Você está na página 1de 14

Cosmogonia Nórdica

Este conto visa relembrar os mitos cosmogônicos do surgimento do mundo, da criação


dos deuses e homens, bem como de suas obras mais extraordinárias. Baseado nos
poemas éddicos, também na edda de Snorri e outras fontes históricas relevantes, ele é
uma adaptação livre dos mitos, sem qualquer intenção de formar um dogmatismo sobre
o assunto. O tema é poético, para o agrado e facilidade de entendimento por parte dos
leitores. Repito, é uma adaptação livre dos mitos éddicas, com uma visão pessoal sobre
nossa mitologia.
 
 
No princípio não havia nada, exceto um imenso vazio e escuro que permeava o abismo
de Ginunngagap. Ao sul do abismo havia uma terra mítica conhecida como Muspel,
tomada de fogo e chama, cujas faíscas e labaredas alcançavam as trevas abissais. Ao
norte deste abismo existia Nifhel, uma terra fria, cujo solo é gelo salgado e o ar é um
forte nevoeiro sem fim.
 
Em certo momento uma faísca vinda de Muspel saltou tão alto para o abismo que se
chocou por um instante com um pouco da névoa fria e esvoaçante, vinda de Nifhel.
Desse encontro antagônico aconteceu um degelo no alto do abismo e aquilo que
escorreu formou uma criatura colossal, sem sexo ou forma compreensível, conhecida
como Ymir.
 
Ymir foi o gerador da primeira prole de gigantes. De suas axilas nasceu um casal, sua
primeira prole, e de seus pés brotou a raça dos mais monstruosos trols.
 
Com sede e fome, solitário na imensidão sombria, Ymir vagou pelas geleiras que
cobriam as terras nefastas de Nifhel. Lá encontrou uma vaca sem chifres, chamada
Audhumla, que foi a primeira personificação da Grande Mãe, antes que a ordem em
todo o mundo pudesse existir.
 
Audhumla jorrava quatro rios de leite de suas tetas, que desaguavam no abismo de
Ginungagap. O gigante Ymir, sedento por alimento, mamou avidamente de suas tetas,
enquanto ela mesma lambia o gelo salgado que ali estava.
 
No momento em que ambos se alimentavam, a vaca lambeu de tal forma um bloco de
gelo que este tomou uma forma humanóide e, perfurando-o, nasceu um ser que ficou
conhecido como Búri. E o próprio Búri gerou de si mesmo o primeiro ancestral dos
deuses, conhecido como Bör (ou Börel).

1
 
Acontece que Ymir e sua prole eram as criaturas dominantes nas regiões selvagens que
recém existiam. O primogênito de Ymir chamava-se Bergelmir e este tivera vários
filhos, dos quais apenas destaca-se Bolthorn. E Bolthorn teve sua própria prole, e dela
dá-se atenção especial a dois de seus filhos, Mimir, o sábio, e Bestla, a bela.
 
Bör, o ancestral dos deuses casou-se com Bestla e com ela teve três filhos poderosos,
cujos nomes eram Odin (Fúria), Vili (Vontade) e Ve (Santo); outros dizem ainda que os
irmãos Vili e Vé também foram chamados pelos nomes Hoenir e Lódur (o primeiro é
muito sábio, bonito, mas silencioso, ao passo que o segundo é motivado pelas emoções).
E estes três irmãos não aceitavam o fato da existência selvagem das coisas, nem o caos
ou as leis que eram regidas pelas perversidades dos gigantes. A mente vil do gigante
Ymir era, com certeza, uma ameaça à existência dos primeiros deuses.
 
E assim, Odin, Vili e Vê, tramaram a morte de Ymir. Em uma batalha épica os três
enfrentaram o gigante e por fim o mataram, arremessando seus pedaços e vísceras para
todos os lados. Quando Ymir tombou, o seu sangue, que é a própria água, jorrou para
todos as direções da existência causando um dilúvio, de modo que este afogou e matou
todas as criaturas e gigantes. Os gigantes, então destruídos, já não eram mais uma
ameaça aos três deuses.
 
Entretanto, o primogênito de Ymir, Bergelmir, fez uma arca e navegou com seu clã para
uma região ao extremo norte, que ficaria então conhecida como Jöttunheimr (Morada
dos Gigantes).
 
Após a vitória sobre os Jötun (gigantes), os deuses, que se chamavam eles mesmos de
raça/família Aesir, iniciaram suas grandes obras.
 
Naquela época não havia ainda as ondas, nem o mar, nem a terra, ou o firmamento
acima. E os deuses criaram tudo o que existe.
 
Os três fizeram do sangue de Ymir os mares e rios. E da sua carne a própria terra. De
seus ossos e dentes fizeram as montanhas e rochas. De seus cabelos e pelos fizeram as
árvores e toda sorte de mato. Da sua carne podre apareceram vermes que se
alimentavam avidamente ali.
 
Os deuses perceberam que uns eram belos e atenciosos, enquanto outros eram feios e
mesquinhos. Aos primeiros, os deuses os separaram e deram a eles o nome de Elfos, e a

2
estes foi legada a responsabilidade da saúde e doença sobre todas as coisas que estão
sobre a terra. Aos segundos, os deuses os chamaram de Anões e por sua cobiça, feiúra e
habilidade de lidar com os minérios de toda sorte e foram entregues às profundezas para
tratar das coisas valiosas que estão sob a terra, bem como forjar os tesouros divinos.
 
Então, os deuses pegaram o crânio do gigante Ymir e elevaram-no tão alto que fizeram
a abóbada celeste. Para suportar o peso do céu, foram designados quatro anões que
deveriam sustentar o colosso em suas costas: Nordri (norte), Sudri (sul), Westri (oeste) e
Austri (leste).
 
Pegaram os miolos do gigante Ymir e arremessaram tão forte de modo que jamais
parassem de voar ou girar e assim formou-se o que os homens chamam de nuvens.
 
Ainda pegaram as sobrancelhas grossas de Ymir e criaram uma muralha que separou o
mundo dos gigantes e suas proles dos mundos habitados pelos homens e deuses. Em
Jotunheimr, os gigantes se procriaram e deram continuidade a sua raça.
 
Da raça dos gigantes nasceu uma, de destaque e beleza, que se chamava Narfi, que
amou o sábio Mímir, tendo com ele duas filhas: Urd (destino) e Nótt (noite).
 
A primeira filha veio a compor uma categoria de gigantas videntas (que auxiliariam
futuramente os deuses com conselhos e augúrios) chamadas de Nornor. As Nornor eram
em número de três e além de Urd (que guardava uma fonte auspiciosa, chamada
Urdabruno), havia Verdandi (presente) que distribuía com justiça o destino dos homens
e deuses. E também havia Skuld (desconhecido) que tinha o rosto velado e cortava o fio
de destino dos homens e dos deuses, trazendo a morte. Skuld também é uma das
Walkyrjor, a horda de guerreiras de Odin, que ditam quem vive e morre nas batalhas.
 
A segunda filha de Narfi e Mímir, que era negra, Nótt, teve dois amantes, Delling, um
elfo que trazia o amanhecer todos os dias e Anar, outro elfo que a receberia todos os
dias no crepúsculo. Com Delling teve um belo filho chamado Daeg (dia) e este trazia o
dia todas as manhãs sob o sol. E com Anar ela teve uma filha chamada Jörd (Terra),
para outros era Nerthus, e um filho chamado Njordr (mar). À Nótt e Daeg, Odin
concedeu a tarefa de contar o tempo.
 
E este filho Njordr, que regia o mar, os ventos, a provisão de alimentos e fartura a todos,
deu início a uma raça muito antiga de deuses, anteriores à regência dos Aesir sobre os
nove mundos (que ainda estavam sendo construídos) e eram conhecidos como Vanir,

3
que amavam e habitavam a natureza selvagem. Njordr foi o patriarca e líder dos Vanir,
e o mais limpo de todos os deuses e criaturas.
 
A vida brotou naturalmente da carne de Ymir, uma vez que a própria terra nasceu do
solo, transformando seu espírito em vida, sendo a mãe de todas as coisas vivas, e, por
este motivo, Jörd é chamada de Mãe Terra ou Grande Mãe.
 
Nótt, que é a noite escura, guia um carro que traz as trevas para o firmamento todas as
noites. Seu cavalo saliva de tal forma que pela manhã aparece o orvalho por todo o solo
de Midgard.
 
Mas o céu ainda assim era escuro sobre os mundos e os deuses resolveram buscar a
iluminação celeste. Tiraram faíscas de Muspel e as transformaram nas estrelas. Dois
grandes globos incandescentes foram arremessados, opostos um ao outro, e a cada um
deles os Aesir designaram um gigante amistoso para carregar-los. Ródul (ou Suna) é
bela, está grávida, e guia gloriosamente uma carruagem com cavalos onde está o Sol.
Manni é sábio, possui três esposas (a Lua Cheia, a Lua Crescente e a Lua Minguante) e
ainda a missão de guiar uma carruagem de cavalos onde está a Lua. Ambos precisam
percorrer os céus avidamente, pois dois lobos monstruosos, da raça dos trols, correm
atrás do sol e da lua querendo devorá-los.
 
Os lobos chamam-se Háti (o que tem fome pela lua) e Skól (o que quer comer o sol), e
dizem que no final dos tempos todos os dois finalmente comerão os astros devolvendo
as sombras e o medo para os mundos, cumprindo assim seus destinos. Estes lobos são
filhos do terrível lobo Fenris com sua própria mãe, a bruxa Angrboda.

Ninguém sabe ao certo quando surgiu, mas um poderoso freixo brotou da terra e se
elevou sobre todos os mundos no centro. Se surgiu da carne de Ymir ou se já existia
antes, nada se pode dizer. Apenas sabe-se que a árvore é mágica e sustenta toda a
existência do universo em torno de si. Ela chama-se Yggdrasil e nela habita muitos
seres e criaturas mágicas. O freixo funciona como um santuário ou templo para os
deuses e os Vanir, que são tão parecidos com os Jötun (gigantes), foram considerados os
sacerdotes dos próprios deuses uma vez no passado.
 
Ali as Nornor se reúnem para seus concílios e cuidam da árvore como se fosse sua. Da
raça dos trols e gigantes vieram muitos para habitar Yggdrasil. No seu topo mora um
gigante que assume a forma de águia e possui um falcão entre seus olhos e por isso sua
visão é melhor do que qualquer outro ser que existiu ou venha a existir. Essa águia

4
chama-se Hraesvelg e o bater de suas asas produz o vento que sopra por todos os
mundos. Abaixo da terra, nas profundezas um dragão de nome Nidhogr, que é perverso,
habita e rói as raízes do freixo,com fome, desejando que a árvore um dia venha a ruir. O
dragão e a águia são eternos inimigos, e um esquilo chamado Ratatosk, sobe e desce,
das raízes aos galhos altos, trocando insultos entre um e outro. Também um galo de
ouro senta nos galhos mais altos do freixo, cantando quando o dia chega ou quando
algum perigo se aproxima.

Há também Heidrun, uma cabra especial que passeia sob a sombra de Yggdrasil e se
alimenta de seus galhos mais baixos. Heidrun produz um leite mágico com sabor de
hidromel e alimenta os Einherjor, a horda de fantasmas de heróis, que são os vassalos de
Odin, em seu palácio todas as noites.

Não se pode esquecer dos quatro perigosos cervos, das quais se destaca Eikthyrnir, que
se alimentam das folhas, galhos e caule da árvore, provocando em todos o medo de que
acabem por devorar toda a árvore. Por isso, Urd todas as manhas colhe uma argila
branca de sua fonte e a esfrega nas raízes e caule de Yggdrasil, para mantê-la viva e
saudável. Também rega seu solo com a água da mesma fonte.

Yggdrasil fica ao centro dos mundos e tudo o que existe para ser habitado está em torno
dela. E assim os deuses organizaram os mundos em número de nove. Na realidade, são
todos eles apenas um mundo, um universo, que interagem entre si. Muspel diz-se ficar
ao sul e é a terra do fogo. Nifhel é a terra da escuridão e gelo, que fica abaixo da árvore,
possuindo uma das três raízes do Freixo. Essa raiz possui uma fonte mágica que é
guardada pelo dragão Nidhogr (a fonte Hvergelmir). Uma segunda raiz central mergulha
na fonte de Urd que é guardada pelas Nornor. A terceira raiz se estende longamente para
o país dos gigantes, Jotunheimr, que é coberto por neve, e dizem que de suas águas
provêm sabedoria incomensurável a quem dela beber.

Os países montados pelos deuses são Asgard (Lar dos Aesir), que está no topo de
Yggdrasil, onde roçam o sol e a lua. Juntamente à Asgard está Vanaheimr (País dos
Vanir). Ao sul está Muspel e abaixo da árvore está Nifhel. Em Nifhel há uma morada
especial, um castelo que recebe os mortos, doentes, crianças, etc. chamado de Hel,
governado por uma deusa de mesmo nome, e a este consideramos como um país à parte,
juntamente com os demais.

Também há Midgard, onde Yggdrasil é centro, sendo uma olha, e ali habitará
futuramente os homens e mulheres, que até então não existiam. Midgard e Vanaheimr

5
são unidos por um país chamado Álfheim (País dos Elfos) ou Ljosálfheim (País dos
Elfos Brancos), onde a natureza é vívida e a saúde dos mundos é mantida. Álfheim é
habitado obviamente pelos elfos, que são amigos de homens e deuses. Há também nas
profundezas de Midgard, pouco acima de Nifhel, Nidavellir (Poço das Necessidades),
ou Svartalfheim (País dos Elfos Negros), habitado pelos anões e suas cavernas
suntuosas, que também são chamados de elfos negros.
 
Após isto, os deuses admiraram todas as suas obras. Odin, Vili e Vê, passeando pelas
praias de Midgard, viram duas árvores com formas curiosas. Um freixo e um olmo.
Viram que elas pareciam com eles mesmos e resolveram assim dar vida a estas. Odin
soprou sobre ambas as árvores e as fez respirar, dando-lhes vida, ou alma. Vili (ou
Hoenir) lhes concedeu raciocínio, enquanto Vé (ou Lodur) lhes concedeu o calor e os
sentidos humanos. Ao freixo nomeou-se Askr e foi o primeiro homem da raça humana.
E ao olmo nomeou-se Embla e foi ela a primeira mulher. E foi o primeiro casal humano
a habitar Midgard. Askr e Embla deram início à prole humana para povoar a Terra do
Meio.
 
De todos os deuses e criaturas do norte da Europa há destaque especial para um, Odin.
Ele é chamado de Pai Excelso, pois governa os nove mundos, é senhor da magia, deus
dos mortos, sábio, conselheiro e pai da raça dos deuses e homens.
 
Odin é o mais mulherengo de todos os deuses. Antes que fosse casado, possuiu muitas
amantes. De todas elas destaca-se a própria Mãe Terra, com quem teve seus dois
primeiros filhos: o primogênito Thor, deus do trovão, e a donzela Meili.
 
Thor é muito popular e importante tanto em Asgard como em Midgard. Ele garantia a
segurança de homens e deuses. Tinha uma barba vermelha e era dono de uma imensa
força, bondade e praticidade. Ganhou de presente da raça dos anões um martelo mágico
(o martelo Mjolnir), que também funcionava com um bumerangue, sempre retornando
ao dono. O martelo estalava raios quando em punho e podia matar qualquer criatura
com sua batida. De sua mãe, Thor ganhou duas armas mágicas: um cinto que
multiplicava sua força e um par de luvas que lhe concedia conforto para segurar o
martelo trovejante, sem medo de se ferir. Essa importância e confiança depositada em
Thor por todos se devia ao fato de que ele combatia os inimigos dos deuses, os gigantes,
trols e toda sorte de monstros, com bravura, sempre vencendo, jamais se ferindo. Além
disso, o balanço do martelo de Thor provocava as chuvas que regavam os campos e
colheitas, fazendo as plantações crescer. Logo, sem Thor os deuses estavam indefesos.
 

6
Além da Mãe Terra, Odin teve outras amantes e filhos. Com a giganta Grid teve Vidar,
um deus valente e guerreiro, e com a giganta Rind teve Vali, um deus vingador. Com a
giganta Gunlod (a guardiã do hidromel da poesia), filha de Suttung, teve Bragi, deus da
poesia, patrono dos skalds. Com as nove Ondas (filhas dos gigantes do mar Aegir e
Ran) ele teve Heimdallr, o Branco, guardião dos portões de Asgard, cujos sentidos são
tão espetaculares que consegue ele ver a grama brotando em Midgard ou ouvir a lã
nascendo nas ovelhas. Afora as amantes com quem Odin não teve filhos, dentre elas
está sua predileta Freyja, a mais bela e sexual de todas as deusas que existem. Dizem
que Freyja já se deitou com todos os deuses e elfos.
 
Freyja é a principal de todas as deusas. Foi muito jovem morar com o pai, Njordr, em
Asgardr. Ganhou um suntuoso castelo de Odin e foi sua mais evidente amante. Sua
beleza não podia ser comparada a nada, assim como sua sexualidade era aflorada.
Freyja era uma poderosa bruxa, detentora de conhecimentos permitidos somente às
mulheres, como o seidr. Também era a rainha das Walkyrjor de Odin, pois cavalgava
com elas em busca dos fantasmas dos guerreiros. Freyja cavalgava um javali e também
tinha um carro puxado por dois gatos. Teve um marido, que não se sobe a origem, se ele
era humano ou deus, que a abandonou, deixando-a com duas filhas. Pelo marido
perdido, Od, a deusa chorou lágrimas especiais: as que caíram no mar viraram âmbar e
as que caíram em terra tornaram ouro. Freyja também excitava a terra, afastando o frio e
a fome, atraindo a vida: os campos cresciam, as flores brotavam, os animais ficavam
prenhes, as mulheres engravidavam, os frutos nasciam. Possuía um colar mágico que
lhe devolvia a alegria e o desejo sempre que o usava (na realidade, nunca se separava
dele).
 
Acontece que os deuses nórdicos, Aesir e Vanir, são raças de deuses belicosos, que
regem principalmente assuntos do céu e da terra. E estas raças estavam em constantes
disputas por domínios. Os Vanir, que dominavam as terras e nelas eram amados, muito
antes dos Aesir chegarem a Asgard, estavam inconsoláveis sobre o poder dos novos
deuses. Do lado dos Vanir, liderados pelo patriarca Njordr e sua irmã-amante, a Mãe
Terra, estava a sua família, que são deuses essenciais à vida, como seu filho Freyr (que
traz a paz e a abundância para a terra) e sua filha Freyja (que fazia a colheita crescer, os
animais ficarem prenhes e as mulheres engravidar), etc.
 
Entre os Aesir, o governante é Odin e sua família habita com ele. Odin teve muitos
filhos com amantes diversos, mas acabou por casar-se com Frigg, que era bela e
distinta. Frigg era filha de Fyorgvin, uma deidade, que não se sabe ser masculina ou
feminina, mas que rege como muitas outras a fecundidade da terra. Ainda diz-se que,

7
por isso, a deusa Frigg descenda da raça dos Vanir. Fyorgvin, além de Frigg, também
gerou Fulla, que mora com a irmã, em Fensalir.

Com Frigg, sua esposa e fiel companheira, Odin teve três filhos. Hermod, que era veloz
e agia como mensageiro e cavaleiro dos Aesir e os gêmeos Hödr e Baldr. Hödr era cego
e por isso era facilmente guiado e manipulado pelos deuses, enquanto Baldr era bonito,
sábio, justo e ainda era o mais bem amado de todos os deuses que existem. A justiça de
Baldr era infinita e sua presença inibia qualquer conflito incitando a paz. Sua beleza e
alvidez era tanta que chegava a brilhar, encantando qualquer criatura por onde passasse.
A compaixão que Baldr tinha por todas as coisas abalava os sentimentos de um outro
deus, chamado Loki, o Pai do Lobo. É Loki quem provocará em um futuro, não muito
distante, a morte de Baldr, através de Hödr.

Loki não é exatamente da raça dos Aesir, apesar de ser irmão de criação de Odin. É da
raça dos Jötun e sua insanidade é tamanha que jamais se sabe quando ele age por bem
ou mal, quando fala a verdade ou mente. Filho de dois gigantes, Laufy (Ilha
Arborizada), uma giganta da água e Farbauty (Aquele que bate e tira faíscas), um
gigante do fogo. Loki rege o fogo e a água, a criação e a destruição, o bem e o mal, o
equilíbrio entre a ordem e o caos, mesmo apesar de sempre parecer se inclinar para
atitudes e pensamentos malévolos. Loki é uma personalidade indispensável no destino
de Asgard.

Quando jovens, Loki e Odin fizeram um pacto de sangue e se tornaram irmãos. Assim
Loki, por lei, passou a comungar de todos os direitos reservados à Odin em Asgard,
habitando junto dele. Também recebeu a mesma sabedoria que o Pai Excelso possuía. O
sangue é o veículo da vida e do poder e através dele Loki despertou como Odin havia
despertado.

Assim como Odin, Loki teve muitas amantes, além de sua esposa. É casado com Sigyn,
uma deusa omissa, mas honrada, e com ela teve dois filhos: Nari e Vili (em homenagem
ao querido irmão de Odin que foi habitar com os Vanir). Diz-se que já foi amante de
todas as deusas, casadas e solteiras, e que sua beleza se compara a de Baldr, seu rival.
 
De todas as amantes de Loki uma atenção especial precisa ser dada a Angrboda
(Prenunciadora do Sofrimento), Rainha das Gigantas Bruxas do Bosque de Ferro. O
Bosque de Ferro é uma região selvagem no País dos Gigantes, habitado por um grupo
de bruxas horrendas, chamadas de esposas dos gigantes e dos trols, cuja mais poderosa é
Angrboda. Com ela, Loki teve três filhos que são considerados os principais inimigos

8
do mundo: o lobo Fenris (cuja fome devorará todas as coisas que existem até que o fim
chege), a serpente Jormungandr (cuja ira destruirá todos os mundos com seu veneno) e
Hel (a própria morte, cuja existência faz com que o frio, a doença e as pragas existam
até que tudo esteja morto sob a terra). Em certo episódio no futuro, Loki matará sua
amante Angrboda e fará um churrasco com seu coração, se transformando assim nela
mesma, tornando-se ele fonte de dor dos deuses, pai e mãe dos monstros.
 
Quando as crianças de Loki nasceram, Odin cavalgou até as Nornor para pedir
conselhos e previsões. As deusas disseram que as crianças seriam a ruína dos deuses. O
destino é inexorável, mas cabia a Odin separar as crianças da mãe, que teriam uma
criação pior do que junto ao pai. Sem fuga de seu destino, Odin fez o que estava ao seu
alcance, criando cárceres.
 
Odin lançou a serpente nos oceanos de Midgard e lá Jormungandr permence
profundamente, mordendo a própria cauda. Hel foi levada ainda criança para Nifhel,
onde foi construído um palácio, de mesmo nome, para ela habitar. Servos de toda sorte
esquisitos foram escolhidos para auxiliar-la em seus afazeres. Já Fenris, que pareceu
tão pequeno e inocente, não quiseram nem matar, nem prender o lobo. Preferiram criar
o lobo como animal de estimação. Entretanto o animal cresceu tanto e ganhou tamanha
fome e fúria que ninguém mais tinha coragem de alimentá-lo, exceto Tyr. O próprio Tyr
em um ato de coragem sacrificou sua mão direita na boca do lobo para que os Aesir
pudessem prendê-lo em amarras mágicas, até o fim dos tempos.
 
Voltando ao princípio, sempre houve as tais disputas de território e domínios entre os
Vanir e os Aesir, mas uma guerra até então não havia sido declarada.
 
Uma embaixadora da raça dos Vanir foi enviada para visitar a nova morada dos Aesir,
Asgard. Acontece que esta embaixadora era Gullveigg (Impregnada de Ouro), uma
feiticeira poderosa e muito rica, que não demonstrava humildade em exibir sua magia e
seu ouro diante dos olhos dos Aesir e seus parentes. E isso provocou a ira e cobiça dos
Aesir.
 
Os Aesir furaram-na com uma lança em Asgard e a queimaram por três vezes e três
vezes ela renasceu das cinzas. Gullveig podia assumir, assim como Freyja, uma forma
de ave e voar para todos os lugares e assim o fez, retornando a terra dos Vanir.
Chegando lá, narrou a ira dos Aesir sobre ela e a descortesia dos mesmos para com a
raça dos Vanir. Assim estes últimos declararam guerra contra os Aesir.
 

9
A guerra durou muito tempo, pois as forças eram muito poderosas dos dois lados.
Njordr liderava os Vanir e tinha seu filho Frey, que era exímio guerreiro com a espada e
não podia ser vencido enquanto empunhasse uma. Enquanto os Aesir, liderados por
Odin, tinham Tyr, filho de Hymir (Aegir), que era um general de guerra sábio e sempre
trazia consigo a vitória de todas as batalhas. Entretanto, jamais conseguiram que uma
das famílias conseguisse a vitória para si, sempre empatando nas batalhas.

Cansados da guerra, os Aesir e Vanir foram sensatos e decidiram por uma trégua.
Deveriam trocar reféns. Cada um mandaria seus melhores deuses para habitar no país
vizinho como um símbolo de amistosidade.
 
Os Vanir enviaram Njordr e seus dois filhos, Frey e Freyja, para morar em Asgard,
enquanto os Aesir enviaram o sábio Mímir (tio de Odin) e o belo, mas silencioso,
Hoenir (Vili).
 
Ao passo que os Vanir mandaram seus deuses mais essenciais e queridos aos Aesir,
acharam um insulto, vindo de Asgard, estes terem enviado dois deuses inúteis (pois para
os Vanir, que são deuses de ação, da natureza, do sexo, do sangue, a sabedoria e a
cortesia pouco importa nas questões de sobrevivência) e assim decidiram matar um dos
reféns: Mímir.
 
Cortaram a cabeça de Mimir e a enviaram aos Aesir. Odin recolheu a cabeça do tio,
entoou encantamentos, entalhou runas na mesma e assim ela permaneceu lúcida, para
que Odin pudesse consultar o tio quando necessitasse. A cabeça de Mimir foi levada
para Jotunheimr para guardar a fonte da sabedoria que jaz em uma das raízes de
Yggdrasil. Certa vez, Odin ousou beber da fonte da sabedoria, mas a cabeça de Mímir
lhe exigiu um sacrifício em troca. Odin doou seu olho esquerdo e dessa forma se tornou
sábio. A troca de domínio entre Mímir, como deus da sabedoria foi feita e agora era este
era o espaço de Odin.
 
E como não houve ainda uma paz oficial que pudesse estabelecer a tranqüilidade no lar
e coração de todos os deuses, todos eles decidiram se encontrar para selar a paz
definitiva.
 
Os deuses levaram um vaso consigo e, como de costume em um acordo oficial, todos
eles cuspiram dentro. Da mistura de salivas divinas dentro do vaso nasceu um sábio e
poético deus chamado Kvasir. Mas a vida dele foi breve, pois logo em seguida dois
anões, cobiçando as propriedades mágicas internas do deus, o mataram, deixando todo

10
seu sangue drenar para dentro de três grandes potes. Cozinharam o sangue de Kvasir
com mel e assim forjaram o mágico hidromel da poesia. O hidromel da poesia poderia
dar o dom da inspiração, da poesia e da eloqüência com sabedoria para aqueles a quem
dele beber.
 
Os infelizes anões que mataram Kvasir foram longe demais. Em sua cobiça e maldade
mataram dois gigantes: Gilling e sua esposa. Acontece que Gilling era pai de um
poderoso gigante das montanhas, chamado de Suttung. Suttung, em vingança, prendeu
os anões dentro de uma rocha e os deixou no mar para se afogarem. A condição para se
salvassem seria entregar o hidromel mágico para o gigante e assim fizeram.
 
Por esse motivo os skalds chamam a poesia de “sangue de Kvasir” ou “navio dos
anões”.
 
Mas a estória não termina com Suttung. O hidromel da poesia tornou-se um bem
precioso, requisitado por todos os deuses e Odin o desejava mais que tudo naquele
momento. Odin, hábil em disfarces, magia e nas artes da mentira, tomou a forma de
Bolverk e visitou a morada de Suttung, nas montanhas.
 
Chegando lá, encontrou os gigantes vassalos de Suttung arando a terra e se ofereceu
para ajudar. Afiou suas foices de tal forma que elas ficaram perfeitas e todos eles
começaram a brigar por qual seria a melhor de todas. E através da intriga criada por
Bolverk (Odin) terminaram cortando a garganta uns dos outros e mortos. Então Bolverk
assumiu a aragem da terra, fingindo-se servo e deixou-se contratar por Baugi, que era
irmão de Suttung e cuidava de suas terras na ausência do gigante. Bolverk pediu em
troca, como pagamento, um único gole do hidromel da poesia e assim Baugi concordou
por ora.
 
Embora chegado o momento de Baugi pagar sua dívida com Bolverk, o primeiro não
quis deixar sequer um gole sair do recipiente, o que irritou o Odin disfarçado. Mas
Odin, como narrado, é hábil das artes da intriga e acabou por convencer Baugi a pelo
menos ajudá-lo a furtar o hidromel. E assim eles fizeram um buraco na montanha onde
Suttung vivia e Odin entrou furtivamente sob a forma de uma serpente. Chegando à
morada de Suttung deparou-se com a guardiã do hidromel, que era a donzela Gunlod,
filha de Suttung, com quem Odin dormiu por três noites de amor, o que lhe concedeu o
direito de beber três goles do hidromel. Mas Odin era esperto. Em três goles ele
conseguiu sorver todo o conteúdo que estava armazenado nos três recipientes e,
assumindo a forma de uma águia, voou em direção a Asgard.

11
Com Gunlod teve um filho chamado Bragi, que era o deus da poesia e morava com o
pai em Asgard, cantando suas batalhas. Bragi dizem ser efeminado, mas casou-se com a
bela Idun, a mais bonita das filhas do anão Ivaldi. Idun era uma deusa importante pois
guardava um cesto de maçãs mágicas que devolviam a juventude e saúde aos deuses,
quando estes pereciam pela velhice.

De volta a Asgard, fugindo de Suttung, Odin cuspiu o que restou do hidromel da poesia
em um pote chamado Odroerir, onde é mantido.

Ainda há de se contar como Asgard foi formada. Após habitar Asgard em paz, os deuses
iniciaram as obras internas de seus suntuosos palácios. Odin vivia em um palácio
chamado Válaskjálf, cujo telhado era de prata e onde uma das altas torres havia um
trono mágico (Hlisdiskjálf), de onde podia mirar todos os nove mundos com clareza e
detalhes. Odin tinha outra morada chamada Valhalla (Palácio dos Aniquilados), onde
habitavam os fantasmas de seus servos em vida, dos homens sacrificados ao deus, os
nobres e os guerreiros mortos em batalhas. No Valhalla, havia o Valhöll, um salão onde
todas as noites era servida a carne de um javali mágico (que renascia todas as manhãs) e
as Walkyrjor serviam o hidromel sorvido de Heidrun (a cabra de Yggdrasil) para os
fantasmas festejarem. Estes mesmos fantasmas durante o dia animavam corpos e
renasciam para batalhar novamente. Batalha de dia, descanso de noite.

Em Asgard também havia Folkvangr (ou Sessrúmnir), a morada da deusa Freyja e suas
Walkyrjor e Dísir (os fantasmas das matriarcas de cada família), também recebendo em
seu palácio metade dos fantasmas que caiam em batalha por Odin. Com Odin ela dividia
todas as almas após a morte. Este suntuoso palácio foi construído para ela quando ela
veio morar em Asgard com sua família. De seu palácio, Freyja salta a noite ao ar,
usando sua capa mágica de penas de falcão, que lhe dá o poder de transformar-se em
ave e voar.

Existe também um lugar bonito, chamado Gimlé, que é um dos céus sobre Asgard, para
onde vão os fantasmas dos justos e sábios, morar com elfos de igual tendência.

Também havia Thrudvangar, onde Thor morava com sua esposa e filhos. Thor era
casado com uma deusa de cabelos de ouro chamada Sif, que regia o crescimento das
colheitas douradas, como a cevada, o milho, o trigo, etc. Também com ele moravam os
seus filhos gêmeos Mágni (poder) e Módr (bravura) e sua bela filha Thrud, que não é
filha de Sif, mas sim da amante giganta de Thor, conhecida como Járnsaxa. Sif também

12
trouxe um filho de outra relação, que é enteado de Thor, chamado Ullr. Ullr é um deus
da caça e do inverno e em um futuro distante, quando Odin será supostamente expulso
de Asgard, Ullr governará os Aesir durante dez anos. Em seu palácio, Thor recebia os
fantasmas dos camponeses, dos simples e dos indefesos.
 
Heimdallr morava em um palácio chamado Himinbjorg (Penhasco ou Monte do Céu)
que fica exatamente na entrada de Asgard, conectado aos outros mundos por uma ponte
arco-íris, chamada Bifrost (arco flamejante). De lá, Heimdallr observa a tudo
atentamente, em todas as direções. Empunhando Gjalhahorn, seu chifre-trombeta, ele o
sopra quando eventuais perigos se aproximam.

Em Fensalir foi feita a morada de Frigg e seu coro de parentas e atendentes, que,
enquanto Odin se aventura fora, passam elas as tardes fiando as nuvens. Hlin e Gna são
as atendes mais promissoras de Frigg e Syn é a guardiã da entrada do castelo. Sua irmã
Fulla a acompanha para todos os lados e também serve de mensageira da deusa. Uma
corte de outras asynjor também moram em Fensalir. Ali também são recebidos os
fantasmas dos casais que foram fiéis e muito companheiros durante a vida, se assim
desejarem.

Nas belas praias de Asgard há uma morada especial chamada Noatún. Ali habita Njordr,
deus marinho, o antigo rei dos Vanir. Em um futuro, com ele virá morar sua valente
esposa, a giganta Skadi, filha de Thiassi, que regia as nevascas e a caça. Mas Skadi não
permanecerá por longo tempo junto do marido, pois ama as montanhas nevadas e o uivo
dos lobos mais do que o barulho das ondas e dos pássaros marítimos.

O mais belo dos palácios erigidos foi com certeza Breidablik, a morada de Baldr e sua
esposa. Sua morada é bela e brilhante e nenhuma coisa impura é permitida neste local.
Os campos e jardins de seu palácio são tão brilhantes e brancos que são da mesma cor
dos cabelos do deus. A esposa de Baldr se chama Nanna, e fora outrora uma princesa
muito bonita, de origem já esquecida. Dizem que assim como o deus, fora humana um
dia. Com Baldr, Nanna teve um filho chamado Forseti, que reinava em uma ilha
dinamarquesa, em Midgard. Forseti era patrono dos juízes, pois sua habilidade sobre a
justiça e as assembléias dos homens era indiscutível; o palácio de Forseti é chamado de
Glitnir.

Quando Frey deixou a juventude, os deuses deram a ele de presente o país Ljosalfheim
para reinar e governar os elfos. No futuro, Frey virá a se apaixonar por uma donzela do

13
submundo, em Jotunheimr, que é muito branca e bonita, de nome Gerdr, com quem se
casará.

Entretanto, Asgard não tinha seus limites protegidos. Os deuses precisavam que estas
moradas ficassem protegidas e decidiram que deviam construir muros. Um gigante, que
era exímio obreiro, ofereceu ajuda e prometeu um grande colosso esplêndido que
manteria qualquer inimigo a distância. Acontece que ele impôs uma condição: se a
muralha ficasse pronta no período de um inverno, o gigante poderia levar consigo a
deusa Freyja como recompensa, mais o sol e a lua.
 
Os deuses acreditaram que ele levaria dezenas de invernos para construir tal colosso e
jamais completaria a tarefa, acabando por pagar com a vida.
 
Embora os deuses acreditassem nisso, não esperavam que o gigante iria receber a ajuda
de seu cavalo mágico Svadilfari, que movia as pedras para ele de dia e trabalhava a
noite, fazendo duas vezes mais que seu mestre. Três dias antes da chegada da primavera
e a fortificação já estava quase pronta. Os Aesir entraram em desespero ao se lembrar
das condições, pois jamais poderia entregar a deusa Freyja, pois sem ela os campos não
cresceriam jamais, as colheitas não deriam alimento, nem as mulheres engravidariam
em canto algum.
 
Foi Loki quem deu a idéia e foi sagaz em sua atitude. Loki assumiu a forma de uma bela
égua e atiçou o cavalo, atraindo-o para as matas. O gigante infeliz jamais pôde terminar
sua obra, e quando Thor retornou de uma viagem não hesitou em matá-lo com seu
martelo. O encontro da égua com Svadilfari foi promissor, pois da união de ambos
nasceu Sleipnir, filho de Loki, cavalo de oito patas, que foi dado de presente a Odin.
Odin o cavalga para todos os cantos pelos ares. Não existe ganharão melhor do que
Sleipnir.
 
Em Asgard, os deuses e suas famílias cresceram e formaram seus lares. Por lá aconteceu
muitas coisas após as construções.
 
Vagner Cruz

14

Você também pode gostar