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Impactos da especialização produtiva para além de uma análise ceteris

paribus

Julia Carneiro Gonçalves Baptista, nº USP 9269816


Paola Bottini Abrão, nº USP 11239383

I. Introdução
O presente trabalho visa estudar quais os impactos sobre a especialização produtiva
brasileira no setor agropecuário, em especial no que se refere aos impactos que a
desindustrialização gerou na economia do país. Esse fenômeno, que faz parte do ciclo natural
do desenvolvimento econômico, pode trazer consequências positivas para alguns países, os
desenvolvidos. No entanto, no caso de países emergentes, traz consequências que podem
desacelerar o desenvolvimento de um país, fato que será abordado à frente.
A especialização no setor agropecuário é um dos fatores que acompanham esse
movimento de desindustrialização. Nesse artigo, serão abordados os impactos que esse
aprimoramento do setor causam no país e seus efeitos no desenvolvimento econômico, visto
que a exportação de bens do setor agropecuário é majoritária no Brasil e vêm crescendo, com
aumento da demanda vindo de países emergentes, principalmente.

II. Impactos da liberalização da economia sobre a agropecuária:


produção, comércio e bem-estar
Na exportação brasileira destacam-se os produtos do agronegócio, que têm visto um
aumento de preços e da demanda mundial, principalmente por parte dos países emergentes. O
complexo da soja, as carnes, o complexo sucroalcooleiro e os produtos florestais se destacam
na pauta exportadora brasileira.
Um estudo de Buchmann, Massuquetti e Azevedo (2019) analisou quais os impactos
nas oportunidades de comércio simulando uma possível integração comercial do Brasil com a
China, os Estados Unidos e a União Europeia, seus maiores parceiros comerciais. A formação
de blocos e acordos econômicos podem afetar de maneira significativa a produtividade e
volume de comércio dos países de dentro e de fora do acordo, e portanto o estudo visa
analisar e quantificar esses impactos dentro do país.
II.A. O modelo de equilíbrio geral
No estudo de Buchmann, Massuquetti e Azevedo, é utilizado o modelo de equilíbrio
geral para análise de preços e níveis de produção no que se refere aos termos de troca
internacionais. São assumidos retornos constantes de escala e competição perfeita nas
atividades de produção e consumo.
Destaca-se principalmente os 4 principais setores de exportação brasileira: as
oleaginosas, o açúcar de cana, as carnes e os demais produtos primários, como arroz, trigo,
cereais, frutas, vegetais, produtos de origem animal, óleo, carvão, gás e gorduras. Os mais
protegidos são os de baixa intensidade tecnológica e produtos de madeira, e as tarifas de
importação do Brasil são maiores para a China do que para os demais países em praticamente
todos os setores. Com isso, o estudo avaliou os efeitos de uma integração entre Brasil e
China, Brasil e EUA e Brasil e UE, a partir de simulações que eliminam as tarifas do
comércio bilateral em 2 situações: redução de 100% e redução de 50%.

II.B Os impactos
Em simulações de acordos comerciais com a China, no caso de eliminação de 100%
das tarifas, verificou-se que o Brasil apresenta diminuição da produção de carnes (-0,2%),
madeira (-2,6%) e de produtos de papel (-0,3%). Já oleaginosas e cana de açúcar tiveram
aumento de produção, em cerca de 1,8% e 0,9%, respectivamente. Além disso, produtos com
baixa intensidade tecnológica também observaram aumento de 1,6% no Brasil.
Nessa mesma situação, verificou-se uma ampliação de 49,6% de exportação de carnes
do Brasil para a China, e de 5,8% em se tratando de oleaginosas. Outros produtos de baixa
intensidade tecnológica apresentaram o altíssimo crescimento de 492,3% no estudo. Além
disso, um acordo nesses termos poderia beneficiar os 2 países com relação ao bem-estar, com
um ganho agregado de US$2,5 bilhões no Brasil, dada uma melhor alocação de recursos.
Considerando agora uma situação na qual a redução de tarifas entre Brasil e China
seria de 50%, haveria uma redução menor de madeira, em cerca de -1,02%, e em carnes,
cerca de -0,04%. As oleaginosas manteriam o aumento, em torno de 1,0%, assim como a cana
de açúcar, em 0,07%. Em termos de comércio, nesse caso o Brasil sofreria com uma redução
de exportações generalizada. Além disso, o ganho agregado de bem-estar no Brasil seria em
torno de US$1,5 bilhão.
Analisando a situação com os Estados Unidos, já é possível perceber resultados um
pouco diferentes. Com eliminação total das tarifas, haveria uma redução da produção nos
setores de produtos florestais (madeira e papel, com -0,6% e -0,1%, respectivamente), mas
um crescimento da produção com relação a oleaginosas e carnes (0,2% e 0,1%). Com relação
às exportações, o impacto seria um pouco menor do que no caso da China: destaca-se o
aumento da exportação de oleaginosas e carnes, em 21,1% e 11,9%. Além disso, em questão
de produtos florestais, haveria um crescimento de 47,5% em madeira e 32,6% em papel. Em
termos de bem-estar, a remoção das tarifas não seria benéfica, com uma perda no bem estar
agregado em cerca de US$343,9 milhões negativos, principalmente por conta de uma piora
nos termos de troca.
No cenário de redução parcial das tarifas, a produção teria um resultado quase igual,
mas com uma proporção menor, assim como o comércio. Em termos de bem estar, ao
contrário do primeiro cenário, o Brasil sofreria impactos positivos porém pequenos, com um
ganho de cerca de US$177 milhões.
Olhando agora para a União Europeia, numa situação de suspensão de 100% das
tarifas haveria uma grande expansão no setor de carnes (32,3%), e um crescimento bem
menor em cana de açúcar, de 0,7%. Além disso, observa-se uma redução no nível de
produção de produtos florestais e oleaginosas, em pequena escala. Em termos de comércio,
haveria o maior impacto, com um ganho de 970,2% em exportações de carne. O bem estar
teria ganhos nesse cenário, de US$7 bilhões de dólares, por conta da melhor alocação de
recursos.
Na situação de uma diminuição parcial das tarifas com a União Europeia, o Brasil
sofreria aumentos de produção menores do que no caso da diminuição total. As exportações
de carnes e oleaginosas seriam aumentadas em 118,6% e 25,1% respectivamente, além de
aumentos também em produtos florestais. Os ganhos de bem estar seriam menores, mas
seriam positivos, em cerca de US$2,5 bilhões.
Ou seja, o Brasil teria ganhos em praticamente todos os cenários em uma situação de
acordos e parcerias comerciais. Principalmente no setor agropecuário, no caso de oleaginosas
e carnes, haveria aumentos de exportação e de produção, além de bem estar agregado. Com a
especialização nesses produtos, tudo o mais constante, uma liberalização da economia
poderia trazer resultados muito positivos para o país, dado que esse setor é o mais expressivo
no Brasil.
III. Conceituação de desindustrialização e seus diferentes tipos
Nas próximas páginas abriremos a discussão sobre a relação entre os dados obtidos
anteriormente com possíveis “efeitos colaterais” adversos, que podem ser maiores, se
considerados como processos a longo prazo e conjuntamente, do que os ganhos advindos do
livre comércio com especialização agropecuária quando se considera tudo mais constante.
Antes de iniciarmos o ponto principal de explicar as consequências ruins para o
desenvolvimento do país, precisaremos tratar de uma diferenciação importante entre
desindustrialização “natural” e “saudável” de um processo nocivo que acontece em países
não desenvolvidos.
Para entender informações futuras do presente artigo, é importante ter em mente o
conceito de desindustrialização feito por Cruz, Nakabashi, Porcile e Scatolin (2014), que o
trata como perda de participação do setor no produto e no emprego, e por isso a maioria dos
cálculos ou demonstrações sobre o tema se darão sobre o valor adicionado sobre o setor
industrial no PIB e sua variação, assim como variação do emprego em cada um dos grandes
setores econômicos (agropecuária, indústria e serviços).Os mesmos autores também nos
ajudam a elucidar os diferentes tipos de desindustrialização. No tipo que ocorre em países
avançados, o processo ocorre como uma consequência natural do dinamismo industrial, como
consequência do aumento de produtividade, que justamente age a favor da competitividade.
Dessa forma, a perda de empregos no setor se deve ao aumento de produtividade, e esse
aumento passará a ocorrer também em outros setores, como serviços ligados às novas
tecnologias, e assim outros setores crescerão e representarão maior parcela do PIB, reduzindo
o tamanho relativo da indústria em relação ao PIB. Ao contrário desse processo, o Brasil e
outros países não desenvolvidos passaram a se desindustrializar em um cenário de aumento
baixo de produtividade e renda per capita relativamente baixa.
Para demonstrar o processo de desindustrialização, mostraremos primeiro quanto o
Brasil, junto de outros países do cone sul, tiveram uma queda abrupta da parcela de
trabalhadores no setor industrial comparado com todas as outras regiões do mundo, passando
da posição com a segunda maior porcentagem de trabalhadores no setor, para penúltimo,
devido ao inicio de políticas liberalizantes segundo Palma (2005), tema que será melhor
explorado no decorrer da argumentação. Podemos ver a situação descrita na tabela 1.
Apesar dos dados alarmantes do Brasil e dos outros países do cone sul em relação ao
emprego na indústria, os países desenvolvidos também tiveram níveis de de emprego
reduzidos nessa área. A diferença, como apontam Cruz, Nakabashi, Porcile e Scatolin (2014)
é de que nos países com desindustrialização “natural”, as taxas de crescimento do produto na
indústria e no setor de serviços foram muito semelhantes, enquanto que no Brasil, no período
entre 1986 e 2005 foram de 1,98% na indústria, 1,81% na indústria de transformação, que é
mais relevante do ponto de vista tecnológico, e 2,8% em serviços (considerando os anos 80,
chamado de “a década perdida, que mantinha baixos níveis de investimento, e também anos
próximos da análise que foi feita sobre o emprego no setor).
Tabela 1: Taxa de variação no emprego industrial

Apesar dos dados alarmantes do Brasil e dos outros países do cone sul em relação ao
emprego na indústria, os países desenvolvidos também tiveram níveis de de emprego
reduzidos nessa área. A diferença, como apontam Cruz, Nakabashi, Porcile e Scatolin (2014)
é de que nos países com desindustrialização “natural”, as taxas de crescimento do produto na
indústria e no setor de serviços foram muito semelhantes, enquanto que no Brasil, no período
entre 1986 e 2005 foram de 1,98% na indústria, 1,81% na indústria de transformação, que é
mais relevante do ponto de vista tecnológico, e 2,8% em serviços (considerando os anos 80,
chamado de “a década perdida, que mantinha baixos níveis de investimento, e também anos
próximos da análise que foi feita sobre o emprego no setor).

IV. Conexão entre abertura comercial e processo de desindustrialização


Souza e Veríssimo (2017) analisam o fenômeno da desindustrialização “negativa” de
acordo com a tipificação de que existe perda de participação industrial no PIB devido a um
contexto favorável à exportação de commodities, com preços desses produtos elevados no
mercado internacional e taxa de câmbio real valorizada, e também com base na tipificação
conforme Palma (2005), que “culpa” as políticas econômicas liberalizantes, ou seja, a
combinação de abertura comercial e elevadas taxas de juros, pelo processo de
desindustrialização do país. É importante notar que segundo o autor, Palma (2005) retrata
esse processo como uma consequência da doença holandesa: o Brasil possui vantagem
comparativa na produção de bens primários devido a recursos naturais abundantes, e a venda
desses produtos promove a apreciação do câmbio, que por sua vez afeta a competitividade
internacional da indústria, que ja nao possui vantagens de custos (de tecnologia).
Para testar suas hipóteses, os autores realizam regressões com uma base de dados entre
1996 e 2014 para testar justamente os efeitos da Taxa de câmbio real efetiva, preço das
commodities, taxa de juros (Selic) e grau de abertura para produtos manufaturados. Primeiro
foi avaliado o efeito de tais variáveis sobre a variação do valor adicionado do setor industrial
em relação ao PIB: sobre a variável câmbio, que as duas perspectivas consideram como
negativa para a indústria, os resultados indicaram que uma variação de 1% na taxa de câmbio
real efetiva gera um aumento entre 0,012% e 0,019% , ou seja, um aumento da mesma de fato
é favorável para o setor. A variação dos preços das commodities em 1%, como esperado,
diminuiu o valor adicionado do setor, entre 0,181% e 0,202%. A taxa de juros apresentou o
sinal negativo esperado, mas sem significância estatística. Já o grau de abertura de produtos
manufaturados apresentou resultado ambíguo, sendo positivo, o que teoricamente favorece a
atividade industrial, mas na verdade foram importadas muitas máquinas e equipamentos
industriais, o que também pode contribuir para desindustrialização.
Em segundo lugar, as mesmas variáveis foram consideradas para a variável dependente
sobre variação de empregos na indústria. Os resultados mostraram que o câmbio não foi
relevante para esse fator; o preço das commodities manteve-se com sinal negativo e foi
significante (variação de 1% nesses preços leva a mudança entre 0,035% e 0,126% no
emprego no setor); juros nesse caso também indicou valores estatísticos insignificativos, e o
grau de abertura dos produtos manufaturados seguiu a mesma tendência anterior.
Podemos concluir que os resultados são importantes para validar as ideias de que
existam influências negativas das políticas de favorecimento ao setor agropecuário
exportador sobre a indústria, assim como as próprias consequências naturais desse setor
exportador são nocivos - tendo em vista, por exemplo, as consequências sobre a taxa de
câmbio e preços internacionais de commodities. O único fator que pareceu não ser tão
relevante para discutir a questão foi a taxa de juros.
Apesar da relevância do trabalho, os resultados foram calculados com base em dados
que vão de 1996 a 2014, portanto não consideram as grandes mudanças após 2014 dos dados
macroeconômicos. O cenário recente de instabilidade política, as novas políticas monetárias
adotadas e o contexto internacional de pandemia da Covid-19 tiveram a consequência, de por
exemplo, gerar uma tendência de desvalorização da moeda brasileira a partir de 2015,
atingindo principalmente o ano de 2020 que corresponde ao ano da pandemia, como é
possível observar no gráfico 1, abaixo:
Gráfico 1: Taxa de câmbio efetiva real do Brasil entre 2006 e 2020.

Mesmo com a desvalorização da moeda nacional entre 2015 e 2020, houve uma
tendência de estagnação e até queda da variação do valor adicionado da indústria no PIB,
como se vê na tabela 2.
Tabela 2

Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE.

Nesse mesmo período, o preço das commodities sofreu uma tendência de queda até
2016 onde ocorreu o ápice, e depois voltou a subir continuamente, segundo o FMI (2021).
Assim, vemos que a tendência do câmbio não foi suficiente para melhorar o desenvolvimento
da atividade industrial, ao mesmo tempo em que o setor agropecuário apresentou avanço
mesmo em um ano com variação negativa do PIB. Fica claro que o aumento de preço
internacional foi largamente aproveitado por um setor vantajoso no país. Para compreensão
dessa realidade é importante ressaltar a diferenciação feita por Palma (2005) entre a doença
holandesa “normal” e doença holandesa “descendente”. O primeiro caso trata de um país
(Holanda) que ao longo da história apresentou vantagens para desenvolver indústria e com
ela poder apresentar superávits comerciais, enquanto que o segundo caso representa países
com o Brasil, que passaram por um processo “forçado” de industrialização por substituição
de importações. Então, quando na década de 1990 o país passa a adotar uma política
industrial e comercial mais liberal, esse processo é interrompido e o país é capaz de (e deseja)
obter superávit na balança comercial com exportação agropecuária. Tendo isso em mente, se
compreende que apenas mudanças de variáveis macroeconômicas em períodos curtos não são
fortes o suficiente para reverter a tendência à desindustrialização e que há uma relação clara
entre liberalização, avanço agropecuário e desindustrialização.

Gráfico 2: Evolução da produtividade por hora trabalhada para os três grandes setores
da economia e para o agregado - Brasil: 1995 até 2018 - Em R$ de 2017

Fonte: Gráfico obtido de Veloso, Matos e Peruchetti (2019).

Tanto a ideia geral de diferenciação entre a desindustrialização saudável e da nociva,


onde ocorre desindustrialização por perda de competitividade em países que ainda não se
desenvolveram, quanto a ideia de primarização da economia de acordo com o modelo
ricardiano de vantagens comparativas a partir de níveis tecnológicos trazida por Palma (2005)
podem ser demonstrados pela evolução da produtividade do trabalho brasileiro em
comparação com a evolução da produtividade do trabalho de países membros da OCDE,
considerando o período histórico recente de 1995 a 2018, sendo que os anos estão limitados
pelos dados encontrados e calculados em Veloso, Matos e Peruchetti (2019) . No caso do
Brasil, houve um avanço de produtividade no setor agropecuário e uma complexa estagnação
no setor industrial, enquanto que o agregado evoluiu pouco e se manteve relativamente baixo.
No gráfico 2 podemos ver essa evolução em relação ao Brasil.
Já o agregado da média dos países da OCDE, demonstrado em OCDE (2021)
apresentou o valor de PIB por hora trabalhada (produtividade do trabalho) de US$82,60 em
1995 e US$104,00 em 2018. Considerando que os dados acima foram calculados com base
no valor do real em 2017, e que o câmbio médio de 2017 foi de US $3,20/R$1,00, em 1995 a
produtividade do Brasil estava em torno de US$77,00 e em 2018, US$96,00.

V. Importância da Industrialização
A análise do gráfico anterior e comparação com dados de países mais desenvolvidos
deixa claro que o país apresenta uma defasagem tecnológica que dificulta o aumento de
produtividade e pareamento com aqueles outros países. A explicação para isso é que a
industrialização promove grandes avanços tecnológicos no intuito de diminuir custos e
aumentar produtividade, e esse avanço tem implicações positivas em vários outros setores da
economia. Como argumenta Furtado (1972) “a atividade industrial condiciona o
comportamento global da economia e os investimentos industriais são o canal por onde
penetra o progresso tecnológico.” (p. 34). Uma evidência empírica que corrobora com essa
afirmação é a correlação positiva encontrada por Cruz, Nakabashi, Porcile e Scatolin (2014)
entre o crescimento da indústria de transformação e a taxa de crescimento do PIB feito a
partir de valores médios entre 1986 e 2004, mostrada no gráfico 3.

Gráfico 3: Taxa de variação do PIB por taxa de variação do crescimento industrial


(entre 1986 e 2004)
Fonte: Elaborado por Cruz, Nakabashi, Porcile e Scatolin (2014) a partir dos dados de Groningen Growth and
Development Center Total Economy Database (2007) e OIT.

Com base nessa metodologia, analisamos a correlação entre o PIB e dois dos três
principais setores da economia: agropecuária e indústria. Obtivemos uma correlação ainda
mais clara entre indústria e PIB do que no gráfico que considera diferentes países tirando
como base os anos mais recentes da história do Brasil (2002 a 2020), ou seja, depois das
décadas onde impactos pontuais prejudicaram a indústria como foi demonstrado
anteriormente (gráfico 4).

Gráfico 4: Taxa de crescimento do PIB por taxa de crescimento do setor industrial

Fonte: Montagem própria com dados do IBGE.


Já quando consideramos o setor agropecuário, não vemos relação clara com o PIB, e
até pior, vemos que em anos que o PIB cresceu consideravelmente, o aumento no setor foi
menor:
Gráfico 5: Taxa de crescimento do PIB por taxa de crescimento do setor agropecuário

Fonte: Montagem própria com dados do IBGE.

É importante ter em mente que, segundo a Embrapa (2021), o Brasil é o quarto maior
produtor de grãos e o maior exportador de carne bovina do mundo. Quando analisamos tanto
o gráfico 5 quanto gráfico 2, é possível argumentar que esse setor tem um “efeito colateral”
de desenvolvimento da economia fraco, pois apesar do desempenho ser um dos maiores do
mundo, o avanço que ele tem gerado na produtividade não é tão significativo, e a variação
dele não se relacionar de forma expressiva com a variação do PIB.
Outra forma de avaliar o setor e sua capacidade de influenciar positivamente o
desenvolvimento econômico é através da capacidade de geração de empregos e também uma
avaliação qualitativa desses empregos. Como podemos ver nas tabelas 4 e 5 que retratam
dados da primeira década dos anos 2000 (os anos estão limitados pela abrangência do
relatório produzido pelo Ipea), o setor agropecuário tem diminuído a sua porcentagem
relativa de geração de empregos ao longo dos anos, enquanto que a geração de emprego pelo
setor industrial de transformação tem se mantido estável, mesmo que os efeitos negativos
surgidos em décadas anteriores desfavoráveis a esse setor continuassem agindo. Em outras
palavras, os ganhos de produtividade (vistos no gráfico 2) do setor agropecuário diminuíram
a necessidade de trabalhadores. Quando se trata da indústria, isso se traduz em
desenvolvimento também de outras áreas e aumento da renda média da população, como já
argumentado anteriormente. Mas como vemos, no caso da agropecuária isso não gerou um
aumento significativo da produtividade no agregado, e manteve o Brasil em desvantagem
frente aos países da OCDE. Além disso, como se nota na tabela 4, os salários no setor se
mantiveram como os mais baixos entre todos os setores. Apesar da indústria extrativista, que
se relaciona com o setor agropecuário, apresentar o maior salário médio no último ano
considerado, a porcentagem de pessoas que ele emprega é extremamente reduzida. A
argumentação ajuda a demonstrar que a desindustrialização (e domínio do setor
agroexportador na pauta de exportação) está associada a um menor desenvolvimento
econômico e social.

Tabela 3: Participação setorial no total de ocupações, segundo a classificação de doze


atividades do SCN (2000-2009) (Em %)

Fonte: SCN/IBGE.

Tabela 4: Salário médio real a preços constantes de 2012, por doze atividades do SCN

Fonte:

SCN/IBGE e Rais/MTE. Elaboração: Dimac/Ipea.


VI. Efeitos da desindustrialização no mercado de trabalho
É um resultado esperado do desenvolvimento a queda da participação da indústria no
emprego, assim como a desindustrialização. No entanto, isso tem resultados mais positivos
em países desenvolvidos, podendo ser chamada de “desvirtuosa” no caso de países
emergentes e subdesenvolvidos.
Como consequência, no Brasil entre os anos de 1985 e 2005 foi observado um
crescimento da participação do setor de serviços no emprego, principalmente o de baixa
tecnologia, indo de 65,59% a 72,39% Como já dito, em países desenvolvidos também há esse
processo de transferência de emprego, saindo da indústria. No entanto, nesses casos a alta do
emprego se dá no setor de serviços de alta tecnologia principalmente, o que gera maior valor
e desenvolvimento para a economia: é algo necessário para que ocorra efetivamente um
processo de desenvolvimento.
Pode-se separar o setor de serviços em 3 segmentos: (1) serviços de baixa
qualificação e intensidade tecnológica; (2) serviços de média qualificação e intensidade
tecnológica e (3) serviços de alta qualificação e intensidade tecnológica. No caso brasileiro,
os setores de serviços com baixo e médio dinamismo tecnológico são justamente aqueles que
geram mais empregos. Eles requerem baixo grau de especialização, e têm baixo potencial de
gerar crescimento econômico. Há um domínio quase absoluto desse setor, conforme gráfico a
seguir.

Gráfico 6: Segmentos de setor de serviços de acordo com o grau de intensidade da tecnologia

Fonte: Cruz, Nakabashi, Porcile e Scatolin (p.70)

Ou seja, com os efeitos da desindustrialização no caso brasileiro, aliados a uma


situação de especialização da produção brasileira em setores de baixa tecnologia, como a
agropecuária, é gerado um inchaço no setor de baixa produtividade, em especial o de
serviços, o que gera uma maior dificuldade e estagnação em termos de desenvolvimento
econômico e crescimento da economia.
A perda de participação dos segmentos da indústria de transformação com maior
intensidade tecnológica ajuda a explicar, também, o baixo desempenho da economia
brasileira desde a década de 80, também conhecida como “década perdida”. Foi nesse
período também que o processo de desindustrialização se intensificou no país, podendo ser
percebido a relação desse processo com a diminuição da produtividade brasileira, já que a
perda de empregos no setor de alta produtividade da indústria não foi acompanhada por um
aumento de empregos de alta produtividade tecnológica em serviços.

VII. Conclusão
O estudo de Buchmann, Massuquetti e Azevedo (2019) demonstrou pelo modelo de
equilíbrio geral a tendência do Brasil a se especializar ainda mais na produção de produtos de
baixa complexidade tecnológica caso não houvessem tarifas que dificultam o comércio,
chegando a conclusão de que essa especialização traria ganhos na casa dos bilhões caso as
tarifas levantadas fossem em relação ao comércio com a China e a União Européia, enquanto
que apenas o comércio com os EUA prejudicaria o Brasil.
Mas o questionamento que o presente artigo levantou foi de considerar o que ocorreria
no longo prazo, no caso em que as demais variáveis que influenciam o comércio não
estivessem constantes para a comparação comercial. Nesse sentido, demonstramos que,
devido a especialização de acordo com o modelo ricardiano e efeitos da doença holandesa por
muitos períodos históricos considerados, a especialização tenderia a afetar o nível de
industrialização do país. A desindustrialização pode não ser um processo que reduza o
bem-estar, desde que realizada de forma “natural” em países desenvolvidos, diferentemente
do que ocorreu em outros países como Brasil, onde ela foi marcada por perda de
competitividade internacional no setor.
Existem diversas consequências negativas da desindustrialização nociva atrelada ao
crescimento do setor agropecuário, como limitação do desenvolvimento tecnológico e a
estagnação da produtividade do trabalho, fenômeno evidente no caso brasileiro. Dessa forma,
os trabalhadores que perderam empregos na indústria irão para atividades de pouca
produtividade e a renda per capita tende a se manter baixa, enquanto que o setor exportador
agropecuário apresenta pouco poder de influenciar positivamente o desenvolvimento do país,
já que não possui o mesmo efeito dinâmico que a indústria no avanço da produtividade e
geração de empregos de alta renda.

VIII. Referências Bibliográficas

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