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ECONOMIA INTERNACIONAL I

Implicações do Regional Comprehensive Economic


Partnership (RCEP) para os padrões de comércio na Ásia

André de Paula Leite Coelho - 10698064


Wilgner Guilherme Marques Campos - 10754601

São Paulo, 24 de julho de 2021


FEA USP - Universidade de São Paulo
Introdução

A distinta abordagem dos países asiáticos frente à liberalização da economia


durante as últimas três décadas do século XX era marcada pela predominância
de uma base tanto unilateral quanto multilateral. Com a significante largada
dessa não discriminatória postura política, na primeira década do Novo Milênio,
a Ásia entrou na corrida mundial para assinar Acordos de Livre Comércio
(também conhecidos como Free Trade Agreements - FTA).

Até 2013, os países da Ásia tinham concluído 126 acordos bilaterais e


multilaterais, e estavam negociando por volta de 56 novos acordos. Contudo, a
rápida proliferação de FTAs levantou preocupações nos últimos anos a respeito
dessa complexa e sobreposta rede de Acordos de Livre Comércio, e que ficou
conhecida como Asian FTA noodle bowl, um emaranhado complexo de FTAs
entre os países da Ásia que acabaria por desestimular a expectativa original de
comércio e investimento no continente. Há evidências empíricas de que a taxa
real de aproveitamento das preferências comerciais oferecidas pelos FTAs são
extremamente baixas por conta das rígidas regras de origem dos acordos e
estruturas de tarifas complexas formadas pela rede, as quais aumentaram o
custo de comércio, e de que o critério administrativo responsável por outorgar
concessões, quando afetado por essas complexidades, foi responsável por
distorcer os padrões de comércio entre os países.

Consequentemente, surgiu uma nova ênfase no debate sobre a política de


comércio da região voltada para a consolidação dos múltiplos FTAs em um
Acordo de Livre Comércio de abrangência regional. Em 2011, a Association of
Southeast Asian Nations (ASEAN) adotou princípios orientadores e um
cronograma de negociação para a fusão de seis Acordos de Livre Comércio
que a ASEAN havia assinado com os países China, Japão, Coréia, Índia,
Austrália e Nova Zelândia, bem como outro FTA bilateral envolvendo
individualmente países membros da ASEAN para formar um bloco de comércio
consolidado chamado Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP).
O objetivo declarado é o da formação de um enorme acordo comercial
envolvendo 16 países membros da ASEAN até 2015.

O propósito deste artigo é analisar os padrões emergentes de comércio


internacional na Ásia, com o fim de informar o debate político e econômico
sobre a formação do Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP)1.
O artigo procura adicionar uma nova perspectiva para o debate a partir da
avaliação de uma série de implicações do processo de comércio da produção
global - a quebra desses processos produtivos em estágios geograficamente
separados - para entender o processo atual de integração econômica na região
da Ásia.

Enquanto o comércio de peças e componentes e a montagem final ocorrem


dentro de redes de produção (network trade ou “comércio em rede”)
geralmente cresceram mais rápido do que o comércio mundial total, o grau de
dependência dos países da região Ásia-Pacífico nessa nova forma de
especialização internacional é proporcionalmente ainda maior do que em
qualquer outra parte do mundo. “Comércio em rede” certamente fortaleceu a
independência econômica entre os países da região, com a China (People’s
Republic of China - PRC) ocupando um papel essencial como o principal centro
de montagem final.

É mundialmente reconhecido no debate sobre a formação do RCEP que a


Ásia, em particular os países do Leste Asiático, se tornou crescentemente
integrada economicamente durante os anos por meio da rápida expansão do
comércio de produtos manufaturados. Essa visão está enraizada na análise
padrão de dados do comércio, que tem como base a noção convencional de
especialização horizontal - de que o comércio ocupa espaço em produtos que
são produzidos do começo ao fim em um dado país. Essa visão ignora o

1
Wu, Chien-Huei. "ASEAN at the Crossroads: Trap and Track between CPTPP and RCEP." Journal of
International Economic Law 23.1 (2020): 97-117.
processo atual de comércio da produção global e as complementaridades do
comércio resultante entre países no nível global.

O comércio da produção global abre oportunidades para os países se


especializarem em diferentes produtos ou atividades do processo produtivo
dependendo da sua vantagem de custo relativo e outros fundamentos
econômicos relevantes, como estudamos no curso de Economia Internacional
da Universidade de São Paulo. Consequentemente, peças e componentes são
agora comercializadas entre as fronteiras dos países da região a uma maior
velocidade do que produtos finais.

A análise convencional do fluxo de comércio pode gerar uma imagem imparcial


da integração econômica regional apenas se o comércio de componentes e o
comércio final seguem os mesmos padrões gráficos. Caso o comércio de
componentes representar um distinto viés intrarregional, como alguém poderia
razoavelmente antecipar o contexto crescente de “comércio de rede” na região,
então a análise convencional do fluxo de comércio irá produzir uma imagem
enganosa no que diz respeito à importância relativa do comércio intrarregional
contra a importância do comércio global para o crescimento e dinamismo da
região.

Isso ocorre porque o crescimento baseado num conjunto de atividades


depende da demanda por bens finais, que por sua vez depende extremamente
da demanda extrarregional. O nível de atenuação da importância da demanda
extrarregional provavelmente irá aumentar com o decorrer do tempo conforme
mais redes complexas de produção são criadas com um número cada vez
maior de países de interação.

Uma análise profunda sobre padrões de comércio, entretanto, existe uma


separação sistemática de peças e componentes dos bens finais nos dados
reportados. Isso será realizado neste artigo por meio de uma cuidadosa
desagregação de dados de comércio com base na Revisão 3 da Standard
International Trade Classification (SITC) extraída do sistema de dados
reportados das Nações Unidas (US Comtrade database).

Para o propósito do estudo, a Ásia é definida para abranger as economias do


Sul e do Leste Asiáticos. O Leste Asiático inclui Japão, e o leste asiático em
desenvolvimento (DEA), que cobre os mais novos países industrializados do
Norte Asiático (Coréia do Sul, Taiwan e Hong Kong), China e os demais
membros da ASEAN. Ásia em desenvolvimento (DA) se refere ao Sul e ao
Leste Asiáticos, com exceção do Japão.

A próxima seção examina tendências e padrões de comércio ao longo do


tempo no agregado e pelos principais grupos de commodities, com ênfase
específica no fenômeno do “comércio em rede” baseado no comércio
internacional. O tema central para discussão na próxima seção são as
implicações do “comércio em rede” para a importância relativa do binômio
econômico da integração intra regional ou integração global. A próxima seção
também sonda as implicações do engajamento da Ásia no comércio
internacional frente aos ganhos potenciais de comércio a partir da formação do
RCEP. A seção final resume os principais pontos e busca desenhar algumas
conclusões gerais.
Implicações para o RCEP

Há de se observar que a comercialização de peças e componentes e menos de


bens finais é a responsável ​por uma parcela muito maior no comércio
intrarregional desses países em comparação com suas participações no
comércio mundial e no comércio com a UE e o NAFTA, permitindo que uma
importante mudança estrutural ocorresse na rede de comércio exterior dos
países que participarão do RCEP. Em 2011-12, peças e componentes
representaram 58,6% das exportações intrarregionais no RCEP em
comparação com 23,4% no total das exportações mundiais destes países
(tabela 2).

De fato, podemos perceber que esse padrão é percebido tanto nas


exportações quanto nas importações, refletindo a crescente importância do
comércio de peças e componentes entre os países dentro do futuro RCEP.
Assim, analisar o fluxo comercial e o padrão em que ele é formado (seja por
bens finais, seja por intermediários) é fundamental para se entender a
importância relativa do comércio de um país ou de um bloco econômico em
comparação com o observado no globo.
Como podemos observar na tabela 1, os países asiáticos e em especial os
membros do RCEP tornaram-se cada vez mais integrado por meio do comércio
de mercadorias. No caso do RCEP, é notável que tenha se especializado em
produtos intermediários. Enquanto em 1992-93 20,1% de partes e
componentes era comercializado com o exterior, em 2011-12 esse número
saltou para 35,8%.

Com dinâmica oposta, a comercialização de bens finais diminuiu de 31,3%


para 25,1% no mesmo período comparado. Por fim, o nível de exportação
intrarregional de partes e componentes no RCEP e nos blocos asiáticos no
geral (acima de 60%) são notavelmente muito maiores do que o do NAFTA
(46,5%) e do que a UE-15 (31,5%), como se pode verificar na tabela 2. Se
tratando de importações, esse número se intensifica e o comércio asiático de
produtos intermediários é quase o dobro proporcionalmente ao do NAFTA e da
União Europeia.

Como adiantado, no entanto, a imagem muda significativamente quando os


componentes são separados: a participação do RCEP na comercialização de
bens finais em 2011-12 foi de 25,1%, abaixo do visto em 1992-93 (31,3%),
padrão observado no restante dos países asiáticos, com exceção da China.
Vale destacar que no restante do mundo e em outros blocos não há uma
tendência definida na comparação dos dois períodos, mas no país governado
pelo Partido Comunista Chinesa (PCC) houve um aumento expressivo de
13,7% para 36,8%, demonstrando uma forte industrialização no país a partir da
década de 80/90.

Além disso, como podemos observar a partir da tabela 3, as participações


intrarregionais calculadas separadamente para importações e exportações
claramente mostram uma notável assimetria no grau de integração comercial
regional no Leste Asiático. Ao contrário da UE e do NAFTA, na Ásia e no RCEP
o aumento ao longo do tempo na relação de comércio intrarregional foi
resultado em grande parte do rápido aumento das importações intrarregionais,
enquanto a expansão das exportações tem sido mais lenta.
A dependência dos países RCEP (e os subgrupos de países nele contidos) em
mercados extrarregionais (em particular aqueles em NAFTA e UE) para o
crescimento liderado pelas exportações é muito maior do que é revelado pelo
padrão relações comerciais. Por exemplo, em 2011-12 apenas 48,2% do total
das exportações de manufaturados do RCEP foi absorvido dentro da região,
em comparação com uma participação intrarregional de 66,5% na produção
total importações.

A explicação para essa assimetria está basicamente na história do Japão e na


evolução chinesa desde a década de 1980. No período, as relações comerciais
de manufatura do Japão com o resto da Ásia Oriental foram
predominantemente na forma de usar a região como base de montagem para
exportar para o resto do mundo. Quanto à China, a necessidade de virar uma
líder regional ampliou ainda mais essa assimetria comercial. Ou seja, o país
estava importando peças e componentes de outros países do Leste Asiático
para montar bens finais, que são predominantemente destinados a mercados
no resto do mundo. Vale destacar que essa diferença de comércio de bens
intermediários e bens finais não é observada no NAFTA nem na União
Europeia, como deixa explícito a tabela.

Os proponentes do RCEP argumentam que a redução de tarifas proposta pelo


RCEP2 tem o potencial de melhorar a competitividade dos países da região,
dentro das redes globais de produção, em seu comércio com os países do
resto do mundo. Dessa maneira, teria um aumento da produção de bens finais
nos países pertencentes ao bloco. Contudo, normalmente uma tarifa é cobrada
cada vez que uma mercadoria em processo cruza uma fronteira.
Consequentemente, uma redução na tarifa leva a um declínio no custo de
produção do bem de maneira multiplicativa, tornando-o na verdade mais
competitivo em relação aos bens produzidos inteiramente por um país. Assim,
esse tipo de tratado teria o efeito oposto, incentivando os países integrantes do
bloco a se verticalizarem e diminuírem a produção completa de bens, mas sim
tornando a produção mais horizontal.

É importante salientar que há questões complexas que fogem da alçada


econômica e entram na política para determinar o resultado real da
liberalização comercial do RCEP. É verdade que ainda há tarifas
significativamente altas (pelos padrões médios de países desenvolvidos) em
países RCEP sobre uma série de produtos, em particular automóveis, produtos
eletrônicos de consumo e máquinas não elétricas.

2
Rahman MM, Ara LA. TPP, TTIP and RCEP: Implications for South Asian Economies. South Asia Economic
Journal. 2015;16(1):27-45.
Ademais, efeitos de distorção do comércio de regras de origem são
presumivelmente mais prejudiciais ao comércio de bens intermediários do que
comércio de bens finais convencionais, devido às dificuldades inerentes na
definição do 'Produto' para isenção de impostos, e por causa dos custos de
transação associados à quantificação do valor agregado à produção
proveniente de diversas fontes. Assim, há pouco espaço para demasiado
otimismo quanto ao resultado do acordo do RCEP até esse momento agregado
à produção proveniente de diversas fontes. Assim, há pouco espaço para
demasiado otimismo

Conclusão

O comércio de peças e componentes têm se expandido mais rapidamente do


que o comércio de bens finais convencionais nos países integrantes de
relações bilaterais ou multilaterais na Ásia, com esse padrão sendo mais
observado no continente do que nos outros. Deve-se, então, propor regras que
alterem esse dinamismo para aumentar a produção de bens finais e garantir
um desenvolvimento econômico maior.

Assim, tratando do que foi discutido nesse artigo quanto à proposta do RCEP, o
aumento do comércio asiático resultou em um rápido aumento no comércio
intrarregional na região, mas a maneira que foi feita não contribuiu para
diminuir a dependência da região da economia global. Pelo contrário, o
dinamismo de crescimento da região com base na especialização vertical é
profundamente dependente de seu comércio extrarregional de bens finais, e
essa dependência de fato aumentou ao longo dos anos. Simplificando, o
aumento da participação na partilha da produção global fez com que a Ásia
ficasse cada vez mais dependente do comércio extrarregional para o seu
dinamismo de crescimento. Iniciativas de política no domínio da integração
comercial intrarregional correm o risco de prejudicar o crescimento dinamismo
desses países, a menos que esta nova dimensão da integração global não seja
levada em consideração.
Para se beneficiar das novas oportunidades de expansão do comércio por meio
da produção de bens intermediários, a melhor escolha política parece ser a
liberalização multilateral e unilateral, então uma abordagem melhor parece
englobar todo o comércio global, não regional. Assim, podemos ver limitações
quanto à eficácia do RCEP e seus objetivos correm o risco de não serem
atingidos da maneira esperada.
Bibliografia

https://globalarbitrationreview.com/review/the-asia-pacific-arbitration-review/202
2/article/investment-treaty-arbitration-in-the-asia-pacific-the-impact-of-the-cptpp-
and-the-rcep

Rahman MM, Ara LA. TPP, TTIP and RCEP: Implications for South Asian
Economies. South Asia Economic Journal. 2015;16(1):27-45.

RATNA, Rajan Sudesh; HUANG, Jing. Regional Comprehensive Economic


Partnership (RCEP) FTA: Reducing Trade Cost Through Removal of Non-Tariff
Measures. Korea and the World Economy, v. 17, n. 2, p. 213-242, 2016.

Wu, Chien-Huei. "ASEAN at the Crossroads: Trap and Track between CPTPP
and RCEP." Journal of International Economic Law 23.1 (2020): 97-117.

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