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The White Lotus.

Uma série de verão para acabar de vez com a conversa da


silly season

Mini-série da HBO, transformou-se no grande fenómeno deste verão,


com uma sátira tão divertida quando devastadora que, sem nunca se
servir de estereótipos, espreita as vidas de um bando de hóspedes ricos
a passar férias num resort de luxo.

O mais desconfortante dos enigmas no nosso tempo é sem dúvida o


dinheiro. Este exerce uma força de atracção só comparável, entre as leis da
física, à da gravidade, e a sua influência sobre nós pode produzir todo o
tipo de distorções e até mesmo levar à loucura. Já alguém notou que hoje se
fala de dinheiro “como outrora se falava de Deus”, até pela sua
omnipresença, o seu inescapável poder de estruturar e hierarquizar as
relações, a forma como nos intima, como reina ou se intromete em tudo.
Todos vivemos de algum modo entre o deslumbramento e a ressaca dos
efeitos que este produz. E discutir a nossa época passa, necessariamente,
por entender a forma como este crescente polo magnético domina as nossas
vidas, seja na dinâmica social, política ou cultural. O escritor francês J.K.
Huysmans vê em acção “uma lei orgânica atroz”, tendo descortinado como
o dinheiro “torna lúbrico o indigente mais casto, actua de uma só pancada
no corpo e na alma, e a quem o possui sugere um egoísmo baixo, um
orgulho ignóbil, aconselha a gastá-lo apenas consigo próprio, do mais
humilde faz um lacaio insolente, do mais generoso um larápio”. E
acrescenta que, “sendo assim tão senhor das almas, o dinheiro ou é
diabólico ou não tem explicação”. Seria de esperar, por isso, que os
elementos dessa mecânica nos seus aspectos mais subtis ou grosseiros se
fizesse sentir como o vento forte das tragédias dos nossos dias, mas o lado
diabólico do dinheiro prende-se com, sendo a sua força constante, parece
desaparecer, e, no fundo, quase ninguém se sente à vontade em falar disso.
Nos últimos tempos, apesar de tudo, tem-se notado da parte de algumas
produções televisivas o desejo de reconhecer o poder desta divindade
terrena, e sinal disso é um conjunto de séries que um canal como a HBO
tem exibido e que exploram a função de status que o dinheiro confere, o
privilégio nessa degenerada lógica daqueles que se comportam de forma
intolerável com aqueles que não gozam das suas graças. Alguns exemplos
são séries como Sucession, The Undoing, Big Little Lies, lista à qual se
junta agora a delirante sátira de seis episódios The White Lotus, que foca
aqueles que se situam no topo da cadeia alimentar, o chamado 1%, e isto
quando vão de férias. Coagulando as tensões que atravessam esta mini-
série de seis episódios, escrita e realizada por Mike White (criador com
Laura Dern da série Enlightened, exibida há uma década no mesmo canal),
The White Lotus explora esse regime de distorções e patologias que o
dinheiro provoca, e o género de delírios ou as estratégias defensivas dessa
elite de ricos, brancos, norte-americanos. Com uma trama que se safa de
forma exuberante enchendo o prato num buffet digno do mais luxuriante
dos resorts, os elementos trágicos misturam-se aos cómicos naquela que se
impôs como a série deste verão e, talvez até, do ano, numa obra que nos faz
ver como o Inferno planta a sua semente viciosa até na mais edénica das
paisagens, levando o Paraíso a ficar de joelhos, e isto numa ao mesmo
tempo cativante e reflexiva, registando notas de hilaridade enquanto
consegue provocar-nos sem, no entanto, resvalar para o tom da pregação
moral. Rodado durante a pandemia no Four Seasons Resort da ilha Maui,
no Havai, esta sátira social encabeça uma lista crescente de apostas que
contornam os constrangimentos da pandemia, com os canais de streaming a
darem luz verde a produções que possam ser filmadas em autênticas
bolhas. Assim, embora não haja referências à crise que o mundo enfrenta,
há uma sensação de apocalipse iminente nesta série, mas também em certas
alturas tempos a sensação de que os hóspedes ricos desta estância são
sobreviventes de um cataclisma que persiste alhures. E em grande medida a
atracção desta série liga-se a um tom zombeteiro como disseca esse cenário
paradisíaco que alimenta a era do Instagram, em que através de
instrumentos ao alcance de qualquer um, toda a gente no planeta parece
investida em provar que habita o seu recanto de esplendor e goza de uma
certa beatitude.
Mike White foi acordado do estupor em que a maioria de nós foi
precipitado ao fim de meses de confinamento por uma proposta de uma
executiva da HBO que lhe perguntou se seria capaz de esticar um
orçamento de três milhões de dólares para filmar qualquer coisa de
excitante numa localização fora do mundo. Obcecado com a chamada
reality tv, tendo participado em programas como The Amazing Race e
Survivor, White aproveitou a sua experiência nesse género, e soube
traduzir a sensação de claustrofobia e paranoia na forma como hóspedes e
funcionários circulam e se cercam como animais numa jaula. The White
Lotus serve-se de todos os ganchos possíveis, de uma banda-sonora que
consegue ser simultaneamente enervante e espirituosa, e instala-se desde a
primeira cena um hipnótico registo que promete deixar-nos em pulgas, não
apenas pela acção constante, com um elenco de estrelas de segunda que
atingem todas o ponto alto das suas carreiras, servindo diálogos selvagens e
carregados de segundas leituras, nessa mistura de comédia negra e drama
perpassada por uma sensação de ameaça em pano de fundo. White traz a
lição muitíssimo bem estudada, e nutre-se dessa tendência hoje comum a
tantas série e que foi beber a Agatha Christie aquele esquema de abertura
que começa com uma morte e depois nos faz recuar e ver como aquele
desfecho foi engatilhado, isto enquanto a audiência assiste e anota certos
detalhes e os examina à lupa tentando adivinhar a resolução. Essa abertura
leva-nos a uma sala de embarque, onde Shane (Jake Lucy) é interpelado
por um casal que passou uma semana de férias num outro resort e quer
digerir o tempo de espera numa sessão de cavaqueira, e ele não demora a
deixar claro que está do outro lado do espectro, e viveu na verdade uma
semana de férias infernal. Livra-se depressa dos dois, e chega-se às janelas,
para observar um caixão a ser elevado para o avião que os levará dali.
Momentos antes, soubéramos por essa conversa interrompida que Shane
(agora sozinho) estava na sua lua de mel no resort que dá nome à série e
que ali ocorreu um homicídio. Apesar deste gesto de ilusionismo que nos
chama a atenção para uma zona de mistério, a série não demora a
evidenciar que o dinheiro é a sua verdadeira força motriz, quando tudo
cheira a dinheiro, e parece dar-se a inversão daquele verso bíblico que nos
diz ser mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um
rico entrar no Reino dos céus. Aqui até a luz do sol, naquela densidade que
banha tudo a ouro, parece um privilégio dos ricos. “Sempre quis fazer uma
série sobre um casal em lua de mel. Algo sobre dinheiro, alguém que se
casa com um endinheirado e percebe o que pode ter perdido”, disse White
numa entrevista à New Yorker. “A troca faustiana que acontece quando se
quer um estilo de vida, mas também se quer manter a independência. Só
que em vez de me concentrar apenas na lua de mel de um casal, constelei a
série com muitas pessoas a debaterem-se com ideias sobre dinheiro. Quem
o tem pode realmente criar a dinâmica de um relacionamento, o
relacionamento em si, o sentido de identidade. O dinheiro pode perverter as
nossas relações mais íntimas, além da relação funcionário-hóspede no
hotel.”
Depois daquela cena inicial, há uma variação mordaz do tom com que
éramos recebidos noutras produções televisivas em tempos mais afáveis,
menos cínicos e também muito menos acutilantes. Vemos a equipa dos
funcionários perfilados e a acenar à chegada de um barco que traz o grupo
de oito hóspedes VIP em torno dos quais se centrará a trama. São os
escravos no paraíso, aqueles de quem se espera que antecipem todas as
necessidades dos clientes, permanecendo sempre a um gesto de distância
sem, no entanto, se fazerem notar. Como explica o gerente do resort
Armond (Murray Bartlett) a uma estagiária: “É bom que a tua presença e
identidade não se tornem demasiado específicas. O que queres é ser o mais
genérica possível.” Na sua instrução à funcionária nativa do havai (como
tantos outros elementos do staff), este personagem que funciona como o
pivô da acção, exibe aqui uma noção profunda das regras do jogo,
lembrando que os convidados contam com uma espécie de suave e
agradável subalternidade, para que o seu comando se exerça sem qualquer
tipo de remorso. “É-nos pedido que desapareçamos por trás das nossas
máscaras”, vinca ele. “É uma espécie de Kabuki tropical!”
Armond instrui ainda esta estagiária para que se dirija aos hóspedes de
modo a fazê-los sentirem-se como pequenas crianças a cargo do resort
cujos caprichos devem ser satisfeitos sempre que possível. Nesta cena do
primeiro episódio é desvelado um organigrama que nos mostra como,
apesar de sustentar um regime absolutamente vergonhoso, o dinheiro
funciona como uma razão em estado exasperado, uma forma de loucura,
que, por não ter nada que lhe seja exterior, exerce a sua ficção de forma
totalitária, disciplinando severamente quem quer que ouse pô-la em causa,
e, como ninguém ali é parvo, todos sabem o papel que lhes cumpre, ficando
também claro que, por mais mimados, auto-envolvidos e neuróticos que
sejam os personagens, White tem afecto por cada um deles, e recusa-se a
servir-se de meras caricaturas para organizar este espelho paródico mas
bastante fiel da nossa sociedade. Assim, cumpre ao capitão deste barco em
terra, garantir que estas crianças mimadas que, pela virtude do dinheiro que
possuem foram confiadas aos seus cuidados, são preservadas do tédio. E a
sua receita é simples: sempre que se enfadam, há que recordar-lhes as
coisas maravilhosas que já têm, isto porque todos eles são como pequenas
crianças, e o resort são os seus pais, diz ele, e a sua tarefa é lembrá-los de
que todos eles são especiais. Apesar de um horizonte bastante limitado, o
olhar sobre o dinheiro que esta série nos oferece ressoa amplamente, e,
como escreveu a crítica de televisão do El País Laura Fernández, traça uma
radiografia de uma sociedade enferma de ego, de um eu estratosférico e que
se impede de ver o outro, mesmo quando o outro está a passar por um
momento de crise profunda ou vulnerabilidade à nossa frente. E se neste
lugar ao qual chegámos, onde uns gozam férias sobre a invisibilidade dos
outros, ninguém consegue ver o outro é porque, no fundo, já ninguém tem
coragem de se encarar a si mesmo. Mesmo os traços mais odiosos não nos
repugnam simplesmente, porque não se ficam por aí. O vazio que ronca
como um estômago e que faz as vezes da alma destes personagens, atrai-
nos como um abismo que, de forma estranha, não deixa de ser comovedor.
White pinta através de camadas, e se o tom sardónico é aquele que serve de
verniz no acabamento final, não apaga a sinceridade com que estima estas
existências mesmo se estão para lá da redenção. E o grande triunfo nesta
penetrante e perturbadora análise da nossa época revela-se no apurado
ouvido que ele tem para a forma como hoje as pessoas transformam o que
lhes resta de idealismo numa arma, numa atitude defensiva que parte cedo
para a agressão. Como escreve James Poniewozik, crítico televisivo do The
New York Times, White entende como a linguagem da auto-preservação e
da auto-ajuda pode esconder uma forma embotada do bom velho egoísmo.
“Mas o reverso da moeda, é que ele é um escritor suficientemente generoso
para descobrir a vulnerabilidade até mesmo nos seus personagens mais
irritantes.”

White’s signature tone is sardonic and sincere at the same time. He has
an ear for how people can weaponize idealism; he understands how the
language of self-care and self-help can gussy up plain old self-interest.
The flip side of this is that he is a generous enough writer to find the
vulnerability in even his most grating characters.

By James Poniewozik

In the first of six episodes, Armond tells Lani to make each guest feel like
the “special chosen baby child of the hotel.” These baby children include
the Mossbacher family: Nicole (Connie Britton), a Sheryl Sandberg-like
tech C.F.O.; her beta husband, Mark (Steve Zahn); their porn-addicted
sixteen-year-old son, Quinn (Fred Hechinger); and their daughter, Olivia
(“Euphoria” ’s Sydney Sweeney, once again playing a parent’s nightmare),
a bitchy, performatively woke college sophomore, who has brought along a
friend, Paula (Brittany O’Grady). There is the obligatory newlywed couple
—Shane (Jake Lacy), a real-estate scion in a Cornell baseball cap, and his
wife, Rachel (Alexandra Daddario), a clickbait journalist who, hours into
her honeymoon, is starting to have second thoughts. There is also Tanya
(Jennifer Coolidge), a lonely alcoholic who carries around her dead
mother’s ashes in an ornate gilt box. The chief coddlers are Belinda
(Natasha Rothwell), a soothing, long-suffering spa manager, who is
perhaps the only truly likable character on the show, and Armond, a
mustachioed dandy and a recovering addict whose sobriety is tested by his
stressful job.

"White's characters can be monstrous, but they are so carefully wrought


(down to the paperbacks that they're pretending to read on their sun
loungers) that they also feel painfully human."

The Guardian's Lucy Mangan also gave the series full marks, labelling
it "a magnificently monstrous look at how the other half live".
"None of the guests is wholly villainous," she said. "White is too good to
make it that easy for us: the entire point has to be their horrifying
relateability.

The Independent's Ed Cumming suggested the "brilliant ensemble cast"


and the script "never relaxes into easy stereotypes".

And money defines the character relationships, not just between the guests
and staff but among the guests. There’s the Mossbacher family: Nicole
(Connie Britton), a high-level executive; her husband, Mark (Steve Zahn),
who seems to feel emasculated by her success (he’s having a health scare
literally involving his testicles); their son, Quinn (Fred Hechinger),
alienated and living inside his phone; and their coolly terrifying daughter,
Olivia (Sydney Sweeney), whose sidekick Paula (Brittany O’Grady) is
bound by the unwritten rule that she must never have anything that Olivia
doesn’t.

Also poolside are the newlyweds Shane (Jake Lacy) and Rachel (Alexandra
Daddario), on a honeymoon that his wealthy family paid for. While she
wonders if she’s rushed into a marriage in which she’s a second-class
citizen, he becomes obsessed with the suspicion that Armond has put them
in a premium suite that’s slightly less premium than the one they booked.

You can see this in Tanya (Jennifer Coolidge), who steps off the V.I.P. boat
in a depressive haze, with a plan to scatter her dead mother’s ashes at the
resort. She could easily tilt into a ditzy-rich-lady caricature, but instead, she
has a damaged authenticity and flashes of self-awareness. You feel for her
— yet this doesn’t excuse the emotional-vampire bond she develops with
the spa manager, Belinda (Natasha Rothwell), another one-sided
relationship dominated by the person paying the room charges.

Last September, the writer-director Mike White checked into a recently


reopened but still deserted Four Seasons on Maui. He was the first guest
since March. The staff gave him a standing ovation.

White, 51, does not look like a man who benefits from extended equatorial
stints. “I’m not tannable,” he said, a friendly ghost in the Zoom window.
“I’m albino, practically.”

Though he made time for the occasional poolside cocktail, White mostly
spent the long tropical days shooting and editing “The White Lotus,” the
six-episode limited series that debuts on HBO on July 11. It is the first
show White has created since the canceled-too-soon “Enlightened,” which
aired about a decade ago, and it shares that earlier series’s conviction that
living your best life usually pushes a lot of other people into living worse
ones.
A spiny satire of privilege set almost entirely at a luxury resort a lot like the
Four Seasons, “The White Lotus” scrutinizes the interactions between
guests and staff, most of them as toxic as a blowfish liver. Following a year
in which few people could safely and sensibly travel, the show offers the
consoling thought that maybe tropical vacations were never that great
anyway.

About 10 years ago, White bought a writer’s retreat on the Hawaiian island
of Kauai. He often spends half the year there. He has read up on Hawaii’s
history, particularly the wounds U.S. imperialism has inflicted. And he has
thought about the ways in which people like him keep those wounds from
healing. As a kid, he loved luau night, when hotel employees would don
traditional dress and dance for the guests. He thinks about that experience
differently now.

“There’s something about vacationing in other people’s realities,” he said.

While White’s stories typically focus on a sole protagonist, “The White


Lotus” is an ensemble piece, with multiple subplots exploring the
perversions of power against a background of astonishing natural beauty.
Actors quickly signed on, even though the salaries were unspectacular.

Nesta sátira realizada pelo norte-americano Mike White para a HBO,


temas como o preconceito sexual, o colonialismo e o fosso entre ricos e
pobres são protagonizados por personagens que simultaneamente
odiamos e nos cativam.

These guests include the Mossbachers - a tech millionaire mum who works
through the holiday, her chronically beta male husband, her son who won’t
stop looking at his phone and her performatively right-on daughter, Olivia,
and her friend, Paula, who both self-medicate their way through the
holiday.
They have alternately been compared to the Greek chorus, saying what we
really think about their holiday companions and also Macbeth’s witches. If
you have ever felt that teenage girls are terrifying, constantly judging you,
you will quake in fear watching this pair.

O sucesso de The White Lotus, minissérie da HBO que terminou esta


semana, não vem a ser uma anomalia para a emissora. Nos últimos anos, a
rede vem colhendo bons frutos com o segmento “os ricos também choram”.
Basta acompanhar os números do revival  Gossip Girl, ou pela quantidade
de prêmios que  Succession  vem empilhando na prateleira.

Sem muitos sucessos no currículo, com a exceção de Escola do


Rock (2003) - filme no qual ele roteirizou e tem um pequeno papel ao lado
de Jack Black - e, agora, The White Lotus, o realizador é visto como
um “estranho de luxo” em Hollywood.
 Com The White Lotus renovada para uma segunda temporada, ainda sem
data de estreia, que vai acontecer em um novo hotel da rede de resort
fictícia (e com direito a um novo enredo e elenco), 

En este The White Lotus (HBO), la serie más veraniega de la historia, con


permiso de la adorable y titánica Vacaciones en el mar, más contenedor de
historias que historia en sí misma, blande la espada de sus diálogos salvajes
contra el deshumanizado y desesperado universo del rico. Y, al hacerlo, da
un repaso al primer mundo, que obvia e ignora, cruelmente, todo aquello
que no tiene que ver con él.

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