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9.

A rendição pós-moderna à individualidade alienada e a perspectiva


marxista da individualidade livre e universal
sexta-feira, 10 de abril de 2020 19:38

DUARTE, Newton. "A rendição pós-moderna à individualidade alienada e a perspectiva marxista da


individualidade livre e universal". In: Crítica ao fetichismo da individualidade.

É tão ridículo ansiar por um retorno àquela plenitude original como o é acreditar que a história
tenha parado nesse vazio completo. (Marx, p. 196)

Introdução
01. Autores do pós-modernismo decretaram diversas mortes: das metanarrativas (da História,
portanto), da razão etc, e, por fim, a morte do sujeito -- pelo menos o "sujeito moderno". Esse
sujeito, um indivíduo com uma essência racional que define uma identidade pessoal, tentava se
submeter a seu domínio racional às forças da natureza. Para Stuart Sim, o desenvolvimento e a
autorrealização desse sujeito seriam o objetivo central da "cultura ocidental", ou seja, da
modernidade. Para o pós-modernismo não há esse núcleo essencial de identidade, uma vez que as
pessoas são fragmentadas e a individualidade estaria em contínuo processo de dissolução. O artigo
se propõe a mostrar que, embora pareça uma crítica radical ao fetichismo da individualidade, trata-
se da radicalização do fetichismo.
02. O fenômeno do fetichismo é uma forma de alienação. (Essa afirmação dialoga com a dúvida do
Matheus de se o que o Mauro Iasi define como alienação no Reflexão sobre o processo de
consciência seria, para Duarte, um fetichismo. Aqui ele responde afirmando que o fetichismo não é
outra coisa senão uma própria forma da alienação) O pós-modernismo nega o conceito de alienação
e a crítica a uma sociedade alienada, posto que precisa-se de uma metanarrativa para essa crítica e
isto se distancia do que está sendo criticado. Não existem parâmetros para o pós-modernismo que
distinguem o que é humanizante e o que é alienante. Enquanto o pensamento liberal clássico
fetichiza a individualidade ao naturalizá-la e alçar à condição de natureza humana as características
da individualidade burguesa, o pós-moderno fetichiza a individualidade ao transformar em condição
humana o ceticismo, a fragmentação, o subjetivismo, o solipsismo e a irracionalidade.

Pensamento liberal clássico Pensamento pós-moderno


Naturaliza a individualidade e alça à condição de natureza Transforma em condição humana o
humana as características típicas da individualidade ceticismo, a fragmentação, o
burguesa subjetivismo, o solipsismo e a
irracionalidade.

03. O texto se divide em dois momentos: o desenvolvimento da tese de que o pós-modernismo é a


expressão teórica de profundas formas de alienação e a apresentação da perspectiva marxista da
individualidade livre e universal.

Resumo do tópico:
O pós-modernismo parece uma crítica radical ao fetichismo da individualidade por decretar a
morte do sujeito moderno em sua acepção, mas trata-se, em verdade, da radicalização desse
mesmo fetichismo.
O fetichismo é uma forma de alienação e o pós-modernismo nega o conceito de alienação e a
crítica a uma sociedade alienada, porque esta crítica afasta-se do contexto social daquilo que
quer se criticar (uma vez que para fazer a crítica a uma sociedade alienada é necessária uma
teoria totalizante da realidade). Não há, para o pós-modernismo, distinção entre o que é
humanizante ou alienante. Enquanto o pensamento liberal clássico naturaliza a
individualidade, o pós-moderno fetichiza a individualidade ao transformar a irracionalidade, o
ceticismo, a fragmentação etc. como sendo a condição humana.
Este texto se propõe a criticar a concepção pós-moderna e apresentar a alternativa marxista
da individualidade livre e universal.

O pós-modernismo e a rendição à individualidade alienada


04. O pós-modernismo não representa uma ruptura com as teorias que o precederam, o que ele faz

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04. O pós-modernismo não representa uma ruptura com as teorias que o precederam, o que ele faz
é levar às últimas consequências as tendências irracionalistas (na filosofia, nas ciências humanas em
geral e nas artes) presentes no pensamento burguês desde o séc. XIX e crescentes no séc. XX. O pós-
modernismo é a representação teórica da barbárie do capitalismo imperialista. É estéril tentar
agregar à teoria marxista elementos do campo teórico pós-moderno na crítica à sociedade
contemporânea. (Essa última afirmação põe em cheque por exemplo a possibilidade de nos
aproximarmos amistosamente da teoria queer, a fim de procurar o que dela tem de melhor. Cai
numa noção de que a ortodoxia impede a leitura de outros campos)
05. A abordagem marxista em qualquer campo tem que pretender superar o capitalismo. O que não
significa dizer que se dá para descartar tudo o que a sociedade capitalista produz, uma vez que para
ser superior ao capitalismo é necessário que a sociedade socialista incorpore tudo aquilo que possa
contribuir para o desenvolvimento do gênero humano. A negação ao pós-modernismo não se dá por
ele ser fruto da sociedade burguesa, mas por se tratar de uma ideologia que se entrega de coração e
alma à celebração do irracionalismo. Isto se traduz, na pedagogia, na defesa de uma pedagogia
marxista que supere a educação escolar em suas formas burguesas sem negar a importância da
transmissão, pela escola, dos conhecimentos mais desenvolvidos que já tenham sido produzidos
pela humanidade.
06. Ocorre que o pós-modernismo não critica a concepção burguesa da ciência, da busca do
progresso, da concepção de ser humano... Mas ele nega todos os aspectos e concepções desses
campos. O pós-modernismo, como define Sim, é uma forma de ceticismo, i.e., uma filosofia
essencialmente negativa.
07. A filosofia burguesa já vinha assumindo formas irracionais no séc. XIX, bem antes do surgimento
do pós-modernismo. Havia um rompimento com os ideais iluministas à medida que se expandiam as
relações capitalista. Pauline Marie Rosenau encontra três precursores na "morte do sujeito" que o
pós-modernismo decreta:
• A filosofia nietzschiana;
• A obra de Sigmund Freud, como uma consequência da importância atribuída por ele ao
inconsciente como determinante das atitudes dos sujeitos, que colocariam em xeque a noção
do ser humano movido pela razão;
• O estruturalismo, ao substituir a ação do sujeito pelas estruturas. Embora o pós-
estruturalismo rejeite as estruturas universais que se explicariam pela linguagem, a base do
estruturalismo, o ponto em comum entre os dois é a secundarização, quando não a própria
eliminação, das ações intencionais na configuração da sociedade e da cultura. (Essa descrição
me relaciona diretamente com a compreensão da obra de Althusser)
08. Rosenau entretanto rompe com a compreensão de Sim de que o pós-modernismo é
necessariamente cético. Ela definirá duas grandes orientações dentro da corrente, dada a
heterogeneidade do pensamento: o pós-modernismo cético e o pós-modernismo afirmativo. A
diferença é que o pós-modernismo cético, para a autora, vai "um pouco longe demais" no ceticismo,
e coloca em risco a existência das ciências sociais, e é presente mais em autores franceses, enquanto
o afirmativo se dá principalmente em autores dos EUA e do Canadá. Porém não há êxito no esforço
de se mostrar uma face afirmativa do pós-modernismo, posto que o que se sobressai é o ceticismo,
mais explícito em uns e menos em outros.
09. Para Rosenau, o pós-modernismo cético apregoa a morte do sujeito mas não a morte do
indivíduo. Os pós-modernos céticos substitui-lo-iam por uma forma peculiar de indivíduo, que nada
mais é do que o indivíduo satisfeito com a alienação.
10/11. Rosenau definirá o sujeito, fruto da modernidade, como: devotado ao trabalho;
compromissado com projetos políticos; defensor da autonomia e do livre-arbítrio enquanto se
submete à posição da maioria ou à linha do partido; subordina suas vontades ao bem comum; vê a si
mesmo como um ser humano que age com conhecimento de causa e possui uma identidade
própria. Os pós-modernos atacariam o sujeito por três características: ele é representante da
modernidade; ele é representante do humanismo; e ele implica na existência do objeto (do mundo
objetivo para além do mundo subjetivo).
12. Os pós-modernos dizem que a ideia de sujeito é filha direta do Iluminismo e do racionalismo, e
que o iluminismo não só substituiu a ciência pela religião, como Deus pelo sujeito. Os pós-modernos
visam "matar dois coelhos com uma cajadada só" ao destruir o sujeito: a democracia representativa
liberal e o socialismo. Se não existe sujeito, também não há que se falar em libertação,
emancipação, representação democrática, classe etc. O poder passa, portanto, à intertextualidade,
saindo das mãos de sujeitos em determinados postos do Estado.
13. A crítica dos pós-modernos ao humanismo são mais brandas. A visão de sujeito da perspectiva
humanista é criticada por colocar o sujeito racional numa posição hierarquicamente superior aos
demais seres vivos. Stuart Sim pontua que Foucault criticava o conceito de ser humano, um produto
do Iluminismo, porque este espelhava a imagem do sujeito triunfante da Revolução Francesa, e era,

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do Iluminismo, porque este espelhava a imagem do sujeito triunfante da Revolução Francesa, e era,
portanto, um instrumento de domínio, controle, punição e exclusão nas relações de poder. Criticar o
sujeito é criticar a concepção moderna de ser humano. O desenvolvimento universal da humanidade
é tido como colonialista e eurocêntrico, e supostamente acarretaria na destruição de outras
culturas, no desequilíbrio ecológico e no racismo, para os pós-modernos. Na educação, a
consequência disso é que a escola é um espaço de troca e compartilhamento de crenças
culturalmente estabelecidas, daquilo que é "tido como verdadeiro" num específico contexto social.
14. O terceiro motivo de Rosenau para o pós-modernismo atacar o sujeito é que a concepção de
sujeito implica na existência do objeto. Não fosse a implicação da existência de um mundo objetivo,
os pós-modernos poderiam aceitar a ideia de subjetividade. A lógica por detrás disso é que definir o
fim do sujeito significaria o fim da legitimação de formas de poder e hierarquias sociais pautadas na
posse de conhecimentos pretensamente verdadeiros. Se não há verdadeiro e falso, não há quem
detenha a verdade.
15. Segundo Rosenau, para abandonar o sujeito sem abandonar a perspectiva individualista, os pós-
modernos diferenciaram sujeito de indivíduo. O indivíduo pós-moderno, segundo a autora, não pode
ser visto como uma pessoa nos moldes do sujeito da modernidade: não é, portanto, uma pessoa
consciente, livre e autônoma. O indivíduo pós-moderno possui existência anônima, que vive o
presente e prefere o efêmero. Valoriza a espontaneidade, gosta do diferente. Preocupa-se com a
própria vida pessoal e não está interessado em laços com instituições tradicionais, como família,
partido, nação etc.
16. Ainda segundo Rosenau, o indivíduo pós-moderno não tem forte identidade pessoal, é
fragmentado e tolerante consigo mesmo. Ele é livre de projetos globais totalizantes, tais como o
socialismo, e apesar de um descontentamento com a política em geral, ele pode lutar contra o
Estado e o sistema de tempos em tempos. Ele pode participar de movimentos sociais cuja existência
é passageira.
17. A figura do indivíduo para o pós-modernismo cético é necessária para solucionar algumas
contradições, diz Rosenau, a saber: a contradição entre a posição antissujeito e sua simpatia por
direitos e liberdades individuais. O individualismo continua a existir na ausência do sujeito da
modernidade.
18. Trata-se a crítica pós-moderna ao sujeito da individualidade da total rendição à individualidade
alienada (diz Duarte).
19. Para Rosenau, nem todos os pós-modernos aceitam a "morte do sujeito"; os pós-modernos
afirmativos buscarão um retorno do sujeito às ciências sociais, mas com qualidades distintas do
sujeito da modernidade. O sujeito pós-moderno não tem um modelo de personalidade, ele não teria
(como o sujeito moderno) propósitos determinados, não seria racional e consciente. Sua atitude
básica é a resistência. O sujeito do "pós-modernismo afirmativo" participa de coalizões fluidas, em
temporárias alianças que unem ricos e pobres, mulheres e homens e diversos grupos étnicos.
20. Essa descrição não parece diferenciar o sujeito pós-moderno do indivíduo pós-moderno naquilo
que há de essencial. Essa diferenciação é frágil como a diferenciação entre "céticos" e "ativos". O
sujeito pós-moderno tem sua alienação mascarada pelo discurso politicamente correto, enquanto o
indivíduo pós-moderno tem a alienação declarada e escancarada.

Resumo do tópico:
O pós-modernismo é a representação teórica da barbárie, e não representa grandes
novidades, mas uma radicalização de uma tendência da filosofia burguesa ao irracionalismo
burguês que vinha desde o fim do séc. XIX. O pós-modernismo negará as metanarrativas, e
portanto qualquer concepção de ciência, de progresso etc. Stuart Sim definirá o pós-
modernismo como filosofia cética, necessariamente negativa.
As raízes do pós-modernismo, para Pauline Marie Rosenau, são: a filosofia nietzschiana; a obra
de Freud, que ao definir o inconsciente como determinante das ações dos sujeitos, coloca em
xeque a noção de razão; e o próprio estruturalismo, com a secundarização das ações
intencionais na configuração da sociedade e da cultura.
Rosenau fará uma separação em dois grandes grupos pós-modernos, se distanciando de Sim:
um pós-modernismo cético, que coloca em xeque a existência das ciências sociais, muito mais
presente entre os pós-modernos franceses, e um pós-modernismo afirmativo, que não vai tão
longe e é típico dos EUA e do Canadá.
O pós-modernismo cético, segundo a autora, apregoa a morte do sujeito, mas não a morte do
indivíduo. As três características que o pós-modernismo cético atacam centralmente na noção
de sujeito são: ele é representante da modernidade e, por isso, traz as noções do Iluminismo e
da razão, portanto eles querem acabar ao mesmo tempo com a democracia representativa
liberal e o socialismo, e as categorias que disso derivam (classe, libertação, representação
democrática etc.). Ele é representante do humanismo, e o humanismo coloca uma

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democrática etc.). Ele é representante do humanismo, e o humanismo coloca uma
centralidade no ser humano frente às outras espécies animais, e não só isso, mas também
coloca um desenvolvimento humano de modo que seja "eurocêntrico" e "colonialista". Por
fim, o sujeito da modernidade implica a existência do objeto, não fosse por isso, até daria para
ser tolerável a noção da existência de um mundo subjetivo (o fim do sujeito decretaria a morte
da legitimação de formas de poder e hierarquias sociais pautadas na posse de conhecimentos
pretensamente verdadeiros).
Para Rosenau, os pós-modernos fazem a diferenciação entre sujeito e indivíduo a fim de poder
terminar com o sujeito da modernidade sem acabar com a perspectiva individualista que dele
deriva. O indivíduo pós-moderno se torna o oposto do sujeito da modernidade. Se o sujeito é
livre, autônomo e consciente, o indivíduo tem existência anônima e é fragmentado. A
existência do indivíduo consegue solucionar, para Rosenau, uma importante contradição: a
posição antissujeitos e a defesa das liberdades individuais e de direitos.
A defesa de Rosenau à distinção entre os pós-modernos céticos, que decretam o fim do sujeito
da modernidade, e os pós-modernos afirmativos, que supostamente defenderiam um sujeito
diferente da modernidade, encontra sua limitação, encontram sua limitação por não
apresentarem uma distinção naquilo que há de essencial. Os "céticos" assumem uma postura
declarada em favor da alienação e os "afirmativos" de modo tímido, politicamente correto. A
crítica pós-moderna ao sujeito da individualidade é a total rendição à individualidade alienada.

A concepção marxista da individualidade livre e universal


21. Para se entender a concepção marxista de indivíduo, é necessário compreender sua noção de ser
humano: a análise é essencialmente histórica, e o gênero humano vem se desenvolvendo nesse
período por meio da produção, da reprodução e da transformação constante da cultura humana
(material e imaterial).
22. As relações sociais fazem a mediação entre a vida do indivíduo e o gênero humano. No
capitalismo, as relações entre a vida individual e a cultura acumulada pelo gênero humano se
complexificam e se tornam contraditórias por causa da propriedade privada dos meios de produção,
da exploração da força de trabalho e da divisão social do trabalho. Ao longo da vida do indivíduo e
ao longo da história da humanidade, a humanização e a alienação ocorrem de forma simultânea e
no interior da mesma processualidade sociocultural.
23. Para Marx, a subjetividade humana se desenvolve por meio da permanente construção da
objetividade social, i.e., a atividade social produz o enriquecimento objetivo e subjetivo dos seres
humanos. A história social, portanto, é um processo no qual o gênero humano se desenvolve por
meio daquilo que é produzido, reproduzido e transformado pela atividade social. Trata-se de um
processo histórico de objetivação do gênero humano.
24. Na sociedade capitalista, porém, a riqueza objetiva é apropriada de forma privada,
transformando-se em capital. Na superação do capital, a riqueza poderá ser apropriada por todo
indivíduo, transformando-se em riqueza subjetiva ou órgãos da individualidade (no conceito de
Marx).
25. Desde que surgiram as classes sociais (desde a antiguidade), a objetivação do gênero humano
tem ocorrido por meio da apropriação privada do resultado geral do trabalho humano. O
impedimento de se apropriar de toda riqueza material e intelectual é a alienação. Não se trata
apenas do fato de que o trabalhador não seja o proprietário daquilo que resulta de seu trabalho,
mas também do fato de que o trabalhador não pode apropriar-se de tudo aquilo que, sendo produto
da atividade humana em geral, poderia tornar sua vida muito mais humana. Para Marx, entretanto,
a alienação produzida pelo capitalismo (a separação entre os indivíduos, que representam a
subjetividade, e a riqueza social, que representa a objetividade) não é puramente negativa. A
constituição de intensas formas de alienação também produz as condições materiais para que os
humanos superem os limites puramente locais de sua existência. Nas sociedades pré-capitalistas, as
pessoas podiam sentir-se satisfeitas com sua vida (em certas circunstâncias), isto porque a satisfação
era limitada; o capitalismo supera isso, de modo que não é possível haver essa satisfação.

Assim, a antiga visão, na qual o ser humano aparece como o objetivo da produção,
independentemente de seu limitado caráter nacional, religioso e político, aparenta ser muito
superior quando contrastada com o mundo moderno, no qual a produção aparece como o
objetivo da humanidade e a riqueza como o objetivo da produção. Contudo, na verdade,
quando sua limitada forma burguesa é removida, o que é a riqueza senão a universalidade das
necessidades, capacidades, prazeres, forças produtivas etc., dos indivíduos, criados por meio
do intercâmbio universal? O pleno desenvolvimento do domínio humano das forças da
natureza, tanto aquelas da assim chamada natureza como aquelas da própria natureza

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natureza, tanto aquelas da assim chamada natureza como aquelas da própria natureza
humana? A absoluta explicitação de suas potencialidades criativas, sem nenhum outro
pressuposto que não seja o prévio desenvolvimento histórico, o qual transforma em um fim em
si mesmo esse desenvolvimento em sua totalidade, isto é, o desenvolvimento de todas as
forças humanas, não sendo medido por nenhum padrão pré-determinado? No qual ele [o
indivíduo] não reproduz apenas a si mesmo em sua particularidade, mas produz sua
totalidade? [No qual o indivíduo] empenha-se por não permanecer naquilo que ele veio a ser,
estando em contínuo movimento de vir a ser? Na economia burguesa - e na época de produção
a qual ela corresponde - essa completa explicitação do conteúdo humano aparece como um
completo esvaziamento, essa objetivação universal como total alienação, esse derrubamento
de todos os objetivos limitados e unilaterais como um sacrifício da finalidade humana em si
mesma em favor de uma finalidade inteiramente externa. Eis porque, por um lado, o infantil
mundo da antiguidade aparenta ser superior. Por outro lado ele é realmente superior em todas
as coisas nas quais busquem-se formas fechadas e limites dados. É satisfação de um ponto de
vista limitado, ao passo que o [mundo] moderno não proporciona satisfação e onde ele parece
satisfeito consigo mesmo é vulgar. (Marx, p. 210)

26. Analisarei esse trecho dos Grundrisse. Para Marx, o capitalismo significou um avanço na história
da humanidade, sendo a fase final da história das sociedades de classes e criando as condições para
sua superação. Nas sociedades pré-capitalistas, as sociedades eram estáticas e a realização
individual ocorria dentro dos limites estabelecidos pela rígida hierarquia social e pelas limitadas
forças produtivas. Nas sociedades pós-capitalistas, os indivíduos poderiam se desenvolver de forma
livre e universal, pois possuiriam o controle coletivo das forças produtivas da sociedade. A vida dos
indivíduos não estaria mais limitada à luta pela sobrevivência, então eles poderiam gastar a maior
parte de suas vidas com atividades plenas de sentido e com conteúdos humanos, que enriqueceriam
a totalidade do gênero humano. O capitalismo, porém, limita a vida humana por meio da
universalização das relações de mercado, e transformando o valor de troca em mediação universal,
de modo que se esvazie as relações humanas e os indivíduos.
27. A essência contraditória do capitalismo faz com que processos e produtos que poderiam ser
humanizantes se transformem em seu oposto, i.e., em alienação. Marx rompe com uma noção
romântica de que a riqueza seja algo ruim e que devêssemos buscar uma sociedade em que ela não
fosse produzida, mas o contrário disso: ele rompia com a noção de que riqueza estivesse atrelada à
noção de dinheiro. A dicotomia entre uma sociedade voltada para a produção da riqueza ou uma
sociedade voltada para o ser humano é a própria concepção burguesa de riqueza, concepção que
deve ser superada. Uma vez superada a forma burguesa de riqueza, torna-se possível ver que o
enriquecimento objetivo implica enriquecimento subjetivo.
28. O desenvolvimento do indivíduo será muito mais universal conforme o seu relacionamento com
a riqueza objetiva humana universal for produzindo no sujeito a elevação de suas necessidades, o
desenvolvimento de suas capacidades e a ampliação da sua sensibilidade. Nada disso brota
espontaneamente do interior do indivíduo, mas é produzido no intercâmbio universal (no conceito
de Marx). O desenvolvimento universal do indivíduo, portanto, é resultado de sua inserção livre e
consciente no intercâmbio universal, e só é possível efetivar essa universalização não alienada
rompendo com a forma unilateral e vazia de universalização, através de uma universalização das
forças humanas em toda a sua diversidade e em toda a sua riqueza de conteúdo.
29. O segundo aspecto da transformação do desenvolvimento humano através da superação da
forma capitalista, segundo o trecho dos Grundrisse, seria o pleno desenvolvimento do domínio das
forças da natureza (incluindo-se a natureza humana). Para Marx, domínio da natureza não é
sinônimo de destruição da natureza, ou que o caráter destrutivo e irracional do uso da tecnologia
seria uma consequência necessária na lógica interna à produção do conhecimento científico. A
leitura dos pós-modernos e de parte do "marxismo ocidental" das relações entre sociedade e
natureza nos sécs. XIX e XX seriam uma consequência inevitável da ciência e do domínio da natureza
por meio do conhecimento científico, é estranha a Marx e aos clássicos do marxismo, como Engels,
Lenin, Gramsci e Lukács, e distorce o processo histórico, pois a lógica de reprodução do capital é que
produz essas relações destrutivas.
30. Marx não considerava existir uma "natureza humana" que fosse fixa e a-histórica, de modo que
atravessasse o indivíduo desde seu nascimento ou que se desenvolvesse espontaneamente da
infância à idade adulta. Para Marx, "o cultivo dos cinco sentidos é trabalho da história precedente",
como ele elenca nos Manuscritos econômico-filosóficos. A individualidade livre, em Marx, trata-se da
individualidade-para-si, ou seja, é o oposto da individualidade-em-si (individualidade espontânea).
31. Ainda de acordo com Marx, a superação da forma burguesa de riqueza acarretaria no
desenvolvimento dos indivíduos de modo realmente universal, tendo seu limite na totalidade da
cultura material e intelectual até então produzida. Buscar-se-ia, então, a contínua superação do

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cultura material e intelectual até então produzida. Buscar-se-ia, então, a contínua superação do
desenvolvimento pessoal já alcançado, o contínuo vir a ser da personalidade. Ela antagoniza com o
indivíduo pós-moderno, que é fragmentado e está em contínuo estado de dissolução de sua
identidade. A individualidade livre marxiana se distancia tanto da pós-modernidade, pelos motivos
elencados, como da sociedade do conhecimento, rompendo com a noção de aprender a aprender.
32. A sociedade capitalista cria as condições prévias para a existência da individualidade livre e
universal, mas o faz por meio de um processo social extremamente alienante. A lógica da atividade
econômica na sociedade capitalista é indiferente ao fato de que os resultado dessa atividade podem
ser negativos do ponto de vista do desenvolvimento da humanidade como um todo, e é por isso que
os indivíduos sentem que a sociedade existe um "sacrifício da finalidade humana em si mesma em
favor de uma finalidade externa" (Marx).
33. A alienação inerente à lógica da sociedade capitalista é fonte dessa sensação enganosa de que
faria parte da condição humana a eterna oposição entre a realização do indivíduo e as exigências da
vida em sociedade. Essa oposição pode ser superada juntamente com a sociedade regida pela lógica
do capital. Enquanto isso, continuará presente a sensação de que no passado os seres humanos
teriam vivido com mais plenitude, o que é uma ilusão mas também é verdadeiro. É verdadeiro
porque a realização humana tinha formas bem reduzidas e limitadas, dado o desenvolvimento das
forças humanas. O capitalismo cria insatisfação porque ele produz as condições para o
desenvolvimento livre e universal da individualidade, mas frustra esse desenvolvimento ao subjugar
os seres humanos ao poder do capital. A única satisfação possível no capitalismo é a medíocre,
decorrente da compra de mercadorias, do desejo de "ter".
34. Por isso Marx afirma que o socialismo deve substituir a riqueza e a pobreza existentes na
sociedade capitalista pela pessoa rica em necessidades humanas. Trata-se de uma meta para se lutar
e uma crítica ao fetichismo da individualidade.

Resumo do tópico:
O primeiro passo para a compreensão da concepção marxista de indivíduo é a compreensão
da noção de ser humano. Para Marx, a análise é essencialmente histórica, e o gênero humano
vem se reproduzindo nesse período por meio da produção, da reprodução e da transformação
constante da cultura humana (material e imaterial).
A propriedade privada dos meios de produção, a exploração da força de trabalho e a divisão
social do trabalho complexificam as relações entre a vida individual e o acúmulo cultural do
gênero humano. Uma consequência é que a humanização e a alienação ocorrem
concomitantemente.
Para Marx, a atividade social produz o enriquecimento objetivo e subjetivo dos seres
humanos. A história social se trata de um processo histórico de objetivação do gênero
humano.
Na sociedade capitalista, a riqueza objetiva é apropriada de forma privada, transformando-se
em capital. Ao superar o capital, a riqueza poderá ser apropriada por todo indivíduo e se
transformar em riqueza subjetiva ou órgãos da individualidade. Desde o surgimento das
classes sociais (na antiguidade), a objetivação do gênero humano se dá através da apropriação
privada do resultado geral do trabalho humano, o que gera a alienação.
A alienação produzida no capitalismo não tem apenas um caráter negativo. Se, de um lado, ela
separa os indivíduos da riqueza social, de outro lado ela produz as condições materiais para
que os seres humanos superem os limites puramente locais de sua existência. Se nas
sociedade pré-capitalista ainda havia a possibilidade de se sentir satisfeito com sua vida (em
certas condições), pois tratava-se de uma satisfação limitada, no capitalismo não tem isso: ou
se tem uma satisfação medíocre perto da possibilidade de satisfação possível ou não se tem.
Marx não tem uma análise que descarte o capitalismo. Ele pesa a importância deste para a
história da humanidade e o avanço representado. Nas sociedades pré-capitalistas, as
sociedades eram estáticas e isto fazia com que a realização individual ocorresse dentro dos
limites estabelecidos pela rígida hierarquia social e pelas limitadas forças produtivas. O
capitalismo limita a vida humana por meio da universalização das relações de trabalho, ao
passo que o valor de troca se transforma em mediação universal e as relações humanas e os
indivíduos se esvaziam. A superação do capitalismo propõe sociedades em que os indivíduos
possam se desenvolver de forma livre e universal, isto porque possuiriam o controle coletivo
das forças produtivas da sociedade.
A essência contraditória do capitalismo faz com que processos e produtos, ao invés de serem
humanizantes, sejam o oposto disso: alienantes. Ao romper com a noção romântica de que a
riqueza é algo ruim, Marx apresenta uma perspectiva de que a riqueza não está atrelada à
noção de dinheiro necessariamente, mas que esta noção é fruto da sociedade capitalista e
deve ser superada. Uma vez superada a forma burguesa de riqueza, torna-se possível ver que

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deve ser superada. Uma vez superada a forma burguesa de riqueza, torna-se possível ver que
o enriquecimento objetivo implica enriquecimento subjetivo.
O desenvolvimento do indivíduo será cada vez mais universal conforme o seu relacionamento
com a riqueza objetiva humana universal for produzindo no sujeito a elevação de suas
necessidades, o desenvolvimento de suas capacidades e a ampliação de sua sensibilidade. Isto
não é fruto do interior do indivíduo, mas é produzido no intercâmbio universal.
A transformação do desenvolvimento humano através da superação capitalista também
acarretaria no pleno desenvolvimento do domínio das forças da natureza (inclusive a natureza
humana), para Marx. O domínio da natureza não implica na destruição da natureza, pois o que
implica isso é a lógica de reprodução do capital. Marx não considerava existir uma "natureza
humana" que fosse fixa e a-histórica, mas que o cultivo dos cinco sentidos é trabalho da
história precedente. A individualidade livre, em Marx, trata-se da individualidade-para-si,
enquanto oposto da individualidade-em-si (individualidade espontânea).
A superação da forma burguesa de riqueza acarretaria no desenvolvimento dos indivíduos de
modo realmente universal, tendo seu limite na totalidade da cultura material e intelectual até
então produzida. Uma consequência disso seria a contínua superação do desenvolvimento
pessoal já alcançado, o contínuo vir a ser da personalidade. A individualidade livre marxiana se
distancia da pós-modernidade, que tem um indivíduo fragmentado e que está em contínuo
estado de dissolução de sua identidade, e da sociedade do conhecimento, cuja noção é a de
aprender a aprender.
Marx afirma que o socialismo deve substituir a riqueza e a pobreza existentes na sociedade
capitalista pela "pessoa rica em necessidades humanas", i.e., pela individualidade cuja plena
realização e desenvolvimento necessitam da expressão da vida humana em sua totalidade.
Trata-se de uma meta a ser atingida e uma crítica ao fetichismo da individualidade.

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