxas minimizar a incidência de nascimentos múltiplos por
de gravidez, com a transferência de embrião único meio do processo de monofoliculogênese, associado
(12% por ciclo nas melhores publicações), altas taxas a técnicas de reprodução assistida.
de cancelamento em razão da onda prematura de Conceitualmente, consideramos como ciclo
LH e a trabalhosa necessidade de monitorização da natural o processo no qual não é usado nenhum
elevação da onda de LH a cada 2 a 3 horas, pratica- medicamento, há apenas monitorização do folículo
mente inviabilizaram a associação do ciclo natural às dominante e elevação da onda de LH. Entretanto, em
técnicas de reprodução assistida. Somam-se a essas uma abordagem mais moderna, a associação de FIV
dificuldades o fato de que, em nosso país, a maioria também pode ser vista como um ciclo natural quando
dos ciclos de FIV é realizada em serviços particulares a única intervenção medicamentosa for a administra-
e não em instituições, onde os resultados poderiam ção de hormônio coriônico gonadotrófico (hCG), no
ser mais facilmente interpretados. intuito de desencadear a ovulação, ou o emprego da
Os ciclos de FIV e injeção intracitoplasmática de indometacina para retardar a ruptura folicular.
espermatozóides (ICSI), cujo principal objetivo é ob- O ciclo natural em FIV estaria indicado princi-
ter maiores taxas de gravidez em ciclos estimulados palmente para mulheres jovens (18 a 36 anos), em
através da obtenção de grande número de óvulos sua primeira tentativa de FIV, que possuam ciclos
que permitam a transferência de vários embriões, menstruais regulares (26 a 35 dias e IMC entre 18
produziram taxas de nascimentos múltiplos sem a 28), fator tubário isolado, infertilidade sem causa
precedentes na história do homem. Essa séria com- aparente, fator masculino leve ou moderado isolado,
plicação, associada aos tratamentos de fertilidade, endometriose (sem endometriomas), fator cervical
associadas a esse método, de certa forma, são meno- 2000; 183(2): 454-459.
5. No authors listed. Multiple gestation pregnancy. The ESHRE Capri Workshop
res do que em ciclos estimulados. Nas mais recentes Group. Hum Reprod 2000; 15(8): 1856-1864.
publicações, existem tendências para melhoria desses 6. Baird DT. Ovulation induction: current status and future prospects of gonado-
resultados. Nargund et al.7 (2001) publicaram taxas trophin therapy. In: Adashi EY, Leung PC. The ovary. New York, Raven Press,
1993. pp. 529-544.
de gravidez de 13% por ciclo, nas quais, em algumas 7. Nargund G, Waterstone J, Bland JM, Philips Z, Parsons J, Campbell S. Cumulative
pacientes, a indometacina foi usada para retardar a conception and live birth rates in natural (unstimulated) IVF cycles. Hum Reprod
ruptura folicular e evitar aspiração folicular em fins de 2001; 16(2): 259-262.
8. Daya S, Gunby J, Hughes EG, Collins JA, Sagle MA, YoungLai EV. Natural cycles for
semana. Analisando detalhadamente seus resultados, in-vitro fertilization: cost-effectiveness analysis and factors influencing outcome.
observamos que a taxa cumulativa de gravidez após Hum Reprod 1995; 10(7): 1719-1724.
Jorge Fragoso
Andrologista do Serviço de Reprodução Humana do CRSM, São Paulo
Sidney Glina
Andrologista do Serviço de Reprodução Humana do CRSM, São Paulo
O atual estágio de desenvolvimento das técnicas de to dos cromossomos após a fertilização, resultando
reprodução humana permite o controle das várias em ovócitos fertilizados, porém não segmentados1,3.
etapas envolvidas no processo, exceto a implantação Alterações do DNA verificadas por métodos que ava-
do pré-embrião. Nesse sentido, vários são os fatores liam a taxa de fragmentação do DNA dos espermato-
prognósticos estudados com o objetivo de melhorar zóides são relacionadas às baixas taxas de fertilização
a taxa de implantação uterina e, conseqüentemente, e alterações na divisão do embrião4-6.
a taxa de gestação. As alterações tardias relacionadas ao DNA do
A qualidade embrionária é tida como um dos fato- espermatozóide foram demonstradas por Tesarik
res prognósticos relacionados à gravidez. A obtenção et al.7 (2004). Eles compararam um grupo de casais
de um embrião de boa qualidade passa por várias com repetidas falhas de tratamento (grupo de estu-
fases, iniciando pelo estímulo ovariano e terminando do) a um grupo-controle com casais na sua primeira
no laboratório de micromanipulação. Um fator limi- tentativa de engravidar. Ambos usavam ovócitos de
tante desse processo é o gameta masculino. Neste doadoras. Observou-se que, no grupo de estudo, de-
artigo, revisaremos os principais fatores relacionados finido pelos portadores de alterações tardias (> 50%
ao espermatozóide que podem influir na qualidade de ovócitos fertilizados com > 50% de embriões
classificados como bons), não houve gestação, já, no
embrionária.
grupo-controle, ocorreu 36% de taxa de gestação,
Inicialmente, o papel do gameta masculino no
havendo uma diferença significativamente maior no
processo de fertilização do ovócito era definido pela
índice de fragmentação do DNA nos espermatozói-
capacidade, ou não, de fertilizá-lo. Com o advento da
des do grupo de estudo.
injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI) Além de alterações intracelulares que interferem
esse problema foi, aparentemente, contornado. Es- na qualidade embrionária, alguns parâmetros dis-
perava-se que a participação do espermatozóide no poníveis na análise seminal podem ser relacionados
processo de divisão celular do embrião acontecesse às falhas na fertilização e ao desenvolvimento em-
em uma fase tardia, somente após a ativação gênica, brionário. Casais cujos homens são portadores de
porém, sabemos que o espermatozóide tem uma leucocitospermia terão menor taxa de fertilização
participação mais precoce nesse processo1,2. após tratamento com ICSI8. Da mesma forma, um
A retomada da meiose pelo ovócito é um proces- paciente portador de globozoospermia, uma altera-
so mediado pelo influxo de cálcio para a célula que ção morfológica sem causa específica e caracterizada
potencialmente pode ter o espermatozóide como de- pela ausência do acrossomo, apresentou 10% de taxa
sencadeador do aumento do cálcio intracelular1,2. de fertilização após ICSI9.
Alterações logo nas primeiras fases da divisão O local para obtenção dos espermatozóides tam-
celular são atribuídas a defeitos no centrossomo dos bém influi sobre a taxa de fertilização e desenvolvi-
espermatozóides, que impedem o correto pareamen- mento embrionário. A taxa de embriões com defeitos
A produção de embriões em laboratório, que culmi- invasiva do que a FIV tradicional. Como consiste em
nou com o nascimento da primeira criança de ferti- injeção direta de um único espermatozóide através
lização in vitro (FIV), em 19781, foi um dos grandes da membrana citoplasmática do óvulo, essa técnica
marcos da medicina moderna. A FIV expandiu-se de microfertilização implica a não-seleção natural do
rapidamente pelo mundo por sua eficiência e repro- espermatozóide que fertiliza o óvulo14, 15.
dutibilidade, tornando-se um importante recurso Podemos relacionar como riscos teóricos da ICSI:
no arsenal terapêutico do casal infértil2. No entanto, o uso de espermatozóides com risco de transportar
cresceu também a preocupação da comunidade anormalidades genéticas ou que contêm defeitos es-
científica a respeito do bem-estar das crianças ge- truturais. Danos químicos ou mecânicos podem ocor-
radas pelas técnicas de reprodução assistida (TRA), rer na injeção, bem como a introdução de materiais
especialmente com relação às malformações. estranhos no oócito (por exemplo: contaminantes
Essa preocupação é pertinente, já que o embrião do meio de cultura).
de FIV é exposto a alterações mecânicas, térmicas O grupo belga liderado por Bonduelle et al.16
e químicas que podem, teoricamente, aumentar o (1995) publicou o follow-up das primeiras 130
risco de malformações congênitas3. Os primeiros crianças nascidas por ICSI e compararam-nas com
trabalhos continham pequeno número de casos e as crianças nascidas por FIV, não encontrando diferen-
estimativas de risco de malformações eram freqüen- ça estatística significante entre os dois grupos. Em
temente incertas ou comparavam populações muito 2002, o mesmo grupo publicou outro trabalho no
diversas4. Lancaster5 (1987) realizou os primeiros qual acompanharam 2.889 crianças nascidas de FIV e
relatos que constatavam uma incidência maior de 2.995 crianças procedentes de ICSI, e a incidência de
defeitos do tubo neural e transposição de grandes malformações congênitas foi semelhante: 4,2% para
vasos em pacientes provenientes de FIV. ICSI e 4,6% para FIV17. O mesmo foi observado por
Casuísticas maiores surgiram mais tarde: Bergh inúmeros outros autores, como Lancaster, Ludwig
et al.6 (1999) e Koivurova et al.7 (2002) encontraram e Katalinic e Wennerholm et al. Outros autores, no
uma incidência aumentada de malformações con- entanto, relataram incidência aumentada de mal-
gênitas em FIV em relação à população geral, com formações maiores na ICSI em relação à população
predomínio de defeitos cardíacos e do tubo neural. geral18-20. Uma incidência maior de hipospadia em
Entretanto, a maioria dos trabalhos com uma casuís crianças nascidas por ICSI foi relatada em alguns
tica grande falhou em mostrar uma incidência aumen- trabalhos, a qual poderia estar associada à infertili-
tada de malformações congênitas em FIV8-11. Dessa dade paterna18.
forma, as análises, de um modo geral, reforçaram o Kurinczuk et al.21 (2004) realizaram uma meta-
conceito de segurança relativa da técnica de FIV em nálise para avaliar a incidência de malformações con-
termos de teratogenicidade. gênitas em TRA comparadas à gravidez espontânea.
Com o advento da injeção intracitoplasmática de Foram 23 os trabalhos que preencheram os critérios
espermatozóides (ICSI), por Palermo et al.12 (1992), a para análise, mas apenas seis apresentavam um gran-
preocupação foi ainda maior13. Desde o início, ela foi de número de crianças. Quatro deles observaram
considerada uma técnica de risco pelo fato de ser mais risco relativo de malformações maiores e menores