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2015;33(4):467---473
REVISTA PAULISTA
DE PEDIATRIA
www.rpped.com.br
ARTIGO DE REVISÃO
PALAVRAS-CHAVE Resumo
Sono; Objetivo: Analisar as características do sono em adolescentes de diferentes níveis socioeconô-
Adolescentes; micos.
Nível socioeconômico Fontes de dados: Foram analisados estudos encontrados nas bases de dados Medline/PubMed
e SciELO que apresentassem resultados originais, sem restrições de idioma e de período, com
associações entre variáveis de sono e indicadores socioeconômicos. A busca inicial teve como
resultado 99 estudos. Diante dos critérios de inclusão, exclusão e após a leitura dos textos
completos, 12 artigos apresentaram em seus desfechos associações entre as variáveis de sono
(distúrbios, duração e qualidade) com os parâmetros socioeconômicos (etnia, renda e classe
social).
Síntese dos dados: Os estudos que relacionam o sono com variáveis socioeconômicas são recen-
tes e datados a partir de 2000. Metade das pesquisas selecionadas foi feita com jovens
americanos e apenas uma com adolescentes brasileiros. Com relação às diferenças étnicas,
os estudos não apresentam conclusões uniformes. As principais associações foram com a renda
familiar e nível de escolaridade dos pais e evidenciaou-se uma tendência a jovens pobres e com
status social mais baixo manifestarem baixa duração e má qualidade do sono.
Conclusões: Constatou-se associação entre os indicadores socioeconômicos e o sono dos adoles-
centes. O baixo status socioeconômico refletiu-se numa pior percepção subjetiva da qualidade
do sono, menor duração e maior sonolência diurna. Considerando a importância do sono para o
desenvolvimento físico, cognitivo e na aprendizagem dos jovens, o número de pesquisas ainda
é escasso. Sugerem-se mais investigações sobre o sono em diferentes realidades da população
brasileira.
© 2015 Sociedade de Pediatria de São Paulo. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Este é um artigo
Open Access sob a licença CC BY (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
http://dx.doi.org/10.1016/j.rpped.2015.01.011
0103-0582/© 2015 Sociedade de Pediatria de São Paulo. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Este é um artigo Open Access sob a licença CC
BY (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
468 Felden EPG et al.
Escore D&B, Escore de Downs & Black14 que avalia a qualidade dos artigos e varia de 0-20 pontos.
Sono em adolescentes de diferentes níveis socioeconômicos
Tabela 2 Síntese dos estudos selecionados publicados de 2010 em diante
471
472 Felden EPG et al.
familiar, no nível de escolaridade e na ocupação.24 O estrato diminuição do aproveitamento escolar e influência negativa-
social de pessoas e comunidades envolve uma complexa mente a aprendizagem, a interação social e a qualidade de
construção de componentes econômicos, sociais, ambientais vida do adolescente. A adolescência está ligada ao atraso da
e comportamentais, que definem e delimitam oportunida- fase de sono e aos horários escolares matutinos que levam
des e barreiras para o desenvolvimento e também a maior à diminuição da duração do sono.2 Ainda, conforme veri-
ou menor probabilidade de se ter determinada situação de ficado na presente revisão, a sonolência diurna excessiva
saúde. Não obstante, estudos apontam possíveis relações está associada tanto com fatores biológicos e comportamen-
entre aspectos sociais e o sono.4,15,22 tais como com variáveis relacionadas ao ambiente no qual o
Nesse sentido, esta revisão sistemática procurou analisar adolescente está inserido.7,23
a relação entre o nível socioeconômico e o sono de adoles- A partir da leitura das pesquisas selecionadas verificou-
centes, já que se trata de uma faixa etária especialmente -se que diferentes indicadores são usados para determinar
vulnerável para apresentar problemas de sono. Os artigos o nível socioeconômico dos adolescentes. Nas pesquisas
selecionados procuraram responder de que forma as variá- internacionais, as questões de escolaridade dos pais e
veis do sono, tais como qualidade do sono, horário para renda familiar são usadas com maior frequência. No Bra-
acordar e dormir, duração do sono, sonolência diurna, entre sil, é comum o uso do critério de classificação econômica
outras, estão associadas a indicadores socioeconômicos dos da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep).
adolescentes. Trata-se de um questionário que leva em consideração, além
De forma geral, há uma relação entre as variáveis do de questões de escolaridade do chefe da família, a posse de
sono e status socioeconômico. Jarrin, McGrath e Quon,23 bens de consumo, como eletrodomésticos, eletroeletrôni-
por exemplo, explicam que famílias com menor nível soci- cos e automóveis. A soma do número de itens fornece uma
oeconômico teriam casas menos organizadas, com mais pontuação, que categoriza a família em relação a sua classe
barulho e menor conhecimento sobre higiene do sono. Com econômica.26
isso, o baixo status social poderia ser um agente estres- Verificou-se que a principal forma de avaliação do sono
sor e redutor da qualidade do sono. Dentre os estudos foi por meio de questionários, ou seja, de forma subjetiva.
encontrados,6,20,21 essa relação aparece como uma tendên- Entre essas, destacam-se questões relativas à duração do
cia entre os adolescentes de amostras estrangeiras. Porém, sono, obtidas a partir da hora de dormir e acordar relatadas
para Smaldone et al.,18 esse desfecho não foi o mesmo. pelos adolescentes. Poucos estudos usaram medidas diretas,
Nesse estudo, os adolescentes brancos não hispânicos e com como o actímetro, para as análises.19,20 Esse instrumento
maior nível de escolaridade familiar tinham cerca de 30% caracteriza-se por ser uma medida objetiva, semelhante a
a mais de chance de ter padrões de sono inadequados, um relógio de pulso, que contém um dispositivo que, base-
quando comparados com outras etnias (negros não hispâni- ado no movimento do indivíduo, estima a hora de dormir e
cos, hispânicos e outros). Nos estudos analisados, as relações hora de acordar, por meio de sensores eletrônicos.19 Além
entre etnias e as variáveis socioeconômicas não entraram disso, com a actimetria é possível obter informações mais
em consonância.15-17,19,22,25 Uma das explicações, segundo precisas sobre os momentos com maior e menor atividade
Roberts et al.,17 seria que os problemas do sono estariam motora durante o dia e a noite, bem como a latência e
relacionados à condição social de minoria, e não à ori- a eficiência do sono. Em ambos os estudos que usaram a
gem étnica. Outro ponto a ser destacado, segundo alguns actimetria foi observado que os jovens com nível socioe-
autores,16,17 é o fato de jovens pertencentes ao grupo das conômico baixo20 e de minoria étnica19 apresentaram menor
minorias poderem expressar de forma negativa o sofrimento duração do sono.
psíquico, especialmente entre os imigrantes. Esses são mais Houve limitação metodológica dos artigos citados nesta
suscetíveis a preconceitos étnicos e a estereótipos negativos revisão ao se considerar o check-list proposto por Downs &
e, portanto, mais propensos a internalizar a sua condição de Black.14 A descrição do poder estatístico dos testes usados
minoria, o que pode afetar suas percepções e seus compor- nos estudos não foi apresentada em qualquer dos artigos.
tamentos. Isso indica que essa informação precisa ser mais bem com-
O estudo de Marco et al.20 foi o único a fazer uma dis- preendida e descrita pelos pesquisadores.
cussão das associações entre sono e nível socioeconômico, O único estudo com amostra brasileira listado foi o de
considerando os dias com e sem aula. De forma geral, foi Bernardo et al.4 com adolescentes paulistas. Esse estudo
verificado que tanto os horários escolares como as condições identificou tendências contrárias aos estudos com amostras
de moradia e higiene modificam a eficiência e a duração estrangeiras, ou seja, os adolescentes com melhor nível
do sono. Os adolescentes de baixa renda apresentam pio- socioeconômico apresentaram piores indicadores de sono.
res condições de sono nos dias com aula e fins de semana. Assim, faz-se necessário o desenvolvimento de outros estu-
Apesar disso, as condições de moradia e características da dos com amostras brasileiras para melhor fundamentar as
vizinhança ganham maior importância nos fins de semana, propostas de educação em saúde e sono, considerando a
já que nos dias com aula os horários escolares contribuem realidade dos países em desenvolvimento.
para a regulação do sono dos adolescentes.
Além da qualidade, outras variáveis do sono foram rela-
cionadas nos estudos selecionados, com destaque para os Considerações finais
distúrbios do sono, tais como: a insônia,15-17 hipersonia,15
despertares noturnos,7,17,23 síndrome das pernas inquietas, A partir das análises dos artigos selecionados para esta
sonambulismo, fala durante o sono, bruxismo, atraso da revisão sistemática, constatou-se haver relação significativa
fase do sono.22 A sonolência diurna excessiva é um possível entre os indicadores socioeconômicos e o sono dos ado-
indicador de maior necessidade de sono e está associada à lescentes. De forma geral, o baixo status socioeconômico
Sono em adolescentes de diferentes níveis socioeconômicos 473
reflete-se numa pior percepção subjetiva da qualidade de longitudinal study of Australian schoolchildren. Pediatr Obes.
sono, menor duração e maior sonolência diurna. 2012;7:295---303.
Com relação aos fatores étnicos, necessita-se de uma 9. Rey-López JP, Carvalho HB, Moraes AC, Ruiz JR, Sjostrom
investigação mais direta e de âmbito epidemiológico, para M, Marcos A, et al. Sleep time and cardiovascular risk fac-
tentar explicar se há alguma relação com as variáveis do tors in adolescents: The HELENA (Healthy Lifestyle in Europe
by Nutrition in Adolescence) study. Sleep Med. 2014;15:
sono.
104---10.
Apesar da forte influência do contexto socioeconômico na 10. Pereira EF, Moreno C, Louzada FM. Increased commuting to
quantidade e na qualidade do sono constatada nos estudos school time reduces sleep duration in adolescents. Chronobiol
analisados, o número de pesquisas sobre o sono de ado- Int. 2014;31:87---94.
lescentes de diferentes níveis socioeconômicos em países 11. Popoola VO, Tamma P, Reich NG, Perl TM, Milstone AM. Risk fac-
pobres e em desenvolvimento é escasso. O único estudo tors for persistent methicillin-resistant staphylococcus aureus
com amostra brasileira indicou associações contrárias àque- colonization in children with multiple Intensive Care Unit admis-
las apresentadas nos estudos estrangeiros e mostrou menor sions. Infect Control Hosp Epidemiol. 2013;34:748---50.
duração do sono em adolescentes de classes mais altas.4 12. El Hamid Hussein RA. Socioeconomic status and dietary habits as
predictors of home breakfast skipping in young women. J Egypt
Considerando que o sono pode influenciar o estado
Public Health Assoc. 2014;89:100---4.
comportamental e emocional, o desenvolvimento físico e
13. Yaogo A, Fombonne E, Kouanda S, Lert F, Melchior M. Lifecourse
cognitivo, além dos níveis de atenção e aprendizagem dos socioeconomic position and alcohol use in young adulthood:
adolescentes, ou dos estudantes em geral, destaca-se que results from the French TEMPO cohort study. Alcohol Alcohol.
hábitos ruins de sono, iniciados na infância e na adolescên- 2014;49:109---16.
cia, podem acompanhar a pessoa na vida adulta. Portanto, 14. Downs SH, Black N. The feasibility of creating a checklist for
são necessárias mais investigações sobre as relações entre the assessment of the methodological quality both of randomi-
o sono e o nível socioeconômico, com vistas a um melhor sed and non-randomised studies of health care interventions. J
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