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ambiental ::

Sustentabilidade portuária As mudanças climá!cas são a


grande questão ambiental do
não se resume apenas sistema portuário brasileiro.
Priorizar os modais aquaviários e ferroviários,
à boa polí!ca em detrimento do uso de caminhões para reduzir
a emissão de gases poluentes, é apenas o começo
ambiental
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O
s portos brasileiros, de uma
maneira geral e sem direcionar
aqui para um ou outro específi-
co e independente importância
frente à economia do País, ainda que muito
competitivos comercialmente falando, estão
aquém quando se fala em gestão sustentável.
E para especialistas no assunto, o sistema por-
tuário pode ser considerado um verdadeiro
calcanhar-de-aquiles para o desenvolvimento
sustentável da economia brasileira.
“Temos uma capacidade menor do que
a necessária para atender à demanda, o que
resulta em longas esperas para a realização de
embarques e desembarques, custos elevados
e perdas de mercadorias. Mas já há uma pre-
ocupação em inserir o princípio da sustenta- e transportes integrados é essencial para a fiscalização, do ponto de vista tecnológico,
bilidade na gestão portuária. Por outro lado, competitividade internacional do País, bem após a Lei de Modernização dos portos a
a Autoridade Portuária carece de biólogos, como para absorver as futuras demandas Autoridade Portuária depende muito dos
oceanógrafos e técnicos ambientais”, lembra geradas pelo crescimento econômico. “Tam- investimentos privados dos arrendatários e
Ieda Novais, diretora corporativa da BDO, bém é preciso que haja rigor na fiscalização operadores do porto. Não foram estabele-
quinta maior rede do mundo em auditoria, de vazamentos, no uso e ocupação do solo, cidos modelos contratuais e transacionais
tributos e advisory services. na certificação ambiental de todos os Portos eficazes, com bases de mudanças ao cenário
Vale lembrar que, a sustentabilidade não e na destinação dos resíduos”, completa a de transporte, por conceitos de uma logística
se resume apenas à boa política ambiental. diretora corporativa da BDO. verde, nem fortes dispositivos administrativos
Criar um ambiente de trabalho melhor estru- O vice-presidente de Transporte Ferro- protecionistas do ponto de vista do impacto
turado e seguir uma agenda de boas práticas viário da Câmara Brasileira de Contêineres, ambiental portuário”, destaca. Para o vice da
em saúde são medidas fundamentais, assim Transporte Ferroviário e Multimodal – CBC, CBC, as Autoridades Portuárias permanecem
como ter rentabilidade no negócio para torná- Washington Soares, pesquisador de políticas inertes, ou seja, sem poder de reação direta
lo perene. Estes são os três pilares da susten- sustentáveis e modais ecoeficientes, em espe- as mudanças pertinentes ao comportamento
tabilidade a serviço das partes interessadas cial o modal shift, vai mais à ferida. Segundo sustentável do mercado global.
do negócio portuário. ele, do ponto de vista ambiental, poucas Ao ser perguntado sobre quais seriam
“Mas as mudanças climáticas são a grande empresas que utilizam o sistema portuário as primeiras etapas a serem cumpridas para
questão ambiental e para reduzir os chama- nacional preocupam-se com as questões que a gestão portuária no Brasil se desse de
dos gases de efeito-estufa, é fundamental ambientais ou com a gestão do planejamento forma sustentável, Soares ressalta que a Lei dos
diminuir a queima de combustíveis fósseis. pró-ativo das emissões de gases prejudiciais Portos é falha neste ponto. “Do ponto de vista
Isso pode ser feito por meio da implantação ao efeito estufa, em zona portuária. do modelo de gestão sustentável, a reforma
de um sistema logístico mais eficiente: prio- “Não há obrigatoriedade explicita dos portuária brasileira a partir da Lei 8.630/93 (Lei
rizar os modais aquaviários e ferroviários, em controles da ecoeficiência na gestão sus- da modernização dos Portos), não contemplou
detrimento do uso de caminhões, é um bom tentável do transporte por parte dos órgãos de forma decisiva a gestão ambiental portuária.
começo”, afirma Ieda. reguladores do transporte para uma mobili- Muitos portos preservam as ferrovias dentro
Além disso, a viabilização de uma logística dade de carga sustentável. Além da escassa do porto organizado, mas sem qualquer obri-

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gatoriedade, à exemplo de Santos, outros - por mentos do porto. Esse modelo seria inovador Soares explica que, estatisticamente, o
escassez de capacidade estática para arma- para um porto público no País, mas acredito controle do comportamento organizacional
zenagem - preferem erradicar as ferrovias do que proporcionaria as condições necessárias do impacto ambiental já é possível, contudo,
porto, sem qualquer preocupação ambiental aos processos de ampliação, à contratação de deve-se analisar as áreas portuárias a partir
com a mobilidade sustentável da carga. Existem mão-de-obra qualificada e à implantação de do cálculo de emissões por softwares especí-
portos como o porto de Salvador e Porto de Rio uma boa gestão portuária”, defende. ficos com base nos dados geo-referenciados,
Grande, que ainda lutam por operacionalizar Já Soares reforça o fato de que, as autori- sobretudo, ao alistar a quantidade de carga
mais cargas ferroviárias. Entretanto, estes portos dades portuárias não obtiveram mecanismos movimentada, a cada tipo de modal que aces-
possuem acessos ainda muito escassos, e com protecionistas por força de lei que preservas- sar ou movimentar cargas, dentro das áreas
uma malha ferroviária portuária tecnicamente sem as ferrovias dentro do porto organizado, demarcadas pelo– Plano de desenvolvimento
deficiente, para atender maiores demandas, na principalmente, para evitar o impacto ambien- e Zoneamento da Baixada Santista - PDZBS.
plenitude de safras. tal da chegada das cargas aos portos. “Embora, Ao falarmos de políticas de gestão por-
Pontuar o papel da Autoridade Portuária, no discurso afirmem que a responsabilidade tuária sustentável é preciso voltar no tempo
enquanto poder público, e o das empresas é de todos, não é de ninguém. A Autoridade e olhar para nossa matriz de transportes
privadas (usuárias do sistema portuário) para Portuária poderia dar maior transparência atual. Afinal, ainda hoje, é difícil convencer o
a criação de uma política de gestão sustentá- ambiental, ao inventariar as emissões de ga- empresariado da importância do equilíbrio,
vel nos portos brasileiros não é simples. Entre- ses prejudiciais ao efeito estufa, controlando cabendo aqui a pergunta: Como deixar de
tanto, é sabido que poder público e iniciativa as áreas do porto, criando um indicador de lado uma cultura rodoviarista e passar, não só
privada devem trabalhar em conjunto para sustentabilidade específico ao porto. A ges- a equilibrar a matriz, mas também privilegiar
que haja uma maior eficiência nos portos. tão sustentável ocorreria com base em KPIs soluções logísticas que utilizem modais mais
Na visão de Ieda, o trabalho começa pela específicos para uma gestão portuária com ecoeficientes, como a ferrovia e a cabotagem?
definição de estratégias comerciais, financei- menor impacto ambiental, custos logísticos Para Ieda, trata-se de proceder a uma mu-
ras e de gestão. “Uma boa opção é transfor- de transbordos menores à logística, com dança de cultura, e isso, segundo ela, sempre
mar os portos em sociedades anônimas, de economia de escala, onde do ponto de vista caminha devagar. “Um bom estímulo seria tor-
modo que seja possível captar recursos no social, se promove o interesse dos usuários na nar mais convidativos os preços dos transportes
mercado e garantir a capacidade de investi- escolha dos modais mais ecoeficientes”, relata. via hidrovias e ferrovias. E também precisamos

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ampliar o alcance desses modais”, salienta. modais mais produtivos em transporte de car- composição com 60 vagões pode segregar
Soares reforça a tese e diz ainda que, para gas, sobretudo, para aqueles que apresentam aproximadamente 240 caminhões pesados
se fazer uma logística sustentável a cultura or- ganhos ambientais por mitigação de gases no das rodovias ou rotas urbanos, evitando os cus-
ganizacional multimodal é essencial na logística efeito estufa, com economia de escala”. tos indiretos de transportes na longa distância,
empresarial. Novas políticas públicas poderiam No atual cenário da logística sustentá- como pedágios, seguros e avarias ao evitar as
induzir o setor de transportes para esta prática, vel no transporte de cargas, os operadores barreiras geográficas que induzem conges-
sendo assim, um facilitador ao provocar o rece- logísticos buscam uma maior capacidade tionamentos e conflitos urbanos em diversas
bimento de subsídios por incentivos fiscais para de deslocamento de grandes volumes de regiões, principalmente, onde se depende de
realizar uma gestão sustentável de processos. carga, com elevada eficiência energética, soluções aos constantes gargalos do trânsito,
“Mas, todavia, é de conhecimento de principalmente, em casos de média e longa como na acessibilidade ou transposição da
todos que do ponto de vista do aspecto sócio- distância. Isto é possível porque geralmente Região Metropolitana do Estado de São Paulo”.
econômico, que a maioria dos shareholders os modais ecoeficientes apresentam van- Em pesquisas científicas realizadas no Ja-
(acionistas) das empresas optam pela pre- tagem competitiva aos demais, quando há pão e no Canadá, sobre práticas organizacio-
ocupação corporativa do lucro imediato, e Divulgação nais sustentáveis sobre o conceito de modal
assim acabam por esquecer da participação shift (troca Modal), conta Soares, observa-se
social, ou interferência dos demais agentes bem o resultado do impacto ambiental na
intervenientes do processo (stakeholders). troca modal. “Isso é possível por meio do
Entretanto, esta miopia de interesses refletem cálculo total da carga movimentada (em to-
na cadeia produtiva das empresas, que agem nelada) na área de distribuição de cargas, em
buscando apenas o lucro, a inexistência da determinado porto (ou área deste), o qual é
responsabilidade social corporativa ao deixar dividido pelo “split” (divisão) da movimenta-
de lado a preocupação da gestão ambiental ção da carga, por modal de transporte, onde
no processo produtivo, de bens e serviços, o resultado quantitativo obtido é inventaria-
onde normalmente a gestão ambiental é pre- do mensalmente para, posteriormente, se
terida por conta de ser interpretada apenas achar o fator de sustentabilidade do local. O
como custo adicional”, revela Soares. resultado obtido por modal é multiplicado,
O ponto positivo é que esta lógica, apre- por um fator de emissões de CO2 específico
sentada pelo vice Presidente de Transporte de cada modal. Este dado é comparado a
Ferroviário da CBC, vem sendo superada por outros dados de forma acumulativa, por
modelos globais inovadores com práticas diversos modais que acessaram o porto, com
organizacionais tais qual a logística verde,
ao conceituar entre outros modelos organi-
zacionais a importância da logística reversa
“ Temos uma capacidade
menor do que a necessária
condições tecnológicas segregadas, ou seja,
de acordo com o tipo de combustível do
veículo - conforme determina os padrões de
na cadeia produtiva por meio da importante para atender à demanda, cálculo de emissões de GHS – Green House
análise do ciclo de vida do produto possibi- o que resulta em longas Stuffing (gases do efeito estufa) apresentado
litam que as empresas enxerguem não só a esperas para a realização pelo IPCC- Intergovernamental Panel Climate
importância da preservação ambiental, mas de Change (2010), para análise qualitativa do
forma sistêmica, todos os pilares do desenvol-
de embarques e desem-
impacto ambiental no setor de transporte”.
vimento sustentável. “Especialmente, quando barques, custos elevados e As Autoridades Portuárias brasileiras, que
a empresa deixa transparente à sociedade o perdas de mercadorias realmente quiserem ter um modelo de gestão
impacto ambiental do processo produtivo, Ieda Novais, diretora portuária sustentável, precisarão recorrer à
sendo esta atitude de gestão essencial entre corpora!va da BDO pesquisadores e especialistas no conceito do
outras ações elementares de responsabilidade
social na governança corporativa”.
Ainda segundo Soares, dessa forma, para

melhor produtividade por maior capacidade
de transporte por veículo/viagem quando a
modal shift para poderem criar uma rotina de
cálculo de emissões de gases poluentes e assim
gerar opções para impulsionar - de maneira cor-
evitar a cultura rodoviarista em transporte de logística empresarial se utiliza de modais reta - a troca modal, incentivando seus usuários
cargas, ele entende que é necessário propor a ferroviários, hidroviários ou marítimos. a utilizarem-se de uma logística mais ecoefi-
qualificação do conceito de Modal Shift (troca Do ponto de vista do impacto sócio-eco- ciente. Até porque, conclui Soares: “o conceito
modal) com base na especialização da verten- nômico e ambiental, à exemplo da ferrovia, os de mobilidade portuária deveria ser feito por
te da ecoeficiência. “A logística verde fará com trens ajudam a descongestionar as principais equipamentos modernos, onde a carga seja
que as empresas e usuários do porto, assumam rodovias brasileiras, além de tornar mais movimentada dentro das áreas portuárias por
a responsabilidade sobre a melhor utilização econômico o processo de gestão logística. sucessivos eventos de transbordo sem a necessi-
da matriz de transportes para o País, focada em Soares dá um bom exemplo: “Uma única dade de transposição com veículos poluentes”.::

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