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I. Introdução
O presente trabalho visa estudar quais os impactos sobre a especialização produtiva
brasileira no setor agropecuário, em especial no que se refere aos impactos que a
desindustrialização gerou na economia do país. Esse fenômeno, que faz parte do ciclo natural
do desenvolvimento econômico, pode trazer consequências positivas para alguns países, os
desenvolvidos. No entanto, no caso de países emergentes, traz consequências que podem
desacelerar o desenvolvimento de um país, fato que será abordado à frente.
A especialização no setor agropecuário é um dos fatores que acompanham esse
movimento de desindustrialização. Nesse artigo, serão abordados os impactos que esse
aprimoramento do setor causam no país e seus efeitos no desenvolvimento econômico, visto
que a exportação de bens do setor agropecuário é majoritária no Brasil e vêm crescendo, com
aumento da demanda vindo de países emergentes, principalmente.
II.B Os impactos
Em simulações de acordos comerciais com a China, no caso de eliminação de 100%
das tarifas, verificou-se que o Brasil apresenta diminuição da produção de carnes (-0,2%),
madeira (-2,6%) e de produtos de papel (-0,3%). Já oleaginosas e cana de açúcar tiveram
aumento de produção, em cerca de 1,8% e 0,9%, respectivamente. Além disso, produtos com
baixa intensidade tecnológica também observaram aumento de 1,6% no Brasil.
Nessa mesma situação, verificou-se uma ampliação de 49,6% de exportação de carnes
do Brasil para a China, e de 5,8% em se tratando de oleaginosas. Outros produtos de baixa
intensidade tecnológica apresentaram o altíssimo crescimento de 492,3% no estudo. Além
disso, um acordo nesses termos poderia beneficiar os 2 países com relação ao bem-estar, com
um ganho agregado de US$2,5 bilhões no Brasil, dada uma melhor alocação de recursos.
Considerando agora uma situação na qual a redução de tarifas entre Brasil e China
seria de 50%, haveria uma redução menor de madeira, em cerca de -1,02%, e em carnes,
cerca de -0,04%. As oleaginosas manteriam o aumento, em torno de 1,0%, assim como a cana
de açúcar, em 0,07%. Em termos de comércio, nesse caso o Brasil sofreria com uma redução
de exportações generalizada. Além disso, o ganho agregado de bem-estar no Brasil seria em
torno de US$1,5 bilhão.
Analisando a situação com os Estados Unidos, já é possível perceber resultados um
pouco diferentes. Com eliminação total das tarifas, haveria uma redução da produção nos
setores de produtos florestais (madeira e papel, com -0,6% e -0,1%, respectivamente), mas
um crescimento da produção com relação a oleaginosas e carnes (0,2% e 0,1%). Com relação
às exportações, o impacto seria um pouco menor do que no caso da China: destaca-se o
aumento da exportação de oleaginosas e carnes, em 21,1% e 11,9%. Além disso, em questão
de produtos florestais, haveria um crescimento de 47,5% em madeira e 32,6% em papel. Em
termos de bem-estar, a remoção das tarifas não seria benéfica, com uma perda no bem estar
agregado em cerca de US$343,9 milhões negativos, principalmente por conta de uma piora
nos termos de troca.
No cenário de redução parcial das tarifas, a produção teria um resultado quase igual,
mas com uma proporção menor, assim como o comércio. Em termos de bem estar, ao
contrário do primeiro cenário, o Brasil sofreria impactos positivos porém pequenos, com um
ganho de cerca de US$177 milhões.
Olhando agora para a União Europeia, numa situação de suspensão de 100% das
tarifas haveria uma grande expansão no setor de carnes (32,3%), e um crescimento bem
menor em cana de açúcar, de 0,7%. Além disso, observa-se uma redução no nível de
produção de produtos florestais e oleaginosas, em pequena escala. Em termos de comércio,
haveria o maior impacto, com um ganho de 970,2% em exportações de carne. O bem estar
teria ganhos nesse cenário, de US$7 bilhões de dólares, por conta da melhor alocação de
recursos.
Na situação de uma diminuição parcial das tarifas com a União Europeia, o Brasil
sofreria aumentos de produção menores do que no caso da diminuição total. As exportações
de carnes e oleaginosas seriam aumentadas em 118,6% e 25,1% respectivamente, além de
aumentos também em produtos florestais. Os ganhos de bem estar seriam menores, mas
seriam positivos, em cerca de US$2,5 bilhões.
Ou seja, o Brasil teria ganhos em praticamente todos os cenários em uma situação de
acordos e parcerias comerciais. Principalmente no setor agropecuário, no caso de oleaginosas
e carnes, haveria aumentos de exportação e de produção, além de bem estar agregado. Com a
especialização nesses produtos, tudo o mais constante, uma liberalização da economia
poderia trazer resultados muito positivos para o país, dado que esse setor é o mais expressivo
no Brasil.
III. Conceituação de desindustrialização e seus diferentes tipos
Nas próximas páginas abriremos a discussão sobre a relação entre os dados obtidos
anteriormente com possíveis “efeitos colaterais” adversos, que podem ser maiores, se
considerados como processos a longo prazo e conjuntamente, do que os ganhos advindos do
livre comércio com especialização agropecuária quando se considera tudo mais constante.
Antes de iniciarmos o ponto principal de explicar as consequências ruins para o
desenvolvimento do país, precisaremos tratar de uma diferenciação importante entre
desindustrialização “natural” e “saudável” de um processo nocivo que acontece em países
não desenvolvidos.
Para entender informações futuras do presente artigo, é importante ter em mente o
conceito de desindustrialização feito por Cruz, Nakabashi, Porcile e Scatolin (2014), que o
trata como perda de participação do setor no produto e no emprego, e por isso a maioria dos
cálculos ou demonstrações sobre o tema se darão sobre o valor adicionado sobre o setor
industrial no PIB e sua variação, assim como variação do emprego em cada um dos grandes
setores econômicos (agropecuária, indústria e serviços).Os mesmos autores também nos
ajudam a elucidar os diferentes tipos de desindustrialização. No tipo que ocorre em países
avançados, o processo ocorre como uma consequência natural do dinamismo industrial, como
consequência do aumento de produtividade, que justamente age a favor da competitividade.
Dessa forma, a perda de empregos no setor se deve ao aumento de produtividade, e esse
aumento passará a ocorrer também em outros setores, como serviços ligados às novas
tecnologias, e assim outros setores crescerão e representarão maior parcela do PIB, reduzindo
o tamanho relativo da indústria em relação ao PIB. Ao contrário desse processo, o Brasil e
outros países não desenvolvidos passaram a se desindustrializar em um cenário de aumento
baixo de produtividade e renda per capita relativamente baixa.
Para demonstrar o processo de desindustrialização, mostraremos primeiro quanto o
Brasil, junto de outros países do cone sul, tiveram uma queda abrupta da parcela de
trabalhadores no setor industrial comparado com todas as outras regiões do mundo, passando
da posição com a segunda maior porcentagem de trabalhadores no setor, para penúltimo,
devido ao inicio de políticas liberalizantes segundo Palma (2005), tema que será melhor
explorado no decorrer da argumentação. Podemos ver a situação descrita na tabela 1.
Apesar dos dados alarmantes do Brasil e dos outros países do cone sul em relação ao
emprego na indústria, os países desenvolvidos também tiveram níveis de de emprego
reduzidos nessa área. A diferença, como apontam Cruz, Nakabashi, Porcile e Scatolin (2014)
é de que nos países com desindustrialização “natural”, as taxas de crescimento do produto na
indústria e no setor de serviços foram muito semelhantes, enquanto que no Brasil, no período
entre 1986 e 2005 foram de 1,98% na indústria, 1,81% na indústria de transformação, que é
mais relevante do ponto de vista tecnológico, e 2,8% em serviços (considerando os anos 80,
chamado de “a década perdida, que mantinha baixos níveis de investimento, e também anos
próximos da análise que foi feita sobre o emprego no setor).
Tabela 1: Taxa de variação no emprego industrial
Apesar dos dados alarmantes do Brasil e dos outros países do cone sul em relação ao
emprego na indústria, os países desenvolvidos também tiveram níveis de de emprego
reduzidos nessa área. A diferença, como apontam Cruz, Nakabashi, Porcile e Scatolin (2014)
é de que nos países com desindustrialização “natural”, as taxas de crescimento do produto na
indústria e no setor de serviços foram muito semelhantes, enquanto que no Brasil, no período
entre 1986 e 2005 foram de 1,98% na indústria, 1,81% na indústria de transformação, que é
mais relevante do ponto de vista tecnológico, e 2,8% em serviços (considerando os anos 80,
chamado de “a década perdida, que mantinha baixos níveis de investimento, e também anos
próximos da análise que foi feita sobre o emprego no setor).
Mesmo com a desvalorização da moeda nacional entre 2015 e 2020, houve uma
tendência de estagnação e até queda da variação do valor adicionado da indústria no PIB,
como se vê na tabela 2.
Tabela 2
Nesse mesmo período, o preço das commodities sofreu uma tendência de queda até
2016 onde ocorreu o ápice, e depois voltou a subir continuamente, segundo o FMI (2021).
Assim, vemos que a tendência do câmbio não foi suficiente para melhorar o desenvolvimento
da atividade industrial, ao mesmo tempo em que o setor agropecuário apresentou avanço
mesmo em um ano com variação negativa do PIB. Fica claro que o aumento de preço
internacional foi largamente aproveitado por um setor vantajoso no país. Para compreensão
dessa realidade é importante ressaltar a diferenciação feita por Palma (2005) entre a doença
holandesa “normal” e doença holandesa “descendente”. O primeiro caso trata de um país
(Holanda) que ao longo da história apresentou vantagens para desenvolver indústria e com
ela poder apresentar superávits comerciais, enquanto que o segundo caso representa países
com o Brasil, que passaram por um processo “forçado” de industrialização por substituição
de importações. Então, quando na década de 1990 o país passa a adotar uma política
industrial e comercial mais liberal, esse processo é interrompido e o país é capaz de (e deseja)
obter superávit na balança comercial com exportação agropecuária. Tendo isso em mente, se
compreende que apenas mudanças de variáveis macroeconômicas em períodos curtos não são
fortes o suficiente para reverter a tendência à desindustrialização e que há uma relação clara
entre liberalização, avanço agropecuário e desindustrialização.
Gráfico 2: Evolução da produtividade por hora trabalhada para os três grandes setores
da economia e para o agregado - Brasil: 1995 até 2018 - Em R$ de 2017
V. Importância da Industrialização
A análise do gráfico anterior e comparação com dados de países mais desenvolvidos
deixa claro que o país apresenta uma defasagem tecnológica que dificulta o aumento de
produtividade e pareamento com aqueles outros países. A explicação para isso é que a
industrialização promove grandes avanços tecnológicos no intuito de diminuir custos e
aumentar produtividade, e esse avanço tem implicações positivas em vários outros setores da
economia. Como argumenta Furtado (1972) “a atividade industrial condiciona o
comportamento global da economia e os investimentos industriais são o canal por onde
penetra o progresso tecnológico.” (p. 34). Uma evidência empírica que corrobora com essa
afirmação é a correlação positiva encontrada por Cruz, Nakabashi, Porcile e Scatolin (2014)
entre o crescimento da indústria de transformação e a taxa de crescimento do PIB feito a
partir de valores médios entre 1986 e 2004, mostrada no gráfico 3.
Com base nessa metodologia, analisamos a correlação entre o PIB e dois dos três
principais setores da economia: agropecuária e indústria. Obtivemos uma correlação ainda
mais clara entre indústria e PIB do que no gráfico que considera diferentes países tirando
como base os anos mais recentes da história do Brasil (2002 a 2020), ou seja, depois das
décadas onde impactos pontuais prejudicaram a indústria como foi demonstrado
anteriormente (gráfico 4).
É importante ter em mente que, segundo a Embrapa (2021), o Brasil é o quarto maior
produtor de grãos e o maior exportador de carne bovina do mundo. Quando analisamos tanto
o gráfico 5 quanto gráfico 2, é possível argumentar que esse setor tem um “efeito colateral”
de desenvolvimento da economia fraco, pois apesar do desempenho ser um dos maiores do
mundo, o avanço que ele tem gerado na produtividade não é tão significativo, e a variação
dele não se relacionar de forma expressiva com a variação do PIB.
Outra forma de avaliar o setor e sua capacidade de influenciar positivamente o
desenvolvimento econômico é através da capacidade de geração de empregos e também uma
avaliação qualitativa desses empregos. Como podemos ver nas tabelas 4 e 5 que retratam
dados da primeira década dos anos 2000 (os anos estão limitados pela abrangência do
relatório produzido pelo Ipea), o setor agropecuário tem diminuído a sua porcentagem
relativa de geração de empregos ao longo dos anos, enquanto que a geração de emprego pelo
setor industrial de transformação tem se mantido estável, mesmo que os efeitos negativos
surgidos em décadas anteriores desfavoráveis a esse setor continuassem agindo. Em outras
palavras, os ganhos de produtividade (vistos no gráfico 2) do setor agropecuário diminuíram
a necessidade de trabalhadores. Quando se trata da indústria, isso se traduz em
desenvolvimento também de outras áreas e aumento da renda média da população, como já
argumentado anteriormente. Mas como vemos, no caso da agropecuária isso não gerou um
aumento significativo da produtividade no agregado, e manteve o Brasil em desvantagem
frente aos países da OCDE. Além disso, como se nota na tabela 4, os salários no setor se
mantiveram como os mais baixos entre todos os setores. Apesar da indústria extrativista, que
se relaciona com o setor agropecuário, apresentar o maior salário médio no último ano
considerado, a porcentagem de pessoas que ele emprega é extremamente reduzida. A
argumentação ajuda a demonstrar que a desindustrialização (e domínio do setor
agroexportador na pauta de exportação) está associada a um menor desenvolvimento
econômico e social.
Fonte: SCN/IBGE.
Tabela 4: Salário médio real a preços constantes de 2012, por doze atividades do SCN
Fonte:
VII. Conclusão
O estudo de Buchmann, Massuquetti e Azevedo (2019) demonstrou pelo modelo de
equilíbrio geral a tendência do Brasil a se especializar ainda mais na produção de produtos de
baixa complexidade tecnológica caso não houvessem tarifas que dificultam o comércio,
chegando a conclusão de que essa especialização traria ganhos na casa dos bilhões caso as
tarifas levantadas fossem em relação ao comércio com a China e a União Européia, enquanto
que apenas o comércio com os EUA prejudicaria o Brasil.
Mas o questionamento que o presente artigo levantou foi de considerar o que ocorreria
no longo prazo, no caso em que as demais variáveis que influenciam o comércio não
estivessem constantes para a comparação comercial. Nesse sentido, demonstramos que,
devido a especialização de acordo com o modelo ricardiano e efeitos da doença holandesa por
muitos períodos históricos considerados, a especialização tenderia a afetar o nível de
industrialização do país. A desindustrialização pode não ser um processo que reduza o
bem-estar, desde que realizada de forma “natural” em países desenvolvidos, diferentemente
do que ocorreu em outros países como Brasil, onde ela foi marcada por perda de
competitividade internacional no setor.
Existem diversas consequências negativas da desindustrialização nociva atrelada ao
crescimento do setor agropecuário, como limitação do desenvolvimento tecnológico e a
estagnação da produtividade do trabalho, fenômeno evidente no caso brasileiro. Dessa forma,
os trabalhadores que perderam empregos na indústria irão para atividades de pouca
produtividade e a renda per capita tende a se manter baixa, enquanto que o setor exportador
agropecuário apresenta pouco poder de influenciar positivamente o desenvolvimento do país,
já que não possui o mesmo efeito dinâmico que a indústria no avanço da produtividade e
geração de empregos de alta renda.
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