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Monitoramento Populacional de
Quelônios
Amazônicos
Ministério do Meio Ambiente
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Diretoria de Uso Sustentável de Biodiversidade e Florestas
Coordenação de Fauna Silvestre
Manejo Conservacionista e
Monitoramento Populacional de
Quelônios Amazônicos
Brasília, 2016
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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Ministério do Meio Ambiente
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Diretoria de Uso Sustentável de Biodiversidade e Florestas
Coordenação de Fauna Silvestre
Manejo Conservacionista e
Monitoramento Populacional de
Quelônios Amazônicos
Brasília, 2016
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
MAPAS REVISORES
Vívian Mara Uhlig Maria José Teixeira
Ana Célia Luli
Catalogação na Fonte
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
I59r Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios
amazônicos / Rafael Antônio Machado Balestra, Organizador. Brasília: Ibama,
2016.
136 p. ; Il. Color.
ISBN 978-85-7300-381-9
CDU(2.ed.) 574
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Dedicatória
Este Manual Técnico consolida a arte em 1979 pelo Governo Federal brasileiro, que
do conhecimento inerente ao manejo e ao mo- se constituiu na maior experiência de monitora-
nitoramento populacional de espécies de quelô- mento e manejo reprodutivo de populações para
nios amazônicos, estabelecido pelos principais algumas espécies de quelônios amazônicos.
grupos de pesquisa e entidades conservacionis-
O PQA, idealizado por Vitor Hugo Can-
tas relacionados a esse grupo. Tem o objetivo
tarelli, foi materializado graças ao apoio de notá-
de disseminar e nivelar os procedimentos meto-
veis servidores lotados nas Superintendências
dológicos relativos ao manejo conservacionista
do Ibama nos Estados do Acre, Amapá, Amazo-
de espécies, cujas diferentes iniciativas práticas
nas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Goiás
remontam há 35 anos no Brasil.
e Mato Grosso. A eficiência desse projeto de
Portanto, esta publicação está alinha- conservação, fruto da atestada competência
da aos fundamentos tradicionais, atestados na técnica de seus integrantes, e, principalmente,
prática e adequados aos avanços científicos pela relevância ambiental dos serviços presta-
nessa abordagem. Essa atualização servirá de dos, o elevou a Centro Especializado, denomi-
guia para orientar projetos de manejos, monito- nado Cenaqua/Ibama, que, por sua vez, deu
ramentos e pesquisas, de forma sistematizada. origem ao atual Centro Nacional de Pesquisa e
Visa também fomentar o desenvolvimento de Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN), hoje
ações nas áreas mais relevantes à manutenção vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conser-
ou recuperação das populações de quelônios vação da Biodiversidade (ICMBio).
amazônicos, de modo a integrar à gestão am-
O sucesso do PQA deve-se aos seus
biental dessas áreas.
executores regionais, pioneiros na sistemáti-
Padronizar e nivelar entre os diferen- ca de manejo e monitoramento reprodutivo de
tes atores sociais, sejam entidades publicas e quelônios amazônicos, replicada e adaptada por
organizações não governamentais, as metodo- diversas entidades públicas e não governamen-
logias de manejo e monitoramento populacional tais com atuações análogas. Devido à dedicação
de quelônios amazônicos é fundamental para a e ao empenho desses representantes regionais
consolidação do banco de dados do SisQuelô- pode-se atestar o êxito na recuperação de es-
nios - Sistema de Gestão e Informação dos Que- toques populacionais das espécies manejadas.
lônios Amazônicos, compilando as informações
A recuperação e manutenção dos índi-
obtidas nas séries históricas de projetos afins, o
ces populacionais de quelônios amazônicos de-
que favorecerá análises comparativas das múlti-
sejáveis está condicionada à continuidade, ao
plas variáveis decorrentes dos diversos projetos
aprimoramento e ampliação dos trabalhos de
de pesquisas e monitoramento realizados.
proteção, manejo e pesquisa com esses animais.
É mister mencionar a relevância do Como toda atividade de gestão ambiental, requer
Projeto Quelônios da Amazônia (PQA), criado rigoroso planejamento e revisões periódicas dos
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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Sumário
Capítulo 1
Breve histórico da conservação dos quelônios amazônicos no Brasil........................................11
Capítulo 2
História natural e biologia dos quelônios amazônicos................................................................15
Capítulo 3
Envolvimento comunitário na conservação de quelônios amazônicos.......................................29
Capítulo 4
Planejamento e preparo das áreas monitoradas de reprodução de quelônios amazônicos.......35
Capítulo 5
Monitoramento da nidificação e manejo de ovos de quelônios amazônicos.............................39
Capítulo 6
Transferência de ninhos de quelônios amazônicos....................................................................51
Capítulo 7
Monitoramento da incubação dos ovos e manejo de filhotes de quelônios amazônicos...........61
Capítulo 8
Manutenção em berçários e soltura de quelônios amazônicos..................................................71
Capítulo 9
Monitoramento populacional de quelônios amazônicos.............................................................79
ANEXO 1
Protocolo básico para ações de pesquisa, monitoramento populacional e
manejo conservacionista de quelônios amazônicos.................................................................105
ANEXO 2
Recomendações de ações de educação socioambiental e proteção ambiental
para a conservação de quelônios amazônicos..........................................................................111
Anexo 3
Cartilha de capacitação comunitária para a conservação de quelônios amazônicos................117
Anexo 4
Fichas de campo......................................................................................................................129
capítulO 1
Breve histórico da conservação dos quelônios amazônicos no Brasil
Giovanni Salera Júnior,
Rafael Antônio Machado Balestra,
e Vera Lúcia Ferreira Luz
norma, todo o excesso de animais vivos tinha de 1967, que dispõe sobre a proteção e estí-
de ser restituído à liberdade e reposto no rio. mulos à pesca, os quelônios foram novamen-
Terça parte dos ninhos com ovos tinha de ser te considerados como pescado, o que forçou
poupada para a conservação e propagação das a transferência dos trabalhos de proteção nos
tartarugas, e somente os dois outros terços po- rios Trombetas, Purus e Branco, novamente, à
diam ser utilizados para a fabricação de man- jurisdição da Sudepe. Em 1970, a Delegacia da
teiga. Porém, pouco a pouco, essas e outras Sudepe em Belém (PA) estava desprovida de
medidas foram sendo desrespeitadas e assim recursos técnicos, humanos e financeiros, por
a exploração se intensificou desordenadamen- isso o serviço de proteção aos quelônios retor-
te (IBDF, 1973). nou ao IBDF, tendo sua exploração comercial
A preocupação com a proteção dos proibida (IBAMA, 1989b).
quelônios amazônicos foi mais intensificada No início da década de 1970, os que-
com a chegada da República. Em 1932, foi cria- lônios, em especial as espécies tartaruga-da
da a Divisão de Caça e Pesca, no Ministério da -amazônia e o tracajá Podocnemis unifilis esta-
Agricultura, e, em seguida, instalado o Serviço vam indicados para compor a lista de animais
de Caça e Pesca, gerenciado pelo Ministério da brasileiros em processo de extinção. A primeira
Marinha. Em 1934, foi promulgado o Código lista foi publicada em 1973 (Portaria IBDF nº
de Caça e Pesca para a proteção dos recursos 3.481, de 31 de maio de 1973), mas as espé-
faunísticos e pesqueiros, que fazia restrições cies de quelônios da Amazônia não foram in-
ao uso e captura de quelônios. O Serviço de
cluídas. Nesse mesmo ano, o IBDF apresentou
Caça e Pesca era responsável pela proteção da
no Simpósio Internacional sobre Fauna e Pesca
fauna, inclusive de quelônios, mas, novamente,
Fluvial Lacustre Amazônica, realizado em Ma-
assim como as primeiras iniciativas tomadas
naus (AM), as experiências acumuladas nos
ainda no Período Colonial, pouco efeito teve
primeiros anos do trabalho de proteção dos
para a proteção desses animais. Em 1962, a Di-
quelônios amazônicos. Após sua apresenta-
visão de Caça e Pesca foi extinta e criada a Su-
ção, ficou definido que uma equipe composta
perintendência do Desenvolvimento da Pesca
(Sudepe), entidade subordinada ao Ministério por servidores de várias instituições e Estados,
da Agricultura, mudança que pouco beneficiou sob a coordenação do veterinário José Alfinito
os quelônios amazônicos. (IBDF), realizaria amplo levantamento das áreas
de ocorrência e desova desses animais. Esse
O Governo Federal, para tentar rever- trabalho foi realizado nos dois anos seguintes e
ter esse quadro, iniciou em 1964 as primei- culminou com a publicação do Boletim Técnico
ras ações de proteção aos quelônios nos rios nº 5, do IBDF, em novembro de 1978 (ALFINI-
Trombetas (Pará), Purus (Amazonas) e Branco
TO, 1978). Esse levantamento proporcionou a
(Roraima) (IBAMA, 1989a). De modo geral, as
ampliação dos conhecimentos relacionados à
ações nos rios Purus e Branco restringiam-se
distribuição, abundância e às principais amea-
unicamente ao patrulhamento dessas áreas no
ças desses animais, e acabou contribuindo para
período de desova. Somente no Rio Trombetas
que, em 1975, a tartaruga-da-amazônia e o tra-
é que tais iniciativas tiveram continuidade por
meio do apoio de pesquisadores e de outras cajá fossem incluídos no Apêndice II da Con-
instituições. Essas ações foram iniciadas pela venção sobre Comércio Internacional de Espé-
Agência do Departamento de Recursos Natu- cies da Fauna e Flora Selvagem em Perigo de
rais Renováveis (DRNR), do Ministério da Agri- Extinção (Cites), por meio do Decreto Federal
cultura. Em 1967, foi criado o Instituto Brasileiro nº 76.623/75. Outra importante contribuição foi
de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e extinto a retomada e ampliação de ações de proteção
o DRNR, que passou os respectivos acervos, aos quelônios. No início da década de 1970,
patrimônios e recursos financeiros ao novo ins- apenas dois rios (Trombetas e Tapajós), ambos
tituto. A partir desse momento, as ações de no estado do Pará, estavam de fato sob regime
proteção aos quelônios ficariam exclusivamen- de proteção. Outras áreas passaram, então, a
te a cargo do IBDF. Porém, em 1968/69, por ser efetivamente protegidas, tais como o Rio
força do Decreto-Lei nº 221, de 28 de fevereiro Branco (1977/78) e o Rio Xingu (1979).
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Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Em 1979, foi criado o Projeto de Pro- com a publicação da Portaria nº 259/2011, com
teção e Manejo dos Quelônios da Amazônia, a denominação de Programa Quelônios da
coordenado pelo IBDF, popularmente conheci- Amazônia, com estrutura e concepção funcional
do como Projeto Quelônios da Amazônia (PQA), tradicional sob responsabilidade da Coordenação
com o objetivo de proteger e manejar a repro- de Fauna Silvestre (Cofau), vinculada à Diretoria
dução dos quelônios de água doce da amazônia de Uso Sustentável da Biodiversidade e
brasileira. Com o PQA essas ações foram forta- Florestas (DBFLO), do Ibama (Quadro 1).
lecidas e ampliadas e, com o conhecimento acu-
mulado ao longo dos anos, o IBDF definiu uma
metodologia básica para a proteção e manejo Quadro 1 – Síntese desenvolvida pelo Governo
desses animais. Em 1989, 10 anos após a criação Federal, nas últimas quatro décadas, do históri-
do Projeto Quelônios da Amazônia, foi criado o co de proteção dos quelônios amazônicos.
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-
cursos Naturais Renováveis (Ibama), a partir da
fusão do IBDF com outros três órgãos federais:
Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema),
Superintendência da Borracha (Sudhevea) e Su-
perintendência do Desenvolvimento da Pesca
(Sudepe). Para ampliar e integrar as ações do
PQA, o Ibama criou, em 1990, o Centro Nacional
de Quelônios da Amazônia (Cenaqua), por meio
da Portaria Ibama nº 870/90.
Após 13 anos de experiência e conhe-
cimentos adquiridos com o Projeto Quelônios
da Amazônia, que posteriormente passou a
chamar-se Programa Quelônios da Amazônia,
o Cenaqua publicou a Portaria Ibama nº 142/92,
que regulamenta a instalação de criadouros
comerciais de tartaruga-da-amazônia e tracajá em A partir de então, o RAN, por meio do
suas áreas naturais de ocorrência. Mais tarde, Programa de Monitoramento e Manejo Conser-
em 1996, foi publicada a Portaria Ibama nº 070, vacionista de Quelônios Amazônicos, vem im-
que regulamenta o comércio dessas espécies, plementando uma série de ações por meio de
seus produtos e subprodutos. Suas premissas projetos de pesquisa direcionados à conserva-
são gerar alternativa de renda para reduzir a ex- ção dos quelônios amazônicos, especialmente
ploração ilegal dos quelônios amazônicos. nas unidades de conservação federais. O con-
junto de tais projetos também é genericamente
Por causa de uma ampliação taxonômica denominado Programa Quelônios da Amazônia,
e pela reorganização funcional no Ibama, o Cena- efetivado graças ao apoio técnico de importan-
qua tornou-se o Centro de Conservação e Manejo tes entidades conservacionistas e de pesqui-
de Répteis e Anfíbios (RAN) em 2001. Esse órgão sa, como o Instituto Nacional de Pesquisas da
veio para gerir e licenciar, em todo o território na- Amazônia (INPA), a Empresa Brasileira de Pes-
cional, as atividades de manejo e conservação dos quisa Agropecuária (Embrapa), a Universidade
répteis e anfíbios continentais brasileiros, dando Federal do Pará (UFPA), a Universidade Federal
prioridade às espécies ameaçadas de extinção e do Amazonas (UFAM), a Universidade Federal
de interesse econômico. do Tocantins (UFT), a Associação de Ictiólogos
Em 2007, o RAN passou a ser e Herpetólogos da Amazônia (AIHA), o Institu-
denominado Centro Nacional de Pesquisa e to de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá
Conservação de Répteis e Anfíbios, mantendo a (IDSM), o Projeto Pé-de-Pincha, o Projeto Tarta-
mesma sigla, porém vinculado ao Instituto Chico rugas da Amazônia, entre outros. Nas áreas de
Mendes de Conservação da Biodiversidade atuação do Programa Quelônios da Amazônia
(ICMBio), que foi desmembrado do Ibama. são protegidas, monitoradas e manejadas,
Depois disso, o PQA retornou à tutela do Ibama, prioritariamente, a tartaruga-da-amazônia e o
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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capítulO 2
História natural e biologia dos quelônios amazônicos
nochelys e os dois clados atuais, Cryptodira e teralmente (Figura 1a), já Cryptodira (crypto =
Pleurodira. O termo Chelonia é utilizado apenas escondido) retrai a cabeça para dentro do cas-
para os clados atuais (POUGH et al., 1998). A co, curvando o pescoço na forma de um “S”
espécie Pleurodira (pleuro = lado, dire = pes- vertical (Figura 1b) (POUGH et al.,1998).
coço) retrai a cabeça, curvando o pescoço la-
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
O corpo dos quelônios é recoberto por característica que melhor distingue esse grupo
uma armadura óssea, o casco, composto por de répteis anapsidas. A armadura divide-se em
ossificações dermais que incorporam vértebras, duas partes: carapaça (dorsal) e plastrão (ven-
coluna e porções da cintura peitoral. O casco é a tral) (Figura 2) (POUGH et al., 2003).
Pleurodira Cryptodira
Figura 2 – Escudos epidérmicos da carapaça (acima, vista dorsal) e do plastrão (abaixo, vista
ventral) de um representante de Pleurodira e outro de Cryptodira. Ressalta-se que as espécies da
família Podocnemididae, pertecente à ordem Pleurodira, não possuem escudo nucal.
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Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
São conhecidas 335 espécies de de quelônios (36), com destaque para a Amazô-
quelônios que, incluindo as subespécies, repre- nia brasileira, onde são conhecidas 17 espécies
sentam 453 táxons modernos, divididos em 14 continentais: 15 aquáticas e duas terrestres (Ta-
famílias (van DIJK et al., 2014). O Brasil é um bela 1) (VOGT, 2008; van DIJK et al., 2014).
dos cinco países com maior riqueza de espécies
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
que tartarugas da família Chelidae consumam cubação, época em que é definido o sexo do
180.000 toneladas de matéria morta por ano, embrião (YNTEMA, 1979), que, na maioria das
na Riverina, região agrícola do sudoeste da espécies, corresponde ao segundo terço do de-
Nova Gales do Sul, Austrália, formada pelos rios senvolvimento embrionário (JANZEN; PAUKS-
Murray e Murrumbidgee. Isso equivale à remo- TIS, 1991). Durante o período crítico de incu-
ção de 430 toneladas de matéria morta por dia bação, o tempo que o embrião é exposto às
(THOMPSON, 1993). temperaturas acima ou abaixo da temperatura
pivotal determina o sexo (BULL, 1985).
Caracteristicamente, esse grupo de
animais possui ciclo de vida longo, no qual a Geralmente, as temperaturas dos ni-
maturidade sexual é atingida tardiamente nhos no início e final do período de incubação
(TURTLE CONSERVATION COALITION, 2011). não influenciam na determinação sexual (BULL;
Por isso, a manutenção de populações naturais VOGT, 1981). Entretanto, se o desenvolvimen-
saudáveis depende da existência de animais to embrionário inicial for lento, o período sensí-
sexualmente maduros, principalmente fêmeas vel à temperatura para a determinação do sexo
adultas. Contraditoriamente, as fêmeas são as será tardio. Por exemplo, se um filhote nasce
mais caçadas, por terem maior tamanho cor- após 60 dias de incubação, o período provável
poral (KLEMENS, 2000). Outra característica no qual a temperatura influiu na determinação
desse grupo é a alta predação de ovos e alta do seu sexo foi do 20º ao 40º dia. No entanto,
mortalidade de filhotes a que está submetido, se a temperatura inicial de incubação for bai-
desde o nascimento até atingir o tamanho no xa, o desenvolvimento embrionário inicial será
qual a carapaça fornece proteção efetiva (TURT- lento e, consequentemente, o período termos-
LE CONSERVATION COALITION, 2011). sensível terá início um pouco após o 20º dia de
incubação. O contrário é verdadeiro no caso de
A reprodução dos quelônios é por
temperaturas iniciais elevadas. Em ninhos natu-
meio de ovos, que são depositados em ninhos
rais a temperatura do ninho oscila, fazendo com
cavados nos mais diferentes tipos de substrato.
que o período termossensível seja um pouco
A determinação do sexo pode ser genética (ge-
mais longo, estendendo-se do 15º ao 45º dia
notypic sex determination – GSD) em algumas
(VOGT; BULL, 1982; SOUZA; VOGT, 1994).
espécies que possuem cromossomos com di-
morfismo sexual, caso das espécies da família A maior parte dos programas de prote-
Chelidae, ou pela temperatura de incubação ção de áreas de desova de quelônios existen-
(temperature-dependent sex determination – tes na Amazônia tem como alvo as espécies da
TSD), durante o desenvolvimento embrionário família Podocnemididae, devido ao interesse
(BULL; VOGT, 1979; BULL, 1980). Em todas as comercial. A seguir, será apresentado um resu-
espécies da família Podocnemididae estudadas mo das características conhecidas sobre a bio-
a determinação sexual depende da temperatu- logia de cada uma das espécies dessa família
ra de incubação. Nessas espécies, fêmeas nas- existentes do Brasil, assim como informações
cem em temperaturas de incubação mais altas sobre a espécie Kinosternion scorpioides, úni-
que os machos (SOUZA; VOGT, 1994; VALEN- ca da família Kinosternidae ocorrente no País,
ZUELA et al., 1997; PEZZUTI, 1998; VALEN- e ainda pouco comtemplada em programas de
ZUELA, 2001; EWERT et al., 2004; de la OSSA proteção e manejo, mas severamente explora-
2007; VOGT, 2008). da pelo consumo e comércio ilegal, em vários
lugares. Seu status de conservação internacio-
Os quelônios com TSD caracterizam-
nal, definido pelo Tortoise and Freshwater Turt-
se por apresentar uma ou duas temperaturas
le Specialist Group (TFTSG – Grupo de Especia-
pivotais que correspondem às temperaturas
listas em Jabutis e Tartarugas de Água Doce) da
cuja razão sexual resultante é, em média, de
International Union for Conservation of Nature
50% para cada sexo (VOGT; BULL, 1982).
(IUCN – União Internacional para a Conservação
Também apresenta um período crítico de in-
da Natureza) também é apresentado.
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28
capítulO 3
Envolvimento comunitário na conservação de quelônios amazônicos
1
Termo comumente usado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Programa Quelônios do Uatumã,
Programa Pé de Pincha, Programa Quelônios da Amazônia, RAN etc.
30
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
31
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
32
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
A proteção dos quelônios deve ser (para quelônios ou pescado), por ser
mais intensa durante seu período reprodutivo uma forma de impedir os quelônios
(que vai da migração para as áreas de desova de subir para desovar.
até o nascimento dos filhotes) que ocorre na • Modificar, danificar ou destruir ninho
época de vazante dos rios, pois nessa época ou criadouro natural. Atividades an-
a facilidade de captura aumenta devido à con- trópicas que prejudicam os ninhos
centração dos indivíduos e ao baixo nível dos e alteram as características do am-
rios. Nesse período, os agentes devem evitar biente como agricultura e criação de
qualquer tipo de distúrbio como pesca com ar- gado devem ser proibidas.
rastão, trânsito de pessoas, ancoramento de
barcos, tráfego de barcos próximos aos tabulei- Apesar de não haver legislação espe-
ros e seus arredores. A comunidade deve ser cífica para a proteção dos quelônios, UCs que
estimulada a contribuir com as despesas rela- possuem planos de gestão, geralmente, apre-
cionadas às atividades dos AAVs e dos agentes sentam normas e regras de uso e conservação
de praia e também acompanhar esses agentes, desses animais. As regras de uso são ampa-
acatar suas orientações e respeitar as normas radas na legislação federal, que considera que
das áreas protegidas. condutas em desacordo com os objetivos da
UC, ao seu plano de manejo ou regulamentos
são crimes ambientais passíveis de multa. No
3.6 Legislação ambiental relacionada à prote- entanto, segundo a Constituição Federal, não é
ção e conservação de quelônios no Brasil crime o abate de animal quando realizado em
caso de extrema necessidade, por exemplo,
para saciar a fome. Essa é mais uma razão para
As legislações federal e estadual bra-
que as normas de uso dos sítios reprodutivos
sileiras não possuem normas específicas em
sejam negociadas com as comunidades interes-
relação à proteção dos quelônios amazônicos.
sadas na proteção.
Essa atividade apoia-se apenas na legislação de
proteção da fauna (Lei nº 5.197, de 3/1/1967),
na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de REFERÊNCIAS
12/2/1998) e no Decreto nº 6.514, de 22/7/2008.
Segundo essas leis, ficam proibidas a utilização,
perseguição, destruição, caça e apanha de es- GILMORE, R. M. Fauna e etnozoologia da Amé-
pécimes da fauna silvestre brasileira, bem como rica do Sul tropical. In: RIBEIRO, B.G. (ed.).
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Quem age em desacordo está sujeito à deten- Vozes, 1986. p. 189-233.
ção e multa.
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Além disso, a legislação proíbe: ce and commercial uses of wildlife. In: ROBIN-
• Impedir a procriação da fauna. Proibir SON, J. G.; REDFORD, K.H. (Eds.). Neotropical
o uso de redes malhadeiras de pes- wildlife use and conservation. University of
ca e arrastões nas beiras das praias Chicago Press, Chicago, 1991. p. 7-23.
33
capítulO 4
Planejamento e preparo das áreas monitoradas de reprodução de
quelônios amazônicos
Paulo César Machado Andrade e
Rafael Antônio Machado Balestra
em reprodução e reduzir o estresse por causas facilitar o controle dos veículos, de transeuntes
antrópicas. Consiste em retirar todos os en- e de embarcações que navegam pelas áreas de
tulhos (naturais e artificiais) existentes. Estes desova. Esses acampamentos devem ter con-
podem ser restos de vegetação, pedaços de dições mínimas de infraestrutura e de equipa-
árvores deixados pelas enchentes, tendas de mentos.
atendimento turístico, latas, garrafas, plásticos
etc. Esse procedimento facilita o acesso dos
quelônios, que podem transitar livremente pela
praia em busca do sítio ideal de desova, e reduz
a sensação de ameaça da presença humana,
principalmente em praias de nidificação das tar-
tarugas-da-amazônia, que são extremamente
seletivas em relação aos sítios de desova.
36
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
37
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
4.6 Considerações finais dezembro de 2011, que fixa normas (...) para a
cooperação entre a União, os Estados, o Distrito
A eficiência das atividades de manejo Federal e os Municípios nas ações administra-
e proteção de áreas de nidificação está direta- tivas decorrentes do exercício da competência
mente relacionada ao tempo de permanência comum relativas (...) à proteção do meio ambien-
das equipes em campo e ao acompanhamento te (...) e à preservação das florestas, da fauna e
intenso dos quelônios durante o período repro- da flora (...). Dessa forma, os órgãos estaduais,
dutivo. Além disso, recomenda-se que a im- prefeituras, organizações não governamentais e
plantação de unidades operacionais executoras sociedade civil organizada, devem solicitar a au-
dessas ações seja oriunda do Poder Público e/ torização para executar as atividades de manejo
ou da sociedade civil organizada, e distribuídas para conservação e monitoramento de popula-
por toda a Região Norte e parte da Região Cen- ções de quelônios pelo SISBIO – Sistema de Au-
tro-Oeste, nos estados de Goiás e Mato Grosso. torização e Informação em Biodiversidade, cuja
Essas unidades operacionais devem trabalhar gestão, neste contexto, é compartilhada entre o
em sistema de parceria com as gerências esta- Ibama e o ICMBio (Instrução Normativa nº 1, de
duais do Ibama, coordenações regionais e uni- 8 de dezembro de 2014).
dades de conservação do ICMBio, bem como
com outras instituições estaduais e municipais
ligadas ao meio ambiente. REFERÊNCIAS
38
Capítulo 5
Monitoramento da nidificação e manejo de ovos de quelônios
amazônicos
Rafael Bernhard, Mariel Acácio de Lima, Rafael Antônio Machado Balestra,
Camila Rudge Ferrara, Virgínia Campos Diniz Bernardes e
Ana Paula Gomes Lustosa
40
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
areia molhada em seu entorno, que foi remo- • Cabeçudo: ovos brilhantes, nota-
vida, pelo animal, das partes mais profundas velmente largos e com casca rígi-
da câmara de nidificação (Figura 4). da logo após a postura, tornando-
se flexível duas semanas depois.
A seguir, algumas formas de identificar
Os ovos variam de 50 a 63 mm de
ninhos de quelônios amazônicos:
comprimento e de 36 a 54 g (PRI-
Rastros – os rastros deixados na areia TCHARD; TREBBAU, 1984; DE LA
pelas fêmeas de quelônios amazônicos, quan- OSSA et al., 2012).
do estão selecionando o local para nidificar,
variam por espécie (Figuras 1a, b e c). Suas di-
ferenças facilitam a identificação da espécie e
para localizá-la basta acompanhar seus rastros.
41
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
43
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Figura 7 – Modelo esquemático das principais medidas corporais a serem obtidas da carapaça e do
plastrão; medida com paquímetro do comprimento retilíneo da carapaça; medida com fita métrica (1
mm de precisão) do comprimento curvilíneo da carapaça.
45
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
46
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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49
capítulO 6
Transferência de ninhos de quelônios amazônicos
Paulo César Machado Andrade, Cássia Santos Camillo, José Ribamar da Silva Pinto,
Paulo Henrique de Oliveira Guimarães, Janderson Rocha Garcez,
João Alfredo da Mota Duarte, José Roberto Moreira e
Rafael Antônio Machado Balestra
as razões para o uso dessa técnica, em quais si- tratégia de conservação é facilitar a logística de
tuações é utilizada e os problemas que pode tra- vigilância, proteger os ninhos e educar ambien-
zer para a população de quelônios. Finalmente, o talmente as comunidades locais.
detalhamento da técnica de transferência.
Diversos artigos têm demonstrado que
a transferência de ninhos realizada em áreas
6.1 Por que transferir um ninho? comprovadamente alteradas permite protegê-
los contra a predação humana e de eventuais
Pressupõe-se que o sistema natural de predadores, aumentando a taxa de eclosão
reprodução de quelônios amazônicos seja o mais dos filhotes. Em algumas dessas áreas, caso
adequado para essas espécies, por ter sido o que nenhuma proteção seja feita, a predação pode
evoluiu por seleção natural nos últimos milhões variar de 87,7% a 100% dos ninhos (SOINI,
de anos. Assim, a técnica de transferência de ni- 1997; CANTARELLI et al., 2008; ANDRADE,
nhos deve ser adotada como estratégia de con- 2008; BATISTELA; VOGT, 2009).
servação somente em casos extremos onde não
for possível a manutenção in situ dos ninhos de
populações ameaçadas de extinção. Portanto, o
requisito primordial para seu uso é: a população
de quelônios estar em ameaça de extinção e a
adoção de outras técnicas de conservação não
ser suficiente para sua recuperação.
Em casos de populações de tartarugas-
da-amazônia, tracajás e iaçás, nas quais grande
número de fêmeas desova em poucas praias
(tabuleiros de desova), o trabalho de vigilância
dos ninhos torna-se mais fácil para impedir a
predação humana. Porém, se essas popula-
ções estiverem muito ameaçadas é necessário
o salvamento do maior número possível de ni-
nhos. Os ninhos sujeitos a inundações repen-
tinas (repiquetes) ou em locais de alagamento Figura 1 – Ninho de iaçá P. sextuberculata inun-
por influência de marés (Figura 1) podem ser dado por enxurrada na RDS Uacari/AM.
salvos pela transferência para áreas mais altas,
mas na mesma praia de origem. Portanto, em
praias onde é possível o trabalho de vigilância,
mas que haja necessidade de salvamento de
ninhos, a técnica de transferência deve ser ado-
tada como estratégia de conservação quando
os ninhos estiverem localizados em áreas mais
baixas dos sítios de desova, havendo a possibi-
lidade de, antes da eclosão dos filhotes, serem
alagados pela subida da água.
Em áreas alteradas pelo homem, quan-
do as desovas da população ameaçada são iso-
ladas, dispersas em diversas praias, é difícil a
vigilância e a proteção contra a predação huma-
na, animais silvestres ou domésticos (Figura 2).
Nesses casos, o principal fator para a adoção Figura 2 – Ninho de tracajá P. unifilis predado
da técnica de transferência de ninhos como es- por humanos em Terra Santa/PA.
52
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
6.2 Possíveis problemas causados pela trans- seja verdade, a transferência de ni-
ferência de ninhos nhos para maternidades distantes da
praia de nascimento compromete o
comportamento desses quelônios.
A proteção de ninhos de quelônios sob
condições naturais e a soltura de filhotes são
consideradas técnicas de conservação seguras
É importante ressaltar que outros pro-
e eficientes, entretanto, o manejo de ovos pode
blemas oriundos da transferência de ninhos de
ser importante ferramenta para a conservação
quelônios podem ocorrer. Recentemente, foi
de quelônios (SÖNMEZ; ÖZDILEK, 2013). Se-
descoberto que as tartarugas-da-amazônia, bem
gundo Limpus e Miller (1980), a transferência
como outros quelônios, apresentam complexo
de ovos de quelônios do local de desova para
sistema de comunicação por som, incluindo o
um diferente local de incubação está sujeita a
cuidado parental pós-eclosão, por meio da agre-
três problemas que podem afetar o sucesso da
gação de filhotes com adultos para a migração
eclosão e o desempenho dos filhotes:
em massa (FERRARA et al., 2014). Essa migra-
• A morte do embrião causada por ção em massa pode ser para proteger os filho-
movimentos bruscos de rotação dos tes, pois dilui a pressão de predação (HAMIL-
ovos, que rompem a fixação do em- TON, 1971). Sendo assim, a transferência de
brião em relação à câmara de ar do ninhos para locais artificiais de incubação e a
ovo. Esse problema pode ser evitado posterior soltura dos filhotes longe de sua praia
se os cuidados forem tomados. de origem podem aumentar a predação de filho-
tes, por causa da ausência de adultos durante a
• Alteração da razão sexual e redução
migração.
da sobrevivência dos filhotes pelas
novas condições ambientais. Em Outro problema é a seleção negativa
quelônios, diversas condições do mi- de filhotes. Fêmeas de tartarugas diferem em
cro-habitat do ninho podem afetar ca- sua preferência de local de nidificação (ALHO;
racterísticas dos filhotes como sexo, PÁDUA, 1982). Se os ninhos que foram transfe-
tamanho, mobilização de nutrientes, ridos são de fêmeas que nidificam em áreas su-
capacidade natatória, sobrevivência, jeitas à inundação, é possível que isso influencie
entre outros (PACKARD et al., 1982; a pressão de seleção dos filhotes, alterando o
ALHO et al., 1985; GUTZKE et al., pool gênico da população (MROSOVSKY, 2006,
1987; SOUZA; VOGT, 1994; SPO- 2008). A descendência de fêmeas que desovam
TILA et al., 1994; PEZZUTI; VOGT, em áreas passíveis de alagamento, que poderia
1999; FERREIRA-JUNIOR et al., ser eliminada, passa a ter significativa represen-
2007; SÁ, 2009; CATIQUE, 2011). Se tação para as gerações seguintes.
os cuidados forem tomados durante
a transferência o problema é minimi-
zado ou evitado. 6.3 Metodologia recomendada para transfe-
rir ninhos de quelônios amazônicos
• Os filhotes, quando adultos, não
conseguirem retornar a seus locais
de nascimento para a desova. O de- Transferir ninhos é uma maneira co-
senvolvimento de técnicas molecu- mum adotada por diversos projetos de conser-
lares na década de 1990 comprovou vação de quelônios, porém requer uma série de
não só que as fêmeas de tartarugas cuidados, a fim de garantir o sucesso no nasci-
marinhas retornavam anualmente às mento dos filhotes e assegurar a proteção aos
mesmas praias para desovar, como efeitos negativos. Vários estudos têm adotado
também que essas eram as praias essa metodologia, demonstrando que esse pro-
onde elas tinham nascido (BOWEN cesso proporciona taxas de eclosão entre 70 e
et al., 1994; BOWEN; KARL, 2007). 90%, superiores ou similares às encontradas
Acredita-se que o mesmo ocorra na natureza (PÁDUA et al., 1983; CORREA;
com os quelônios da Amazônia. Caso SOINI, 1988; IBAMA, 1989; NASCIMENTO;
53
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
ARMOND, 1991; TCA, 1997; CENAQUA, 2000; de raízes, pedregulhos e excesso de matéria or-
ANDRADE et al., 2001, 2004 e 2005; ANDRA- gânica proveniente das folhas. Esses materiais
DE, 2008; TOWNSEND, 2008; COSTA, 2008). podem alterar a razão sexual, reduzir a taxa de
Valores inferiores a 50% na taxa de eclosão de eclosão ou aumentar o número de filhotes defei-
ninhos transferidos, normalmente, indicam falta tuosos (JANZEN, 1994; ANDRADE et al., 2005).
de cuidados básicos na transferência, imperícia Quando a vigilância não é possível na
da equipe ou grande variação microclimática nas praia de origem dos ninhos, deve ser esco-
condições dos ninhos artificiais. lhida uma área adequada para construir uma
praia artificial, chamada chocadeira (ANDRADE
Escolha do local para a transferência de ninhos et al., 2005). O local mais adequado para uma
chocadeira tem de ser alto, plano, aberto, livre
A escolha do local de desova pela fêmea de qualquer cobertura vegetal ou construções
confere ao ninho características como teor de próximas, e exposta à luz do Sol durante todo o
umidade, cobertura vegetal e tipo de substrato, dia. Esse local deve ter uma boa drenagem (para
que exercem influência sobre sua temperatura, escoamento das águas pluviais) com o solo to-
uma das variáveis ambientais mais importantes talmente nu, sem raízes ou ninho de formigas
durante o período de incubação (VOGT; BULL, por perto. É importante ser um local de fácil vi-
1982). Diversas características do micro-habitat gilância, estar em campo aberto ou praia próxi-
do ninho (especialmente temperatura) podem ma da comunidade (SOINI, 1999; ANDRADE et
afetar características dos filhotes como peso e al., 2005). Deve ser construída longe de lixeiras,
sexo, tempo de incubação (BULL; VOGT, 1979; esgotos ou lugar que possa atrair moscas, cujas
BULL, 1980; VOGT; BULL, 1982; SOUZA; VOGT, larvas predam os ovos e filhotes nos ninhos
1994), mobilização de nutrientes, morfologia, (ANDRADE, 2008; GARCEZ, 2009). O substrato
quantidade de vitelo residual após eclosão, capa- para onde serão transplantados os ninhos, ge-
cidade natatória, entre outros (PACKARD et al., ralmente é de areia (pelo menos 1 m de pro-
1982; GUTZKE et al., 1987; ALHO et al., 1985; fundidade), porém para o tracajá também pode
SOUZA; VOGT, 1994; SPOTILA et al., 1994; PE- ser de argila, ainda que as melhores taxas de
ZZUTI; VOGT, 1999; FERREIRA-JUNIOR et al., eclosão para a espécie sejam obtidas na areia
2007; SÁ, 2009; CATIQUE, 2011). Portanto, a (SOINI, 1999; ANDRADE et al., 2001, 2005).
escolha do local para transferir ninhos deve ser
Após a escolha do local para a chocadei-
feita com muito cuidado e atenção. A transferên- ra, a área deve ser delimitada por uma barreira
cia pode afetar até mesmo características não de 1,2 a 1,8 metro de altura, que pode ser feita
detectáveis nos primeiros meses de vida, após com diversos tipos de materiais: tela plástica tipo
a eclosão, com efeitos de longo prazo para os sombrite, tela metálica de galinheiro, estaca de
filhotes (JAFFÉ et al., 2008). madeira, aproveitamento de rede de pesca velha
Se a vigilância da praia for possível, a etc. (ANDRADE et al., 2005; OLIVEIRA; ANDRA-
transferência dos ninhos deve ser feita na pró- DE, 2012). Normalmente, é adotada a distância
pria praia. Nesse caso, é preferível escolher de 50 cm entre cada ninho transplantado de tra-
para a transferência dos ninhos um local alto da cajá ou iaçá (Figura 3). Para a tartaruga-da-ama-
praia (entre 1,5 e 4 m), livre de inundação, com zônia, a distância entre ninhos deve ser de 100
granulometria da areia e, consequentemente, cm. Vale lembrar que é importante deixar um
a temperatura semelhante à dos ninhos origi- espaço para o agente de praia circular entre as
nais (IBDF, 1987; IBAMA, 1989; ANDRADE et fileiras de ninho da chocadeira e entre os ninhos
al., 2005). Áreas mais altas da praia apresentam e as paredes laterais do cercado (IBDF, 1987;
menor teor de umidade (6-14%) e taxa de eclo- IBAMA, 1989; PORTAL et al., 2005; ANDRADE
são significativamente maior do que em praias et al., 2005). Em locais onde existem predadores
baixas (GARCEZ, 2009; SÁ, 2009; CATIQUE, naturais de ninhos, recomenda-se que a choca-
2011). Recomenda-se que o local de escolha deira seja coberta com fios de náilon bem finos
seja plano, suavemente inclinado (para permitir ou malhadeiras de mica, para que seja possível
o escoamento das águas pluviais), sem a pre- proteger as ninhadas sem causar sombreamento
sença de cobertura vegetal arbustiva ou rasteira (ANDRADE et al., 2005).
54
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
Quando e como transferir os ovos? 2005; ANDRADE et al., 2005; COSTA, 2008; OLI-
A fim de evitar a mortalidade embrio- VEIRA; ANDRADE, 2012). Preferencialmente, a
nária induzida pela movimentação dos ovos, a coleta e a transferência dos ovos devem ser re-
transferência deve ser realizada nas primeiras alizadas sequencialmente, no menor tempo pos-
24 horas após a postura. Em situações em que sível. No entanto, nos casos em que não for pos-
não for realizada a transferência nesse período, sível transferir os ovos logo após a coleta, esses
mas existir possibilidade de alagamento dos devem ser guardados em uma caixa de isopor,
ninhos, antes da eclosão dos filhotes, deve-se em local fresco, e a transferência realizada nas
optar por deixar o ninho intacto o máximo de horas com temperatura amena.
dias possível, até que passe o período crítico O ninho a ser transferido deve ser aberto
de 28-29 dias. Após o 30º dia de incubação, o cuidadosamente, bem como a retirada dos ovos
risco de danos com a transferência dos ninhos (Figuras 6a e b). Estes devem ser mantidos
é novamente reduzido (IBDF, 1987; IBAMA, na mesma posição de origem, evitando girá-
1989). Não é exatamente a movimentação dos los bruscamente (IBAMA, 1989; TOWNSEND,
ovos que causa a mortalidade embrionária, mas 2008; OLIVEIRA; ANDRADE, 2012). O transporte
a rotação brusca (IBAMA, 1989; TOWNSEND, dos ovos deve ser realizado preferencialmente
2008; OLIVEIRA; ANDRADE, 2012). em caixas de isopor de 24,5 litros, nas horas
Ovos de quelônios são suscetíveis à de- de temperatura mais amena. Para evitar que
sidratação, sobretudo os de tartaruga-da-amazônia os ovos balancem durante o transporte devem
e iaçá, que possuem cascas flexíveis. Portanto, a ser posicionados, desde o fundo da caixa, sobre
transferência dos ninhos deve ser realizada nas camadas de areia (preferencialmente, do próprio
horas mais frias do dia – entre 5 e 9 da manhã ou ninho), capim seco ou embalagens de ovos de
entre 17 e 18 horas (IBAMA, 1989; PORTAL et al., galinha. Os ninhos não devem ser misturados
(Figuras 7a e b).
A B
56
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
A B
57
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
Figura 10 – Profundidades dos ninhos artificiais, de acordo com a espécie (OLIVEIRA; ANDRADE, 2012).
58
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Nascimento e soltura de filhotes vel, deve-se optar pela transferência para praias
artificiais. O cuidado na transferência do ninho,
O tempo médio de incubação da tarta-
evitando horários quentes do dia, movimentos
ruga-da-amazônia é de 50 dias, do tracajá é de
bruscos dos ovos e transplante em área inade-
60 e do iaçá de 65 dias (veja capítulo 7 para va-
quada para a incubação dos ovos, é fator cru-
riações locais desse tempo médio). Quando os
cial para o sucesso dessa técnica. É importante
filhotes estão próximos da eclosão, saem dos
lembrar que a disponibilidade e o interesse
ovos e permanecem na câmara do ninho por 5 a
da comunidade devem ser considerados no
7 dias. Durante esse período, é possível identifi-
momento de decidir qual estratégia será utiliza-
car os ninhos nos quais os filhotes já saíram dos
da, sendo que essa decisão deve ser tomada em
ovos, devido ao afunilamento da areia no topo
conjunto com os agentes de praia e os comunitá-
do ninho. Alguns projetos de quelônios acele-
rios interessados.
ram a saída dos filhotes, que são retirados dos
ninhos nesse momento. Essa estratégia de ma-
nejo, mesmo não sendo recomendada, permite
REFERÊNCIAS
a contagem dos filhotes nascidos vivos naque-
le ninho. Caso os filhotes eclodam dos ninhos ALHO, C. J. R.; PÁDUA, F. M. Reproductive pa-
naturalmente, a contagem dos nascidos, por rameters and nesting behavior of the Amazon
ninho, pode ser feita pela contagem das cascas turtle Podocnemis expansa (Testudinata: Pelo-
de ovos nos ninhos. O número de filhotes nas- medusidae) in Brazil. Canadian Journal of Zo-
cidos vivos, os mortos e os ovos inviáveis são ology, v. 60, p. 97-103, 1982.
importantes para avaliar o sucesso do método
ALHO, C. J. R. Conservation and management
adotado e/ou ajustes na metodologia.
strategies for commonly exploited Amazonian
Tendo em vista que a tartaruga- turtles. Biological Conservation, v. 32, p. 291-
da-amazônia apresenta cuidado parental 298, 1985.
(FERRARA et al., 2014), já que as fêmeas
esperam os filhotes na beira da praia de ALHO, C. J. R.; DANNI, T. M. S.; PADUA, L. F.
desova, a soltura dos filhotes manejados, M. Temperature-dependent sex determination
independentemente se oriundos de ninhos in Podocnemis expansa (Testudinata, Pelome-
naturais ou transferidos, deve ser feita dusidae). Biotropica, v. 17, n. 1, p. 75-78, 1985.
prioritariamente nesse local. Para facilitar essa
ALHO, C. J. R. Uso potencial da fauna silvestre
logística, os filhotes de diversos ninhos podem
através de seu manejo. In: Anais do 1º simpó-
ser soltos, juntos, na praia onde tiver ocorrido
sio do Trópico Úmido. Belém: Embrapa-CPA-
o maior número de coleta de ninhos. Caso a
TU, 1986. p. 359-370. (Documentos, n. 36)
coleta tenha sido feita em grande área, será
necessária a escolha de diversas praias de AMPA. Aracampina, aprendendo e refazendo
soltura, dando preferência àquelas com maior com a natureza. Santarém: Ampa/Ipaam/Pro-
número de ninhos. Os dados referentes ao Várzea, 2006. 22 p.
sucesso de eclosão de cada ninho e à soltura
dos filhotes devem ser registrados em planilhas ANDRADE, P. C. M. Criação e manejo de que-
próprias (ficha em anexo). lônios no Amazonas. Manaus: Provárzea/Iba-
ma, 2008. 528 p.
Apesar de controversa, essa técnica
tem garantido aumento dos estoques populacio- ANDRADE, P. C. M.; PINTO, J. R. S.; LIMA, A.;
nais em vários locais onde foi adotada, merecen- DUARTE, J. A. M.; COSTA, P. M.; OLIVEIRA, P.
do ser considerada em programas de conserva- H. G.; AZEVEDO, S. H. Projeto Pé-de-Pincha,
ção de quelônios amazônicos. Ressalta-se que a parceria de futuro para conservar quelônios
estratégia de conservação ideal de proteção de na várzea amazônica. Ibama/Provárzea, 2005.
ninhos de quelônios é mantê-los nos locais origi- 27 p. (Coleção Iniciativas Promissoras, v. 1)
nais. Quando não é possível adotar essa estraté-
gia, deve-se optar pela transferência dos ninhos ANDRADE, P. C. M.; LIMA, A. C.; CANTO, S.
ameaçados para áreas da praia original. Somente L. O.; SILVA, R. G. et al. Projeto Pé-de-Pincha:
nos casos em que nenhuma das opções é possí- Manejo sustentável de quelônios (Podocne-
59
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
mis sp.) no Baixo Amazonas. São Paulo: Ex- 206, p. 1.186-1.188, 1979.
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61
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
62
capítulO 7
Monitoramento da incubação dos ovos e manejo de filhotes de
quelônios amazônicos
Rafael Antônio Machado Balestra, Paulo César Machado Andrade,
Rafael Bernhard, Camila Rudge Ferrara e Camila Kurzmann Fagundes
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Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
ninho após a saída dos filhotes. É evidente que que morreram sem que a sua morte tenha
este método não é tão preciso quanto contar di- sido causada por algum predador. Este é um
retamente os filhotes, e o seu nível de dificulda- parâmetro importante, pois índices de eclosão
de aumenta com o aumento do número de ovos muito baixos podem indicar problemas com o
em um ninho e da proximidade ou sobreposição transplante dos ninhos ou com características
parcial entre estes. Uma alternativa é contar o microclimáticas (temperatura e umidade de
número total de ovos de uma quantidade repre- incubação). Se houver ninhos transplantados e
sentativa de ninhos e, após a saída dos filhotes, não transplantados, o sucesso deve ser calculado
contar quantos ovos não eclodidos e filhotes separadamente entre essas categorias, para
mortos restaram nos ninhos. comparação das taxas resultantes.
65
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
A B
Figuras 3a e b –
Sexagem de filhote
por análise mesos-
cópica da gônada,
feita com lupa ou
microscópio estere-
oscópio.
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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capítulO 8
Manutenção em berçários e soltura de filhotes de quelônios amazônicos
O manejo de espécies ameaçadas visa tes em cativeiro (ANDRADE, 2008, 2012), com
assegurar a máxima variabilidade genética de vistas a minimizar a taxa de mortalidade, que é
populações, de maneira que possam ser viá- geralmente alta nessa fase da vida. Essa é uma
veis em longo tempo. Em casos em que o ta- estratégia bastante controversa, o que faz com
manho populacional é muito pequeno, pode ser que seja importante ponderar sobre os aspectos
necessária a ajuda do cativeiro como estratégia favoráveis e desfavoráveis da manutenção de
de manejo (BALESTRA et al., 2010). Alguns filhotes nesses ambientes artificiais, ainda que
programas de manejo de quelônios amazôni- os argumentos aqui apresentados sejam, para
cos adotam a manutenção temporária de filho- ambos os casos, especulativos. Tendo em vista
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
72
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
73
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
são, e que sejam adequados para o desenvolvi- Tendo em vista que esses ainda estão utilizan-
mento dos filhotes. É importante que sejam de do suas reservas vitelínicas, o fornecimento de
fácil construção, acesso e bom preço. Devem alimentos apenas contribui para a deterioração
possuir solários de areia, grandes e profundos da qualidade sanitária do berçário.
o suficiente para que os filhotes possam ficar
Os filhotes devem ser soltos em suas
cobertos de areia, caso necessário. Os berçá-
praias de origem. Orienta-se soltar filhotes de
rios devem apresentar algum tipo de proteção
pitiú e irapuca imediatamente após sua saída do
contra predadores aéreos, como telados ou fios
ninho. Segundo dados do Projeto Pé de Pincha,
suspensos. Apenas os filhotes mantidos para
essas espécies apresentam alta taxa de mortali-
soltura comunitária, preparados para a vida na
dade em cativeiro.
natureza, devem ter acesso à água.
74
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
75
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
Figura 5 – Berçário de alvenaria com formato Figura 7 – Caixa d’água de fibra plástica usada
redondo e tela para proteção contra, principal- como berçário.
mente, aves predadoras.
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capítulO 9
Monitoramento populacional de quelônios amazônicos
Rafael Bernhard, Camila Rudge Ferrara, Rafael Antônio Machado Balestra,
Rafael Martins Valadão, Robinson Botero-Arias e Richard C. Vogt
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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ras 6a e b). Esse comportamento não ocorre em ciência deste método também depende da tem-
todos os rios amazônicos, estando restrito, ge- peratura da água, por exemplo, no Rio Trombe-
ralmente, a rios com águas relativamente frias. tas é muito raro ver P. unifilis assoalhando, pois a
temperatura da água é suficientemente alta para
A contagem de P. unifilis por senso vi-
manter o equilíbrio metabólico dessa espécie
sual já foi realizada nos rios Guaporé (RO), Madei-
(VOGT, 2008). Já no Guaporé e em outros rios
ra (RO), Jari (PA/AP), Xingu (PA) (ALCÂNTARA,
com água mais fria essas espécies podem ser
2011) e no Rio Iténez, na Bolívia (CONWAY-GÓ-
monitoradas por essa estratégia.
MEZ, 2007). No Rio Trombetas é feito o senso
de fêmeas de P. expansa durante o período da
seca, quando elas se agrupam para a desova, as-
soalhando-se sobre bancos arenosos (FERRARA A
et al., 2010). P. erythrocephala, com menos fre-
quência, também realiza basking. P. sextubercu-
lata ainda não foi observada realizando esse tipo
de termorregulação, mesmo em cativeiro.
Este método consiste em percorrer
com um veículo náutico o rio, a uma velocida-
de e distância que permitam a contagem dos
animais sobre troncos e afloramentos rochosos,
em um trecho (percurso) predeterminado. É re-
comendável o uso de binóculo.
B
O trajeto percorrido pode ser registra-
do através da função track do GPS e os animais
avistados podem ser georreferenciados para
que sua distribuição na área de monitoramen-
to seja melhor caracterizada. Pode-se calcular a
densidade demográfica relativa de animais avis-
tados pela razão entre o número de exemplares
contabilizados e a distância percorrida. Figuras 6a e b – Exemplares de P. unifilis ter-
morregulando por assoalhamento sobre troncos
Vários fatores abióticos podem influen- de árvores (a) e fêmeas de P. expansa agrupa-
ciar o número de animais observados como o das em processo de nidificação, assoalhando
clima, o nível do rio e a temperatura do ar. Por sobre banco de areia (b).
exemplo, o maior número de avistamentos de
P. unifilis ocorreu nos dias ensolarados da esta-
ção seca e com temperaturas variando de 25 a Pesca
30 ºC, em um estudo realizado no Peru (NOR-
RIS et al., 2011). Portanto, as contagens preci- Método comumente usado em captu-
sam ser repetidas em uma estação para que o ra de Podocnemidideos, especialmente P. ex-
efeito de variáveis ambientais de um único dia pansa, P. unifilis e P. sextuberculata. Realizada
(ou de poucos dias) seja minimizado. com instrumentos específicos para a captura
de quelônios límnicos, vulgarmente conheci-
Este método é vantajoso pela pratici-
dos por cambuins ou camurins, constituídos por
dade e o custo relativamente baixo, mas não
permite uma análise mais apurada da estrutura boia pequena de isopor, linha de náilon e anzol
populacional de tamanho, massa ou sexo, pois, pequeno sem fisga, para ambientes lênticos, e
é óbvio, não há capturas. anzóis duplos, espessos e sem fisga, com linha
de náilon comprida, para águas mais profundas
Este método não é adequado para mui- (IBAMA, 1989; BATAUS, 1998) (Figura 7).
tas espécies de quelônios no Brasil que são estri-
tamente noturnas e nunca saem da água, como Na região do Rio Negro/AM, linhas de 7
Rhinemys rufipes e Platemys platycephala. A efi- a 8 metros de comprimento são atadas a flutua-
83
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
A B
C D
Figuras 8a, b, c e d – Rede de arrasto lançada no Rio Madeira: a) rede sendo lançada na água a partir
de duas embarcações; b) corda com chumbo sendo puxada até que se forme um “saco”, c) que é
puxado para dentro da embarcação; d) depois que todo o chumbo foi puxado, iça-se a corda com as
boias.
84
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
Cachorros de caça
Os cachorros podem ser treinados para Figura 11 – Fêmeas adultas de P. expansa cap-
procurar quelônios sob folhiço, troncos, lama- turadas após a nidificação pelo método da vira-
çais ou mesmo sob poças d’água. O ideal é que ção.
o cachorro seja treinado para procurar especi-
ficamente algumas poucas espécies de quelô-
nios, para não se dispersar com outros animais 9.2 Procedimentos a serem realizados (cole-
durante a busca (VOGT, 2012). O cão farejador, ta de dados)
nesse caso, será um instrumento de busca ati-
va.
Identificação das espécies
Segundo informações de treinadores,
A identificação de espécies deve ser
um mesmo cachorro pode ser treinado para
feita criteriosamente por especialistas no táxon,
encontrar até quatro espécies de quelônios. A
com base em averiguações em chaves taxonô-
utilização de cães é um excelente método para
micas ou manuais/guias de identificação, sendo
a procura de jabutis e de quelônios semiaquá-
que a segura identificação de algumas espécies
ticos que vivem em baixios alagados, poças e
que integram complexos de espécies, às vezes,
igarapés (riachos) em florestas de terra firme.
exige a avaliação de taxonomista.
Os quelônios semiaquáticos costumam estivar
nesses ambientes ou mesmo se enterrar duran- Não há uma consagrada chave de iden-
te a estação seca. Eles ficam ativos e à procura tificação para todas as 31 espécies de quelônios
de alimentos na estação chuvosa. continentais brasileiros. Recomenda-se para a
86
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identificação de muitas dessas espécies, a cha- indivíduo recém-nascido pode durar até 3 anos.
ve taxonômica proposta por Rueda-Almonacid Em adultos, o corte ou furo pode constituir uma
et al. (2007). Outras chaves de identificação de marca permanente na carapaça, dependendo de
quelônios podem ser encontradas em Williams como e onde e feito.
(1954) (Podocnemidídeos), Pritchard e Trebbau
Este método consiste numa codifica-
(1984) na Venezuela, Cites (1999), em espécies
ção (alfa-numérica) estabelecida pela disposição
controladas pela convenção, e Páez et al. (2012)
de cortes ou furos nos escudos marginais da ca-
na Colômbia.
rapaça (Figuras 12a e b), sendo que cada escudo
pode receber até duas numerações (adaptado
de CAGLE, 1939).
Marcação
Esses escudos representam códigos
Existe grande variedade de técnicas de
literais e/ou apenas numerais (Figuras 13a, b e
marcação de quelônios. A seguir, as habitual-
c). Vale ressaltar que os escudos marginais que
mente usadas:
fazem a união da carapaça com o plastrão (na
chamada ponte) não devem ser perfurados, a
Marcação com furos ou cortes retangu- fim de evitar injúrias aos animais (região alta-
lares nos escudos marginais da carapaça mente vascularizada).
A B
Figuras 12a e b – Métodos tradicionais de marcação de quelônios por meio de furos (a) ou cortes
(b) nos escudos marginais da carapaça.
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
A B C
A B
Figuras 14a e b – Marcação de quelônios com etiquetas metálica (a) e plástica (b), e cortes mar-
ginais.
88
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
90
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
A B
Figuras 19a e b – Indivíduos de P. expansa com radiotransmissores nas carapaças (a) e pesquisa-
dora direcionando antena de sinais VHS de espécimes marcados (b).
91
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
A B
Figuras 20a e b – Modelo esquemático das principais medidas corporais a serem obtidas: compri-
mentos máximos retilíneos da carapaça (a) e plastrão (b).
A B
Figuras 21a e b – Medidas biométricas tomadas por paquímetro (a) e fita métrica (b). Medidas re-
tilíneas e curvilíneas, respectivamente.
A B C
Figuras 22a, b e c – Indivíduo juvenil em balança digital (a); pesagem de fêmea adulta de P. expansa
por dinamômetro (b) e indivíduo de menor porte em dinamômetro (c).
92
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Quando o projeto objetiva uma avalia- tebrais da carapaça; CSMV: comprimento da su-
ção mais acurada dos caracteres morfométricos tura médio-ventral, do plastrão, da borda anterior
da carapaça, para abordagens mais específicas, do escudo intergular, até o ponto mais posterior
como estudos taxonômicos clássicos com base da intersecção dos escudos anais; CMP: com-
em parâmetros morfométricos, notadamente primento máximo do plastrão, da borda anterior
para espécies da família Chelidae, sugere-se do escudo gular até a borda posterior do escudo
que sejam tomadas as medidas propostas por anal; LMP: largura máxima do plastrão, por meio
Legler (1990) (Quadro 1 e Figura 23). da sutura até os escudos abdominais e peitorais,
As principais medidas a serem toma- de um ponto de intersecção entre esses dois es-
das são: CMC: comprimento máximo da ca- cudos e o marginal até o outro; CURV: curvatu-
rapaça, medido da borda anterior do primeiro ra, que é o comprimento curvilíneo da carapaça,
escudo marginal até a borda posterior do es- medida desde a borda anterior do primeiro escu-
cudo supracaudal; LMC: largura máxima da ca- do marginal até a borda posterior do escudo su-
rapaça, local de maior distância entre a borda pracaudal; VÃO: distância da borda posterior do
lateral dos escudos marginais de um lado ao escudo supracaudal até a ponta da sutura médio-
outro; AMC: altura máxima da carapaça, per- ventral do plastrão; CCD1: distância da base da
pendicularmente ao plastrão, ao nível da maior cauda ao orifício cloacal; CCD2: distância da base
distância entre os escudos do plastrão e os ver- à ponta da cauda.
93
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
Sexagem e razão sexual gicas externas. Por isso, os filhotes devem ser
sacrificados com anestésico e fixados com for-
A sexagem (definição do sexo) de indiví-
mol a 10% tamponado, para serem dissecados
duos juvenis e adultos pode ser feita pela verifica-
(Figuras 26a e b).
ção de caracteres morfológicos distintivos como
o tamanho da cauda e garras, e a coloração, que Segundo Gibbons (1990), a razão sexual
também pode variar entre machos e fêmeas de funcional deve ser calculada com base em indiví-
diferentes espécies (Figuras 24a e b). duos que alcançaram a maturidade. Fachín-Terán
et al. (2003) utilizaram algumas características
Nos Podocnemididae, fêmeas são
morfológicas, como ausência de tubérculo no
maiores que machos. Machos possuem cau-
plastrão, para determinar a fase de vida (juvenil/
das mais grossas e compridas que as fêmeas,
adulta) de P. sextuberculata. No entanto, o apare-
devido ao maior desenvolvimento muscular do
cimento de características do dimorfismo sexual
órgão copulador. A margem posterior do plas-
secundário, durante o crescimento, pode prece-
trão de machos costuma ser em forma de “U”,
der a efetiva maturidade gonadal. Portanto, para
enquanto nas fêmeas essa região tem a forma
melhor padronização dos estudos, é preciso de-
de “V” (Figuras 25a e b).
finir o tamanho do indivíduo para maturidade se-
Em monitoramentos reprodutivos, es- xual (machos e fêmeas) na população estudada
pecialmente de espécies do gênero Podocne- (De La OSSA, 2007; BERNHARD, 2010).
mis, quando se almeja estimar a razão sexual de
Uma vez estabelecido o tamanho míni-
uma amostragem de filhotes recém-nascidos
mo de maturidade sexual, este deve ser infor-
em determinados sítios de nidificação, pode-se
mado para que se possa replicar o estudo. Prit-
determinar o sexo por meio da análise morfoló-
chard e Trebbau (1984) relacionam a maturidade
gica de gônadas, com uma lupa (MALVASIO et
sexual ao tamanho do animal, apontando que
al., 2002). Isso também pode ser feito, preferen-
nos machos ocorre antes das fêmeas, e que es-
cialmente, por análises histológicas, através de
tudos abordando a biometria de machos adultos
microscopia estereoscópica, uma vez que não
raramente são realizados.
há como definir o sexo por distinções morfoló-
A B
Figuras 24a e b – Manchas amarelas típicas de machos adultos de P. sextuberculata (a) cabeça de
fêmea adulta (b).
94
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
A B
A B
Figuras 26a e b – Sexagem de filhote por análise mesoscópica da gônada, feita com microscópio
estereoscópio.
95
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
Índice de recaptura
Consiste na razão entre o número de
recapturas e o número total de capturas (contar
somente a primeira recaptura por análise). O re-
sultado final deve ser multiplicado por 100, pois
é uma proporção (porcentagem). O índice de
recaptura nem sempre pode ser utilizado para
Figura 27 – Tubos para acondicionar (eppen-
estimar o tamanho da população estudada, prin-
dorfs) amostras de tecido preservado em álcool
cipalmente quando é muito baixo. Por meio dele
96%.
é possível fazer inferências sobre a representa-
tividade da amostra obtida da população. Bai-
xos índices de recapturas indicam que apenas
9.3 Sugestões de análises dos dados obtidos
pequena fração da população foi marcada. Isso
nos sensos populacionais
pode ocorrer devido a vários fatores, tais como:
população amostral significativamente maior do
Esforço de captura que a marcada; grau de eficiência do método de
Para calcular o esforço de captura deve- amostragem; amostragem ocorrer em pequena
se multiplicar o número de petrechos (aparatos, fração da área ocupada pela população de es-
instrumentos ou armadilhas) de interceptação tudo ou altas taxas de imigração/emigração em
(captura) utilizados em indivíduos da espécie relação à área de estudo. Diferentes índices de
monitorada pelo esforço empregado (em horas). captura entre machos e fêmeas ou entre ani-
96
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
mais de tamanhos diversos podem ser indica- comprimento. Com o auxílio de uma vara de ma-
ção de seletividade do método empregado em deira a serrapilheira foi revirada em regiões onde
relação a sexo ou tamanho, pois a probabilidade esta estava acumulada, para atender à premissa
de captura pode ser maior para um sexo ou clas- do método: que todos os animais sobre a linha
se de tamanho. do transecto fossem detectados. Mcmaster e
Downs (2006) também realizaram procura ativa,
montados em cavalos, em um estudo com Stig-
Estimativa do tamanho populacional mochelys pardalis na África do Sul.
Para estimar o tamanho populacional
de espécies de quelônios monitoradas, pode-se
Densidade
utilizar o método consagrado da “captura-mar-
cação-recaptura”, de Jolly-Seber (CAUGHLAY, A densidade populacional é o tamanho
1980), cuja análise é comum em softwares de da população por unidade de espaço, sendo ge-
estatística aplicada à ecologia de populações. ralmente expressa em número de indivíduos ou
Esta análise consiste no cálculo da seguinte fór- biomassa da população por unidade de área ou
mula: de volume (ODUM, 1988). Biomassa é a massa
de organismos (vivos ou mortos) por unidade de
ni + niZiRi
Ni = _________ área de solo (ou por área ou volume de água)
m i ri (BEGON et al., 2007). Krebs (2001) chama a
atenção para dois tipos de densidade: a absolu-
ta e a relativa. Densidade absoluta é o número
Onde: Ni = tamanho populacional esti- de organismos por unidade de área ou volume;
mado, ni = tamanho da amostra, mi = número densidade relativa é a densidade de uma popu-
de indivíduos marcados na amostra, Ri = nú- lação em relação à outra e pode ser obtida com
mero total de indivíduos marcados e soltos, ri algum índice biológico que seja correlacionado
= número de indivíduos de Ri soltos e, poste- com a densidade absoluta. Por meio de um
riormente, recapturados, e Zi = número de in- fluxograma, com questões sobre a necessida-
divíduos marcados antes do tempo i, que não de de estimar a densidade absoluta, se dados
foram recapturados no tempo i, mas subse- em nível de indivíduos são necessários ou se a
quentemente. população é explorada, Krebs (2001) orienta so-
O método de marcação e recaptura bre qual metodologia para a estimativa da den-
necessita de grande número de sessões de sidade é a mais apropriada. Da mesma forma,
trabalho (LETTINK; ARMSTRONG, 2003), com um fluxograma apresentado por Amstrup et al.
isso o uso convencional deste método com (2005) auxilia na escolha do método apropriado.
quelônios amazônicos nem sempre é eficaz, já Para que a densidade seja calculada,
que as grandes dimensões da Amazônia, e os é importante conhecer a área ou o volume da
grandes deslocamentos migratórios de muitas área de estudo. Em estudos com quelônios
das espécies desse grupo, dificulta a recaptu- terrestres, costuma-se calcular a densidade ba-
ra dos indivíduos amostrados. Outros métodos seando-se na área amostrada (AVERILL-MUR-
para a estimativa do tamanho populacional, RAY; AVERILL-MURRAY, 2005; MCMASTER;
bem como suas premissas são explicados por DOWNS, 2006). O cálculo de biomassa foi reali-
Krebs (2001); Amstrup et al. (2005), Cooch e zado no Rio Cumi-Curi em estudo com Peltoce-
White (2008) e outros. phalus dumerilianus (De La OSSA; VOGT, 2011)
Para quelônios terrestres, o método de e em outro estudo, nos Lençóis Maranhenses,
transecção linear é baseado em procura ativa. com Trachemys adiutrix (BATISTELLA, 2008).
Jerozolimski (2005) utilizou essa metodologia No caso de espécies riverinas amazôni-
para o estudo das duas espécies de Chelonoidis cas, como as da família Podocnemididae, a área
(C. denticulata e C. carbonaria) no sul do estado a ser utilizada para a estimativa de densidade
do Pará. Cinco pessoas, distantes dez metros pode ser a superfície do corpo d’água amostra-
entre si, percorreram paralelamente um tran- do ou pode incluir a área de floresta alagada de
secto de aproximadamente dois quilômetros de entorno, importante para esses animais durante
97
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
a cheia. Em praias de desova, a área a ser con- nicos. O tamanho pode influir na taxa de sobre-
siderada varia entre diferentes níveis do rio. Em vivência e na fecundidade de um animal, sendo
secas severas, a área será maior em relação a assim, contribui com dados da população estu-
outros anos. Portanto, é importante mencionar dada. A estrutura de tamanho de uma população
qual foi a cota ou o nível do rio no dia em que foi precisa ser conhecida para a melhor compreen-
feita a medição da área. são do impacto da captura e comercialização
para consumo humano, tendo em vista que isso
ocorre preferencialmente com animais adultos
Classes de tamanho ou massa e, mais frequentemente, do sexo feminino.
Na composição da estrutura popula- Existe uma recorrente indicação na li-
cional, a distribuição etária é um importante teratura de que para P. unifilis são considerados
parâmetro a ser definido, por influenciar tanto a adultos os indivíduos com comprimento
natalidade como a mortalidade. As proporções retilíneo da carapaça em torno de 250 mm para
entre os vários grupos etários de uma popula- os machos e 350 mm para as fêmeas. Para P.
ção determinam seu estado reprodutivo atual e expansa ser considerada adulta, a fêmea tem
indicam o que pode ser esperado no futuro. Em que ter comprimento linear da carapaça por
condição in situ ainda não há parâmetros facil- volta de 500 mm e para os machos 350 mm
mente observáveis para a classificação etária de (OJASTI, 1971; ALHO; PÁDUA, 1982; PRIT-
quelônios. Para tanto, há o consenso em distri- CHARD; TREBBAU, 1984; von HILDEBRAND
buir esses animais por classe de tamanho e/ou et al., 1988). Na Tabela 1 constam referências
massa corporal. Embora o tamanho de um ani- de comprimento máximo retilíneo da carapaça
mal tenda a ser maior com o passar dos anos, dos menores indivíduos (machos e fêmeas) em
uma estreita relação entre idade e tamanho não maturidade sexual da família Podocnemididae.
foi ainda comprovada para os quelônios amazô-
Tamanho
Espécie Local Estudo
Machos Fêmeas
Peltocephalus dumerilianus ni 252 Rio Negro (AM) De La Ossa (2007)
Podocnemis erythrocephala 161 222 Rio Negro (AM) Bernhard (2010)
Podocnemis expansa ni 465 Rio Orinoco (Venezuela) Peñazola (2010)
Podocnemis expansa ni 500 Rio Trombetas (PA) Alho e Pádua (1982)
Podocnemis expansa ni 516 Rio Purus (AM) Pantoja-Lima (2007)
Podocnemis expansa ni 520 Rio Caquetá (Colômbia) von Hildebrand et al. (1997)
Podocnemis expansa ni 550 Orinoquia (Venezuela) Ojasti (1971), Paolillo (1982)
Podocnemis sextuberculata ni 220 Rio Purus (AM) Pantoja-Lima (2007)
Podocnemis sextuberculata ni 250 Rio Japurá (AM) Bernhard (2001)
Podocnemis sextuberculata ni 265 Rio Trombetas (PA) Haller e Rodrigues (2006)
Podocnemis unifilis ni 270 Rio Putumayo (Colômbia) Foote (1978)
Podocnemis unifilis 250 350 Rio Guaporé (RO) Soares (2000)
98
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
99
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
100
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
BRASIL, M. A.; HORTA, G. D.; NETO, H. J. F.; De La OSSA, V. J.; VOGT, R. C. Ecologia popu-
BARROS, T. O.; COLLI, G. R. Feeding Ecology lacional de Peltocephalus dumerilianus (Testu-
of Acanthochelys spixii (Testudines, Chelidae) in dines, Podocnemididae) em dois tributários do
the Cerrado of Central Brazil. Chelonian Con- Rio Negro, Amazonas, Brasil. Interciência, v.
servation and Biology, v. 10, p. 91-101, 2011. 36, n. 1, p. 53-58, 2011.
CAPUTO, F. P.; VOGT, R. C. Stomach flushing FABENS, A. J. Properties and fitting the von
Bertalanffy growth curve. Growth, v. 29, p.
vs. fecal analysis: The example of Phrynops rufi-
265-289, 1965.
pes (Testudines: Chelidae). Copeia, v. 2008(2),
p. 301-305, 2008. FACHÍN-TERÁN, A.; VOGT, R. C. Estrutura po-
pulacional, tamanho e razão sexual de Podocne-
CAUGHLEY, G. Analysis of vertebrate popu- mis uniflis (Testudines, Podocnemididae) no Rio
lations. London, England: John Wiley and Sons, Guaporé (RO), norte do Brasil. Phyllomedusa,
1980. v. 3, n. 1, p. 29-42, 2004.
CITES. Turtles and Tortoises: Guide to the FACHÍN-TERÁN, A.; VOGT, R. C.; THORBJAR-
Identification of Turtles and Tortoises Spe- NARSON, J. B. Estrutura populacional, razão
cies Controlled under the Convention on In- sexual e abundância de Podocnemis sextuber-
ternational Trade in Endangered Species of culata (Testudines, Podocnemididae) na Reser-
Wild Fauna and Flora. Profepa (Semarnap), va de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá,
Canada, 1999. 232 p. Amazonas, Brasil. Phyllomedusa, v. 2, n. 1, p.
43-63, 2003.
CONWAY-GÓMEZ, K. Effects of human settle-
ments on abundance of Podocnemis unifilis and FERRARA, C. R.; SCHNEIDER, L.; VOGT, R. C.
P. expansa turtles in Northeastern Bolivia. Che- Podocnemis expansa (Giant South American Ri-
lonian Conservation and Biology, v. 6, n. 2, p. ver Turtle). Basking before the nesting season.
199-205, 2007. Herpetological Review, v. 41, p. 72-72, 2010.
101
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
102
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
103
ANEXO 1
Protocolo básico para ações de pesquisa, monitoramento
populacional e manejo conservacionista de quelônios amazônicos
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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ANEXO 2
Recomendações de ações de educação socioambiental e proteção
ambiental para a conservação de quelônios amazônicos
Rafael Antônio Machado Balestra
112
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fiscalização oficial em matéria de meio ambiente, importante em UCs de uso sustentável, caso de
tanto em áreas públicas quanto nas particulares. Áreas de Proteção Ambiental e Reservas Extrati-
vistas, frequentemente utilizadas como balneário
O monitoramento das rotas de mi-
turístico em temporadas de praia.
gração das tartarugas aos tabuleiros promove,
indiretamente, a proteção dos ambientes e da
fauna local, principalmente da ictiofauna, herpe- Protocolo básico de ações de prote-
tofauna e mastofauna. Além disso, esse moni- ção ambiental
toramento é capaz de integrar as comunidades
ribeirinhas ao processo de conservação da área,
à medida que busca atrair sua atenção para 2.1 Diagnósticos das áreas e épocas que de-
as consequências do processo predatório, por mandam ações de proteção (áreas de
meio de ações de capacitação dos líderes comu- ocorrência, vetores de pressão, comuni-
nitários. Dessa forma, abre-se caminho para que dades e calendário de eventos)
o homem ribeirinho participe na gestão e mane-
jo dos recursos da fauna, de forma consciente. Justificativa: o diagnóstico é necessá-
rio para embasar as ações de planejamento e
Neste contexto, as ações de fiscalização operacionalização das ações de fiscalização.
e controle das atividades predatórias nas áreas de
ocorrência, dispersão, alimentação e nidificação Metodologia:
visam ao aumento da população de quelônios e • Realização de levantamentos de in-
de outros componentes faunísticos das áreas formações diversas sobre a realidade das espé-
monitoradas, além do restabelecimento dos es- cies e das ameaças para a elaboração de mapas
toques naturais, com o envolvimento maior das e calendários de ações. É importante considerar
comunidades nos trabalhos de manejo, de modo o ciclo hidrológico, os movimentos sazonais e
a influenciar em suas culturas mudanças de com- os períodos críticos sobre as épocas de maior
portamento em relação ao desmatamento, cap- captura ilegal de quelônios.
tura e comércio de quelônios.
• Integração com o Mapeamento Parti-
Abrangência espacial: proteção dos sí- cipativo proposto no tema anterior (identificação
tios de reprodução, contemplando as áreas de de áreas de desova).
migração pré e pós-desova, alimentação, con-
• Elaboração do Plano de Proteção Anual.
centração e nidificação.
Periodicidade: anual, com revisões
Abrangência temporal: o tracajá Podoc-
constantes.
nemis unifilis e o iaçá Podocnemis sextubercu-
lata desovam de junho a agosto, e o período de
incubação dos ovos vai até setembro e outu- 2.2 Ações de fiscalização
bro. De junho a agosto, a tartaruga-da-amazônia
Podocnemis expansa migra dos lagos para as Justificativa: as ações de fiscalização
praias de desova, conhecidas por tabuleiros, e são imprescindíveis para coibir ilícitos ambien-
vão se aglomerando em frente à praia, que de- tais e perturbações das áreas de reprodução de
pende de ações efetivas de vigilância, monito- quelônios. Devem ser rotineiras nas unidades
ramento e, em muitos casos, de ações de ma- de conservação e, se possível, integrar as ope-
nejo, a fim de garantir o sucesso do processo rações de fiscalização com orientações à popu-
de reprodução. As desovas ocorrem entre se- lação.
tembro e novembro. A proteção dos sítios deve Metodologia:
perdurar por toda a incubação, que pode se es-
tender até março para a tartaruga-da-amazônia, • Realização de operações de fiscali-
em Roraima. zação rotineiras nas unidades de conservação,
que devem constar na elaboração do Plano de
Os procedimentos fiscalizatórios, em Proteção Anual. O plano deve conter ações re-
alguns casos, exige o “embargo” de áreas rele- lativas ao calendário construído no diagnóstico,
vantes à conservação desses animais, especial- realizado na etapa anterior.
mente quando abrigam praias. Essa ação é muito
113
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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115
Anexo 3
Cartilha de capacitação comunitária para a conservação de
quelônios amazônicos
Rafael Bernhard, Rafael Antônio Machado Balestra,
José Roberto Moreira
Sobre os quelônios
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
Diversidade
No mundo, existem mais de 300 espécies de quelônios de água doce e terrestres. No Bra-
sil, ocorrem 36 espécies e na Amazônia brasileira 17.
Ameaças
O comércio de quelônios adultos e de seus ovos reduziu muito o seu número nos rios ama-
zônicos, principalmente as espécies mais procuradas, que são a tartaruga-da-amazônia, o tracajá, o
pitiú (ou iaçá), a irapuca e o cabeçudo.
118
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Como protegê-los?
Duas coisas precisam ser feitas para que possamos recuperar os quelônios na natureza:
evitar que os adultos sejam consumidos e proteger suas áreas de desova. A proteção de desova
geralmente é feita para os ninhos dessas quatro espécies:
Os machos são conhecidos como ca- que o nível da água dos rios volte a subir. As
pitari. A tartaruga-da-amazônia é a maior es- fêmeas desovam uma vez por ano e põem
pécie de tartaruga de água doce da Amazônia, em média 100 ovos. Os ovos são grandes,
chegando a mais de 109 cm de comprimento redondos, parecidos com bolas de ping-pong.
e pesando até 90 kg. Durante a estação de Depois de 40 ou 45 dias, os filhotes rompem
seca dos rios, as tartarugas migram até as a casca dos ovos e permanecem dentro dos
praias de desova, também conhecidas como ninhos até que estejam prontos para realizar
taboleiros, onde permanecem em bandos até sua viagem até o rio.
119
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
Os machos desta espécie são chamados também de zé-prego e diferem das fêmeas pela
cauda mais grossa e pelas manchas amarelo-gema na cabeça. As fêmeas desta espécie podem ser
maiores que 50 cm de comprimento e pesar 12,5 kg. Esta espécie desova em uma variedade de
ambientes como praias e barrancos de rio. Os ninhos são cavados tanto na areia quanto na argila ou
em uma mistura de terra com restos de plantas. Uma fêmea pode desovar até duas vezes por ano
e põe entre 5 e 54 ovos alongados e de casca dura. Os filhotes nascem depois de um período que
varia de 48 a 89 dias.
120
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Esta espécie vive principalmente em rios de água preta. Os machos e os filhotes têm
manchas vermelhas na cabeça e na borda da carapaça. As fêmeas chegam a medir 32 cm e a pesar
mais de 2 kg. As fêmeas desovam em praias, campinas e às vezes em barrancos com argila. Os
ovos são alongados e de casca dura, pouco flexíveis. O número de ovos em um ninho varia de 2 a
16. Uma fêmea pode pôr até quatro ninhos em uma mesma estação de desova. Os filhotes nascem
de 62 a 87 dias.
121
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
O agente de praia
Escolhido nas reuniões, o agente de O agente de praia não é um fiscal. Por-
praia é a pessoa responsável diretamente pelo tanto, sua atividade deve ser apenas o monitora-
sucesso do programa de proteção de áreas de mento, a educação e a sensibilização ambiental.
desova. Cabe a ele:
1) Vigiar a área protegida desde a de-
sova até o nascimento e soltura
dos filhotes, não permitindo a co-
leta de ovos ou de fêmeas adultas;
2) Zelar pela limpeza e tranquilidade
da área protegida, impedindo que
embarcações ou atividades recre-
ativas atrapalhem o sossego das
fêmeas que vieram desovar;
3) Proteger os ninhos contra preda-
dores naturais;
4) Transplantar os ninhos que esti-
verem em área de risco de roubo,
predação ou alagamento;
5) Anotar, todos os dias, as informa-
ções sobre o número de ninhos
naturais e transplantados, ovos e
filhotes, nas fichas de campo.
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Antes da desova, a área deve ser limpa, caso haja lixo. Também deve ser construído tapiri
ou montado o acampamento onde o agente de praia irá trabalhar. O ideal é que haja a participação
de toda a comunidade nesta etapa.
123
Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
A transferência ou transplante dos ninhos deve ser feita apenas se eles estiverem ameçados
por roubo ou por alagamento. É melhor transferir logo que ele tenha sido posto, sempre com muito
cuidado. Nunca se deve agitar ou bater os ovos, pois isso pode matar o embrião. Os ovos podem
ser transportados em baldes ou caixas de isopor.
124
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O ninho
O ninho de um quelônio geralmente possui uma saída mais estreita, inclinada, que desce
até a câmara de ovos, mais larga e alta. A fêmea deixa sempre um espaço entre os ovos e a parede
do ninho, para que os embriões não sejam amassados quando os ovos crescerem e absorverem
umidade. Sem esse espaço pode haver má formação ou morte de embriões.
Ninhos transferidos
Na hora de enterrar os ovos novamente, é preciso cavar um ninho parecido com o ninho
que foi retirado, de preferência em uma praia de areia. A profundidade do ninho varia entre as espé-
cies e pode ser medida na hora em que os ovos são retirados do ninho original, fazendo uma marca
em uma vareta.
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Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos
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Nascimento Soltura
127
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Avaliação
Tão importante quanto reunir as comunidades e entidades que colaboram com o trabalho
de proteção de desova é fazer uma reunião para avaliar o trabalho. É importante que os pontos po-
sitivos e negativos sejam discutidos com todos, para que a proteção de ninhos melhore a cada ano.
128
Anexo 4
Fichas de campo
FICHA DE CAMPO
BIOLOGIA REPRODUTIVA
MUNICÍPIO: ESTADO:
Tipo
(cm)
digo)
ça (cm)
(registro/có-
d´água (cm)
Peso (grama)
Profund. (cm)
Altura da linha
Comp. Carapa-
Larg. Carapaça
Coleta amostra
Registro/código
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FICHA DE CAMPO
CONTROLE DO BERÇÁRIO (OU VIVEIRO)
MUNICÍPIO: ESTADO:
ESPÉCIE: RESPONSÁVEL:
Local de destinação
Nº de filhotes Data da
Nº de filhotes Local de origem Data da entrada dos filhotes
mortos soltura
(coordenadas)
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FICHA DE CAMPO
DADOS AMBIENTAIS
(NÍVEL D’ÁGUA, TEMPERATURA E UMIDADE RELATIVA DO AMBIENTE)
MUNICÍPIO: ESTADO:
ESPÉCIE: RESPONSÁVEL:
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FICHA DE CAMPO
MARCAÇÃO E BIOMETRIA DE FILHOTES
MUNICÍPIO: ESTADO:
ESPÉCIE: RESPONSÁVEL:
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