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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
Niterói, RJ
2017
1
Orientação:
Giovanni Semeraro
Niterói, RJ
2017
2
3
Banca examinadora
_________________________________________________
Orientador - Giovanni Semraro (UFF)
_________________________________________________
Ronaldo Rosas (UFF)
__________________________________________________
Marcos Del Roio (Unesp)
___________________________________________________
Rocco Lacorte (UNB)
___________________________________________________
Carlos Eduardo Rebuá (UFPB)
4
Para todas as mulheres que lutam e nunca desistem dos seus sonhos.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu filho, Ismael, pela paciência por tantas distâncias que este projeto
nos exigiu, mas que permaneceu com seu apoio e amor irrestrito, tão necessários para que
eu pudesse ter forças para continuar.
Agradeço a pessoa mais simples e especial que sempre me inspirou pela força e
esteve sempre presente em todas as horas de alegria e angústia, e me apoiou
incondicionalmente com seu amor, a D. Maria da Paz, minha mãe.
Agradeço aos amigos de todas as horas que me ensinaram a compreender melhor o
ser social na prática das relações tão mais humanizadas e humanizantes, especialmente a
Dani Castro e Marina Bueno que despretensiosamente realizaram este feito e se
consolidaram amizades tão valiosas que o Rio de Janeiro me deu.
Agradeço aos colegas do Nufipe, do GGramsci e da International Gramsci Society -
IGS/Brasil pelo compartilhamento de valorosas aprendizagens que contribuíram para o
desenvolvimento desse projeto.
Agradeço às valiosas contribuições dos professores Rocco Lacorte, Marcos Del
Roio, Ronaldo Rosas e Carlos Educardo Rebuá que compuseram a banca examinadora e
auxiliaram com o delineamento dos caminhos a seguir.
Um agradecimento especial ao meu mais que orientador, mas um mestre de vida,
Giovanni Semeraro, pela generosidade, acolhimento, incentivo e apoio humano, que me
ensinou muito mais que postulados teóricos, mas a práxis de uma nova forma de ser
humanizante, humanizadora das relações e do potencial transformador da vida real com a
simplicidade revolucionária do filósofo da práxis, sem o qual apoio, a realização desse
trabalho não teria jamais sido possível.
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Conhece-te a ti mesmo.
(Templo de Delfos)
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RESUMO
A filosofia da práxis se configura como uma nova concepção de mundo original que supera
todas as concepções anteriores em uma síntese, como um tertium datur inaudito. Gramsci,
no seu tempo enfrentou o revisionismo de diversas correntes de seguidores do fundador da
filosofia da práxis, bem como, de intelectuais que representam os anseios conservadores
dominantes. Desse modo que nos Cadernos do Cárcere, mormente o Caderno 11, realiza
uma crítica a Croce e Bukharin que engendram o marxismo em perspectivas positivistas,
economicistas e mecanicistas e equalizadoras dos conflitos sociais, operando uma
revolução passiva em termos teóricos que se desdobram na passividade diante da
necessária luta pela superação do capital. Nesse sentido que, com base especialmente em
Labriola e Lenin, desenvolve no conjunto dos Cadernos, uma recuperação do marxismo
dessas tendências regressivas e desenvolve todo um conjunto de reflexões teórico-práticas
sobre a integralidade e historicidade absoluta da filosofia da práxis e por isso, é uma
filosofia da imanência e do humanismo absoluto. Dessa forma, recupera o caráter
ontológico da filosofia da práxis, destacando os elementos ativos e históricos e, portanto,
do movimento dialético práxico entre ser e dever-ser como imanente e para a intervenção
consciente sobre este movimento imanente se faz necessária a tradutibilidade das
linguagens do real. Nesse sentido que a filosofia da práxis é educativa e fomenta uma
formação omnilateral, integral, pois a relação sujeito-objeto é unitária, dada a unidade
entre teoria e prática, e na medida que o sujeito age, traduz e produz a realidade, amplia a
sua formação com indivíduo e ser coletivo. Nesse espectro, a formação na perspectiva da
filosofia da práxis está voltada para o dever-ser, para a formação de novos tipos de
“Estado” e, para tanto, demanda a articulação consciente e coletiva das classes subalternas,
a formação do político em ato que se compreende como elemento de contradição imanente
e, munido da lógica da dialética práxica, busca descontruir o velho e construir um novo
modo de vida social em que a necessidade dê lugar à liberdade.
SINTESI
La filosofia della prassi è una nuova concezione del mondo originale che supera tutte le
concezioni precedenti in una sintesi, come un tertium datur senza precedenti. Gramsci, ai
suoi tempi, affrontò il revisionismo di varie correnti di seguaci del fondatore della filosofia
della prassi, nonché di intellettuali che rappresentavano i desideri conservatori dominanti.
Così, in Quaderno del Carceri, in particolare in Quaderno 11, critica Croce e Bucharin,
che generano il marxismo in prospettive positiviste, economiste e meccaniciste ed
equalizzatori di conflitti sociali, operando una rivoluzione passiva in termini teorici che si
svolgono nella passività di fronte al necessaria lotta per il superamento del capitale. In
questo senso, che, basato soprattutto su Labriola e Lenin, si sviluppa nel set dei Quaderni,
una ripresa del marxismo di queste tendenze regressive e sviluppa insieme di riflessioni
teorico-pratiche sulla completezza e l'assoluta storicità della filosofia della prassi e quindi
una filosofia di immanenza e assoluto umanesimo. Quindi, recupera il carattere ontologico
della filosofia della prassi, evidenziando gli elementi attivi e storici e, quindi, del
movimento dialettico praxico tra essere e dovrebbe essere come immanente e per
l'intervento consapevole su questo movimento immanente, è necessaria la traducibilità
delle lingue, del reale. In questo senso, la filosofia della prassi è educativa e favorisce una
formazione onnilaterale integrale, poiché la relazione soggetto-oggetto è unitaria, data
l'unità tra teoria e pratica e, mentre il soggetto agisce, traduce e produce realtà, si espande
la tua formazione con l'individuo e l'essere collettivo. In questo spettro, la formazione dal
punto di vista della filosofia della prassi si concentra sul dovrebbe essere, sulla formazione
di nuovi tipi di "Stato" e, per questo, richiede l'articolazione cosciente e collettiva delle
classi subordinate, la formazione del politico in azione che è inteso come elemento di
immanente contraddizione e, armato della logica della dialettica praxica, cerca di
decostruire il vecchio e costruire un nuovo modo di vita sociale in cui il bisogno lascia il
posto alla libertà.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................10
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................104
REFERÊNCIAS...............................................................................................................106
10
INTRODUÇÃO
idealismo objetivo hegeliano que tem como núcleo a dialética - uma das partes
constitutivas do marxismo, e portanto, segundo Lenin, colocam a concepção ontológica em
segundo plano.
Nesse prisma, assumimos como objetivo geral de nossa investigação elencar as
bases da filosofia da práxis e os elementos ontológicos nos escritos de Gramsci e, nesse
escopo, sua concepção de ser social. Para tanto, lançamos mão ainda dos seguintes
objetivos específicos, a saber: a) buscar recuperar a trajetória de formação filosófico-
política de Gramsci que o levou ao desenvolvimento da filosofia da práxis e nesse espectro
recuperar os elementos histórico-filosóficos que influenciaram o desenvolvimento e
constituição da Filosofia da Práxis como fonte de recuperação do marxismo do
revisionismo; b) aferir os elementos ontológicos da filosofia da práxis de Gramsci; c)
investigar nos escritos de Gramsci sua concepção de ser social e de formação humana,
conforme as bases ontológicas da filosofia da práxis.
Tendo em vista alcançar os objetivos propostos, lançamos mão de um estudo
teórico-bibliográfico, partindo das contribuições de Marx e Engels, especialmente, a
Miséria da Filosofia (2008) que Gramsci afirma ser um momento essencial da filosofia da
práxis que pode ser considerada como o desenvolvimento das Teses sobre Feuerbach.
Debruçamo-nos sobre a obra de Lukács e a concepção de ser social, nos capítulos do
“Trabalho”, da “Reprodução” e “Os princípios ontológicos fundamentais de Marx”
tratados na Ontologia do Ser Social, para compreendermos os caminhos que percorrera e
os fundamentos que o auxiliara na recuperação do legado marxiano do revisionismo e do
desenvolvimento da ontologia. Examinamos a obra de Antonio Labriola – introdutor do
marxismo na Itália - e de Lenin, para aferirmos a influência sobre Gramsci, sobretudo, as
obras Discorrendo sobre socialismo e filosofia e Ensaios sobre a concepção materialista
da História, bem como, Os Cadernos filosóficos, respectivamente. Munidos destes
pressupostos, realizaremos uma revisão bibliográfica da obra de Gramsci, buscando
elencar os elementos que condensam as categorias atinentes ao nosso objeto, e podem
fornecer os elementos que condensam a relação das bases ontológicas da Filosofia da
Práxis e a dimensão da formação humana, apoiadas mormente em sua obra carcerária,
precisamente na: Introdução ao estudo da filosofia (1932) – Caderno 11 (1932-1933), A
filosofia de Benedetto Croce – Caderno 10 (1932-1935), Americanismo e Fordismo –
Caderno 22 (1934) e Intelectuais e a Organização da Cultura – Caderno 12 (1932). Tendo
em vista, as parcas referências sobre a filosofia da práxis em português, nos apoiamos em
13
autores e obras do cenário italiano que podem contribuir para desvelar nosso objeto, entre
eles, Frosini (2003) e (2009), que tem se dedicado ao estudo da filosofia da práxis,
Badaloni (1975), entre outros.
Nesse viés, buscamos no primeiro capítulo, traçar o caminho do problema
histórico-social que se desenvolve a partir da luta de classes que tem repercussões teórico-
práticas e se apresenta a Marx nos aspectos políticos e filosóficos encravados na divisão
social do trabalho e na propriedade privada, bem como, os desvios surgidos no marxismo
com seus sucessores, especialmente a partir da Segunda Internacional. Problemas estes
representados pelo mecanicismo materialista ou reducionismo idealista, os quais Gramsci
buscou combater com vigor nos Cadernos. Nesse sentido, no segundo capítulo trazemos à
baila as primeiras aproximações da concepção materialista de ontologia e filosofia da
práxis, bem como, dos elementos ontológicos engendrados no pensamento do autor sardo,
dos quais destacamos sua concepção de ortodoxia, que a nosso ver, se revela como o termo
sinônimo de ontologia utilizado pelo autor sardo, o qual se reveste de originalidade ao
recuperar os elementos essenciais da filosofia da práxis para compreender e revolucionar a
vida social: a dialética práxica, a concepção original de imanência e tradutibilidade. Para
tanto, lançamos mão de autores que já empreenderam esforços nesse sentido, entre eles
Martelli (1996), Semeraro (2015), Losurdo (2015), além de outros autores como Kant
(2014), Hegel (2000), Lukács (2013), Marx (2007) e Gramsci (2011; 2014).
14
1
Os primeiros filósofos indagaram a existência de um princípio originário único, causa de todas as coisas
(arché) em torno da physis. Tales de Mileto, foi o primeiro a sistematizar ideias em torno da questão,
considerava a água o elemento originário. Com o deslocamento do eixo do cosmos para o homem efetuado
pelos sofistas, surge a metafísica com Platão, para quem a realidade ou o ser não é de um único gênero, pois
além do cosmo sensível existe também uma realidade inteligível. Ver. REALE (1990).
15
2
Embora Aristóteles desenvolva a concepção de movimento de forma articulada com sua concepção de ato e
potência em devir, Heráclito que herda dos milésimos o dinamismo universal e o desenvolve indicando o
devir como característica estrutural de toda a realidade como passagem dinâmica ordenada de contrário ao
outro que no conjunto se compõe em harmonia de contrários. Ver: REALE, 2003.
16
3
“A burguesia tinha a noção correta de todas as armas que ela havia forjado contra o feudalismo começavam
a ser apontadas contra ela própria, que todos os recursos de formação que ela havia produzido se rebelavam
contra a sua própria civilização, que todos os deuses que ela havia criado apostataram dela”. MARX, Karl. O
18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011.
4
Ver El asalto a la razón de György Lukács.
17
5
“Admito sem hesitar: a recordação de David Hume foi exatamente aquilo que, há muitos anos, primeiro
interrompeu meu sono dogmático e deu uma direção completamente diversa às minhas investigações no
campo da filosofia especulativa.” (KANT, 2014, p.28)
6
A relação e distinção entre fenômeno e noumenon será desenvolvida posteriormente.
7
“Aja apenas segundo a máxima que você gostaria de ver transformada em lei universal”. (Metafísica da
moral, 1797)
18
8
Eduard Bernstein congregava a direita revisionista neokantista e o Partido Social-Democrata da Alemanha.
Expõe suas ideias de um ‘socialismo evolucionário’ especialmente em Os pressupostos do socialismo e as
tarefas da social-democracia.
9
Kautsky foi o mais destacado pensador marxista da Segunda Internacional entre 1889 e 1914 e
desempenhou um importante papel na consolidação do marxismo como disciplina intelectual. De 1885 a
1890 viveu em Londres, trabalhando em estreita colaboração com Engels na organização dos manuscritos
marxianos. Após trabalhar com Engels na década de 1880, traduziu A miséria da filosofia, de Marx, e, mais
tarde, editou as Teorias de mais-valia. Escreveu várias obras de difusão das teorias econômicas e filosóficas
de Marx e aplicou o marxismo à investigação das origens do cristianismo (1908) e da natureza do
pensamento religioso utópico. Sua orientação intelectual inicial pendeu para o materialismo científico
natural, em particular o de Buckle, Haeckel e Darwin, e a sua concepção do marxismo permaneceu
enquadrada nesse molde para o resto de sua vida. Essa sua concepção do marxismo como um materialismo
científico natural aplicado à sociedade explicita-se integralmente em Die materialistische
Geschichtsauffassung (A concepção materialista da história, 1927). O apego aos aspectos mais deterministas
da teoria marxista levou-o a um conflito crescente com aqueles que encaravam o marxismo como um guia
para a ação revolucionária e não simplesmente como um método de análise. Ver: BOTTOMORE, Tom.
Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
10
Principal representante do austromarxismo, vislumbrava o socialismo como problema ético, de valores e o
ideal de liberdade. Ligou o marxismo à tradição filosófica alemã, especialmente às correntes neokantistas,
bem como, às correntes positivistas. As bases conceituais e teóricas do austromarxismo foram desenvolvidas
principalmente por Adler, para quem o marxismo era “um sistema de conhecimento sociológico (…) a
ciência das lei da vida social e de seu desenvolvimento causal” (Adler, 1925, p.136). Na primeira de suas
obras importantes (1904), Adler analisou cuidadosamente a relação entre a causalidade e a teleologia e nesse
trabalho, bem como em escritos posteriores, ressaltou a diversidade das formas de causalidade, insistindo em
que a relação causal na vida social não é “mecânica”, e sim mediada pela consciência. Essa ideia está
expressa vigorosamente num estudo sobre a ideologia (1930, p.118), onde Adler argumenta que até mesmo
“os próprios fenômenos econômicos não são nunca ‘materiais’ no sentido materialista, mas têm precisamente
um caráter ‘mental’”. Para Adler, o conceito fundamental da teoria da sociedade de Marx era a “humanidade
socializada” ou “associação social”, que Adler tratou, à maneira neokantiana, como “transcendentalmente
dado como categoria do conhecimento” (1925), isto é, como um conceito proporcionado pela razão e não
deduzido da experiência, que é a precondição da ciência empírica. É a formulação desse conceito,
argumentou ele, que faz de Marx o fundador de uma verdadeira ciência da sociedade. Ver: BOTTOMORE,
Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
11
A Teoria do Materialismo Histórico – Manual Popular de Sociologia Marxista escrito por Bukharin foi
publicado pela primeira vez em 1921 o Manual tornou-se um texto muito utilizado na formação dos
trabalhadores na Itália, transformando-se numa fonte de divulgação do marxismo no país. Conferir Caderno
10 - Introdução ao estudo da Filosofia, no qual Gramsci critica o revisionismo de Bukharin e o denomina de
Ensaio Popular, termo o qual utilizaremos ao nos referirmos a esta obra.
19
12
Conforme Coutinho, Gramsci e Lukács são os dois maiores marxistas do século XX pela dedicação e
esforço de recuperação do marxismo das incrustações positivistas, o diferencial de ambos é a base filosófica
de suas formações sustentada em Hegel.
20
13
O período conhecido como Primavera dos povos demarca o início de um novo tempo de lutas. Em 1830,
após as Jornadas Gloriosas começa o processo de decomposição da filosofia burguesa clássica que termina
com a revolução de 1848 e o proletariado surge como força autônoma capaz de resolver os conflitos e
antinomias. Desse modo, as teorias revolucionárias, como o marxismo, começam a ganhar densidade. Ver
Coutinho (2010).
14
Organização internacional fundada em 1864 em Londres que visava unir socialistas, comunistas,
sindicalistas anarquistas em resposta à pressão dos patrões que ameaçavam importar mão-de-obra para frear
as greves.
15
Primeiro governo propriamente do povo que durou de 26 de março a 28 de maio e que, neste curto período,
proporcionou mais avanço que qualquer governo anterior.
21
16
Nesse intervalo entre o fim da I Internacional e fundação da II, ocorre a fundação do Partido Social
Democrata Alemão – PSD em 1875 da qual participaram Marx e Engels, e em 1877 Engels escreve
Antiduhring, considerada sua maior contribuição ao marxismo.
17
Camarada de Engels, gozava de grande prestígio no Partido Social-Democrata da Alemanha, congregava a
direita revisionista neokantista.
18
Crítico à posição de Kautsky, Lenin escreve em 1918 A revolução russa e o renegado Kautsky.
22
19
“Trotski descreve a reunião da seguinte maneira: “Acomodamo-nos como pudemos em quatro carros e
tomamos o caminho da serra. As pessoas ficavam olhando com curiosidade essa estranha caravana. Para nós
não deixava tampouco de ser engraçado que, cinquenta anos depois de fundação a I Internacional, todos os
internacionalistas do mundo pudessem caber em quatro carros. Porém naquela brincadeira não havia o menor
ceticismo. O fio da história se rompe com frequência. Quando ocorre tal coisa, não há nada há fazer senão
juntá-lo de novo. Isso é precisamente o que íamos fazer em Zimmerwald”. (SAGRA, p. 35, 2010)
20
Entre as 21 condições, destacam-se as exigências: “propaganda e agitação dos partidos que tivessem um
caráter comunista. A imprensa deveria estar submetida ao Comitê Central do partido. Os reformistas
deveriam ser descartados de todos os postos importantes. Deveria realizar-se uma luta enérgica contra os
reformistas e centristas. O partido deveria estar fortemente centralizado e usar o nome de Partido Comunista
(seção da Internacional Comunista)”(SAGRA, 2010, p. 45).
23
acúmulo suficiente para interpretar o mundo no sentido material das relações, em sua
totalidade e contradições. Estas bases o permitiram perceber a distinção das esferas do real,
do ser - natureza e história, bem como, o momento predominante de cada esfera.
[...] nada disso [cultura] pode ocorrer por evolução espontânea, por ações
e reações independentes da própria vontade, como ocorre na natureza
vegetal e animal, onde cada ser singular seleciona e especifica seus
próprios órgãos inconscientemente, pela lei fatal das coisas. O homem é
sobretudo espírito, ou seja, criação histórica e não natureza. (GRAMSCI,
2004, p.58)
A filosofia como “história em ato”, não pode ser reduzida a mera interpretação
dogmática do mundo, mas a uma ativa e vivente práxis que situa a racionalidade dialética
em um humanismo de novo tipo que integra e funde o idealismo e o materialismo em uma
nova dinâmica que expressa as novidades históricas, bem como, as contradições
fundamentais da sociedade, entre elas, a luta de classes.
Esse embargo teórico-prático precisa ser superado, pois compreendemos que a luta
de classes continua a ser o pano de fundo das contradições da ordem capitalista e que o seu
acirramento que irrompe crises político-econômicas no Brasil e em todo o mundo, coloca
na ordem do dia a necessidade de que a
É o teor inaudito dessa unidade que coloca a filosofia da práxis no patamar de uma
ontologia de novo tipo, de uma nova perspectiva do ser social, terrena, mundana, desse
modo, uma perspectiva ontológica que abarca a totalidade do ser social e suas complexas e
contraditórias relações.
2 A práxis revolucionária
24
“a ciência dos conceitos ou categorias gerais que nascem da ciência política” (GRAMSCI, [1933] 2011,
331)
27
25
Professor de filosofia em Roma, foi influenciado inicialmente pelo hegelianismo e depois pela psicologia
associacionista de Herbart, tornou-se marxista em fins da década de 1880. Labriola foi o primeiro “marxista
acadêmico” da Europa. Sua obra mais conhecida é Saggi sul materialismo storico (1895 e 1896). O
marxismo de Labriola era aberto e mesmo em seus trabalhos mais tardios ele se recusou a enquadrar todas as
suas ideias em um esquema abrangente de pensamento. O grande valor da teoria marxista da história, a seu
ver, era ter superado as abstrações de uma teoria de “fatores” históricos: “As várias disciplinas analíticas que
ilustram os fatos históricos terminaram por mostrar a necessidade de uma ciência social geral, que unificará
os diferentes processos históricos. A teoria materialista é o ponto culminante dessa unificação.” Mas esse
princípio unificador teria que ser interpretado de um modo flexível: “A estrutura econômica subjacente, que
determina todo o resto, não é um simples mecanismo, do qual instituições, leis, costumes, pensamento,
sentimentos, ideologias emergem como efeitos automáticos e mecânicos. Entre essa estrutura subjacente e
todo o resto, existe um processo complexo, amiúde sutil e tortuoso, de derivação e mediação, que pode nem
sempre ser descoberto” (Labriola, 1904, p.149 e 152). Ver: BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento
marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
28
Popular de Bukharin. Segundo Gramsci, Bukharin pressupõe, mas não expõe a dialética
que subordinando o marxismo ao materialismo burguês pré-marxista, retira o potencial de
superação do idealismo e do materialismo tradicional.
Sem a base dialética,
Por outro lado, o marxismo sofria, através do idealismo italiano crociano, o ataque
filosófico e teórico burguês que visava liquidá-lo, mutilando a dialética hegeliana e
reduzindo o princípio da luta dos opostos a mera questão escolástica. Dessa forma, de
acordo com Martelli (1996, p.16), para recuperar o autêntico marxismo era preciso investir
na “redialetização” do marxismo como tarefa primeira. Pois, a concepção dialética da
história é capaz de dar as condições necessárias para a realizar a tradutibilidade do real em
suas complexas conexões e contradições imanentes.
Frente às posições revisionistas e a necessidade de recuperar a dialética, Gramsci
afere as distinções interpretativas entre a concepção hegeliana e marxiana de síntese e
superação do materialismo e idealismo através da concepção de dialética do movimento
triádico de Aufhebung – negação, suprassunção, conservação. No primeiro caso, a
interpretação se centra na conciliação eclética dos opostos. No segundo caso – afinada com
a filosofia hegeliana – implica o confronto entre os opostos e a destruição de um oposto e
reabsorção pelo outro originando assim uma nova tese. Este seria o lastro lógico-
ontológico da filosofia da práxis e sua base como filosofia independente e autônoma que
supera toda a filosofia anterior. Pois conforme Gramsci, “uma teoria é de fato
revolucionária na medida em que é elemento de separação e distinção consciente em dois
campos, enquanto é um vértice inacessível ao campo adversário” (GRAMSCI, 2011,
p.152, [Q11, 1434]).
Dessa forma, Gramsci ao recuperar as bases do marxismo, recupera toda a sua
dimensão revolucionária que se expressa tanto em seu aspecto filosófico pela superação da
filosofia precedente quanto em seu aspecto político enquanto base de organização e ação
30
29
“A filosofia da práxis, em seu fundador, reviveu toda esta experiência, de hegelianismo, feuerbachianismo,
materialismo francês – para reconstruir a síntese da unidade dialética: ‘o homem que caminha sobre as
próprias pernas’. O dilaceramento ocorrido com o hegelianismo se repetiu com a filosofia da práxis, isto é, da
unidade dialética se voltou ao materialismo filosófico, ao passo que a alta cultura moderna idealista tentou
incorporar da filosofia da práxis aquilo que lhe era indispensável para encontrar algum novo elixir.”
(GRAMSCI, [1933] 2007, p.38)
30
Il riferimento al Labriola significa dunque il progetto teórico di Gramsci di ricostituire l´unità del
marxismo. La realizzazione di tale progetto non significa però, per lui, la possibilità di saltare oltre la
scissione interna alla filosofia di Labriola prodotta da Sorel e da Croce, ma significa invece il progetto di
ricostruire la sua unità teórica a partire da tale scissione e separazione. (BADALONI, 1975, 130) “A
referência a Labriola significa portanto o projeto de Gramsci de reconstituição da unidade do marxismo. A
realização de tal projeto não significa, portanto, para ele, a possibilidade de saltar além da divisão interna
para a filosofia de Labriola produzida por Sorel e Croce, mas sim o projeto de reconstruir sua unidade teórica
a partir dessa divisão e separação.” (Tradução livre)
31
De fato, conforme Martelli (1996), Marx afirma que após Hegel houve a
restauração do materialismo francês do século XVIII pela filosofia idealista alemã do
século XIX que proporcionou a superação da concepção metafísica do homem, através do
processo de negação e subsunção do idealismo e materialismo em um novo tipo de
humanismo. Para além de qualquer reducionismo a esquema mecânico, Marx dá origem a
um materialismo omnilateral que contém o homem e a história humana, portanto, um
materialismo humanista, do qual o realismo filosófico é apenas um componente.
Este componente configura-se como a tese fundamental necessária – a tese da
existência independente da realidade a que se refere Gramsci – mas não suficiente para
expressar a ideia marxiana de um materialismo integral (allseitiger), como assevera
Martelli (1996, p.20).
A originalidade do materialismo marxiano gerou a necessidade de uma nova
terminologia que expressasse com fidelidade seu pensamento. No Caderno 1131, Gramsci
problematiza o termo ‘materialismo’ e a fórmula ‘dialética materialista’ que nunca foi
utilizada por Marx, mas o termo ‘racional’ para contrapor-se ao misticismo. Pois seu
método dialético, exposto no Capital, refere-se a uma dialética científica, com base na
relação conhecimento-realidade, ideias-fatos, pensamento-ser.
Para Marx, o elemento ideal não é nada mais que o elemento material transferido e
traduzido (umgesetzt und übersetzt) no cérebro dos homens, contudo, sua concepção de
transferência e tradução não corresponde à teoria mecanicista do reflexo32, mas à
implicações ativas que Marx esboçou nas Teses sobre Feuerbach. Nesse sentido, Gramsci
polemiza em termos de conteúdo com Bukharin e o marxismo ortodoxo de Plekhanov, o
qual acolhe o termo materialismo com base iluminista francesa, reduzindo o materialismo
histórico ao materialismo metafísico tradicional, lançando fora o elemento essencial da
31
§16. Questão de nomenclatura e de conteúdo. 1932. Q 1406.
32
Como em Bukharin. Para ter acesso a uma concepção dialética do reflexo, ver A Ontologia do Ser Social
de Lukács (2013).
32
originalidade marxiana: a dialética, a história. Pois, “la nuova filosofia non puó coincidere
com nessun sistema del passato, comunque esso si chiami. Identitá di terminni non significa
identitá di concetti [...] poiché sotto lo stesso cappello possono stare teste diverse.”33 (Q11, 1410-
1411)
Gramsci, nos Cadernos 10 e 11, utiliza a nova expressão “filosofia da práxis” para
substituir materialismo histórico, recuperando a centralidade de Labriola para o
renascimento do marxismo e, portanto, sua concepção e definição do marxismo. O
processo de constituição da filosofia da práxis se configurou em um movimento de
conservação e superação de concepções e termos, na medida em que Gramsci ia
desenvolvendo seu pensamento34. Desse modo, devido ao estorvo que o termo
materialismo35 se tornou para a concepção teórico-prática original de Marx e a necessidade
filosófica de sua renovação, Gramsci abandona o termo materialismo. Conforme Martelli
(1996, p.23), a metamorfose linguística ocorre entre a metade de abril e maio de 1932
quando se dedica aos Cadernos especiais, mormente, os Cadernos 10 e 11. A virada
terminológica de Gramsci, segundo Martelli (1996), coincide com a virada histórica do
marxismo russo exposta por Mirsky36 em um artigo no qual problematiza o confronto entre
dialética e mecanicismo e a primeira sai vitoriosa sobre o segundo. O que corresponde à
derrota política de Bukharin – último adversário de Stalin – transformando o marxismo de
“religião dos subalternos em cultura e força hegemônica e dirigente”, como afirma Martelli
(1996, p.23) ao retomar Gramsci.
A questão que se coloca é a relação unitária entre teoria e prática desenvolvida nas
Teses sobre Feuerbach. Para tanto, Gramsci busca recuperar a posição original de Labriola
33
“a nova filosofia não pode coincidir com nenhum sistema do passado, não importa qual seja o seu nome.
Identidade de termos não significa identidade de conceitos [...] já que, sob um mesmo chapéu, podem estar
diferentes cabeças.” (GRAMSCI, [1932] 2011, 129).
34
Verificar as passagens dos Cadernos de 1930 (Q 433) – Problemi fondamentali del marxismo – “Di questa
espressione materialismo storico si é dato il maggior peso al primo membro, mentre dovrebbe essere dato
alsecondo [...]; e de 1932 (Q 1437) – Concetto di ortodossia – Si è dimenticato in uma espressione ne molto
comune che occorreva posare l´accento sul secondo termine storico e non sul primo di origine metafisica.
35
Uma das causas é a cultura positivista-vulgar que o termo materialismo assumiu no PSI e na II
Internacional, a qual Gramsci reagiu entusiasmando-se pelo neoidealismo italiano – sua contratendência.
36
D.P. Mirsky nasceu em família nobre russa, cedo largou o título e emigrou para a Grã-Bretanha onde na
Universidade de Londres ensinou literatura russa. Em 1931, juntou-se ao Partido Comunista na Grã-Bretanha
e em 1932 retornou a Rússia. Em 1937 morreu nos campos de trabalho. A ele foi creditado o termo Nacional-
bolchevismo.
33
37
[...] no trabalho assim integralmente entendido está implícito o desenvolvimento respectivamente
proporcionado e proporcionais das atitudes mentais e das atitudes operativas, bem como, no conceito da
história do trabalho está sempre implícita a forma social do trabalho em si e a variação desta forma: o homem
histórico é sempre o homem social, e o pretenso homem pré-social, ou super-social, é uma parte da fantasia: -
e assim por diante. (Tradução livre)
38
Giovanni Gentile representante do neoidealismo italiano desenvolveu o attualismo que resulta da síntese
“dialética” de correntes contrastantes, a saber, o idealismo transcendental de Kant e o idealismo absoluto de
Hegel, a qual desemboca na ideia de Estado ético apropriada pelo fascismo. Giovanni Gentile foi ministro da
educação do governo fascista italiano e encabeçou a Reforma educacional em todos os graus de ensino nos
moldes neoidealistas.
39
Fichte foi um filósofo alemão, na esteira de Kant, procurou a demonstração científica da liberdade. Ver:
Fichte. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
40
Gentile, 1899, pp.68-69.
34
41
Rodolfo Mondolfo, filósofo ítalo-argentino, iniciou sua carreira universitária substituindo Roberto Ardigó
na Universidade de Padova, de quem herdou e nunca superou completamente o fundamento positivista. Nos
Cadernos, Gramsci busca distingui-lo de Labriola, ainda que reconheça a seriedade dos seus estudos,
especialmente seus estudos sobre a obra de Engels. Dizionario gramsciano (1926-1937). Roma: Carocci,
2009.p.558.
42
Roberto Ardigó foi o principal representante do positivismo italiano. Professor da Università di Padova,
contribuiu para a difusão da teoria da evolução, à nascente psicologia e à pedagogia nova e propunha uma
filosofia que abarcasse o âmbito das ciências naturais, psicologia e sociologia.
43
“O público popular [...] crê que o mundo exterior seja objetivamente real, mas precisamente aqui surge o
problema: qual é a origem desta ‘crença’ e que valor crítico tem ‘objetivamente’? De fato, esta crença é de
origem religiosa, mesmo se quem dela partilha seja religiosamente indiferente. Dado que todas as religiões
ensinaram e ensinam que o mundo, a natureza, o universo, foi criado por Deus antes da criação do homem e,
35
portanto, que o homem já encontrou o mundo pronto e acabado, catalogado e definido de uma vez por todas,
esta crença tornou-se um dado férreo do senso comum”. (GRAMSCI, [1932] 2011, p.130)
44
Solipsismo – concepção filosófica ceticista que afirma que para além de nós só existem nossas
experiências. Atribuída como reação a Hegel e sua concepção do universal, reduz toda a realidade ao sujeito
pensante.
45
Il noumeno kantiano. Se la realtà è come noi la conosciamo e la conscenza muta continuamente, se cioè
nessuna filosofia è definitiva ma è storicamente determinata, è difficile immaginare che la realtà
oggetivamente muti col nostro mutare ed è difficile ammeterlo non solo per il senso comune ma anche per il
pensiero scientifico (Q11, 1290) “O númeno kantiano. Se a realidade é como nós a conhecemos e, se nosso
36
48
“Para a filosofia da práxis o ser não pode ser separado do pensar, o homem da natureza, a atividade da
matéria, o sujeito do objeto; se se faz esta separação, cai-se numa das muitas formas de religião ou na
abstração sem sentido.” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.175)
38
49
“O idealismo atual faz coincidir verbalmente ideologia e filosofia (o que, em última análise, nada mais é do
que um dos aspectos da unidade superficial postulada por ele entre real e ideal, entre teoria e prática, etc.)
(GRAMSCI, [1932] 2011, p.423)
50
“L´individuo non entra in rapporti com gli altri uomini per giustapposizione, ma organicamente, cioè in
quanto entra a far parte di organismi dai più sempliciai più complessi. Così l´uomo non entra in rapporto
com la natura semplicemente, per il fato di essere egli stesso natura, ma attivamente, per mezzo del lavoro e
la técnica” (Q10, 1345). “O indivíduo não entra em relação com a natureza por justaposição, mas
organicamente, isto é, na medida que começa a fazer parte de organismos, dos mais simples aos mais
complexos. Deste modo, o homem não entra em relações com a natureza simplesmente pelo fato de ser ele
mesmo natureza, mas ativamente, por meio do trabalho e da técnica”. (GRAMSCI, 2011, p. 413)
51
“È indubbio che l´affermarsi del método sperimentale separa due mondi della storia, due epoche e inizia il
processo di dissoluzione della teologia e della metafisica, e di sviluppo del pensiero moderno, il cui
coronamento è nella filosofia della praxis.” (Q11, 1449) “É indubitável que a história da experimentação
separa dois mundos da história, duas épocas e inicia o processo de dissolução da teologia e da metafísica e de
desenvolvimento do pensamento moderno, cujo coroamento está na filosofia da práxis.” (GRAMSCI, 2011,
p. 166)
39
52
“Bisogna dunque distinguere tra ideologie storicamente organiche, che sono cioé necessarie a uma certa
struttura, e ideologie arbitrarie, razionalistiche, ‘volute’. In quanto storicamente necessarie esse hanno uma
valità che é valita ‘psicologia’, esse organizzano’ l emasse umane, formano il terreno in cui gli uomini si
muovono, acquistano coscienza della loro posizione, lottano ecc”. (Q868) “É necessário, por conseguinte,
distinguir entre ideologias historicamente orgânicas, isto é, que são necessárias a uma determinada estrutura,
e ideologias arbitrárias, racionalísticas, “voluntaristas”. Enquanto são historicamente necessárias, as
ideologias tem uma validade que é validade “psicológica”: elas “organizam” as massas humanas, formam o
terreno no qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc.” (GRAMSCI,
2011, p. 237)
53
“A filosofia da práxis ‘absorve’ a concepção subjetiva da realidade (o idealismo) na teoria das
superestruturas; absorve-o e o explica historicamente, isto é, ‘supera-o` e o reduz ao seu ‘momento’. A teoria
das superestruturas é a tradução da concepção subjetiva da realidade em termos historicista.” (GRAMSCI,
[1932] 2011, p.315)
40
de uma nova ontologia de caráter histórico-social, com base na atividade criadora humana
como fundadora de uma nova esfera especificamente humano-social, a esfera de um novo
ser, o ser social.
Pelo acento dado à superestrutura humana e social para contrapor-se ao
materialismo vulgar, Gramsci é acusado por muitos que fazem leituras aleatórias de sua
obra, como teórico da política ou teórico da superestrutura. Contudo, sua concepção não se
funda em qualquer tipo de cisão, mas de uma compreensão de totalidade dialética das
dimensões da realidade e, portanto, de uma relação dialética entre estrutura e
superestrutura e não mecânica, como ele afirma nos Cadernos,
56
“[...] o significado da dialética só pode ser concebida em toda a sua fundamentalidade se a filosofia da
práxis for concebida como uma filosofia integral e original, que inicia uma nova fase na história e no
desenvolvimento mundial do pensamento, na medida em que supera (e, superando, integra em si os seus
elementos vitais) tanto o idealismo quanto o materialismo tradicionais, expressões das velhas sociedades. Se
a filosofia da práxis é pensada apenas como subordinada a uma outra filosofia, é impossível conceber a nova
dialética, na qual, precisamente, aquela superação se efetua e se expressa.” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.143)
42
precedentes e à relação teoria e prática. A filosofia da práxis elaborada pelo filósofo sardo
constitui-se, desse modo, em total conformidade com os fundamentos marxianos expressos
nas Teses sobre Feuerbach.
É certo que Lenin, assim como Labriola, teve forte influência sobre Gramsci,
contudo, não encontramos até aqui evidências de que Gramsci tenha acessado seus
Cadernos Filosóficos, nos quais se debruça sobre a dialética de Hegel e neles avança em
57
“Poder-se-á indagar se a filosofia da práxis não é, precisa e especificamente, uma teoria da história; ao que
se responde que isto é verdade, mas que é impossível, por isso mesmo, destacar da história a política e a
economia, mesmo em suas fases especializadas, de ciência e arte da política e de ciência e política
econômica. Ou seja: após ter realizado a tarefa principal na parte filosófica geral (que é a filosofia da práxis
propriamente dita: a ciência da dialética ou gnosiologia, na qual os conceitos gerais da história, de política,
economia, se relacionam em unidade orgânica)” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.166).
43
58
A primeira edição de Materialismo e Empiriocriticismo data de 1908, enquanto os Cadernos Filosóficos
foram publicados postumamente em 1929-1930.
59
Durante a Primeira Guerra Mundial (setembro a dezembro de 1914, três anos antes da Revolução Russa),
Lenin foi exilado em Berna na Suíça, período em que se dedicou ao estudo da Ciência da Lógica de Hegel.
44
Se queste tre attività sono gli elementi costitutivi necessari di uma stessa
concezione del mondo, necessariamente deve esserci, nei loro principii
teorici, convertibilità da una all´altra, traduzione reciproca nel proprio
specifico linguaggio di ogni elemeno costitutivo: uno è implicito
nell´altro, e tutti insieme formano um circolo omogeneo.60 (Q 11, 1492)
60
“Se estas três atividades são os elementos constitutivos de uma mesma concepção do mundo, deve existir
necessariamente, em seus princípios teóricos, convertibilidade de uma na outra, tradução recíproca na
linguagem específica própria de cada elemento constitutivo: um está implícito no outro e todos, em conjunto,
formam um círculo homogêneo.” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.209)
45
61
“A filosofia da práxis continua a filosofia da imanência, mas depurando-a de todo o seu aparato metafísico
e conduzindo-a ao terreno concreto da história”. (GRAMSCI, [1932] 2011, 156)
62
“É na prática que o homem tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior
[imanente] [Diesseitigkeit] de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não realidade do pensamento
– que é isolado da prática – é uma questão puramente escolástica.” (MARX, [1845] 2007, p.533)
63
“Quando se diz que Marx usa a expressão "imanência" num sentido metafórico, nada é dito: na verdade
Marx dá ao termo "imanência 'um significado próprio, ou seja, ele não é um “panteísta", no sentido
metafísico tradicional, mas é um "marxista" ou “materialista histórico”. Nesta expressão "materialismo
histórico" é dado o maior peso ao primeiro membro, enquanto deveria ser dado ao segundo: Marx é
essencialmente um historicista, etc.” (Tradução livre)
46
64
“A filosofia da práxis como resultado e coroamento de toda a história precedente. Da crítica ao
hegelianismo, nascem o idealismo moderno da filosofia da práxis. O imanentismo hegeliano torna-se
historicismo; mas só é historicismo absoluto com a filosofia da práxis, historicismo absoluto ou humanismo
absoluto.” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.264-265)
65
“[...] não é verdade que a filosofia da práxis destaque a estrutura das superestruturas; ao contrário, ela
concebe o desenvolvimento das mesmas como intimamente relacionado e necessariamente inter-relativo e
recíproco [...] Será que a estrutura é concebida como algo imóvel e absoluto, ou, ao contrário, como a própria
realidade em movimento? A afirmação das Teses sobre Feuerbach, de que o ‘educador deve ser educado’,
não coloca uma relação necessária de reação ativa do homem sobre a estrutura, afirmando a unidade do
processo real?” (GRAMSCI [1932] 2011, p369-370).
47
da história, de ser social. Contudo, conforme Martelli (1996, p.59), a diferença dessa
concepção de síntese residiria na visão de Lukács que põe no trabalho o papel de modelo e
protoforma como atividade teleológica e em Gramsci seria a síntese da maturidade do
ambiente e a atividade subjetiva do homem, o movimento histórico. A nosso ver, ambos
convergem inclusive nesse aspecto, tendo em vista que independente da complexidade do
desenvolvimento e da maturação histórico-social, a atividade humana atravessa toda a
dimensão histórico-social, e portanto, está sempre atravessada pela prévia-ideação e
objetivação, seja na relação com a natureza, seja na relação com os outros homens, a qual
se origina no trabalho.
Da relação estrutura e superestrutura atravessada pela luta de classes salta a
necessidade de transformação do mundo, para tanto, a necessidade de conhecê-lo.
Contudo, conhecimento e transformação são permeadas pelo valor da ideologia que se
apresena nos complexos superestruturais, a política, as formas jurídicas, a filosofia, a arte,
a educação, a religião. A partir do prisma da relação orgânica e recíproca entre estrutura e
superestrutura, a ideologia ocupa posição central na dimensão gnosiológica dialética, por
se configurar como o ponto de conexão, de mediação, entre teoria e prática, conhecimento
e ação. Contudo, pode assumir distintas funções sociais, ou seja, o papel político cultural
conservador das ideias dominantes pela conciliação de interesses opostos ou transformador
e revolucionário como a própria filosofia da práxis que na medida em que se torna
consciência social, torna-se força socialmente transformadora do mundo ao impulsionar a
ação das classes subalternas, a filosofia das contradições.
Essa força operosa se concretiza nas instituições da sociedade civil, os aparelhos de
hegemonia que buscam, educam e organizam o consenso através do controle das atividades
políticas, culturais e intelectuais das massas. Nesse viés, se concretiza o caráter educativo
da filosofia da práxis, pois
66
“É preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção
e que podem ser apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais e as formas jurídicas, políticas,
religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas em que os homens adquirem
consciência deste conflito e lutam para resolvê-lo.” (MARX, Prefácio à Crítica da Economia Política, 1859)
48
67
“Os filósofos apensas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa agora é transformá-lo”.
(MARX, 2007, p.535)
68
“Pode haver reforma cultural, ou seja, elevação civil das camadas baixas da sociedade, sem uma anterior
reforma econômica e uma modificação na posição social e no mundo econômico? [...] uma reforma
intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a um programa de reforma econômica; mais precisamente,
o programa de reforma econômica é exatamente o modo concreto através do qual se apresenta toda reforma
intelectual e moral.” (GRAMSCI, [1932] 2011b, p.19)
49
69
“[...] limitar-se à simples enunciação teórica de princípios ‘claros’ de método: esta era pura ação da
‘filosofia’ do século XVIII. O trabalho necessário é complexo e deve ser articulado e gradual: deve ser
dedução e indução combinadas, lógica formal e dialética, identificação e distinção, demonstração positiva e
destruição do velho. Porém, não em abstrato, mas em concreto, sobre a base do real e da experiência efetiva.”
(Tradução livre)
50
coletiva de uma civilização superior, uma cultura da práxis que apreende conscientemente
o real com esforço e reflexão para sua constante transformação. Pois a concepção dialética
da história rompe com a abstração metafísica que transforma elementos reais e
historicamente determinados em modelos a-históricos absolutos e invioláveis, como a
concepção do capitalismo com o automatismo de mercado difundida pelos economistas
clássicos burgueses, a qual Marx rebateu com o conceito de mercado determinado ou
historicamente condicionado70.
Essa concepção de determinação é completamente diversa da concepção
mecanicista, porque refere-se à determinação histórica e, portanto, não corresponde a algo
imutável ou eterno, mas à existência, a algo que pelas relações de forças conflituosas, é
passível de mudança, de ser transformada pela atividade humana a partir das necessidades
histórico-sociais concretas. Nesse espectro, a lógica dialética como fundamento da filosofia
da práxis demonstra sua inteira conexão com a base econômica e seus estudos e, como
“um modo di pensare e d´intuire la vita e la storia”(GRAMSCI, 2011, p.196)
completamente dissociado de interpretações politicistas.
A concepção de dialética de Gramsci, segundo Martelli (1996) apresenta três
significados inter-relacionados - gnosiológico, metodológico e ontológico – que remetem
ao nexo necessidade e liberdade desenvolvido por Marx e recuperado por Gramsci nos
Cadernos e representam o nexo objetividade-subjetividade, expressos nos produtos das
objetivações humanas e na própria atividade humana. Portanto, o nexo necessidade-
liberdade se funda sobre a perspectiva ontológica da relação estrutura-superestrutura que se
contrapõe às duas concepções revisionistas do marxismo, a mecanicista ou fatalista que se
firma na ideia de necessidade sem liberdade e a subjetivista-idealista firmada na liberdade
sem necessidade.
Esse nexo é trabalhado por Marx a partir das possibilidades concretas de uma
tendência histórica em contradições com suas contratendências que se apresenta como lei
encravada em uma complexa trama teórico-prática, como é o caso da lei tendencial da
70
‘Mercato determinato’ equivale [...] a dire ‘determinato rapporto di forze social in uma determinata
struttura dell´apparato di produzione’, rapporto garantito (cioè reso permanente) da uma determinata
superestrutura politica, morale, giuridica. (Q 1477) “Mercado determinado equivale, portanto, dizer
determinadas correlações de forças sociais em uma determinada estrutura do aprelho de produção, correlação
que é garantida (isto é, tornada permanente) por uma determinada superestrutura política, moral e jurídica.”
(GRAMSCI, 2011, p. 194)
51
71
“la caduta del saggio di profitto è presentata come l´aspetto contraddittorio di un´altra legge, quella della
produzione del plusvalore relativo, in cui una tende ad elidere l´altra con la previsione che la caduta del
saggio del profito sarà prevalente”. (Q 1279)
72
“[...] a quantidade não pode destacar-se da quantidade [...], segundo Gramsci, na filosofia da práxis a
qualidade está sempre conectada à quantidade, antes tal conexão é a parte mais original e fecunda”.
(Tradução livre)
73
“sotto l´apparenza di una interpretazione ‘ortodossa’ della dialetica, nasconde una concezione
mecanicista della vita e del movimento storico: le forze umane sono considerate passive e non consapevoli,
52
come un elemento non dissimile dalle cose material”. (Q 1898-1899) “Sob a aparência de uma interpretação
ortodoxa da dialética, nasce uma concepção mecanicista da vida e do movimento histórico: as forças
humanas são consideradas passivas e não conscientes, como um elemento não muito diferente das coisas
materiais.” (Tradução livre)
74
“Sustentar a ‘qualidade’ contra a quantidade significa, precisamente, apenas isto: manter intactas
determinadas condições de vida social nas quais alguns são pura quantidade, outros qualidade. E como é
agradável considerar-se representantes patenteados da qualidade, da beleza, do pensamento, etc.”
(GRAMSCI, [1932] 2011, p.409)
75
“Todas as filosofias (os sistemas filosóficos) que existiram até hoje foram a manifestação das íntimas
contradições que dilaceraram a sociedade. [...] a filosofia da práxis é uma filosofia liberada (ou que busca
liberar-se ) de qualquer elemento ideológico unilateral e fanático, é a consciência plena das contradições, na
qual o próprio filósofo entendido individualmente ou como grupo social global, não só compreende as
contradições, mas coloca a si mesmo como elemento de contradição, eleva este elemento a princípio de
conhecimento e, consequentemente, de ação.” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.204)
53
76
“Si ha nel Proudhon uma stessa mutilazione dell`hegelismo e della dialettica che nei moderati italiani e
pertanto la critica a questa concezione politico-storiografica è la stessa, sempre viva e attuale, contenuta
nella Miseria della filosofia.” (Q 1220) “Proudhon, tanto quanto os moderados italianos, mutila o
hegelianismo e a dialética; portanto, a crítica a esta concepção político-historiográfica é a mesma contida na
Miséria da filosofia.” (GRAMSCI, 2011, p.292)
54
Dado o acento que Engels põe na economia, a lei cósmica universal da dialética que
seria por ele desenvolvida, trasmutou-se em Bukharin, segundo Martelli (1996, p.82), em
um mecani[ci]smo de equilíbrio sócio-histórico, ao excluir a contradição como mola
propulsora do movimento histórico e dos saltos qualitativos, predominando assim, a
perspectiva de coexistência das forças mecânicas em contraste e equilíbrio após cada
ruptura, em um movimento cíclico.
Na polêmica com Engels, Gramsci que conhecia o Antiduhring ressalta o cuidado
de diferenciar a identidade de pensamento entre os dois fundadores da filosofia da práxis.
Porém, em algumas passagens dos Cadernos parece concordar com o companheiro de luta
de Marx sobre a plausibilidade de uma dialética da natureza, no tocante ao nexo homem-
natureza, quando afirma “Ma se la storia umana deve concepirsi anche come storia della
natura (anche attraverso la storia della scienza) come la dialettica può essere staccata
77
“Ciò che costituisce il movimento dialettico – obiettava infatti Marx a Prudhon – è la coesistenza dei due
lati contraddittori (der beiden entgengensetzten Seinten), la loro lotta e il loro passaggio in uma nuova
categoria. Basta porsi il problema di eliminarei l lato cativo, per liquidare di colpo il movimento dialettico
[...] è il lao cativo a produrre il movimento cha fa la storia, determinando la lotta” (MARX 1847 apud
MARTELLI, 1996, p.81) “O que constitui o movimento dialético - argumentou Marx a Prudhon - é a
coexistência dos dois lados contraditórios (der beiden entgengensetzten Seinten), sua luta e sua passagem
para uma nova categoria. Basta considerar o problema de eliminar o lado negativo, descartar o movimento
dialético repentinamente [...] é a questão de produzir o movimento que faz história, determinando a luta.”
(Tradução livre)
78
“A origem de muitos despropósitos contidos no Ensaio deve ser buscada no Anti-Dühring e na tentativa,
excessivamente exterior e formal, de elaborar um sistema de conceitos em torno do núcleo originário da
filosofia da práxis, que satisfizesse a necessidade escolástica por completo.” (GRAMSCI, [1932] 2011,
p.262)
55
dalla natura?”79 (Q11, 1449). Porém, a riqueza da dialética desenvolvida por Gramsci se
situa no potencial revolucionário que ela possui, a partir da visão ativa e transformadora do
ser social das bases objetivas e subjetivas da realidade. Pois como assevera Gramsci,
Una formazione sociale non perisce prima che non siano sviluppate
tutte le forze produttive per le quali essa è ancora sufficiente, e nuovi, più
alti rapporti di produzione non ne abbiano preso il posto, prima che le
condizioni materiali di esistenza di questi ultimi siano state covate nel
seno stesso della vecchia società. Perciò l’umanità si pone sempre solo
quei compiti che essa può risolvere80 (Q13, 1579)
79
“Mas, se a história humana também deve ser concebida como história da natureza (também através da
história da ciência), então como a dialética pode ser separada da natureza?” (GRAMSCI, [1932] 2011, 167)
80
“Nenhuma formação social não desaparece antes que se tenham desenvolvido todas as forças produtivas
que ela ainda contém; e jamais aparecem relações de produção novas e mais altas antes de amadurecerem no
seio da própria sociedade antiga as condições materiais para sua existência. Por isso, a humanidade se propõe
sempre apenas os objetivos que pode alcançar[...]” (GRAMSCI, [1932] 2011b, p.36). Prefácio à Crítica da
Economia Política, escrito por Marx em 1859 e que Gramsci atribui importante significado metodológico
para compreensão das transformações históricas.
56
81
“o conceito de hegemonia heurístico geral que leva a interpretar os processos históricos não só com base
nas relações de força entre as classes sociais, mas também com base na qualidade das forças entre
governantes e governados, dirigentes e dirigidos.” (Tradução livre)
57
82
“a proposição implica indagar como se formam as vontades coletivas permanentes e como tais vontades se
propõem objetivos imediatos e mediatos concretos, isto é, uma linha de ação coletiva. Trata-se de processos
de desenvolvimento mais ou menos longos, e raramente de explosões sintéticas inesperadas.” (GRAMSCI,
[1932] 2011, p.287-288)
83
Sobre este tema, ver: SOUSA, Joeline R. Gramsci, Educação, Escola e Formação: caminhos para a
emancipação humana. Curitiba: Appris, 2014.
84
“A filosofia da práxis consiste, portanto, em uma teoria da constituição dos sujeitos políticos que Gramsci
considera o coroamento de todo o movimento de reforma intelectual e moral da idade moderna.” (Tradução
livre)
58
Gramsci insiste que todos são filósofos porque rompe com a ideia de uma elite intelectual
que dá a direção e põe nas mãos do próprio trabalhador a demanda de capacitar-se
criticamente para participar efetivamente de modo consciente da vida produtiva, política e
social. Pois para superar a hegemonia dominante, é preciso desenvolver todas as
habilidades e capacidades inventivas e criadoras de forma original para desvencilhar-se das
impostações teórico-práticas dominantes. Para tanto, as armas espirituais devem encontrar
as armas materiais da revolução para operar de forma unitária.
contudo, reconhecendo sua relação dialética e recíproca com as condições objetivas. Pois,
como postula Marx e Engels na Ideologia alemã, não há outra ciência senão a ciência
unitária da história, conforme Oldrini (1991, p.76), “a historicidade como princípio de toda
forma de ser (e de toda objetividade)”.
Pois, desde a cisão operada pela divisão social em classes e a instituição da
propriedade privada, a história, no evolver das contradições, avança nas possibilidades para
superar a fragmentação espiritual e material da humanidade pela divisão do trabalho
intelectual e manual. Tais avanços são marcados pelo advento do Renascimento, da
Revolução burguesa e industrial, que proporcionaram o retorno a perspectivas teórico-
práticas que reativaram o potencial do trabalho como atividade humana criadora e
inventiva, base unitária de toda práxis social, pela relação posta entre ciência e indústria
que intensificou a relação entre trabalho e educação e, conforme Sousa (2014), deu origem
à possibilidade de reconciliação do homem consigo mesmo e do desenvolvimento
omnilateral. Emerge desse movimento, uma práxis constitutiva da “dialética da vida
prática, das leis daquela que Gramsci chama, com Hegel, a sociedade civil, e o Lukács
mais tardio, a ontologia social, ou seja, a esfera das objetivações humanas superiores,
como a ética e a política” (OLDRINI, 1991, p.79). Pois o marxismo se constituiu sobre os
alicerces do acúmulo histórico produzido pela humanidade, das aquisições do
desenvolvimento filosófico-científico, em um movimento de conservação-superação-
elevação (Aufhenbug) e representa o mais alto desenvolvimento do pensamento moderno,
“il cui coronamento è nella filosofia della praxis. L´esperienza scientifica è la prima
cellula del nuovo metodo di produzione, della nuova forma di unione attiva tra l´uomo e la
natura”85 (GRAMSCI, Q11, 1449). A filosofia da práxis se configura uma filosofia de
campo aberto, capaz de articular a própria concepção teórica com uma realidade histórica
determinada donde deriva a articulação entre teoria e prática, filosofia e política, a qual
Gramsci desenvolveu de forma original.
Contudo, Gramsci não elaborou de forma sistemática, com o rigor que lhe era
próprio, suas reflexões filosóficas e os fundamentos ontológicos que os sustentam, o que
na verdade revela a sua grandeza pela magnitude da contribuição deixada nas notas dos
Cadernos, mesmo em meio às condições mais adversas do cárcere. Ainda que não
85
“cujo coroamento está na filosofia da práxis. A experiência científica é a primeira célula do novo método
de produção, da nova forma de união ativa entre o homem e a natureza”. (GRAMSCI, 2011, p.166)
60
elo fundamental do ser social86. Conforme Oldrini (2002), a virada ontológica de Lukács se
funda nas críticas de Marx e Lenin87 a Hegel, os quais o colocam em bases materialistas ao
contrastá-lo com Feuerbach, ao recuperar o sentido de “ente objetivo”, o homem como
“ente objetivo ativo”. Pois a obra hegeliana, ainda que constituída de propensão visionária
do objeto como alienação da autoconsciência, conforme Losurdo (2015), merece um novo
olhar em vista das reais contribuições que legou para a análise ontológica do ser social.
Pois, na Fenomenologia do Espírito, Hegel (2000) assenta bases de compreensão da
realidade a partir da atividade humana, do trabalho, ao conceber que nós só conhecemos a
realidade do objeto, trabalhando, modificando o objeto. Nesse viés, reconhece que o
sentido da filosofia está arraigado na história e no seu movimento, seu desenvolvimento
(do Espírito), ainda que o fim desse movimento seja o absoluto e o fenômeno do espírito
sejam estações pelas quais o espírito passou. Passagem esta dos estágios da consciência
natural (singular) à consciência individual (particular), e desta ao universal, ao sentido da
história88. Nesse espectro, a dialética, a história e o humanismo são componentes
destacados por Hegel que visava buscar o sentido da História, ao articular no enlace do
viés científico ou da necessidade de uma lógica, as figuras da consciência, as quais são
forjadas no enfrentamento do mundo objetivo89. Mundo este, resultado da unicidade entre
natureza e história, pois conforme Losurdo (2015), a natureza está tão presente na filosofia
da história como na filosofia política de Hegel, por isso, “o desenvolvimento da técnica,
das forças produtivas, em última análise da história, é a resposta que o homem opõe à
resistência dada pela natureza para a satisfação de suas necessidades”90 (LOSURDO, 2015,
p.120).
86
Conforme Oldrini (2002), Lukács só pensa numa ontologia muito tarde, como introdução ao projeto de
uma ética marxista. Ver: “Em busca das raízes da ontologia (marxista) de Lukács”. IN: Pinassi, Maria.;
Lessa, Sérgio(Org.). Lukács e a atualidade do marxismo. São Paulo: Boitempo, 2002.p.49-75.
87
Após as leituras dos escritos de juventude de Marx – Manuscritos econômico-filosóficos e A Ideologia
Alemã – e os Cadernos filosóficos de Lenin.
88
No tocante à História, Hegel considera que a realidade não tem um movimento linear, mas dialético que
implica sempre saltos qualitativos, mudanças qualitativas, como por exemplo, a mudança da sociedade feudal
para a sociedade burguesa.
89
Tendo a Fenomenologia do Espírito esse objetivo, o primeiro título que escolheu para sua obra fora
“Ciência da experiência da consciência”.
90
“os objetos naturais (Naturgegenstände) são potentes e prestam uma resistência (Widerstand) multíplice.
Para domá-los o homem interpõe outras coisas naturais (Naturdinge), voltando, assim, a natureza contra si
mesma. É para tal fim que o homem inventa instrumentos. Essas invenções humanas pertencem ao espírito,
62
Para Hegel (2000), a verdade do objeto é histórica e pode ser apanhada pelo olhar
do filósofo no plano da aparição do fenômeno pelo conjunto de mediações dialeticamente
articuladas entre a certeza do sujeito e a verdade do objeto. Sua posição original, deve ser
entendida como resposta original à grande aporia transmitida pela Crítica da Razão Pura
ao idealismo alemão, ou seja, cisão entre entendimento do mundo fenomênico e o
conhecimento do absoluto – da coisa em si, pois o absoluto só se apresenta para Kant no
domínio da razão prática, como postulado de uma liberdade transempírica, que transcende
a experiência e encontra-se na razão. Com sua visão a-histórica, Kant desconsidera que
emana da realidade uma necessidade histórica que se impõe à consciência, a qual conforme
Hegel, se configura pelo percorrer experiências, a série de figuras, até chegar ao absoluto.
Com a superação da aporia kantiana, desvela-se a compreensão de que a verdade não está
apenas no objeto, nem no sujeito, mas na relação entre sujeito e objeto em que cada um é
transformado e de que, por esta relação, o sujeito pode chegar à verdade. Como assevera
Hegel,
portanto o instrumento deve ser mais estimado do que o objeto natural” (MOLDENHAUER; MICHEL,
1986c, p.295 apud LOSURDO, 2015, p.120).
63
91
“quando Feuerbach é materialista, para ele a história não aparece. E, quando considera a história, não é um
materialista. Materialismo e história para ele são totalmente divergentes” (MARX; ENGELS, 1978, p.45
apud Losurdo, 2015).
92
No âmbito do Antigo regime, a “liberdade dos barões” (Freiheit der Barone) comporta a “absoluta
servidão” (absolute Knechtschaft) da “nação” e impede a “libertação dos servos da gleba” (Befreiung der
Hörigen). Por isso “o povo [...], em todas as partes, libertou-se (befreit) através da repressão (Unterdrückung)
dos barões” (LASSON, 1920, p.902-903). A aristocracia percebe a perda do privilégio, que lhe fazia, por
exemplo, ser a única depositária da administração da justiça, “como violência inconveniente, como opressão
da liberdade (Unterdrückung der Freiheit) e como despotismo” (ILTING, 1983a, § 219). (LOSURDO, 2015,
p.123).
93
Segundo Semeraro (2015, 237), “é a partir dessas críticas e da divisão de classe derivada da “divisão entre
trabalho manual e trabalho mental” (MARX; ENGELS, 1998, p.28) que Marx amadurece a revolucionária
concepção fundada sobre a “práxis”, introduzindo uma visão integral de ser humano capaz de realizar a
dialética inseparável entre atividade prática e teórica, entre “atividade objetiva e subjetiva simultaneamente”
(SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p.435), de recompor o elo indissolúvel entre homem e natureza, indivíduo e
sociedade, trabalho físico e mental, “produção material e ensino” (MARX, 1999, p.104), em um processo
histórico que constitui o homem como “ser ontocriativo”.
64
94
Especialmente na Fenomenologia do Espírito e na Ciência da Lógica.
95
Entusiasta da Revolução Francesa, sempre se coloca do lado dos revolucionários, inclusive de Gracchus
Babeuf, militante francês que pregava ideias socialistas – considerado o precursor dos levantes
revolucionários proletários - e fora executado pelo papel que exerceu na Conspiração dos Iguais que visava a
coletivização das terras, a igualdade real e o bem comum.
96
“[...] só na filosofia da práxis a ‘tradução’ é orgânica e profunda, enquanto de outros pontos de vista trata-
se frequentemente de um jogo de esquematismos genéricos”. (GRAMSCI, [1932] 2011, p.185)
65
desvelar pela viés ontológico. Na Ontologia, o filósofo húngaro compreende que a ação
demanda escolhas, e em se tratando de política, especialmente do ponto de vista
revolucionário, tais escolhas implicam uma ética que se funda em um processo de
conscientização do interesse humano universal no indivíduo. Conforme Gramsci, significa
o salto do momento econômico-corporativo para o momento ético-político pela unificação
da vontade coletiva que resulta da formação da espontaneidade em direção consciente que
se forma na práxis.
Esse movimento para a direção consciente parte das concepções de mundo do
“homem inteiro” (Lukács) ou “homem simples” (Gramsci), encravadas na vida cotidiana e
suas contradições, no movimento imanente da própria vida, na dialética imanente à vida
mesma, à práxis social atravessada pelo constante processo de pôr finalidades, ou seja,
teleologia e causalidade que tem no trabalho o fundamento, a gênese da mediação entre ser
e consciência e, nesse sentido, o modelo de toda a práxis social.
Desse modo, a concepção ontológica da filosofia da práxis é educativa, implica em
uma formação humana integral, pois garantir um movimento de transformação e
constituição de uma práxis demanda uma direção consciente e para uma direção consciente
demanda uma nova práxis, o que significa que a III Tese sobre Feuerbach - o educador
deve ser educado, corresponde aos objetivos centrais da filosofia da práxis, pois esta
vislumbra a produção e reprodução de uma nova forma de ser social, um novo modo de
vida social pela coincidência ativa entre transformação das circunstâncias e do próprio
homem como ser ativo.
Conforme Lukács (2013, p.41), “para expor em termos ontológicos as categorias
específicas do ser social [...] é preciso começar essa tentativa com a análise do trabalho”
em sua ampla e complexa rede de articulações, pois nenhuma categoria pode ser
compreendida isoladamente. Por isso, segue o método marxiano, o qual afirma se
constituir de duas vias, quais sejam: “primeiro decompor, pela via analítico-abstrativa, o
novo complexo do ser, para poder [...] retornar ao complexo do ser social [...] na sua
totalidade real” (LUKÀCS, 2013, p.42).
A partir dos avanços da ciência, na esteira de Marx, o marxista húngaro identifica a
relação evolutiva entre o mundo inorgânico e orgânico que constitui a esfera da vida, base
para o salto ao ser social. Lukács compreende o processo de “afastamento das barreiras
naturais” como um processo de salto qualitativo do mundo puramente orgânico ao mundo
predominantemente social. Para ele, não há como reconstituir por meio de experiências o
66
hic et nunc do salto ontológico à esfera social, dado que o conhecimento só pode ser
apreendido post festum, portanto, a partir do estágio superior pode-se compreender o
estágio primitivo e seu desenvolvimento – “a chave da anatomia do homem fornece a
chave para a anatomia do macaco” (LUKÁCS, 2013, p.43).
Nesse espectro, analisando o edifício conceitual de O Capital, Lukács afere a
profundidade das afirmações de Marx sobre o trabalho e a produção de valores de uso
como expressão da gênese da relação indissolúvel homem-natureza97 para o atendimento
das necessidades e garantia da existência humana. Para Lukács, esse fato revela o claro
caráter ontológico de transição do trabalho que o leva a compreendê-lo como fundamento
do ser social, pois segundo ele
97
“Como criador de valores de uso, como trabalho útil, o trabalho é, assim, uma condição de existência do
homem, independente de todas as formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo
entre homem e natureza e, portanto, da vida humana”. (MARX, K. O Capital. Livro I: São Paulo, Boitempo:
2013, p.120)
98
Lukács reconhece o mérito de Engels em reconhecer o trabalho como fundamento, porém, diverge de sua
concepção de uma dialética na natureza.
67
99
Para quem o trabalho se constitui de dois componentes: o pensar (noésis) e o produzir (poíesis). Através do
primeiro é posto o fim e se buscam os meios para sua realização; através do segundo o fim posto chega à sua
realização. Ver: Aristóteles. Metafísica.
68
[...] la legge civile e statale ordina gli uomini nel modo storicamente più
conforme a dominare le leggi della natura, cioè a facilitare il loro
lavoro, che è il modo proprio dell`uomo di partecipare attivamente alla
vita della natura per trasformarla e socializarla sempre più
profondamente ed estesamente101. (Q12, 1540 -1541 – grifos nossos)
100
Segundo Lukács (2013), tal concepção está presente ao longo de toda a história do pensamento, da
filosofia e, especialmente, das religiões.
101
[...]a lei civil e estatal organiza os homens do modo historicamente mais adequado a dominar as leis da
natureza, isto é, a tornar mais fácil o seu trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa
ativamente na vida da natureza, visando a transformá-la e socializá-la cada vez mais profunda e
extensamente." (GRAMSCI, [1932] 2010, p.42-43)
69
Desse modo, a possibilidade de escolha entre alternativas como ato consciente, para
além do reflexo mecânico condicionado, e as consequências advindas dessa escolha
“emerge como característica da estrutura de toda práxis social” (LUKÀCS, 2013, p.72),
assim como o próprio desenvolvimento da atividade humana e do trabalho contribui para
que o caráter de alternativa da práxis humana, do comportamento do homem para com o
próprio ambiente e para consigo mesmo, se baseie sempre mais em decisões alternativas.
Nessas condições recuperadas por Lukács, perde o sentido a passividade humana diante da
história e a visão de um curso autônomo da história acima da interferência humano-social
que nega a possibilidade de transformação do status quo, mormente o vigente, encravado
103
Concepção aristotélica de potência, “faculdade de levar a bom termo determinada coisa e de executá-la de
acordo com a própria intenção”. Aristóteles, Metafísica.
104
“O indivíduo não entra em relação com os outros homens por justaposição, mas organicamente, ou seja,
por fazer parte dos organismos mais simples aos mais complexos. Assim, o homem não entra em relação com
a natureza simplesmente pelo fato de ser ele mesmo natureza, mas ativamente, por meio do trabalho e da
técnica.” (Tradução livre)
71
105
Aqui Lukàcs se distingue de Bukharin que centrava no desenvolvimento da técnica suas incursões
teóricas.
72
106
Com as mudanças operadas na estrutura do modo de produção capitalista para o trabalho flexível e o
desmantelamento de direitos trabalhistas e sua progressiva precarização opera-se consequentemente na forma
da disciplina, conforme Semeraro (2015, p.237), “se antes a dominação era garantida pelo enquadramento do
operário no sistema disciplinar, hoje, parece que é melhor assegurada “fora da fábrica”, pelo trabalho
provisório, o contrato part-time, a terceirização e o despedaçamento do mundo do trabalho, pelo clima de
permanente insegurança”. Todo esse processo influencia diretamente o processo educativo dada a
necessidade de adaptações psicofísicas, de “aprender a viver” em uma sociedade de incertezas.
73
107
“O principal defeito de todo materialismo existente até agora (o de Feuerbach incluído) é que o objeto
[Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido sob a forma de objeto [Objekt] ou da contemplação,
mas não como atividade prática sensível, como prática; não subjetivamente. Daí o lado ativo em oposição ao
materialismo, [ter sido] abstratamente desenvolvido pelo idealismo- que, naturalmente, não conhece a
atividade real, sensível, como tal.” (MARX, 2007, p.533)
108
Deve-se considerar que ainda que o trabalho seja o modelo, não é idêntico à práxis, pois “os traços
específicos do trabalho não podem ser transferidos diretamente para formas mais complexas da práxis social”
(LUKÁCS, 2013, p.93), como fazem as correntes mecanicistas.
74
Portanto,
109
Algumas traduções utilizam o termo terrena em vez de citerior.
75
110
Conforme Lukács (2013), ao ignorar o papel do dever-ser e apoiar-se no modelo da necessidade natural
para interpretar a práxis, o materialismo vulgar contribuiu para o processo de fetichização dos fenômenos e
confundir as especificidades de cada esfera. Já em Kant se produz a fetichização do dever-ser com a sua
imposição moral e ética desde o alto, derivada da razão e separada do concretude da vida social, ou seja,
separada da necessidade onto-histórica. Em Hegel, que se contrapõe a Kant, o dever-ser é uma categoria
originária e imanente ao homem, à existência humana.
76
superiores da práxis encarnada nas relações humanas, dado o nexo dialético entre o que se
produz na economia e o que a economia produz no homem, ainda que em meio a um
desigual e contraditório processo em que o novo quer nascer e o velho não quer morrer.
Essa reciprocidade dialética possibilita o desenvolvimento de capacidades superiores no
homem – inclusive da fruição do que ele mesmo produz - que, por sua vez, retroagem e
possibilitam o desenvolvimento do trabalho e da práxis.
Tal constatação se distingue das concepções vulgar-materialistas que de forma
esquemática se apoiam em uma hierarquia lógico-sistemática unilinear e colocam na
economia a função de determinante mecânico de toda práxis social, “ao ver as categorias
mais complexas como simples produtos mecânicos das mais elementares e fundantes”
(LUKÁCS, 2013, p.117). Para tanto, é preciso rejeitar a dedução ontológica do
ordenamento de categorias para não cair no determinismo e perder a essência e a interação
concreta do ser social - como fazem algumas correntes que negam o papel ontológico
revolucionário da política devido à sua gênese onto-negativa111 ou da educação frente às
contradições do capital, tendo em vista que a complexidade do real demanda a análise das
mediações conforme seu grau de complexidade, apoiando-se nas categorias fundantes
apenas como ponto de partida, considerando, porém, as relações que as permeiam: a
dependência ontológica, autonomia relativa e determinação recíproca.
O caráter categorial do dever-ser do homem como ser ativo e da práxis, põe por
terra qualquer mistificação da história como algo dado e acabado, como pretende a
ideologia burguesa do capitalismo como fim da história que hoje permeia as concepções
pós-modernas ou as vulgatas marxistas que aguardavam a derrocada automática do
capitalismo e terminavam por colocar a classe trabalhadora - o dever-ser revolucionário,
em uma passividade mórbida. Esse aspecto demonstra a interdependência e a
contraditoriedade dada a heterogeneidade entre os pores econômicos e o desenvolvimento
das faculdades humanas que “podem dar origem às mais agudas contraposições entre o
progresso econômico [...] e as suas consequências humanas.” (LUKÁCS, 2013, p.119).
Pois entre o complexo fundante e o fundado, há uma dependência e articulação dialética, e
embora haja unicidade entre eles, não são idênticos. É justamente essa diferença que
especifica a identidade de cada um e as possibilidades de alternativas que orienta a escolha.
111
Tais correntes não conseguem compreender o papel da mediação da política no processo revolucionário,
negam sua função social nesse processo e, consequentemente tendem a negar o caráter revolucionário da obra
de Gramsci, classificando-o como reformista.
77
Escolha esta atravessada por valores que, conforme as circunstâncias, se opõem. Nesse
campo, as alternativas tomam forma de forças contraditórias em disputa, as quais
considerando a luta de classes e concepção mais ampla da alternativa de criação de novos
tipos de “Estado”, se coloca a necessidade de obtenção do consenso como estratégia de
luta revolucionária, como bem assenta Gramsci, ou seja, influenciar a consciência do outro
para que haja de forma adequada perante a luta das classes subalternas em favor de sua
emancipação e que a sua própria liberdade seja o momento predominante.
Para tanto, é preciso reconhecer o caráter dinâmico do ser social, essencialmente
histórico, o que implica reconhecer o processo de continuidade na descontinuidade, bem
como, de preservação da sua própria substância que ocorre no processo de reprodução, que
muda na medida das mudanças das coisas, do movimento da história. Conforme Lukács
(2013, p.122), o processo de reprodução “é um complexo e uma síntese dos atos
teleológicos que são de fato inseparáveis da aceitação ou da rejeição de um valor”. Nesse
viés, podemos afirmar de acordo com Gramsci, que todos os homens são filósofos, pois
têm a capacidade intelectual através de sua atividade de fazer escolhas entre alternativas no
conjunto da práxis social em virtude de um valor, ainda que em determinados limites, isto
é, conforme o nível de desenvolvimento objetivo e subjetivo, o que determina a função
social que exercem. Como afere Lukács (2013, p.122), “Os homens respondem - mais ou
menos conscientemente, mais ou menos corretamente – às alternativas concretas que lhes
são apresentadas a cada momento pelas possibilidades do desenvolvimento social”. Tendo
em conta que o valor impõe sua realização e que as alternativas à sua realização estão
encravadas na práxis humano-social, não se pode conceber a decisão individual dela
separada, mas antes como resposta ao hic et nunc histórico-social, o que confirma a
personalidade humano-genérica do ser social e o caráter movente e movido de cada
componente.
Dessa totalidade em movimento e permanência despontam tendências a partir do
valor dos pores que produzem intenções e alternativas de orientações em diversos níveis,
gerando um tecido social como um amálgama de alternativas em todos os âmbitos, que
impulsionam novos pores e diversidade de concepções, bem como, de níveis de
consciência.
A intenção do valor e o sentido da vida “é construído pelo homem e para o homem,
para si e seus semelhantes” (LUKÁCS, 2013 p.133) e representa o domínio da consciência
pelo homem que se manifesta com diferentes conteúdos na história. Portanto, o caráter
78
fundamental do devir do homem nessa constituição ontológica enquanto ser social, que
move o ser humano-genérico, é a liberdade que se origina no momento em que a
consciência é acionada a decidir diante das alternativas e que, em última instância se
constitui como um desejo de transformar a realidade. A liberdade do ser humano-genérico
como ser imerso em sociedade, é socialmente determinada e exige o conhecimento mais
adequado do real para ser exercida com êxito, pois “quanto maior for o conhecimento das
cadeias causais que operam em cada caso, tanto mais adequadamente elas poderão ser
transformadas em cadeias causais postas, tanto maior será o domínio que o sujeito exerce
sobre elas, ou seja, a liberdade que aqui ele pode alcançar” (LUKÁCS, 2013, p.140). Nessa
mesma perspectiva, Gramsci recupera o “conhece-te a ti mesmo” dando um novo sentido a
partir do viés histórico e dialético em que reclama, em tom de manifesto às classes
subalternas, a apropriação da história, do conhecimento historicamente produzido e
acumulado, de si mesmas enquanto seres ativos e demiurgos da história, a apropriação de
si mesmas e do domínio de sua liberdade.
A partir da indissolúvel inter-relação entre determinidade e liberdade, os autores
clássicos do marxismo vão além de Hegel, pois no viés histórico e dialético concebem a
necessidade em total conexão com a realidade, como quintessência ontológica112 que se
converte em práxis pelo conhecimento do ser e não como mera manipulação do saber. Pois
o critério do conhecimento deve ser buscado na própria realidade, inclusive o sentido que
orienta tal conhecimento. Apanhar o conhecimento do curso das coisas constitui-se o
sentido orientador da práxis, para que se possa passar efetivamente da necessidade à
liberdade, pois
112
No Antiduhring, Engels apud Lukács (2013, p.145), afirma que “A liberdade não reside na tão sonhada
independência em relação às leis da natureza, mas no conhecimento dessas leis e na possibilidade
proporcionada por ele de fazer com que elas atuem, conforme um plano, em função de determinados fins.
Isso vale tanto como referência às leis da natureza externa quanto àquelas que regulam a existência corporal e
espiritual do próprio homem [...]. Em consequência, liberdade da vontade nada mais é que a capacidade de
decidir com conhecimento de causa.”
79
Para tanto, é preciso reconhecer que o contexto social e seu mover tem sua
legalidade própria e imanente que independe das alternativas, e que impele ao homem a
inevitável tomada de posição consciente ou não do correto curso das coisas, a cada
momento parcial engendrado pela determinidade da realidade social e a liberdade de
decisão entre alternativas. Alternativas que se complexificam à medida que a sociedade vai
se complexificando pela crescente socialização dos pores de fins produzidos
historicamente.
Considerando a individualidade, a singularidade e os distintos níveis de consciência
dos homens sobre a realidade, a tomada de posição e a decisão sobre as alternativas não
ocorre de forma homogênea, mas determinada por esse conjunto de fatores e motivações
emergente do valor envolvido no processo, constitui-se como um fenômeno social unitário,
resultado da relação objetividade-subjetividade. Contudo, a atividade humana pode ter
êxito e produzir novos valores, se durante o processo houver o autocontrole do sujeito, o
autodomínio ou, no sentido gramsciano, estiver voltado para o viés político revolucionário
de tipo ético-político necessário para a constituição de novos tipos de Estados.
80
“Decifra-me ou devoro-te”
(Enigma da esfinge de Tebas)
Gramsci não teve acesso ao Capital de Marx (obra em que Marx aprofunda sua
análise das relações capitalistas, como a teoria do valor e outras categorias), mas teve
acesso à Miséria da Filosofia, obra em que Marx, ao enfrentar Proudhon, começa a
desenvolver a teoria do valor – e que o marxista italiano considera juntamente com as
Teses sobre Feuerbach o núcleo da filosofia da práxis. Na tentativa de entender os
elementos que levaram Gramsci a reconhecer a importância desta obra para o resgaste do
caráter revolucionário do marxismo, buscamos elencar alguns pontos que consideramos
relevantes para compreender as bases ontológicas da filosofia da práxis.
teórica, a qual expressava sua posição prática, isto é, o lugar que ocupava na hierarquia
social de pequeno burguês e suas “mesquinharias”.
Dessa forma, ainda que compreenda a contradição imanente à realidade, não
contribui para o processo de “esclarecimento” das classes subalternas por terminar em
encerrar-se em um sistema, que tal como Hegel fecha-se em si mesmo e, portanto, não
deixa aberta a possibilidade de transformação social e ativa pelo homem como demiurgo
da história. É por este motivo que se contradiz ao afirmar que o que provoca as guerras e a
miséria é a contradição existente entre valor de uso e valor de troca e por isso, é preciso
equalizá-los através da fixação do “valor justo”. Contradição esta, que segundo Marx, a
partir da teoria do valor encontrada em Ricardo113, encontra-se no trabalho.
Como Proudhon não teve acesso de fato a Hegel, não poderia conhecer sua dialética
e os três momentos que, impulsionam pela força das próprias contradições o movimento de
superação: tese, antítese e síntese. Dessa forma, sua concepção dialética não considera o
movimento intrínseco à realidade, se detém, portanto, na estaticidade do status quo, pois ao
rejeitar a síntese, o tertium datur da história e buscar realizar equilíbrios entre os opostos,
anula as possibilidades históricas do devir, da luta de classes que Marx anuncia no
Manifesto do Partido Comunista.
Dessa forma, corrobora com a ideia de aperfeiçoamento do modo de produção
capitalista, em vista da conservação dos aspectos “positivos” e “bons” do capitalismo,
pressupondo assim, a sua conservação estrutural e superestrutural. Nessa medida, expressa
sua postura antirrevolucionária e reformista de “socialista pequeno-burguês” com verniz
“anarquista”114. Por isso, Marx refuta a posição de Proudhon que quer separar o joio do
trigo, ou seja, separar o lado bom do lado mau dos fenômenos, buscando encontrar um
avanço, uma vantagem para conservar e um entrave, um retrocesso a suprimir.
Conforme Marx, Proudhon oscila entre capital e trabalho, por não compreender ou
reconhecer a origem econômica da contradição posta, fundada na propriedade privada e
divisão do trabalho, dada a sua abstração e metaficização do real. Pois, ainda que afirme
que a propriedade privada trata-se de roubo, nega o papel da subjetividade e sua relação
com o mundo objetivo, pela sua postura de generalização das contradições. Dessa forma, é
113
Ver.: RICARDO, David. Princípios de Economia Política e Tributação. Coleção Os Economistas. São
Paulo: Editora Nova Cultural, [1823] 1996.
114
A oposição entre Marx e Proudhon ocorreu inicialmente no campo prático quando, em carta, Marx chama-
o a colaborar com a organização comunista e ele, considerado, o pai do anarquismo, se nega.
82
possível constatar que não é Marx, mas o marxismo, que retorna à ideia de negação do
indivíduo em proveito das entidades transcendentes como o Estado (que Gramsci
denomina estatolatria), o partido, a sociedade.
Nesse espectro, sua posição somada à sua postura anarquista o conduz ao
espontaneísmo, recusa a ideia de um processo de transição defendida por Marx pela
ditatura do proletariado, que prescinde de um “Estado sem Estado” que deve, segundo
Gramsci, suprassumir-se, pois afirma que o processo revolucionário deve emergir da classe
trabalhadora. Ao mesmo tempo, centra sua concepção no indivíduo, abstrato, na
consciência individual em contraponto à consciência de classe defendida por Marx,
coletiva e orgânica como defendeu Gramsci.
A novidade da filosofia da práxis é o componente ativo humano que expressa o
caráter unitário da práxis, pois para Marx, a realidade está em constante movimento, é por
esse motivo que sua crítica aos economistas burgueses clássicos centra-se em refutar as
categorias econômicas do capitalismo como a-históricas e eternas. Por isso que em carta a
Annenkov (1846, p.29), afirma que Proudhon cai no mesmo erro dos economistas
burgueses que consideram as categorias como fórmulas eternas, e não transitórias,
históricas, abstrações feitas das relações sociais reais. Essa visão proudhoniana imprime
uma cisão que remete às concepções da filosofia antiga115 que enfrenta realidade, a empiria
cindida da ideia, da razão, que leva aos unilateralismos improdutivos para a história, por
ser em si mesma a-histórica, anti-histórica, os quais já foram enfrentadas pelos seus
precursores, inclusive o próprio Hegel, a quem atribui as bases de sua concepção.
Ao enfrentar a Ideologia Alemã, Marx enfrenta as falsificações teóricas que veem
no movimento do pensamento, o demiurgo da realidade. Assim, para Marx, o real é
histórico, tudo que escapa à história, ao real, é falso, portanto, as relações não podem se
resumir à pura encarnação das categorias econômicas. A filosofia da práxis segue na
contramão desse idealismo, na inversão do idealismo, pois é o real que produz a ideia, por
isso, são as relações que engendram as categorias econômicas. Contudo, estas não surgem
como mero reflexo, como reflexo mecânico, mas como Marx anuncia na terceira Tese
sobre Feuerbach: “o grande defeito de todo materialismo passado é que a coisa concreta, o
real, o sensível não é nele apreendido senão sob a forma de objeto ou de intuição, não
como atividade humana sensível, não como prática, nem subjetivamente” (Marx, 2007).
115
Tal como a filosofia de Platão, para quem o mundo sensível é apenas um conjunto de encarnações
imperfeitas das ideias perfeitas e eternas encontradas no mundo das ideias.
83
116
“Ideias não podem conduzir jamais além de um velho estado universal das coisas, mas sempre apenas
além das ideias do velho estado universal das coisas. Ideias não podem executar absolutamente nada. Para a
execução das ideias são necessários homens que ponham em ação uma força prática. Interpretada em seu
sentido literal, portanto, essa sentença crítica é, mais uma vez, uma verdade que se compreende por si mesma
(…)” (MARX e ENGELS, 2003, p.137).
84
concebem, em certo sentido, o trabalho como “ato puro”) que Gramsci, em sua medida e
possibilidade, realizou nos Cadernos com a filosofia da práxis.
Pois, a função social da filosofia da práxis que tem como horizonte revolucionário a
construção de um novo modo de vida social livre e emancipado, é revelar a verdade,
mostrar de forma transparente as relações, a relação entre essência e fenômeno, contribuir
para que as relações pessoais apareçam como “relações pessoais e não como dissimuladas
em relações sociais das coisas, produtos do trabalho”117.
A verdade, exposta pela filosofia da práxis, é que o homem é a medida e à medida
de sua práxis. A verdade é o próprio homem porque, como afirma Marx, o homem é o
mundo do homem. É essa verdade, que livra o homem de ser devorado pelas contradições,
assim como os viajantes que tentavam adentrar Tebas e eram impelidos pelo enigma da
Esfinge: “Qual o animal que de manhã tem quatro patas, ao entardecer tem duas e ao
anoitecer tem três patas?”. A resposta – o homem, a humanidade – dada por Édipo não só o
livrou de ser devorado como destruiu a Esfinge, que encurralada pelo seu próprio enigma
atirou-se em um precipício. O mito traz de uma só vez, pelo prisma da dialética práxica o
caráter existencial, histórico e dinâmico e, portanto, revolucionário, ao descer do céu à
terra a produção da história, o movimento da vida, o processo de continuidade e
descontinuidade através da destruição-construção do velho e do novo, figuradas pela
própria esfinge que encerrava em si o conhecimento e mantinha um lugar de dominação até
encontrar um seu oposto à altura daquilo que guardava para si.
É esse desafio posto às classes subalternas, de conhecer a verdade e desenvolver a
autonomia que a filosofia da práxis, com todos os seus componentes, possibilita como um
“número de ouro” instrumental filosófico que possibilita apreender a realidade e suas
mediações, tal como o espiral Fibonacci está para a matemática ao emergir da observação
da natureza – reservada todas as distinções de estatuto ontológico. Pois, o conhecimento se
desvela, se revela e se amplia em um movimento contínuo e constante de aproximação da
realidade e, a cada novo movimento se expande na permanência, tal como o espiral
Fibonacci que mantém um movimento de constância entre núcleo e extremidades, mas que
tem como ponto de partida e referência a própria realidade. Dessa forma, núcleo e
extremidades (estrutura e superestrutura, objetividade e subjetividade) estão em constante
movimento e inter- e intraconexão dialética.
117
MARX, K. O CAPITAL, I, p.612.
85
É por este motivo que Marx busca combater Proudhon do ponto de vista teórico e
prático, ao refutar a dialética proudhoniana e destacar a luta dos trabalhadores como tema
central que culmina com a sua entrada na I Internacional e a publicação do Manifesto, no
qual reconhece a tendência do capitalismo de forjar as condições de sua própria superação,
ao reconhecer as contradições em que se insere o desenvolvimento da história pelo
progresso técnico-científico, mas ao reconhecer o homem como ser ativo diante da história,
convoca o proletariado à luta pela tomada de consciência de classe-em-si a classe-para-si.
Nesse espectro que Marx afirma que Proudhon não compreendeu a engrenagem do
atual estado de coisas, pois ao apelar à razão universal revela seu desconhecimento da
história da humanidade e, consequentemente do desenvolvimento econômico porque não
consegue compreender que não existe absoluto, ou liberdade absoluta, tendo em vista que
“Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea
vontade [como querem], pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais
ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram” (MARX, 2016,
p.25). Proudhon confunde as ideias e as coisas, pois não compreende que os homens não
recusam os avanços e as conquistas históricas, mas que podem renunciar as formas que são
transitórias. Segundo Marx (2008, p.49), Proudhon desenvolve uma fantasmagoria
dialética porque sua história se eleva altivamente acima dos tempos e lugares e desenrola-
se em um meio nebuloso de imaginação, recorrendo à velharia hegeliana, à história
sagrada, à história das ideias. Desse modo, o homem é apenas um ser mecanicamente
resultado das ideias, instrumento delas, da razão, e não senhor da própria história, profana
que se constitui em ato impuro pela sua própria ação.
Ao centralizar seu foco de análise sobre o valor, Proudhon secundariza e
negligencia a divisão do trabalho, que em sua visão é a eterna razão das evoluções
econômicas, pois não concebe as mediações da origem e do seu processo de
desenvolvimento e, portanto, não compreende as diversas divisões sociais – em castas, na
manufatura, na indústria, no mercado mundial – que incide sobre toda a organização
interna dos povos. Nessa via que no sistema proudhoniano, a propriedade é a última
categoria do seu sistema. Conforme Marx (2008, p.52), “No mundo real, ao contrário, a
divisão do trabalho e todas as demais categorias do Sr. Proudhon são relações sociais, cujo
conjunto forma o que se chama atualmente a propriedade”. É por este motivo que a crítica
de Proudhon se reduz a uma crítica dogmática e divergente do método de Marx, pois não
compreende o caráter transitório e histórico das formas de produção e vê as instituições
86
apenas como produto histórico, mas não compreende sua gênese, muito menos seu
desenvolvimento, ao passo que conforme o método de Marx, para alcançar a realidade do
objeto é necessário recuperar a origem, desenvolvimento e sua função social.
Nesse sentido, ao compreender as relações sociais de produção e reprodução de
forma abstrata, Proudhon termina por cair na razão pura por retirar do homem o caráter
criador das relações e das ideias sobre elas, tornando-se assim, adversário do movimento
histórico e, portanto, do movimento político prático de organização, pois para ele a solução
dos problemas não consiste em ação organizada, mas em pura rotação dialética imaginativa
encerrada em sua cabeça que leva ao retorno ao dualismo entre a razão/categorias e a
vida/prática.
De acordo com Marx (2008), Proudhon como filósofo da pequena burguesia,
simpatiza com as dores do povo, mas está deslumbrado com a alta burguesia e por isso,
busca equilibrar e diviniza a ‘contradição’ por ser, ele mesmo, a contradição posta em
ação, por ela ser o âmago do seu ser. Por isso, busca justificar pela teoria o que ele
representa na prática e não consegue conceber que o valor relativo que se mede pelo tempo
de trabalho é a fórmula da escravidão moderna e não a teoria revolucionária da justiça,
igualdade e emancipação do proletariado. Pois, pela teoria do valor Marx desmonta a teoria
liberal do iguais que se encontram no mercado para trocar de forma igual, revelando a
exploração que faz parte da institucionalização do mercado e da troca, ainda que nessa
esfera pareça que os princípios liberais de igualdade, liberdade esteja estabelecido mas na
verdade o trabalhador é proprietário apenas da sua força de trabalho e não dos meios de
produção ainda que se afirme a equivalência através do salário – retribuição, que
aparentemente passa a mensagem de liberdade de trocar no mercado igualmente.
De fato, existe uma mercadoria que produz uma mercadoria que produz mais valor,
trabalho não pago, que produz mais valor e que não vai para a mão do trabalhador, a qual é
a sua única propriedade que comprova, portanto, a raiz de toda a desigualdade. Essa
posição de Marx incomodava porque ela desbanca a dominação burguesa fetichizada pelo
mito da igualdade.
A teoria valor trabalho tem um caráter objetivo porque independente do sujeito
apreciar a mercadoria ou a indústria que a produziu, é o tempo de trabalho necessário para
produzi-la que produz o valor, enquanto a teoria do valor utilidade118 tem um fundamento
118
Desenvolvida por Jean Baptiste Say (1767) e Jeremy Bentham (1748) que embasam a revolução
marginalista.
87
subjetivo porque a demanda das mercadorias depende do gosto do sujeito e, nesse viés, o
que existe são indivíduos, a comunidade é uma ficção, a realidade é apenas uma soma de
indivíduos, não existe nada que transcenda os indivíduos. Dessa forma, retira as classes
sociais de cena ao afirmar que o que existe são agentes produtores e exclui, portanto, a
questão do excedente e consequentemente a clareza de quem dela se apropria, isto é,
obscurece a luta de classes e a possibilidade de luta pela emancipação.
Ao identificar de forma histórica e dialética, tanto o caráter objetivo quanto
subjetivo no processo de constituição do valor, quanto as contradições imanentes, ou seja,
o ser enquanto relação entre estrutura e superestrutura, produção e consumo, aparência e
essência, filosofia e política, Marx reconhece que as estruturas ainda prevalecem à vontade
humana, por isso afirma que o homem ainda vive na pré-história. Por este motivo que, ao
mesmo tempo que se encantava com a capacidade de produção material e derrubada das
barreiras materiais, critica o capitalismo porque este não se move por uma lógica humana.
A necessidade posta historicamente, a necessidade ontológica, desvelada pela teoria do
valor trabalho e as contradições postas impelem à filosofia tornar-se política, impele o
desenvolvimento de uma nova personalidade social capaz de operar coletivamente na
construção de um novo modo de vida social.
da luta de classes assume posição negativa na história e, por isso, não se deve lançar mão
dela.
Contudo, se assumirmos essa posição como princípio filosófico e estratégico,
caímos no dogmatismo metafísico contrário à própria visão dialética práxica de Marx
exposta nas Teses sobre Feuerbach em que revela o caráter revolucionário da práxis e,
portanto, ao cárater histórico-político de sua filosofia e da própria compreensão do
potencial da contradição histórica dada. Isso significa que é necessário assumir o papel da
política no processo de luta e organização como necessidade histórica contemporânea e
assim, tornar-se contemporâneo do seu tempo. Pois se nos apegarmos à ideia negativa da
política e vermos os complexos sociais como um novelo que se desenrola de sua gênese
intacto aos movimentos, determinações e necessidades de cada etapa, nos afinamos com a
perspectiva evolucionista e fatalista da história.
A teoria marxiana é histórica, práxica porque apanha seu objeto em seu contexto,
no chão da história, no qual o florescimento de novas tendências estruturais e sua
implicações superestruturais já se revelam no horizonte. Por isso, a filosofia da práxis não
pode ser concebida como uma filosofia desconexa da realidade, pois o chão político que
Marx escreve é de um proletariado como classe constituída em que seus interesses não são
dominantes, mas os interesses de seus exploradores. Marx dá voz ao proletariado, aos
grupos subalternos, pois a filosofia da práxis não é indiferente às contradições, mas é a
filosofia das contradições e que busca superá-las, por isso, a filosofia e a política se
unificam e tornam-se canal para poder fazer ecoar a voz dos grupos subalternos e tornar-se
dominante, isto é, que supere a relação dominante-dominado e a política não exista mais
enquanto função de dominação, enquanto poder de domínio.
Dessa forma, o objeto deve ser analisado como factual, objetivo, realidade efetiva
independente do sujeito que busca compreendê-lo. Porém, compreendendo que esse
mesmo objeto se humano, histórico, é, portanto, transitório, ou seja, pode ou não, conforme
as novas necessidades históricas, ter continuidade.
Portanto, deve-se buscar a gênese, consolidação e desenvolvimento das condições
de determinado complexo social e as possibilidades de sua superação para buscar
compreender o movimento real e a função social dada e não tomá-lo como pressuposto de
leitura analítica da histórica, pois este caminho leva à visão mistificadora do real e aos
erros “escatológicos” que desembocaram em reformismo e imobilidade do movimento
socialista.
90
Esse princípio que eleva a passividade mórbida não corresponde ao princípio ativo
da filosofia da práxis que, ao contrário de um princípio dado a priori para encaixar-se na
realidade ou enquadrar a realidade, emana da própria realidade como síntese histórica que
à história retorna como forma de dar continuidade ao seu movimento imanente, isto é,
imanente ao homem. Pois, o “‘dever-ser’ é algo concreto, ou melhor, somente ele é
interpretação realista e historicista da realidade, somente ele é história em ato e filosofia
em ato, somente ele é política”(GRAMSCI, 2011b, p.35).
Portanto, a formação humana de viés ontológico em Gramsci, perpassa por dois
vieses ou dois sentidos do mesmo ato, qual seja, o sentido de conservação, do “ser”,
daquilo que representa os avanços historicamente acumulados e o sentido de
transformação, daquilo que “deve ser” conforme as necessidades históricas latentes no
presente. Por isso, a personalidade do político em ato é aquela que na medida que busca
apropriar-se do conhecimento historicamente acumulado e compreende, portanto, as forças
conflituosas envolvidas na realidade vigente, busca pôr em ação a força operosa criativa e
coletiva capaz de “aplicar à vontade à criação de um novo equilíbrio de forças realmente
existentes e atuantes, baseando-se naquela determinada força que se considera progressista,
fortalecendo-a para fazer triunfar, significa continuar movendo-se no terreno da realidade
efetiva, mas para dominá-la e superá-la (ou contribuir para isso)” (GRAMSCI, 2011b,
p.35).
Nesse espectro, ainda que, para Gramsci (2011b), Maquiavel não pretendesse
mudar ele mesmo a realidade, realiza uma tarefa histórica que o coloca a frente de seu
tempo, ao demonstrar como “deveriam operar as forças históricas para se tornarem
eficientes”. Por isso, diferente de Savonarola119 que aglutina em torno de si o povo através
da religião, Maquiavel expurga a religião da política. Embora ambas (política e religião)
configurem-se como dois componentes capazes de aglutinar as massas, uma como direção
e a outra como ímpeto social, componentes traduzidos por Gramsci na forma da coerção e
do consenso obtidos pelo processo de identidade dos sujeitos sociais, pela empatia.
Nessa esteira, em Gramsci a religião supera a questão de fé ou de
institucionalidade, e assume um caráter terreno e profano de concepção de mundo integral
que liga os indivíduos, que é capaz de promover a paixão arrebatadora pelo mover
119
Girolamo Savonarola (1452-1498), superior do convento dominicano de São Marcos, tem importante
papel na vida de Florença , depois dos Médici. (Grasmsci, 2011b, p.364)
91
Esse processo educativo, no que se refere à função social a ser exercida pelo
filósofo democrático, o político em ato, centra-se na tarefa revolucionária de contribuir
para o desvelamento da realidade, para o processo de tradutibilidade do real e romper com
o mecanismo de subalternidade. Realizar a popularização da filosofia da práxis sem que ela
perca sua força crítica e transformadora e possa transformar-se em senso comum em
substituição ao senso comum bizarro – compósito de diversos elementos advindos da
religião, da ciência. Pois, o marxismo nasce do nível mais alto do desenvolvimento da
cultura e da filosofia e busca apoderar-se das massas, entra em um processo de bifurcação
reducionista e revisionista, de um lado por correntes que tentaram popularizar o marxismo
e, por outro pela apropriação intelectual burguesa de seus elementos. Por isso, Gramsci
defende uma Reforma (popular) + Renascimento (crítica) que possibilite às classes
subalternas compreender que a lógica da história está dentro da história e, portanto, que a
crítica deve ser permanente, tendo em vista que a realidade muda constantemente.
Nesse sentido, o papel do político em ato é contribuir para a construção de uma
nova hegemonia, buscando compreender e traduzindo as mediações imanentes, as
necessidades históricas e as proposições revolucionárias em linguagem política.
Na Nota V do Caderno 11, intitulada Tradutibilidade das linguagens científicas e
filosóficas, Gramsci levanta o problema da tradutibilidade destacando o caráter histórico e
para estabelecer a reciprocidade do processo de “tradução” das linguagens, conforme a
etapa e da civilização. Por isso que ao considerar a filosofia da práxis como integral e
original, afirma que “só na filosofia da práxis a ‘tradução’ é orgânica e profunda, enquanto
que outros pontos de vista trata-se frequentemente de um mero jogo de esquematismo
genéricos”, ou seja, somente a filosofia da práxis que se valida historicamente em cada
organização social histórica é possível estabelecer a conexão de fundo que permeia as
diferentes linguagens.
Dessa forma, que ao problematizar a passagem da Sagrada Família em que Marx
afirma que a linguagem política francesa corresponde e pode ser traduzida na linguagem
filosófica clássica alemã, Gramsci afere que esta afirmação é muito importante para
combater abstratismos mecanicistas. É seguindo nessa esteira que, Gramsci (2011a)
demonstra a fragilidade da posição de Einaudi em carta a Rodolfo Benini, que ao buscar
realizar uma crítica à concepção da tradutibilidade realiza uma observação metodológica-
crítica restrita à questão verbal e terminológica.
94
121
§ 79. Passado e presente. Sobre a questão da importância dada por Gentile a Gioberti para determinar uma
linha filosófica nacional permanente e consequente, devem ver-se dois estudos sobre Gioberti: o do escritor
católico francês Palhoriès, Gioberti, Alean, Paris, 1929, in-8°, 408 p., e o do idealista Ruggero Rinaldi,
Gioberti e il problema religioso dei Risorgimento, prefácio de Balbino Giuliano, Vallecchi, Florença, in-8?,
XXVIII-180 p. Ambos, embora partindo de diferentes pontos de vista, chegam a demonstrações semelhantes:
a saber, que Gioberti não é de modo algum o Hegel italiano, mas se mantém no campo da ortodoxia católica
e do ontologismo. Deve-se considerar a importância que tem no “gentilianismo” a interpretação idealista de
Gioberti, que no fundo é um episódio de Kulturkampf ou uma tentativa de reforma católica. Deve-se observar
a introdução de Giuliano ao livro de Rinaldi, porque parece que Giuliano apresenta alguns problemas de
cultura postos pela Concordata na Itália, ou seja, como, tendo tido lugar o acordo político entre Estado e
Igreja, possa ocorrer um “acordo” entre transcendência e imanência no campo do pensamento filosófico e da
cultura. (GRAMSCI, [1930-1931] 2011, p. 444-445)
122
Vincenzo Gioberti, sacerdote e capelão na corte dos Saboia, obrigado, por ter aderido às ideias
republicanas e patrióticas, ao exílio em Paris e sucessivamente em Bruxelas, é central na avaliação
gramsciana do Risorgimento italiano como revolução passiva ou restauração progressiva: no sentido de um
desenvolvimento peculiar da história italiana caracterizado pela ausência de uma iniciativa popular ampla e
forte, à diferença da Revolução Francesa, e por um transformismo das classes dominantes capaz de acolher
somente alguma exigência de baixo para salvar o seu poder e o seu “particular”. In: LIGUORI; VOZA
(Orgs). Dicionário gramsciano. São Paulo: Boitempo, 2017.
97
Para Gramsci, esse significado teórico demanda uma passagem da teoria à prática,
da concepção de mundo a uma norma prática de conduta, espírito de iniciativa, força no
caráter e vontade concreta correspondente, vontade operosa e ativa capaz de evitar
determinismos, abstratismos e titanismos vazios e improdutivos, pela qual mais uma vez se
evidencia a relação entre as bases da ontologia da filosofia da práxis e a formação humana.
Nestes termos que no §28 do Caderno 11, intitulado Conceito de ortodoxia,
Gramsci (2011, p.152) afirma que “o conceito de “ortodoxia” deve ser renovado e
relacionado às suas autênticas origens”, ao realizar uma crítica à mutilação operada pelos
marxistas ditos ortodoxos, que realizam uma redução da filosofia da práxis às suas “partes
constitutivas”, ao hegelianismo ou ao feuerbachismo por exemplo, e dessa forma, buscam
teorias heterogêneas para tentar complementá-la, subordinando-se a uma teoria geral
123
Escrito de 1932 a 1935.
98
Compreendemos que não por acaso que a Nota seguinte, o §28, tem como título e
foco de análise A imanência e a filosofia da práxis. Nesta Nota, o autor sardo,
problematiza a redução do termo imanência e imanente, os quais Bukharin, no Ensaio
Popular, afirma que são utilizadas apenas como metáfora por Marx. Gramsci problematiza
o processo de transição de uso dos termos e a continuidade do uso mesmo com a ampliação
histórica das bases que a fundam, mantendo elementos das concepções anteriores e
superando os velhos paradigmas. Nestes termos, que o filósofo sardo afirma que o
Nesse viés, que imanência assume caráter histórico, histórico absoluto implicando
uma luta bifrontal contra o historicismo especulativo e toda forma de economicismo, tendo
em vista que este caráter “absoluto” não é determinado pelo movimento das ideias ou pelas
categorias abstratas do pensamento, mas pelo mover da própria realidade construída,
objetivada pelo sujeito ativo, que faz, produz a história e a si mesmo. Por isso, a nova
imanência, a imanência histórica é humanista, pois centra-se no ser produtor da história, o
homem concreto e, por este prisma é possível afirmar que não há nada fora da história. É
nesse sentido, que ao recuperar Maquiavel, Gramsci afirma que a sua crítica do presente
elencou conceitos universais concretos, expressou uma concepção de mundo original que
também pode ser reconhecida como filosofia da práxis ou neo-humanismo, na medida em
que se detém aos elementos imanentes históricos, ou seja, “baseia-se inteiramente na
atuação concreta do homem que por suas necessidades históricas opera e transforma a
realidade” (GRAMSCI, 2011b, p.218). É nesse sentido que o conceito de absoluto se refere
especificamente ao histórico, ao que é produzido historicamente, e como a produção é
constante e toda teoria se origina na prática, a filosofia da práxis concebe a história em
constante movimento e, nesse viés, nenhuma verdade é eterna e absoluta, mas assume
100
valor contingente às necessidades históricas de cada época, postulando a relação entre ser e
dever-ser.
Munido desse viés, que no Caderno 3, §127, intitulado Maquiavel, Gramsci retoma
uma nota de Azzalini124 sobre Maquiavel, a qual para ele exemplifica os elementos de um
esquematismo científico que empreende deduções e relações de identidade e distinção
entre direito e ciência política, levando a uma debilidade do conceito de ontologia por
restringi-lo à compreensão do ser de modo estático, e a uma distinção formal entre política
e direito público, ao afirmar que
124
La politica, scienza ed arte di Stato.
125
Inpirado no imperativo categórico kantiano, a deontologia foi introduzida em 1834, por Jeremy Bentham,
para referir-se ao ramo da ética cujo objeto de estudo são os fundamentos dos deveres e as normas morais. É
conhecida também sob o nome de “Teoria do Dever”.
101
terreno das ideologias pela qual se coloca em movimento a construção de uma hegemonia.
Como afirma Gramsci (2011, p.338) o “terreno no qual determinados grupos sociais
tomam consciência do próprio ser social, da própria força, das próprias tarefas, do próprio
devir”.
Nesse espectro um dos movimentos imanentes ao dever-ser do homem é, nesse
processo de interação, desenvolver certas qualidades e habilidades que se complexificam
na medida que a práxis se desenvolve e complexifica. Pois, a base ontológica de uma nova
forma de ser é uma determinada forma de ser factual, histórico-concreta, imanente, o que
implica uma análise das mediações, ou seja, a tradutibilidade dos graus de complexidade
próprios de cada esfera e das relações imbricadas, do quantum de velho tem no novo, a
qual se distancia de leituras mecanicistas que definem uma falsa hierarquia entre os
complexos estruturais e superestruturais e impele um processo de formação político-
pedagógica constante nesse volver de traduzir e operar a realidade.
Compreender essas relações, interações e determinações particulares, significa
compreender a amplitude revolucionária, isto é, que o processo de transformação radical da
sociedade não se restringe a uma específica esfera do real, à política – especialmente no
sentido restrito, historicamente determinado, à mera disputa política historicamente
determinada, neste caso à disputa de espaços dentro da estrutura política burguesa
institucional parlamentar - mas a uma total transformação em todo processo de produção e
reprodução que perpassa por todas as esferas e complexos e áreas sociais, desde o modo de
produção da vida nos diversos ramos da indústria e objetivações até às formas artísticas e
culturais, filosóficas, estabelecendo novas formas de se relacionar, a partir da lógica do
trabalho associado e livre. Por isso, traduzir as línguas nacionais que expressam uma
determinada cultura, e as linguagens científicas em correspondente linguagem filosófica,
política ou econômica, traduzir os velhos conceitos em contemporâneos, são
imprescindíveis para movimentar e transformar as bases sociais. Pois, conforme o autor
sardo,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS