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PRÓ-DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E

EXTENSÃO / FACINTER - FATEC

CRISTIAN GUILHERME VALESKI DE ALENCAR

POR QUE ME COMPORTO ASSIM?


TRANSFORMAÇÕES CEREBRAIS NA ADOLESCÊNCIA

NEUROPSICOLOGIA

CURITIBA
2009
POR QUE ME COMPORTO ASSIM?
TRANSFORMAÇÕES CEREBRAIS NA ADOLESCÊNCIA

Cristian V. Alencar1

RESUMO

A adolescência é um período de transição entre a infância e a idade adulta.


Sabe-se que o cérebro, os hormônios, o meio social e cultural e os aspectos
psicológicos afetam o comportamento do adolescente. O presente projeto de
pesquisa estuda um desses aspectos: quais as transformações cerebrais que
acontecem na adolescência e qual a influência dessas transformações no
comportamento dos adolescentes. O objetivo foi verificar quais os estudos que
a neurociência já fez sobre o assunto, além de relacionar com as pesquisas
sobre a influência hormonal e psicológica nesse período. A pesquisa teve como
preocupação analisar as causas do comportamento adolescente, como por
exemplo, o tédio, as paixões, os riscos, as crises de identidade, etc., do ponto
de vista cerebral, uma vez que diariamente temos notícias de situações que
envolveram esse público como: acidentes, gravidez, uso de drogas, violência,
etc., sendo necessário um maior entendimento dessa fase da vida por parte de
pais, educadores e dos próprios adolescentes. O referencial teórico envolveu
principalmente as pesquisas da neurociência sobre o tema e também as
pesquisas sobre os efeitos hormonais e psicológicos na adolescência
enriquecendo a discussão. O projeto teve como procedimento a pesquisa
bibliográfica, que tem por base a pesquisa em livros, artigos científicos,
dissertações, teses, etc., sobre o que já foi escrito a respeito do assunto.

Palavras-chave: adolescência, cérebro, comportamento.

Introdução
Diariamente aparecem na televisão e nos jornais casos de adolescentes
que passaram por algum acidente de carro devido a alta velocidade ou que
foram pegos com grande quantidade de drogas ou que participaram de algum
ato de violência. Da mesma forma questões como a escolha profissional, a
sexualidade, o relacionamento com os pais, os grupos também são temas
freqüentes.

1
Psicólogo formado pela UTP (Universidade Tuiuti do Paraná), especialista em Psicologia Corporal pelo
Centro Reichiano de Psicoterapias Corporais, aluno do curso de especialização em Neuropsicologia pelo
IBPEX.
A adolescência é considerada o período de transição entre a infância e a
vida adulta. Não há uma definição clara para o seu início e o seu fim. Abrange
conceitos culturais e sociais, mudanças físicas, biológicas e psicológicas. Mas
o que acontece com o ser humano nessa etapa de sua vida?
A Psicologia aponta as mudanças emocionais e sociais que acontecem
nessa fase. As crises de identidade, as primeiras experiências sexuais, a
identificação com grupos e muitas vezes a experiência com drogas e o
distanciamento dos pais. Por muito tempo foi defendida a idéia de que os
principais responsáveis pelas mudanças nesta fase da vida seriam os
hormônios. Idéia hoje bastante debatida, devido às descobertas da
neurociência sobre as transformações no cérebro dos adolescentes. Mas quem
é então o principal responsável pelo comportamento típico do adolescente?
Cérebro, hormônios ou meio social e cultural? Provavelmente todos eles.
Segundo Herculano-Houzel (2005) os Institutos Nacionais de Saúde dos
estados Unidos já reconheceram como este estudo é importante, e custeiam
atualmente um projeto de 16 milhões de dólares que visa a escanear
regularmente o cérebro de 500 crianças/adolescentes de 2 a 21 anos de idade
e testar suas funções cognitivas ao longo de sete anos. Ainda segundo a
autora a maioria dos trabalhos publicados sobre o assunto se deram a partir de
2004. Provavelmente muitos ainda estão por surgir.
Pesquisas como essas são necessárias para um melhor entendimento
dos adolescentes acerca dos seus comportamentos, para os pais de
adolescentes e educadores, e para própria ciência no que diz respeito a
discussão sobre quem é o principal responsável pelas alterações
comportamentais nesta fase: cérebro, hormônios, meio sociocultural. O avanço
das pesquisas em neurociência aponta que a adolescência é um estado do
cérebro e que o comportamento adolescente é resultado de um cérebro
adolescente.
O presente artigo investiga as transformações que acontecem no
cérebro no período da adolescência e os comportamentos resultantes dessas
transformações. Para isso parte do seguinte problema: quais as
transformações cerebrais que acontecem na adolescência? Quais as
influências dessas transformações no comportamento dos adolescentes?
Em todas as sociedades a adolescência constitui um período de muitas
transformações e transições. De acordo com Volpi, Volpi e Bernardelli (2004) o
adolescente passa muitas vezes por uma crise de identidade, quando está se
preparando para assumir maior liberdade e responsabilidades exigidas pela
vida adulta. Os hormônios estão à flor da pele provocando um aumento dos
impulsos sexuais. A ansiedade toma conta de seu corpo e psiquismo e o deixa
mais vulnerável ao uso de drogas e transtornos de ordem emocional, motivo de
brigas e discórdias com os pais. Mas e o cérebro?
O objetivo geral do presente artigo foi investigar as transformações
cerebrais no período da adolescência e suas influências no comportamento do
adolescente. Além disso, buscou-se verificar os principais estudos da
neurociência sobre o cérebro do adolescente, analisar a relação entre o
cérebro e os hormônios no período da adolescência, e, investigar as principais
contribuições da Psicologia sobre esse período.
Para o presente Artigo foi realizada uma pesquisa bibliográfica. “A
pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado
constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2002, p. 44). Em
quase todos os estudos é exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, mas
há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. É
importante ressaltar que existem muitos livros sobre a Psicologia na
adolescência que apontam as principais teorias psicológicas sobre
adolescência nos aspectos emocionais e sociais, além de ressaltarem as
mudanças físicas e a influência dos hormônios. Existem também muitos livros
sobre o desenvolvimento humano que exploram o desenvolvimento físico,
emocional e social na adolescência.
Com relação ao desenvolvimento do cérebro na adolescência a
pesquisa foi dificultada pelo pouco material encontrado. A obra “O cérebro em
transformação” de Suzana Herculano-Houzel é um livro muito completo sobre o
tema e foi bastante utilizado no artigo. Foram realizadas pesquisas em sites
científicos como scielo e pepsic, mas não foi encontrado nenhum material que
relacionasse as transformações cerebrais na adolescência. Além disso, é
importante relatar que a maioria das citações encontradas no livro “O cérebro
em transformação” são de pesquisas realizadas fora do Brasil e artigos
publicados em inglês.
O artigo inicia apontando a diferença entre puberdade e adolescência e
as principais mudanças físicas sofridas durante esse período. Na seqüência
explora os aspectos psicológicos, dando especial ênfase a psicanálise, e os
aspectos sociais, focando na visão sócio-histórica da adolescência. E
finalmente ressalta a neuropsicologia na adolescência. As principais
transformações sofridas pelo cérebro nesse período e as repercussões no
comportamento do adolescente.

Puberdade e Adolescência – Hormônios e Crescimento Físico


Primeiramente se faz necessário diferenciar puberdade de adolescência.
Segundo Eizirik (2001) a puberdade é uma fase do ciclo vital biológico que
abrange um conjunto de mudanças corporais causadas por hormônios. Nas
meninas ocorre o crescimento de pêlos pubianos, as mamas aumentam de
volume e surge a menarca ou primeira menstruação. Nos meninos ocorre o
crescimento dos testículos e em seguida dos pêlos pubianos. O pênis também
aumenta em comprimento e surge a espermarca ou primeira ejaculação. Nessa
fase também se registra a mudança de voz, o crescimento de pêlos axilares e a
barba.
Já a adolescência, apontado por Eirizik (2001), refere-se a um período
do desenvolvimento humano com duração variável, situado entre a infância e a
idade adulta. O início da adolescência é fortemente influenciado pelas
manifestações da puberdade. As mudanças físicas desencadeiam mudanças
psicológicas e sociais que são influenciadas pelo contexto social, histórico,
cultural e familiar no qual o adolescente está inserido.
Vários mecanismos hormonais colocam em andamento o processo de
transformação física. Palácios e Oliva (2004) apontam que os mecanismos
hormonais se iniciam devido à atividade do hipotálamo, que envia sinais para
hipófise para que esta comece a secretar importantes quantidades de
hormônios gonadotróficos. Esses hormônios estimularão o desenvolvimento
das gônadas sexuais, ovários e testículos, que começarão a produzir
hormônios sexuais.
A puberdade inicia com um rápido aumento dos hormônios sexuais. Nas
meninas os ovários aumentam a produção de estrogênio que estimula o
crescimento dos genitais femininos e dos seios. Nos meninos, os testículos
aumentam a produção de androgênios, em especial a testosterona, que
estimulam o crescimento dos genitais masculinos, da massa muscular e dos
pêlos no corpo. De acordo com Papalia, Olds & Feldman (2006) moças e
rapazes possuem ambos os tipos de hormônios, mas as moças possuem
níveis superiores de estrogênio e os rapazes possuem níveis superiores de
androgênios.
A puberdade leva cerca de quatro anos para ambos os sexos e começa
dois ou três anos mais cedo nas meninas do que nos meninos. As mudanças
físicas durante a puberdade incluem o surto de crescimento adolescente que
segundo Papalia, Olds e Feldman (2006) é o rápido aumento de peso e de
altura que antecede a maturidade sexual. Essas mudanças físicas têm um
importante impacto a nível psicológico. As reações diante das mudanças
dependem de muitos fatores pessoais e contextuais.
A maioria dos jovens preocupa-se muito com sua aparência e muitos
não gostam do que vêem na frente do espelho. Para Palácios e Oliva (2004)
em termos gerais as conseqüências psicológicas são menos favoráveis para as
meninas, já que entre elas se costuma encontrar uma maior irritabilidade e
mais estados depressivos, com freqüentes sentimentos negativos relacionados
ao seu aspecto físico. Este aspecto pode estar relacionado a uma maior ênfase
cultural sobre os atributos físicos das mulheres. É importante ressaltar também
que a maturação precoce ou tardia também pode apresentar efeitos
psicológicos nos meninos e nas meninas.

Aspectos Psicológicos e Sociais na Adolescência


Em todas as sociedades a adolescência constitui um período de muitas
transformações e transições. O adolescente pode ser estudado em diversos
aspectos: psicológico, biológico, social etc. Neste item será apontada a visão
de duas abordagens psicológicas: a leitura da psicanálise sobre a adolescência
e a perspectiva sócio-histórica ou sócio-interacionista da adolescência.
Segundo Aberastury (1981) as mudanças psicológicas que se produzem
nesse período levam a uma nova relação com os pais e com o mundo e isso só
é possível quando se elabora o luto pelo corpo de criança, pela identidade
infantil e pela relação com os pais da infância. Estas mudanças, nas quais
perde a sua identidade de criança, implicam a busca de uma nova identidade,
que vai se construindo num plano consciente e inconsciente. É um período de
contradições, confuso e ambivalente.
Esse longo processo de busca de identidade ocupa grande parte da sua
energia. O adolescente se apresenta como vários personagens, com variações
de vestimentas, por exemplo. “Só quando o adolescente é capaz de aceitar,
simultaneamente, seus aspectos de criança e de adulto pode começar a aceitar
em forma flutuante as mudanças do seu corpo e começa a surgir a sua nova
identidade” (ABERASTURY, 1981, p. 14).
Erikson (1971) define a etapa da adolescência como Identidade versus
Confusão de Papel. O agente interno ativador na formação da identidade é o
ego. O ego, nessa etapa, tem a capacidade de selecionar e integrar talentos,
aptidões e habilidades na identificação com pessoas semelhantes e na
adaptação ao ambiente social. O perigo dessa etapa é a confusão de papel. Os
adolescentes podem apegar-se ao espírito de clã e ser cruéis na exclusão de
todos que sejam diferentes, na cor de pele, nos antecedentes culturais, nos
gostos, nas vestimentas e nas maneiras que tenham sido selecionadas como
os sinais característicos de estar no grupo ou fora dele.
É importante compreender que essa intolerância pode ser uma defesa
contra a confusão do sentimento de identidade. Por isso os adolescentes se
ajudam, formam grupos, definem seus ideais e seus inimigos. É a etapa da
paixão. Segundo Erikson (1971) o amor no adolescente é uma tentativa de
chegar a uma definição de sua identidade projetando a própria imagem difusa
do ego em outra pessoa para vê-la refletida e gradualmente definida.
Muitos autores, ao estudarem a adolescência, destacam a importância
dos fatores sócio-culturais na determinação da fenomenologia expressiva nesta
idade da vida. Segundo Knobel (1981) não há dúvidas de que o elemento
sócio-cultural influi com um determinante específico nas manifestações da
adolescência, mas que atrás dessa expressão sócio-cultural existe um
embasamento psicobiológico que lhe dá características universais. Assim o
problema da adolescência pode ser entendido como um processo universal,
mas que será influenciado por conotações externas peculiares de cada cultura.
Freud (1969) citado por Knobel (1981) diz que é muito difícil assinalar o
limite entre o normal e o patológico na adolescência e considera que toda a
comoção deste período da vida deve ser considerada como normal,
assinalando também que seria anormal a presença de um equilíbrio estável
durante o processo adolescente, pois é uma fase de desequilíbrios e
instabilidades. Knobel (1971) considera que existe uma verdadeira patologia
normal do adolescente ou síndrome normal da adolescência, no sentido de que
este exterioriza seus conflitos de acordo com a sua estrutura e suas
experiências. O autor descreve a seguinte sintomatologia que integraria esta
síndrome:

[...] 1) busca de si mesmo e da identidade; 2) tendência grupal; 3) necessidade de


intelectualizar e fantasiar; 4) crises religiosas,que podem ir desde o ateísmo mais
intransigente até o misticismo mais fervoroso; 5) deslocalização temporal, onde o
pensamento adquire as características de pensamento primário; 6) evolução sexual
manifesta, que vai do auto-erotismo até a heterossexualidade genital adulta; 7) atitude
social reivindicatória com tendências anti ou associais de diversa intensidade; 8)
contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta, dominada pela ação,
que constitui a forma de expressão conceitual mais típica deste período da vida; 9) uma
separação progressiva dos pais; e 10) constantes flutuações do humor e do estado de
ânimo (KNOBEL, 1981, p. 29).

A partir dessas fontes instalou-se uma visão naturalista e universal sobre


o adolescente que passou a ser compartilhada pela psicologia. De acordo com
Ozella (2002) apesar de muitos teóricos mencionarem uma inter-relação entre
o biológico e o cultural, enfatizam as estruturas internas como propulsionadoras
do desenvolvimento, fazendo parecer que os adolescentes nascem e vivem
num vacuum social. Dessa forma, segundo o autor, os fatores sociais são
encarados de forma abstrata e genérica, e a influência do meio torna-se difusa
e descaracterizada contextualmente agindo apenas como pano de fundo no
processo de desenvolvimento já previsto no adolescente.
A perspectiva sócio-histórica considera que a adolescência é criada
historicamente pelo homem, enquanto representação e enquanto fato social e
psicológico. “A adolescência não é um período natural do desenvolvimento. É
um momento significado e interpretado pelo homem. Há marcas que a
sociedade destaca e significa” (OZELLA, 2002, p. 21). Dessa forma, as
mudanças corporais e cognitivas são marcas que a sociedade destacou.
Assim como a psicanálise não descarta uma inter-relação entre o
biológico e o cultural a sócio-histórica também reconhece que há um corpo se
desenvolvendo, mas nenhum elemento biológico ou fisiológico tem expressão
direta na subjetividade. Essas características fisiológicas recebem significado
dos adultos e da sociedade. Segundo Ozella (2002, p. 21):

A menina que tem os seios se desenvolvendo não os vê, sente e lhes atribui o
significado de possibilidade de amamentar seus filhos no futuro. Com certeza, em
algum tempo ou cultura isso já foi assim. Hoje, entre nós, os seios tornam as meninas
sedutoras e sensuais. Esse é o significado atribuído em nosso tempo. A força muscular
dos meninos já teve o significado de possibilidade de trabalhar, guerrear e caçar. Hoje
é beleza, sensualidade e masculinidade.

Essas são as concepções presentes nas abordagens psicológicas, que


consideram a adolescência como um fenômeno biopsicossocial, enfatizando
ora os aspectos biológicos e psicológicos como a psicanálise, ora enfatizando
os aspectos sócio-históricos e psicológicos como a perspectiva sócio-histórica.

Cérebro e Adolescência
A neuropsicologia estuda a relação entre a mente e o cérebro. A ciência
que visa estudar a repercussão de disfunções cerebrais sobre o
comportamento e a cognição. Segundo Luria (1966) citado por Moretti e
Martins (1997) a neuropsicologia é a ciência que tem por objetivo o estudo das
relações entre as funções do sistema nervoso e o comportamento humano.

[...] a investigação neuropsicológica permite conhecer a estrutura interna dos processos


psicológicos e da conexão interna que os une. Ela também nos possibilita realizar um
exame pormenorizado das alterações que surgem nos casos de lesões cerebrais
locais, assim como as maneiras pelas quais os processos psicológicos são alterados
por essas lesões (LURIA, 1966 apud MORETTI E MARTINS, 1997, p. 67-70).

Durante o desenvolvimento, acontecem tanto alterações no cérebro


como no comportamento. Segundo Kolb e Whishaw (2002) à medida que o
cérebro se desenvolve, os neurônios ficam conectados de modo cada vez mais
complexo. Essas conexões cada vez mais complexas suportam uma crescente
complexidade comportamental. O desenvolvimento cerebral pode ser abordado
por três perspectivas diferentes:

Primeiro, o desenvolvimento estrutural pode ser estudado e correlacionado ao


surgimento dos comportamentos. Segundo, o desenvolvimento comportamental pode
ser analisado e podem ser feitas previsões sobre qual circuito subjacente, está
surgindo. E, finalmente, podem ser estudados os fatores que influenciam o
desenvolvimento cerebral e comportamental, como uma lesão cerebral (KOLB;
WHISWAW, 2002, p. 238).

A plasticidade cerebral se refere a alterações na estrutura do cérebro


que acompanham a experiência. Esse termo sugere que o cérebro é maleável,
como o plástico, e pode ser moldado em diferentes formas. Os cérebros,
expostos a diferentes experiências ambientais, são moldados de forma
diferente. Mas, para Kolb e Whiswaw (2002) a plasticidade cerebral não se
deve apenas à resposta a eventos externos ao organismo, mas também à
resposta a eventos internos, incluindo efeitos hormonais, lesões e genes
anormais.
Mas será possível explicar o comportamento adolescente pelo
funcionamento cerebral? Segundo Herculano-Houzel (2005) o cérebro
adolescente é fundamentalmente diferente tanto do cérebro infantil quanto do
cérebro adulto, e essas diferenças em várias regiões do cérebro podem
explicar as mudanças de comportamento típicas do adolescente. Tudo começa
no hipotálamo.
Os hormônios sexuais são produzidos nas gônadas, sob o controle do
hipotálamo. Este age sobre a glândula pituitária, também conhecida por
hipófise, e faz com que ela produza Hormônios de Crescimento, responsáveis
pelo espichamento da adolescência e Gonadotrofinas, que agem sobre as
gônadas e promovem a secreção dos hormônios sexuais. Estrogênio,
progesterona e testosterona são o produto final da ativação do eixo hipotálamo-
pituitária-gônadas.
De acordo com Herculano-Houzel (2005) os hormônios sexuais que
voltam ser produzidos na adolescência não encontram um cérebro já
amadurecido e pronto para o ataque. Sendo assim, não basta inundar o
cérebro infantil com hormônios para torná-lo adolescente: é preciso que esse
cérebro mude com a adolescência, para então responder aos hormônios.
O cérebro adolescente sofre uma reorganização química na quantidade
de neurotrasmissores disponíveis para levar mensagens de um neurônio para
outro. A diferença de habilidades da criança, do adolescente e do adulto não
está relacionada a um aumento do número de neurônios. O cérebro
adolescente sofre uma reorganização química e também uma reorganização
estrutural, não no número de neurônios, mas na capacidade de trocar sinais
entre eles. “Na verdade, à exceção do interesse sexual, há muito pouca
evidência de que as alterações hormonais estejam associadas com as grandes
mudanças comportamentais e cognitivas da adolescência” (SUSMAN;
NOTTELMANN, INOFF-GERMAIN; DORN; CHROUSOS, 1987 citado por
HERCULANO-HOUZEL, 2005, p. 63). O comportamento característico dessa
fase é conseqüência do remodelamento estrutural e funcional do próprio
cérebro.
É no córtex parietal superior que o cérebro constrói a sua imagem
corporal: onde está e o que está fazendo cada parte do corpo. Na
adolescência, se não bastasse o corpo crescer rapidamente, ele também não
cresce por igual. Cresce pés e mãos, depois pernas e antebraços e finalmente
braços e coxas. “[...] primeiro se perdem os sapatos, depois as calças, curtas
demais, enquanto as blusas ainda cabem por um bom tempo [...]”
(HERCULANO-HOUZEL, 2005, p. 81). Segundo a autora o resultado é que a
proporcionalidade do corpo fica totalmente esculhambada durante a
adolescência: o corpo adolescente não é simplesmente uma versão maior do
corpo infantil, sem ser ainda uma versão reduzida do corpo adulto. É de se
esperar que o adolescente estranhe sua imagem no espelho.
O sistema de recompensa do cérebro é o conjunto de estruturas de
estruturas que nos premiam com uma sensação de prazer e nos fazem querer
mais de tudo que é bom e dá certo. Na adolescência o sistema de recompensa
sofre algumas mudanças fazendo com que coisas que eram agradáveis para a
criança agora não são mais para o adolescente. Para Herculano-Houzel (2005)
essas alterações na adolescência do chamado comportamento motivado
podem ser explicadas por uma perda transiente de função, ou embotamento,
do sistema de recompensa.
O jovem passa a buscar novos prazeres, em diferentes níveis: ao
mesmo tempo que surge o tédio com o que é velho e conhecido, aparece então
a supervalorização do novo; aumenta o valor positivo atribuído a novas
interações sociais; estímulos fortes funcionam melhor e com isso aumentam os
comportamentos de risco; prazeres consumatórios que atendem às
necessidades do corpo. “Todas essas alterações comportamentais tem uma
conseqüência comum crucial: permitir que o adolescente se torne um adulto
independente” (HERCULANO-HOUZEL, 2005, p. 93).
O embotamento do sistema de recompensa provoca o tédio com o
familiar e a busca por novas fontes de satisfação, além de ser responsável por
vários dos feitos necessários para a independência cada vez mais desejada
nessa idade.

Na verdade, o sistema de recompensa é tão fundamental para o comportamento


motivado que, com todas as alterações que ele sofre com o fim da infância,
surpreendente seria se adolescentes continuassem a se comportar como crianças, ou
já se comportassem como adultos! (HERCULANO-HOUZEL, 2005, p. 94)

Quanto maior é a ativação do sistema de recompensa, maior é o prazer


obtido depois do feito, maior será o prazer antecipado só de pensar no que se
considera fazer e, portanto, maior será a probabilidade de fazer aquilo de novo.
Ativar o sistema de recompensa significa aumentar o funcionamento de dois de
seus componentes mais importantes: a área tegmentar ventral e o núcleo
acumbente. O primeiro recebe informações sobre o que está acontecendo no
corpo e informações sobre as intenções que guiaram o comportamento atual. O
segundo influencia o comportamento.
Os neurônios da área tegmentar ventral despejam dopamina sobre os do
núcleo acumbente. “Portanto, mais dopamina significa maior ativação do
núcleo acumbente, e, deste modo, mais prazer” (HERCULANO-HOUZEL,
2005, p. 98). Quanto maior o número de receptores para dopamina, mais fácil
será conseguir prazer ou satisfação.
Segundo Herculano-Houzel (2005) o núcleo acumbente perde cerca de
um terço dos seus receptores para dopamina do início até o final da
adolescência. Isso leva ao tédio, a insatisfação com antigas brincadeiras, a
busca por novidades e comportamento de risco e até uma possível busca por
drogas. A perda de receptores é compensada aos poucos por um aumento na
quantidade de dopamina que é liberada no sistema de recompensa por
comportamentos que proporcionam prazer, de modo que o conjunto vai aos
poucos se aproximando do que será o seu estado de equilíbrio na vida adulta.
“Ao final, tudo dá certo: os receptores são menos numerosos, mas, como
recebem mais dopamina, o resultado é satisfação garantida” (HERCULANO-
HOUZEL, 2005, p. 128).
No que concerne ao córtex pré-frontal, as diferenças entre o
comportamento infantil e adulto está na reorganização da sua arquitetura e
conectividade ao longo da adolescência. Segundo Herculano-Houzel (2005) na
opinião mais atual da neurociência, o funcionamento adulto do córtex pré-
frontal depende de um refinamento das suas conexões, ou seja, da eliminação
dos contatos excedentes, desnecessários ou incovenientes entre os neurônios.
Tal redução em volume explica a redução da substância cinzenta, ao mesmo
tempo que a substância branca subjacente se expande. A mielinização das
conexões, formação da capa de gordura que age como isolante elétrico das
fibras nervosas, permite a transmissão em tempo hábil de sinais nervosos entre
regiões cerebrais. Com isso percebe-se a melhora no domínio da linguagem do
adolescente, as respostas motoras, a evolução do comportamento
adolescente, como a memória de trabalho (OLESEN; WETBERG; KLINBERG,
2004 citado por HERCULANO-HOUZEL, 2005) e a capacidade de inibição e
seleção de comportamento (DURSTON; THOMAS, WORDEN, YANG; CASEY,
2002 citado por HERCULANO-HOUZEL, 2005).
No desenvolvimento da infância e da adolescência, a evolução do
sistema nervoso aponta como um dos temas centrais a transição de um
comportamento reativo, determinado pelo ambiente atual, para um
comportamento principalmente proativo, orientado não em função do presente,
mas de projeções e de imagens mentais do futuro.
O córtex pré-frontal é dividido em duas regiões: o córtex órbito-frontal e o
córtex pré-frontal dorso-lateral. Segundo Herculano-Houzel (2005) o cortex pré-
frontal é toda região que não é diretamente responsável por receber sinais dos
sentidos nem por comandar os movimentos do corpo, além de apresentar
como papel principal a associação entre estímulos, ações, suas
conseqüências, e as lembranças de tudo isso. O córtex órbito-frontal exerce um
papel fundamental no comportamento social, regulado pelas emoções e pela
experiência passada. O córtex pré-frontal dorso-lateral é responsável pela
memória de trabalho, controle de impulsos e o raciocínio abstrato. É uma das
últimas regiões a amadurecer. Herculano-Houzel (2005) exemplifica a atuação
do córtex pré-frontal dorso-lateral:
É como a piadinha infame do cachorro que entrou na igreja porque a porta estava
aberta: adolescentes e portadores de lesões no córtex pré-frontal são capazes de ligar
o carro porque a chave está na ignição, beber todas porque o copo está cheio [...] (p.
150).

A ação é impulsiva porque o cérebro não encontra um córtex pré-frontal


dorso-lateral hábil em suprimi-la a tempo. De acordo com Herculano-Houzel
(2005) certas besteiras típicas da adolescência podem ser atribuídas a
dobradinha sistema de recompensa embotado e córtex pré-frontal dorso-lateral
imaturo.
A adolescência é um período de intenso aprendizado social. São muitas
escolhas diante de muitas possibilidades. A transição para a vida adulta
depende de um bom desenvolvimento emocional e cognitivo. Segundo
Herculano-Houzel (2005) o desenvolvimento emocional na adolescência
acontece com o amadurecimento de duas funções: a habilidade de usar as
próprias emoções como norteadores de boas decisões e a capacidade de
empatizar com os outros. Usar bem as emoções para tomar decisões é função
do córtex órbito-frontal, uma das últimas regiões a ficarem prontas na
adolescência. O córtex órbito-frontal precisa amadurecer funcionalmente e
estruturalmente para que se adquira um comportamento social adulto. Se ele é
lesionado na infância, o desenvolvimento social e emocional fica congelado em
um estado correspondente ao início da adolescência. De acordo com a autora
a descrição do adolescente-problema se aplica a crianças normais e aos
adultos que sofreram uma lesão no córtex órbito-frontal.
O sulco temporal superior é a última região a amadurecer na
adolescência. As mudanças no córtex órbito-frontal e no temporal adolescente
são a base da transformação comportamental que coroa o fim da adolescência.
Segundo Herculano-Houzel (2005) essas regiões do córtex cerebral são
responsáveis pelo uso das emoções como guias de decisões importantes, pelo
arrependimento e pelo aprendizado emocional com os próprios erros, pela
antecipação das conseqüências dos próprios atos e pela flexibilidade para
deixar de fazer algo que era bom, mas deixou de ser.

Considerações Finais
As transformações cerebrais que acontecem na adolescência nos
trazem um novo olhar para esse período do desenvolvimento humano. A
adolescência é vista por muitos teóricos como uma invenção cultural de pouco
mais de um século. No passado essa etapa não existia passando a criança,
após a puberdade, a etapa adulta. Já era iniciada no trabalho e
consequentemente com a puberdade já tinha capacidade de reproduzir.
A perspectiva sócio-histórica aponta que o comportamento do
adolescente, a adolescência em si, depende do meio sócio-cultural, da
interação do adolescente com esse meio e do momento histórico. Segundo
essa teoria, a família em que está ou esteve inserido, a escola que freqüenta e
o grupo de iguais terão uma grande influência nas atitudes do adolescente.
Além disso, a comunidade, o país, o momento histórico e a sociedade também
terão uma forte influência na etapa da adolescência.
A adolescência é vista pela psicanálise como uma etapa com
características próprias em que o indivíduo deve elaborar o luto pelo corpo de
criança, pelos pais da infância e pela identidade infantil. O adolescente não é
criança e não é adulto, está construindo uma identidade e nesse momento
pode passar por uma confusão de identidade ou uma confusão de papéis. Nas
palavras de Anna Freud e Maurício Knobel é normal certa dose de
anormalidade durante esse período.
Não se pode esquecer que para muito autores a adolescência inicia com
a puberdade, mas que é muito difícil definir quando ela termina. Com todas
essas mudanças físicas e hormonais fica difícil não imaginar que tipo de
conflitos esse indivíduo pode estar passando.
Aliado a tudo isso vem à proposta da neurociência quanto às
transformações cerebrais na adolescência. Foi possível verificar com essa
pesquisa que realmente o cérebro sofre transformações nessa etapa. O córtex
parietal sofre transformações acarretando um estranhamento quanto à imagem
corporal tão defendida também pela psicanálise. O corpo já não é mais o
mesmo e as partes do corpo crescem em momentos diferentes, podendo trazer
uma série de conflitos para o adolescente. Conflitos também causados pelos
familiares que apontam características desse corpo ao adolescente e pelo meio
social que estabelece certo padrão de beleza, muitas vezes impossível de ser
atingido pelo adolescente.
O sistema de recompensa está embotado e os muitos receptores para
dopamina foram perdidos gerando tédio, preguiça e uma busca por fortes
emoções, música alta e esportes radicais. Aqui também se pode perceber uma
possível busca por drogas devido a essa insatisfação. Nesse ponto fica clara a
diferença de uma criança e de um adolescente. Estimular uma criança é muito
mais fácil do que estimular um adolescente. O adolescente parece estar
insatisfeito, não tem empolgação em realizar determinadas atividades, tem
preguiça e um tédio constante.
O córtex frontal também sofre transformações refinando suas conexões.
Reduz substância cinzenta ao mesmo tempo em que expande substância
branca. Foi possível verificar que esta área apresenta funções de memória de
trabalho, controle de impulsos, raciocínio abstrato, além da capacidade de usar
as emoções para tomada de decisões. Essa é uma das últimas regiões do
cérebro a ficarem prontas na adolescência.
É possível afirmar que ocorrem transformações no cérebro adolescente
e que estas alterações influenciam no comportamento. O que não podemos
esquecer é que cada indivíduo possuí uma personalidade e está inserido num
contexto sócio-cultural e que isso pode fazer a diferença quando essas
transformações cerebrais começarem a acontecer. As transformações
cerebrais vão acontecer num adolescente que mora no Brasil como num
adolescente que mora no Japão, vão acontecer num sujeito de 17 anos dos
dias de hoje como aconteceram num sujeito de 17 anos que viveu há 200 anos
atrás, vai acontecer num indivíduo de classe alta como num indivíduo da classe
baixa. Elas acontecem. Mas o meio em que o indivíduo está inserido é muito
importante. E a sua estrutura de caráter também.
Vale ressaltar novamente a dificuldade em encontrar material sobre as
transformações cerebrais na adolescência, assim como é importante dizer que
essa é apenas uma pesquisa introdutória. Cada abordagem teórica defende as
suas idéias sobre esse período do desenvolvimento humano como, por
exemplo, a psicanálise e a sócio-histórica. E a neurociência traz mais uma idéia
sobre essa fase de nossas vidas. Qual é a mais correta? Impossível responder.
O que é valida é essa discussão, pois todas têm sua parcela de contribuição.

REFERÊNCIAS
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