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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

BASES ONTOLÓGICAS DA FILOSOFIA DA PRÁXIS E


FORMAÇÃO HUMANA EM ANTONIO GRAMSCI

JOELINE RODRIGUES DE SOUSA

Orientação: Giovanni Semeraro

Niterói, RJ
2017
1

JOELINE RODRIGUES DE SOUSA

BASES ONTOLÓGICAS DA FILOSOFIA DA PRÁXIS E FORMAÇÃO


HUMANA EM ANTONIO GRAMSCI

Tese apresentada ao Curso de Doutorado


em Educação da Universidade Federal
Fluminense como requisito para obtenção
do título de Doutor em Educação.

Orientação:
Giovanni Semeraro

Niterói, RJ
2017
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3

JOELINE RODRIGUES DE SOUSA

BASES ONTOLÓGICAS DA FILOSOFIA DA PRÁXIS E FORMAÇÃO


HUMANA EM ANTONIO GRAMSCI

Tese apresentada ao Curso de Doutorado


em Educação da Universidade Federal
Fluminense como requisito para obtenção
do título de Doutor em Educação.

Niterói, 18 de setembro de 2017.

Banca examinadora

_________________________________________________
Orientador - Giovanni Semraro (UFF)

_________________________________________________
Ronaldo Rosas (UFF)

__________________________________________________
Marcos Del Roio (Unesp)

___________________________________________________
Rocco Lacorte (UNB)

___________________________________________________
Carlos Eduardo Rebuá (UFPB)
4

Para todas as mulheres que lutam e nunca desistem dos seus sonhos.
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu filho, Ismael, pela paciência por tantas distâncias que este projeto
nos exigiu, mas que permaneceu com seu apoio e amor irrestrito, tão necessários para que
eu pudesse ter forças para continuar.
Agradeço a pessoa mais simples e especial que sempre me inspirou pela força e
esteve sempre presente em todas as horas de alegria e angústia, e me apoiou
incondicionalmente com seu amor, a D. Maria da Paz, minha mãe.
Agradeço aos amigos de todas as horas que me ensinaram a compreender melhor o
ser social na prática das relações tão mais humanizadas e humanizantes, especialmente a
Dani Castro e Marina Bueno que despretensiosamente realizaram este feito e se
consolidaram amizades tão valiosas que o Rio de Janeiro me deu.
Agradeço aos colegas do Nufipe, do GGramsci e da International Gramsci Society -
IGS/Brasil pelo compartilhamento de valorosas aprendizagens que contribuíram para o
desenvolvimento desse projeto.
Agradeço às valiosas contribuições dos professores Rocco Lacorte, Marcos Del
Roio, Ronaldo Rosas e Carlos Educardo Rebuá que compuseram a banca examinadora e
auxiliaram com o delineamento dos caminhos a seguir.
Um agradecimento especial ao meu mais que orientador, mas um mestre de vida,
Giovanni Semeraro, pela generosidade, acolhimento, incentivo e apoio humano, que me
ensinou muito mais que postulados teóricos, mas a práxis de uma nova forma de ser
humanizante, humanizadora das relações e do potencial transformador da vida real com a
simplicidade revolucionária do filósofo da práxis, sem o qual apoio, a realização desse
trabalho não teria jamais sido possível.
6

a consciência pode às vezes parecer mais


avançada do que as relações empíricas
contemporâneas a ela, de modo que nas
lutas de uma época posterior possa se
apoiar nos teóricos anteriores como
autoridades. (MARX, 2007, p.69)

Conhece-te a ti mesmo.
(Templo de Delfos)
7

RESUMO

A filosofia da práxis se configura como uma nova concepção de mundo original que supera
todas as concepções anteriores em uma síntese, como um tertium datur inaudito. Gramsci,
no seu tempo enfrentou o revisionismo de diversas correntes de seguidores do fundador da
filosofia da práxis, bem como, de intelectuais que representam os anseios conservadores
dominantes. Desse modo que nos Cadernos do Cárcere, mormente o Caderno 11, realiza
uma crítica a Croce e Bukharin que engendram o marxismo em perspectivas positivistas,
economicistas e mecanicistas e equalizadoras dos conflitos sociais, operando uma
revolução passiva em termos teóricos que se desdobram na passividade diante da
necessária luta pela superação do capital. Nesse sentido que, com base especialmente em
Labriola e Lenin, desenvolve no conjunto dos Cadernos, uma recuperação do marxismo
dessas tendências regressivas e desenvolve todo um conjunto de reflexões teórico-práticas
sobre a integralidade e historicidade absoluta da filosofia da práxis e por isso, é uma
filosofia da imanência e do humanismo absoluto. Dessa forma, recupera o caráter
ontológico da filosofia da práxis, destacando os elementos ativos e históricos e, portanto,
do movimento dialético práxico entre ser e dever-ser como imanente e para a intervenção
consciente sobre este movimento imanente se faz necessária a tradutibilidade das
linguagens do real. Nesse sentido que a filosofia da práxis é educativa e fomenta uma
formação omnilateral, integral, pois a relação sujeito-objeto é unitária, dada a unidade
entre teoria e prática, e na medida que o sujeito age, traduz e produz a realidade, amplia a
sua formação com indivíduo e ser coletivo. Nesse espectro, a formação na perspectiva da
filosofia da práxis está voltada para o dever-ser, para a formação de novos tipos de
“Estado” e, para tanto, demanda a articulação consciente e coletiva das classes subalternas,
a formação do político em ato que se compreende como elemento de contradição imanente
e, munido da lógica da dialética práxica, busca descontruir o velho e construir um novo
modo de vida social em que a necessidade dê lugar à liberdade.

Palavras-chave: Ontologia, Práxis, Filosofia da Práxis, Formação Humana.


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SINTESI

La filosofia della prassi è una nuova concezione del mondo originale che supera tutte le
concezioni precedenti in una sintesi, come un tertium datur senza precedenti. Gramsci, ai
suoi tempi, affrontò il revisionismo di varie correnti di seguaci del fondatore della filosofia
della prassi, nonché di intellettuali che rappresentavano i desideri conservatori dominanti.
Così, in Quaderno del Carceri, in particolare in Quaderno 11, critica Croce e Bucharin,
che generano il marxismo in prospettive positiviste, economiste e meccaniciste ed
equalizzatori di conflitti sociali, operando una rivoluzione passiva in termini teorici che si
svolgono nella passività di fronte al necessaria lotta per il superamento del capitale. In
questo senso, che, basato soprattutto su Labriola e Lenin, si sviluppa nel set dei Quaderni,
una ripresa del marxismo di queste tendenze regressive e sviluppa insieme di riflessioni
teorico-pratiche sulla completezza e l'assoluta storicità della filosofia della prassi e quindi
una filosofia di immanenza e assoluto umanesimo. Quindi, recupera il carattere ontologico
della filosofia della prassi, evidenziando gli elementi attivi e storici e, quindi, del
movimento dialettico praxico tra essere e dovrebbe essere come immanente e per
l'intervento consapevole su questo movimento immanente, è necessaria la traducibilità
delle lingue, del reale. In questo senso, la filosofia della prassi è educativa e favorisce una
formazione onnilaterale integrale, poiché la relazione soggetto-oggetto è unitaria, data
l'unità tra teoria e pratica e, mentre il soggetto agisce, traduce e produce realtà, si espande
la tua formazione con l'individuo e l'essere collettivo. In questo spettro, la formazione dal
punto di vista della filosofia della prassi si concentra sul dovrebbe essere, sulla formazione
di nuovi tipi di "Stato" e, per questo, richiede l'articolazione cosciente e collettiva delle
classi subordinate, la formazione del politico in azione che è inteso come elemento di
immanente contraddizione e, armato della logica della dialettica praxica, cerca di
decostruire il vecchio e costruire un nuovo modo di vita sociale in cui il bisogno lascia il
posto alla libertà.

Parole chiave: Ontologia, Praxis, Filosofia della Praxis, Formazione umana.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................10

I A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA INAUGURADA POR MARX...............................14


1 Luta de classes, dualismo e o novo materialismo.............................................................14
2 A práxis revolucionária.....................................................................................................26
3 Práxis e hegemonia – uma relação pedagógica.................................................................55
4 Ontologia Histórico-Social – a compreensão marxista unitária da história......................58

II FORMAÇÃO HUMANA - PERSPECTIVA ONTOLÓGICA DA FILOSOFIA DA


PRÁXIS…………………………………………………………………………………...80
1 O “Valor” educativo da Filosofia como Política...............................................................80
2 O Político em ato e o “novo ser social”.…………...…….................................................87
3 Ontologia da Filosofia da Práxis – uma nova ortodoxia………………………………...95

CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................104

REFERÊNCIAS...............................................................................................................106
10

INTRODUÇÃO

A necessidade de um trabalho de recuperação do caráter ontológico da obra de


Gramsci, tal como Lukács recuperou em Marx - a concepção ontológica do ser social que
tem no trabalho a atividade fundante e originária do ser dos homens, nos dias hodiernos
tem-se configurando emergente frente às novas concepções filosóficas cada vez mais
ornamentais e distantes da realidade. O trabalho de recuperação da ontologia em Gramsci,
seria um esforço inaudito, tendo em vista que das leituras empreendidas até aqui, o que
temos conhecimento são de aproximações do tema que advém de autores como Oldrini
(1991), Coutinho (2011), porém, sem aprofundá-los, sobre as formulações do filósofo
sardo - Gramsci, com as ideias do filosofo húngaro – Lukács. Além destes, no cenário
italiano, encontramos ainda Martelli (1996), que vai um pouco mais além e elenca alguns
elementos em Gramsci, nesta perspectiva. Tais aproximações exigem um estudo rigoroso e
aprofundado, pois configura-se como um empreendimento für ewig.
Nosso projeto não se constitui em uma proposta de análise comparativa entre os
autores supracitados, tendo em vista as condições objetivas e o tempo histórico que temos
para realizá-lo. Porém, partimos da consideração de que em Marx, o trabalho assume a
categoria central do mundo dos homens. Tal categoria - o trabalho - integra junto à
filosofia da práxis, a centralidade da análise dos nossos estudos, tendo em vista que, para
nós, o núcleo que constitui o elo fundante da práxis – concebida como expressão da síntese
da atividade teórico-prática, encontra-se no trabalho.
A partir deste prisma, pretendemos desvelar nosso objeto de estudo, pois sem este
princípio metodológico fundado na ontologia marxiana, para o qual dedicaremos um
capítulo, compreendemos que há a possibilidade de deslocamento da luta de classes para a
passividade mórbida da mistificação evolucionista, mecanicista e economicista como
ocorreu com a luta das classes subalternas, a partir da Segunda Internacional. Pois, a
ausência de um sistema teórico levou à crença na iminente queda fatal do modo de
produção capitalista, ou ainda, ao deslocamento da luta revolucionária para o terreno
estrito da política e do ativismo voluntarista. Possibilidades estas, portanto avessas ao
projeto de emancipação humana como atividade construída conscientemente pelo homem
como demiurgo de sua própria vida e história através da subversão da ordem vigente, que
exprime-se concretamente nas relações de forças conflituosas e antagônicas.
11

Nesse sentido, indicamos que a compreensão que norteia o resgate da ontologia


marxiana no legado gramsciano como objetivo investigativo reside no legítimo
entendimento de que essa perspectiva – a ontológica - demonstra a possibilidade da
emancipação humana, da superação da exploração do homem pelo homem, destituindo
qualquer perspectiva que referende uma pretensa natureza humana imutável ou visão
evolucionista dos acontecimentos históricos e do devir, que coloque o homem numa aguda
passividade diante da luta revolucionária.
Nesse viés, Gramsci dedicou o Caderno 11, escrito entre 1932 e 1933, intitulado
Introdução ao estudo da filosofia, no qual busca recuperar as concepções marxianas,
elaborando a filosofia da práxis, como a síntese do movimento histórico numa relação
dialética entre a realidade posta e o devir, entre o imediato e a totalidade, como frutos da
ação humana. Portanto, a escolha do termo filosofia da práxis, não se justifica apenas pela
intenção de despistar os seus escritos da censura fascista, mas sobretudo, explicitar a noção
da relação unitária entre teoria e prática defendida por Marx nas Teses sobre Feuerbach,
que como afirma Gramsci nos Cadernos do Cárcere, é a chave para entender o marxismo
como filosofia da práxis. Por isso, compreendemos que nesta concepção, ainda que com
sua linguagem própria, encontra-se o núcleo de sua concepção ontológica.
Além de Marx e Engels, Gramsci sofreu influência de diversos autores, contudo,
destacamos para nossos estudos a grande influência de Antonio Labriola, bem como de
Lenin, no que tange o resgate da concepção revolucionária da práxis, recuperando o
método dialético e demarcando a filosofia da práxis como uma nova concepção de mundo
que basta a si mesma, tentando, outrossim, desmistificar toda incrustação idealista,
metafísica e folclórica da realidade que visam manter o homem no campo do imediato, em
uma visão da realidade como algo imutável, figurando assim também, seu caráter
meramente mecanicista.
Ademais, Gramsci reclama uma sociedade autorregulada e a autorregulação do
processo produtivo e social, articulando a filosofia da práxis com a constituição da
hegemonia do proletariado. Pois, como assenta o marxista italiano (GRAMSCI, 2007, p.
247), “a hegemonia nasce da fábrica”, isto é, da estrutura e de toda a superestrutura social a
qual pressupõe criar condições para que os indivíduos possam ser “dirigentes ou
dirigidos”. Tarefa esta que revela-se no combate ao revisionismo do marxismo, oriundo
das concepções neokantianas, que após a morte de Hegel influenciou fortemente a
socialdemocracia alemã e Bernstein. Concepções estas que se opõem diretamente ao
12

idealismo objetivo hegeliano que tem como núcleo a dialética - uma das partes
constitutivas do marxismo, e portanto, segundo Lenin, colocam a concepção ontológica em
segundo plano.
Nesse prisma, assumimos como objetivo geral de nossa investigação elencar as
bases da filosofia da práxis e os elementos ontológicos nos escritos de Gramsci e, nesse
escopo, sua concepção de ser social. Para tanto, lançamos mão ainda dos seguintes
objetivos específicos, a saber: a) buscar recuperar a trajetória de formação filosófico-
política de Gramsci que o levou ao desenvolvimento da filosofia da práxis e nesse espectro
recuperar os elementos histórico-filosóficos que influenciaram o desenvolvimento e
constituição da Filosofia da Práxis como fonte de recuperação do marxismo do
revisionismo; b) aferir os elementos ontológicos da filosofia da práxis de Gramsci; c)
investigar nos escritos de Gramsci sua concepção de ser social e de formação humana,
conforme as bases ontológicas da filosofia da práxis.
Tendo em vista alcançar os objetivos propostos, lançamos mão de um estudo
teórico-bibliográfico, partindo das contribuições de Marx e Engels, especialmente, a
Miséria da Filosofia (2008) que Gramsci afirma ser um momento essencial da filosofia da
práxis que pode ser considerada como o desenvolvimento das Teses sobre Feuerbach.
Debruçamo-nos sobre a obra de Lukács e a concepção de ser social, nos capítulos do
“Trabalho”, da “Reprodução” e “Os princípios ontológicos fundamentais de Marx”
tratados na Ontologia do Ser Social, para compreendermos os caminhos que percorrera e
os fundamentos que o auxiliara na recuperação do legado marxiano do revisionismo e do
desenvolvimento da ontologia. Examinamos a obra de Antonio Labriola – introdutor do
marxismo na Itália - e de Lenin, para aferirmos a influência sobre Gramsci, sobretudo, as
obras Discorrendo sobre socialismo e filosofia e Ensaios sobre a concepção materialista
da História, bem como, Os Cadernos filosóficos, respectivamente. Munidos destes
pressupostos, realizaremos uma revisão bibliográfica da obra de Gramsci, buscando
elencar os elementos que condensam as categorias atinentes ao nosso objeto, e podem
fornecer os elementos que condensam a relação das bases ontológicas da Filosofia da
Práxis e a dimensão da formação humana, apoiadas mormente em sua obra carcerária,
precisamente na: Introdução ao estudo da filosofia (1932) – Caderno 11 (1932-1933), A
filosofia de Benedetto Croce – Caderno 10 (1932-1935), Americanismo e Fordismo –
Caderno 22 (1934) e Intelectuais e a Organização da Cultura – Caderno 12 (1932). Tendo
em vista, as parcas referências sobre a filosofia da práxis em português, nos apoiamos em
13

autores e obras do cenário italiano que podem contribuir para desvelar nosso objeto, entre
eles, Frosini (2003) e (2009), que tem se dedicado ao estudo da filosofia da práxis,
Badaloni (1975), entre outros.
Nesse viés, buscamos no primeiro capítulo, traçar o caminho do problema
histórico-social que se desenvolve a partir da luta de classes que tem repercussões teórico-
práticas e se apresenta a Marx nos aspectos políticos e filosóficos encravados na divisão
social do trabalho e na propriedade privada, bem como, os desvios surgidos no marxismo
com seus sucessores, especialmente a partir da Segunda Internacional. Problemas estes
representados pelo mecanicismo materialista ou reducionismo idealista, os quais Gramsci
buscou combater com vigor nos Cadernos. Nesse sentido, no segundo capítulo trazemos à
baila as primeiras aproximações da concepção materialista de ontologia e filosofia da
práxis, bem como, dos elementos ontológicos engendrados no pensamento do autor sardo,
dos quais destacamos sua concepção de ortodoxia, que a nosso ver, se revela como o termo
sinônimo de ontologia utilizado pelo autor sardo, o qual se reveste de originalidade ao
recuperar os elementos essenciais da filosofia da práxis para compreender e revolucionar a
vida social: a dialética práxica, a concepção original de imanência e tradutibilidade. Para
tanto, lançamos mão de autores que já empreenderam esforços nesse sentido, entre eles
Martelli (1996), Semeraro (2015), Losurdo (2015), além de outros autores como Kant
(2014), Hegel (2000), Lukács (2013), Marx (2007) e Gramsci (2011; 2014).
14

I A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA INAUGURADA POR MARX

1 Luta de classes, dualismo e o novo materialismo

A emergência do processo de conhecer o mundo é imanente à existência humana e


à garantia de sua sobrevivência, desde o salto do mundo natural ao mundo social. Ainda
que de forma rudimentar, no mundo primitivo havia a centralidade da natureza, isto é, a
busca de conhecer os elementos da natureza para dela libertar-se. O núcleo imperativo do
conhecimento e seu desenvolvimento, conforme Marx e Engels, fixa-se na forma de
produzir dos homens.

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião


ou pelo que se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos
animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, [...]. Ao
produzir seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua
própria vida material. (MARX E ENGELS, 2007, p.87)

Na medida em que as relações sócio-produtivas se complexificaram,


simultaneamente complexificaram-se o processo de produção e de difusão do
conhecimento, dada a divisão social do trabalho em trabalho manual e intelectual que
ocorrera devido a necessidade de afastamento das barreiras naturais. O trabalho intelectual
centra-se nas mãos de um pequeno grupo, ao qual delegava-se a tarefa de desenvolvimento
e melhoramento da técnica do trabalho, de onde emerge a propriedade privada, fruto da
apropriação privada do conhecimento, e consequentemente dos bens produzidos, os quais
deveriam tornar-se valor ao inteiro grupo social, originando a sociedade de classes, postos
os interesses antagônicos.
Apesar do surgimento da divisão social em classes, há a continuidade da
centralidade da objetividade no processo de conhecer, isto é, a busca de compreender o que
é o ser. Com o surgimento da filosofia no século V a.C., o mito é dialeticamente superado
pela razão que torna-se guia da busca das categorias essenciais do ser1. Contudo, apesar da

1
Os primeiros filósofos indagaram a existência de um princípio originário único, causa de todas as coisas
(arché) em torno da physis. Tales de Mileto, foi o primeiro a sistematizar ideias em torno da questão,
considerava a água o elemento originário. Com o deslocamento do eixo do cosmos para o homem efetuado
pelos sofistas, surge a metafísica com Platão, para quem a realidade ou o ser não é de um único gênero, pois
além do cosmo sensível existe também uma realidade inteligível. Ver. REALE (1990).
15

tradição greco-medieval conceber a distinção entre essência e aparência, a essência é


considerada imutável e os dados empíricos não podem expressar a verdade.
Aristóteles com a concepção de metafísica como filosofia primeira foi quem mais
avançou no sentido de perceber a relação entre essência e aparência, por, diferentemente de
seus predecessores, conceber o ser da natureza como existente e real e a essência das coisas
contidas nelas mesmas, pois “é do ser do ser que temos que apreender as primeiras causas”
(ARISTÓTELES, p.105, 2012). Apesar de conservar elementos idealistas como a ideia de
ser imutável e eterno, ele introduz elementos importantíssimos para o desenvolvimento da
concepção humanista e historicista, a concepção de ser como constante devir em ato e
potência, isto é, o ‘movimento’2 como essente ao ser. Ademais, pela visão dialética do uno
e da pluralidade do ser, isto é, a particularidade e a totalidade, defende a filosofia primeira
– a metafísica – como ciência necessária ao estudo do ser em geral, considerada “ciência
mais alta, mais ampla e mais universal” (Aristóteles apud Chauí, p. 237)
Com as transformações do mundo moderno, desde o Renascimento, o humanismo,
o iluminismo e as descobertas científicas, ocorre o movimento de reação e os dados
empíricos assumem expressão de verdade. Desse movimento, culmina o pensamento de
Kant, resultado do impasse entre racionalistas e empiristas.
Conforme Lukács (2013), Kant avança ao caracterizar a essência ontológica da
esfera orgânica e reconhecer a vida como uma ‘finalidade sem escopo’ e, assim, rebate a
tradicional teleologia superficial que sustentava as teodiceias e concepções transcendentes
e abre o caminho para a correta compreensão da esfera do ser. Por outro lado, ao buscar
equacionar questões ontológicas em termos gnosiológicos, cai em contradição e fecha o
próprio caminho que abrira.
Ao buscar superar o gap existente entre racionalistas e empiristas e fundar uma
nova metafísica – o idealismo transcendental, Kant substituiu a questão do “que é o ser”
para “como podemos conhecer”, criou as bases para o ceticismo ao repelir categorias que
permitiriam a apreensão da relação dialética entre objetividade e subjetividade, e ao negar
a possibilidade de conhecermos a coisa em si, lançou as bases do positivismo que viria a
ser desenvolvido posteriormente por Comte.

2
Embora Aristóteles desenvolva a concepção de movimento de forma articulada com sua concepção de ato e
potência em devir, Heráclito que herda dos milésimos o dinamismo universal e o desenvolve indicando o
devir como característica estrutural de toda a realidade como passagem dinâmica ordenada de contrário ao
outro que no conjunto se compõe em harmonia de contrários. Ver: REALE, 2003.
16

A posição kantiana segue na contramão das conotações da filosofia antiga que


alicerçam a impostação ontológica do conhecimento do ser: o conteúdo – ao buscar
explicar a totalidade das coisas, toda a realidade sem exclusão de partes ou momentos dela;
o método – baseado na lógica ontológica que busca ir além do fato e das experiências para
encontrar a causa primeira através da razão considerando toda a realidade e seus princípios
e, por fim, o objetivo – que é o puro desejo de conhecer e contemplar a verdade.
Na esteira dessas conotações filosóficas, o objeto é visto em toda a totalidade da
realidade do ser, inclusive a compreensão de seu princípio. Essas conotações são
revisitadas durante o Renascimento e, conjugadas com o humanismo, fomentam a busca do
saber como elemento de distinção social e inspiram o desenvolvimento de ideias
emancipadoras às classes subalternas, neste caso, a burguesia.
Dessa tradição, conforme Coutinho (2010), a filosofia burguesa extrai elementos
decisivos para a sua ascensão - como as categorias humanismo, historicismo e razão
dialética, e do progresso capitalista que como totalidade concreta em constante
desenvolvimento a necessária apreensão da realidade a qual desejavam transformar. Após
tornar-se classe dominante, a burguesia assume o papel de conservadora do status quo e a
razão é encarada com um ceticismo cada vez maior. É evidente que a burguesia tinha uma
exata noção do fato de que todas as armas que forjara contra o feudalismo voltavam seu
gume contra ela3.
Nesse sentido, Coutinho (2010) afirma que há duas etapas da história da filosofia
burguesa. A primeira caracteriza-se como um movimento progressista desde os
renascentistas até Hegel, orientado na direção da elaboração de uma racionalidade
humanista e dialética. A segunda inicia um processo de decadência progressiva e o
abandono das categorias conquistadas no período anterior, representando uma radical
ruptura e descontinuidade filosófica que nega o papel da razão dialética na práxis dos
homens gerando a agudização da alienação4.
O processo de empobrecimento das categorias racionais coincide com o momento
em que a burguesia deixa de ser a representante da totalidade do povo no combate à reação

3
“A burguesia tinha a noção correta de todas as armas que ela havia forjado contra o feudalismo começavam
a ser apontadas contra ela própria, que todos os recursos de formação que ela havia produzido se rebelavam
contra a sua própria civilização, que todos os deuses que ela havia criado apostataram dela”. MARX, Karl. O
18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011.
4
Ver El asalto a la razón de György Lukács.
17

absolutista feudal e o proletariado surge como classe autônoma. Esse momento é


impulsionado por Kant que ao despertar do sono dogmático com o auxílio de Hume5,
inaugura, com a revolução copernicana que provoca na filosofia, a primazia da impostação
gnosiológica centrada na razão, no sujeito e na experiência, pois segundo ele, “Platão se
aventurou no espaço vazio do entendimento puro” (KANT, 2009, p.17) e se antes o
conhecimento era regulado pelos objetos, agora os objetos devem regular-se pelo nosso
conhecimento. Desse modo, ainda que busque apoiar-se na experiência, ao negar a
possibilidade de compreensão do ser em sua essência, toma a matemática como modelo e o
método dedutivo que dela deriva para situar os alicerces dos princípios universais
apriorísticos da ‘nova’ metafísica. Pois segundo ele, “a metafisica [...] consiste em simples
proposições sintéticas a priori” (KANT, 2009, p.21), contudo, tais proposições advém de
intuições puras da nossa sensibilidade – espaço e tempo - que precedem a percepção de
objetos reais, embora como aparecem a nós, isto é, “a intuição pura, pode sem dúvida ser
representada a partir de nós mesmos, isto é, a priori” (KANT, 2014, p.57). Em outras
palavras, Kant afirma que o sujeito possui estruturas da razão, que são universais e dadas a
priori, as quais possibilitam através da experiência sensível conhecer o objeto tal como se
apresenta e conceber novas ideias/conceitos. Portanto, conforme a metafísica
transcendental, é possível conhecer o fenômeno, como a realidade se apresenta à
sensibilidade e é acomodada pela razão, mas jamais o noumenon6, a realidade em si.
Ademais, sua filosofia evidenciava uma ética com base no imperativo categórico7,
princípios que deseja ver aplicados universalmente, que se impõem como pressupostos
para a ação humana, como um conjunto de valores dados a priori acima das circunstâncias,
os quais deveriam ser internalizados e seguidos. A práxis humana, desse modo, é
enfrentada do alto, mediada pela moral pura, a qual não encontra raiz na realidade, nem
mantém com a atividade humana uma relação dialética, mas conforme Lukács (2013,
p.51), “encontra-se numa substancial e insuprimível oposição a ela. Desse modo, também
nesse caso, o verdadeiro problema ontológico não recebe solução”.

5
“Admito sem hesitar: a recordação de David Hume foi exatamente aquilo que, há muitos anos, primeiro
interrompeu meu sono dogmático e deu uma direção completamente diversa às minhas investigações no
campo da filosofia especulativa.” (KANT, 2014, p.28)
6
A relação e distinção entre fenômeno e noumenon será desenvolvida posteriormente.
7
“Aja apenas segundo a máxima que você gostaria de ver transformada em lei universal”. (Metafísica da
moral, 1797)
18

Com essas proposições, Kant assenta as bases para diversas correntes


conservadoras e sectárias como o irracionalismo, o ceticismo, o positivismo, as quais em
certa medida influenciaram o marxismo, especialmente a partir da Segunda Internacional
através de alguns dirigentes como Bernstein8, Kautsky9, Max Adler10 e alguns
contemporâneos de Gramsci, como Bukharin - a quem Gramsci refuta as ideias por ele
expostas, especialmente no Ensaio Popular11.
Estes tentaram conciliar o inconciliável, tendo em vista que os pressupostos
marxianos são completamente distintos das correntes ceticistas e positivistas, pois as bases

8
Eduard Bernstein congregava a direita revisionista neokantista e o Partido Social-Democrata da Alemanha.
Expõe suas ideias de um ‘socialismo evolucionário’ especialmente em Os pressupostos do socialismo e as
tarefas da social-democracia.
9
Kautsky foi o mais destacado pensador marxista da Segunda Internacional entre 1889 e 1914 e
desempenhou um importante papel na consolidação do marxismo como disciplina intelectual. De 1885 a
1890 viveu em Londres, trabalhando em estreita colaboração com Engels na organização dos manuscritos
marxianos. Após trabalhar com Engels na década de 1880, traduziu A miséria da filosofia, de Marx, e, mais
tarde, editou as Teorias de mais-valia. Escreveu várias obras de difusão das teorias econômicas e filosóficas
de Marx e aplicou o marxismo à investigação das origens do cristianismo (1908) e da natureza do
pensamento religioso utópico. Sua orientação intelectual inicial pendeu para o materialismo científico
natural, em particular o de Buckle, Haeckel e Darwin, e a sua concepção do marxismo permaneceu
enquadrada nesse molde para o resto de sua vida. Essa sua concepção do marxismo como um materialismo
científico natural aplicado à sociedade explicita-se integralmente em Die materialistische
Geschichtsauffassung (A concepção materialista da história, 1927). O apego aos aspectos mais deterministas
da teoria marxista levou-o a um conflito crescente com aqueles que encaravam o marxismo como um guia
para a ação revolucionária e não simplesmente como um método de análise. Ver: BOTTOMORE, Tom.
Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
10
Principal representante do austromarxismo, vislumbrava o socialismo como problema ético, de valores e o
ideal de liberdade. Ligou o marxismo à tradição filosófica alemã, especialmente às correntes neokantistas,
bem como, às correntes positivistas. As bases conceituais e teóricas do austromarxismo foram desenvolvidas
principalmente por Adler, para quem o marxismo era “um sistema de conhecimento sociológico (…) a
ciência das lei da vida social e de seu desenvolvimento causal” (Adler, 1925, p.136). Na primeira de suas
obras importantes (1904), Adler analisou cuidadosamente a relação entre a causalidade e a teleologia e nesse
trabalho, bem como em escritos posteriores, ressaltou a diversidade das formas de causalidade, insistindo em
que a relação causal na vida social não é “mecânica”, e sim mediada pela consciência. Essa ideia está
expressa vigorosamente num estudo sobre a ideologia (1930, p.118), onde Adler argumenta que até mesmo
“os próprios fenômenos econômicos não são nunca ‘materiais’ no sentido materialista, mas têm precisamente
um caráter ‘mental’”. Para Adler, o conceito fundamental da teoria da sociedade de Marx era a “humanidade
socializada” ou “associação social”, que Adler tratou, à maneira neokantiana, como “transcendentalmente
dado como categoria do conhecimento” (1925), isto é, como um conceito proporcionado pela razão e não
deduzido da experiência, que é a precondição da ciência empírica. É a formulação desse conceito,
argumentou ele, que faz de Marx o fundador de uma verdadeira ciência da sociedade. Ver: BOTTOMORE,
Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
11
A Teoria do Materialismo Histórico – Manual Popular de Sociologia Marxista escrito por Bukharin foi
publicado pela primeira vez em 1921 o Manual tornou-se um texto muito utilizado na formação dos
trabalhadores na Itália, transformando-se numa fonte de divulgação do marxismo no país. Conferir Caderno
10 - Introdução ao estudo da Filosofia, no qual Gramsci critica o revisionismo de Bukharin e o denomina de
Ensaio Popular, termo o qual utilizaremos ao nos referirmos a esta obra.
19

marxianas estão assentadas no “que de melhor criou a humanidade no século XIX: a


filosofia alemã, a economia política inglesa e o socialismo francês” (LENIN, 1913a).
Marx destaca o papel ativo da ação humana que já havia sido percebida pela
filosofia burguesa progressista, contudo de modo abstrato e idealista, pois “é apenas a
partir da filosofia clássica alemã que a práxis começa a ser valorizada de acordo com a sua
importância” (LUKÁCS, 2013, p.88). Desse viés progressista que se originou com o
desenvolvimento capitalista, conforme Coutinho (2010), emerge uma nova dialética a
partir de um ser social articulado com uma relação indissolúvel com a natureza. Dessas
bases, destaca-se Hegel que introduz a dialética histórica na filosofia direcionando-a para a
compreensão das bases materiais da sociedade em uma síntese teórica humanista de que o
homem é o produto de sua atividade histórica coletiva dada a relação entre teleologia e
causalidade que segue a mesma linha da economia política, desenvolvida por Smith e
Ricardo, em que a teoria da relação orgânica entre realidade social e atividade humana
assume o plano da práxis na forma da relação trabalho e mercadoria. Estes dois planos de
análise se integram e com a adição da perspectiva de força política revolucionária do
socialismo francês, fundamentam uma ontologia dialética do homem e da história
“completa e harmoniosa, [...] uma concepção integral do mundo, inconciliável com toda a
superstição, com toda a reação, com toda a defesa da opressão burguesa” (LENIN, 1913a).
Nesse sentido, é possível compreender porque o desenvolvimento crítico da
tradição progressista, efetivado pelo marxismo, parte diretamente de Hegel como é o caso
de Gramsci12, pois em todo esse processo de combate e embates ideológicos, ocorre a luta
por uma filosofia baseada na racionalidade do mundo, de fundo dialético, humanista e
histórico como núcleos essenciais do pensamento e do sistema desenvolvidos por Hegel.
Com a concepção de razão fundada no princípio de não-contradição, a categoria da
contradição emerge da análise da objetividade como característica intrínseca e essencial da
nova realidade social em movimento intensificada pelo desenvolvimento da indústria que
rompeu as barreiras geográficas e exigiu uma integração orgânica dos diversos ramos da
produção, reconfigurando a sociedade em uma totalidade social orgânica e contraditória,
em que o individual encontra-se subsumido ao genérico, isto é, ao gênero humano em cada
indivíduo singular.

12
Conforme Coutinho, Gramsci e Lukács são os dois maiores marxistas do século XX pela dedicação e
esforço de recuperação do marxismo das incrustações positivistas, o diferencial de ambos é a base filosófica
de suas formações sustentada em Hegel.
20

Contudo, Lenin (1913b) ao analisar os destinos históricos da teoria de Marx, avalia


cada um dos períodos da história desde a publicação do Manifesto do Partido Comunista e
a influência de seu pensamento, que segundo ele são: “1. da revolução de 184813 à Comuna
de Paris (1871); 2. da Comuna de Paris à revolução russa (1905); 3. da revolução russa até
os dias de hoje” (LENIN, 1913b). Dessa análise, Lenin destaca o processo de difusão e
consolidação do marxismo como força teórico-prática revolucionária que iniciou sua
difusão a partir da fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores14, a qual
apoiou a Comuna de Paris15.
Apesar de Marx ter feito parte do Conselho Geral e escrito o Manifesto de
Lançamento da Associação Internacional dos Trabalhadores e seu Estatuto, dada a
“pluralidade” de grupos de trabalhadores e concepções, sua posição não representava a
totalidade da organização, pois “as suas convicções teóricas e políticas tinham pouca
penetração nos principais países europeus” (DEL ROIO, 2015, p.167). Dessa disputa
interna, manifestou-se duas tendências: uma marxista que queria compor um corpo
disciplinado sob as orientações do comitê central, considerada centralista; outra anarquista
que queria formar uma livre federação de organizações autônomas, considerada libertária.
Desse quadro, após a entrada na clandestinidade, a expulsão de Bakunin e a transferência
da sede para Nova York, a I Internacional foi dissolvida em 1870, abrindo caminho para
uma nova fase no cenário de organização e luta dos trabalhadores, mormente, após a morte
de Marx em 1883.
A Segunda Internacional ou Internacional Socialista fundada por iniciativa de
Engels, companheiro de trabalho e luta de Marx, tinha cunho essencialmente marxista. Sua

13
O período conhecido como Primavera dos povos demarca o início de um novo tempo de lutas. Em 1830,
após as Jornadas Gloriosas começa o processo de decomposição da filosofia burguesa clássica que termina
com a revolução de 1848 e o proletariado surge como força autônoma capaz de resolver os conflitos e
antinomias. Desse modo, as teorias revolucionárias, como o marxismo, começam a ganhar densidade. Ver
Coutinho (2010).
14
Organização internacional fundada em 1864 em Londres que visava unir socialistas, comunistas,
sindicalistas anarquistas em resposta à pressão dos patrões que ameaçavam importar mão-de-obra para frear
as greves.
15
Primeiro governo propriamente do povo que durou de 26 de março a 28 de maio e que, neste curto período,
proporcionou mais avanço que qualquer governo anterior.
21

fundação ocorreu em 14 de julho de 1889 por ocasião do Congresso Internacional de Paris


conglomerando os partidos socialistas e trabalhistas16.
Engels assumiu a tarefa de organizar e sistematizar os manuscritos de Marx para
publicá-los, especialmente os que viriam a constituir os volumes II e III d´O Capital. Essa
empreitada, dirigida por Engels e Kautsky, constituiu-se simultaneamente com a fundação
da Segunda Internacional.
Após a morte de Engels em 1895, seu amigo e um dos encarregados da publicação
de sua obra, Eduard Bernstein17, abriu o problema da revisão do marxismo no final do
século XIX. Bernstein
punha em dúvida a dialética de Hegel, afirmando que a social-democracia
necessitava de um Kant para o exame crítico de suas opiniões [...]
procurava alterar os conceitos do valor e da mais-valia. E propunha o
socialismo evolutivo, sem ditadura do proletariado e sem convulsão
social, baseado na democracia, [...] reviam o marxismo em seus aspectos
filosóficos, econômicos e políticos. Exigiam uma nova tática e uma nova
estratégia para o movimento operário, ao qual ele dizia permanecer fiel.
(MONIZ, 1987, p. 24)

Do outro lado, assumindo o marxismo ortodoxo, encontrava-se Kaustsky que


reagiu ao revisionismo de Bernstein e fora “encarregado por Engels de publicar o quarto
volume de O Capital (A história das teorias da mais-valia) [e] tornou-se o maior expositor
do marxismo e a personalidade mais autorizada da II Internacional” (MONIZ, 1987, p.25).
Contudo, Kautsky retrocedeu em sua posição e abandonou os fundamentos do marxismo,
frente ao desenvolvimento imperialista do capitalismo que, conforme Moniz (1987), o
levara a um raciocínio puramente econômico sobre a evolução do capitalismo e a transição
ao socialismo, pela via pacífica do desenvolvimento de um único truste universal. Dessa
forma, negando a realidade da sua época que punha por terra sua visão com o advento da
Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, Kautsky nega a ditatura do proletariado e
posiciona-se contra os bolcheviques18.

16
Nesse intervalo entre o fim da I Internacional e fundação da II, ocorre a fundação do Partido Social
Democrata Alemão – PSD em 1875 da qual participaram Marx e Engels, e em 1877 Engels escreve
Antiduhring, considerada sua maior contribuição ao marxismo.
17
Camarada de Engels, gozava de grande prestígio no Partido Social-Democrata da Alemanha, congregava a
direita revisionista neokantista.
18
Crítico à posição de Kautsky, Lenin escreve em 1918 A revolução russa e o renegado Kautsky.
22

Frente a Guerra imperialista em 1914 e a adesão da imensa maioria dos dirigentes


dos partidos social-democratas à guerra com as suas diversas correntes, configurou-se a
traição ao internacionalismo proletário pela opção ao social-patriotismo, provocando o
inevitável fim da Internacional revolucionária em vista da manutenção do sistema burguês.
Conforme Sagra (2010), com a degeneração da II Internacional, um pequeno grupo
revolucionário composto por Lenin, Trotski, Rosa Luxemburgo e Karl Liebcknet iniciou a
movimentação pela organização da III Internacional, o que para Lenin exigia a ruptura com
a II Internacional e a fundação de uma nova organização sobre bases revolucionárias. Em
1915, na Conferência de Zimmerwarld, com a participação de 44 delegados 19 colocou-se a
pedra fundamental para a criação da Internacional revolucionária.
A III Internacional ou Internacional Comunista foi fundada em 1919 no primeiro
congresso que ocorreu na Rússia Soviética. Conforme Sagra (2010), não foi nem uma
frente única como a I Internacional nem uma congregação de partidos como a II, a III
Internacional foi o primeiro Partido Revolucionário Mundial regimentado pelo centralismo
democrático.
Em oposição ao revisionismo, oportunismo e reformismo são lançadas as 21
condições20 de admissão aos partidos na Internacional, que foram duramente criticadas. No
IV Congresso reunido em 1922, com a ascensão do fascismo, o Comitê Executivo aprova a
tática da frente única e coloca como grande tarefa conquistar a hegemonia da classe
trabalhadora. Contudo, o revisionismo advindo da II Internacional assumiu uma linha de
interpretação do marxismo que se pretendia verdadeira e ortodoxa e desembocou no
stalinismo, o qual divide o marxismo em materialismo-histórico de um lado e dialético do
outro, criando “leis gerais” que caracterizam sua positivização. Este aspecto, adotado na III
Internacional como herança da Internacional Socialista, manifestou-se no contexto da

19
“Trotski descreve a reunião da seguinte maneira: “Acomodamo-nos como pudemos em quatro carros e
tomamos o caminho da serra. As pessoas ficavam olhando com curiosidade essa estranha caravana. Para nós
não deixava tampouco de ser engraçado que, cinquenta anos depois de fundação a I Internacional, todos os
internacionalistas do mundo pudessem caber em quatro carros. Porém naquela brincadeira não havia o menor
ceticismo. O fio da história se rompe com frequência. Quando ocorre tal coisa, não há nada há fazer senão
juntá-lo de novo. Isso é precisamente o que íamos fazer em Zimmerwald”. (SAGRA, p. 35, 2010)
20
Entre as 21 condições, destacam-se as exigências: “propaganda e agitação dos partidos que tivessem um
caráter comunista. A imprensa deveria estar submetida ao Comitê Central do partido. Os reformistas
deveriam ser descartados de todos os postos importantes. Deveria realizar-se uma luta enérgica contra os
reformistas e centristas. O partido deveria estar fortemente centralizado e usar o nome de Partido Comunista
(seção da Internacional Comunista)”(SAGRA, 2010, p. 45).
23

Rússia Soviética com Bukharin, bem como, com o empiro-monismo de Bogdanov e o


retorno ao idealismo subjetivo21 combatido por Lenin22.
Engels, em carta a Bloch de 189023, reconhece que o acento dado por ele e Marx à
economia, para contrapor-se aos seus adversários, gerou nos marxistas do “pós-congresso”
um ecletismo filosófico incoerente. Conforme Oldrini (1991), a falta de um sistema
teórico-filosófico consistente que Marx e Engels não conseguiram levar a termo, deixaram-
lhes vulneráveis às críticas dos adversários, bem como, aos desvios dentro do próprio
quadro marxista, gerando alguns recuos político-filosóficos entre os sucessores da tradição
marxista.
Gramsci, diferentemente, trazia em sua formação as bases do pensamento
hegeliano, a dimensão dialética da história, o que faz toda diferença em sua leitura de Marx
e, por isso, quando entra em contato com a perspectiva da Segunda Internacional já trazia
21
Baseado em Berkeley que coincide com o idealismo subjetivo de Mach e Avenarius os quais
”fundamentavam-se no dualismo porque tomavam como autônomas as séries psíquicas e físicas dos
elementos da experiência a que era necessário dar uma interpretação” (MONIZ, 1987, p.28).
22
Ver Materialismo e empirocriticismo (1907) e os Cadernos filosóficos (1916) de Lenin. “A natureza é
infinita e existe infinitamente. E somente este reconhecimento absoluto, categórico de sua existência fora da
consciência e das sensações humanas é que distingue o materialismo dialético do agnosticismo e do realismo
relativista.”(LENIN, 1975)
23
“De acordo com a concepção materialista da história, o elemento determinante final na história é a
produção e reprodução da vida real. Mais do que isso, nem eu e nem Marx jamais afirmamos. Assim, se
alguém distorce isto afirmando que o fator econômico é o único determinante, ele transforma esta proposição
em algo abstrato, sem sentido e em uma frase vazia. As condições econômicas são a infra-estrutura, a base,
mas vários outros vetores da superestrutura (formas políticas da luta de classes e seus resultados, a saber,
constituições estabelecidas pela classe vitoriosa após a batalha, etc., formas jurídicas e mesmo os reflexos
destas lutas nas cabeças dos participantes, como teorias políticas, jurídicas ou filosóficas, concepções
religiosas e seus posteriores desenvolvimentos em sistemas de dogmas) também exercitam sua influência no
curso das lutas históricas e, em muitos casos, preponderam na determinação de sua forma. Há uma interação
entre todos estes vetores entre os quais há um sem número de acidentes (isto é, coisas e eventos de conexão
tão remota, ou mesmo impossível, de provar que podemos tomá-los como não-existentes ou negligenciá-los
em nossa análise), mas que o movimento econômico se assenta finalmente como necessário. Do contrário, a
aplicação da teoria a qualquer período da história que seja selecionado seria mais fácil do que uma simples
equação de primeiro grau. [...] Eu e Marx somos aqueles a quem, parcialmente, culpar pelo fato que as
pessoas mais novas frequentemente acentuarem o aspecto econômico mais do que o necessário. É que nós
tínhamos que enfatizar estes princípios vis-à-vis nossos adversários, que os negavam. Nós não tínhamos
sempre o tempo, o local e a oportunidade para explicar adequadamente os outros elementos envolvidos na
interação dos fatores constituintes da história. Mas quando era o caso de apresentar uma seção
historiográfica, isto é, de aplicação prática, era um assunto diferente e nenhum erro era permissível.
Infelizmente, de modo muito frequente, as pessoas pensam que aprenderam uma nova teoria e podem aplicá-
la sem maiores problemas, crendo que dominaram os principais princípios e isto não é sempre correto. E eu
não posso também isentar os mais recentes “marxistas” do mais incrível lixo que já foi produzido nos últimos
três meses.” (Engels, 1890 – grifos nossos)
24

acúmulo suficiente para interpretar o mundo no sentido material das relações, em sua
totalidade e contradições. Estas bases o permitiram perceber a distinção das esferas do real,
do ser - natureza e história, bem como, o momento predominante de cada esfera.

[...] nada disso [cultura] pode ocorrer por evolução espontânea, por ações
e reações independentes da própria vontade, como ocorre na natureza
vegetal e animal, onde cada ser singular seleciona e especifica seus
próprios órgãos inconscientemente, pela lei fatal das coisas. O homem é
sobretudo espírito, ou seja, criação histórica e não natureza. (GRAMSCI,
2004, p.58)

Ademais, as experiências que vivenciou pelo envolvimento com a luta proletária, o


levaram a perceber os limites e possibilidades teórico-práticos da revolução. Nos Cadernos
demonstra, ao mesmo tempo, a filosofia da práxis como um método de aproximação do
real, uma teoria da história, científica, uma elaboração de estratégia de luta das classes
subalternas. É nesse sentido que afirma que filosofia é política.

[...] chega-se também à igualdade ou equação entre “filosofia e política”,


entre pensamento e ação, ou seja, a uma filosofia da práxis. Tudo é
política, inclusive a filosofia ou as filosofias, e a única “filosofia” é a
história em ato, ou seja, a própria vida. (GRAMSCI, 2011, p.246)

A filosofia como “história em ato”, não pode ser reduzida a mera interpretação
dogmática do mundo, mas a uma ativa e vivente práxis que situa a racionalidade dialética
em um humanismo de novo tipo que integra e funde o idealismo e o materialismo em uma
nova dinâmica que expressa as novidades históricas, bem como, as contradições
fundamentais da sociedade, entre elas, a luta de classes.

Totalmente ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu à terra, aqui


se eleva da terra ao céu. Quer dizer, não se parte daquilo que os homens
dizem, imaginam ou representam, tampouco dos homens pensados,
imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens de carne
e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo
de vida real, expõe-se também o desenvolvimento os reflexos ideológicos
e dos ecos desse processo de vida. (MARX, 2007, p.94)

Desse modo, a filosofia da práxis assume um sentido original pela recuperação da


práxis, da atividade humana e suas relações e, em vista disso, de categorias como o
historicismo, o humanismo e a dialética que permeia o conjunto da práxis. Por isso
Gramsci afirma que
25

A função e o significado da dialética só podem ser concebidos em toda a


sua fundamentalidade se a filosofia da práxis for concebida como uma
filosofia integral e original, que inicia uma nova fase na história e no
desenvolvimento mundial do pensamento, na medida em que supera (e,
superando, integra em si os seus elementos vitais) tanto o idealismo
quanto o materialismo tradicionais, expressões das velhas sociedades. Se
a filosofia da práxis é pensada apenas como subordinada a uma outra
filosofia, é impossível conceber a nova dialética, na qual, precisamente,
aquela superação se efetua e se expressa. (GRAMSCI, 2011, p.143)

Conforme Coutinho (2010), as três categorias citadas (humanismo, historicismo e


dialética) foram deixadas de lado pela burguesia logo após a sua ascensão, tendo em vista
que a classe trabalhadora que foi levada a reboque pela revolução burguesa, segundo Marx,
se tornaria seu coveiro. Dessa forma, para desarmar a classe trabalhadora, a burguesia
tratou imediatamente de restringir e negar a tradição histórico-filosófica que a possibilitou
compreender as correlações de força, abalasse as estruturas feudais e instaurasse a
democracia burguesa e o capitalismo.
Sem a apreensão dessas dimensões do pensamento e da práxis humana,
especialmente da dialética histórica, as classes subalternas permanecem imóveis e passivas
frente a luta de classes, presas ao senso comum, sem a perspectiva do horizonte
revolucionário e, portanto, de organização e de luta, pois “sente-se que a dialética é algo
muito árduo e difícil, na medida em que pensar dialeticamente vai de encontro ao vulgar
senso comum, que é dogmático, ávido de certezas peremptórias, tendo a lógica formal
como expressão”(GRAMSCI, 2011, p.143).
Desse modo, a recuperação dos elementos que desviaram o marxismo do caminho
revolucionário e, portanto, as bases gramscianas que recuperam o marxismo desse
embaraço, revela-se necessária tanto para contribuir com o processo de desenvolvimento
do pensamento filosófico, como para combater tentativas conservadoras de apropriação
indébita do pensamento marxista, como ocorreu no tempo de Gramsci e ocorre atualmente.
Portanto, a retomada de categorias fundamentais da filosofia da práxis, como a nova
concepção de práxis, a filosofia que também é política, a razão dialética, representa a
superação da lógica formal que reduz o senso comum ao reflexo imediato do cotidiano e
impede o alcance da consciência filosófica, isto é, a apropriação e produção de uma nova
cultura e de um senso comum enriquecido e superior.
26

Esse embargo teórico-prático precisa ser superado, pois compreendemos que a luta
de classes continua a ser o pano de fundo das contradições da ordem capitalista e que o seu
acirramento que irrompe crises político-econômicas no Brasil e em todo o mundo, coloca
na ordem do dia a necessidade de que a

filosofia deve se tornar política para tornar-se verdadeira, para continuar a


ser filosofia, que a “tranquila teoria” deve ser “realizada praticamente”,
deve fazer-se “realidade efetiva”; [...] e, finalmente, como elemento para
a teoria da unidade entre teoria e prática. (GRAMSCI, p.189, 2011)

É o teor inaudito dessa unidade que coloca a filosofia da práxis no patamar de uma
ontologia de novo tipo, de uma nova perspectiva do ser social, terrena, mundana, desse
modo, uma perspectiva ontológica que abarca a totalidade do ser social e suas complexas e
contraditórias relações.

2 A práxis revolucionária

No balanço do movimento comunista do século XX, segundo Martelli (1996, p.11),


é preciso retornar a Gramsci e ao conceito de filosofia da práxis que ressurge como a
centralidade das notas dos Cadernos e com a atualidade por ter a filosofia da política como
parte vital e rica de inovações teóricas. Nessa perspectiva, Vacca (2014, p.537), ao retomar
Gramsci, afirma que o marxismo tinha duas tarefas: combater a ideologia moderna na sua
forma mais refinada e esclarecer as classes populares, cuja cultura era medieval. Porém, a
tarefa de esclarecimento das massas populares se estendeu quantitativamente, mas
qualitativamente não seguiu a mesma proporção – que seria a superação da mais alta
filosofia, a filosofia alemã. Por isso, surgem combinações do marxismo das mais diversas,
as quais Gramsci refuta e combate: 1) o positivismo de Bukharin, 2) o principal alvo de
críticas para Gramsci é o "economicismo", que inclui as várias filosofias da ação, por sua
vez influenciada pelo marxismo (Bergson, Sorel, pragmatismo e do sindicalismo
anarquista; 3) o idealismo de Croce.
No Caderno 15, Gramsci ao analisar a questão do conteúdo da sociologia que
Bukharin abordava no Ensaio Popular, formula que por filosofia deve-se entender “la
scienza dei concetti o categorie generali che nascono dalla scienza politica”24 (Q15,

24
“a ciência dos conceitos ou categorias gerais que nascem da ciência política” (GRAMSCI, [1933] 2011,
331)
27

1765), a qual segue em confronto à cisão dualística do marxismo em duas partes


justapostas – idealista e materialista - que Gramsci criticou. Por isso, a filosofia da práxis é
uma filosofia que nasce do terreno da política ou da teoria política no sentido estrito
(determinação categorial da natureza, dos limites e dos fundamentos dos fenômenos
político-estatal) ou amplo (explicitação do vínculo de interdependência da política com
outras esferas da experiência humana), isto é, a relação estrutura e superestrutura.
O debate sobre o sentido e os limites da filosofia da práxis como idealista ou
materialista atravessou várias décadas. Segundo Martelli (1996, p.12), de um lado com a
variante do idealismo subjetivo de Croce e Gentile e de outro de ascendência togliatiana
que destaca os elementos originais e de caráter antipositivista e mecanicista, mas ainda
considerado como um tipo de idealismo subjetivo. Estas visões subestimavam o caráter
revolucionário da filosofia da práxis que, delineada nas difíceis condições carcerárias,
buscava recuperar uma nova concepção crítica do marxismo como filosofia que contém
uma filosofia da política em contraposição à duas concepções filosóficas contrapostas
(idealismo subjetivista e especulativo e o materialismo vulgar-mecanicista) que originaram
a dupla revisão do marxismo.
O projeto de Gramsci de recuperação do marxismo parte da consideração de que o
marxismo é um momento fundamental da cultura moderna que conservou e superou
dialeticamente elementos da filosofia precedente, originou correntes e superou outras, as
quais deram lugar a uma dupla combinação com o idealismo subjetivo (Croce, Sorel, Max
Adler) e do materialismo vulgar (Bucharin). Labriola25, marxista italiano que introduziu o
marxismo na Itália, se destaca das duas correntes revisionistas por conceber o marxismo
independente original, direção que segundo Gramsci deve-se trabalhar e desenvolver.

25
Professor de filosofia em Roma, foi influenciado inicialmente pelo hegelianismo e depois pela psicologia
associacionista de Herbart, tornou-se marxista em fins da década de 1880. Labriola foi o primeiro “marxista
acadêmico” da Europa. Sua obra mais conhecida é Saggi sul materialismo storico (1895 e 1896). O
marxismo de Labriola era aberto e mesmo em seus trabalhos mais tardios ele se recusou a enquadrar todas as
suas ideias em um esquema abrangente de pensamento. O grande valor da teoria marxista da história, a seu
ver, era ter superado as abstrações de uma teoria de “fatores” históricos: “As várias disciplinas analíticas que
ilustram os fatos históricos terminaram por mostrar a necessidade de uma ciência social geral, que unificará
os diferentes processos históricos. A teoria materialista é o ponto culminante dessa unificação.” Mas esse
princípio unificador teria que ser interpretado de um modo flexível: “A estrutura econômica subjacente, que
determina todo o resto, não é um simples mecanismo, do qual instituições, leis, costumes, pensamento,
sentimentos, ideologias emergem como efeitos automáticos e mecânicos. Entre essa estrutura subjacente e
todo o resto, existe um processo complexo, amiúde sutil e tortuoso, de derivação e mediação, que pode nem
sempre ser descoberto” (Labriola, 1904, p.149 e 152). Ver: BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento
marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
28

Além dessas correntes revisionistas, Gramsci indica que há duas combinações do


marxismo com a cultura moderna: do ortodoxo russo Giorgio Plechanov26 que associava a
origem do marxismo ao positivismo clássico e ao materialismo dos setecentos, e do
neokantiano Otto Bauer27 para quem o marxismo pode ser apoiado ou integrado a qualquer
filosofia. Para Gramsci, o autêntico marxismo como autônoma e integral concepção de
mundo precisava libertar-se das filosofias estranhas a ele, por isso, se colocava contra o
duplo revisionismo que representava um perigo degenerativo ao movimento operário.
Portanto, era preciso recomeçar a formulação do marxismo como filosofia da práxis, devia-
se portanto, partir de Labriola que se manteve distante das duas tendências dominantes.
Gramsci reconhece tanto o diferencial da posição de Labriola frente às correntes
revisionistas que, na nota dedicada a ele, afirma que é preciso recuperar e colocar em
circulação a posição filosófica de Labriola. Pois,

[...] dal momento in cui um grupo subalterno diventa realmente


autônomo ed egemone suscitando un nuovo tipo di Stato, nasce
concretamente l´esigenza di costruire um nuovo ordine intellettuale e
morale, cioè um nuovo tipo di società e quindi l´esigenza di elaborare i
concetti piú universal, le armi ideologiche piú raffinate e decisive. Ecco
la necessità di rimettere in circolazione Antonio Labriola e di far
predominare la sua impostazione del problema filosófico28. (Q11, 1509)

A crítica ao revisionismo parte da mutilação da dialética, que para Gramsci é um


dos elementos centrais da filosofia marxista, ao materialismo vulgar presente no Ensaio
26
Um dos fundadores do movimento social-democrata russo, apoiou os bolcheviques contra Czar, porém se
tornou antagonista de Lenin ao refutar o centralismo democrático. Apesar do antagonismo, foi considerado
como um dos fundadores do marxismo soviético. Traduziu algumas obras de Marx para o russo e, ao
reconhecer a influência de Hegel e Feuerbach sobre Marx, foi o primeiro a caracterizar seu pensamento como
materialismo dialético e posicionar-se contra o ecletismo de Bernstein, defendendo o monismo marxista. Ver:
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
27
Um dos principais representantes do austromarxismo (Escola de pensamento marxista que floresceu em
Viena, de fins do século XIX até 1934, e particularmente no período anterior à Primeira Guerra Mundial que
sofreu forte influência do neokantismo e do positivismo, e do aparecimento de novas orientações teóricas nas
ciências sociais), da social-democracia austríaca, da II Internacional e do oportunismo. Ao seu lado destaca-
se ainda Max Adler. Ver: BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar,
2012.
28
“[...] a partir do momento em que um grupo subalterno tornar-se realmente autônomo e hegemônico,
suscitando um novo tipo de Estado, nasce concretamente a exigência de construir uma nova ordem intelectual
e moral, isto é, um novo tipo de sociedade e, consequentemente, a exigência de elaborar os conceitos mais
universais, as mais refinadas e decisivas armas ideológicas. Daí a necessidade de repor Antonio Labriola em
circulação, fazendo predominar a sua colocação do problema filosófico”. (GRAMSCI, [1933] 2011, p.223)
29

Popular de Bukharin. Segundo Gramsci, Bukharin pressupõe, mas não expõe a dialética
que subordinando o marxismo ao materialismo burguês pré-marxista, retira o potencial de
superação do idealismo e do materialismo tradicional.
Sem a base dialética,

o mecanicismo é a expressão, a demonstração da capitulação dos grupos


dirigentes marxistas ao senso comum das massas, à concepção acrítica do
mundo, fracionada e fragmentária dos simples, das classes subalternas,
nas quais a mentalidade fatalista, a resistência inerte, passiva diante do
fatal movimento das coisas eram o produto de séculos de opressão
ideológica e cultural exercida pela classe dominante. (MARTELLI,
1996, p.15 – tradução livre)

Por outro lado, o marxismo sofria, através do idealismo italiano crociano, o ataque
filosófico e teórico burguês que visava liquidá-lo, mutilando a dialética hegeliana e
reduzindo o princípio da luta dos opostos a mera questão escolástica. Dessa forma, de
acordo com Martelli (1996, p.16), para recuperar o autêntico marxismo era preciso investir
na “redialetização” do marxismo como tarefa primeira. Pois, a concepção dialética da
história é capaz de dar as condições necessárias para a realizar a tradutibilidade do real em
suas complexas conexões e contradições imanentes.
Frente às posições revisionistas e a necessidade de recuperar a dialética, Gramsci
afere as distinções interpretativas entre a concepção hegeliana e marxiana de síntese e
superação do materialismo e idealismo através da concepção de dialética do movimento
triádico de Aufhebung – negação, suprassunção, conservação. No primeiro caso, a
interpretação se centra na conciliação eclética dos opostos. No segundo caso – afinada com
a filosofia hegeliana – implica o confronto entre os opostos e a destruição de um oposto e
reabsorção pelo outro originando assim uma nova tese. Este seria o lastro lógico-
ontológico da filosofia da práxis e sua base como filosofia independente e autônoma que
supera toda a filosofia anterior. Pois conforme Gramsci, “uma teoria é de fato
revolucionária na medida em que é elemento de separação e distinção consciente em dois
campos, enquanto é um vértice inacessível ao campo adversário” (GRAMSCI, 2011,
p.152, [Q11, 1434]).
Dessa forma, Gramsci ao recuperar as bases do marxismo, recupera toda a sua
dimensão revolucionária que se expressa tanto em seu aspecto filosófico pela superação da
filosofia precedente quanto em seu aspecto político enquanto base de organização e ação
30

de transformação e constituição de um novo devir. Nesse sentido, o marxismo enquanto


teoria crítica da totalidade, somente poderia ser filosofia da práxis, pois

La filosofia della praxis, nel suo fondatore, ha rivissuto tutta questa


esperienza, di hegelismo, feuerbacchismo, materialismo francese – per
ricostruire la sintesi dell´unità dialletica: ‘l´uomo che cammina sulle
gambe’. Il laceramento avvenuto per l´hegelismo si è ripetuto per la
filosofia della práxis, cioè dall´unità dialettica si è ritornati da uma parte
al materialismo filosófico, mentre l´alta cultura moderna idealística há
cercato di incorporare ciò che della filosofia della práxis le era
indispensabile per trovare qualche novo elisir29. (Q16, 1861)

Conforme Badaloni (1975), Gramsci busca reconstruir a unidade do marxismo


encontrada em Labriola a partir da cisão produzida por Croce e Sorel30. O filósofo sardo
destaca que em Hegel e Marx o processo de síntese-superação tem resultados distintos. Em
Hegel de caráter idealista-especulativo, isto é, que a razão abstrata produz o mundo real
como sua alienação – o homem caminha com sua cabeça. Para Marx, Hegel coloca a
dialética de forma invertida (capovolto) em que a realidade se torna predicado do sujeito
absoluto – o homem que caminha com sua cabeça, é necessário revertê-la (rovesciare) para
desvelar o núcleo racional através da blindagem mística.
Através dessa reversão da dialética rompe com o engodo metafísico-idealístico,
reelabora e inaugura uma nova concepção dialética de cunho ontológico materialista – o
homem que caminha com suas pernas. Nessa esteira que Gramsci empreende seu duplo
esforço de “ser ao mesmo tempo dialético e anti-idealista”, como afirma Martelli (1996,
p.18). Para tanto, parte para a análise do materialismo marxista.

29
“A filosofia da práxis, em seu fundador, reviveu toda esta experiência, de hegelianismo, feuerbachianismo,
materialismo francês – para reconstruir a síntese da unidade dialética: ‘o homem que caminha sobre as
próprias pernas’. O dilaceramento ocorrido com o hegelianismo se repetiu com a filosofia da práxis, isto é, da
unidade dialética se voltou ao materialismo filosófico, ao passo que a alta cultura moderna idealista tentou
incorporar da filosofia da práxis aquilo que lhe era indispensável para encontrar algum novo elixir.”
(GRAMSCI, [1933] 2007, p.38)
30
Il riferimento al Labriola significa dunque il progetto teórico di Gramsci di ricostituire l´unità del
marxismo. La realizzazione di tale progetto non significa però, per lui, la possibilità di saltare oltre la
scissione interna alla filosofia di Labriola prodotta da Sorel e da Croce, ma significa invece il progetto di
ricostruire la sua unità teórica a partire da tale scissione e separazione. (BADALONI, 1975, 130) “A
referência a Labriola significa portanto o projeto de Gramsci de reconstituição da unidade do marxismo. A
realização de tal projeto não significa, portanto, para ele, a possibilidade de saltar além da divisão interna
para a filosofia de Labriola produzida por Sorel e Croce, mas sim o projeto de reconstruir sua unidade teórica
a partir dessa divisão e separação.” (Tradução livre)
31

Na passagem sobre “materialismo francês do século XVIII” (A Sagrada


família), é indicada, com muita propriedade e clareza, a gênese da
filosofia da práxis: ela é o “materialismo” aperfeiçoado pelo trabalho da
filosofia idealista e fundida com o humanismo. Com estes
aperfeiçoamentos, na verdade, permanece do velho materialismo apenas
o realismo filosófico. (GRAMSCI, 2011, p.320)

De fato, conforme Martelli (1996), Marx afirma que após Hegel houve a
restauração do materialismo francês do século XVIII pela filosofia idealista alemã do
século XIX que proporcionou a superação da concepção metafísica do homem, através do
processo de negação e subsunção do idealismo e materialismo em um novo tipo de
humanismo. Para além de qualquer reducionismo a esquema mecânico, Marx dá origem a
um materialismo omnilateral que contém o homem e a história humana, portanto, um
materialismo humanista, do qual o realismo filosófico é apenas um componente.
Este componente configura-se como a tese fundamental necessária – a tese da
existência independente da realidade a que se refere Gramsci – mas não suficiente para
expressar a ideia marxiana de um materialismo integral (allseitiger), como assevera
Martelli (1996, p.20).
A originalidade do materialismo marxiano gerou a necessidade de uma nova
terminologia que expressasse com fidelidade seu pensamento. No Caderno 1131, Gramsci
problematiza o termo ‘materialismo’ e a fórmula ‘dialética materialista’ que nunca foi
utilizada por Marx, mas o termo ‘racional’ para contrapor-se ao misticismo. Pois seu
método dialético, exposto no Capital, refere-se a uma dialética científica, com base na
relação conhecimento-realidade, ideias-fatos, pensamento-ser.
Para Marx, o elemento ideal não é nada mais que o elemento material transferido e
traduzido (umgesetzt und übersetzt) no cérebro dos homens, contudo, sua concepção de
transferência e tradução não corresponde à teoria mecanicista do reflexo32, mas à
implicações ativas que Marx esboçou nas Teses sobre Feuerbach. Nesse sentido, Gramsci
polemiza em termos de conteúdo com Bukharin e o marxismo ortodoxo de Plekhanov, o
qual acolhe o termo materialismo com base iluminista francesa, reduzindo o materialismo
histórico ao materialismo metafísico tradicional, lançando fora o elemento essencial da

31
§16. Questão de nomenclatura e de conteúdo. 1932. Q 1406.
32
Como em Bukharin. Para ter acesso a uma concepção dialética do reflexo, ver A Ontologia do Ser Social
de Lukács (2013).
32

originalidade marxiana: a dialética, a história. Pois, “la nuova filosofia non puó coincidere
com nessun sistema del passato, comunque esso si chiami. Identitá di terminni non significa
identitá di concetti [...] poiché sotto lo stesso cappello possono stare teste diverse.”33 (Q11, 1410-
1411)
Gramsci, nos Cadernos 10 e 11, utiliza a nova expressão “filosofia da práxis” para
substituir materialismo histórico, recuperando a centralidade de Labriola para o
renascimento do marxismo e, portanto, sua concepção e definição do marxismo. O
processo de constituição da filosofia da práxis se configurou em um movimento de
conservação e superação de concepções e termos, na medida em que Gramsci ia
desenvolvendo seu pensamento34. Desse modo, devido ao estorvo que o termo
materialismo35 se tornou para a concepção teórico-prática original de Marx e a necessidade
filosófica de sua renovação, Gramsci abandona o termo materialismo. Conforme Martelli
(1996, p.23), a metamorfose linguística ocorre entre a metade de abril e maio de 1932
quando se dedica aos Cadernos especiais, mormente, os Cadernos 10 e 11. A virada
terminológica de Gramsci, segundo Martelli (1996), coincide com a virada histórica do
marxismo russo exposta por Mirsky36 em um artigo no qual problematiza o confronto entre
dialética e mecanicismo e a primeira sai vitoriosa sobre o segundo. O que corresponde à
derrota política de Bukharin – último adversário de Stalin – transformando o marxismo de
“religião dos subalternos em cultura e força hegemônica e dirigente”, como afirma Martelli
(1996, p.23) ao retomar Gramsci.
A questão que se coloca é a relação unitária entre teoria e prática desenvolvida nas
Teses sobre Feuerbach. Para tanto, Gramsci busca recuperar a posição original de Labriola

33
“a nova filosofia não pode coincidir com nenhum sistema do passado, não importa qual seja o seu nome.
Identidade de termos não significa identidade de conceitos [...] já que, sob um mesmo chapéu, podem estar
diferentes cabeças.” (GRAMSCI, [1932] 2011, 129).
34
Verificar as passagens dos Cadernos de 1930 (Q 433) – Problemi fondamentali del marxismo – “Di questa
espressione materialismo storico si é dato il maggior peso al primo membro, mentre dovrebbe essere dato
alsecondo [...]; e de 1932 (Q 1437) – Concetto di ortodossia – Si è dimenticato in uma espressione ne molto
comune che occorreva posare l´accento sul secondo termine storico e non sul primo di origine metafisica.
35
Uma das causas é a cultura positivista-vulgar que o termo materialismo assumiu no PSI e na II
Internacional, a qual Gramsci reagiu entusiasmando-se pelo neoidealismo italiano – sua contratendência.
36
D.P. Mirsky nasceu em família nobre russa, cedo largou o título e emigrou para a Grã-Bretanha onde na
Universidade de Londres ensinou literatura russa. Em 1931, juntou-se ao Partido Comunista na Grã-Bretanha
e em 1932 retornou a Rússia. Em 1937 morreu nos campos de trabalho. A ele foi creditado o termo Nacional-
bolchevismo.
33

de conceber o marxismo como filosofia da práxis em sintonia com as Teses sobre


Feuerbach fundada sobre a categoria trabalho, operosidade, experimento. Labriola traz à
tona as bases ontológicas da filosofia da práxis, o trabalho como base e fundamento da
inteira história social do homem.

[...]nel lavoro così integralmente inteso è implícito lo sviluppo


rispettivamente proporzionato e proporzionale delle attitudini mentali e
delle attitudini operative, così, da un'altra parte, nel concetto della
storia del lavoro è implicita la forma sempre sociale del lavoro stesso, e
il variare di tale forma: - l'uomo storico è sempre l´uomo sociale, e il
presunto uomo presociale, o supersociale, è um parto della fantasia: -e
così via37. (LABRIOLA, 1902, p.19)

Essa unidade se expressa pela concretude do pensamento e da atividade do homem


no momento mesmo de sua objetivação, sem antecipação paradigmática de um momento
ou de outro, mas pelo progressivo processo de inteligência e conhecimento que cresce com
as coisas mesmas. Por outro lado, Giovanni Gentile38, apesar de partir de Labriola realiza
um corte fichtiano39 no materialismo histórico regredindo a uma concepção unilateral e
idealista da práxis, ao traduzir “práxis revolucionária” (umwälzende) da III Tese como
“práxis revertida” (rovesciata) ao invés de “práxis reversora/transformadora”
(rovesciante), ‘subversiva” (sovvertitrice)40. Sua posição resulta na compreensão
subjetivista da III Tese sobre Feuerbach, em que o educador se constituiria do homem
abstrato com sua mentalidade que enquanto pensa, faz, quando conforme Marx seria de
matriz objetiva – as circunstâncias e o homem imerso nas circunstâncias.

37
[...] no trabalho assim integralmente entendido está implícito o desenvolvimento respectivamente
proporcionado e proporcionais das atitudes mentais e das atitudes operativas, bem como, no conceito da
história do trabalho está sempre implícita a forma social do trabalho em si e a variação desta forma: o homem
histórico é sempre o homem social, e o pretenso homem pré-social, ou super-social, é uma parte da fantasia: -
e assim por diante. (Tradução livre)
38
Giovanni Gentile representante do neoidealismo italiano desenvolveu o attualismo que resulta da síntese
“dialética” de correntes contrastantes, a saber, o idealismo transcendental de Kant e o idealismo absoluto de
Hegel, a qual desemboca na ideia de Estado ético apropriada pelo fascismo. Giovanni Gentile foi ministro da
educação do governo fascista italiano e encabeçou a Reforma educacional em todos os graus de ensino nos
moldes neoidealistas.
39
Fichte foi um filósofo alemão, na esteira de Kant, procurou a demonstração científica da liberdade. Ver:
Fichte. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
40
Gentile, 1899, pp.68-69.
34

Mondolfo41 por sua vez introduz o positivismo ardigoiano42 ao neoidealismo de


Croce e Gentile, e na medida em que o trabalho como fundamento desaparece, ele afirma
as teses da equivalência idealística do pensamento e da práxis e do subjetivismo da
reversão da práxis. Para ele, a práxis seria uma mediação entre pensamento e realidade,
configurando uma falsa relação bilateral de causa e efeito, tendo em vista que o momento
predominante é determinando idealisticamente pelo sujeito. Sua concepção foi definida por
ele mesmo como idealismo voluntarista capaz de reverter-se no seu oposto – determinismo
ou economicismo histórico – pela influência positivista.
Distinguindo-se de ambos, Gramsci concebe a práxis revolucionária como ativa e
como luta anti-ideológica com vistas a construir uma nova hegemonia, com caráter de
transformação radical do modo de vida social. Nesse espectro, a práxis não é aquela que se
reverte (si rovescia) em objeto conhecido e criado pelo sujeito, mas objeto conhecido e
transformado pelo sujeito (rovesciante).
Na tentativa de ampliar e enriquecer a concepção crítica e antidogmática de
existência independente da realidade objetiva, Gramsci debate com a concepção metafísica
da objetividade do senso comum, de tipo teológico-religioso que acolhe a tese da realidade
objetiva do mundo de forma acrítica e vulgar, como com a polêmica com Bukharin

Il publico popolare [...] crede che il mondo esterno sai obbiettivamente


reale, ma qui appunto nasce la quistione: qual è la origine di questa
credenza e quale il valore critico há obbiettivamente? Infatti questa
‘credenza’ è di origine religiosa, anche se chi vi participa è
religiosamente indiferente. Poichè tutte le religioni hanno insegnato e
insegnano che il mondo, la natura, l´universo è stato creato da dio prima
della creazione dell´uomo e quindi l´uomo ha trovato il mondo già bell`e
pronto, catalogato e definito una volta per sempre, questa credenza è
diventata um dato ferreo del ‘senso comune’ [...]43. (Q11, 1411-1412)

41
Rodolfo Mondolfo, filósofo ítalo-argentino, iniciou sua carreira universitária substituindo Roberto Ardigó
na Universidade de Padova, de quem herdou e nunca superou completamente o fundamento positivista. Nos
Cadernos, Gramsci busca distingui-lo de Labriola, ainda que reconheça a seriedade dos seus estudos,
especialmente seus estudos sobre a obra de Engels. Dizionario gramsciano (1926-1937). Roma: Carocci,
2009.p.558.
42
Roberto Ardigó foi o principal representante do positivismo italiano. Professor da Università di Padova,
contribuiu para a difusão da teoria da evolução, à nascente psicologia e à pedagogia nova e propunha uma
filosofia que abarcasse o âmbito das ciências naturais, psicologia e sociologia.
43
“O público popular [...] crê que o mundo exterior seja objetivamente real, mas precisamente aqui surge o
problema: qual é a origem desta ‘crença’ e que valor crítico tem ‘objetivamente’? De fato, esta crença é de
origem religiosa, mesmo se quem dela partilha seja religiosamente indiferente. Dado que todas as religiões
ensinaram e ensinam que o mundo, a natureza, o universo, foi criado por Deus antes da criação do homem e,
35

O problema posto e central da preocupação de Gramsci se constitui do fato de que


as deformações empreendidas pelo materialismo vulgar sobre a filosofia marxista possam
levá-la a ser confundida com uma metafísica teológico-religiosa de tipo pré-marxista, a
qual Marx já havia superado com as Teses sobre Feuerbach, nas quais “a atividade critico-
prática revolucionária [...] centrada no conceito de práxis, ou seja, da cognoscibilidade e
transformabilidade do mundo natural e social por meio da intervenção e iniciativa subjetiva
humana” (MARTELLI, 1996, p.29 – tradução livre).
Ao contrário de Bukharin que considerava o idealismo uma forma de religião pela
elevação do espírito, Gramsci percebia o mesmo misticismo teológico no materialismo
vulgar que absolutizava a objetividade como um deus, caindo em um tipo de metafísica
religiosa. Ademais compreendia a distinção entre idealismo subjetivo e objetivo que escapa
a Bukharin, mas aferia também os riscos do idealismo subjetivo que conduziam à
degeneração solipsista44 a qual Bukharin se referia.
Nessa tela, a posição de Gramsci corresponde à clareza de que a história das
sociedades tem sido a história da luta de classes e que um dos elementos fundamentais para
libertação das classes subalternas de sua dominação passa pela apropriação do
conhecimento a elas historicamente negado, capaz de subsidiar uma consciência ativa livre
dos fetiches e da alienação articulada com uma postura crítica e transformadora da
realidade. Nesse sentido que, ao problematizar o objetivo e o humanamente objetivo a
partir do ponto de vista realista - em que a realidade existe independente da consciência,
em algumas passagens, Gramsci critica a concepção kantiana do “noumeno” pela
impossibilidade de redução ontológico-materialista da realidade conhecida ao sujeito
cognoscente e, portanto, sua metafisicização45. Por outro lado, em outra passagem
reconhece a objetividade especificamente conectada com a existência humana

portanto, que o homem já encontrou o mundo pronto e acabado, catalogado e definido de uma vez por todas,
esta crença tornou-se um dado férreo do senso comum”. (GRAMSCI, [1932] 2011, p.130)
44
Solipsismo – concepção filosófica ceticista que afirma que para além de nós só existem nossas
experiências. Atribuída como reação a Hegel e sua concepção do universal, reduz toda a realidade ao sujeito
pensante.
45
Il noumeno kantiano. Se la realtà è come noi la conosciamo e la conscenza muta continuamente, se cioè
nessuna filosofia è definitiva ma è storicamente determinata, è difficile immaginare che la realtà
oggetivamente muti col nostro mutare ed è difficile ammeterlo non solo per il senso comune ma anche per il
pensiero scientifico (Q11, 1290) “O númeno kantiano. Se a realidade é como nós a conhecemos e, se nosso
36

Oggetivo significa sempre ‘umanamente oggetivo’, ciò che può


corrispondere exatamente a ‘storicamente oggetivo’, cioè oggetivo
significherebbe ‘universale soggetivo’ [...] quando si afferma che uma
realtà esisterebbe anche se non esisteresse l`uomo o si fa uma metáfora o
si cade in uma forma di misticismo. Noi conosciamo la realtà solo in
rapporto all´uomo e siccome l´uomo è divenire storico anche la
conoscenza e la realtà sono um divenire, anche l´oggettività è um
divenire ecc.46 (Q11, 1415-1416)

Nestes termos, no que tange à práxis histórica há uma extraordinária aproximação


do pensamento gramsciano com a ontologia lukacsiana, a qual Gramsci desenvolve com
maestria, especialmente no que se refere à dimensão política. Ao acentuar o lado subjetivo
e sua relação homem-natureza, contribui para o caráter inovador da filosofia marxista
como uma nova ontologia. Por isso, para além de qualquer ambiguidade, segundo Martelli
(1996), a concepção gramsciana contém o aspecto gnosiológico e o aspecto ontológico, já
que em uma concepção de práxis, não há como prescindir do aspecto gnosiológico na
concepção ontológica.
Gramsci desenvolve com originalidade sua perspectiva ontológica, ao acolher com
vigor e rigor os aspectos radicalmente novos da ontologia inaudita, ou seja, da esfera do ser
social. Nesse aspecto, de acordo com Martelli (1996), Gramsci se diferencia radicalmente
do universal subjetivo de tipo kantiano por situá-lo como conceito-limite histórico do
sistema cultural unitário e unificador da humanidade e não condição formal a priori do
conhecimento humano.
É provável que a Gramsci faltasse os elementos para desenvolver uma perspectiva
ontológica mais ampla, encontrados nos Manuscritos Econômico-filosóficos e na Ideologia
Alemã por Lukács47. Contudo, Gramsci não perdeu de vista a perspectiva ontológica de

conhecimento modifica-se continuamente, isto é, se nenhuma filosofia é definitiva, mas historicamente


determinada, é difícil imaginar que a realidade se modifique com a nossa modificação; e é difícil admiti-lo
não apenas para o senso comum, como para o pensamento científico.” (Tradução livre)
46
Objetivo significa ‘humanamente objetivo’, o que pode corresponder exatamente a ‘historicamente
subjetivo’, isto é, objetivo significaria ‘universal subjetivo’ [...] quando se afirma que uma realidade existiria
ainda que não existisse o homem, ou se faz uma metáfora ou se cai numa forma de misticismo. Conhecemos
a realidade apenas em relação ao homem e, como o homem é um devir histórico, também o conhecimento e a
realidade são um devir, também a objetividade é um devir, etc. (GRAMSCI [1932] 2011, p.134)
47
Obras que quando teve acesso gerou sua viragem filosófica e deram subsídios para o desenvolvimento da
Ontologia do Ser Social. Ambas foram publicadas somente em 1932 quando Gramsci já encontrava-se no
cárcere.
37

continuidade e descontinuidade do mundo natural e social, como indica a passagem em que


se questiona acerca da posição de Lukács em História e consciência de classe.

Deve-se estudar a posição do Prof. Lukácz em face da filosofia da práxis.


Parece que Lukácz afirma que só se pode falar de dialética para a história
dos homens e não para a natureza. Pode estar errado e pode ter razão. Se
sua afirmação pressupõe um dualismo entre a natureza e o homem, está
errado, já que cai numa concepção da natureza própria da religião e da
filosofia greco-cristã, bem como do idealismo, que não consegue unificar
e relacionar o homem e a natureza mais do que verbalmente. (GRAMSCI,
2011, p.167 – grifos nossos)

Com o empreendimento de recuperar a essência revolucionária e ativa do


marxismo, Gramsci defende a constituição de uma civilização superior total e integral que
perpassa tanto pela constituição de novas relações humanas de conhecimento, bem como, o
desenvolvimento de novas objetivações livres em termos de produção e fruição, portanto,
de novas formas de apropriação da própria realidade histórica e natural.
A partir da crítica que Gramsci empreende às correntes idealistas que reduzem a
realidade objetiva a puro produto do pensamento, como o criacionismo científico, o
solipsismo que inspiram a ‘nova física’ e afirmam que a matéria está abandonada no
universo desembocando em uma posição teológica, demarca sua posição sobre a realidade
natural como dada pela própria natureza e ressalta a relação sujeito-objeto para a produção
do conhecimento. Em 1932, quando abandona o termo materialismo histórico devido às
implicações metafísicas, Gramsci ressalta “Per la filosofia della praxis l´essere non può
essere disgiunto dal pensare, l´uomo dalla natura, l´atività dalla materia, il soggetto
dall´oggetto; se si fa questo distacco si cade in una delle tante forme di religione o
nell´astrazione senza senso”48(Q11, 1457).
Pois, a relação dialética entre cada elemento que constitui a práxis é exatamente o
elemento que falta tanto ao idealismo quanto ao materialismo vulgar, e que a realidade
objetiva é a base estrutural para o conhecimento produzido pelos sujeitos históricos, como
práxis, atividade objetiva (gegenständliche Thätigkeit), isto é, processo de transformação
humana da natureza e social.

48
“Para a filosofia da práxis o ser não pode ser separado do pensar, o homem da natureza, a atividade da
matéria, o sujeito do objeto; se se faz esta separação, cai-se numa das muitas formas de religião ou na
abstração sem sentido.” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.175)
38

O neoidealismo italiano, especialmente com Croce, opera uma redução do nexo


entre natureza e história, e, conforme Martelli (1996), extrai dos avanços empreendidos por
Hegel a concretude da história, transformando a realidade objetiva em pura formalidade
conceitual, produto do sujeito que pensa, como se o pensamento e o conhecer em si fosse o
próprio “fazer” e, portanto, a unidade teoria e prática. Para Gramsci, “L´idealismo attuale
fa coincidere verbalmente ideologia e filosofia (ciò che, in ultima analisi, non è altro che
uno degli aspetti dell`unità superficiale postulata da esso fra reale e ideale, fra teoria e
pratica ecc)49” (Q 1355).
A unidade concreta entre teoria e prática que se constitui na práxis configura-se
como o monismo marxista, isto é, o princípio da realidade ou fundamento essencial seria a
relação homem-natureza. Ao contrário do viés gentiliano/crociano, em Gramsci essa
unidade assume viés materialista que é, na esteira de Labriola, concomitantemente
histórica e dialética, concreta, mundana, de relações e mediações e, portanto, não se refere
somente ao indivíduo, mas também ao coletivo, à relação sujeito-objeto, estrutura-
superestrutura.
De acordo com Martelli (1996), em Gramsci a práxis se apresenta de três modos
fundamentais: 1) técnico-produtiva – refere-se ao trabalho como mediação do homem e a
natureza50; 2) científica-experimental – refere-se ao método experimental que representa
uma viragem histórica e demarca o pensamento moderno, capaz de possibilitar a unidade
perfeita entre teoria e prática cujo coroamento é a filosofia da práxis51; 3) histórico-política

49
“O idealismo atual faz coincidir verbalmente ideologia e filosofia (o que, em última análise, nada mais é do
que um dos aspectos da unidade superficial postulada por ele entre real e ideal, entre teoria e prática, etc.)
(GRAMSCI, [1932] 2011, p.423)
50
“L´individuo non entra in rapporti com gli altri uomini per giustapposizione, ma organicamente, cioè in
quanto entra a far parte di organismi dai più sempliciai più complessi. Così l´uomo non entra in rapporto
com la natura semplicemente, per il fato di essere egli stesso natura, ma attivamente, per mezzo del lavoro e
la técnica” (Q10, 1345). “O indivíduo não entra em relação com a natureza por justaposição, mas
organicamente, isto é, na medida que começa a fazer parte de organismos, dos mais simples aos mais
complexos. Deste modo, o homem não entra em relações com a natureza simplesmente pelo fato de ser ele
mesmo natureza, mas ativamente, por meio do trabalho e da técnica”. (GRAMSCI, 2011, p. 413)
51
“È indubbio che l´affermarsi del método sperimentale separa due mondi della storia, due epoche e inizia il
processo di dissoluzione della teologia e della metafisica, e di sviluppo del pensiero moderno, il cui
coronamento è nella filosofia della praxis.” (Q11, 1449) “É indubitável que a história da experimentação
separa dois mundos da história, duas épocas e inicia o processo de dissolução da teologia e da metafísica e de
desenvolvimento do pensamento moderno, cujo coroamento está na filosofia da práxis.” (GRAMSCI, 2011,
p. 166)
39

– refere-se à atividade humana de mediação entre a vontade humana e a estrutura


econômica, ligada, portanto, ao problema da ideologia e da hegemonia52.
A concepção gramsciana de práxis se expressa como ato impuro, materialista
porque concreta, socialmente condicionada, que segue na contramão da abstração idealista
subjetiva e a-histórica da relação sujeito-objeto. Dessa atividade objetiva, originam-se
novos complexos sociais como o conhecimento, resultado do processo de produção do
homem e, desse modo, da relação teórico-prática, subjetividade-objetividade.
Partindo da compreensão de que a realidade está encarnada na luta de classes e por
ela socialmente determinada, mas que a história constitui-se movimento impulsionado
pelas contradições que a configuram como incessante devir, o autor sardo compreende a
subjetividade humana em relação com esse conjunto de fatores historicamente
determinados, condicionados pelo modo de produzir e reproduzir a vida material com a
qual se engendra uma superestrutura política e ideológica, a qual expressa, portanto, a
concepção realista da subjetividade.

La filosofia della praxis ‘assorbe’ la concezione soggettiva della realtà


(l´idealismo) nella teoria delle superestrutture, l´assorbe e lo spiega
storicamente, cioè lo ‘supera’, lo riduce a um suo ‘momento’. La teoria
delle superestrutture è la traduzione in termini di storicismo realístico
della concezione soggetiva della realtà.53(Q10, 1244)

Por conseguinte, a objetividade constitui-se como a natureza transformada pelo


homem conforme suas necessidades, transformada em força material de produção e
reprodução social. Desse modo, tal como Lukács, a concepção gramsciana está centrada na
estreita relação homem-natureza e estabelece os elementos fundamentais para a edificação

52
“Bisogna dunque distinguere tra ideologie storicamente organiche, che sono cioé necessarie a uma certa
struttura, e ideologie arbitrarie, razionalistiche, ‘volute’. In quanto storicamente necessarie esse hanno uma
valità che é valita ‘psicologia’, esse organizzano’ l emasse umane, formano il terreno in cui gli uomini si
muovono, acquistano coscienza della loro posizione, lottano ecc”. (Q868) “É necessário, por conseguinte,
distinguir entre ideologias historicamente orgânicas, isto é, que são necessárias a uma determinada estrutura,
e ideologias arbitrárias, racionalísticas, “voluntaristas”. Enquanto são historicamente necessárias, as
ideologias tem uma validade que é validade “psicológica”: elas “organizam” as massas humanas, formam o
terreno no qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc.” (GRAMSCI,
2011, p. 237)
53
“A filosofia da práxis ‘absorve’ a concepção subjetiva da realidade (o idealismo) na teoria das
superestruturas; absorve-o e o explica historicamente, isto é, ‘supera-o` e o reduz ao seu ‘momento’. A teoria
das superestruturas é a tradução da concepção subjetiva da realidade em termos historicista.” (GRAMSCI,
[1932] 2011, p.315)
40

de uma nova ontologia de caráter histórico-social, com base na atividade criadora humana
como fundadora de uma nova esfera especificamente humano-social, a esfera de um novo
ser, o ser social.
Pelo acento dado à superestrutura humana e social para contrapor-se ao
materialismo vulgar, Gramsci é acusado por muitos que fazem leituras aleatórias de sua
obra, como teórico da política ou teórico da superestrutura. Contudo, sua concepção não se
funda em qualquer tipo de cisão, mas de uma compreensão de totalidade dialética das
dimensões da realidade e, portanto, de uma relação dialética entre estrutura e
superestrutura e não mecânica, como ele afirma nos Cadernos,

La struttura e le superstrutture formano um ‘blocco storico’, cioè


l`insieme complesso e discorde delle soprastrutture sono il riflesso
dell´insieme dei rapporti social di produzione. Se ne trae: che solo un
sistema di ideologie totalitario riflette razionalmente la contraddizione
della struttura e rappresenta l´esistenza delle condizioni oggetive per il
rovesciamento della praxis.54 (Q8, 1051)

Portanto, compreende a relação dialética entre natureza e história encarnada na


práxis humana, que tem como fundamento a própria natureza como condição essencial,
insuprimível e objetiva para a existência, tal como Lukács que afirma que a esfera orgânica
possibilitou o salto ontológico para a esfera social, mas que mantém com essa uma relação
ineliminável que se manifesta na dependência ontológica, autonomia relativa e
determinação recíproca. Gramsci esclarece sua posição sobre os limites da esfera natural e
social na passagem que trata de questões do Ensaio Popular, na qual o momento
predominante da práxis se centra na esfera social, mas a esfera natural não se dissolve.

Come forza naturale l´elettricità esisteva anche prima della sua


riduzione a forza di produzione ma non operava nella storia, non era
elemento storico, della storia umana (non della storia naturale e quindi
in misura determinata anche della storia umana, in quanto la storia
umana è una parte della storia naturale).55 (Q4, 444)
54
“A estrutura e as superestruturas formam um “bloco histórico”, isto é, o conjunto complexo e contraditório
das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção. Disto decorre: só um sistema
totalitário de ideologias reflete racionalmente a contradição da estrutura e representa a existência das
condições objetivas para a subversão da práxis”. (GRAMSCI, [1930] 2011, p.251)
55
“Como força natural, a eletricidade existia também antes da sua redução à força produtiva, mas não
operava na história, não era elemento histórico, da história humana (não da história natural e, portanto, em
determinada medida, também da história humana, enquanto a história humana é uma parte da história
natural).” (Tradução livre)
41

Nesse sentido, a base material e condição para a produção da existência é a própria


natureza transformada em instrumentos e força produtiva, matéria prima socialmente
organizada em novas objetivações que tomam valor de uso para atender às necessidades
humanas e sociais e tornam-se nesse movimento, ao mesmo tempo, objeto e resultado da
práxis, da história.
Somente pelo prisma da razão dialética é possível compreender a unidade entre
matéria e história, entre homem e natureza, o sentido que a natureza assume objetivada
pela práxis e sua dimensão social e histórica, ainda que cada esfera contenha suas
peculiaridades. Como pressuposto, é a base ineliminável para a história e seu
desenvolvimento, especialmente, a etapa superior da história, o comunismo.
Por este mérito e pela redução reacionária da dialética de Hegel e de Marx realizada
por Croce e à degradação gerada pelo mecanicismo no marxismo, Gramsci se empenha em
recuperar e desenvolver a dialética no sentido da filosofia da práxis, a qual toma
centralidade nas notas dos Cadernos 10 e 11 visando exprimir a originalidade do
marxismo, bem como, a sua unidade orgânica constituída pela economia, história e política
e pelas dimensões gnosiológicas que constituem o marxismo como uma nova filosofia,
uma nova ontologia.

Il significato della dialettica può essere concepito in tutta la sua


fondamentalità, solo se la filosofia della praxis è concepita come una
filosofia integrale e originale che inizia una nuova fase nella storia e
nello sviluppo mondiale del pensiero in quanto supera (e superando ne
include in sè gli elementi vitali) sia l´idealismo che il materialismo
tradizionali espressioni delle vecchie società. Se la filosofia della praxis
non è pensata che subordinatamente a un´altra filosofia, non si può
concepire la nuova dialettica, nella quale appunto quel superamento si
efetua e si esprime.56 (Q11, 1425)

A dialética marxiana não seria, portanto, resultado de uma justaposição sintética


simplista de Hegel e Feuerbach, mas o tertium datur da dialética hegeliana em uma nova
elaboração que resulta em uma nova filosofia integral e original em relação às outras

56
“[...] o significado da dialética só pode ser concebida em toda a sua fundamentalidade se a filosofia da
práxis for concebida como uma filosofia integral e original, que inicia uma nova fase na história e no
desenvolvimento mundial do pensamento, na medida em que supera (e, superando, integra em si os seus
elementos vitais) tanto o idealismo quanto o materialismo tradicionais, expressões das velhas sociedades. Se
a filosofia da práxis é pensada apenas como subordinada a uma outra filosofia, é impossível conceber a nova
dialética, na qual, precisamente, aquela superação se efetua e se expressa.” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.143)
42

precedentes e à relação teoria e prática. A filosofia da práxis elaborada pelo filósofo sardo
constitui-se, desse modo, em total conformidade com os fundamentos marxianos expressos
nas Teses sobre Feuerbach.

O principal defeito de todo o materialismo existente até agora (o de


Feuerbach incluído) é que o objeto [Gegenstand], a realidade, o sensível,
só é apreendido sob a forma do objeto [Objekt] ou da contemplação, mas
não como atividade humana sensível, como prática, não subjetivamente.
Daí o lado ativo, em oposição ao materialismo, [ter sido] abstratamente
desenvolvido pelo idealismo – que, naturalmente, não conhece a
atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis
[sinnliche Objekte], efetivamente diferenciados dos objetos do
pensamento: mas ele não apreende a própria atividade humana como
atividade objetiva [gegenständliche Tätigkeit]. (MARX, 2007, p. 533)

Na esteira de Lenin, Gramsci compreende as partes constitutivas do marxismo –


história, política e economia – que o forma organicamente como filosofia original.
Contudo, como destaca Martelli (1996), em 1932 substitui filosofia - definida por Lenin
como umas das partes constitutivas - por história, ao aferir a dialética enquanto ciência,
enquanto concepção filosófica geral, gnosiologia, que articula organicamente a
interdependência das partes formando uma totalidade filosófica integral e original, como
assenta na seguinte nota

Si domanderà se la filosofia della praxis non sai appunto specificamente


uma teoria della storia e si responde che ciò è vero ma perciò dalla
storia non possono staccarsi la politica e l´economia, anche nelle fasi
specializzate, di scienza e arte della politica e di scienza e politica
econômica. Cioè: dopo avere, nella parte filosofica generale (che [è] la
filosofia della práxis vera e própria, la scienza della dialettica o
gnoseologia, in cui i concetti generali di storia, di politica, di economia
si annodano in unità organica).57 (Q11, 1448)

É certo que Lenin, assim como Labriola, teve forte influência sobre Gramsci,
contudo, não encontramos até aqui evidências de que Gramsci tenha acessado seus
Cadernos Filosóficos, nos quais se debruça sobre a dialética de Hegel e neles avança em

57
“Poder-se-á indagar se a filosofia da práxis não é, precisa e especificamente, uma teoria da história; ao que
se responde que isto é verdade, mas que é impossível, por isso mesmo, destacar da história a política e a
economia, mesmo em suas fases especializadas, de ciência e arte da política e de ciência e política
econômica. Ou seja: após ter realizado a tarefa principal na parte filosófica geral (que é a filosofia da práxis
propriamente dita: a ciência da dialética ou gnosiologia, na qual os conceitos gerais da história, de política,
economia, se relacionam em unidade orgânica)” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.166).
43

sua posição sobre a dialética em Materialismo e Empiriocriticismo58 em que, em


contraposição a Plekanov, estabelecia uma distinção entre materialismo filosófico ou
dialético e materialismo histórico.
Mais uma vez fica evidente a importância que Hegel possui para a constituição do
arcabouço teórico marxiano, especialmente pelas categorias desenvolvidas que
significaram um salto no pensamento filosófico, como a dialética. Assim como Lukács
teve sua “viragem” quando teve acesso aos Manuscritos econômico-filosóficos em que
Marx trata de forma mais patente a relação dialética, o encontro do líder bolchevique com
Hegel durante o exílio59 o permitiu superar as concepções mecanicistas e dogmáticas que
inflexionavam o potencial revolucionário do marxismo e o possibilitaram desenvolver uma
concepção madura da dialética ao reconhecer o lugar central que ela ocupa na filosofia da
práxis.
Ao se debruçar sobre a obra hegeliana e compreender com entusiasmo a dimensão
da dialética, Lenin (2011, p.157) chega a afirmar que “Não se pode compreender
plenamente O Capital de Marx, e particularmente o seu primeiro capítulo, sem ter
estudado e compreendido toda a Lógica de Hegel. Portanto, meio século depois de Marx,
nenhum marxista o compreendeu.”
Esse encontro de Lenin com Hegel significou um avanço qualitativo em suas
próprias concepções sobre as bases revolucionárias do marxismo que buscou desenvolver
em Materialismo e Empiriocriticismo em 1908. Na época, preocupado com os influxos
filosóficos no marxismo gerados pela influência das emergentes correntes reacionárias
burguesas positivistas, neokantistas e pragmatistas - as quais influenciaram alguns
marxistas oriundos da II Internacional que afirmavam “fundir” idealismo e materialismo,
quando na verdade, realizavam o revisionismo do marxismo e traíam os interesses da
classe trabalhadora - recorre a uma profunda investigação sobre as obras filosóficas de
Marx e Engels e de autores contemporâneos.
Sua preocupação se fundamentava em sua clareza de que a luta de classes não se
dava somente no campo da produção, mas também, no campo das ideias, no campo
filosófico, pois, para ele o partidarismo filosófico não se dava unicamente no

58
A primeira edição de Materialismo e Empiriocriticismo data de 1908, enquanto os Cadernos Filosóficos
foram publicados postumamente em 1929-1930.
59
Durante a Primeira Guerra Mundial (setembro a dezembro de 1914, três anos antes da Revolução Russa),
Lenin foi exilado em Berna na Suíça, período em que se dedicou ao estudo da Ciência da Lógica de Hegel.
44

pertencimento ao materialismo ou ao idealismo, mas sobretudo, ao aspecto classista e


político. Nesse quadro, Lenin foi o primeiro a combater o revisionismo e nessa empreitada
se aproxima da posição de Gramsci nos Cadernos, ao identificar a centralidade da dialética
no marxismo, ao afirmar que a dialética é a teoria do conhecimento do marxismo.

Se Marx não nos deixou a Lógica (com L maiúsculo), deixou-nos a lógica


de O capital - e seria conveniente utilizar a fundo esta observação para o
problema aqui discutido. Em O capital, são aplicados a uma ciência a
lógica, a dialética e a teoria do conhecimento (não são necessárias três
palavras: é a mesma coisa) de um materialismo que recolheu tudo o que
há de precioso em Hegel e que o fez avançar. (LENIN, 2011, p.201)

Dessa forma, conforme Martelli (1996), Lenin e Gramsci se contrapunham às


posições de Plekhanov e Bukharin que operavam uma cisão no marxismo, cada um ao seu
modo. O primeiro estabelecia uma cisão entre materialismo filosófico ou dialético e
materialismo histórico, na qual este seria o predicado daquele, uma dedução do
materialismo filosófico. O segundo repartia o marxismo em duas partes: uma sociologia de
moldes positivistas, ou seja, ciência empírica dos fatos sociais e uma filosofia sistemática
de tipo materialista vulgar, na qual o nexo orgânico dialético enquanto gnosiologia inexiste
porque a dialética é reduzida a meio de equilíbrio. Porém, Gramsci afere que

Se queste tre attività sono gli elementi costitutivi necessari di uma stessa
concezione del mondo, necessariamente deve esserci, nei loro principii
teorici, convertibilità da una all´altra, traduzione reciproca nel proprio
specifico linguaggio di ogni elemeno costitutivo: uno è implicito
nell´altro, e tutti insieme formano um circolo omogeneo.60 (Q 11, 1492)

Nessa perspectiva, a dialética configura-se orgânica e tem a práxis isto é, a


concepção historicista da realidade como base da relação intrínseca entre história, política
e economia, liberta de qualquer resíduo de transcendência ou teologia, portanto, de
concepções metafísicas, das quais a dialética mesma é sua antítese. Nesse ponto, Gramsci
se coloca contra Croce e Gentile que introduzem sorrateiramente uma nova metafísica ao
fazer do Espírito e da ideia o demiurgo do real, e contra Bukharin que se eleva a uma

60
“Se estas três atividades são os elementos constitutivos de uma mesma concepção do mundo, deve existir
necessariamente, em seus princípios teóricos, convertibilidade de uma na outra, tradução recíproca na
linguagem específica própria de cada elemento constitutivo: um está implícito no outro e todos, em conjunto,
formam um círculo homogêneo.” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.209)
45

metafísica com seu dogmatismo sobre o causalismo mecânico, caindo também em


resoluções abstratas em última instância, por assumir posições supra-históricas.
O caráter antimetafísico da filosofia da práxis é tratado por Gramsci na fórmula
antitética da imanência historicista ou realista que resulta da superação da imanência
especulativa hegeliana realizada por Marx. “La filosofia della praxis continua la filosofia
dell´immanenza, ma la depura di tuttto il suo aparato metafisico e la conduce sul terreno
concreto della storia”61 (Q11, 1438). Pois, com Marx, em específico na II Tese sobre
Feuerbach62, a concepção de immanentia assume um novo caráter, o caráter de
terrenalidade, mundanidade histórica e o significado de imanência - daquilo que é inerente
ao ser - passa à ação humana concreta, ao historicismo absoluto, à práxis que caracteriza o
marxismo como filosofia integral e original.

Quando se dice che Marx adopera l´espressione ‘immanenza’ in senso


metaforico, non si dice nulla: in realtà Marx dà al termine ‘immanenza’
um significato proprio, egli cioé non è um ‘panteista’ nel senso
metafisico tradizionale, ma è um ‘marxista’ o um ‘materialista storico’.
Di questa espressione ‘materialismo storico’ si è dato il maggior peso al
primo membro, mentre dovrebbe essere dato al secondo: Marx è
essenzialmente uno storicista’ ecc.63 (Q4, p.433)

Se em Hegel, de acordo com Martelli (1996, p.56), a concepção de imanência se


situa na identidade do par razão-realidade, a originalidade do conceito marxiano de
imanência reside na identificação histórica que implica na conexão dialética histórico
mundana processual do seu movimento e de suas relações políticas, econômicas e
filosóficas orgânicas, indissolúveis e indissociáveis. Gramsci esclarece esse movimento
quando afirma que “La filosofia della prassi come risultato e coronamento di tutta la
storia precedente. Dalla critica dell´hegelismo nascono l´idealismo moderno e la filosofia

61
“A filosofia da práxis continua a filosofia da imanência, mas depurando-a de todo o seu aparato metafísico
e conduzindo-a ao terreno concreto da história”. (GRAMSCI, [1932] 2011, 156)
62
“É na prática que o homem tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior
[imanente] [Diesseitigkeit] de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não realidade do pensamento
– que é isolado da prática – é uma questão puramente escolástica.” (MARX, [1845] 2007, p.533)
63
“Quando se diz que Marx usa a expressão "imanência" num sentido metafórico, nada é dito: na verdade
Marx dá ao termo "imanência 'um significado próprio, ou seja, ele não é um “panteísta", no sentido
metafísico tradicional, mas é um "marxista" ou “materialista histórico”. Nesta expressão "materialismo
histórico" é dado o maior peso ao primeiro membro, enquanto deveria ser dado ao segundo: Marx é
essencialmente um historicista, etc.” (Tradução livre)
46

della prassi. L´imanentismo hegeliano diventa storicismo; ma è storicismo assoluto solo


com la filosofia della prassi, storicismo assoluto o umanesimo assoluto”64 (Q15, 1826-
1827).
Ao contrário do economicismo ou do ideologismo que acentuam as condições
objetivas, materiais, estruturais ou as condições subjetivas, ideológicas ou superestruturais,
como base de interpretação do real e representam interpretações unilaterais do pensamento
marxiano, a compreensão original de imanência marxiana apresenta uma compreensão de
totalidade dialética unitária das partes da realidade. A filosofia da práxis estabelece uma
relação dialética de determinação recíproca entre estrutura e superestrutura. Ambas
resultado da criação e produção humana como síntese histórico-social

[...]non è veroche la filosofia della praxis ‘stacchi’ la struttura dalle


superestrutture quando invece concepisce il loro sviluppo come
intimamente connesso e necessariamente interrelativo e reciproco. [...]
Forse che la struttura è concepita como qualcosa di immobile ed
assoluto o non invece come la realtà stessa in movimento e l´afirmazione
delle Tesi su Feuerbach dell´educatore che deve essere educato non pone
um rapporto necessário di reazione ativa dell´uomo sulla struttura,
affermando l´unità del processo del reale?65 (Q10, 1300)

O viés de totalidade da filosofia da práxis elimina qualquer interpretação que visa


reduzi-la a uma das dimensões ou partes que a constituem, como teoria da política ou da
superestrutura. Embora nos Cadernos, Gramsci tenha dado especial atenção a esse aspecto,
tendo em vista a passividade mórbida que as concepções conservadoras e deturpadas
levaram o marxismo, a concepção dialética da história ou gnosiologia da história definiria
com maior inteireza sua essência.
Nessa esteira, Gramsci assim como Lukács pressupõe a síntese entre as condições
materiais e a intervenção humana como o fator capaz de colocar o homem como produtor

64
“A filosofia da práxis como resultado e coroamento de toda a história precedente. Da crítica ao
hegelianismo, nascem o idealismo moderno da filosofia da práxis. O imanentismo hegeliano torna-se
historicismo; mas só é historicismo absoluto com a filosofia da práxis, historicismo absoluto ou humanismo
absoluto.” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.264-265)
65
“[...] não é verdade que a filosofia da práxis destaque a estrutura das superestruturas; ao contrário, ela
concebe o desenvolvimento das mesmas como intimamente relacionado e necessariamente inter-relativo e
recíproco [...] Será que a estrutura é concebida como algo imóvel e absoluto, ou, ao contrário, como a própria
realidade em movimento? A afirmação das Teses sobre Feuerbach, de que o ‘educador deve ser educado’,
não coloca uma relação necessária de reação ativa do homem sobre a estrutura, afirmando a unidade do
processo real?” (GRAMSCI [1932] 2011, p369-370).
47

da história, de ser social. Contudo, conforme Martelli (1996, p.59), a diferença dessa
concepção de síntese residiria na visão de Lukács que põe no trabalho o papel de modelo e
protoforma como atividade teleológica e em Gramsci seria a síntese da maturidade do
ambiente e a atividade subjetiva do homem, o movimento histórico. A nosso ver, ambos
convergem inclusive nesse aspecto, tendo em vista que independente da complexidade do
desenvolvimento e da maturação histórico-social, a atividade humana atravessa toda a
dimensão histórico-social, e portanto, está sempre atravessada pela prévia-ideação e
objetivação, seja na relação com a natureza, seja na relação com os outros homens, a qual
se origina no trabalho.
Da relação estrutura e superestrutura atravessada pela luta de classes salta a
necessidade de transformação do mundo, para tanto, a necessidade de conhecê-lo.
Contudo, conhecimento e transformação são permeadas pelo valor da ideologia que se
apresena nos complexos superestruturais, a política, as formas jurídicas, a filosofia, a arte,
a educação, a religião. A partir do prisma da relação orgânica e recíproca entre estrutura e
superestrutura, a ideologia ocupa posição central na dimensão gnosiológica dialética, por
se configurar como o ponto de conexão, de mediação, entre teoria e prática, conhecimento
e ação. Contudo, pode assumir distintas funções sociais, ou seja, o papel político cultural
conservador das ideias dominantes pela conciliação de interesses opostos ou transformador
e revolucionário como a própria filosofia da práxis que na medida em que se torna
consciência social, torna-se força socialmente transformadora do mundo ao impulsionar a
ação das classes subalternas, a filosofia das contradições.
Essa força operosa se concretiza nas instituições da sociedade civil, os aparelhos de
hegemonia que buscam, educam e organizam o consenso através do controle das atividades
políticas, culturais e intelectuais das massas. Nesse viés, se concretiza o caráter educativo
da filosofia da práxis, pois

A proposição contida na introdução à Crítica da economia política,


segundo a qual os homens tomam consciência dos conflitos de estrutura
no terreno das ideologias66, deve ser considerada como uma afirmação de
valor gnosiológico e não puramente psicológico e moral. Disto decorre
que o princípio teórico-prático da hegemonia possui também um alcance

66
“É preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção
e que podem ser apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais e as formas jurídicas, políticas,
religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas em que os homens adquirem
consciência deste conflito e lutam para resolvê-lo.” (MARX, Prefácio à Crítica da Economia Política, 1859)
48

gnosiológico; e, portanto, é nesse campo que se deve buscar a


contribuição teórica máxima de Ilitch à filosofia da práxis. Ilitch teria
feito progredir efetivamente a filosofia como filosofia na medida em que
fez progredir a doutrina e a prática política. A realização de um aparelho
hegemônico, enquanto cria um novo terreno ideológico, determina uma
reforma das consciências e dos métodos de conhecimento, é uma fato de
conhecimento, um fato filosófico. (GRAMSCI, 2011, p.320)

Para Gramsci, há um nexo indissolúvel entre estrutura e superestrutura no qual está


contida a contradição de base entre as forças produtivas e as relações de produção, isto é,
entre o nexo inseparável entre hegemonia ético-política e hegemonia econômica, o qual
não corresponde às concepções idealistas ou economicistas. Nesse espectro, segundo
Martelli (1996, p.63), o conceito de hegemonia gramsciana avança em relação à concepção
leniniana que centrava-se na direção política. Com a contribuição de Gramsci, a hegemonia
assume a máxima provisão teórica, quando toma a forma de escopo gnosiológico da
filosofia da práxis válido como impostação metodológica orientadora da práxis política
para a transformação do mundo histórico-social em todas as dimensões: política,
econômica, cultural, etc., coerente com a décima primeira Tese sobre Feuerbach67.

Può esserci reforma culturale e cioè elevamento civile degli strati


depressi della società, senza uma precedenteriforma econômica e um
mutamento nella posizione sociale e nel modo econômico?[...] una
riforma intellettuale e morale non può non essere legata a um
programma di riforma economica, anzi il programma di reforma
economica è appunto il modo concreto con cui si presenta ogni riforma
intellettuale e morale.68 (Q13, 1561)

A compreensão de unidade orgânica da estrutura e superestrutura amplia a


concepção de luta pela emancipação das classes subalternas para além de qualquer
reducionismo econômico que reporta a apenas à estrutura econômica a medula da
revolução, mas incluindo também da mesma forma a investida revolucionária sobre os

67
“Os filósofos apensas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa agora é transformá-lo”.
(MARX, 2007, p.535)
68
“Pode haver reforma cultural, ou seja, elevação civil das camadas baixas da sociedade, sem uma anterior
reforma econômica e uma modificação na posição social e no mundo econômico? [...] uma reforma
intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a um programa de reforma econômica; mais precisamente,
o programa de reforma econômica é exatamente o modo concreto através do qual se apresenta toda reforma
intelectual e moral.” (GRAMSCI, [1932] 2011b, p.19)
49

aparelhos superestruturais de obtenção do consenso e difusão ideológica, sem a qual a


primeira seria irrealizável.
Não há como compreender o teor e a profundidade revolucionária dessas relações
sem apropriar-se da nova dialética, da razão dialética especialmente desenvolvida por
Gramsci nos Cadernos, como uma nova forma de pensar, uma nova lógica distinta da
lógica formal que por ela fora superada e suprassumida em si, de caráter antimetafísico e
antiespeculativo, a lógica do movimento histórico, da dinâmica das relações e contradições
que compõem a totalidade do mundo em essência e fenômeno, tendo em vista que não se
pode destacar a forma do conteúdo.
Diferentemente da causalidade unilateral abordada por Bucharin no Ensaio popular
com efeitos mecânicos e unilineares sobre a visão da realidade, conforme Martelli (1996),
a dialética histórica de viés marxiano inverte a relação de reciprocidade com base na
separação/exclusão entre identidade e diferença em uma relação de complementaridade e
inclusão. Pois a lógica dialética parte da base real objetiva em constante devir, ou seja, das
relações determinadas historicamente que, do ponto de vista das camadas subalternas,
busca integrar uma consciência crítica e transformadora de novas bases sociais. Essa
consciência transformadora não corresponde a uma concepção mecânica da causa que já
contém em si toda as relações e efeitos, próprio do plano vulgar e evolucionista, baseado
na lógica-formal dedutiva, mas a necessidade real e historicamente determinada. Portanto,

[...] limitar-se alla semplice enunciazione teórica dei principi ‘chiari’ di


método: questa sarebbe pura azione da ‘filosofi’ del Settecento. Il lavoro
necessario è complesso e deve essere articolato e graduato: ci deve
essere la deduzione e l`induzione combinate, la logica formale e la
dialettica, l´identificazione e la distinzione, la dimostrazione positiva e la
distruzione del vecchio. Ma non in astratto, ma in concreto, sulla base
del reale e dell´esperienza efetiva.69 (Q, 2268)

A nova concepção metodológica - lógica dialética – se socializada às massas,


revolucionaria o nível cultural e político ideológico destas, para além da cultura da oratória
e da escolástica, e potencializaria a ação organizativa e transformadora para a construção

69
“[...] limitar-se à simples enunciação teórica de princípios ‘claros’ de método: esta era pura ação da
‘filosofia’ do século XVIII. O trabalho necessário é complexo e deve ser articulado e gradual: deve ser
dedução e indução combinadas, lógica formal e dialética, identificação e distinção, demonstração positiva e
destruição do velho. Porém, não em abstrato, mas em concreto, sobre a base do real e da experiência efetiva.”
(Tradução livre)
50

coletiva de uma civilização superior, uma cultura da práxis que apreende conscientemente
o real com esforço e reflexão para sua constante transformação. Pois a concepção dialética
da história rompe com a abstração metafísica que transforma elementos reais e
historicamente determinados em modelos a-históricos absolutos e invioláveis, como a
concepção do capitalismo com o automatismo de mercado difundida pelos economistas
clássicos burgueses, a qual Marx rebateu com o conceito de mercado determinado ou
historicamente condicionado70.
Essa concepção de determinação é completamente diversa da concepção
mecanicista, porque refere-se à determinação histórica e, portanto, não corresponde a algo
imutável ou eterno, mas à existência, a algo que pelas relações de forças conflituosas, é
passível de mudança, de ser transformada pela atividade humana a partir das necessidades
histórico-sociais concretas. Nesse espectro, a lógica dialética como fundamento da filosofia
da práxis demonstra sua inteira conexão com a base econômica e seus estudos e, como
“um modo di pensare e d´intuire la vita e la storia”(GRAMSCI, 2011, p.196)
completamente dissociado de interpretações politicistas.
A concepção de dialética de Gramsci, segundo Martelli (1996) apresenta três
significados inter-relacionados - gnosiológico, metodológico e ontológico – que remetem
ao nexo necessidade e liberdade desenvolvido por Marx e recuperado por Gramsci nos
Cadernos e representam o nexo objetividade-subjetividade, expressos nos produtos das
objetivações humanas e na própria atividade humana. Portanto, o nexo necessidade-
liberdade se funda sobre a perspectiva ontológica da relação estrutura-superestrutura que se
contrapõe às duas concepções revisionistas do marxismo, a mecanicista ou fatalista que se
firma na ideia de necessidade sem liberdade e a subjetivista-idealista firmada na liberdade
sem necessidade.
Esse nexo é trabalhado por Marx a partir das possibilidades concretas de uma
tendência histórica em contradições com suas contratendências que se apresenta como lei
encravada em uma complexa trama teórico-prática, como é o caso da lei tendencial da

70
‘Mercato determinato’ equivale [...] a dire ‘determinato rapporto di forze social in uma determinata
struttura dell´apparato di produzione’, rapporto garantito (cioè reso permanente) da uma determinata
superestrutura politica, morale, giuridica. (Q 1477) “Mercado determinado equivale, portanto, dizer
determinadas correlações de forças sociais em uma determinada estrutura do aprelho de produção, correlação
que é garantida (isto é, tornada permanente) por uma determinada superestrutura política, moral e jurídica.”
(GRAMSCI, 2011, p. 194)
51

queda da taxa de lucro71. A possibilidade torna-se, portanto, premissa da filosofia da


práxis, enquanto teoria vivente que tem em potência o constante devir, o qual em seu
movimento incessante desenvolvido pela atividade humana, origina novas premissas,
novas possibilidades.
A concepção marxiana e gramsciana do devir está inteiramente conectada com a
tríade tese-antítese-síntese hegeliana que pressupõe um movimento de superação e
conservação, negação do velho e inovação. Contudo, a própria concepção triádica
configura-se em uma nova concepção fruto do próprio movimento que pressupõe, ao ter
suprassumidas as velhas antíteses do idealismo e materialismos tradicionais e constituir-se
em uma nova síntese. O conceito de devir está perpassado por diversos fatores e relações
entre pares inseparáveis, como ação recíproca, quantidade-qualidade, contradições que
permeiam o processo interno de transformação na permanência.
O nexo dialético quantidade-qualidade é indissolúvel, portanto, os dois opostos são
inseparáveis e mantém uma relação recíproca que se configura em um salto de conversão
da quantidade em qualidade. Para Hegel, a quantidade se manifesta preponderantemente no
mundo natural, enquanto qualidade no mundo social. Contudo, para a filosofia da práxis,
“[...] la quantità non può scindersi dalla quantità [...]” (Q 1517), segundo Gramsci, “[...]
nella filosofia della praxis la qualità è sempre connessa alla quantità, e anzi forse intale
connessione è la parte più originale e feconda” (Q11, 1447)72.
Do mesmo modo que nas outras esferas e relações, o revisionismo ou reducionismo
filosófico operou uma cisão e redução da riqueza da relação, operou também neste nexo
acentuando por um lado a qualidade em termos absolutos como o idealismo especulativo e
a religião e, por outro, acentuando a quantidade como o materialismo vulgar, positivismo e
evolucionismo que geraram perspectivas catastróficas ou de desenvolvimento automático
das forças produtivas, que desembocaram ainda em concepções reformistas como a
posição bernsteiniana para quem o movimento era tudo e o fim não era nada73. Apesar das

71
“la caduta del saggio di profitto è presentata come l´aspetto contraddittorio di un´altra legge, quella della
produzione del plusvalore relativo, in cui una tende ad elidere l´altra con la previsione che la caduta del
saggio del profito sarà prevalente”. (Q 1279)
72
“[...] a quantidade não pode destacar-se da quantidade [...], segundo Gramsci, na filosofia da práxis a
qualidade está sempre conectada à quantidade, antes tal conexão é a parte mais original e fecunda”.
(Tradução livre)
73
“sotto l´apparenza di una interpretazione ‘ortodossa’ della dialetica, nasconde una concezione
mecanicista della vita e del movimento storico: le forze umane sono considerate passive e non consapevoli,
52

distinções e peculiaridades, em última instância, ambas posições contribuíam para o plano


de conservação da divisão social classista do trabalho e da propriedade privada. Conforme
Gramsci, “sostenere la ‘qualità’ contro la quantità significa proprio solo questo:
mantenere intatte determinate condizioni di vita sociale in cui alcuni sono pura quantità,
altri qualità. E come è piacevole ritenersi rappresentanti patentati della qualità, della
bellezza, del pensiero ecc.”74(Q10, 1341). A passagem ou salto da quantidade à qualidade,
manifesta-se na unidade de luta dos contrários, de superação de contradições em
constituição de algo radicalmente/qualitativamente novo que na esfera social se revela
através da revolução, fruto da atividade humana consciente – pores de finalidades – para
uma etapa superior do desenvolvimento.
Nessa tela, a contradição se impõe como elemento de força propulsora do
movimento, simultaneamente princípio de conhecimento e de ação, do modo de ser do
próprio real, fundamento teórico-prático da filosofia marxista como teoria das
contradições.
Tutte le filosofie (i sistemi filosofici) finora esistite sono state la
manifestazione delle intime contraddizioni da cui la società è stata
lacerata, [...] la ‘filosofia della prassi’ [...] é una filosofia liberata (o che
cerca liberarsi) da ogni elemento ideologico unilaterale e fanatico, è la
conscienza piena delle contraddizioni, in cui lo stesso filosofo, inteso
individualmente o inteso come intero grupo sociale, non solo compreende
le contraddizioni, ma pone se stesso come elemento della contraddizione,
eleva questo elemento a principio di conoscenza e quindi di azioni.75
(Q10, 1487).

come un elemento non dissimile dalle cose material”. (Q 1898-1899) “Sob a aparência de uma interpretação
ortodoxa da dialética, nasce uma concepção mecanicista da vida e do movimento histórico: as forças
humanas são consideradas passivas e não conscientes, como um elemento não muito diferente das coisas
materiais.” (Tradução livre)
74
“Sustentar a ‘qualidade’ contra a quantidade significa, precisamente, apenas isto: manter intactas
determinadas condições de vida social nas quais alguns são pura quantidade, outros qualidade. E como é
agradável considerar-se representantes patenteados da qualidade, da beleza, do pensamento, etc.”
(GRAMSCI, [1932] 2011, p.409)
75
“Todas as filosofias (os sistemas filosóficos) que existiram até hoje foram a manifestação das íntimas
contradições que dilaceraram a sociedade. [...] a filosofia da práxis é uma filosofia liberada (ou que busca
liberar-se ) de qualquer elemento ideológico unilateral e fanático, é a consciência plena das contradições, na
qual o próprio filósofo entendido individualmente ou como grupo social global, não só compreende as
contradições, mas coloca a si mesmo como elemento de contradição, eleva este elemento a princípio de
conhecimento e, consequentemente, de ação.” (GRAMSCI, [1932] 2011, p.204)
53

A compreensão do processo contraditório das relações, eleva o indivíduo e o grupo


social a um salto catártico de consciência e, especialmente de ação sobre a realidade, tendo
em vista que “a inteligência que só sabe pensar metafisicamente, não pode de modo algum,
passar da ideia do repouso à ideia do movimento, porque o obstáculo da contradição lhe
barra o caminho”(ENGELS, 1875, p.235-236).
A contradição, no sentido da filosofia da práxis, remete à negação da negação e,
portanto, a uma filosofia que nega a anterior – idealista/materialista vulgar - sem retornar
ao patamar anterior, mas assentando novas bases que expressam o movimento intrínseco e
constitutivo da própria realidade, que é dialético e existe antes mesmo de se constituir o
pensamento lógico-dialético descoberto por Hegel e enriquecido por Marx. Desse modo, se
estabelece o valor ontológico da dialética dado o seu caráter objetivo do movimento que
impulsiona a realidade e a vida pelas contradições.
A lógica-dialética se distancia da lógica formal no tocante à conciliação dos opostos
operada por esta última - que apesar de não negar as contradições, não vislumbra uma
relação de reciprocidade entre ambas, mas a um esquema de justaposição de opostos ou de
conciliação que se detém na estaticidade. Ao contrário, a lógica dialética vislumbra a
potência, a possibilidade de negar, anular o oposto em um movimento de superação, assim
como o mundo burguês tem em sua constituição o seu oposto, o proletariado.
Por isso, a contradição na perspectiva lógico-dialética não corresponde à concepção
metafísica que busca estabelecer leis que visam se sobrepor à realidade de forma
dogmática, mas busca compreender as suas relações concretamente estabelecidas e a sua
dinâmica interna, influências sofridas e exercidas e as transformações potenciais e efetivas
pela negação da negação.
Nesse mérito, conforme Martelli (1996, p.80) Croce e Bernstein operam uma
distorção da dialética através da extração da força da antítese como motor da história,
levando à passividade, falsificando e enfraquecendo a dialética, resultando do lado
crociano em uma evolução reformista de tipo revolução-restauração e, do lado
bernsteiniano em uma sofisticada teoria da passividade. Conforme Gramsci, estas
concepções não devem nada a Hegel, mas a Proudhon76, a quem Marx já havia enfrentado

76
“Si ha nel Proudhon uma stessa mutilazione dell`hegelismo e della dialettica che nei moderati italiani e
pertanto la critica a questa concezione politico-storiografica è la stessa, sempre viva e attuale, contenuta
nella Miseria della filosofia.” (Q 1220) “Proudhon, tanto quanto os moderados italianos, mutila o
hegelianismo e a dialética; portanto, a crítica a esta concepção político-historiográfica é a mesma contida na
Miséria da filosofia.” (GRAMSCI, 2011, p.292)
54

na Miséria da filosofia em 184777. Ambas direcionam para uma concepção apriorística da


história que suporta a ideia de uma elite intelectual, a qual concentra nas mãos o papel de
dirigente da luta política, rendendo à dialética um papel formalístico e sofístico e,
consequentemente, ao movimento histórico, um processo de reprodução da hierarquia
social e contribuição a conservação dos alicerces da luta de classes. Conforme Gramsci,

L´origini di molti spropositi contenuti nel Saggio è da ricervarsi


nell`Antiduhring e nel tentativo, tropo esteriore e formale, di elaborare
um sistema di concetti, intorno al núcleo originário di filosofia della
práxis, che soddisfacesse il bisogno scolastico di compiuteza.78 (Q10,
1786)

Dado o acento que Engels põe na economia, a lei cósmica universal da dialética que
seria por ele desenvolvida, trasmutou-se em Bukharin, segundo Martelli (1996, p.82), em
um mecani[ci]smo de equilíbrio sócio-histórico, ao excluir a contradição como mola
propulsora do movimento histórico e dos saltos qualitativos, predominando assim, a
perspectiva de coexistência das forças mecânicas em contraste e equilíbrio após cada
ruptura, em um movimento cíclico.
Na polêmica com Engels, Gramsci que conhecia o Antiduhring ressalta o cuidado
de diferenciar a identidade de pensamento entre os dois fundadores da filosofia da práxis.
Porém, em algumas passagens dos Cadernos parece concordar com o companheiro de luta
de Marx sobre a plausibilidade de uma dialética da natureza, no tocante ao nexo homem-
natureza, quando afirma “Ma se la storia umana deve concepirsi anche come storia della
natura (anche attraverso la storia della scienza) come la dialettica può essere staccata

77
“Ciò che costituisce il movimento dialettico – obiettava infatti Marx a Prudhon – è la coesistenza dei due
lati contraddittori (der beiden entgengensetzten Seinten), la loro lotta e il loro passaggio in uma nuova
categoria. Basta porsi il problema di eliminarei l lato cativo, per liquidare di colpo il movimento dialettico
[...] è il lao cativo a produrre il movimento cha fa la storia, determinando la lotta” (MARX 1847 apud
MARTELLI, 1996, p.81) “O que constitui o movimento dialético - argumentou Marx a Prudhon - é a
coexistência dos dois lados contraditórios (der beiden entgengensetzten Seinten), sua luta e sua passagem
para uma nova categoria. Basta considerar o problema de eliminar o lado negativo, descartar o movimento
dialético repentinamente [...] é a questão de produzir o movimento que faz história, determinando a luta.”
(Tradução livre)
78
“A origem de muitos despropósitos contidos no Ensaio deve ser buscada no Anti-Dühring e na tentativa,
excessivamente exterior e formal, de elaborar um sistema de conceitos em torno do núcleo originário da
filosofia da práxis, que satisfizesse a necessidade escolástica por completo.” (GRAMSCI, [1932] 2011,
p.262)
55

dalla natura?”79 (Q11, 1449). Porém, a riqueza da dialética desenvolvida por Gramsci se
situa no potencial revolucionário que ela possui, a partir da visão ativa e transformadora do
ser social das bases objetivas e subjetivas da realidade. Pois como assevera Gramsci,

Una formazione sociale non perisce prima che non siano sviluppate
tutte le forze produttive per le quali essa è ancora sufficiente, e nuovi, più
alti rapporti di produzione non ne abbiano preso il posto, prima che le
condizioni materiali di esistenza di questi ultimi siano state covate nel
seno stesso della vecchia società. Perciò l’umanità si pone sempre solo
quei compiti che essa può risolvere80 (Q13, 1579)

Desse processo de superação e conservação que depende da ação humana


direcionada e consciente para criar as condições para um novo modo de vida social,
emerge a necessidade de organização e luta para criar uma nova hegemonia que se trava no
terreno da estrutura e da superestrutura, da produção e da ideologia.

3 Práxis e hegemonia – uma relação pedagógica

A visão de Gramsci vai além do sociologismo positivista, pois compreende a


história como a história da luta de classes que resulta do confronto de forças antagônicas
concretas e em vigência. Por isso, uma nova concepção de intelectuais toma espaço nos
seus estudos, pelo papel que estes desempenham na luta hegemônica na inserção
ideológica e política de ideias hegemônicas ou contra-hegemônicas que podem mobilizar
forças para conservação ou transformação do status quo. Neste último caso, contribuir para
formação dos quadros revolucionários necessários capazes de organicamente serem
dirigentes ou dirigidos. Portanto, se é a necessidade que determina a escolha entre as
alternativas e gera novas possibilidades, a filosofia da práxis é educativa porque reconhece
a necessidade histórica de conhecimento latente das classes subalternas tanto para o

79
“Mas, se a história humana também deve ser concebida como história da natureza (também através da
história da ciência), então como a dialética pode ser separada da natureza?” (GRAMSCI, [1932] 2011, 167)
80
“Nenhuma formação social não desaparece antes que se tenham desenvolvido todas as forças produtivas
que ela ainda contém; e jamais aparecem relações de produção novas e mais altas antes de amadurecerem no
seio da própria sociedade antiga as condições materiais para sua existência. Por isso, a humanidade se propõe
sempre apenas os objetivos que pode alcançar[...]” (GRAMSCI, [1932] 2011b, p.36). Prefácio à Crítica da
Economia Política, escrito por Marx em 1859 e que Gramsci atribui importante significado metodológico
para compreensão das transformações históricas.
56

controle da produção, para a sua reprodução, mas sobretudo, para a transformação de si


mesmas em novas bases sociais.
Esta posição, presente no Caderno 19 em que trata do Risorgimento, advém da
análise sobre a questão da direção política que ocorrera na Itália durante o processo de
unificação almejada desde Maquiavel que aguardava um condottiero. Por isso, para
Gramsci, que desenvolveu uma concepção orgânica e unitária, o “concetto di egemonia
assume un valore euristico generale che lo porta a interpretare i processi storici non solo
in basi ai rapporti di forza fra le classi sociali, ma anche in base alla qualità dei rapporti
fra governanti e governati, dirigenti e diretti”81 (VACCA, 2014, p.541).
Se como afirma Marx no Prefácio à Crítica da Economia Política, o velho perece
quando as bases para o novo são colocadas, o movimento para a emersão e
estabelecimento do novo se dá quando um grupo social que luta pela nova hegemonia, se
torna dirigente antes mesmo de ter o domínio e continue a ser dirigente mesmo depois da
conquista do domínio pela organicidade entre dirigentes e dirigidos, pela qual a função
tradicional de intelectuais deverá ser suprassumida de forma dialética, em vista da criação
de uma nova cultura, uma nova forma de ser social.
A criação desses alicerces necessita de capacidade e espírito inventivo, da
capacidade de planejar e forjar uma nova forma de vida, uma nova hegemonia, uma nova
práxis correspondente à filosofia unitária. Para tanto, é necessário dar homogeneidade à
vontade coletiva popular de amplitude internacional, promovendo a catarse de classi-em-si
a classe-para-si, isto é, dos sujeitos individuais a sujeitos coletivos conscientes do seu lugar
objetivo na luta hegemônica para além de qualquer espírito econômico-corporativo.
Esse salto catártico ocorre com o processo contínuo e permanente de organização
coletiva e orgânica das classes subalternas, intelectuais e massas, em que as características
hipostasiadas pela lógica burguesa de intelectuais e de massa são superadas, não por uma
relação de justaposição, mas pela unidade orgânica e viva em que a capacidade de cada um
coopere para a superação da cisão que resulta da fragmentação unilateral oriunda da
divisão classista do trabalho.

81
“o conceito de hegemonia heurístico geral que leva a interpretar os processos históricos não só com base
nas relações de força entre as classes sociais, mas também com base na qualidade das forças entre
governantes e governados, dirigentes e dirigidos.” (Tradução livre)
57

la proposizione significhi importa ricercare come appunto si formino le


volontà collettive permanenti, e come tali volontà si propongano dei fini
immediati e mediati concreti, cioè una linea d’azione collettiva. Si tratta
di processi di sviluppo più o meno lunghi, e raramente di esplosioni
“sintetiche improvise”82 (Q, 1057).

Se trata, portanto, de simultaneamente forjar um homem de novo tipo e uma


sociedade, um novo tipo de intelectual formado no ato impuro, que represente a superação
histórica da fragmentação entre trabalho manual e intelectual em uma organicidade unitária
– omnilateral83 – a unidade orgânica entre teoria e prática em que as capacidades não sejam
pré-determinadas de acordo com a classe ou o lugar que ocupa no mundo produtivo, mas
que pelas capacidades que desenvolve, possa se inserir organicamente no mundo
produtivo, político, filosófico e cultural e constituir, constituindo-se, um novo ser. “La
filosofia della praxis consiste quindi in una teoria della costituzione dei soggetti politici
che Gramsci considera il coronamento di tutto [il] movimento di riforma intellettuale e
morale dell’età moderna”84 (VACCA, 2014, p.555), isto é, de formar o intelectual
orgânico capaz de levar a cabo uma reforma intelectual e moral. Tendo em conta que toda
reforma intelectual e moral, é também uma transformação filosófica e política que significa
uma reforma econômica.
A filosofia marxiana (nas Teses), conforme Semeraro (2014), supera todo o
dualismo existente entre teoria e prática e suas consequências, economia e política, que
expressa a separação entre trabalho manual e intelectual decorrente da divisão social do
trabalho e da propriedade privada, e coloca as bases para a subversão teórico-prática das
classes subalternas e a fundação de uma nova práxis humana e revolucionária, em todos os
âmbitos da vida social, isto é, o fim do dualismo fundamental que percorreu toda a história
– a luta de classes. Nesse sentido, não é a filosofia ou da cabeça de um filósofo ou
intelectual que emana as diretivas ou necessidades práticas, mas do próprio real. Por isso,

82
“a proposição implica indagar como se formam as vontades coletivas permanentes e como tais vontades se
propõem objetivos imediatos e mediatos concretos, isto é, uma linha de ação coletiva. Trata-se de processos
de desenvolvimento mais ou menos longos, e raramente de explosões sintéticas inesperadas.” (GRAMSCI,
[1932] 2011, p.287-288)
83
Sobre este tema, ver: SOUSA, Joeline R. Gramsci, Educação, Escola e Formação: caminhos para a
emancipação humana. Curitiba: Appris, 2014.
84
“A filosofia da práxis consiste, portanto, em uma teoria da constituição dos sujeitos políticos que Gramsci
considera o coroamento de todo o movimento de reforma intelectual e moral da idade moderna.” (Tradução
livre)
58

Gramsci insiste que todos são filósofos porque rompe com a ideia de uma elite intelectual
que dá a direção e põe nas mãos do próprio trabalhador a demanda de capacitar-se
criticamente para participar efetivamente de modo consciente da vida produtiva, política e
social. Pois para superar a hegemonia dominante, é preciso desenvolver todas as
habilidades e capacidades inventivas e criadoras de forma original para desvencilhar-se das
impostações teórico-práticas dominantes. Para tanto, as armas espirituais devem encontrar
as armas materiais da revolução para operar de forma unitária.

4 Ontologia Histórico-Social – a compreensão marxista unitária da história

A partir da década de 30, pelo contato com o pensamento de Lenin e o abandono do


idealismo juvenil, é que Gramsci e Lukács, conforme Oldrini (1991), amadurecem suas
posições e buscam uma assimilação mais rigorosa dos fundamentos da filosofia de Marx, o
que leva ambos à contraposição ao marxismo da Segunda Internacional e à recuperação da
essência revolucionária do marxismo.
A preocupação de ambos leva à busca da elaboração de um programa universalista
do marxismo como teoria filosófica unitária, a uma ontologia geral e unitária. No caso de
Gramsci, uma ontologia fundada nos pressupostos de Labriola, para quem a filosofia da
práxis era independente, autossuficiente e exige uma concepção e postura ortodoxa
distinta. Pois,

A ortodoxia não deve ser procurada neste ou naquele seguidor da


filosofia da práxis, nesta ou naquela tendência ligada a correntes
estranhas à doutrina original, mas no conceito fundamental de que a
filosofia da práxis basta a si mesma, contém em si todos os elementos
fundamentais para construir uma total e integral concepção do mundo,
uma total filosofia e teoria das ciências naturais, não somente isso, mas
também para vivificar uma integral organização prática da sociedade, ou
seja, para tornar-se uma total, integral civilização. (GRAMSCI, 2011,
p.152)

Esse caráter integral da filosofia da práxis, se revela avançando para além do


reducionismo materialista ou idealista, a concepção dialética da história que articula de
forma mais ampla e integral a relação entre estrutura e superestrutura, a qual toma conta
dos Cadernos, destacando a força exercida pela atividade humana e sua subjetividade,
59

contudo, reconhecendo sua relação dialética e recíproca com as condições objetivas. Pois,
como postula Marx e Engels na Ideologia alemã, não há outra ciência senão a ciência
unitária da história, conforme Oldrini (1991, p.76), “a historicidade como princípio de toda
forma de ser (e de toda objetividade)”.
Pois, desde a cisão operada pela divisão social em classes e a instituição da
propriedade privada, a história, no evolver das contradições, avança nas possibilidades para
superar a fragmentação espiritual e material da humanidade pela divisão do trabalho
intelectual e manual. Tais avanços são marcados pelo advento do Renascimento, da
Revolução burguesa e industrial, que proporcionaram o retorno a perspectivas teórico-
práticas que reativaram o potencial do trabalho como atividade humana criadora e
inventiva, base unitária de toda práxis social, pela relação posta entre ciência e indústria
que intensificou a relação entre trabalho e educação e, conforme Sousa (2014), deu origem
à possibilidade de reconciliação do homem consigo mesmo e do desenvolvimento
omnilateral. Emerge desse movimento, uma práxis constitutiva da “dialética da vida
prática, das leis daquela que Gramsci chama, com Hegel, a sociedade civil, e o Lukács
mais tardio, a ontologia social, ou seja, a esfera das objetivações humanas superiores,
como a ética e a política” (OLDRINI, 1991, p.79). Pois o marxismo se constituiu sobre os
alicerces do acúmulo histórico produzido pela humanidade, das aquisições do
desenvolvimento filosófico-científico, em um movimento de conservação-superação-
elevação (Aufhenbug) e representa o mais alto desenvolvimento do pensamento moderno,
“il cui coronamento è nella filosofia della praxis. L´esperienza scientifica è la prima
cellula del nuovo metodo di produzione, della nuova forma di unione attiva tra l´uomo e la
natura”85 (GRAMSCI, Q11, 1449). A filosofia da práxis se configura uma filosofia de
campo aberto, capaz de articular a própria concepção teórica com uma realidade histórica
determinada donde deriva a articulação entre teoria e prática, filosofia e política, a qual
Gramsci desenvolveu de forma original.
Contudo, Gramsci não elaborou de forma sistemática, com o rigor que lhe era
próprio, suas reflexões filosóficas e os fundamentos ontológicos que os sustentam, o que
na verdade revela a sua grandeza pela magnitude da contribuição deixada nas notas dos
Cadernos, mesmo em meio às condições mais adversas do cárcere. Ainda que não

85
“cujo coroamento está na filosofia da práxis. A experiência científica é a primeira célula do novo método
de produção, da nova forma de união ativa entre o homem e a natureza”. (GRAMSCI, 2011, p.166)
60

desenvolva seu pensamento a partir do termo ou do tema da ontologia, a sua concepção


filosófico-política nos Cadernos se direciona e se desenvolve nesse sentido, o que
consideramos que não poderia ser diferente, tendo em vista que seu principal objetivo nos
Cadernos era desenvolver uma obra für ewig, isto é, a recuperação do marxismo como
moderna concepção do mundo capaz de dar o alicerce necessário para compreender a
práxis e as complexas dimensões do mundo social – política, história, filosofia, a totalidade
social e abrir o campo para novas iniciativas e constituição de um novo modo de vida
social, uma civilização superior. Tendo em vista que a concepção de ser, perseguida pelos
diversos filósofos, a partir do archè, do princípio causal de todas as coisas, em geral
fundada na physis ou elementos metafísicos e a-históricos, finalmente é superada pela
filosofia da práxis por Marx e desenvolvida por Gramsci, quando as relações humanas e a
terrenalidade assumem a centralidade da nova concepção filosófica, da nova ontologia que
equaciona a relação sujeito e objeto, essência e fenômeno.
Nesse viés, consideramos que a Ontologia do Ser Social desenvolvida por Lukács,
traz contribuições importantes para nossa investigação, visto que, assim como Gramsci,
Lukács buscava se contrapor às concepções reducionistas e vulgatas marxistas buscando
recuperar as bases genuinamente revolucionárias estabelecidas pelos clássicos do
marxismo, situando a concepção ontológica sobre as bases marxianas. Desse modo,
diferente da metafísica ou outras ontologias que afirmavam a prioridade do objeto sobre o
sujeito sem compromisso empírico - como Aristóteles, restringindo-se à máximas
inatingíveis pela experiência, Deus ou o infinito, redundando em ideias absolutas, ou em
concepções gnosiológicas que colocam a centralidade do conhecimento no sujeito, ou
como Kant ou neokantistas e as correntes que daí derivam - Lukács consegue ao recuperar
o pensamento de Marx, destacar a viragem sobre a concepção do mundo e do conhecer o
mundo, ao conseguir reconhecer e explicitar o elo perdido entre objetividade e
subjetividade, a relação sujeito-objeto de forma histórica, dialética e material, encarnada no
trabalho.
Após rebater as concepções vulgares, reducionistas e aquelas que negam uma
concepção ontológica ou a tratam de forma dogmática no tomo I da Ontologia, Lukács
inicia o tomo II dedicando o primeiro capítulo à categoria trabalho, no qual está contido o
61

elo fundamental do ser social86. Conforme Oldrini (2002), a virada ontológica de Lukács se
funda nas críticas de Marx e Lenin87 a Hegel, os quais o colocam em bases materialistas ao
contrastá-lo com Feuerbach, ao recuperar o sentido de “ente objetivo”, o homem como
“ente objetivo ativo”. Pois a obra hegeliana, ainda que constituída de propensão visionária
do objeto como alienação da autoconsciência, conforme Losurdo (2015), merece um novo
olhar em vista das reais contribuições que legou para a análise ontológica do ser social.
Pois, na Fenomenologia do Espírito, Hegel (2000) assenta bases de compreensão da
realidade a partir da atividade humana, do trabalho, ao conceber que nós só conhecemos a
realidade do objeto, trabalhando, modificando o objeto. Nesse viés, reconhece que o
sentido da filosofia está arraigado na história e no seu movimento, seu desenvolvimento
(do Espírito), ainda que o fim desse movimento seja o absoluto e o fenômeno do espírito
sejam estações pelas quais o espírito passou. Passagem esta dos estágios da consciência
natural (singular) à consciência individual (particular), e desta ao universal, ao sentido da
história88. Nesse espectro, a dialética, a história e o humanismo são componentes
destacados por Hegel que visava buscar o sentido da História, ao articular no enlace do
viés científico ou da necessidade de uma lógica, as figuras da consciência, as quais são
forjadas no enfrentamento do mundo objetivo89. Mundo este, resultado da unicidade entre
natureza e história, pois conforme Losurdo (2015), a natureza está tão presente na filosofia
da história como na filosofia política de Hegel, por isso, “o desenvolvimento da técnica,
das forças produtivas, em última análise da história, é a resposta que o homem opõe à
resistência dada pela natureza para a satisfação de suas necessidades”90 (LOSURDO, 2015,
p.120).

86
Conforme Oldrini (2002), Lukács só pensa numa ontologia muito tarde, como introdução ao projeto de
uma ética marxista. Ver: “Em busca das raízes da ontologia (marxista) de Lukács”. IN: Pinassi, Maria.;
Lessa, Sérgio(Org.). Lukács e a atualidade do marxismo. São Paulo: Boitempo, 2002.p.49-75.
87
Após as leituras dos escritos de juventude de Marx – Manuscritos econômico-filosóficos e A Ideologia
Alemã – e os Cadernos filosóficos de Lenin.
88
No tocante à História, Hegel considera que a realidade não tem um movimento linear, mas dialético que
implica sempre saltos qualitativos, mudanças qualitativas, como por exemplo, a mudança da sociedade feudal
para a sociedade burguesa.
89
Tendo a Fenomenologia do Espírito esse objetivo, o primeiro título que escolheu para sua obra fora
“Ciência da experiência da consciência”.
90
“os objetos naturais (Naturgegenstände) são potentes e prestam uma resistência (Widerstand) multíplice.
Para domá-los o homem interpõe outras coisas naturais (Naturdinge), voltando, assim, a natureza contra si
mesma. É para tal fim que o homem inventa instrumentos. Essas invenções humanas pertencem ao espírito,
62

Para Hegel (2000), a verdade do objeto é histórica e pode ser apanhada pelo olhar
do filósofo no plano da aparição do fenômeno pelo conjunto de mediações dialeticamente
articuladas entre a certeza do sujeito e a verdade do objeto. Sua posição original, deve ser
entendida como resposta original à grande aporia transmitida pela Crítica da Razão Pura
ao idealismo alemão, ou seja, cisão entre entendimento do mundo fenomênico e o
conhecimento do absoluto – da coisa em si, pois o absoluto só se apresenta para Kant no
domínio da razão prática, como postulado de uma liberdade transempírica, que transcende
a experiência e encontra-se na razão. Com sua visão a-histórica, Kant desconsidera que
emana da realidade uma necessidade histórica que se impõe à consciência, a qual conforme
Hegel, se configura pelo percorrer experiências, a série de figuras, até chegar ao absoluto.
Com a superação da aporia kantiana, desvela-se a compreensão de que a verdade não está
apenas no objeto, nem no sujeito, mas na relação entre sujeito e objeto em que cada um é
transformado e de que, por esta relação, o sujeito pode chegar à verdade. Como assevera
Hegel,

A consciência sabe algo: esse objeto é a essência ou o Em-si. Mas é


também o Em-si para a consciência; com isso entra em cena a
ambiguidade desse verdadeiro. Vemos que a consciência tem agora dois
objetos: um, o primeiro Em-si; o segundo, o ser-para-ela desse Em-si.
Esse último parece, de início, apenas a reflexão da consciência sobre si
mesma: uma representação não de um objeto, mas apenas de seu saber do
primeiro objeto. (HEGEL, 2000, p. 71)

Ao avançar na análise do trabalho na esteira da história, Hegel analisa as relações


contraditórias da vida frente às formalidades do direito, e dá especial atenção à alienação e
à liberdade, colocando os germes de uma perspectiva revolucionária que posteriormente
seria desenvolvida pelos teóricos clássicos do marxismo, especialmente em O Capital, não
apenas no plano filosófico, mas sobretudo, no plano político. Pois, a partir de Marx, a
análise da liberdade e da alienação toma concretude objetiva na práxis, ainda que nos
Lineamentos da filosofia do direito, defina a liberdade a partir do tempo concreto do
trabalho e da vida, como podemos verificar no seguinte trecho:

Portanto, mediante a alienação de todo o meu tempo concreto, preenchido


pelo meu trabalho, ou melhor, da produção na sua totalidade, é alienado

portanto o instrumento deve ser mais estimado do que o objeto natural” (MOLDENHAUER; MICHEL,
1986c, p.295 apud LOSURDO, 2015, p.120).
63

também o todo [...]; a minha personalidade é, assim, mantida, se for


alienada somente uma parte da minha particularidade, limitada no tempo.
(ILTING, 1973, § 254 apud LOSURDO, 2015, p.121)

Em sua análise dialética do movimento da história, da filosofia da história, Hegel


concebe a história da liberdade a partir da história da progressiva libertação do trabalho
(material) dos liames da escravidão e da servidão, como afirma Losurdo (2015). Nessa
esteira, a referência central do materialismo histórico é o próprio ser social – terreno das
lutas e contradições - em concreta conexão e relação com a totalidade91, da qual o trabalho
é a categoria mais simples. Pois Hegel não descuida das relações contraditórias entre os
homens, mas reserva atenção também a estas e aos conflitos sociais “de classe” vigentes
em sua época92. Dessa forma, ele coloca as bases da dialética como problema político,
ainda que de forma mistificada por ter visto apenas o aspecto positivo do trabalho e, como
afirma Semeraro (2015, p.237), por não ter percebido “a alienação concreta do modo de
produção capitalista que afasta o homem de seus produtos, da natureza, de si mesmo e dos
outros, que inverte as relações sociais, desumaniza e perverte a constituição ontológica do
ser humano”. Por isso, Marx, Lenin e Gramsci se apropriam desta categoria e a
desenvolvem na perspectiva revolucionária da filosofia da práxis, no sentido propriamente
político93.

91
“quando Feuerbach é materialista, para ele a história não aparece. E, quando considera a história, não é um
materialista. Materialismo e história para ele são totalmente divergentes” (MARX; ENGELS, 1978, p.45
apud Losurdo, 2015).
92
No âmbito do Antigo regime, a “liberdade dos barões” (Freiheit der Barone) comporta a “absoluta
servidão” (absolute Knechtschaft) da “nação” e impede a “libertação dos servos da gleba” (Befreiung der
Hörigen). Por isso “o povo [...], em todas as partes, libertou-se (befreit) através da repressão (Unterdrückung)
dos barões” (LASSON, 1920, p.902-903). A aristocracia percebe a perda do privilégio, que lhe fazia, por
exemplo, ser a única depositária da administração da justiça, “como violência inconveniente, como opressão
da liberdade (Unterdrückung der Freiheit) e como despotismo” (ILTING, 1983a, § 219). (LOSURDO, 2015,
p.123).
93
Segundo Semeraro (2015, 237), “é a partir dessas críticas e da divisão de classe derivada da “divisão entre
trabalho manual e trabalho mental” (MARX; ENGELS, 1998, p.28) que Marx amadurece a revolucionária
concepção fundada sobre a “práxis”, introduzindo uma visão integral de ser humano capaz de realizar a
dialética inseparável entre atividade prática e teórica, entre “atividade objetiva e subjetiva simultaneamente”
(SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p.435), de recompor o elo indissolúvel entre homem e natureza, indivíduo e
sociedade, trabalho físico e mental, “produção material e ensino” (MARX, 1999, p.104), em um processo
histórico que constitui o homem como “ser ontocriativo”.
64

Apesar das grandes contribuições de Hegel – de caráter revolucionário - em seu


aporte teórico94, sua preocupação filosófica voltava-se a um projeto ético-político
moderado, um projeto burguês, pois ainda que por um lado fosse favorável às revoluções95,
por outro, se coloca a favor do reformismo, um processo gradual de transformação,
dirigindo suas ideias aos intelectuais – em sentido restrito. Enquanto os autores clássicos
do marxismo e, especificamente Gramsci, falavam para as massas com a preocupação de
realizar, no caso de Gramsci, a tradutibilidade da filosofia da práxis para as massas e fazer
da filosofia, senso comum, pois o projeto revolucionário da filosofia da práxis é o projeto
das classes subalternas. Pois, “solo nella filosofia della prassi la ‘traduzione’ è organica e
profonda, mentre da altri punti di vista spesso è um semplice gioco di ‘schematismi’
generici”96(Q11, 1468).
Ao contrário da filosofia burguesa, na concepção ontológica materialista-dialética,
revela-se o nexo entre os diversos momentos que conecta as dimensões da realidade em
uma totalidade concreta e demanda uma consciência dialética da totalidade que
compreenda o papel mediador que ela desempenha na aproximação da realidade, entre
essência e fenômeno, para além da imediatez do sujeito ou do objeto.
Nesse sentido, Gramsci considera o marxismo uma filosofia completa que
pressupõe uma ontologia geral, a qual conecta a totalidade do ser social enquanto ser
genérico em uma dialética materialista que unifica historicismo e humanismo, categorias
imprescindíveis para a compreensão da práxis humana em geral - revolucionária, em que o
momento predominante é a realidade engendrada em uma série de mediações que abarcam
desde as objetivações primárias até as complexas objetivações superiores. Nesse mesmo
espectro, com a visão histórico-dialética, Lukács concebe a relação entre filosofia e
política, a partir da relação entre a concreta base econômica e os complexos
superestruturais, a partir da relação teleologia e causalidade, embora não tenha se
debruçado sobre a riqueza de mediações dessa relação como Gramsci o fez e pretendemos

94
Especialmente na Fenomenologia do Espírito e na Ciência da Lógica.
95
Entusiasta da Revolução Francesa, sempre se coloca do lado dos revolucionários, inclusive de Gracchus
Babeuf, militante francês que pregava ideias socialistas – considerado o precursor dos levantes
revolucionários proletários - e fora executado pelo papel que exerceu na Conspiração dos Iguais que visava a
coletivização das terras, a igualdade real e o bem comum.
96
“[...] só na filosofia da práxis a ‘tradução’ é orgânica e profunda, enquanto de outros pontos de vista trata-
se frequentemente de um jogo de esquematismos genéricos”. (GRAMSCI, [1932] 2011, p.185)
65

desvelar pela viés ontológico. Na Ontologia, o filósofo húngaro compreende que a ação
demanda escolhas, e em se tratando de política, especialmente do ponto de vista
revolucionário, tais escolhas implicam uma ética que se funda em um processo de
conscientização do interesse humano universal no indivíduo. Conforme Gramsci, significa
o salto do momento econômico-corporativo para o momento ético-político pela unificação
da vontade coletiva que resulta da formação da espontaneidade em direção consciente que
se forma na práxis.
Esse movimento para a direção consciente parte das concepções de mundo do
“homem inteiro” (Lukács) ou “homem simples” (Gramsci), encravadas na vida cotidiana e
suas contradições, no movimento imanente da própria vida, na dialética imanente à vida
mesma, à práxis social atravessada pelo constante processo de pôr finalidades, ou seja,
teleologia e causalidade que tem no trabalho o fundamento, a gênese da mediação entre ser
e consciência e, nesse sentido, o modelo de toda a práxis social.
Desse modo, a concepção ontológica da filosofia da práxis é educativa, implica em
uma formação humana integral, pois garantir um movimento de transformação e
constituição de uma práxis demanda uma direção consciente e para uma direção consciente
demanda uma nova práxis, o que significa que a III Tese sobre Feuerbach - o educador
deve ser educado, corresponde aos objetivos centrais da filosofia da práxis, pois esta
vislumbra a produção e reprodução de uma nova forma de ser social, um novo modo de
vida social pela coincidência ativa entre transformação das circunstâncias e do próprio
homem como ser ativo.
Conforme Lukács (2013, p.41), “para expor em termos ontológicos as categorias
específicas do ser social [...] é preciso começar essa tentativa com a análise do trabalho”
em sua ampla e complexa rede de articulações, pois nenhuma categoria pode ser
compreendida isoladamente. Por isso, segue o método marxiano, o qual afirma se
constituir de duas vias, quais sejam: “primeiro decompor, pela via analítico-abstrativa, o
novo complexo do ser, para poder [...] retornar ao complexo do ser social [...] na sua
totalidade real” (LUKÀCS, 2013, p.42).
A partir dos avanços da ciência, na esteira de Marx, o marxista húngaro identifica a
relação evolutiva entre o mundo inorgânico e orgânico que constitui a esfera da vida, base
para o salto ao ser social. Lukács compreende o processo de “afastamento das barreiras
naturais” como um processo de salto qualitativo do mundo puramente orgânico ao mundo
predominantemente social. Para ele, não há como reconstituir por meio de experiências o
66

hic et nunc do salto ontológico à esfera social, dado que o conhecimento só pode ser
apreendido post festum, portanto, a partir do estágio superior pode-se compreender o
estágio primitivo e seu desenvolvimento – “a chave da anatomia do homem fornece a
chave para a anatomia do macaco” (LUKÁCS, 2013, p.43).
Nesse espectro, analisando o edifício conceitual de O Capital, Lukács afere a
profundidade das afirmações de Marx sobre o trabalho e a produção de valores de uso
como expressão da gênese da relação indissolúvel homem-natureza97 para o atendimento
das necessidades e garantia da existência humana. Para Lukács, esse fato revela o claro
caráter ontológico de transição do trabalho que o leva a compreendê-lo como fundamento
do ser social, pois segundo ele

todas as outras categorias dessa forma de ser tem já, em essência, um


caráter puramente social”, [inversamente ao trabalho que é]
essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza,
tanto inorgânica (ferramenta, matéria-prima, objeto do trabalho etc.)
como orgânica, inter-relação que pode figurar em pontos determinados da
cadeia a que nos referimos, mas antes de tudo assinala a transição, no
homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser social.
(LUKÁCS, 2013, p.44)

O valor de uso constitui-se como produto do trabalho com determinada utilidade


para a satisfação das necessidades humanas e reprodução da existência, o qual revela que o
trabalho contém “as determinações que [...] constituem a essência do novo no ser social”
(LUKÁCS, 2013, p.44). Desse modo, o trabalho constitui-se a base da concepção
ontológica desenvolvida por Lukács, contudo, o mérito de identificar o trabalho como
categoria fundante do processo de hominização e humanização deve-se a Hegel, Marx e a
Engels, a partir dos estudos científicos e antropológicos da época. Este último, em
específico em sua obra Dialética da Natureza98, no qual destaca a lentidão do processo de
transição que constitui o salto ontológico, o qual conforme Lukács

97
“Como criador de valores de uso, como trabalho útil, o trabalho é, assim, uma condição de existência do
homem, independente de todas as formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo
entre homem e natureza e, portanto, da vida humana”. (MARX, K. O Capital. Livro I: São Paulo, Boitempo:
2013, p.120)
98
Lukács reconhece o mérito de Engels em reconhecer o trabalho como fundamento, porém, diverge de sua
concepção de uma dialética na natureza.
67

implica uma mudança qualitativa e estrutural do ser, onde a fase inicial


certamente contém em si determinadas condições e possibilidades das
fases sucessivas e superiores, mas estas não podem se desenvolver a
partir daquela numa simples e retilínea continuidade. A essência do salto
é constituída por essa ruptura com a continuidade normal do
desenvolvimento e não pelo nascimento, de forma súbita ou gradativa, no
tempo, da nova forma de ser. (LUKÁCS, 2013, p.46)

O salto qualitativo que eleva o ser à condição humana histórico-social é


determinada pelo acionamento da consciência para o pôr teleológico, pôr de finalidades
objetivas conforme as necessidades que passam a partir do salto ontológico a ser
enfrentadas de forma ciente, como um ser que sabe que sabe. Como assenta Marx (2013,
p. 255), “o que desde o início distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o
primeiro tem a sua colmeia em sua mente antes de construí-la”. Nessa ordem, longe de
qualquer forma esquemática ou determinista, o trabalho é a forma originária dos
complexos pores sócio-teleológicos que surgem – linguagem, educação, filosofia, política,
etc.-, e nesse âmbito, constitui-se modelo de toda práxis social, considerando devidamente
a relação identidade-distinção entre complexo fundante e fundado. Pois agindo sobre a
natureza, o homem transforma o meio social e a si mesmo, como afirma Marx

O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza,


processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e
controla seu metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matéria
natural como com uma potência natural [Naturmacht]. A fim de se
apropriar da matéria natural de uma forma útil para a sua própria vida, ele
põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporeidade:
seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e
modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo
tempo, sua própria natureza.” (MARX, 2013, p.255)

A concepção ontológica histórico-social fundada no trabalho compreende a relação


entre teleologia e causalidade como componente indissolúvel do processo unitário do
trabalho. Componentes que ainda que permaneçam opostos, conforme Lukács (2013), se
distingue das concepções anteriores – Aristóteles99 e Hegel – que não compreendiam a
mundanização do pôr teleológico limitado ao trabalho ou à práxis humana, mas à
cosmologia universal (Aristóteles) gerando uma antinomia entre teleologia e causalidade,

99
Para quem o trabalho se constitui de dois componentes: o pensar (noésis) e o produzir (poíesis). Através do
primeiro é posto o fim e se buscam os meios para sua realização; através do segundo o fim posto chega à sua
realização. Ver: Aristóteles. Metafísica.
68

ou a concepção da teleologia como motor da história100 e de toda a concepção de mundo


(Hegel). Em vista disso, para Lukács (2013, p.47) “o verdadeiro problema consiste em
submeter a um exame ontológico autenticamente crítico a generalização quase ilimitada
[...] desde a cotidianidade até o mito, a religião e a filosofia, desse fato elementar” – o pôr
teleológico. É exatamente isso que Gramsci realiza nos Cadernos, ao analisar criticamente
as bases da relação ontológica entre subjetividade-objetividade, a práxis humana, do ponto
de vista histórico, materialista e dialético desde o cotidiano, do senso comum ao
pensamento filosófico, do trabalho à educação, a partir do próprio mundo, da atividade
humana e suas relações, ao examinar o trabalho moderno e suas contradições. Gramsci,
como contemporâneo de seu tempo, se debruça sobre as relações engendradas pela forma
histórica do capitalismo vigente em seu contexto e, portanto, sobre as condições alienadas
de trabalho, produção e todo o conjunto de consequências sociais (adaptações psicofísicas)
advindas da exploração da mais valia, do estranhamento, bem como das novas
possibilidades advindas das novas formas de produção, como nas notas do Caderno que
dedica ao estudo do americanismo e fordismo. Dessa forma, o filósofo sardo “aprofunda a
visão de Marx, mas imprime a própria peculiaridade porque enfatiza os “nexos dialéticos
entre estrutura e superestrutura” (SEMERARO, 2015, p.239) e o papel que o trabalho
exerce na formação do ser social. Por isso, em sua rica análise em que a totalidade não lhe
escapa, concebe o trabalho como relação homem-natureza e fundamento de todo
desenvolvimento e organização histórico-social,

[...] la legge civile e statale ordina gli uomini nel modo storicamente più
conforme a dominare le leggi della natura, cioè a facilitare il loro
lavoro, che è il modo proprio dell`uomo di partecipare attivamente alla
vita della natura per trasformarla e socializarla sempre più
profondamente ed estesamente101. (Q12, 1540 -1541 – grifos nossos)

Pois, com “o ato de pôr, a consciência dá início a um processo real, exatamente ao


processo teleológico” (LUKÁCS, 2013, p.48), o qual mobiliza uma cadeia causal

100
Segundo Lukács (2013), tal concepção está presente ao longo de toda a história do pensamento, da
filosofia e, especialmente, das religiões.
101
[...]a lei civil e estatal organiza os homens do modo historicamente mais adequado a dominar as leis da
natureza, isto é, a tornar mais fácil o seu trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa
ativamente na vida da natureza, visando a transformá-la e socializá-la cada vez mais profunda e
extensamente." (GRAMSCI, [1932] 2010, p.42-43)
69

eminentemente concreta pela qual ao mesmo tempo se produz conhecimento102. O


trabalho, portanto, é para Marx “o único ponto em que se pode demonstrar
ontologicamente um pôr teleológico como momento real da realidade material”
(LUKÁCS, 2013, p.51), ou a materialidade da teleologia, a qual só pode ocorrer no
trabalho e na práxis humana e, portanto, inconcebível fora desses limites, dos limites do ser
social.
O processo de trabalho demanda a realização da investigação dos meios para o
adequado pôr de finalidade, ou seja, um conhecimento adequado e objetivo da lei que
governa o objeto e das novas conexões que engendram o objeto, bem como, as novas
possibilidades de funções que efetivam a finalidade. Em Hegel, de acordo com Lukács
(2013), os dois lados do processo de trabalho já estão presentes, ao reconhecer o processo
de transformação da natureza em uma atividade posta – objetivação - contrária de si
mesma, o que caracteriza a mediação da subordinação ao pôr teleológico determinante,
mediante o qual tem-se a imbricada relação teleologia-causalidade e um processo
homogêneo entre o processo de trabalho (meio) e o produto do trabalho (fim). Essa relação
que caracteriza o pôr do fim no sentido ontológico, isto é, a sua efetiva realização, caso
contrário, se reduz a mero fato da consciência, restringindo-se ao sentido gnosiológico.
Porém, para a realização da finalidade, é necessário que o conhecimento científico
que se origina do trabalho esteja adequadamente desenvolvido, “é necessário que a
investigação dos meios, isto é, o conhecimento da natureza, tenha chegado a certo estágio
adequado; quando tal estágio ainda não foi alcançado, o pôr do fim permanece um mero
projeto utópico” (LUKÁCS, 2013, p.57). Tal desenvolvimento se concentra na dominação
do meios, no conhecimento mais adequado dos meios para atingir determinado fim, tendo
em vista que no metabolismo do homem com a natureza, o momento predominante é o
momento social, no qual os meios se constituem como elementos de expressão histórica e
do homem que faz a si mesmo, o que o distingue do ser orgânico e inorgânico.
Esse ser que faz a si mesmo resulta de uma peculiaridade característica, pois sua
consciência ativada pelo trabalho deixa de ser mero epifenômeno e ganha vida socialmente
ativa e transformadora que impulsiona o movimento da história e a práxis social pela inter-
relação entre espelhamento da realidade e o pôr teleológico ou objetivação. Dessa relação
nasce a potencialidade ou possibilidade do real tornar-se concreto, ou seja, real pensado e
102
Ainda que nos estágios primitivos de observação da natureza, o conhecimento não tenha se configurado
como pré-requisito para a atividade do trabalho.
70

objetivado, na medida em que o espelhamento constitui-se como um constante processo de


aproximação do real gerando uma ampliação da dýnamis103 ou possibilidade de realizar
objetivações em níveis cada vez mais altos.
O caráter potencial do ser reúne duas possibilidades opostas, a de ser e não ser.
Esse caráter pode ser superado pelo processo de transição que ocorre a partir da escolha
consciente entre alternativas rumo ao pôr do fim que torna o ser ativo e produtivo. Essa
concepção se difere diametralmente do materialismo mecanicista porque os nexos causais
são determinados socialmente pela escolha consciente entre alternativas pelo indivíduo –
ser social – e não determinada por algo exterior, a-histórico, extra-social ou natural. Ao
demonstrar a diferença ontológica entre o estatuto social e natural – ainda que em uma
perspectiva de totalidade dialética, Lukács (2013) desmonta as bases daquelas correntes
adeptas do positivismo que visam se apoiar no segundo estatuto para estabelecer os
critérios de análise do primeiro. Gramsci segue a mesma linha quando afirma que

L´individuo non entra in rapporti com gli altri uomini per


giustapposizione, ma organicamente, cioè in quanto entra a far parte di
organismi dai più semplici ai più complessi. Così l´uomo non entra in
rapporto com la natura semplicemente, per il fato di essere egli stesso
natura, ma attivamente, per mezzo del lavoro e la tecnica.104 (Q10, 1345)

Desse modo, a possibilidade de escolha entre alternativas como ato consciente, para
além do reflexo mecânico condicionado, e as consequências advindas dessa escolha
“emerge como característica da estrutura de toda práxis social” (LUKÀCS, 2013, p.72),
assim como o próprio desenvolvimento da atividade humana e do trabalho contribui para
que o caráter de alternativa da práxis humana, do comportamento do homem para com o
próprio ambiente e para consigo mesmo, se baseie sempre mais em decisões alternativas.
Nessas condições recuperadas por Lukács, perde o sentido a passividade humana diante da
história e a visão de um curso autônomo da história acima da interferência humano-social
que nega a possibilidade de transformação do status quo, mormente o vigente, encravado

103
Concepção aristotélica de potência, “faculdade de levar a bom termo determinada coisa e de executá-la de
acordo com a própria intenção”. Aristóteles, Metafísica.
104
“O indivíduo não entra em relação com os outros homens por justaposição, mas organicamente, ou seja,
por fazer parte dos organismos mais simples aos mais complexos. Assim, o homem não entra em relação com
a natureza simplesmente pelo fato de ser ele mesmo natureza, mas ativamente, por meio do trabalho e da
técnica.” (Tradução livre)
71

no modo de produção capitalista. Fica dada, assim, a possibilidade de produção,


reprodução ou transformação de novas formas de ser social, resultado de projeto que
advém de uma cadeia de alternativas dada tanto pelo desenvolvimento técnico-científico
quanto sócioeconômico. Pois não há uma única base de decisão entre alternativas, pois “o
optimum técnico assim elaborado de modo nenhum coincide com o optimum
econômico”105 (LUKÁCS, 2013, p.74) ainda que ambas coexistam de forma dialética.
As alternativas emergem de circunstâncias concretas, as quais põem em movimento
a racionalidade para a satisfação de necessidades determinadas, e em última instância se
fundam na liberdade de decidir. A liberdade, o ato de decidir é ato imanente ao homem.
Essa liberdade se manifesta tanto na objetivação de entes naturais em sociais – trabalho -
quanto no conjunto de complexos socialmente produzidos e teleogicamente orientados –
práxis. A resposta livre à alternativa decorre do impulso da vontade de satisfazer uma
necessidade determinada pelo comportamento consciente que se sobressai à
espontaneidade e concorre para a transformação do sujeito, pois a consciência enriquecida
pelo conhecimento torna-se dominante sobre o instinto, modifica a própria natureza do
homem, coopera para o autêntico devir homem do homem.
Nesse espectro, a partir da necessidade das classes subalternas levarem a cabo a
revolução e alcançarem sua própria libertação, Gramsci vê como alternativa o projeto
comunista que deve impulsionar a vontade coletiva nacional popular, a começar pelo salto
do senso comum à consciência filosófica, isto é, pelo processo de tradutibilidade do real,
pela devida apreensão do conhecimento mais desenvolvido e profundo e suas contradições,
o qual deve dar aos movimentos espontâneos uma direção consciente para agir
adequadamente diante das necessidades revolucionárias.
Conforme Lukács (2013, p.82), “o domínio do homem sobre os próprios instintos
[até os níveis mais elevados], afetos etc. constitui o problema fundamental de qualquer
disposição moral, desde os costumes e tradições até as formas mais elevadas da ética” que
expressa a medida do afastamento das barreiras naturais e a autorrealização humana em
novo ser, o ser social. De fato,

pelas transformações que o trabalho provoca no sujeito, percebemos a


peculiaridade dessa relação que domina o caráter de tal modo que as

105
Aqui Lukàcs se distingue de Bukharin que centrava no desenvolvimento da técnica suas incursões
teóricas.
72

outras mudanças do sujeito, por mais importantes que sejam, são


produtos de estágios mais evoluídos, superiores de um ponto de vista
social e, certamente, têm como condição ontológica a sua forma
originária no mero trabalho. (LUKÁCS, 2013, p.78)

Podemos compreender assim o fundamento ontológico da análise de Gramsci do


americanismo e fordismo como processo de transformação do modo de produção ocorridas
dentro do próprio capitalismo e geraram determinadas mudanças no sujeito, exatas
adaptações psicofísicas, fruto da relação dialética entre estrutura e superestrutura que
resultam em bloco histórico – entendido no sentido autenticamente gramsciano, tanto as
“circunstâncias” quanto o homem. Afora o autodomínio alienado pelo processo de
moralização fordista, Gramsci admite que o processo de trabalho é um processo de
disciplina106, pelo qual o sujeito terá firmado em sua personalidade o princípio educativo
fomentado pela atividade teórico-prática, mediadora e transformadora da realidade, pois o
pensar e o fazer, “o conceito e o fato do trabalho (da atividade teórico-prática) é o princípio
educativo [...] já que a ordem social e estatal (direitos e deveres) é introduzida e
identificada na ordem natural pelo trabalho” (GRAMSCI, 2010, p.43).
Esse estágio em que se destaca a ação dos homens sobre outros homens, a tentativa
de induzir os outros a agir de modo esperado, a realizar pores teleológicos concretos, se
insere nas formas mais desenvolvidas da práxis social e objetiva atingir a consciência de
outros homens para mobilizar intervenções sociais. De acordo com Lukács (2013, p.84),
“tais pores teleológicos secundários estão muito mais próximos da práxis social dos
estágios mais evoluídos do que [d]o próprio trabalho”. Sobre esse estágio, Gramsci
empreende sua maior contribuição, o estágio dos complexos superiores e suas múltiplas e
complexas mediações, compreendendo em cada relação, o momento predominante, isto é,
o fundamento do trabalho no seu contínuo desenvolvimento exige constante restruturação
do pensamento, da cultura, da práxis social. Essa reestruturação ocorre pelo processo de
generalização do conhecimento e das experiências pelo processo de desantropomorfização
– elevação do senso comum para além do bom senso em direção à consciência filosófica -

106
Com as mudanças operadas na estrutura do modo de produção capitalista para o trabalho flexível e o
desmantelamento de direitos trabalhistas e sua progressiva precarização opera-se consequentemente na forma
da disciplina, conforme Semeraro (2015, p.237), “se antes a dominação era garantida pelo enquadramento do
operário no sistema disciplinar, hoje, parece que é melhor assegurada “fora da fábrica”, pelo trabalho
provisório, o contrato part-time, a terceirização e o despedaçamento do mundo do trabalho, pelo clima de
permanente insegurança”. Todo esse processo influencia diretamente o processo educativo dada a
necessidade de adaptações psicofísicas, de “aprender a viver” em uma sociedade de incertezas.
73

e constitui-se como ineliminável meio de reprodução do próprio homem, sobre a qual


intervém a consciência.
Esse avanço e processo constante de reestruturação e desantropomorfização
expressa a imbricada e complexa relação de dependência entre teoria e prática que em sua
gênese se firma no nexo teleologia-causalidade gerada pelo trabalho. A práxis emerge da
vida mesma, da relação indissolúvel entre teoria e prática, contudo, conforme Lukács
(2013) somente a partir da filosofia clássica alemã que ela começa a ser devidamente
valorizada, para além das tendências que acentuam o âmbito teleológico da realidade ou o
seu oposto, a reconhecer o lado ativo como Marx assenta na primeira Tese sobre
Feuerbach107. Pois, “para resolver o problema ‘teoria-práxis’ é preciso voltar à práxis, ao
seu modo real e material de manifestação, onde se evidenciam e podem ser vistas clara e
univocamente suas determinações ontológicas fundamentais” (LUKÁCS, 2013, p.88-89).
Nessa perspectiva que Gramsci examinou as relações entre religião, cultura e política do
contexto italiano e o quantum de conservadorismo que elas carregavam de influência sobre
a formação de novos tipos de “Estado”, como ocorrera no processo de unificação italiana e
no processo de ascensão fascista.
Nesse viés, pensamento e ação não se constituem elementos reciprocamente
excludentes, mas pela correta relação entre teleologia e causalidade, como elementos e
momentos indissociáveis de um complexo do ser social. Porém, ainda que nesse sentido, o
trabalho seja o modelo esclarecedor dessa relação108, no nível da inter-relação homem-
homem ou homem-sociedade, deve-se considerar a ordem dos interesses envolvidos no
nível de espelhamento ou tradutibilidade que guia as ações, ou seja, o nível do interesse
que envolve qualquer pôr de finalidade e influencia o conjunto de cadeias causais
necessárias à sua realização, tendo em vista que, a partir do surgimento do trabalho
estranhado, as relações sociais se engendraram em um processo consequente de
estranhamento e alienação. Conforme Gramsci, não há neutralidade possível, porque viver

107
“O principal defeito de todo materialismo existente até agora (o de Feuerbach incluído) é que o objeto
[Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido sob a forma de objeto [Objekt] ou da contemplação,
mas não como atividade prática sensível, como prática; não subjetivamente. Daí o lado ativo em oposição ao
materialismo, [ter sido] abstratamente desenvolvido pelo idealismo- que, naturalmente, não conhece a
atividade real, sensível, como tal.” (MARX, 2007, p.533)
108
Deve-se considerar que ainda que o trabalho seja o modelo, não é idêntico à práxis, pois “os traços
específicos do trabalho não podem ser transferidos diretamente para formas mais complexas da práxis social”
(LUKÁCS, 2013, p.93), como fazem as correntes mecanicistas.
74

é tomar partido, por isso, é preciso compreender as correlações de forças envolvidas no


processo de organização e luta histórica e o processo de disputa que ocorre no âmbito da
estrutura e da superestrutura social, que não prescinde da disputa das consciências, e visa a
manutenção da hegemonia ou, no prisma revolucionário dos subalternos, a construção de
uma nova hegemonia. Tal constatação corresponde ao entendimento de que “qualquer pôr
teleológico é, em última análise, socialmente determinado [...], a ontologia elevada ao
plano da consciência não pode ser neutra diante de nenhuma práxis social [...] dado que a
práxis social sempre se desenrola dentro de um entorno espiritual de representações
ontológicas” (LUKÁCS, 2013, p.92).
Como a práxis resulta dessa unidade entre teoria e prática, resulta de uma finalidade
posta, pode-se compreender, desse ponto vista – ontológico, porque para Marx o critério da
verdade é a prática, ou seja, a práxis é o critério da teoria, do conhecimento, como ele
afirma nas Teses sobre Feuerbach,

A questão de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade


objetiva [gegenständliche Wahrheit] não é uma questão da teoria, mas
uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar a verdade,
isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior109 [Diesseitigkeit] de seu
pensamento. A disputa acerca da realidade ou não realidade do
pensamento – que é isolado da prática – é uma questão puramente
escolástica. (MARX, 2007, 553)

Portanto,

a mera compreensão matemática dos aspectos quantitativos de um nexo


material não é mais suficiente; ao contrário, o fenômeno deve ser
compreendido na peculiaridade real do seu ser material, e a sua essência,
assim apreendida, deve ser posta em concordância com os outros modos
de ser já adquiridos cientificamente. (LUKÁCS, 2013, p.95)

Considerar a práxis como critério do conhecimento ou da teoria segue exatamente


na contraordem das perspectivas positivistas, lógico-formais ou gnosiológicas que se
embasam no desenvolvimento do conhecimento pelo próprio conhecimento ou a mera
aplicabilidade prática, que sustentam as concepções científicas dominantes. Por isso,
somente a crítica ontológica que se funda na base concreta e real da totalidade social, nas

109
Algumas traduções utilizam o termo terrena em vez de citerior.
75

mediações da práxis social e suas concretas contradições sociais, é capaz de apreender a


totalidade do objeto e sua estrutura que impõe a necessidade de correspondente teoria.
Nesse espectro a filosofia da práxis, que se consolida como conquista da unidade
histórica e dialética entre teoria e prática, se revela como uma concepção crítica ontológica
histórico-social capaz de apanhar a totalidade da dimensão da vida e da história, dado que
seu ponto de partida é a práxis mesma, a realidade factual e as complexas mediações
forjadas nos complexos sociais, especialmente na cultura, linguagem, filosofia e política.
Essa revolucionária concepção de mundo, é capaz de revolucionar o mundo social e
tornar-se concreta, se operada uma Reforma-Renascimento, isto é a difusão da filosofia da
práxis com a profundidade devida, tendo em vista que o marxismo ao longo do seu
desenvolvimento se ampliou em extensão, mas não conseguiu levar a termo, na mesma
medida sua qualidade, sua substância filosófica.
Considerando que no conjunto da esfera da práxis, a objetivação ou a realização de
um pôr de fim parte de um ato de decisão, observamos que a práxis se caracteriza por um
intrínseco dever-ser110, pela direção ativa ao futuro. Dever-ser que nos níveis mais
avançados se manifesta pela filosofia que não se separa da política como Marx (2007, p.
535) assenta na décima primeira Tese sobre Feuerbach, “Os filósofos apenas interpretaram
o mundo de diferente maneiras; o que importa é transformá-lo”, nesse nexo indissolúvel da
práxis revolucionária, a filosofia se expressa como o momento teleológico, a política como
o pôr do fim e o dever-ser revolucionário como o momento predominante.
Cabe ressaltar que a subjetividade assume papel fundamental na produção do
dever-ser, a qual desde o impulso originário do trabalho como princípio educativo que
despertou o surgimento de habilidades humanas, tem sido enriquecida pelo contínuo
desenvolvimento das relações humano-sociais em vista do contínuo desenvolvimento das
capacidades humanas, constituindo o próprio sujeito em constante transformação em um
dever-ser histórico. O valor, aquilo que é valioso ao homem no âmbito material e
espiritual, assume a função de elemento ativo, vetor do contínuo dever-ser humano e
histórico em um processo de superação dialética do em-si ao para-si, da elevação à formas

110
Conforme Lukács (2013), ao ignorar o papel do dever-ser e apoiar-se no modelo da necessidade natural
para interpretar a práxis, o materialismo vulgar contribuiu para o processo de fetichização dos fenômenos e
confundir as especificidades de cada esfera. Já em Kant se produz a fetichização do dever-ser com a sua
imposição moral e ética desde o alto, derivada da razão e separada do concretude da vida social, ou seja,
separada da necessidade onto-histórica. Em Hegel, que se contrapõe a Kant, o dever-ser é uma categoria
originária e imanente ao homem, à existência humana.
76

superiores da práxis encarnada nas relações humanas, dado o nexo dialético entre o que se
produz na economia e o que a economia produz no homem, ainda que em meio a um
desigual e contraditório processo em que o novo quer nascer e o velho não quer morrer.
Essa reciprocidade dialética possibilita o desenvolvimento de capacidades superiores no
homem – inclusive da fruição do que ele mesmo produz - que, por sua vez, retroagem e
possibilitam o desenvolvimento do trabalho e da práxis.
Tal constatação se distingue das concepções vulgar-materialistas que de forma
esquemática se apoiam em uma hierarquia lógico-sistemática unilinear e colocam na
economia a função de determinante mecânico de toda práxis social, “ao ver as categorias
mais complexas como simples produtos mecânicos das mais elementares e fundantes”
(LUKÁCS, 2013, p.117). Para tanto, é preciso rejeitar a dedução ontológica do
ordenamento de categorias para não cair no determinismo e perder a essência e a interação
concreta do ser social - como fazem algumas correntes que negam o papel ontológico
revolucionário da política devido à sua gênese onto-negativa111 ou da educação frente às
contradições do capital, tendo em vista que a complexidade do real demanda a análise das
mediações conforme seu grau de complexidade, apoiando-se nas categorias fundantes
apenas como ponto de partida, considerando, porém, as relações que as permeiam: a
dependência ontológica, autonomia relativa e determinação recíproca.
O caráter categorial do dever-ser do homem como ser ativo e da práxis, põe por
terra qualquer mistificação da história como algo dado e acabado, como pretende a
ideologia burguesa do capitalismo como fim da história que hoje permeia as concepções
pós-modernas ou as vulgatas marxistas que aguardavam a derrocada automática do
capitalismo e terminavam por colocar a classe trabalhadora - o dever-ser revolucionário,
em uma passividade mórbida. Esse aspecto demonstra a interdependência e a
contraditoriedade dada a heterogeneidade entre os pores econômicos e o desenvolvimento
das faculdades humanas que “podem dar origem às mais agudas contraposições entre o
progresso econômico [...] e as suas consequências humanas.” (LUKÁCS, 2013, p.119).
Pois entre o complexo fundante e o fundado, há uma dependência e articulação dialética, e
embora haja unicidade entre eles, não são idênticos. É justamente essa diferença que
especifica a identidade de cada um e as possibilidades de alternativas que orienta a escolha.

111
Tais correntes não conseguem compreender o papel da mediação da política no processo revolucionário,
negam sua função social nesse processo e, consequentemente tendem a negar o caráter revolucionário da obra
de Gramsci, classificando-o como reformista.
77

Escolha esta atravessada por valores que, conforme as circunstâncias, se opõem. Nesse
campo, as alternativas tomam forma de forças contraditórias em disputa, as quais
considerando a luta de classes e concepção mais ampla da alternativa de criação de novos
tipos de “Estado”, se coloca a necessidade de obtenção do consenso como estratégia de
luta revolucionária, como bem assenta Gramsci, ou seja, influenciar a consciência do outro
para que haja de forma adequada perante a luta das classes subalternas em favor de sua
emancipação e que a sua própria liberdade seja o momento predominante.
Para tanto, é preciso reconhecer o caráter dinâmico do ser social, essencialmente
histórico, o que implica reconhecer o processo de continuidade na descontinuidade, bem
como, de preservação da sua própria substância que ocorre no processo de reprodução, que
muda na medida das mudanças das coisas, do movimento da história. Conforme Lukács
(2013, p.122), o processo de reprodução “é um complexo e uma síntese dos atos
teleológicos que são de fato inseparáveis da aceitação ou da rejeição de um valor”. Nesse
viés, podemos afirmar de acordo com Gramsci, que todos os homens são filósofos, pois
têm a capacidade intelectual através de sua atividade de fazer escolhas entre alternativas no
conjunto da práxis social em virtude de um valor, ainda que em determinados limites, isto
é, conforme o nível de desenvolvimento objetivo e subjetivo, o que determina a função
social que exercem. Como afere Lukács (2013, p.122), “Os homens respondem - mais ou
menos conscientemente, mais ou menos corretamente – às alternativas concretas que lhes
são apresentadas a cada momento pelas possibilidades do desenvolvimento social”. Tendo
em conta que o valor impõe sua realização e que as alternativas à sua realização estão
encravadas na práxis humano-social, não se pode conceber a decisão individual dela
separada, mas antes como resposta ao hic et nunc histórico-social, o que confirma a
personalidade humano-genérica do ser social e o caráter movente e movido de cada
componente.
Dessa totalidade em movimento e permanência despontam tendências a partir do
valor dos pores que produzem intenções e alternativas de orientações em diversos níveis,
gerando um tecido social como um amálgama de alternativas em todos os âmbitos, que
impulsionam novos pores e diversidade de concepções, bem como, de níveis de
consciência.
A intenção do valor e o sentido da vida “é construído pelo homem e para o homem,
para si e seus semelhantes” (LUKÁCS, 2013 p.133) e representa o domínio da consciência
pelo homem que se manifesta com diferentes conteúdos na história. Portanto, o caráter
78

fundamental do devir do homem nessa constituição ontológica enquanto ser social, que
move o ser humano-genérico, é a liberdade que se origina no momento em que a
consciência é acionada a decidir diante das alternativas e que, em última instância se
constitui como um desejo de transformar a realidade. A liberdade do ser humano-genérico
como ser imerso em sociedade, é socialmente determinada e exige o conhecimento mais
adequado do real para ser exercida com êxito, pois “quanto maior for o conhecimento das
cadeias causais que operam em cada caso, tanto mais adequadamente elas poderão ser
transformadas em cadeias causais postas, tanto maior será o domínio que o sujeito exerce
sobre elas, ou seja, a liberdade que aqui ele pode alcançar” (LUKÁCS, 2013, p.140). Nessa
mesma perspectiva, Gramsci recupera o “conhece-te a ti mesmo” dando um novo sentido a
partir do viés histórico e dialético em que reclama, em tom de manifesto às classes
subalternas, a apropriação da história, do conhecimento historicamente produzido e
acumulado, de si mesmas enquanto seres ativos e demiurgos da história, a apropriação de
si mesmas e do domínio de sua liberdade.
A partir da indissolúvel inter-relação entre determinidade e liberdade, os autores
clássicos do marxismo vão além de Hegel, pois no viés histórico e dialético concebem a
necessidade em total conexão com a realidade, como quintessência ontológica112 que se
converte em práxis pelo conhecimento do ser e não como mera manipulação do saber. Pois
o critério do conhecimento deve ser buscado na própria realidade, inclusive o sentido que
orienta tal conhecimento. Apanhar o conhecimento do curso das coisas constitui-se o
sentido orientador da práxis, para que se possa passar efetivamente da necessidade à
liberdade, pois

O homem que age de modo prático na sociedade encontra diante de si


uma segunda natureza, em relação à qual, se quiser manejá-la com
sucesso, deve comportar-se da mesma forma que com relação à primeira
natureza, ou seja, deve procurar transformar o curso das coisas, que é
independente de sua consciência, num fato posto por ele, deve, depois de
ter-lhe conhecido a essência, imprimir-lhe a marca da sua vontade. Isso é,

112
No Antiduhring, Engels apud Lukács (2013, p.145), afirma que “A liberdade não reside na tão sonhada
independência em relação às leis da natureza, mas no conhecimento dessas leis e na possibilidade
proporcionada por ele de fazer com que elas atuem, conforme um plano, em função de determinados fins.
Isso vale tanto como referência às leis da natureza externa quanto àquelas que regulam a existência corporal e
espiritual do próprio homem [...]. Em consequência, liberdade da vontade nada mais é que a capacidade de
decidir com conhecimento de causa.”
79

no mínimo, o que toda práxis razoável tem de extrair da estrutura


originária do trabalho. (LUKÁCS, 2013, p.151)

Para tanto, é preciso reconhecer que o contexto social e seu mover tem sua
legalidade própria e imanente que independe das alternativas, e que impele ao homem a
inevitável tomada de posição consciente ou não do correto curso das coisas, a cada
momento parcial engendrado pela determinidade da realidade social e a liberdade de
decisão entre alternativas. Alternativas que se complexificam à medida que a sociedade vai
se complexificando pela crescente socialização dos pores de fins produzidos
historicamente.
Considerando a individualidade, a singularidade e os distintos níveis de consciência
dos homens sobre a realidade, a tomada de posição e a decisão sobre as alternativas não
ocorre de forma homogênea, mas determinada por esse conjunto de fatores e motivações
emergente do valor envolvido no processo, constitui-se como um fenômeno social unitário,
resultado da relação objetividade-subjetividade. Contudo, a atividade humana pode ter
êxito e produzir novos valores, se durante o processo houver o autocontrole do sujeito, o
autodomínio ou, no sentido gramsciano, estiver voltado para o viés político revolucionário
de tipo ético-político necessário para a constituição de novos tipos de Estados.
80

II FORMAÇÃO HUMANA - PERSPECTIVA ONTOLÓGICA DA FILOSOFIA DA


PRÁXIS

“Decifra-me ou devoro-te”
(Enigma da esfinge de Tebas)

Gramsci não teve acesso ao Capital de Marx (obra em que Marx aprofunda sua
análise das relações capitalistas, como a teoria do valor e outras categorias), mas teve
acesso à Miséria da Filosofia, obra em que Marx, ao enfrentar Proudhon, começa a
desenvolver a teoria do valor – e que o marxista italiano considera juntamente com as
Teses sobre Feuerbach o núcleo da filosofia da práxis. Na tentativa de entender os
elementos que levaram Gramsci a reconhecer a importância desta obra para o resgaste do
caráter revolucionário do marxismo, buscamos elencar alguns pontos que consideramos
relevantes para compreender as bases ontológicas da filosofia da práxis.

1 O “Valor” educativo da Filosofia como Política

Conforme o próprio Marx, a Miséria da Filosofia contém os germes do que ele


desenvolveu em sua obra magna, O Capital, em que agarra pela raiz os fundamentos
práxicos e ontológicos vigentes no seu tempo. Nesse sentido que Lenin a considera a sua
primeira obra de maturidade e Gramsci, não diferente, fundado em seu acúmulo teórico-
prático a considera um dos componentes do núcleo da filosofia da práxis. Pois é nesta obra
que Marx enfrenta e destrói a “teoria do valor” proudhoniana e se contrapõe aos riscos que
ela representava para o movimento revolucionário, tendo em vista que os desvios teóricos
postos em circulação por Proudhon conduziria a desvios de ordem prática (tática e
estratégica) ao popularizar uma versão metafísica de “leitura da realidade”.
Proudhon, que afirma embasar-se em Hegel e sua lógica, acaba por cair nas aporias
kantianas, pois segundo Marx, o “Sr. Proudhon” apoiava-se na verdade no “senso comum”
que se difundia do pensamento hegeliano, portanto, não conhecia de fato a obra hegeliana
porque não lia alemão e não havia ainda tradução para o francês. A fragilidade teórica de
Proudhon era inversamente proporcional à sua determinação em defender sua posição
81

teórica, a qual expressava sua posição prática, isto é, o lugar que ocupava na hierarquia
social de pequeno burguês e suas “mesquinharias”.
Dessa forma, ainda que compreenda a contradição imanente à realidade, não
contribui para o processo de “esclarecimento” das classes subalternas por terminar em
encerrar-se em um sistema, que tal como Hegel fecha-se em si mesmo e, portanto, não
deixa aberta a possibilidade de transformação social e ativa pelo homem como demiurgo
da história. É por este motivo que se contradiz ao afirmar que o que provoca as guerras e a
miséria é a contradição existente entre valor de uso e valor de troca e por isso, é preciso
equalizá-los através da fixação do “valor justo”. Contradição esta, que segundo Marx, a
partir da teoria do valor encontrada em Ricardo113, encontra-se no trabalho.
Como Proudhon não teve acesso de fato a Hegel, não poderia conhecer sua dialética
e os três momentos que, impulsionam pela força das próprias contradições o movimento de
superação: tese, antítese e síntese. Dessa forma, sua concepção dialética não considera o
movimento intrínseco à realidade, se detém, portanto, na estaticidade do status quo, pois ao
rejeitar a síntese, o tertium datur da história e buscar realizar equilíbrios entre os opostos,
anula as possibilidades históricas do devir, da luta de classes que Marx anuncia no
Manifesto do Partido Comunista.
Dessa forma, corrobora com a ideia de aperfeiçoamento do modo de produção
capitalista, em vista da conservação dos aspectos “positivos” e “bons” do capitalismo,
pressupondo assim, a sua conservação estrutural e superestrutural. Nessa medida, expressa
sua postura antirrevolucionária e reformista de “socialista pequeno-burguês” com verniz
“anarquista”114. Por isso, Marx refuta a posição de Proudhon que quer separar o joio do
trigo, ou seja, separar o lado bom do lado mau dos fenômenos, buscando encontrar um
avanço, uma vantagem para conservar e um entrave, um retrocesso a suprimir.
Conforme Marx, Proudhon oscila entre capital e trabalho, por não compreender ou
reconhecer a origem econômica da contradição posta, fundada na propriedade privada e
divisão do trabalho, dada a sua abstração e metaficização do real. Pois, ainda que afirme
que a propriedade privada trata-se de roubo, nega o papel da subjetividade e sua relação
com o mundo objetivo, pela sua postura de generalização das contradições. Dessa forma, é

113
Ver.: RICARDO, David. Princípios de Economia Política e Tributação. Coleção Os Economistas. São
Paulo: Editora Nova Cultural, [1823] 1996.
114
A oposição entre Marx e Proudhon ocorreu inicialmente no campo prático quando, em carta, Marx chama-
o a colaborar com a organização comunista e ele, considerado, o pai do anarquismo, se nega.
82

possível constatar que não é Marx, mas o marxismo, que retorna à ideia de negação do
indivíduo em proveito das entidades transcendentes como o Estado (que Gramsci
denomina estatolatria), o partido, a sociedade.
Nesse espectro, sua posição somada à sua postura anarquista o conduz ao
espontaneísmo, recusa a ideia de um processo de transição defendida por Marx pela
ditatura do proletariado, que prescinde de um “Estado sem Estado” que deve, segundo
Gramsci, suprassumir-se, pois afirma que o processo revolucionário deve emergir da classe
trabalhadora. Ao mesmo tempo, centra sua concepção no indivíduo, abstrato, na
consciência individual em contraponto à consciência de classe defendida por Marx,
coletiva e orgânica como defendeu Gramsci.
A novidade da filosofia da práxis é o componente ativo humano que expressa o
caráter unitário da práxis, pois para Marx, a realidade está em constante movimento, é por
esse motivo que sua crítica aos economistas burgueses clássicos centra-se em refutar as
categorias econômicas do capitalismo como a-históricas e eternas. Por isso que em carta a
Annenkov (1846, p.29), afirma que Proudhon cai no mesmo erro dos economistas
burgueses que consideram as categorias como fórmulas eternas, e não transitórias,
históricas, abstrações feitas das relações sociais reais. Essa visão proudhoniana imprime
uma cisão que remete às concepções da filosofia antiga115 que enfrenta realidade, a empiria
cindida da ideia, da razão, que leva aos unilateralismos improdutivos para a história, por
ser em si mesma a-histórica, anti-histórica, os quais já foram enfrentadas pelos seus
precursores, inclusive o próprio Hegel, a quem atribui as bases de sua concepção.
Ao enfrentar a Ideologia Alemã, Marx enfrenta as falsificações teóricas que veem
no movimento do pensamento, o demiurgo da realidade. Assim, para Marx, o real é
histórico, tudo que escapa à história, ao real, é falso, portanto, as relações não podem se
resumir à pura encarnação das categorias econômicas. A filosofia da práxis segue na
contramão desse idealismo, na inversão do idealismo, pois é o real que produz a ideia, por
isso, são as relações que engendram as categorias econômicas. Contudo, estas não surgem
como mero reflexo, como reflexo mecânico, mas como Marx anuncia na terceira Tese
sobre Feuerbach: “o grande defeito de todo materialismo passado é que a coisa concreta, o
real, o sensível não é nele apreendido senão sob a forma de objeto ou de intuição, não
como atividade humana sensível, não como prática, nem subjetivamente” (Marx, 2007).
115
Tal como a filosofia de Platão, para quem o mundo sensível é apenas um conjunto de encarnações
imperfeitas das ideias perfeitas e eternas encontradas no mundo das ideias.
83

Pois, o real é a própria vida como produção e “consumação” conforme as necessidades e a


liberdade historicamente determinadas. Dessa forma, como afirma Marx e Engels (2003)116
as ideias nada podem realizar. Para realizar ideias, são necessários homens que ponham em
ação uma força prática.
Nesse viés que Marx realiza uma superação original de Feuerbach e Hegel, tendo
em vista que o primeiro não compreende a matéria como práxis, como necessidade posta
historicamente, enquanto o segundo que, como Proudhon quer gerar a realidade a partir de
conceitos abstratos, como predicado das categorias universais, caindo em uma
historicidade idealista.
Dessa forma, a influência que Proudhon tinha sobre os trabalhadores representava
um perigo de caráter loriano, o qual Gramsci aborda nos Cadernos, pois ao representar a
ideologia da pequena burguesia, disseminando-a entre os trabalhadores e tornando-a força
hegemônica conduziria ao fatalismo, economicismo e determinismo e aos erros históricos,
os quais Lenin e Gramsci rebateram com todo ímpeto.
É nesse mesmo ímpeto que Marx rebate a teoria do valor desenvolvida por
Proudhon – que afirma buscar superar a contradição do valor de uso e o valor de troca por
um lado, e contesta a autenticidade da descoberta da teoria do valor que, na verdade, se
deve a Ricardo. Por isso, Marx, ao buscar desvelar a síntese da contradição entre valor de
uso e de troca, afirma que é o trabalho geral feito na indústria moderna que gera valor e
este não se constitui como fonte de igualdade social ou justiça, como concebia Proudhon.
Por esta via, analisando o trabalho como fundamento do ser social, é possível
compreendê-lo como uma generalização, abstração metodológica da categoria trabalho,
que Lukács realiza na Ontologia e é necessária para compreender os fundamentos do ser
social. Contudo, assim como Marx, nO Capital se debruçou sobre o trabalho concreto e
historicamente determinado em relação dialética com sua abstração para compreender as
mediações e relações intrínsecas do processo de produção e reprodução do capital e,
portanto, do ser social mediado pelas relações capitalistas, assim, se faz necessária essa
relação dialética entre a totalidade genérica e o particular/singular (a qual evitaria muitos
equívocos que levam a uma abstração genérica e idealista do processo revolucionário e

116
“Ideias não podem conduzir jamais além de um velho estado universal das coisas, mas sempre apenas
além das ideias do velho estado universal das coisas. Ideias não podem executar absolutamente nada. Para a
execução das ideias são necessários homens que ponham em ação uma força prática. Interpretada em seu
sentido literal, portanto, essa sentença crítica é, mais uma vez, uma verdade que se compreende por si mesma
(…)” (MARX e ENGELS, 2003, p.137).
84

concebem, em certo sentido, o trabalho como “ato puro”) que Gramsci, em sua medida e
possibilidade, realizou nos Cadernos com a filosofia da práxis.
Pois, a função social da filosofia da práxis que tem como horizonte revolucionário a
construção de um novo modo de vida social livre e emancipado, é revelar a verdade,
mostrar de forma transparente as relações, a relação entre essência e fenômeno, contribuir
para que as relações pessoais apareçam como “relações pessoais e não como dissimuladas
em relações sociais das coisas, produtos do trabalho”117.
A verdade, exposta pela filosofia da práxis, é que o homem é a medida e à medida
de sua práxis. A verdade é o próprio homem porque, como afirma Marx, o homem é o
mundo do homem. É essa verdade, que livra o homem de ser devorado pelas contradições,
assim como os viajantes que tentavam adentrar Tebas e eram impelidos pelo enigma da
Esfinge: “Qual o animal que de manhã tem quatro patas, ao entardecer tem duas e ao
anoitecer tem três patas?”. A resposta – o homem, a humanidade – dada por Édipo não só o
livrou de ser devorado como destruiu a Esfinge, que encurralada pelo seu próprio enigma
atirou-se em um precipício. O mito traz de uma só vez, pelo prisma da dialética práxica o
caráter existencial, histórico e dinâmico e, portanto, revolucionário, ao descer do céu à
terra a produção da história, o movimento da vida, o processo de continuidade e
descontinuidade através da destruição-construção do velho e do novo, figuradas pela
própria esfinge que encerrava em si o conhecimento e mantinha um lugar de dominação até
encontrar um seu oposto à altura daquilo que guardava para si.
É esse desafio posto às classes subalternas, de conhecer a verdade e desenvolver a
autonomia que a filosofia da práxis, com todos os seus componentes, possibilita como um
“número de ouro” instrumental filosófico que possibilita apreender a realidade e suas
mediações, tal como o espiral Fibonacci está para a matemática ao emergir da observação
da natureza – reservada todas as distinções de estatuto ontológico. Pois, o conhecimento se
desvela, se revela e se amplia em um movimento contínuo e constante de aproximação da
realidade e, a cada novo movimento se expande na permanência, tal como o espiral
Fibonacci que mantém um movimento de constância entre núcleo e extremidades, mas que
tem como ponto de partida e referência a própria realidade. Dessa forma, núcleo e
extremidades (estrutura e superestrutura, objetividade e subjetividade) estão em constante
movimento e inter- e intraconexão dialética.

117
MARX, K. O CAPITAL, I, p.612.
85

É por este motivo que Marx busca combater Proudhon do ponto de vista teórico e
prático, ao refutar a dialética proudhoniana e destacar a luta dos trabalhadores como tema
central que culmina com a sua entrada na I Internacional e a publicação do Manifesto, no
qual reconhece a tendência do capitalismo de forjar as condições de sua própria superação,
ao reconhecer as contradições em que se insere o desenvolvimento da história pelo
progresso técnico-científico, mas ao reconhecer o homem como ser ativo diante da história,
convoca o proletariado à luta pela tomada de consciência de classe-em-si a classe-para-si.
Nesse espectro que Marx afirma que Proudhon não compreendeu a engrenagem do
atual estado de coisas, pois ao apelar à razão universal revela seu desconhecimento da
história da humanidade e, consequentemente do desenvolvimento econômico porque não
consegue compreender que não existe absoluto, ou liberdade absoluta, tendo em vista que
“Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea
vontade [como querem], pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais
ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram” (MARX, 2016,
p.25). Proudhon confunde as ideias e as coisas, pois não compreende que os homens não
recusam os avanços e as conquistas históricas, mas que podem renunciar as formas que são
transitórias. Segundo Marx (2008, p.49), Proudhon desenvolve uma fantasmagoria
dialética porque sua história se eleva altivamente acima dos tempos e lugares e desenrola-
se em um meio nebuloso de imaginação, recorrendo à velharia hegeliana, à história
sagrada, à história das ideias. Desse modo, o homem é apenas um ser mecanicamente
resultado das ideias, instrumento delas, da razão, e não senhor da própria história, profana
que se constitui em ato impuro pela sua própria ação.
Ao centralizar seu foco de análise sobre o valor, Proudhon secundariza e
negligencia a divisão do trabalho, que em sua visão é a eterna razão das evoluções
econômicas, pois não concebe as mediações da origem e do seu processo de
desenvolvimento e, portanto, não compreende as diversas divisões sociais – em castas, na
manufatura, na indústria, no mercado mundial – que incide sobre toda a organização
interna dos povos. Nessa via que no sistema proudhoniano, a propriedade é a última
categoria do seu sistema. Conforme Marx (2008, p.52), “No mundo real, ao contrário, a
divisão do trabalho e todas as demais categorias do Sr. Proudhon são relações sociais, cujo
conjunto forma o que se chama atualmente a propriedade”. É por este motivo que a crítica
de Proudhon se reduz a uma crítica dogmática e divergente do método de Marx, pois não
compreende o caráter transitório e histórico das formas de produção e vê as instituições
86

apenas como produto histórico, mas não compreende sua gênese, muito menos seu
desenvolvimento, ao passo que conforme o método de Marx, para alcançar a realidade do
objeto é necessário recuperar a origem, desenvolvimento e sua função social.
Nesse sentido, ao compreender as relações sociais de produção e reprodução de
forma abstrata, Proudhon termina por cair na razão pura por retirar do homem o caráter
criador das relações e das ideias sobre elas, tornando-se assim, adversário do movimento
histórico e, portanto, do movimento político prático de organização, pois para ele a solução
dos problemas não consiste em ação organizada, mas em pura rotação dialética imaginativa
encerrada em sua cabeça que leva ao retorno ao dualismo entre a razão/categorias e a
vida/prática.
De acordo com Marx (2008), Proudhon como filósofo da pequena burguesia,
simpatiza com as dores do povo, mas está deslumbrado com a alta burguesia e por isso,
busca equilibrar e diviniza a ‘contradição’ por ser, ele mesmo, a contradição posta em
ação, por ela ser o âmago do seu ser. Por isso, busca justificar pela teoria o que ele
representa na prática e não consegue conceber que o valor relativo que se mede pelo tempo
de trabalho é a fórmula da escravidão moderna e não a teoria revolucionária da justiça,
igualdade e emancipação do proletariado. Pois, pela teoria do valor Marx desmonta a teoria
liberal do iguais que se encontram no mercado para trocar de forma igual, revelando a
exploração que faz parte da institucionalização do mercado e da troca, ainda que nessa
esfera pareça que os princípios liberais de igualdade, liberdade esteja estabelecido mas na
verdade o trabalhador é proprietário apenas da sua força de trabalho e não dos meios de
produção ainda que se afirme a equivalência através do salário – retribuição, que
aparentemente passa a mensagem de liberdade de trocar no mercado igualmente.
De fato, existe uma mercadoria que produz uma mercadoria que produz mais valor,
trabalho não pago, que produz mais valor e que não vai para a mão do trabalhador, a qual é
a sua única propriedade que comprova, portanto, a raiz de toda a desigualdade. Essa
posição de Marx incomodava porque ela desbanca a dominação burguesa fetichizada pelo
mito da igualdade.
A teoria valor trabalho tem um caráter objetivo porque independente do sujeito
apreciar a mercadoria ou a indústria que a produziu, é o tempo de trabalho necessário para
produzi-la que produz o valor, enquanto a teoria do valor utilidade118 tem um fundamento

118
Desenvolvida por Jean Baptiste Say (1767) e Jeremy Bentham (1748) que embasam a revolução
marginalista.
87

subjetivo porque a demanda das mercadorias depende do gosto do sujeito e, nesse viés, o
que existe são indivíduos, a comunidade é uma ficção, a realidade é apenas uma soma de
indivíduos, não existe nada que transcenda os indivíduos. Dessa forma, retira as classes
sociais de cena ao afirmar que o que existe são agentes produtores e exclui, portanto, a
questão do excedente e consequentemente a clareza de quem dela se apropria, isto é,
obscurece a luta de classes e a possibilidade de luta pela emancipação.
Ao identificar de forma histórica e dialética, tanto o caráter objetivo quanto
subjetivo no processo de constituição do valor, quanto as contradições imanentes, ou seja,
o ser enquanto relação entre estrutura e superestrutura, produção e consumo, aparência e
essência, filosofia e política, Marx reconhece que as estruturas ainda prevalecem à vontade
humana, por isso afirma que o homem ainda vive na pré-história. Por este motivo que, ao
mesmo tempo que se encantava com a capacidade de produção material e derrubada das
barreiras materiais, critica o capitalismo porque este não se move por uma lógica humana.
A necessidade posta historicamente, a necessidade ontológica, desvelada pela teoria do
valor trabalho e as contradições postas impelem à filosofia tornar-se política, impele o
desenvolvimento de uma nova personalidade social capaz de operar coletivamente na
construção de um novo modo de vida social.

2 O Político em ato: a referência ontohistórica para um “novo ser social”

Gramsci, frente as determinações de seu tempo, confrontou-se com a necessidade


histórica de aprofundar-se nas raízes revolucionárias do marxismo para combater as
distorções operadas que, ao perder de vista a dialética práxica, colocaram a ênfase teórico-
prática na unilateralidade do complexo econômico, do mundo objetivo e exigia, portanto, o
necessário aprofundamento nas determinações subjetivas para o desenvolvimento do
processo revolucionário. Aprofundamento este, que não poderia efetivar-se em uma outra
unilateralidade contraposta à primeira, mas que pudesse operar a síntese dialética
omnilateral.
Nesses termos, que no Caderno 13, Notas sobre a política de Maquiavel, busca
desenvolver a partir da compreensão das contradições, categorias que buscam realizar a
tradutibilidade do real (vontade coletiva, política, hegemonia, etc.) e trazer proposições
88

para o processo de transformação do real. Entre estas proposições, encontra-se em algumas


passagens, o “político em ato”.
Dessa forma, Gramsci não parte de uma concepção ingênua ou mística da realidade,
mas da compreensão do papel histórico ou ontológico da política no processo
revolucionário, como complexo de força e luta das classes subalternas para a superação da
sua própria classe como contradição. Nesse sentido que ao analisar o papel histórico que
Maquiavel exerceu no seu tempo, o qual ocupava a função burocrática de diplomata, e
deveria mover-se apenas na realidade já posta no “ser” – buscando manter o equilíbrio e
conservar o já existente - e não colocar em movimento novas possibilidades, afere que
Maquiavel foi muito além de sua função e exercia a além de sua função de homem estatal,
era “homem de partido, de paixões poderosas, um político em ato, que pretende criar novas
relações de força e, por isso, não pode deixar de se ocupar com o ‘dever-ser’” (GRAMSCI,
2011b, p.35).
A Análise de Gramsci da posição do diplomata florentino corresponde à
recuperação da filosofia da práxis enquanto movimento, impulso de ação prática e
consciente do homem em contraposição à postura proudhoniana que Marx rebateu. Dessa
forma, a concepção do político em ato não emerge do nada, não desce do céu à terra, mas a
partir da necessidade posta à realidade efetiva às classes subalternas. Portanto,

o político em ato é um criador, um suscitador, mas não cria a partir do


nada nem se move na vazia agitação dos seus sonhos. Toma como base a
realidade efetiva: mas o que é realidade efetiva? Será algo estático e
imóvel, ou ao contrário, uma relação de forças em contínuo movimento e
mudança de equilíbrio? (GRAMSCI, 2011b, p.35)

Nesse viés, não há como compreender sua concepção ou proposição de político em


ato sem conceber o papel ontológico da política no processo revolucionário. Na esteira de
Marx, na própria Ontologia, Lukács afirma que são as necessidades que determinam o
impulso das escolhas e o surgimento de novas possibilidades. Desse modo, assim como é a
anatomia do homem que explica a anatomia do macaco, isto é, o mais complexo que
explica o mais simples, são as necessidades e determinações atuais que explicam o
precedente, que também demandam novos complexos, tal como a política que, por
algumas correntes marxistas, é considerada ontonegativa, isto é, por surgir da contradição
89

da luta de classes assume posição negativa na história e, por isso, não se deve lançar mão
dela.
Contudo, se assumirmos essa posição como princípio filosófico e estratégico,
caímos no dogmatismo metafísico contrário à própria visão dialética práxica de Marx
exposta nas Teses sobre Feuerbach em que revela o caráter revolucionário da práxis e,
portanto, ao cárater histórico-político de sua filosofia e da própria compreensão do
potencial da contradição histórica dada. Isso significa que é necessário assumir o papel da
política no processo de luta e organização como necessidade histórica contemporânea e
assim, tornar-se contemporâneo do seu tempo. Pois se nos apegarmos à ideia negativa da
política e vermos os complexos sociais como um novelo que se desenrola de sua gênese
intacto aos movimentos, determinações e necessidades de cada etapa, nos afinamos com a
perspectiva evolucionista e fatalista da história.
A teoria marxiana é histórica, práxica porque apanha seu objeto em seu contexto,
no chão da história, no qual o florescimento de novas tendências estruturais e sua
implicações superestruturais já se revelam no horizonte. Por isso, a filosofia da práxis não
pode ser concebida como uma filosofia desconexa da realidade, pois o chão político que
Marx escreve é de um proletariado como classe constituída em que seus interesses não são
dominantes, mas os interesses de seus exploradores. Marx dá voz ao proletariado, aos
grupos subalternos, pois a filosofia da práxis não é indiferente às contradições, mas é a
filosofia das contradições e que busca superá-las, por isso, a filosofia e a política se
unificam e tornam-se canal para poder fazer ecoar a voz dos grupos subalternos e tornar-se
dominante, isto é, que supere a relação dominante-dominado e a política não exista mais
enquanto função de dominação, enquanto poder de domínio.
Dessa forma, o objeto deve ser analisado como factual, objetivo, realidade efetiva
independente do sujeito que busca compreendê-lo. Porém, compreendendo que esse
mesmo objeto se humano, histórico, é, portanto, transitório, ou seja, pode ou não, conforme
as novas necessidades históricas, ter continuidade.
Portanto, deve-se buscar a gênese, consolidação e desenvolvimento das condições
de determinado complexo social e as possibilidades de sua superação para buscar
compreender o movimento real e a função social dada e não tomá-lo como pressuposto de
leitura analítica da histórica, pois este caminho leva à visão mistificadora do real e aos
erros “escatológicos” que desembocaram em reformismo e imobilidade do movimento
socialista.
90

Esse princípio que eleva a passividade mórbida não corresponde ao princípio ativo
da filosofia da práxis que, ao contrário de um princípio dado a priori para encaixar-se na
realidade ou enquadrar a realidade, emana da própria realidade como síntese histórica que
à história retorna como forma de dar continuidade ao seu movimento imanente, isto é,
imanente ao homem. Pois, o “‘dever-ser’ é algo concreto, ou melhor, somente ele é
interpretação realista e historicista da realidade, somente ele é história em ato e filosofia
em ato, somente ele é política”(GRAMSCI, 2011b, p.35).
Portanto, a formação humana de viés ontológico em Gramsci, perpassa por dois
vieses ou dois sentidos do mesmo ato, qual seja, o sentido de conservação, do “ser”,
daquilo que representa os avanços historicamente acumulados e o sentido de
transformação, daquilo que “deve ser” conforme as necessidades históricas latentes no
presente. Por isso, a personalidade do político em ato é aquela que na medida que busca
apropriar-se do conhecimento historicamente acumulado e compreende, portanto, as forças
conflituosas envolvidas na realidade vigente, busca pôr em ação a força operosa criativa e
coletiva capaz de “aplicar à vontade à criação de um novo equilíbrio de forças realmente
existentes e atuantes, baseando-se naquela determinada força que se considera progressista,
fortalecendo-a para fazer triunfar, significa continuar movendo-se no terreno da realidade
efetiva, mas para dominá-la e superá-la (ou contribuir para isso)” (GRAMSCI, 2011b,
p.35).
Nesse espectro, ainda que, para Gramsci (2011b), Maquiavel não pretendesse
mudar ele mesmo a realidade, realiza uma tarefa histórica que o coloca a frente de seu
tempo, ao demonstrar como “deveriam operar as forças históricas para se tornarem
eficientes”. Por isso, diferente de Savonarola119 que aglutina em torno de si o povo através
da religião, Maquiavel expurga a religião da política. Embora ambas (política e religião)
configurem-se como dois componentes capazes de aglutinar as massas, uma como direção
e a outra como ímpeto social, componentes traduzidos por Gramsci na forma da coerção e
do consenso obtidos pelo processo de identidade dos sujeitos sociais, pela empatia.
Nessa esteira, em Gramsci a religião supera a questão de fé ou de
institucionalidade, e assume um caráter terreno e profano de concepção de mundo integral
que liga os indivíduos, que é capaz de promover a paixão arrebatadora pelo mover

119
Girolamo Savonarola (1452-1498), superior do convento dominicano de São Marcos, tem importante
papel na vida de Florença , depois dos Médici. (Grasmsci, 2011b, p.364)
91

histórico através da convicção na prática transformadora imanente. Delineando um novo


sentido à imanência, pois segundo o marxista sardo,

o termo imanência tem na filosofia da práxis, um significado preciso, que


se oculta sob a metáfora e que deve ser definido e precisado, na realidade,
esta definição é que teria sido, verdadeiramente, “teoria”. A filosofia da
práxis continua a filosofia da imanência, mas depurando-a de todo o seu
aparato metafísico e conduzindo-o ao terreno concreto da história. O uso
é metafórico apenas no sentido de que a velha imanência está superada,
foi superada, ainda que seja sempre concebida como elo no processo de
pensamento do qual nasceu o novo. (GRAMSCI, 2011a, p.156)

É nesse sentido que, ao confrontar-se com a posição elitista crociana e a


necessidade histórica das classes subalternas criar seus próprios intelectuais e romper as
castas de “sacerdócio intelectual”, defende a relação dialética e integral entre saber,
compreender e sentir que pode efetivar o movimento do espontaneísmo à direção
consciente pela integração orgânica entre intelectuais e massa em que o próprio intelectual
seja elemento de contradição e superação porque “o elemento popular ‘sente’, mas nem
sempre compreende ou sabe, o elemento intelectual ‘sabe’, mas nem sempre compreende
e, menos ainda, ‘sente’. Os dois extremos são, portanto, por um lado, o pedantismo e o
filisteísmo, e, por outro, a paixão cega e o sectarismo” (GRAMSCI, 2011a, p.221).
Essa simbiose intelectual-massa corresponde ao movimento teórico-prático e
unitário da história que per si expressa-se como campo aberto de possibilidades
constantemente avaliado e reformulado em novos contornos, pois

a filosofia da práxis é uma reforma e um desenvolvimento do


hegelianismo, é uma filosofia liberada (ou que busca liberar-se) de
qualquer elemento ideológico unilateral e fanático, é a consciência plena
das contradições, na qual o próprio filósofo, entendido individualmente
ou como grupo social global, não só compreende as contradições, mas
coloca a si mesmo como elemento da contradição. (GRAMSCI, 2011a,
p.204)

Nessa via, Gramsci rejeita uma concepção de homem genérica, dogmática e


unitária, que pressuponha uma natureza humana dada, por considerar o homem enquanto
ser histórico e, portanto, particularmente determinando pelas complexas determinações
sociais a ele apresentadas pelas circunstâncias com as quais se confronta em seu tempo
histórico.
92

Tendo em vista, conforme Gramsci (2011a), que a filosofia da práxis é a expressão


mais consciente das contradições, está ligada também à necessidade e não à liberdade, e
ainda que no reino da liberdade em que as contradições desaparecerão, a própria filosofia
da práxis, uma filosofia que também é política, desaparecerá, pois não haverá mais a
necessidade de luta. É nesse sentido que o político em ato contém um valor utópico, pela
forma teleológica que assume diante da necessidade histórica de construção de algo
inaudito, pois conforme Gramsci (2011a, p. 205), “o filósofo (da práxis) não pode se evadir
do terreno atual das contradições, não pode afirmar, a não ser genericamente, um mundo
sem contradições, sem com isso criar imediatamente uma utopia”.
A utopia carrega, nesse sentido, o seu valor político e filosófico. Nesse sentido
Gramsci e Lukács coadunam, pois para o filósofo húngaro

Toda utopia é determinada, em seu conteúdo e em sua orientação, pela


sociedade que ela repudia; cada uma das suas contraimagens histórico-
humanas refere-se a um determinado fenômeno do hic et nunc histórico-
socialmente existente. Não existe nenhum problema humano que não
tenha sido, em última análise, desencadeado e que não se encontre
profundamente determinado pela práxis real da vida social. (LUKÁCS,
2013)

O político em ato, nesse viés, configura-se como elemento ativo de transição,


elemento histórico que dever-ser e na medida que é, deixa de ser. Em outros termos, o
político em ato é a protoforma revolucionária para a constituição de um processo de
transição que exige a organização das capacidades de dirigir e de controlar quem dirige e
na medida do desenvolvimento orgânico das capacidades individuais que emergem e as
necessidades históricas revolucionárias dão lugar às liberdades, a função social do político
em ato é suprassumida pelo desenvolvimento de uma etapa histórica superior. Portanto,
assim como a própria filosofia da práxis detém caráter histórico, transitório e provisório, o
político em ato como encarnação histórica e teórico-prática da necessidade posta
configura-se também como um ser histórico, transitório e provisório, dada as
possibilidades que emergirão a partir das novidades históricas.
Esse caráter transitório do ser humano, do ser social em sua totalidade, revela o
processo de transformação das circunstâncias e do próprio homem, estrutura e
superestrutura de que Marx trata na terceira Tese sobre Feuerbach, em que afirma que o
educador deve ser educado.
93

Esse processo educativo, no que se refere à função social a ser exercida pelo
filósofo democrático, o político em ato, centra-se na tarefa revolucionária de contribuir
para o desvelamento da realidade, para o processo de tradutibilidade do real e romper com
o mecanismo de subalternidade. Realizar a popularização da filosofia da práxis sem que ela
perca sua força crítica e transformadora e possa transformar-se em senso comum em
substituição ao senso comum bizarro – compósito de diversos elementos advindos da
religião, da ciência. Pois, o marxismo nasce do nível mais alto do desenvolvimento da
cultura e da filosofia e busca apoderar-se das massas, entra em um processo de bifurcação
reducionista e revisionista, de um lado por correntes que tentaram popularizar o marxismo
e, por outro pela apropriação intelectual burguesa de seus elementos. Por isso, Gramsci
defende uma Reforma (popular) + Renascimento (crítica) que possibilite às classes
subalternas compreender que a lógica da história está dentro da história e, portanto, que a
crítica deve ser permanente, tendo em vista que a realidade muda constantemente.
Nesse sentido, o papel do político em ato é contribuir para a construção de uma
nova hegemonia, buscando compreender e traduzindo as mediações imanentes, as
necessidades históricas e as proposições revolucionárias em linguagem política.
Na Nota V do Caderno 11, intitulada Tradutibilidade das linguagens científicas e
filosóficas, Gramsci levanta o problema da tradutibilidade destacando o caráter histórico e
para estabelecer a reciprocidade do processo de “tradução” das linguagens, conforme a
etapa e da civilização. Por isso que ao considerar a filosofia da práxis como integral e
original, afirma que “só na filosofia da práxis a ‘tradução’ é orgânica e profunda, enquanto
que outros pontos de vista trata-se frequentemente de um mero jogo de esquematismo
genéricos”, ou seja, somente a filosofia da práxis que se valida historicamente em cada
organização social histórica é possível estabelecer a conexão de fundo que permeia as
diferentes linguagens.
Dessa forma, que ao problematizar a passagem da Sagrada Família em que Marx
afirma que a linguagem política francesa corresponde e pode ser traduzida na linguagem
filosófica clássica alemã, Gramsci afere que esta afirmação é muito importante para
combater abstratismos mecanicistas. É seguindo nessa esteira que, Gramsci (2011a)
demonstra a fragilidade da posição de Einaudi em carta a Rodolfo Benini, que ao buscar
realizar uma crítica à concepção da tradutibilidade realiza uma observação metodológica-
crítica restrita à questão verbal e terminológica.
94

Para Gramsci, a tradutibilidade implica em traduzir as ideias de fundo exposta em


uma linguagem específica em outra, de forma recíproca como a linguagem político-jurídica
na França foi traduzida em linguagem filosófica, doutrinária, teórica da Alemanha
(Gramsci, 2011a, p.187), ainda que não haja correspondência terminológica vigente. Ainda
tratando sobre a observação contida na Sagrada família, Gramsci (2011a, p.188) cita
Hegel, que em suas lições sobre a história da filosofia e a filosofia da História que trata do
processo revolucionário burguês, apenas dois povos progrediram na história universal, os
alemães e os franceses que, por mais opostos que sejam entre si ou precisamente por causa
dessa oposição, na Alemanha irrompeu como espírito e conceito e na França, ao contrário,
explicitou-se como realidade efetiva. A tradutibilidade busca demonstrar, portanto, a
síntese entre teoria e prática, filosofia e política, que conforme Hegel que Gramsci
recupera, o princípio da liberdade encontra nos alemães a tranquila teoria, ao passo que os
franceses quiseram realizá-la praticamente.
Nesse sentido, emerge que a tradutibilidade tem a função revolucionária de
equacionar filosofia e política, a unidade teoria e prática conforme a décima primeira Tese
sobre Feuerbach – “os filósofos apenas interpretaram o mundo, mas trata-se agora de
transformá-lo, isto é, que a filosofia deve se tornar política para tornar-se verdadeira, para
continuar a ser filosofia, que a ‘tranquila teoria’ deve ser realizada praticamente, deve
fazer-se ‘realidade efetiva’”(GRAMSCI, 2011a, p.189).
Por esta via que é possível compreender a “tradução” da linguagem militar para a
lingugem política que Gramsci utiliza para definir a sua estratégia de luta hegemônica, já
esboçada por Lenin, a Guerra de manobra e a Guerra de posição, bem como buscou
esclarecer as contradições com sua concepção de correlações de forças em movimento e,
por último, e talvez mais delicado, dada o atual descrédito em que encontra-se o termo e
sua concepção enquanto senso comum, o partido como elemento aglutinador, catalisador e
organizador da vontade coletiva que impulsiona a criação de uma nova práxis racional
permeada de paixão pela possibilidade do novo.
O partido, no sentido gramsciano, não trata-se de um órgão de pura justaposição de
membros, mas um organismo vivo que desenvolve a personalidade social do político em
ato em um genuíno processo catártico, tanto do salto do econômico-corporativo ao ético-
político dos sujeitos envolvidos, quanto do processo histórico social. Pois, sem a crítica
consciente e um programa de partido, pode-se cair em um tipo de mecanicismo,
95

dogmatismo da espontaneidade por um lado, ou na projeção pré-estabelecida utópica por


outro.
Nesse sentido que a tarefa do político em ato e do partido enquanto intelectual
coletivo é compreender as correlações de forças em movimento, situando os vários níveis
de relações de força, ou seja, dos Estados, o grau das forças produtivas, das políticas
imediatas – pequena, minúscula, bem como da grande política e do partido – para
compreender as possibilidades táticas e estratégicas de atuação, reconhecendo as relações
fundamentais a serem modificadas organicamente, realizando efetivamente a
tradutibilidade do real para a construção de uma nova hegemonia, a partir de sua própria
concepção de mundo, proporcionando aos subalternos a possibilidade histórica de saírem
da condição de subalternidade e tornarem-se dirigentes.

3 Ontologia da Filosofia da Práxis – uma nova ortodoxia

Para delinearmos o processo de aproximação da perspectiva de Gramsci nos


Cadernos, nos detivemos aos elementos que destacam a sua originalidade encontradas,
mormente nas notas da Introdução ao estudo de filosofia, ao desenvolvimento da ontologia
da filosofia da práxis, da nova ortodoxia.
É certo que Gramsci não opera com o termo ontologia120, historicamente carregado
de incrustações metafísicas, opostas ao núcleo da filosofia da práxis, e que ele buscava
superar. Nesse viés, Gramsci utiliza o termo ortodoxia, que em geral se refere à pretensa
fidelidade de seguidores a uma doutrina, porém, tendo em vista, a necessidade de avaliar
os intérpretes e o revisionismo destes frente à originalidade e a autonomia da filosofia da
práxis, afirma a necessidade de renovação do conceito, buscando atribuir-lhe um
significado particular. Pois, tanto Kautsky defendeu uma ortodoxia marxista contra os
revisionistas e terminou por pender para o materialismo científico natural aplicado à
sociedade, apegando-se ao determinismo frente à necessidade de ação revolucionária,
quanto o marxismo herdeiro da Internacional Comunista se autointitulou ortodoxo, mas
recorreu aos elementos da sociologia de base positivista, transmutando o conceito de
ortodoxia como sinônimo de dogma. Nestes termos que Gramsci afere a necessidade de
enfrentar estas tendências, manifestas no Ensaio Popular de Bukharin, reivindicando a
120
No Dicionário gramsciano publicado na Itália em 2009 e no Brasil em 2017, o verbete ortodoxia encontra-
se presente, mas não encontramos ontologia.
96

renovação do conceito numa dimensão que pudesse abarcar a totalidade histórica e as


complexas conexões e mediações dialéticas. Dessa forma que afirmar a ortodoxia marxista
significa afirmar o seu caráter e potencial revolucionário, teórico e prático, sua
independência e originalidade, como “elemento de separação completa de dois campos,
pois é vértice inacessível para os adversários” (GRAMSCI, 2011, p.152).
Nesse sentido que no conjunto dos Cadernos, não encontramos o uso do termo
ontologia, com exceção do termo “ontologismo”121 que utiliza no Caderno 7, apenas uma
vez, associado ao conceito de ortodoxia, porém carregado de teor crítico. Neste caso,
refere-se a ortodoxia católica, a qual segundo Gramsci operou, através de Gioberti122, uma
equalização entre transcendência e imanência na forma de um acordo político que teve
correspondente desdobramento no campo filosófico e da cultura. Para Gioberti, a dialética,
assim como a religião, tem função de conciliadora e pacificadora, ponto de equilíbrio entre
os opostos, harmonizando os conflitos em uma síntese “unitária” que elimina o momento
da luta e da negação e destruição, depurando o momento antitético e reforçando o
conservadorismo reformista com foco na revolução intelectual e moral movida pelas ideias
e pelos afetos que amortiza a possibilidade de movimentos de luta das massas.
O termo ortodoxia aparece sete vezes em quatro Notas nos Cadernos 10, 11 e 13.
Nelas, Gramsci demonstra interesse em operar uma recuperação historicista do conceito,
dar um novo e particular significado ao termo, o qual segue o mesmo viés do que
compreendemos que o filósofo húngaro efetiva na Ontologia do Ser Social. Nesse sentido,
que compreendemos que ao invés do termo ontologia, Gramsci utiliza o termo ortodoxia
para realizar o duplo movimento dialético de conservação e superação dos avanços e

121
§ 79. Passado e presente. Sobre a questão da importância dada por Gentile a Gioberti para determinar uma
linha filosófica nacional permanente e consequente, devem ver-se dois estudos sobre Gioberti: o do escritor
católico francês Palhoriès, Gioberti, Alean, Paris, 1929, in-8°, 408 p., e o do idealista Ruggero Rinaldi,
Gioberti e il problema religioso dei Risorgimento, prefácio de Balbino Giuliano, Vallecchi, Florença, in-8?,
XXVIII-180 p. Ambos, embora partindo de diferentes pontos de vista, chegam a demonstrações semelhantes:
a saber, que Gioberti não é de modo algum o Hegel italiano, mas se mantém no campo da ortodoxia católica
e do ontologismo. Deve-se considerar a importância que tem no “gentilianismo” a interpretação idealista de
Gioberti, que no fundo é um episódio de Kulturkampf ou uma tentativa de reforma católica. Deve-se observar
a introdução de Giuliano ao livro de Rinaldi, porque parece que Giuliano apresenta alguns problemas de
cultura postos pela Concordata na Itália, ou seja, como, tendo tido lugar o acordo político entre Estado e
Igreja, possa ocorrer um “acordo” entre transcendência e imanência no campo do pensamento filosófico e da
cultura. (GRAMSCI, [1930-1931] 2011, p. 444-445)
122
Vincenzo Gioberti, sacerdote e capelão na corte dos Saboia, obrigado, por ter aderido às ideias
republicanas e patrióticas, ao exílio em Paris e sucessivamente em Bruxelas, é central na avaliação
gramsciana do Risorgimento italiano como revolução passiva ou restauração progressiva: no sentido de um
desenvolvimento peculiar da história italiana caracterizado pela ausência de uma iniciativa popular ampla e
forte, à diferença da Revolução Francesa, e por um transformismo das classes dominantes capaz de acolher
somente alguma exigência de baixo para salvar o seu poder e o seu “particular”. In: LIGUORI; VOZA
(Orgs). Dicionário gramsciano. São Paulo: Boitempo, 2017.
97

recuos teórico-práticos operados pela filosofia da práxis em relação às perspectivas que a


sucederam. No Caderno 10123, § 28, intitulado Introdução ao estudo da filosofia, Gramsci
(2011) critica a ortodoxia característica dos jesuítas alemães que preocupavam-se em
atender as exigências de base do modernismo sem tocar no imanentismo, apenas para
“traduzir” ao homem moderno verdades eternas, dogmas e a metafísica filosófica com
revestimento mutável, operando uma revolução passiva no plano filosófico. No mesmo
“parágrafo”, problematiza a discussão sobre a relação natureza-história do ponto de vista
positivista ou historicista, ou seja, se o processo de desenvolvimento ocorre como saltos
ontohistóricos ou de forma progressiva, contradição que se traduz na cultura filosófica na
forma do debate entre história e anti-história, buscando assim demonstrar o conteúdo
conservador e reacionário desse debate que mutila o potencial ativo imanente do homem e
da história. Pois, para o autor sardo,

o significado “teórico” desta discussão consiste, creio, no seguinte: ela


indica o ponto de passagem “lógico” de toda concepção do mundo à
moral que lhe é conforme, de toda “contemplação” à “ação”, de toda
filosofia à ação política que dela depende. Em outras palavras, é o ponto
no qual a concepção do mundo, a contemplação, a filosofia, tornam-se
“reais”, já que tendem a modificar o mundo, a subverter a práxis. Por
isso, é possível dizer que este é o nexo central da filosofia da práxis, o
ponto no qual ela se realiza, vive historicamente, ou seja, socialmente e
não mais apenas nos cérebros individuais, cessa de ser “arbitrária” e se
torna necessária racional-real. (GRAMSCI, 2011, p.336)

Para Gramsci, esse significado teórico demanda uma passagem da teoria à prática,
da concepção de mundo a uma norma prática de conduta, espírito de iniciativa, força no
caráter e vontade concreta correspondente, vontade operosa e ativa capaz de evitar
determinismos, abstratismos e titanismos vazios e improdutivos, pela qual mais uma vez se
evidencia a relação entre as bases da ontologia da filosofia da práxis e a formação humana.
Nestes termos que no §28 do Caderno 11, intitulado Conceito de ortodoxia,
Gramsci (2011, p.152) afirma que “o conceito de “ortodoxia” deve ser renovado e
relacionado às suas autênticas origens”, ao realizar uma crítica à mutilação operada pelos
marxistas ditos ortodoxos, que realizam uma redução da filosofia da práxis às suas “partes
constitutivas”, ao hegelianismo ou ao feuerbachismo por exemplo, e dessa forma, buscam
teorias heterogêneas para tentar complementá-la, subordinando-se a uma teoria geral

123
Escrito de 1932 a 1935.
98

materialista ou idealista ao confundir a cultura pessoal do fundador da filosofia da práxis,


Marx, com as bases originais do conteúdo e do método desenvolvido. Para o filósofo
sardo, a filosofia da práxis é a síntese revolucionária de um novo momento histórico, uma
síntese integral das dimensões humano-sociais e naturais e de todo o processo de reflexão
sobre a relação destas dimensões no viés autenticamente historicista, pois contém

todos os elementos fundamentais para construir uma total e integral


concepção do mundo, não só uma total filosofia e teoria das ciências
naturais, mas também os elementos para fazer viva uma integral
organização prática da sociedade, isto é, para tornar-se uma civilização
total e integral. Este conceito de ortodoxia, assim renovado, serve para
precisar melhor o atributo de “revolucionário”[…] (GRAMSCI, 2011,
p.152)

Esse conceito revolucionário de ortodoxia, uma ontologia da práxis, inaugura uma


nova concepção de imanência, a qual não se reduz à mera metáfora, que segundo Gramsci,
Bukharin afirma no Ensaio Popular. Para Gramsci,

o termo “imanência” adquiriu um significado peculiar, que não é o dos


“panteístas” nem tem qualquer outro significado metafísico tradicional,
que é novo e deve ser estabelecido. Foi esquecido que, numa expressão
muito comum [materialismo histórico], dever-se-ia colocar o acento no
segundo termo, “histórico”, e não no primeiro, de origem metafísica. A
filosofia da práxis é o historicismo absoluto, a mundanização e
terrenalidade absoluta do pensamento, um humanismo absoluto da
história. Nesta linha é que deve ser buscado o filão da nova concepção do
mundo. (GRAMSCI, 2011, p. 155)

Gramsci destaca o elemento da imanência como componente teórico-prático da


filosofia da práxis e no mesmo “parágrafo”, segue advertindo sobre a necessidade de criar
novos vocábulos para expressar novas concepções e descobertas filosóficas/científicas, a
fim de se distinguir das concepções anteriores e evitar possíveis disputas inúteis. Nesse
sentido que compreendemos que assim como optou por utilizar o termo filosofia da práxis
desenvolvido por Labriola, Gramsci não opera com o termo ontologia nos Cadernos,
embora desenvolva toda sua perspectiva no viés ontológico, próprio da perspectiva
revolucionária e do interesse de operar o renascimento do marxismo em toda sua amplitude
e originalidade. Originalidade esta encontrada na mundanidade, terrenalidade, no fazer e
pensar histórico, no qual encontra-se o teor inaudito da imanência, no historicismo
absoluto, humanismo absoluto que revela a natureza ontológica da filosofia da práxis.
99

Compreendemos que não por acaso que a Nota seguinte, o §28, tem como título e
foco de análise A imanência e a filosofia da práxis. Nesta Nota, o autor sardo,
problematiza a redução do termo imanência e imanente, os quais Bukharin, no Ensaio
Popular, afirma que são utilizadas apenas como metáfora por Marx. Gramsci problematiza
o processo de transição de uso dos termos e a continuidade do uso mesmo com a ampliação
histórica das bases que a fundam, mantendo elementos das concepções anteriores e
superando os velhos paradigmas. Nestes termos, que o filósofo sardo afirma que o

termo “imanência” tem, na filosofia da práxis, um significado preciso,


que se oculta sob a metáfora e que deve ser definido e precisado; na
realidade, esta definição é que teria sido, verdadeiramente, “teoria”. A
filosofia da práxis continua a filosofia da imanência, mas depurando-a de
todo o seu aparato metafísico e conduzindo-a ao terreno concreto da
história. O uso é metafórico apenas no sentido de que a velha imanência
está superada, foi superada, ainda que seja sempre concebida como elo no
processo de pensamento do qual nasceu o novo. (GRAMSCI, 2011,
p.156)

Nesse viés, que imanência assume caráter histórico, histórico absoluto implicando
uma luta bifrontal contra o historicismo especulativo e toda forma de economicismo, tendo
em vista que este caráter “absoluto” não é determinado pelo movimento das ideias ou pelas
categorias abstratas do pensamento, mas pelo mover da própria realidade construída,
objetivada pelo sujeito ativo, que faz, produz a história e a si mesmo. Por isso, a nova
imanência, a imanência histórica é humanista, pois centra-se no ser produtor da história, o
homem concreto e, por este prisma é possível afirmar que não há nada fora da história. É
nesse sentido, que ao recuperar Maquiavel, Gramsci afirma que a sua crítica do presente
elencou conceitos universais concretos, expressou uma concepção de mundo original que
também pode ser reconhecida como filosofia da práxis ou neo-humanismo, na medida em
que se detém aos elementos imanentes históricos, ou seja, “baseia-se inteiramente na
atuação concreta do homem que por suas necessidades históricas opera e transforma a
realidade” (GRAMSCI, 2011b, p.218). É nesse sentido que o conceito de absoluto se refere
especificamente ao histórico, ao que é produzido historicamente, e como a produção é
constante e toda teoria se origina na prática, a filosofia da práxis concebe a história em
constante movimento e, nesse viés, nenhuma verdade é eterna e absoluta, mas assume
100

valor contingente às necessidades históricas de cada época, postulando a relação entre ser e
dever-ser.
Munido desse viés, que no Caderno 3, §127, intitulado Maquiavel, Gramsci retoma
uma nota de Azzalini124 sobre Maquiavel, a qual para ele exemplifica os elementos de um
esquematismo científico que empreende deduções e relações de identidade e distinção
entre direito e ciência política, levando a uma debilidade do conceito de ontologia por
restringi-lo à compreensão do ser de modo estático, e a uma distinção formal entre política
e direito público, ao afirmar que

“a ordem jurídica é ontológica e analítica, porque estuda e analisa


os diversos institutos públicos em seu ser real”, [ao passo que] a
“ordem política e deontológica e crítica, porque estuda os vários
institutos não são como são, mas como deveriam ser, isto é, com
critérios de avaliação e julgamentos de oportunidade que não são
nem podem ser jurídicos”. (GRAMSCI, 2011b, p.219)

Nesta passagem, Gramsci cita a compreensão de ontologia de Azzalini, da qual


discorda da visão restrita do caráter ontológico, especialmente no tocante à restrição da
concepção da autonomia da política, intuição e arte política, o que revela o caráter de
movimento da perspectiva gramsciana, do papel da política como atividade, como ação
voltada para o atendimento das necessidades histórico-sociais e, portanto, não se delimitam
por princípios morais e obrigações, um dever previamente estabelecidos, como na lógica
deontológica125. Ademais, Azzalini com seu conceito de arte política, opera uma cisão no
campo político entre o cientista e o artista, o primeiro domina a atividade teórico-científica
e o segundo a atividade teórico-intuitiva. Gramsci (2011b, p.222), ao contrário,
compreende que a intuição política se refere “a rapidez em ligar fatos aparentemente
estranhos entre si e em conceber os meios adequados ao fim, de modo a situar os interesses
em jogo e suscitar as paixões dos homens e orientá-los para uma determinada ação” e,
portanto, não se expressa no artista, mas no líder. Pois a expressão do líder é a ação, por
isso que Gramsci afirma que a “tradução” do “príncipe” de Maquiavel em linguagem
moderna só poderia ser o “partido”, o qual cria um sistema de princípios que tem como

124
La politica, scienza ed arte di Stato.
125
Inpirado no imperativo categórico kantiano, a deontologia foi introduzida em 1834, por Jeremy Bentham,
para referir-se ao ramo da ética cujo objeto de estudo são os fundamentos dos deveres e as normas morais. É
conhecida também sob o nome de “Teoria do Dever”.
101

finalidade o fim do Estado, o seu desaparecimento pela reabsorção da sociedade política


com a sociedade civil.
Desse modo, a concepção ontológica ou ortodoxa de Gramsci, não se restringe a
compreender o ser em si de modo estático, mas como contínuo movimento, apontando
sempre para as possibilidades de construção do devir, em que a necessidade dê lugar à
liberdade, à construção de novos tipos de “Estado”. O movimento da história é concebido
como continuidade na descontinuidade e as condições para o salto catártico social para um
novo modo de vida social precisam antes ser criadas a partir das condições imanentes da
existência para superar os becos sem saída da história, as sucessivas revoluções passivas,
revoluções-restauração em que a antítese não protagonizou a síntese e a superação da tese.
Para responder adequadamente à realidade, intervir, é necessária a investigação, a
compreensão dos meios, das mediações, das alternativas, das tendências, das correlações
de forças envolvidas, o conhecimento mais exato possível e das possibilidades
historicamente determinadas, ou seja, capturar o objetivo do ser-em-si em tudo para além
de falsas representações fomentadas pelo estranhamento. Para tanto, Gramsci desenvolve o
conceito de tradutibilidade como elemento que coopera com a construção de uma nova
hegemonia e contribui para superar a cisão entre dirigentes e dirigidos, na medida em que
traduzem a realidade contemporânea de seu tempo de forma unitária, na relação teoria e
prática, apanhando a permanência na contingência, a realidade na sua imanência, visando
realizar uma larga e profunda reforma intelectual e moral. Pois, “ao que parece, que só na
filosofia da práxis a “tradução” é orgânica e profunda, enquanto de outros pontos de vista
trata-se freqüentemente de um mero jogo de esquematismos genéricos” (GRAMSCI, 2011,
p. 185)
Na tradutibilidade de linguagens há identidade de identidade e não identidade e,
portanto, o “fenômeno” deve ser apreendido em cada linguagem na peculiaridade do seu
ser material e sua essência posta em concordância com as outras linguagens materialmente
definidas considerando as suas determinações particulares. Assim, temos uma insuprimível
interação entre tradutibilidade e dever-ser da realidade, em que a função do dever-ser é o
momento predominante, articulado com o metabolismo da sociedade com a natureza e as
mediações complexas vinculadas às formas originárias, rompendo, outrossim, com a
fetichização da razão ou dos fenômenos puros, voltada para a dominação fática do mundo
material e sua transformação concreta. Esta transformação perpassa pela disputa das ideias
que são difundidas pelas diversas formas de linguagens entrelaçadas com a política, no
102

terreno das ideologias pela qual se coloca em movimento a construção de uma hegemonia.
Como afirma Gramsci (2011, p.338) o “terreno no qual determinados grupos sociais
tomam consciência do próprio ser social, da própria força, das próprias tarefas, do próprio
devir”.
Nesse espectro um dos movimentos imanentes ao dever-ser do homem é, nesse
processo de interação, desenvolver certas qualidades e habilidades que se complexificam
na medida que a práxis se desenvolve e complexifica. Pois, a base ontológica de uma nova
forma de ser é uma determinada forma de ser factual, histórico-concreta, imanente, o que
implica uma análise das mediações, ou seja, a tradutibilidade dos graus de complexidade
próprios de cada esfera e das relações imbricadas, do quantum de velho tem no novo, a
qual se distancia de leituras mecanicistas que definem uma falsa hierarquia entre os
complexos estruturais e superestruturais e impele um processo de formação político-
pedagógica constante nesse volver de traduzir e operar a realidade.
Compreender essas relações, interações e determinações particulares, significa
compreender a amplitude revolucionária, isto é, que o processo de transformação radical da
sociedade não se restringe a uma específica esfera do real, à política – especialmente no
sentido restrito, historicamente determinado, à mera disputa política historicamente
determinada, neste caso à disputa de espaços dentro da estrutura política burguesa
institucional parlamentar - mas a uma total transformação em todo processo de produção e
reprodução que perpassa por todas as esferas e complexos e áreas sociais, desde o modo de
produção da vida nos diversos ramos da indústria e objetivações até às formas artísticas e
culturais, filosóficas, estabelecendo novas formas de se relacionar, a partir da lógica do
trabalho associado e livre. Por isso, traduzir as línguas nacionais que expressam uma
determinada cultura, e as linguagens científicas em correspondente linguagem filosófica,
política ou econômica, traduzir os velhos conceitos em contemporâneos, são
imprescindíveis para movimentar e transformar as bases sociais. Pois, conforme o autor
sardo,

Se estas três atividades [filosofia, política e economia] são os elementos


constitutivos de uma mesma concepção do mundo, deve existir
necessariamente, em seus princípios teóricos, convertibilidade de uma na
outra, tradução recíproca na linguagem específica própria de cada
elemento constitutivo: um está implícito no outro e todos, em conjunto,
formam um círculo homogêneo. (GRAMSCI, 2011, p. 209)
103

A existência imanente dos antagonismos de classes efetivada pela necessidade


econômica de desenvolvimento das forças produtivas necessárias para libertar o homem da
natureza, efetivou o surgimento dos conflitos e demandou/demanda a ação que determina
uma práxis voltada para escolha entre alternativas, e, portanto, o pertencimento a uma
classe e a participação na luta concreta, para a qual é necessário reconhecer o caráter
dinâmico da realidade e operar uma crítica ontológica da vida cotidiana em conexão com a
perspectiva consciente dos conhecimentos mais avançados e correspondentes em termos
filosóficos e científicos. Conforme Marx (1985, p. 271) “toda ciência seria supérflua se a
forma de manifestação e a essência das coisas coincidissem imediatamente”, portanto, é
preciso, conforme o autor sardo, apanhar a realidade pelos cabelos, fazer coincidir essência
e aparência e para tanto, é necessária a ciência, a tradutibilidade de linguagens da realidade
imanente na lógica da razão dialética, da dialética práxica.
104

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A filosofia da práxis desenvolvida por Gramsci, a partir dos fundamentos que


encontra especialmente em Labriola e Lenin, busca efetivar a recuperação do caráter
ontológico, e portanto, revolucionário do pensamento de Marx frente às concepções e
correntes revisionistas que se deixaram levar pelo reformismo e economicismo.
Essa tarefa que centra-se no processo de redialetização do marxismo, possibilita
recuperar a função social e histórica da filosofia da práxis enquanto teoria do
conhecimento, com seu caráter gnosiológico, e revolucionário pelo seu caráter ontológico
voltado para a compreensão, mas sobretudo, pelo seu caráter transformador da realidade
pela força das contradições imanentes que impulsionam a ação humana consciente.
Dessa forma, a filosofia da práxis, mormente a dialética práxica enquanto seu
componente, configura-se como o número de ouro da sequência histórico-social. Sequência
esta compreendida como movimento integral, omnilateral, síntese de teleologia e
causalidade, pensamento e ação que integram-se de forma unitária em todos os complexos
sociais, em toda a práxis.
Esta relação unitária constitui-se como imanente ao homem, porém uma imanência
terrena e profana, como totalidade concreta das objetivações humanas. Nesse sentido, que
a filosofia da práxis é educativa, pois conforme a terceira Tese sobre Feuerbach,
possibilita a tradutibilidade do real como tarefa de convertibilidade de linguagens em
relação recíproca, a qual expressa a totalidade social e possibilita a compreensão do “ser” e
vislumbrar as possibilidades reais e concretas de construção do “dever-ser” a partir da
compreensão da necessidade-liberdade, ou seja, a possibilidade da destruição do velho e a
construção do novo. Pois, a concepção dialética práxica rompe com a abstração metafísica
que transforma elementos reais em a-históricos, como a ideia de automatismo de mercado
do capitalismo, e recupera o nexo objetividade-subjetividade expressos na produção e
reprodução do ser social.
Nesse viés que a filosofia da práxis apresenta três significados, quais sejam:
gnosiológico, metodológico e ontológico. Este último compreende todos os outros, pois
pressupõe a totalidade das relações e a compreensão das complexas mediações para
intervenção sobre a possibilidade histórica do devir.
A unidade presente e possível pela dialética práxica recompõe a síntese histórica e
o movimento do ser social, enquanto estrutura e superestrutura humana com seu caráter
105

provisório e transitório. Essa visão, longe de pretender levar à concepções subjetivistas ou


idealistas, busca expressar o caráter unitário da relação teoria e prática, como relação em
constante movimento que impulsiona pela força das contradições e da atividade consciente
o processo de transformação radical das relações de produção e reprodução humana.
Para tanto, é necessário conhecer as mediações inerentes às contradições, conhecer
a correlação de forças em curso. Por isso, a filosofia da práxis é política porque é também
educativa, pois a partir da necessidade das classes subalternas forjarem seus próprios
intelectuais para atuar coletivamente conforme sua concepção de mundo e interesse de
classe, surge a necessidade de fomentar a formação de um intelectual militante que se
educa pela interação e integração com as massas, pela busca do conhecimento
historicamente acumulado, bem como, pela sua atuação sobre o mundo objetivo.
É dessa necessidade das classes subalternas de subverter a ordem vigente que
Gramsci propõe a formação do político em ato, como capaz de ser ele mesmo elemento de
contradição e força transformadora por sua capacidade crítica, inventiva e criadora de
novas formas de sociabilidade.
A tarefa do político em ato, do filósofo democrático centra-se na capacidade de
realizar a tradutibilidade imanente, isto é, operar uma tradução teórico-prática, unitária,
omnilateral e recíproca da filosofia e da política como desvelou Hegel sobre a
tradutibilidade da filosofia alemã na política francesa. O político em ato realiza-se,
sobretudo, enquanto elemento de partido, que aglutina, agrega as classes subalternas e
catalisa a vontade coletiva pela obtenção do consenso.
Essa força operosa individual e coletiva, no político em ato e no partido, representa
o caráter ontológico da filosofia da práxis, que parte das necessidades históricas para o
estabelecimento da liberdade. Liberdade das determinações da natureza e, especialmente,
da exploração do homem pelo homem.
106

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